Livro a-saude-em-debate-na-educacao-fisica-pdf

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  • 1. Marcos Bagrichevsky Alexandre Palma Adriana EstevoA SADE EM DEBATENA EDUCAO FSICA Blumenau, dezembro/2003
  • 2. Presidente Dr. Edmundo Pozes da Silva Conselho Editorial Dra. Helena Maria de M. Gomes Dr. Nestor Adolfo Eckert Dra. Suzana Sedrez Coordenador Executivo Dr. Nestor Adolfo Eckert Copyright 2003 by Edibes Editora 1 EdioTodos os direitos reservados: proibida a reproduo total ouparcial de qualquer forma ou por qualquer meio. A violao dos direitos do autor (Lei n 9.610/98) crime estebelecido pelo artigo 184 do Cdigo Penal. S255s A sade em debate na educao fsica / Marcos Bagrichevsky, Alexandre Palma e Adriana Estevo (orgs.). Blumenau(SC) : Edibes, 2003. 191p. ISBN: 85-88929-03-1 Vrios autores. Inclui bibliografia. 1. Atividades fsicas - Sade. 2. Educao fsica Promoo da sade. 3. Sade - Aptido fsica. I. Bagrichevsky, Marcos. II. Palma, Alexandre. III. Estevo, Adriana. CDD 21. ed. - 613.71Elaborada por Roslia Maria Senger - CRB 14/628 Contatos para Aquisio do Livro E-Mail: [email protected]
  • 3. SumrioApresentao..............................................................................7Sobre os autores..........................................................11Artigo 1 - Consideraes tericas acerca das questesrelacionadas promoo da sade Alexandre Palma; AdrianaEstevo; Marcos Bagrichevsky...........................................15Artigo 2 - Anlise sobre os limites da inferncia causal nocontexto investigativo sobre exerccio fsico e sade Alexandre Palma; Marcos Bagrichevsky; AdrianaEstevo.....................................................................33Artigo 3 - Desigualdade Social e Atividade Fsica WilliamWaissmann......................................................................................53Artigo 4 - Quem vive mais morre menos? estilo de riscos epromoo de sade Luis David Castiel...........................79Artigo 5 - Qualidade de vida, corpos aprisionados SaleteOliveira............................................................................................99Artigo 6 - A sade como objeto de reflexo filosfica SandraCaponi................................................................................115Artigo 7 - Educao fsica escolar como via de educaopara a sade Fabiano Pries Devide ...............................137Artigo 8 - Eqidade de gnero e sade: desafio dos novostempos sociais Ludmila Mouro; Ctia Duarte...............151Artigo 9 - Exerccio fsico e sade: da crtica prudente Carlos Magallanes Mira..................................................169
  • 4. Apresentao Coube-nos a tarefa inaugural, na qualidade deorganizadores do livro que ora se apresenta e tambm demembros do Grupo de Trabalho Temtico Sade (GTT1) doColgio Brasileiro de Cincias do Esporte (CBCE), de tentaranunciar a relevncia e o significado da produo de tal obra,sobretudo para o universo que circunscreve a rea que seconvencionou chamar de Educao Fsica. imprescindveldeixar claro que a viabilizao desse projeto no fruto apenasda juno de diferentes ensaios apresentados pelos autoresconvidados. Nessa apresentao, julgamos fundamental resgataro percurso trilhado em nossos dois anos de atividade noGTT1, pois ao relatar: a) os objetivos iniciais que nos 7mobilizaram nessa empreitada; b) os pressupostos eproblematizaes que conferiram fundamento s nossas aes;c) as realizaes e os produtos gerados a partir de nossasintervenes; acabamos discorrendo para o leitor os motivospelos quais nos empenhamos para a concretizao do livroem questo. Na verdade, o conjunto desses escritos intitulado Asade em debate na educao fsica, referenda um ciclo deesforos coletivos articulados no perodo 2001/2003, no qualestivemos frente dessa instncia institucional, buscando pormeio de diversas estratgias 1, ampliar as possibilidadesterico-metodolgicas de se investigar, analisar, discutir einterpretar os fenmenos subjacentes ao tema sade,particularmente, no mbito da Educao Fsica. Tambmambicionamos dar flego a um frum permanente dediscusses no pas, em torno de nosso objeto central, tentando1 Em 2002, tambm foi produzido o I CICLO DE CONFERNCIAS A sade em debate na educaofsica; em 2003 foi produzida e distribuda (inicialmente) para 15 estados brasileiros a COLEO DEVDEOS A sade em debate na educao fsica (essa ltima, composta pelas quatro conferncias doevento + a mesa redonda Educao fsica e sade: releitura e perspectivas, apresentada no XII Conbrace/2001 pelos profs. Alexandre Palma e Yara Carvalho)
  • 5. desvelar, nessa perspectiva, suas imbricaes com a rea. A presente coletnea de artigos pretende explorar a riqueza dos diferentes campos do saber (sade coletiva, sociologia, antropologia, filosofia, biologia, cincias polticas, etc.), os quais, em nossa opinio, deveriam permear mais visceralmente, as anlises sobre sade e doena e, ficar menos margem nas investigaes desenvolvidas na Educao Fsica. Tentamos, com isso, propiciar/estimular novos olhares, de percepo mais crtica e abrangente em futuras pesquisas a serem realizadas em torno dessa temtica. Na persecuo de tais objetivos, tambm reconhecemos a necessidade de demarcar nosso posicionamento ideolgico, em relao ao status de boa parte da produo do conhecimento acerca da sade, que tem se desenvolvido no interior dessa rea cientfica, visto que a perspectiva por ns desejada, parece se apresentar, de certo modo, como um contraponto viso hegemnica, advinda de correntes mais conservadoras da Educao Fsica. Nessa perspectiva, no admitimos como eixo norteador da discusso, apenas o vis biolgico da atividade fsica. Como j foi dito8 anteriormente, vislumbramos considerar, tambm, as contribuies que outras interfaces do conhecimento (diferentes do saber biomdico) podem nos oferecer para a compreenso da problemtica complexa pertinentes ao tema. Nos parece que, particularmente, em congressos, livros e peridicos cientficos da Educao Fsica, a abordagem predominante da sade tem sido privilegiada com uma viso que tem buscado/explorado muito mais os aspectos fisiolgicos relacionados a esse objeto, em detrimento de outros enfoques. A relao que predomina nessa tendncia hegemnica a da atividade fsica e sade, a qual vem sendo incessantemente explorada como fenmeno de causa e efeito, ou seja, a sade entendida como conseqncia, quase exclusiva, de uma atividade fsica regular, o que parece implicar na compreenso que no leva em conta outros fatores contextuais, aos quais as pessoas esto submetidas (distribuio de renda, condies de moradia e alimentao, disponibilidade de tempo, interesse, prazer, acesso ao servios de sade...). O debate sobre a necessidade de se buscar interpretaes diferenciadas em estudos sobre sade na
  • 6. Educao Fsica, alm das j tradicionais anlises biolgicas,comeou a se delinear no XII Congresso Brasileiro de Cinciasdo Esporte, promovido pelo CBCE em outubro de 2001. Naocasio, a atual comisso cientfica do GTT1-Sade foi formadae traou um plano geral para percorrer esse caminho. Em realidade, a organizao embrionria dessacoletnea, comeou a ser pensada a partir da realizao do ICiclo de Conferncias A Sade em debate na Educao Fsica,que aconteceu nos meses de outubro e novembro de 2002,sob a chancela do prprio CBCE e com apoio da UniversidadeEstadual de Campinas (UNICAMP), da Universidade de SoPaulo (USP) e da Universidade Gama Filho (UGF). No evento, quatro conferncias foram realizadas nototal. Pesquisadores ilustres, oriundos de diferentes reas,brindaram os profissionais da Educao Fsica com suas idias.O intuito do referido empreendimento foi disponibilizar aesses profissionais, as mais recentes discusses presentes nocampo da sade coletiva, sade pblica e cincias sociais e,difundir as reflexes e posies tericas essenciais compreenso da sade. Esperava-se, desse modo, contribuir 9para subsidiar polticas e intervenes que fossem capazes demelhorar a situao da sade da populao brasileira e,principalmente, para refletir criticamente, sobre o que vemsendo produzido no espao acadmico, bem como, sobre asparcas intervenes pblicas no setor. Na conferncia de abertura, o Professor DoutorGasto Wagner de Campos, da Sade Coletiva da UNICAMP ,discorreu sobre Polticas Pblicas de Sade, demarcandocomo o campo da sade pode ser rico para o pensar e ofazer do educador fsico e para o coletivo e o pblico, emdetrimento do individual e do privado. Na segunda apresentao, Luis David Castiel,Professor Doutor da Escola Nacional de Sade Pblica daFundao Oswaldo Cruz (ENSP/FIOCRUZ), trouxe tona,o tema A medida do possvel: risco e sade. O debateincorporou uma rigorosa reflexo acerca dos problemascentrais da epidemiologia contempornea, tais como arelativizao da idia de risco e sua suposta neutralidade. O Professor Doutor Edson Passetti, das CinciasSociais da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC/SP), na conferncia seguinte, abordou o tema Poltica e
  • 7. Sade, pontuando sobre outros modos de pensar e viver a sade para alm daquela freqentemente vinculada com a cura de doenas. A ltima das quatro apresentaes que compuseram o evento foi proferida pelo Professor Doutor William Waissmann, tambm da ENSP/FIOCRUZ. Com a temtica central intitulada Desigualdade social e atividade fsica, o professor versou sobre o panorama atual das desigualdades sociais e biolgicas e buscou analisar as questes relativas promoo da sade dentro desse contexto. Na presente coletnea teremos, novamente, a rica possibilidade de nos deparar com as idias de dois desses pesquisadores. No entanto, tambm foram reunidos outros nomes importantes, que tm procurado desenvolver estudos a partir de enfoques mais abrangentes e diferenciados. Os artigos inditos aqui reunidos, recortam ento, um universo ainda pouco explorado na Educao Fsica. Esperamos que o livro, pela qualidade dos autores convidados e pela consistncia de seus ensaios, consiga alcanar os objetivos primrios e provoque uma reflexo constante nos estudantes, professores,10 pesquisadores e interessados na temtica da sade e suas mltiplas interfaces. Marcos Bagrichevsky Alexandre Palma Adriana Estevo2 2 Membros da Comisso Cientfica do GTT1"Sade/CBCE, na gesto 2001-2003; E-mail para contato: [email protected]
  • 8. Sobre os autoresADRIANA ESTEVODoutoranda pelo Programa de Ps-Graduao em CinciasSociais da PUC/SP;Mestre em Educao (FURB/SC);Professora do Departamento de Educao Fsica da FURB/SC;ALEXANDRE PALMADoutor em Sade Pblica (ENSP/FIOCRUZ/RJ); Mestreem Educao Fsica (UGF/RJ);Professor dos Cursos de Educao Fsica das UniversidadesGama Filho e Estcio de S/RJ;Coordenador do Salus (Grupo de Pesquisa em EducaoFsica e Sade - Universidade Gama Filho) 11CARLOS MAGALLANES MIRAPs-doutor pela Ball State University (EUA) e University ofNorth Carolina (EUA);Doutor e Mestre em Educao Fsica (UGF/RJ);Diretor e Docente do Instituto Universitario AsociacinCristiana de Jvenes (IUACJ), Montevidu, UruguaiCTIA DUARTEMestranda em Educao Fsica (UGF/RJ);Integrante do Laboratrio do Imaginrio e dasRepresentaes Sociais da Educao Fsica, Esporte e Lazer(LIRES) e do Grupo de Estudos de Gnero, EducaoFsica, Sade e Sociedade (GEFS),da Ps-graduao em Educao Fsica da UniversidadeGama Filho.
  • 9. FABIANO PRIES DEVIDE Doutor em Educao Fsica (UGF/RJ); Mestre em Educao Fsica (UGF/RJ); Professor das redes pblicas de ensino do Estado (RJ) e do Municpio de Terespolis/RJ; Professor do Curso de Educao Fsica da Universidade Estcio de S/RJ LUDMILA MOURO Doutora e Mestre em Educao Fsica (UGF/RJ) Professora da Graduao e Ps-graduao da UGF/RJ; Pesquisadora do Laboratrio do Imaginrio e das Representaes Sociais da Educao Fsica, Esporte e Lazer (LIRES); Coordenadora do Grupo de Estudos Gnero, Educao Fsica, Sade e Sociedade (GEFS), da Ps-graduao em Educao Fsica da Universidade Gama Filho. LUIS DAVID CASTIEL Doutor em Sade Pblica (ENSP/FIOCRUZ/RJ)12 Professor Ps-graduao e Pesquisador da Escola Nacional de Sade Pblica (ENSP/FIOCRUZ/RJ) MARCOS BAGRICHEVSKY Doutorando no Programa de Ps-Graduao Sade da Criana e do Adolescente (CIPED/FCM/UNICAMP); Mestre em Educao Fsica (UNICAMP); Professor do Curso de Graduao em Educao Fsica e Pesquisador da UNICASTELO/SP (Coordenador do Grupo de Pesquisa Teoria e Metodologia do Treinamento Contra- Resistido) SALETE OLIVEIRA Doutora em Cincias Sociais (PUC/SP); Pesquisadora no Nu-Sol (Ncleo de Sociabilidade Libertria do Programa de estudos Ps-Graduados em Cincias Sociais da PUC-SP); Professora na Faculdade Santa Marcelina/SP
  • 10. SANDRA CAPONIDoutora em Lgica e Filosofia da Cincia (UNICAMP).Professora Adjunta do Departamento de Sade Pblica daUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC);Pesquisadora de CNPqWILLIAM WAISSMANNDoutor em Sade Pblica (ENSP/FIOCRUZ/RJ)Professor Ps-graduao e Pesquisador da Escola Nacionalde Sade Pblica (ENSP/FIOCRUZ/RJ) 13
  • 11. CONSIDERAES TERICAS ACERCA DAS QUESTES RELACIONADAS PROMOO DA SADE Alexandre Palma; Adriana Estevo; Marcos Bagrichevsky11. SOBRE A SADE Por certo tal fenmeno tem se constitudo comoum dos mais relevantes aspectos da vida humana. Diminuiras taxas de mortalidade infantil, aumentar a expectativa devida, transpor as barreiras das doenas incurveis, vencer odesafio da qualidade de vida, tudo isto e muito mais, temfeito parte da incansvel vontade de se melhorar a sade.Mas, de fato, o que sade? Embora possa, a priori, parecer um pergunta tola ou 15mesmo sem propsito, essa , com certeza, uma questocrucial e por dois bons motivos (que esto imbricados):primeiro, porque a resposta indica posies marcantes arespeito da compreenso do fenmeno e, conseqentemente,da tomada de decises. Segundo, porque permite pensar oslimites do conceito em relao realidade. Dentro dessa perspectiva, o primeiro motivo rompecom o processo de naturalizao que acompanha oentendimento do que sade. De acordo com Czeresnia(1999), a sade pblica foi formada em articulao com amedicina e essa a partir da efetiva utilizao do conhecimentocientfico e, mais especificamente, das cincias positivas. Assim,o discurso cientfico adotado pelas prticas mdicas ou desade foram circunscritos por conceitos objetivos, no desade, mas de doena (Czeresnia, 1999; Coelho & AlmeidaFilho, 2002). O conceito de doena, por sua vez, foi construdoa partir de uma reduo do corpo humano, considerando osaspectos morfolgicos e funcionais definidos pela anatomia e1 Membros da Comisso Cientfica do GTT1"Sade/CBCE, na gesto 2001-2003
  • 12. fisiologia. nesse sentido, que surge uma primeira crena de que sade pode ser expressada como ausncia de doenas. Embora, seja possvel aceitar que as descobertas anatmicas e fisiolgicas tenham ocorrido muito antes do positivismo, importante lembrar que a cincia experimental teve um grande desenvolvimento durante os sculos XVII e XVIII na Inglaterra, possivelmente, devido sua interao com uma filosofia de carter empirista. William Harvey, considerado o pai da fisiologia e que descreveu o sistema circulatrio, e Isaac Newton, o fsico mais importante da poca moderna, so alguns dos nomes que ilustram bem o desenvolvimento de tal poca. O empirismo, por sua vez, influenciou o positivismo de Augusto Comte, no sculo XIX e o neopositivismo lgico do Crculo de Viena, no sculo XX (Marcondes, 2000). Considerando essa dimenso, os estudiosos, depois de Harvey, comearam a se ocupar dos problemas de anatomia e fisiologia considerando as questes de mecnica, fsica, qumica, etc. (Singer, 1996). De fato, existem poucas discusses a respeito do conceito de sade e uma dificuldade em abord-la de forma16 a considerar os diferentes vises que abarca. Para Coelho & Almeida Filho (2002), o fato no ocorre por acaso. Se por um lado a carncia de estudos relevante para tal posio, por outro, a pobreza conceitual pode advir da influncia da indstria farmacutica e da cultura da doena. Os interesses que as regem indicam ser vantajoso estabelecer o ditame de que sade s pode ser obtida com a ausncia de doenas. Um dos principais autores, na epistemologia mdica, que debruou sobre a questo conceitual foi Georges Canguilhem. Seguindo seus ensinamentos (Canguilhem, 1995), a sade uma margem de tolerncia s infidelidades do meio (p.159). Como o meio social comporta acontecimentos e instituies precrias, essa infidelidade exatamente sua histria, seu devir. Assim, sade poderia se caracterizar por ser a possibilidade de agir e reagir, de adoecer e se recuperar. A doena, ao contrrio, consistiria na reduo da margem de tolerncia s infidelidades do meio (p.160). Contudo, a doena no uma variao da dimenso de sade; ela uma nova dimenso de vida. (...) A doena ao mesmo tempo privao e reformulao (p.149). Alm disso, este importante autor destaca as imprecises da distino entre o normal e o patolgico. Apesar
  • 13. da normalidade ser uma atribuio fundamentada nas anlisesestatsticas, impreciso distinguir o ponto em que comea adoena. E, ressalta, que essa tarefa torna-se menosproblemtica quando se trata de uma norma individual, isto, quando o prprio indivduo que tomado como pontode referncia2. Outro aspecto relevante, diz respeito fabricaoda doena. Vrios estudos apontam, hoje, para o processode medicalizao que, mesmo sendo capaz de ajudar ospacientes, tambm cria novos mercados para as drogas, oque nos leva a pensar e discutir o papel das industriasfarmacuticas na definio de novas desordens orgnicas(Moynihan, 2003; Moynihan et al, 2002; Coyle, 2002; Pignarre,1999; e, Lefvre, 1991). Segundo Moynihan (2003), a criaoda doena patrocinada pelas corporaes farmacuticas no uma novidade: o mais recente e claro episdio a esterespeito trata da fabricao da disfuno sexual feminina. Odesenvolvimento e definio de novas categorias de doenas,de fato, envolve um mercado de bilhes de dlares. De acordo com Moynihan (2003), desde o lanamento 17do sildenafil (Viagra) em 1998, mais de 17 milhes de homenstem recebido prescries escritas para seu uso no tratamentoda disfuno ertil e a Pfizer, laboratrio fabricante da droga,reportou um total de vendas de U$ 1,5 bilhes, em 2001. Aconstruo, segundo o autor, de um mercado similar paradrogas de uso entre as mulheres depende, no entanto, deuma clara definio do diagnstico mdico, com caractersticasmensurveis para facilitar o julgamento clnico. O mesmo pode ser questionado a respeito dospadres de referncia para a presso arterial. Os valoresatuais, aceitos como limiares da normalidade, podem passara ser considerados elevados e valores mais baixos passariam aser preconizados como limites normais. Embora, seja plausvelconcordar que valores menores de presso arterial podemestar menos associados com srios eventos cardiovasculares,2 Se o normal no tem a rigidez de um determinativo para todos os indivduos da mesma espcie e sima flexibilidade de uma norma que se transforma em sua relao com condies individuais, claro que olimite entre o normal e o patolgico torna-se impreciso. No entanto, isso no nos leva continuidade deum normal e de um patolgico idnticos em essncia a uma relatividade da sade e da doena bastanteconfusa para que se ignore onde termina a sade e onde comea a doena. A fronteira entre o normal eo patolgico imprecisa para diversos indivduos considerados simultaneamente, mas perfeitamenteprecisa para um nico e mesmo indivduo considerado sucessivamente. (...) O indivduo que avalia essatransformao porque ele que sofre suas conseqncias, no prprio momento em que se sente incapazde realizar as tarefas que a nova situao lhe impe. (Canguilhem, 1995, p.145).
  • 14. no se pode esquecer que a consensualizao sobre a diminuio destes valores pode induzir ao uso sistemtico de drogas especficas. Ora, obviamente esta padronizao do normal no feita sem interesses corporativos. Lefvre (1991) lembra que a sade est sempre associada a bens de consumo que objetivam promover a prpria sade. Os medicamentos, os seguros-sade, os alimentos especiais, os exerccios fsicos etc. O autor, ento, ressalta que a sade um produto venda no mercado, atravs de suas mercadorias especficas. E a, numa sociedade capitalista, baseada no mercado, a sade s poderia ter sentido quando acoplada doena, morte, dor, ao desprazer, fraqueza, ou feira. Para Lefvre, so as condies negativas que, nessa sociedade, fazem a sade existir, uma vez que a lgica mercantilista a contraposio de tudo que considerado negativo. Cabe ressaltar, aqui, o significado da perspectiva biolgica fortemente presente na compreenso do conceito sade. O medicamento, ou qualquer outra fonte medicalizante de cura, s pode funcionar mediante o18 entendimento de que h em curso uma determinao biolgica de causa e efeito. A prpria noo de fatores de risco est atrelada a esta idia. Em tal perspectiva, surgem anlises reducionistas, as quais, por fim, levam ao de culpabilizao do indivduo frente ao aparecimento de doenas que, em ltima instncia, poderiam ter sido evitadas, ou ainda, naturalizao do processo de adoecimento. Burnley (1998) lembra que, entre as teorias que buscam explicar as causas das doenas, a teoria do estilo de vida, congruente com a ideologia dominante de sade, sugere que a preveno uma responsabilidade pessoal, cujo foco de interveno se dar sobre o controle dos fatores de risco individuais. , por exemplo, muito comum encontrar estudos sobre promoo de sade que veiculam a importncia de se focar as escolhas e responsabilidades pessoais (Powell et alii, 1991). Outra noo bastante presente na compreenso da sade a de bem-estar. A prpria conceituao de sade oferecida pela Organizao Mundial de Sade (OMS) utiliza a expresso e enuncia: sade um estado de completo bem- estar fsico, mental e social e no apenas a ausncia de doena
  • 15. ou enfermidade (Lewis, 1986, p.1100). Esta definio, noentanto, uma forma implcita de indicar a impossibilidadede se alcanar tal meta, uma vez que esbarra com umadificuldade de se atingir um completo bem-estar. ParaStreeten (1986), num sentido mais amplo, bem-estar indicaconforto e de modo mais restrito refere-se ao conforto emelhoria da coletividade alm das rendas auferidas, j que afetado por aes governamentais, das empresas privadas ouinstituies assistenciais. Segundo o mesmo autor, nessesentido que o termo foi cunhado em expresso como estadodo bem-estar social (welfare state). Alm disso, embora o conceito da OMS traga a marcado social, parece fazer, apenas, para incorporar uma dasdimenses da vida humana, sem, no entanto, ressaltar seucarter dinmico e relevncia para compreender o fenmenode modo mais contundente. De fato, a complexidade que abarca tal questo obrigaa repensar tanto o conceito de sade, como as intervenesque se do no seu respectivo campo. Um movimento deruptura apareceu na concepo de sade apresentada no 19relatrio final da VIII Conferncia Nacional de Sade: sade o resultante das condies de alimentao, habitao, renda,meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade,acesso e posse da terra e acesso aos servios de sade. , assim,antes de tudo, o resultado das formas de organizao social daproduo, as quais podem gerar grandes desigualdades nos nveisde vida (Minayo, 1992, p.10). Ora, parece suficientemente claro que a sade estrelacionada histria do indivduo e deste com a sociedade,ela , assim, uma experimentao do indivduo. Embora no tenha escrito sistematicamente arespeito da sade, o filsofo alemo Friedrich Nietzsche aoponderar sobre a sade trouxe tona questes morais, comfreqncia, associadas ao tema. possvel afirmar que adoena para os homens um valor moral, uma normaconstruda a partir do ideal de verdade final e definitiva,deduzida das causas e efeitos. De fato, o artifcio que a religioutilizou para tomar a alma humana foi o sentimento de culpa.O pecado a m conscincia (Palma, 2001). Interessante notar que, sob o ponto de vistaetimolgico, o termo valere, da qual a palavra valor
  • 16. derivada, significa passar bem (Canguilhem, 1995). Sant, em francs e sanidade, em espanhol, bem como o adjetivo, em portugus, so, provm do latim sanus, que denota puro, imaculado, correto, verdadeiro. O termo so, ainda aparece como sinnimo de santo. No de se espantar, ento, que o doente seja culpado por sua doena, que s gordo quem quer, ou cardaco, diabtico, etc. Encontrar a sade , antes, ento, reduzir esta tenso do sentir, esse fardo opressor da cultura (Nietzsche, 2000). O segundo motivo para provocar o debate sobre o conceito de sade refere-se importncia de minimizar a simplificao que abrange o entendimento do senso comum sobre esse fenmeno. possvel entend-lo de modo reducionista, to somente, luz dos pressupostos biolgicos e das associaes estatsticas presentes nos estudos epidemiolgicos. Os problemas que da decorrem so: a) o foco centra-se na doena; b) a culpabilizao do indivduo frente a sua prpria doena; c) a crena na possibilidade de resoluo do problema encerrando-se uma suposta causa, a qual recai no processo de medicalizao; d) a naturalizao20 da doena; e) e o ceticismo em relao a contribuio de diferentes saberes para auxiliar na compreenso dos fenmenos relacionados sade. No caso do exerccio fsico e suas relaes com o objeto central de nossas ponderaes isto flagrante. O indivduo sempre visto como aquele que no se dispe a movimentar-se, a acabar com a preguia. H, ainda, a f de que a atividade fsica pode acabar com o efeito danoso das doenas, muitas vezes representado ideologicamente pelas desordens cardiovasculares. No raro se escuta, por exemplo, algum comentando sobre um paciente cardaco: como pode! Ele no fumava, fazia exerccios, era calmo.... Ainda em relao aos exerccios h, tambm, amide, a desconsiderao dos contextos scio-econmicos e culturais, entre outros, por parte de quem insiste em tentar entender o fenmeno sade de modo to simples. evidente que estes modos de olhar no podem ser desprezados. No entanto, sade muito mais do que a ausncia de doenas. Na verdade, a doena faz parte da vida e no se ope sade. Como ensina Canguilhem (1995), a sade se caracteriza pela possibilidade de adoecer e se
  • 17. recuperar. Alm disso, a sade seria, em ltima anlise, aexpresso das formas de organizao social da produo. Nesse contexto, a prtica da atividade fsica, longede uma obrigao que o isente da culpa, deveria ser encaradacomo uma possibilidade prazerosa, de livre escolha. Aeducao fsica, desse modo, deveria atentar para tais aspectose despertar os cidados, desde a mais jovem idade, sobre aspossibilidades do movimento humano. Entendemos que importante considerar posiesalternativas aos trabalhos biomdicos hegemnicos nosestudos sobre a sade no campo da educao fsica. Semdesprezar os saberes provenientes do conhecimento biolgicoe sem tentar compreender os fenmenos de modofragmentado, saudvel buscar interagir com outros campos,tais como: a sade coletiva, a sociologia, a filosofia, aantropologia, etc. para avanar na perspectiva desejada. Por outro lado, as prticas de promoo da sadetendem a desconsiderar a distncia entre o conceito de doena(isto , a construo mental) e a experincia corporalmentevivida. Alm disso, o conceito no pode substituir 21adequadamente algo mais complexo e, mesmo, a palavra,embora seja uma forma elaborada para expressar e comunicar, insuficiente para abarcar a realidade em sua totalidade(Czeresnia, 1999).2. SOBRE A PROMOO DE SADEa) Breve histrico Segundo George Rosen, em Uma Histria da SadePblica (1994), ao longo da histria humana, os principaisproblemas de sade enfrentados sempre estiveramrelacionados vida comunitria. Vrias evidncias, deatividades ligadas sade coletiva, foram encontradas nas maisantigas civilizaes. Banheiros, esgotos e abastecimento degua so freqentemente encontrados nas construesescavadas, mesmo em civilizaes bastante antigas. Alm disso, por muito tempo, as crenas e prticasreligiosas avizinharam limpeza e religiosidade. Dessa forma,as comunidades procuravam se manter limpas paraassegurarem a pureza frente aos olhos dos deuses, mas no
  • 18. por razes higinicas. Como a doena tem sempre afligido o homem desde muito tempo, uma vez que a enfermidade inerente vida, em todos os lugares e em diferentes pocas as distintas civilizaes procuraram se esforar para enfrentar essa realidade da melhor forma possvel. Nesse sentido, as prticas de promoo de sade, tambm se verificaram desde muito cedo na histria da humanidade. Ainda conforme Rosen (1994), os primeiros relatos mais evidentes acerca das doenas contagiosas esto presentes na literatura da Grcia clssica. Na poca, as doenas eram atribudas a processos naturais, onde o desequilbrio entre o homem e o ambiente afetava a sade. No livro hipocrtico Ares, guas e Lugares, evidenciava-se a importncia da harmonia entre homem e ambiente. Aceitava-se, por exemplo, que as plancies encharcadas e as regies pantanosas eram nocivas e acreditava-se que seria melhor erguer casas em reas elevadas, aquecidas pelo sol, para que entrassem em contato com os ventos. As obras hipocrticas, contudo,22 prestavam especial ateno s doenas endmicas3. Interessante ressaltar, entretanto, que a medicina grega buscou algo alm da cura dos doentes. To importante quanto a cura, a preservao da sade recebeu um tratamento especial e as questes ligadas higiene mereceram destaque. Assim, para os mdicos da poca, o modo ideal de vida era posto a partir do equilbrio entre a nutrio, o exerccio moderado e o descanso. A origem etimolgica da palavra higiene atesta tal afirmao. Panacea, por exemplo, era a deusa da curao, enquanto Hygea era a deusa da sade. A primeira considerada a deusa da medicina e dos procedimentos teraputicos, enquanto a ltima, era a deusa da arte de estar saudvel, entendida tambm como a moderao no viver ou a ordem natural das coisas (Almeida-Filho, 1999 e Restrepo, 2001a)4. Apesar de conquistar o mundo mediterrneo, Roma assumiu o legado da cultura grega e aceitou suas idias sanitrias e de medicina. Coube, contudo, aos romanos 3 Endmicas referem-se s doenas que tm presena contnua, enquanto epidmica referem-se quelas que tm sua presena aumentada em demasia. 4 Restrepo (2001a) destaca que, nos dias atuais, h uma supremacia do curativo e do desenvolvimento da biotecnologia, os quais geram marcantes desigualdades em sade.
  • 19. introduzir o mais bem organizado sistema de aquedutos e desuprimento de gua (Rosen, 1994 e Restrepo, 2001a). SegundoRestrepo (2001a), Galeno, o mais famoso mdico romano,foi o primeiro a declarar a existncia de pr-requisitos sade: liberdade de paixo e independncia econmica,sendo, inclusive, mais importantes que uma boa constituiofsica, uma vez que no seria possvel alcanar uma vidasaudvel sem uma completa independncia. Durante a Idade Mdia, com o cristianismo em posiode grande supremacia, os problemas de sade eram enfrentadosem termos mgicos e religiosos. Alm disso, a exaltao doesprito, como principal elemento da sade, condicionou umareao aos cuidados do corpo. Desse modo, os exerccios edietas deixaram de ter importncia e as aes religiosas tomaramfora. Os maiores problemas de sade pblica, entretanto, foramresultado do crescimento das cidades, as quais eram incapazesde acomodar a populao crescente. Assim, desta poca: osurgimento da concepo da quarentena para aqueles indivduosque transitaram em locais suspeitos ou desconhecidos; a exclusodos doentes graves, sem cura (por exemplo, leprosos) da cidade; 23e, a idia da necessidade de assistncia social, com a criao dehospitais, instituies beneficentes etc.) (Restrepo, 2001a eRosen, 1994). Entre os sculos XVI e XVIII iniciou-se o perodomoderno, no qual a Sade Pblica se desenvolveu como seconhece atualmente. em tal fase, que se extingue a civilizaomedieval e ocorre uma transformao num mundo moderno. um perodo marcado pelo conhecimento em bases cientficas,onde a filosofia se desenvolveu dentro de um carter empirista.Nessa perspectiva, os problemas de sade comearam a sertratados com conhecimentos mais cientficos e sofreram registrosestatsticos (Almeida-Filho, 1999). So da mesma pocaestudiosos como Andr Veslio e William Harvey,respectivamente, considerados os pais da anatomia e fisiologia. Numa era subseqente, que abrange parte dos sculosXVIII e XIX e, inclui os movimentos denominados Iluminismo55 O Iluminismo, ou Sculo das Luzes, foi um movimento cultural amplo caracterstico da segundametade do sculo XVIII. Abrangendo a filosofia, as artes, as cincias, a teoria poltica e a doutrina jurdica,refletiu um determinado contexto poltico-social. A noo de Iluminismo, como o prprio termo indica, uma aluso metfora da luz e da claridade, em oposio ao obscurantismo, ignorncia, superstio,enfim, s coisas que no esto claras. O propsito central das idias iluministas era, deste modo, removeros obstculos ao desenvolvimento dos homens atravs da cincia, do conhecimento e da educao. neste sentido que surgiu o projeto enciclopedista de sintetizar, numa nica obra, todo saber da humanidadee coloc-lo a servio de todos (Marcondes, 2000).
  • 20. e Revoluo Industrial, o conhecimento cientfico era a base fundamental das aes em sade pblica. Chamou ateno, nesse momento, o considervel aumento das populaes urbanas e o crescimento paralelo das condies de vida e trabalho insalubres6. Segundo Rosen (1994), nesse momento histrico que Rudolf Virchow elaborou uma teoria segundo a qual a doena epidmica seria uma manifestao de desajustamento social e cultural e John Snow realizou seu famoso trabalho Sobre a maneira de transmisso do clera, o qual mostrou a correspondncia entre o nmero de mortes em cada rea e o grau de poluio da parte do rio Tmisa. Alm dos referidos autores, no se pode esquecer da primorosa reflexo de Friedrich Engels, em A situao da classe trabalhadora na Inglaterra, que mesmo no sendo da rea de sade, elaborou um estudo a respeito das condies de vida impostas aos trabalhadores, a partir da Revoluo Industrial. A pertinncia de suas anlises e, obviamente no foi a nica dentro deste vis, permitiu estudar com outros olhos a questo da sade. Dessas perspectivas, foi possvel empreender uma apreciao crtica, cujo foco no se concentra24 no sujeito, no biolgico, ou nas causas e efeitos, mas, antes, na vulnerabilidade do coletivo e do indivduo, nas contradies da sociedade, nas mltiplas relaes que interagem com a sade (Restrepo, 2001a e Almeida-Filho, 1999). Restrepo (2001a) ressalta que esse o perodo do nascimento da medicina social e dedica especial ateno a Virchow, considerado pela autora como o maior representante da poca. Dentre os escritos de Virchow, Restrepo (2001a) destaca o capacidade de abranger as mais finas descobertas clnicas e patolgicas, em conjunto com as anlises antropolgicas, sociolgicas e epidemiolgicas. De um modo geral, Virchow recomendava que as populaes tivessem a mais completa e ilimitada democracia, ou, em outras palavras, educao, liberdade e prosperidade. O autor, desta forma, se atreveu a declarar que as causas da enfermidade e 6 Nesta poca o lazer ocorria normalmente nos bares, atravs da bebida alcolica. As vises contidas nas interpretaes sobre os problemas de sade eram, em sua maioria, reducionistas, que destacavam o carter de culpabilidade do prprio doente e que perduram at os dias de hoje. Restrepo (2001a) cita uma passagem escrita pelo mdico alemo Bernhard Christoph Faust, em 1794, na obra Promover a sade e o bem-estar geral de seu povo : Por qu meios particulares pode um corpo forte e saudvel ser afetado ou deteriorado? Por um m educao; por uma corrupta forma de vida; por intemperana no comer e beber; por alimentos nocivos, e licores espirituosos; por respirar ar danoso; por molstias ocasionadas por um excessivo exerccio ou por inatividade (...).
  • 21. epidemias se encontravam nas condies de vida da populaopobre. Por conseguinte, ele prprio liderou um movimentode reforma da medicina, cujo fracasso, hoje, atribudo,segundo alguns autores, projeo do movimento dos mdicospara o povo, porm sem a prpria populao participarativamente como protagonista das aes. Num momento mais prximo, considerado como aEra Bacteriolgica, que se estende aproximadamente de1875 a 1950, a grande descoberta em sade foi a revelaodo elemento especfico causador das doenas. A descobertade uma teoria microbiana da doena contou com a valiosaparticipao de pesquisadores como Louis Pasteur e RobertKoch, levou a criao de vacinas e proporcionou a erradicaovirtual ou o controle de doenas comunicveis. Por outrolado, houve uma alterao brusca na estrutura populacional,com o aumento da expectativa de vida e envelhecimento dapopulao. De acordo com Restrepo (2001a), a histria maisrecente que antecedeu a renovao de princpios e aconstruo terico-prtica da Promoo de Sade7, se iniciou 25com Henry Sigerist, j no sculo XX. Esse estudioso, que foio primeiro a utilizar o termo promoo da sade, concebiaquatro funes medicina: a) a promoo da sade; b) apreveno da enfermidade; c) a restaurao do enfermo; d) areabilitao. O programa de sade, proposto por Sigerist,consistia em incentivar a educao para toda a populao,incluindo a: a educao em sade; as melhorias nas condiesde vida e trabalho da populao; as melhorias nos meios derecreao e descanso; um sistema de sade acessvel a todos;e, a criao de centros mdicos de investigao e capacitao. Na verdade, fundamental salientar que odesenvolvimento da Promoo da Sade se inicia com umamudana do conceito de sade, ocorrida nos ltimos quarentaanos, a partir de uma crise no paradigma biomdico. Assim,ao tratar de Promoo de Sade no se ressalta somente acobertura e acesso aos servios de sade, mas, antes, asinterrelaes com a eqidade social.7 Para Sigerist apud Restrepo (2001a), a expresso promoo da sade referia-se, por um lado, s aesbaseadas na educao sanitria e, por outro, s aes do Estado para melhorar as condies de vida dapopulao.
  • 22. Pode-se destacar a Conferncia Internacional de Promoo da Sade de Otawa, no Canad, em 1986, como um marco de referncia Promoo da Sade. Organizada pela OMS, Associao Canadense de Sade Pblica e Ministrio de Sade Pblica e Bem-Estar do Canad, reuniu inmero delegados dos mais diferentes pases e aprovou a Carta de Otawa, considerado um dos documentos mais importantes no campo da promoo da sade, uma vez que sedimentou suas bases doutrinrias e abriu caminho para passar do discurso para a ao (Restrepo, 2001b). Dentre os principais elementos do movimento pela promoo da sade apontou-se: a) a integrao da sade como parte de polticas pblicas; b) participao comunitria na gesto do sistema de sade; c) reorientao dos sistemas de sade; e, d) mudanas nos estilo de vida (Paim & Almeida-Filho, 2000 e Restrepo, 2001b). Tal movimento tem suas razes no Relatrio Lalonde, elaborado em 1974 pelo Ministro da Sade do Canad, que trouxe consigo a idia de adicionar no s anos vida, mas vida aos anos e estabeleceu um modelo composto por quatro26 pontos: a) a biologia humana; b) o sistema de organizao dos servios; c) o ambiente, o qual envolve o social, o psicolgico e o fsico; e, d) o estilo de vida, que comporta os riscos ocupacionais, padres de consumo, atividades de lazer etc., bem como, a Conferncia Internacional sobre a ateno primria de sade, realizada em Alma-Ata (1977), que idealizou o objetivo da Sade para todos at o ano 2000 (Paim & Almeida-Filho, 2000 e Restrepo, 2001b). Outras declaraes, documentos ou intervenes tiveram grande importncia para o movimento da promoo da sade: em 1989, o Grupo de Trabalho da OMS, que deu origem ao documento Um chamado para a Ao; a Conferncia e Declarao de Santa F, em Bogot-Colmbia 1992, com a participao de todos os pases da Amrica Latina, que reafirmou os princpios contidos na Carta de Otawa e enfatizou a importncia da Solidariedade e da Equidade; a Conferncia e Declarao de Jakarta, 1997, considerada como a segunda grande conferncia internacional sobre promoo de sade; o North Karelia Project, posto em prtica em 1972 na Finlndia, para estudar e intervir nas doenas cardiovasculares, cujo xito foi amplamente difundido.
  • 23. Contudo, o movimento pela promoo da sade,fundamentado, essencialmente, na referncia da Carta deOtawa, coincidiu cronologicamente com o desmantelamentodas polticas de sade e bem-estar, face ao recuo da social-democracia no continente europeu e que acabou por restringiro potencial de expanso do movimento mesmo nos pasesdesenvolvidos. Assim, lamentavelmente, a maior ateno foi e dada s intervenes para mudanas de comportamentoindividual e pouco estratgia poltica populacional, indicandoa opo de modificao dos hbitos considerados de risco,tais como, fumar, sedentarismo, dieta etc. Assim, passou aassumir, muitas vezes, um papel fascista ao impor certosestilos de vida, alm, de se converter num imperialismo dasade, uma vez que se apodera do que considerado positivoda vida. Outro argumento de crtica refere-se comercializao da sade, reconhecida em alguns trabalhosditos de promoo, que, em ltima instncia, buscam vendersade e podem ser verificados nas ofertas de academias deginstica, produtos alimentcios, seguros-sade, etc. (Paim & 27Almeida-Filho, 2000 e Restrepo, 2001b).b) Conceitos e definies Muita confuso feita na utilizao dos termospromoo da sade, educao em sade e prevenoda doena. De acordo com Restrepo (2001b), a falta deentendimento ocorreu devido ao surgimento de duascorrentes, cada qual privilegiando uma dimenso da promooda sade. Uma delas, localizada principalmente nos EstadosUnidos, privilegiou as mudanas de comportamento ou estilosde vida, mediante intervenes mais individualizadas. Umasegunda, defendia uma ao scio-poltica que envolvesse maisos atores sociais e transcendesse o setor sade, a qual selocalizava mais na Europa e Canad. A primeira compreenso fica bem clara com adefinio estabelecida por Powell et alii (1991). Segundo osautores, promoo da sade (PS) a combinao de assistnciaeducacional e ambiental, que encorajam comportamentos ouaes, as quais conduzem sade. Ela executa sua metaatravs da combinao de atividades planejadas para formar
  • 24. um comportamento normal de indivduos e populaes. Ainda para tais autores, a PS passa pela escola que transmite as melhores escolhas pessoais e responsabilidades e, um ambiente social adequado. Contudo, Czeresnia (1999) lembra que a promoo da vida, em toda sua multiplicidade de dimenses, envolve medidas amplas, alm da ateno singularidade e autonomia dos sujeitos...E que estes sujeitos no podem ser responsabilizados por seus problemas de sade. De fato, a incapacidade de se compreender o sentido mais abrangente da PS e a dificuldade de superar os obstculos scio-polticos, resulta na relutncia de se desenvolver e aplicar a promoo da sade nos pases em desenvolvimento. Czeresnia (1999) ressalta que, tradicionalmente, a PS definida mais amplamente do que a preveno, uma vez que a primeira diz respeito as medidas que no esto direcionadas a uma dada doena ou desordem, mas, antes, que ajudam na melhoria geral da sade e bem-estar. As estratgias da promoo, segundo a mesma autora, enfatizam mudanas nas condies de vida e de trabalho da populao, que por sua vez, formam a estrutura dos problemas de sade28 de uma sociedade. Nessa dimenso, a idia de PS constitui um campo de conhecimento e interveno que incorpora um grande leque de reas (j citadas anteriormente) e a prpria comunidade interessada. Restrepo (2001c) difere PS de preveno da doena, assinalando que para a primeira, o foco direciona-se na considerao do saudvel e destina-se mais populao, enquanto para a segunda, o escopo central est na doena e nos riscos que levam doena e, se dirige principalmente ao indivduo. Um resumo apresentado por Restrepo (2001c) destaca a diferenciao entre essas duas expresses: a) os objetivos: a preveno atua de modo primrio, secundrio ou tercirio, de forma a reduzir os fatores de riscos e as enfermidades e, deste modo, proteger os indivduos ou grupos. A promoo, de modo diferente, se destina a atuar sobre os determinantes da sade e a criar alternativas saudveis para a populao; b) a quem se dirige as aes: na preveno se destina aos indivduos com a possibilidade de adoecer (primrio), queles com elevado risco ou com a
  • 25. manifestao subclnica da doena (secundrio) ou aos quebuscam prevenir-se de complicaes e/ou da morte. Napromoo, as aes se dirigem populao em geral e scondies relacionadas sade. Assim, a PS dirigida tantos comunidades ou grupos de pessoas, quanto aos processos,condies e sistemas que requerem ser modificados; e, c) osmodelos com os quais se implantam: na preveno ocorremna nfase dada aos fatores de risco, s prticas clnicaspreventivas e reabilitao. Na PS, os modelos abrangem oscontedos scio-polticos, ecolgicos e scio-culturais. Czeresnia (1999) utiliza a definio de Leavell &Clarck e aponta que preveno em sade a chamada parauma ao, baseada no conhecimento da histria natural dadoena, a fim de evitar o progresso da mesma. As aes depreveno so definidas, ento, como uma interveno diretacontra a emergncia de doenas especficas e, assim, reduzirsua incidncia e prevalncia. O conceito de educao em sade, por sua vez, mais limitado e concerne: s informaes sobre sade; recepo e compreenso das mensagens dos programas; 29compreenso da sade como um direito; valorizao deconhecimentos, prticas ou comportamentos saudveis ouno; problematizao e facilitao de discusses; aodesenvolvimento da autonomia de pensamento; reelaboraodos conhecimentos de modo a conformar valores, habilidadese prticas consideradas saudveis.
  • 26. REFERNCIAS ALMEIDA-FILHO, N. Uma breve histria da epidemiologia. In: Rouquayrol, M.Z.; Almeida-Filho, N. Epidemiologia e Sade. Rio de Janeiro: Medsi. p. 1-13, 1999. BURNLEY, I.H. Inequalities in the transition of ischaemic heart disease mortality in new south wales, Australia, 1969 1994. Social Science and Medicine. 47(9): 1209-1222, 1998. CANGUILHEM, G. O normal e o patolgico. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1995. COELHO, M.T..D., ALMEIDA-FILHO, N. Conceitos de sade em discursos contemporneos de referncia cientfica. Histria, Cincias, Sade - Manguinhos. 9(2): 315 333, 2002. COYLE, S.L. Physician-industry relations. Part 2: organizational issues. Annals of Internal Medicine. 136(5): 403-406, 2002.30 CZERESNIA, D. The concept of health and the difference between prevention and promotion. Cadernos de Sade Pblica. 15(4): 701-709, 1999. LEFVRE, F O medicamento como mercadoria simblica. So . Paulo: Cortez, 1991. LEWIS, A. Sade. In: Silva, B. (Org.). Dicionrio de Cincias Sociais. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas. p.1099 1101, 1986. MARCONDES, D. Iniciao histria da filosofia: dos pr socrticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000. MINAYO, M.C.S. A sade em estado de choque. Rio de Janeiro: Espao e Tempo, 1992. MOYNIHAN, R. The making of disease: female sexual dysfunction. British Medical Journal. 326: 45-47, 2003. MOYNIHAN, R.; HEATH, I. & HENRY, D. Selling sickness: the pharmaceutical industry and disease mongering. British Medical Journal. 324: 886-891, 2002.
  • 27. NIETZSCHE, F Humano, demasiado humano. So Paulo: .Companhia das Letras, 2000.PAIM, J.S. & ALMEIDA-FILHO, N. A crise da sade pblica ea utopia da sade coletiva. Salvador: Casa da Qualidade,2000.PALMA, A. Sade e cincia em Nietzsche: uma introduopara a educao fsica. Motus Corporis. 8(1): 9-21, 2001.PIGNARRE, P O que o medicamento?: um objeto estranho .entre cincia, mercado e sociedade. So Paulo: Editora 34,1999.POWELL, K.E.; KREUTER, M.W.; STEPHENS, T.; MARTI,B. & HEINEMANN, L. The dimensions of healthpromotion applied to physical activity. Journal of PublicHealth Policy. 12(4): 492-509, 1991.RESTREPO, H.E. Antecedentes histricos de la Promocinde la Salud. In: H.E. Restrepo & H. Mlaga (Orgs.).Promocin de la salud: cmo construir vida saludable. Bogot:Editorial Mdica Panamericana, p. 15-23, 2001a. 31RESTREPO, H.E. Conceptos y definiciones. In: H.E.Restrepo & H. Mlaga (Orgs.). Promocin de la salud: cmoconstruir vida saludable. Bogot: Editorial MdicaPanamericana, p. 24-33, 2001b.RESTREPO, H.E. Agenda para la accin en Promocin de laSalud. In: H.E. Restrepo & H. Mlaga (Orgs.). Promocin dela salud: cmo construir vida saludable. Bogot: EditorialMdica Panamericana, p. 34-55, 2001c.ROSEN, G. Uma histria da sade pblica. So Paulo/Rio deJaneiro: Hucitec/Unesp/Abrasco, 1994.SINGER, C. Uma breve histria da anatomia e fisiologia desdeos gregos at Harvey. Campinas: Editora da Unicamp, 1996.STREETEN, P Bem-estar. In: Silva, B. (Org.). Dicionrio de .Cincias Sociais. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas.p.118-119, 1986.
  • 28. 32
  • 29. ANLISE SOBRE OS LIMITES DA INFERNCIA CAUSAL NO CONTEXTO INVESTIGATIVO SOBRE EXERCCIO FSICO E SADE Alexandre Palma; Marcos Bagrichevsky Adriana Estevo O Pintor Realista Natureza fiel e completa! Como pode chegar a isso? Quando se conseguiu liquidar a natureza numa imagem? Mais nfima parcela do mundo coisa infinita. Dele s pinta o que lhe agrada. E o que lhe agrada? O que sabe pintar! (Nietzsche, A Gaia Cincia)1. INTRODUO 33 Uma das questes centrais da epidemiologia oestudo das causas dos agravos sade. Para o conhecimentocientfico, a tarefa de identificar causalidades faz parte daestrutura explicativa, que busca estabelecer as origens dosfenmenos. Na medida em que a interveno sobre umacausa poderia alterar o curso do efeito, desvendar essa mesmacausa passa a ser, ento, um procedimento eficaz para sealcanar maior saber especfico sobre uma dada situao desade. A histria da sade pblica est repleta de exemplosque ressaltam a luta dos pesquisadores em descobrir as causasverdadeiras e especficas das doenas De fato, num momentohistrico, denominado por Rosen (1994) de EraBacteriolgica, a causalidade ganhou maior legitimidade comas descobertas de agentes especficos geradores dasenfermidades. Pesquisadores como Louis Pasteur e RobertKoch foram capazes de identificar os organismos microscpicosresponsveis por inmeras doenas infeciosas e, desse modo,propor sua erradicao ou controle, atravs de vacinas,medicamentos ou mesmo aes de pasteurizao, anti-sepsia,etc.
  • 30. Contudo, Czeresnia & Albuquerque (1995) ressaltam que o tratamento conceitual e metodolgico da causalidade passou a operar pela quantificao do risco, o que significa dizer que o fator causador de certo fenmeno, em cada situao, sempre tem diferentes contribuies probabilsticas na gerao do problema em foco. Alm disso, Pereira (1995) tambm chama a ateno para as interpretaes errneas a respeito da correlao de eventos e o estabelecimento das relaes causais. Por outro lado, os estudos a respeito dos efeitos do exerccio fsico regular sobre a sade, notadamente sobre a sade cardiovascular, amparam-se nas relaes determinsticas de causa e efeito (Paffenbarger, 1988; Paffenbarger, Hyde, Wing & Hsieh, 1986 e Paffenbarger & Lee, 2000) O propsito do presente trabalho , ento, discutir a base de construo das inferncias causais presentes nos estudos envolvendo exerccios fsicos e sade. Na apresentao do assunto sero tecidas consideraes gerais sobre os conceitos fundamentais para estabelecimento da causalidade. Posteriormente, o debate estar centrado nos34 estudos sobre exerccios fsicos e sade e seus possveis questionamentos, considerando a anlise sobre as limitaes de aspectos metodolgicos. Por fim, algumas concluses e sugestes sero traadas com o intuito de fornecer uma caixa de ferramentas necessria ao pesquisador que investiga tal temtica. 2. CONSIDERANDO ASPECTOS RELATIVOS CAUSALIDADE O que significa causalidade? De um modo geral, pode- se entend-la como o relacionamento de um evento, condio ou caracterstica que produz uma funo essencial na ocorrncia de um novo fenmeno. Para Luiz, Struchiner & Kale (2002), a causalidade um conceito relativo e deve ser compreendido frente a outras alternativas. A noo de que A causa B tambm estabelecida quanto a uma outra possibilidade, normalmente, a condio no A. Um problema surge dessa proposio. O estabelecimento da causalidade, na pesquisa epidemiolgica, apresenta algumas caractersticas que concorrem para
  • 31. dificultar sua avaliao. A causalidade entre tabagismo ecomplicao cardiovascular um bom exemplo, uma vez que,nem todos os fumantes manifestaro tal patologia e, ao mesmotempo, esperado que parte deles desenvolvam a doena.Nesse sentido, tem sido incorporado a noo de risco1. Aidia que se, de fato, o ato de fumar tem algum efeitosobre a sade cardiovascular, ento seria esperado encontrarmaior risco de acontecimento da doena nos tabagistas (Luiz,Struchiner & Kale, 2002). Considerando o exposto, o estudo da causalidadeno se restringe a pesquisa dos fatores associados ocorrnciadas enfermidades. Pereira (1995) menciona que a causalidadepode ser analisada sob duas diferentes categorias, emboraambas exijam o mesmo raciocnio cientfico e tcnicas deinvestigao semelhantes: a) o estudo dos efeitos dedeterminados fatores, que podem ou no serem rotuladoscomo fatores de risco; e, b) a investigao do impacto dasintervenes que objetivam prevenir ou alterar a evoluodo processo sade-doena. Nessa perspectiva, tanto os fatoresde risco como as intervenes so tratados genericamente 35como exposio.2.1. Classificao das causas As causas podem ser classificadas em diferentes tipos,em conformidade com algumas especificidades ou categorias.Um resumo dessas categorias hierarquizadas por Pereira(1995) so apresentadas a seguir:A) Causas humanas e ambientais Embora seja possvel estabelecer uma separaoentre causas humanas e ambientais, os agravos sadeso, freqentemente, estabelecidos a partir da interao entreambas. Pereira (1995) exemplifica a presente situao com aetiologia da hipertenso arterial, afirmando que a interaoentre predisposio gentica e exposio ambiental faz parteda explicao da etiologia da doena, principalmente, quandoesta etiologia pouco conhecida.1 Note-se que o risco uma medida de associao estatstica, incapaz de inferir diretamente na causalidade(Czeresnia & Albuquerque, 1995, p. 416).
  • 32. B) Causas predisponentes, desencadeadoras e agravantes Considerando a contribuio de determinado fator no desenvolvimento do agravo sade possvel categoriz lo. Desse modo, a causa predisponente refere-se quelas que criam condies satisfatrias ocorrncia dos agravos. As causas desencadeadoras so aquelas que, de certo modo, so provocadoras dos problemas. As causas agravantes so conceituadas como aquelas que funcionam intensificando o problema. A idade, por exemplo, um fator predisponente para vrios agravos sade. J a poluio ambiental pode desencadear diferentes episdios de doenas, enquanto, o estresse poderia funcionar como agravante, somente em certos casos. bom lembrar, no entanto, que essa classificao no imutvel ou absoluta e depende da situao encontrada (Pereira, 1995). C) Causa necessria e suficiente A causa necessria quando, forosamente, sempre precede um efeito, isto , ela o fator principal sem o qual no h a doena. Para as doenas infecciosas a causa36 necessria a presena do agente biolgico, embora esse no seja suficiente para o desenvolvimento da doena. A contribuio de outros fatores explicam porque uma pessoa infectada pode desenvolver ou no uma doena. No caso das doenas no-infecciosas isso no to simples, uma vez que no existe uma causa essencialmente necessria. Sabe-se, por exemplo, que h muito mais sedentrios do que casos de doenas cardiovasculares. Como nem todo sedentrio desenvolve tal condio patolgica, sensato concluir que existem outros fatores necessrios a sua ocorrncia. Pereira (1995) explica que em relao a um grande nmero de doenas crnico-degenerativas, at o momento atual do conhecimento, os fatores j detectados no complexo causal no so considerados nem necessrios, nem suficientes, mas antes tratados como causas contribuintes ou fatores de risco. 2.2. Associao e Causalidade As expresses associao e causalidade, embora paream ser sinnimos, no possuem tal correspondncia. A associao refere-se relao estatstica (ou correlao) entre
  • 33. dois ou mais eventos, na qual pode ou no existir relaocausal entre esses eventos. Pode-se, por exemplo,estabelecer associaes estatsticas, mas no de causalidade,entre a quantidade de cabelos brancos e a mortalidade pordoenas cardiovasculares. A causalidade, ou relao de causa e efeito, noentanto, exige que a presena de um evento contribua paraa manifestao de outro. Caso se estude a relao entre ohbito de fumar e a presena da doena cardiovascular, serverificado que a doena ser mais prevalente entre os fumantese que, quanto mais se fuma, maiores so as chances deadoecer. Estabelece-se, assim, uma associao no sestatstica, mas de causalidade.2.3. Determinao da causalidade Para que haja determinao da causalidade, onde umagravo sade afetado por diferentes fatores, necessriotentar neutralizar os efeitos desses outros fatores. Aprimeira etapa de tal processo refere-se s determinaesestatsticas, as quais podem esclarecer as associaes entre 37dois eventos. Contudo, possvel encontrar associaesestatsticas devido ao fator acaso, no estabelecimento do alfacomo critrio de resultado, ou ainda, em funo do vismetodolgico (vis de seleo, aferio e confundimento),resultando na presena de resultados falsos (erro tipo I eerro tipo II)2. Para tentar escapar do acaso, uma segunda etapa,que se refere a existncia de algum vis metodolgico, deve,obrigatoriamente, ser averiguada. Assim, Pereira (1995)explica a necessidade de se atentar ao: a) vis de seleo,uma vez que as freqncias dos eventos devem resultar deestudos populacionais conduzidos, de forma que todos ossubgrupos existentes na comunidade estejam devidamenterepresentados; b) vis de aferio, na medida em que h,sistematicamente, erros de observao e medies na reada sade. Freqentemente, as estatsticas de mortalidade emorbidade, divulgadas pelos governos, contm valoresfalseados. Do mesmo modo, alguns mtodos podem mostrar2 O erro tipo I ocorre caso se rejeite uma hiptese nula quando a mesma verdadeira. O erro tipo II dar-se- caso aceite-se uma hiptese nula quando a mesma falsa (Thomas & Nelson, 2002).
  • 34. se inadequados para realar determinados aspectos; e, c) vis de confundimento ou confuso de variveis, o qual pode ocorrer quando um resultado pode ser imputado a outro fator que foi desconsiderado ao longo do estudo. necessrio, ento, que o pesquisador julgue quais variveis poderiam confundir o resultado final da pesquisa e tente anul-las. Caractersticas demogrficas diferentes, tais como sexo, faixa etria, condio scio-econmica so alguns exemplos. Por fim, numa ltima etapa, o pesquisador, a partir dos critrios de julgamento desenvolvidos, estabelecer a evidncia da causalidade da associao. Obviamente, neste percurso, a construo da causalidade deve conter outros atributos. Luiz, Struchiner & Kale (2002) destacam os postulados de Hill, que props vrios critrios a serem considerados no estabelecimento da associao causal. So eles: a) fora da associao, uma vez que uma alta correlao entre dois (ou mais) fatores parece ter mais chance de ser causal que uma associao fraca; b) consistncia, a qual se refere repetio dos achados em diferentes populaes; c) especificidade, onde uma causa 38 denominada de especfica para um determinado efeito, quando a introduo desta causa acompanhada da ocorrncia do efeito subseqente e sua remoo implica a no-ocorrncia do fenmeno em questo; d) temporalidade, aqui os autores ressaltam que como a causa deve necessariamente preceder o efeito, os estudos seccionais e retrospectivos carecem desta evidncia, o que dificulta uma atribuio de causalidade; e) gradiente biolgico, o qual refere-se ao comportamento relacionado curva dose-resposta, onde observa-se o crescimento do efeito, medida em que aumenta o nvel de exposio3; f) plausibilidade, j que a relao causa e efeito hipotetizada pode ser aceita mediante ao conhecimento biolgico existente, muito embora, s vezes, o prprio conhecimento biolgico descoberto mais tardiamente; g) coerncia, o qual satisfeito quando no h conflito com o 3 Czeresnia & Albuquerque (1995) fazem uma crtica importante a este critrio destacando que se s a biologia capaz de legitimar as associaes estimadas, ento, a noo de risco no tem autonomia e no significa um avano em relao a noo de causa. Segundo as autoras, o raciocnio a partir dos fatores de risco ainda traz a fora do pensamento causal. Alm disso, argumentam que estes fatores de risco contribuem para responsabilizar os indivduos pelo surgimento de suas doenas.
  • 35. conhecimento da histria natural e biologia da doena; h)evidncia experimental, que reconhece o poder daexperimentao na averiguao da causalidade, emboraexistam restries ticas quando se envolvem seres vivos; e,i) analogia, o qual ocorre quando um caso similar j ocorreuanteriormente, ajudando, assim, a elucidar o problema.2.4. O Mtodo Na investigao de um objeto, a aplicao dediferentes mtodos gera informaes que podero serincorporadas ao conhecimento j existente. Contudo, oconjunto de dados produzidos dever ser interpretadoconsiderando-se o modo como foram produzidos, isto , paraque se aceite as concluses de uma investigao cientfica preciso examinar detalhadamente as questes metodolgicaspertinentes. So as questes de validade interna e externa(Pereira, 1995).a) validade interna Para Rouquayrol & Almeida Filho (1999, p. 555), a 39validade interna significa a ausncia de erros sistemticos (vcios)ou aleatrios em um estudo. Quando a validade interna existe,os resultados na populao em estudo representam a verdade napopulao-alvo. Desse modo, preciso assegurar, dentro daprpria pesquisa, a adequao de detalhes tcnicos, tais como,a capacidade de comparao dos grupos estudados, a precisodas tcnicas adotadas, relevncia dos indicadores empregadose controle de fatores intervenientes (Pereira, 1995). Segundo Thomas & Nelson (2002), os estudosexperimentais ou quase-experimentais podem ter sua validadeinterna ameaada quando: algum evento no planejado ocorreao longo do tratamento da pesquisa (histria); o processo deenvelhecimento ou maturao concorre para dificultar asinterpretaes dos resultados (maturao); a aplicao de umaprimeira testagem tem influncia sobre uma testagemposterior (testagem); o instrumento no dispe de precisopara medir o que se pretende ou no o melhor(instrumentao); a composio dos grupos no formadaaleatoriamente (tendncia na seleo); e, a perda dos sujeitosdurante o transcorrer da pesquisa, compromete a formaodos grupos (mortalidade). Para tentar controlar estas ameaas
  • 36. os autores sugerem um procedimento adequado de aleatorizao; a utilizao de placebo, experimento cego e duplo-cego; alm, bvio, da tentativa de se minimizar as ameaas anteriormente citadas. b) validade externa Segundo Rouquayrol & Almeida Filho (1999, p. 555), a validade externa expressa a capacidade de generalizao dos resultados de um estudo. Nesse sentido, o controle da validade externa busca assegurar a extrapolao dos resultados, sob dois aspectos. O primeiro refere-se a extrapolao da amostra em relao populao da qual tal amostragem proveniente. O xito para tal extrapolao , normalmente, dependente do estabelecimento da amostragem estatstica, bem como, representatividade face populao estudada. O segundo aspecto tem relao com a extrapolao da populao investigada para outras populaes. Neste caso, pretende-se que os resultados encontrados em uma determinada populao j estudada possam ser40 extrapolados para outra populao no submetida ao estudo e, por isso, no dispe de informaes semelhantes (Pereira, 1995). Thomas & Nelson (2002) destacam quatro ameaas validade externa: efeitos reativos ou interativos da testagem, quando um pr-teste torna os sujeitos mais conscientes ou sensveis ao tratamento; interao de tendncia na seleo e tratamento experimental, quando o tratamento funciona apenas no grupo selecionado com uma determinada caracterstica; efeitos reativos de arranjos experimentais, onde os tratamentos so efetivos em situaes restritas (laboratrios, por exemplo) que diferem muito doa ambientes reais; e, interferncia de tratamento mltiplo, que ocorre quando os sujeitos recebem vrios tratamentos e seus efeitos podem se influenciar mutuamente. c) hierarquia dos mtodos Para Pereira (1995) parece no haver muitas dvidas quanto seqncia hierrquica dos mtodos. De um modo geral, pode-se estabelecer a seguinte hierarquia:
  • 37. C.1) Estudo experimental do tipo ensaio clnicorandomizado. considerado o que apresenta melhoresresultados, uma vez que evita as principais limitaesencontradas nos outros mtodos. Sua principal propriedade formar grupos com caractersticas semelhantes antes doincio da investigao, utilizar um grupo de controle e anularos fatores de confundimento. Nesse mtodo parte-se da causaem direo ao efeito, isto , o estudo funcionaria como umexperimento onde os grupos estariam submetidos ao risco,porm um deles teria algum tipo de proteo. Aps o temponecessrio do tratamento (normalmente meses), os gruposseriam reavaliados para que se detecte algum agravo sade.Por exemplo, na verificao do efeito protetor de uma vacinaa amostra dividida em dois grupos (o de estudo e o decontrole). O primeiro recebe a vacina, enquanto o segundorecebe um placebo. Como os dois grupos esto expostosigualmente ao risco para uma determinada doena, procura-se observar se houve diferenas significativas no nmero decasos entre os dois grupos (Pereira, 1995). C.2) Estudo de Coorte. Muito semelhante ao ensaio 41clnico randomizado, sua diferena consiste em haverdistribuio aleatria da exposio. A formao dos gruposocorre a partir de observaes das situaes reais ou poralocao arbitrria. Os estudos de coorte podem ser do tipoprospectivo (estudos de coortes concorrentes), de maiorfora, e do tipo retrospectivo (estudo de coorte histrico).O primeiro tipo parte da observao de grupos seguramenteexpostos ao risco de um determinado agravo sade, a qualbusca-se verificar no futuro. No coorte histrico utiliza-segrupos j expostos ao fator de risco em potencial que sedeseja estudar. Os registros sistemticos ou os inquritos sobrea exposio e o efeito so as medidas, freqentemente,utilizadas. O principal problema deste tipo de estudo, segundoAlmeida Filho & Rouquayrol (1999), refere-se prpriadinmica das populaes que, em muitos casos, impossibilitaa observao dos coortes. H, ainda, uma limitao emcontrolar efetivamente as variveis de confundimento. C.3) Estudo caso-controle. Embora semelhante aocoorte retrospectivo, o estudo de caso-controle parte dadoena para a causa, ou seja, dado os efeitos (as doenas)busca-se encontrar suas possveis causas. Assim, a seleo se
  • 38. d a partir de dois grupos (de doentes e no doentes) e seu propsito identificar caractersticas que se apresentam de forma diferente nos dois grupos. C.4) Estudo transversal. Tambm denominado de estudo seccional , por vezes, encontrado sob a forma de cross-sectional e survey. Neste tipo de estudo, as causas e efeitos so revelados de modo simultneo. C.5) Estudo de caso. Que consiste num estudo aprofundado sobre uma situao nica, confinado ao estudo de um indivduo ou grupo muito pequeno. 3. EXERCCIOS FSICOS E SADE: OS LIMITES DA INFERNCIA CAUSAL A partir das consideraes anteriores buscaremos evidenciar alguns limites da inferncia causal, que se fazem presentes nos estudos envolvendo exerccio fsico e sade. De fato, possvel encontrar um sem nmero de pesquisas que expem uma associao de causalidade entre a prtica de exerccios fsicos e a ocorrncia de doenas42 cardiovasculares, diabetes, obesidade, osteoporose, etc. Contudo, a aceitao acrtica desses achados acaba por no colaborar com o avano da cincia. Sem dvida, parece existir uma lacuna, algo de incerto nos resultados dessas abordagens investigativas, os quais necessitam ser aprofundados. Se assim no fosse, no haveria razo em continuar investigando-os. Caso levantssemos, na base de dados Medline, a quantidade de artigos que tratam de atividade fsica e sade, certamente, seria encontrado um aumento do nmero de estudos sobre essa temtica, a cada ano. Tal situao no mnimo curiosa e nos provoca a formular a seguinte indagao: se as relaes esto bem estabelecidas porque elas continuar a ser estudadas, cada vez mais? Talvez, porque no estejam to bem consolidadas, de fato. Um primeiro ponto a considerar levantado no artigo Exerccio fsico e sade: da crtica prudente, de Carlos Magallanes Mira, tambm presente nesta coletnea. A questo abordada por tal autor pontual: o exerccio fsico que gera sade, ou a sade que conduz ao exerccio? Essa simples argumentao , na verdade, fundamental para que se possa continuar na tentativa de se estabelecer a inferncia causal.
  • 39. Se a associao estatstica est posta e se diferentes variveispuderam ser controladas por poderosos mtodos deinvestigao, parece claro que a correlao uma relaocausal, do tipo A causa B, j que onde h A h tambmB. Porm, a questo desse articulista essencial, porquecria uma tenso que no pode ser respondida, ao menos pelosresultados estatsticos. Se onde h A h tambm B, porque no pensar que B causa A? Isto , quem tem sade que procura realizar exerccios fsicos. Essa uma primeiradvida que a epidemiologia ou a estatstica no tem dadoconta. Os famosos estudos de Paffenbarger (Paffenbarger,Hyde, Wing & Hsieh, 1986 e Paffenbarger & Lee, 2000), porexemplo, no podem resolver tal problemtica. Contudo, outra questo poderia ser elaborada a partirda primeira. Seria possvel, atravs dos mtodos conhecidos,resolver a questo inicial? A resposta sim! Como citadoanteriormente, o mtodo epidemiolgico que apresenta osmelhores resultados o estudo experimental do tipo ensaioclnico randomizado. Poder-se-ia, hipoteticamente, formar 43dois grupos de adolescentes, por exemplo, com caractersticassemelhantes (gnero, condies scio-econmicas, hbitosalimentares, outros hbitos dito saudveis, etc.). Um dessesgrupos, no entanto, iria se diferenciar praticando exercciosfsicos ao longo da vida, enquanto o outro permaneceriasedentrio4. Aps vrias dcadas poder-se-ia verificar commaior exatido a influncia que os exerccios fsicos provocamsobre a sade. Contudo, uma pesquisa de tal perfil no poderiaser conduzida por bvios motivos ticos. Um terceiro aspecto refere-se subjetividadepresente em todo e qualquer estudo. Fortemente criticadapelo pensamento racionalista, a subjetividade todavia estestritamente presente nos trabalhos epidemiolgicos. Aescolha dos modelos de anlise, o modo de seleo da amostra,os instrumentos e procedimentos de medidas, a compreensodo processo biolgico, a assuno das variveis importantes e4 Carlos Magallanes Mira, em seu artigo, tambm discorre sobre uma pesquisa imaginria e cita, obviamentesem ser possvel, o uso de um placebo da atividade fsica.
  • 40. possibilidades de controle, o recolhimento de alguns dados em detrimento a outros, etc., recaem, necessariamente, sobre decises do pesquisador que dependem de sua tcnica e experincia, mas tambm, na sua f em acreditar que determinado modelo o mais adequado. Czeresnia & Albuquerque (1995) destacam, ento, que esse processo de escolha subjetivo e sujeito a erros. Alm disso, as autoras esclarecem que a no explicitao da subjetividade torna-se muito mais perigosa, j que ela acaba sendo considerada como neutra. Na pesquisa em que encontram que o nvel de aptido fsica est associado mortalidade em homens noruegueses, Sandvik, Erikssen, Thaulow, Erikssen, Mundal & Rodahl (1993) comentam, ao final, da precariedade de seleo dos vises ou da descrio inadequada dos procedimentos de seleo presentes em importantes estudos. Outra investigao, dirigida por Schriger (2001), debate a seleo dos mtodos e suas concluses. Um outro ponto diz respeito transmisso das44 doenas crnico-degenerativas. Czeresnia & Albuquerque (1995) questionam, por exemplo, se os problemas considerados no transmissveis no so, ao contrrio, transmitidos atravs da relao entre os seres humanos e desses com a natureza. Ao se pensar assim, as dimenses scio-econmicas e culturais deveriam ser trabalhadas dentro da interpretao dos resultados dos modelos epidemiolgicos. Questionar sobre o porqu da distribuio desigual das doenas numa sociedade e no sobre a etiologia dos casos altera, sensivelmente, o curso das anlises. Calcado nessa perspectiva, interessante verificar os estudos de Kaplan, Lazarus, Cohen & Leu (1991), que demonstram como os nveis de atividade fsica so dependentes de fatores psicossociais e demogrficos, ou de Stahl, Rtten, Nutbeam, Bauman, Kannas, Abel, Lschen, Rodriguez, Vinck & van der Zee (2001), os quais mostram que a variao entre os diferentes pases estudados foram fortes preditores prtica de atividade fsica. A fsica quntica trouxe tona as relaes de incerteza para expressar que os conceitos utilizados pela mecnica newtoniana no adequavam natureza de maneira exata. Se
  • 41. na mecnica newtoniana possvel aferir a posio e avelocidade do eltron, simultaneamente, na mecnicaquntica isto no possvel. De fato, em nvel microscpico,qualquer tentativa de observao acaba por interferir sobreo objeto estudado. Mesmo no mais preciso dos aparelhos,quando o pesquisador o aproxima com suas lentes, alteraas caractersticas da estrutura microscpica analisada(Heisenberg, 1999 e Prigogine & Stengers, 1997). Para opresente debate, esses ensinamentos mostram que sempre possvel haver algum tipo de interferncia quando os olharesdo pesquisador dirigem-se aos sujeitos da pesquisa,principalmente, porque tratam de seres humanos e no detomos. das cincias naturais, tambm, a noo deirreversibilidade do tempo. De acordo com o status doconhecimento cientfico alcanado at o presente momento,a flecha do tempo, de fato, desloca-se numa nica direoe sentido. Na natureza esse processo de irreversibilidade podeser identificado em diferentes situaes. Czeresnia & 45Albuquerque (1995) destacam que em condies delaboratrio, todavia, os fenmenos fsicos poderiam serinmeras vezes repetidos a partir das mesmas condiesiniciais, isto , seria possvel supor o tempo como reversvel.As autoras lembram, ainda, que no caso dos fenmenosbiolgicos estudados atravs dos modelos epidemiolgicos,as condies iniciais da experincia no se repetem. O tempo irreversvel e unidirecional. Um stimo aspecto refere-se falta de consensosobre o comportamento relacionado curva dose-respostaencontrada nos estudos sobre exerccio fsico e sade. Comoexplicado, anteriormente, Hill apud Luiz, Struchiner & Kale(2002) postulou, entre outros critrios a serem considerados,que a variao do efeito medida que varia a possvel causa um indicador importante na construo da causalidade. Nareviso de estudos sobre exerccio fsico e sade, porm,pode-se encontrar distintos resultados em referncia doseresposta. Alguns trabalhos apontam para o exerccio intensocomo o que produz melhores efeitos (Sesso, Paffenbarger &
  • 42. Lee, 2000), outros concluem que o exerccio moderado pode ser o mais eficaz (Blair et al, 1993), ou ainda, que necessrio mais ou menos tempo de exerccio. Num dos mais importantes estudos de Paffenbarger (Paffenbarger, Hyde, Wing & Hsieh, 1986), pode-se encontrar que o risco relativo de morte para todas as causas, considerando a quantidade de quilocalorias gasta por semana, de 1,00 (3500 kcal/sem). Albert, Mittleman, Chae, Lee, Hennekens & Manson (2000) evidenciaram em seu trabalho que os exerccios fsicos vigorosos podem, por um lado, proteger os indivduos da doena cardaca e, por outro, induzir morte sbita por infarto do miocrdio. Assim, apontam para um paradoxo que o exerccio pode criar e que torna seus efeitos complexos e at contraditrios. Parece, a partir das ponderaes anteriores, que o postulado de Hill sobre a dose-resposta no est bem estabelecido.46 Um ltimo ponto a ser considerado em nosso ensaio trata dos interesses em jogo presentes na construo, produo e concluses das pesquisas cientficas5. Obviamente seria interessante um olhar neutro sobre o objeto a ser analisado. Contudo, bem sabido que tanto no Brasil, quanto em quase todos os pases do mundo, os pesquisadores esto inseridos numa dinmica em que dependem de programas de bolsa de pesquisa; trabalham para empresas, como pesquisadores e/ ou consultores; ou, ainda, vislumbram alcanar benefcios econmicos ou corporativos, a partir da produo intelectual de determinado conhecimento cientfico. Desse modo, plausvel admitirmos a premissa de que os resultados de algumas investigaes poderiam no corresponder a realidade. Vrios estudos tm debatido, atualmente, o processo de medicalizao e de interesses corporativos em jogo que, mesmo podendo ser capaz de ajudar os pacientes em algumas situaes, criam, por outro lado novos mercados, o que leva a refletir e discutir o papel das empresas privadas no apoio 5 Questo semelhante foi abordada no artigo Consideraes tericas acerca das questes relacionadas promoo da sade, de Palma, Estevo e Bagrichevsky, presente neste livro.
  • 43. pesquisa cientfica. Ressalta-se, no entanto, que o conflito deinteresses pode ocorrer no s no domnio dos autores, mastambm com os revisores de artigos cientficos, nas aesgovernamentais, ou mesmo, na poltica de uma determinadaeditorao (Moynihan, 2003; Moynihan, Heath & Henry, 2002;Coyle, 2002; Wilkes, 2000; e, Palma & Mattos, 2001). Ento,seguindo luz dessa linha de raciocnio, acreditamos que talvezseja preciso dar um freio na aceitao imediata e acrticadas verdades e passar a refletir mais demoradamente sobreelas, sem contudo, desconsiderar os resultados anteriormentedescobertos.4. GUISA DE REFLEXES O presente trabalho buscou debater a construo eas limitaes dos estudos sobre exerccio fsico e sade. Longede se tentar realar um estilo de vida sedentrio, ou mesmo,os benefcios que a prtica de exerccios fsicos pode alcanar,tentou-se, aqui, trazer tona os limites da inferncia causal 47que giram em torno da grande maioria dos estudos dessetema. possvel perceber como a epidemiologia, ao menosnesse caso, se utiliza da razo do modo como esta foi, aolongo da histria do conhecimento humano, tratada emconsonncia a certos princpios, regras ou leis consideradasfundamentais na garantia da atividade racional ou cientfica. O princpio do terceiro excludo, proposto porAristteles, o qual adverte que algo deve ser,necessariamente, A ou B e no h uma terceirapossibilidade (Chaui, 2001 e Omns, 1996), rejeita qualqueroutra alternativa para o fenmeno observado, alm dasescolhas possveis de ser ou no ser. Do mesmo modo, anavalha de Ockham6 tenta supor para o