8/19/2019 Liberdade condicional negada a Carlos Cruz
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Proc.Nº 824/13.9TXLSB-A
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4529708
CONCLUSÃO - 02-03-2016
(Termo eletrónico elaborado por Escrivão Auxiliar Luís Canhoto)
=CLS=
Fls. 433:
Pague-se.
**
*
I. RELATÓRIO
Identificação do recluso: Carlos Pereira Cruz
Objeto do processo: apreciação da liberdade condicional (arts. 155.º n.º 1 e 173.º
e ss., todos do código da execução das penas e medidas privativas da liberdade, de ora
em diante designado CEPMPL) com referência ao marco dos dois terços da pena.
Foi elaborado relatório pela equipa técnica única de tratamento prisional e
reinserção social, versando os aspetos previstos no art. 173.º n.º 1 als. a) e b) doCEPMPL.
O conselho técnico emitiu, por maioria, parecer desfavorável à concessão da
liberdade condicional (art. 175.º do CEPMPL).
Ouvido o recluso este, entre outros esclarecimentos, deu o seu consentimento à
aplicação da liberdade condicional (art. 176.º do CEPMPL).
O Ministério Público emitiu parecer desfavorável (art. 177.º n.º 1 do CEPMPL).
Documentoassinadoelectronicamente.Estaassinaturaelectrónicasubstituiaassinaturaautógrafa.Dr(a).SóniaKietzmannLopes
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A) De facto
i) Factos mais relevantes:
1. Circunstâncias do caso: o recluso cumpre, à ordem do processo n.º
1718/02.9JDLSB, da 8.ª vara criminal de Lisboa, a pena de 6 (seis) anos de prisão
pela prática, em dezembro de 1999/janeiro de 2000, de dois crimes p. e p. pelo art.172.º n.ºs 1 e 2 do código penal [abuso sexual de crianças - perpetrados contra um menor
de 13 anos e consubstanciados em, por duas vezes, ter manipulado o pénis do menor,
masturbando-o, ter introduzido o pénis do menor na sua boca, chupando-o, enquanto
manipulava o seu próprio pénis, o menor ter mexido no pénis do condenado, manipulando-o,
o condenado ter introduzido o seu pénis na boca do menor, tendo-o este chupado e o
condenado ter introduzido o seu pénis ereto no ânus do menor, aí o friccionando até à
ejaculação, tendo entregado dinheiro ao adulto que levara o menor até si].2. Marcos de cumprimento da pena: início em 02/04/2013 (beneficia de 1 ano
e 4 meses de desconto); meio em 02/12/2014, dois terços em 02/12/2015 e termo em
02/12/2017.
3. Vida anterior do recluso: tem 73 anos de idade; dos 6 aos 17 anos de
idade viveu em Angola, no seio de uma família que, fruto das atividades laborais e
comerciais desenvolvidas nesse país, alcançou situação de desafogo financeiro;
naquele país desenvolveu relação privilegiada com a elite cultural, levando a que se
dedicasse a um vasto leque de atividades desportivas e tivesse alguma participação na
vida política; aos 14 anos estreou-se como relator desportivo na emissora católica de
Angola; concluiu o 12.º ano de escolaridade em Angola, com muito bom
aproveitamento; frequentou, mas não completou, o curso superior de engenharia
eletrotécnica no instituto superior técnico de Lisboa; em 1961 começou a desempenhar
funções como relator desportivo na então emissora nacional; exerceu, ao longo deanos, funções na televisão, como locutor, jornalista, repórter e autor e produtor de
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diversos tipos de programas, alguns dos quais com grande audiência e impacto
público; na televisão exerceu também cargos de direção de informação e de
programas, a nível nacional e internacional; exerceu igualmente funções no teatro, no
cinema, em revistas e jornais, na publicidade e na produção discográfica; em 1992 terá
constituído uma empresa de produção audiovisual, tendo-se defrontado no seu âmbito
com dificuldades diversas, na sequência do que passou para uma situação deinatividade; em 2000 assinou um contrato de trabalho com uma estação televisiva e
posteriormente assinou contrato de publicidade com um grupo económico, o que lhe
garantiu algum conforto financeiro; contraiu matrimónio a primeira vez em 1966,
união que terminou passados cinco anos; entretanto estabeleceu outras relações
amorosas e voltou a casar; o segundo casamento durou até 1996, tendo dessa união
nascido uma filha, atualmente com 31 anos de idade; em 1997 iniciou nova união de
facto; afirma que à data dos factos pelos quais está condenado vivia com essa sua
companheira, com quem casou passados quatro anos sobre o início da união; fruto
desta relação teve uma filha, atualmente com 13 anos de idade; o casal separou-se no
decurso da fase de recurso do processo sobremencionado; o condenado regista
patologias prévias à reclusão do foro oncológico, psiquiátrico e cardíaco; não tem
antecedentes criminais.
4. Personalidade do recluso e evolução durante o cumprimento da pena:atitude face ao crime – nega a prática dos crimes por que vem condenado; reitera as
suas anteriores declarações, no sentido de que “é um tipo de crime que me repugna
violentamente, em relação ao qual eu sempre tive uma opinião crítica. Eu ponho este
tipo de crime ao nível do homicídio. Acho que a sociedade tem a obrigação de criar
mecanismos de prevenção, assim como mecanismo de tratamento de todos aqueles que
têm esses comportamentos desviantes e, acima de tudo, deve usar e criar meios a
evitar as reincidências”; declara estar “condenado por uma ficção”; declara ter
“respeito por quem foi abusado”; declara “estar convencido de que a maioria dos
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prisional; estabelece contactos telefónicos diários com a família e corresponde-se com
vários amigos; mantem relações de amizade e proximidade com todas as suas ex-
companheiras; em meio livre projeta viver junto da sua filha maior de idade; o
condenado encontra suporte em meio livre na família, que apresenta uma dinâmica
positiva entre os seus membros; conta com o apoio incondicional de um grupo restrito
de amigos; para além deste, conta com ao apoio de amigos que se aproximaram nasequência do processo judicial; a filha com quem irá residir tem duas filhas menores
de idade e refere trabalhar como diretora executiva de uma empresa de eventos,
acrescendo ao seu vencimento rendimentos relacionados com atividades de
publicidade e marketing ; não são conhecidos sentimentos de rejeição à presença do
condenado no meio residencial onde pretende enquadrar-se; perspetiva manter-se
ativo, afirmando “ parado não vou ficar ”; projeta publicar uma autobiografia e declara
pretender escrever ainda outros dois livros; existe possibilidade de vir a dedicar-se à
criação de um canal de televisão via internet e de aceitar alguns convites que afirma ter
para trabalhar em rádio e televisão; afirma ter sido convidado para sócio de uma
empresa produtora de espetáculos; recebe uma pensão cujo valor líquido é de
aproximadamente €3.200,00; sobre a mesma incidem uma penhora bancária no valor
de aproximadamente €600,00, bem como a penhora sobremencionada, para pagamento
da indemnização à vítima, no valor de €400,00 mensais; afirma ter como obrigação o pagamento de uma pensão de alimentos de aproximadamente €1.000,00 mensais, não
liquidando por vezes a totalidade, com o acordo da sua ex-mulher, por não conseguir
fazê-lo; afirma não ter qualquer património.
ii) Motivação da matéria de facto:
A convicção do tribunal no que respeita a matéria de facto resultou da decisão
condenatória junta aos autos, da ficha biográfica do recluso, do seu certificado de
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registo criminal, do relatório junto aos autos elaborado pela equipa técnica única, dos
esclarecimentos prestados pelo conselho técnico e das declarações do recluso de fls.
336 e ss. e 435.
B) De direito
“A liberdade condicional tem como escopo criar um período de transição entre a
reclusão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, de forma equilibrada, não
brusca, recobrar o sentido de orientação social necessariamente enfraquecido por
efeito do afastamento da vida em meio livre e, nesta medida, a sua finalidade primária
é a reinserção social do cidadão recluso, sendo certo que, até serem atingidos os dois
terços da pena, esta finalidade está limitada pela exigência geral preventiva de defesa
da sociedade” (Anabela Rodrigues, in “A Fase de Execução das Penas e Medidas de
Segurança no Direito Português”, BMJ, 380, pág. 26).
Vale isto por dizer que, alcançados os dois terços da pena, com um mínimo
absoluto de seis meses (cfr. art. 61.º n.º 3 do código penal, de ora em diante designado
CP), e obtido o consentimento do recluso, como é o caso, o legislador abranda as
exigências de defesa da ordem e paz social e prescinde do requisito da prevenção
geral, considerando que o condenado já cumpriu uma parte significativa de prisão e
que, por conseguinte, tais exigências já estarão minimamente garantidas. Donde, aos dois terços da pena, é único requisito material a expetativa de que o
condenado, em liberdade, conduzirá a sua vida responsavelmente sem cometer crimes,
ou seja, importa que se atente na prevenção especial na perspetiva de ressocialização
(positiva) e de prevenção da reincidência (negativa).
Na avaliação da prevenção especial, o julgador tem, pois, de elaborar um juízo de
prognose sobre o que irá ser a conduta do recluso no que respeita a reiteração
criminosa e o seu comportamento futuro, a aferir pelas circunstâncias do caso,
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antecedentes, personalidade e evolução durante o cumprimento da pena (art. 61.º n.º 2
do CP).
A lei exige que, na análise da evolução durante o cumprimento da pena, o
tribunal de execução das penas atenda designadamente à relação do recluso com o
crime cometido (cfr. art. 173.º n.º 1 al. a) do CEPMPL).
Significa isto, por um lado, que este tribunal - como não podia deixar de ser numestado de direito democrático – tem como assente que o recluso praticou os crimes
pelos quais vem condenado. Efetivamente, este não é o tribunal do julgamento, nem
tão-pouco o tribunal de execução das penas tem poderes recursórios, devendo curar,
exclusivamente, da execução da pena. Não pode acompanhar-se, como tal e sempre
ressalvado o maior respeito, o entendimento de que deve ser salvaguardada a hipótese
de “ter havido um erro judiciário”. Pelo contrário, a estabilidade e segurança jurídica
ditam que, uma vez transitada em julgado uma sentença condenatória, a mesma não
seja alvo de um escrutínio casuístico quanto à probabilidade ou improbabilidade da
ocorrência dos factos.
Por outro lado, ao determinar que o tribunal atenda à relação do recluso com o
crime cometido, a lei está a significar que não é irrelevante a assunção ou não da
prática de tal crime por parte do condenado.
É certo que, em abstrato, a negação da conduta criminal só por si não constitui,sem mais, motivo para que não se conceda a um recluso a liberdade condicional.
Contudo, sendo esta afirmação certa, em abstrato, o que se impõe ao tribunal é
que, em concreto, afira da relevância da negação.
Ora, no caso dos autos analisa-se a liberdade condicional a conceder ao autor de
crimes de natureza sexual, mais concretamente dois crimes de abuso sexual de
crianças. A questão é, pois, a de saber se, atenta a natureza dos crimes em questão,
a negação assume ou não uma particular relevância quando apreciada a possibilidade
de libertação antecipada de um recluso.
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A resposta é afirmativa, como de seguida se explicitará.
Ao longo dos tempos têm sido aventadas várias explicações para o cometimento
de crimes sexuais contra crianças, acreditando-se – desde há cerca de 20 anos a esta
parte – que o mesmo assenta numa conjugação de fatores, quais sejam uma preferência
sexual desviante, distorções cognitivas (por exemplo a de que a vítima gosta da
experiência sexual, a de que foi a vítima quem fomentou o contacto sexual, etc.),défices de habilidades sociais necessárias para manter um relacionamento com uma
parceira adulta que consinta e fatores de dimensão não sexual, tais como défices nas
aptidões para a gestão de emoções negativas e na capacidade de resolver problemas ou
mesmo perturbações da personalidade (Jean Proulx e Denis Lafortune, in “A
diversidade dos agressores sexuais: implicações teóricas e práticas”, Tratado de
Criminologia Empírica [Colecção Fundamental], 2003, pág. 374).
Ora, o agressor sexual de menores que nega a respetiva prática, inviabiliza, desde
logo, que se conheça e escrutine o fator criminógeno que esteve na base dessa prática.
Isto é, por via da negação, não logra aferir-se por qual das razões acima apontadas o
recluso praticou o crime e, logo, se ao longo do cumprimento de pena o recluso
evoluiu de modo a que tal fator criminógeno haja sido debelado.
Consequentemente, não se logra, também, no decurso do cumprimento da pena,
direcionar a intervenção especializada para a problemática a trabalhar/tratar. Na verdade, os programas prisionais de intervenção dirigidos a agressores
sexuais são de orientação cognitivo-comportamental, articulando-se em função de
objetivos terapêuticos específicos relativos ao delito e em função de objetivos
terapêuticos indiretamente ligados ao delito, sendo que, de entre os primeiros são
trabalhados mormente a empatia em relação à vítima, a negação e a minimização,
as distorções cognitivas, as fantasias sexuais desviantes e o conhecimento do ciclo
da agressão (Jean Proulx e Denis Lafortune, in ob. cit. págs. 392 e 393).
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Isto é, com base no reconhecimento de que a negação obstaculiza uma
intervenção com sucesso na prevenção da reincidência deste tipo de crimes, os vários
programas - mormente o programa específico de reabilitação seguido no
estabelecimento prisional da Carregueira – têm como um dos seus primeiros
objetivos a redução da negação (veja-se, a este propósito, também o estudo “The
management of sex offenders. A discussion document”, de janeiro de 2009, da autoria
do Offender Management Group do Department of Justice, Equality and Law Reform
de Dublin, disponível em http://www.justice.ie/en/JELR/Pages/PB09000022).
E, não sendo ultrapassada a negação, os reclusos ou bem que não chegam a
integrar o programa ou bem que são convidados a abandoná-lo, por se reconhecer que
não é possível, em tal circunstância, identificar e tratar o específico fator criminógeno
do recluso em questão.
Ora, de entre os reincidentes (sendo que as taxas de reincidência no abuso de
rapazes – como é o caso – rondam, de acordo com o estudo de Marshall & Barbaree,
1990, entre 13% e 40%), os agressores sexuais que completaram um programa de
tratamento cognitivo-comportamental são em menor número (7,2%) do que aqueles
que não frequentaram um programa dessa índole (17,6%) (Jean Proulx e Denis
Lafortune, in ob. cit., pág. 394), pelo que é mister reconhecer que a negação, também
por força da inviabilização da frequência de um programa direcionado para crimessexuais, aumenta a probabilidade de reincidência (neste sentido conclui, também, o
acórdão do Oberlandesgericht de Colónia [tribunal de 2.ª instância alemão], de
19/05/2014, publicado em Neue Zeitschrift für Strafrecht, Rechtsprechungsreport,
2015, 29).
Aliás, os vários instrumentos de avaliação do risco de reincidência dinâmico em
caso de crimes de natureza sexual apresentam como um dos indicadores a negação.
Por todos, veja-se o SOTIPS (Sex Offender Treatment Intervention and Progress
http://www.justice.ie/en/JELR/Pages/PB09000022http://www.justice.ie/en/JELR/Pages/PB09000022http://www.justice.ie/en/JELR/Pages/PB09000022http://www.justice.ie/en/JELR/Pages/PB09000022
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Scale) – 2012, pág. 7 (disponível em http://www.nij.gov/funding/Documents/fy12-
sotips-manual.pdf).
Em suma, é inquestionável que a atitude do condenado relativamente ao crime
por si cometido, mormente a negação da respetiva prática, é um aspeto crucial a
atender na avaliação do risco de reincidência dos agressores sexuais e, logo, não pode
deixar de ser tida em conta, mormente pelo tribunal de execução das penas aquando dadecisão sobre a concessão da liberdade condicional.
Não visa, portanto, obrigar-se os reclusos – mormente os agressores sexuais - a
assumir. Estes são livres de o fazer ou não. O estado não pode é eximir-se da
obrigação de atender a esse fator enquanto relevante na apreciação das condições para
a apreciação da liberdade condicional, posto que, como vimos, é mandatória,
designadamente, a ponderação sobre o risco de reincidência.
É descabida, portanto, a afirmação de que o tribunal de execução das penas
“obriga” o recluso a assumir.
Em primeiro lugar, porque esta afirmação parte do pressuposto de que o recluso é
inocente e, logo, que uma assunção significa uma violentação do condenado, visão
essa, porém, de todo incompatível com o caso julgado, ou seja, incompatível com o
único ponto de partida admissível para o tribunal de execução das penas: o de que o
recluso cometeu o crime pelo qual vem condenado (v. supra).Em segundo lugar, porquanto, pelas razões acima sobejamente apontadas, a
atitude face ao crime, mormente a negação, deve (por lei e cientificamente) ser
atendida enquanto elemento de escrutínio na evolução do cumprimento da pena e
avaliação do risco de reincidência, muito particularmente nos crimes sexuais.
Como se lê no acórdão da Relação do Porto, de 28/01/2015, proferido no
processo n.º 1486/11.3TXPRT, se é certo que “o arrependimento e reconhecimento do
ilícito perpetrado não são factores imprescindíveis à concessão da liberdade
condicional […] o certo é que tais circunstâncias não podem deixar de ser
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ponderadas em sede de personalidade do condenado e reflectir-se na apreciação da
evolução deste no cumprimento da pena”.
Volvendo ao caso concreto, temos que o recluso cumpre pena por dois crimes de
abuso sexual de crianças, cuja prática nega, negação que invoca também para declinar
a frequência do programa destinado a agressores sexuais, existente no estabelecimento
prisional da Carregueira. Ou seja, aplicando ao caso dos autos as considerações tecidas supra, temos que continua a desconhecer-se o que em concreto motivou o recluso a
cometer os crimes e, como tal, não pode também afirmar-se que evoluiu a este nível,
mormente que hoje está munido de um qualquer inibidor endógeno.
Por outro lado, os crimes sexuais pelos quais o recluso cumpre pena, por terem
sido cometidos em ambiente extrafamiliar e terem tido por vítima um menor de sexo
masculino, preenchem dois dos indicadores de reincidência (veja-se o estudo levado a
cabo por Proulx, Pellerin, Paradis, McKibben, Aubut e Ouimet, citado por Jean Proulx
e Denis Lafortune, in ob. cit., pág. 395), sendo certo que, de entre os vários tipos de
abuso possível, aquele em questão é especialmente invasivo, não se limitando a sexo
oral ou manipulação peniana, o que, além de ser relevante na apreciação da
personalidade do perpetrador (também revelada no facto de o condenado se ter
aproveitado de um menor institucionalizado), eleva igualmente a ponderação de risco
imposta ao tribunal. Na verdade, quanto mais sensíveis e carecidos de proteção os bens jurídicos ameaçados por uma possível reincidência, menor é a margem de risco a que o
tribunal aceita sujeitar a sociedade por via da libertação antecipada.
Acresce que o recluso, pese embora a sua idade, afirma ser sexualmente ativo,
pelo que não se verifica uma minoração do risco de reincidência por força do fator
idade.
Por outro lado, ainda, muito embora o recluso seja um cidadão mediático, já
detinha esta qualidade à data dos factos, sem que tal o impedisse de cometer os crimes
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por que vem condenado. Não se vê, portanto, que a sua exposição mediática seja
impeditiva de uma reincidência.
É certo que o condenado dispõe de amplo apoio em meio livre – o que releva
assertivamente ao nível da prevenção especial positiva -, mas certo é, também, que já
contava com apoio familiar e social à data dos factos, sem que tal circunstância
obviasse à prática dos crimes. Não pode, como tal, reconhecer-se a este apoio odesejado efeito contentor.
Por sua vez, no que diz respeito ao item comportamento prisional (que se insere
na vertente da evolução durante o cumprimento da pena), acompanha-se o que a este
respeito vem sendo entendido na jurisprudência germânica: o comportamento
institucional imaculado não releva tendencialmente de forma positiva quando está em
causa a apreciação da liberdade condicional de um agressor sexual de menores, já que
este, denotando tipicamente rigidez interna e um desfasamento entre a realidade e a
imagem que tem de si próprio [razão da negação da prática dos crimes, na maior parte dos
agressores sexuais, acrescentamos nós], apresenta frequentemente um comportamento
institucional supernormativo (neste sentido, o acórdão do Oberlandesgericht de
Colónia citado supra).
Aliás, como se lê no acórdão do tribunal da relação de Lisboa, de 21/01/2015,
proferido no processo n.º 7164/10.3TXLSB, o bom comportamento prisional não énada que não seja exigível a um recluso - que conhece as consequências dos
incumprimentos ao nível disciplinar - e não é suficiente para que seja concedida uma
liberdade condicional.
Em síntese, escalpelizados os aspetos a atender ao nível da prevenção especial
negativa, não logra descortinar-se uma evolução do recluso no decurso do
cumprimento de pena (daí que pouco ou nada releve o facto de não ser conhecido ao
condenado o cometimento de crimes no largo período de tempo durante o qual esteve
sob julgamento, altura em que, aliás, não seria de esperar que praticasse qualquer ato
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passível de agravar a sua situação) que permita afirmar um decrescimento das
exigências de prevenção especial negativa (risco de reincidência) ou, nas palavras do
citado acórdão da relação de Lisboa, de 21/01/2015, não se verifica in casu que em
termos pessoais algo de relevante se tenha mudado no recluso e que ocorram situações
ou circunstâncias exteriores ao cumprimento da pena ou ao meio prisional que nos
levem a considerar que algo mudou para melhor e que justifique a concessão do benefício de sair da prisão antes de cumprir a pena que o tribunal da condenação achou
adequada aos factos e à culpa.
Assim o considerou também maioritariamente o conselho técnico e nesse
sentido é o parecer do Ministério Público, cujas posições, pelas razões apontadas, se
entende acompanhar, tanto mais que não é este o último momento possível para
permitir que o condenado de uma forma equilibrada, não brusca, recobre o sentido de
orientação social enfraquecido por efeito do afastamento da vida em meio livre (a cerca
de 9 meses do termo de pena verificar-se-á novo conhecimento sobre a possibilidade de
concessão de liberdade condicional).
III. DECISÃO
Em face do exposto, não concedo a liberdade condicional a Carlos PereiraCruz.
A eventual concessão de liberdade condicional será reapreciada em renovação da
instância, ou seja, em 07 de março de 2016.
Para o efeito, deverá a secção solicitar, com 90 (noventa) dias de antecedência, o
envio, no prazo de 30 (trinta) dias, de relatório versando os aspetos previstos no art.
173.º do CEPMPL, bem como a ficha biográfica e o certificado de registo criminal do
recluso.
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Registe, notifique e comunique de acordo com o disposto no art. 177.º n.º 3 do
CEPMPL.
Lisboa, 07 de março de 2016
(Processado mediante o uso de meios informáticos e revisto pela signatária, Sónia Kietzmann Lopes)
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