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A Fotografia Maranhense Contemporânea - Estudo de Caso da Série Na Trilha do
Cangaço: O Sertão que Lampião pisou, de Márcio Vasconcelos1
Maria Thereza Gomes de Figueiredo SOARES2
Prof.ª Dr.ª Márcia Manir Miguel FEITOSA3
Prof. Dr. José Ferreira JUNIOR4
Universidade Federal do Maranhão, São Luís, MA
Resumo
Neste artigo pretende-se investigar a produção fotográfica contemporânea maranhense a
partir do estudo de caso das fotografias do livro Na trilha do Cangaço: o sertão que
Lampião pisou, realizadas pelo fotógrafo independente Márcio Vasconcelos, inseridas em
um panorama de produção fotográfica conceitual do Maranhão quase invisível. A partir da
análise do prêmio Marc Ferrez, se faz uma análise estatística da produção nacional da
fotografia conceitual brasileira no período 2011-2015, dentro do qual está inclusa essa
série. Também será abordada a ligação entre a fotografia documental e a fotografia do
imaginário do Cangaço e possíveis clichês sobre o sertão.
Palavras-chave
Fotografia; Márcio Vasconcelos – fotógrafo; Sertão brasileiro; Lampião – Cangaço; Clichê
fotográfico.
1. Introdução
A fotografia maranhense tem se feito presente ao longo das décadas, desde os
primórdios desta arte, porém escassamente documentada e salvaguardada. No mapeamento
dos fotógrafos atuantes no país, integrantes do Dicionário Histórico-Fotográfico
Brasileiro: fotógrafos e ofício da fotografia no Brasil (1833-1910), publicação de Boris
Kossoy, os fotógrafos localizados no Maranhão, durante este período, somam 23
profissionais entre brasileiros e estrangeiros, incluindo nome do célebre autor das imagens
da publicação Maranhão 1908 - Álbum Fotográfico de Gaudêncio Cunha. Portanto, o
Maranhão sempre se fez presente na produção fotográfica nacional, de maneira quase
1 Trabalho apresentado no GP Fotografia do XVI Encontro dos Grupos de Pesquisa em Comunicação, evento componente
do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da UFMA. Fotógrafa. Cineasta formada em
Comunicação Social – Cinema, pela UFF. É especialista em Artes Visuais: Cultura e Criação pelo Senac. Estudou Imagem
na École Nationale Supérieure Louis Lumière (Paris). E-mail: [email protected]. 3 Profa Dra em Literatura Portuguesa pela USP. Profa Associada nível IV da Universidade Federal do Maranhão. Pós-
Doutora em Estudos Comparatistas na Universidade de Lisboa. E-mail: [email protected] 4Mestre e Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Pós-Doutor em Literatura Brasileira (FFLCH-USP).
Professor Associado IV do curso de Jornalismo e do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade
Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]
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invisível, com quase nenhum estudo destinado, salvo os dedicados ao fotógrafo citado.
Possivelmente a razão maior reside da perda dos fotogramas dos períodos iniciais. Também
posso apontar como fatores que invisibilizam a história da fotografia maranhense a lacuna
de órgão responsável pelo armazenamento deste suporte artístico em São Luís, não tendo o
pesquisador acesso ao material ou à documentação correspondente.
A importância de se estudar a produção fotográfica maranhense se faz urgente e
necessária para preencher esses vazios, por isso dedico este artigo à análise da fotografia
contemporânea autoral independente do fotógrafo Márcio Vasconcelos, cuja carreira
consolidada e reconhecida se pautou em trabalhos documentais e conceituais há vinte e seis
anos. Para este texto foi escolhida a série Na trilha do Cangaço: o sertão que Lampião
pisou, projeto que iniciou partindo do desejo em realizar esse trajeto, por volta de 2008, e
culminou com a série do lançamento do livro homônimo em 2016.
Algumas das imagens icônicas de Lampião foram registradas em 1938 pelo mascate
sírio-libanês Benjamin Abrahão Botto que fez as vezes de fotógrafo e cineasta. Alguns
fotógrafos registraram os cangaceiros em período de atividade, assim como Lauro Cabral.
Para embasar o trabalho do fotógrafo Abrahão, utilizarei o artigo do pesquisador
Marcos Edílson de Araújo Clemente (2007). Neste artigo o autor fala sobre o cuidado de
Lampião com sua autoimagem e a publicidade em torno de si mesmo. Lampião possibilitou
ser fotografado e filmado em algumas ocasiões. Com a fama de seus feitos, essas imagens
circularam em mídias nacionais, o que despertou a atenção de Getúlio Vargas, que solicitou
a apreensão das imagens. Como resultado, grande parte do acervo fotográfico de Lampião
feito por Abrahão foi destruído por razões políticas.
O Cangaço permanece no imaginário do povo brasileiro, tendo ocorrido na primeira
metade do século XX, no nordeste, cujo fim teve início com a morte, em 1938, de Virgulino
Ferreira da Silva (Lampião), Maria Gomes de Oliveira (Maria Bonita) e 9 cangaceiros, e
findou dois anos mais tarde com a morte de Cristino Gomes da Silva Cleto (Corisco).
Passadas mais de sete décadas do fim do ocorrido, é evidente que o trabalho
idealizado por Márcio Vasconcelos abordou um rastro possível do caminho por onde
passou Lampião e seu bando. Para o artista, o objetivo do trabalho foi fortemente inspirado
pelo legado deixado por Abrahão e pretendeu revistar pontos estratégicos da trajetória
histórica do Cangaço, assim como do imaginário mitológico popular que gira em torna da
figura de Lampião e de outros lendários cangaceiros, como Maria Bonita, Corisco e Dadá,
para citar alguns, e o meio ambiente do sertão que se confunde com a caatinga.
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É necessário compreender que o projeto Na trilha do Cangaço: o sertão que
Lampião pisou trata de múltiplas formas transmidiáticas, que comportam: fotografia
impressa, site, textos, vídeo, livro e performance, no entanto, para este estudo será utilizado
apenas o livro homônimo.
No entanto, observou-se que há divergências de nomenclaturas no projeto, o que
resultou no título do site Na trilha do Cangaço: um ensaio fotográfico pelo sertão que
Lampião pisou, enquanto o do livro Na trilha do Cangaço: o sertão que Lampião pisou,
sendo este o qual as imagens aqui serão analisadas.
Retomando a questão de transmídia, é possível observar que na página do projeto,
Vasconcelos disponibilizou um número limitado de imagens, alguns textos e um vídeo. No
que tange às imagens do site, cujo subtítulo é O ensaio, o autor dividiu-o em categorias,
como veremos adiante. Porém, como forma de polarizar as temáticas, optou-se por uma
análise em duas partes que abrangesse o clichê e o documental de Lampião, pensado desta
forma: A trilha e O Cangaço, para evidenciar a dicotomia existente na percepção das
imagens.
Em A trilha, seguir-se-á pelos indícios do sertão e da caatinga, pelo imaginário que é
proposto pela iconografia acerca do Nordeste a partir da ideia de pertencimento e de
imagens que podem ser consideradas clichês. No que será indicado como O cangaço, serão
separadas as fotografias documentais do cangaço vivo: pessoas, lugares e objetos que
pertenceram ao movimento, como fonte de memória e identidade.
2. Sobre o projeto Na Trilha do Cangaço
Quando se trata de fotografia autoral, os artistas contemporâneos em atividade se
veem diante da variedade de possibilidades de novos territórios criativos. Ao se falar de Na
trilha do Cangaço: o sertão que Lampião pisou, é importante observar que o projeto
utilizou três superfícies fotográficas: o site do projeto (composto por imagens, textos e
vídeo), as imagens impressas expostas e a publicação de livro, o que configura um perfil de
transmídia. Esse conceito de variação do conteúdo associa vários suportes de comunicação
com o intuito de facilitar a divulgação nos meios.
O site serve para este artigo como fonte de dados legítima com vistas a auxiliar na
identificação e análise das imagens do livro Na trilha do Cangaço: o sertão que Lampião
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pisou. O trabalho de Vasconcelos, na criação destas imagens, é de caráter documental
majoritariamente, com algumas ressalvas a serem tratadas posteriormente.
Por se tratar de um projeto de caráter documental, mesmo com possíveis interferências,
KOSSOY (2010, p. 116) afirma:
O registro ou o testemunho fotográfico não é isento e sua verdade é
apenas relativa, icnográfica strictu sensu. Sua materialização sempre se
fez a partir do processo de criação do fotógrafo, um processo, pois,
marcado pela subjetividade. (KOSSOY, 2010, p. 116)
O perfil deste projeto reforça tanto o caráter independente quanto o autoral, marcas
da trajetória de Vasconcelos. A ideia inicial de Márcio Vasconcelos surgiu de um desejo
pessoal de realizar o registro, como o próprio nome já remete. O fotógrafo se refere ao
percurso como trilha imaginária. A pesquisa durou dois anos (2008 e 2009), mas foi
somente no ano seguinte, com o anúncio do XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia,
categoria “Documentação fotográfica / Registro das transformações do cotidiano na
sociedade”, que o projeto teve início efetivamente. O fotógrafo percorreu, ao longo de dois
meses, aproximadamente 3.000 km em seu próprio veículo à procura deste rastro possível.
O mapa animado disponibilizado no site traça a rota que passou por sete estados e incluiu as
cidades, em ordem cronológica: partiu do Sítio Passagem das Pedras em Serra Talhada,
seguiu para São José do Belmonte, Juazeiro do Norte, Triunfo, Santa Cruz da Baixa Verde,
Afogados da Ingazeira, São José do Egito, Buíque, Água Branca, Delmiro Gouveia, Olha
d´Água do Casado, Piranhas, Paulo Afonso, Canindé de São Francisco, findando,
simbolicamente, na Grota do Angico, em Poço Redondo.
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FIGURA 1 - Mapa da rota realizada pelo fotógrafo Márcio Vasconcelos
Fonte: http://www.natrilhadocangaco.com.br/mapa.php
2.1 O Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia
O prêmio “Marc Ferrez” governamental é concedido anualmente pela Fundação
Nacional de Artes e é uma das maiores premiações monetárias para produção independente
da fotografia brasileira. O prêmio é constituído de edital público, consistindo em 3
categorias: módulo A - Projeto de livre criação fotográfica (anteriormente nominada
Pesquisa, experimentação e criação em linguagem fotográfica), módulo B - Documentação
Fotográfica do Brasil (anteriormente nominada Documentação fotográfica/ registro das
transformações do cotidiano na sociedade) e módulo C - Produção de reflexão crítica sobre
fotografia (anteriormente nominada Produção de conhecimento por meio de apoio ao
pensamento crítico e teórico no campo da fotografia). Ao comparar cinco anos (2011-
2015), é possível verificar que, mesmo com a política de descentralização da produção
nacional, ainda predomina a produção oriunda do grande eixo do país, ou seja, São Paulo e
Rio de Janeiro.
As estatísticas foram tabuladas a partir da observação dos dados disponibilizados no
site do prêmio, sendo que a cada edição a equidade de prêmios se manteve nas três
categorias, porém a cada ano a quantidade prêmios por categoria variou. Assim, na XI
edição, foram distribuídos 12 prêmios nas 3 categorias, totalizando 36 prêmios. No ano
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seguinte, a quantidade aumentou para 15, resultando em 45 prêmios. Nos dois anos
subsequentes, a quantidade de prêmios por categoria fixou-se em 6, reduzindo-se a 4 na XV
edição.
Num total de 129 prêmios, 64,24% foram para projetos da região sudeste (somente o
estado de São Paulo corresponde à mais da metade desse valor). Para a região nordeste, a
fatia se divide entre os estados, não sendo contemplado, contudo, o estado de Sergipe. A
disparidade da participação nordestina na premiação corresponde a 17,05%. O Maranhão
recebeu 3 prêmios: 2 para projetos de Márcio Vasconcelos (o já citado e Visões de um
poema sujo) e 1 para a Revista Insight Photo.
É possível observar, de acordo com os dados mencionados, que a probabilidade de
trabalhos maranhenses, ou “fora-do-eixo cultural” serem premiados são menores em relação
aos grandes centros de produção artística, tais como os estados do Rio de Janeiro, São
Paulo, Distrito Federal, a região sul e fortes polos fora do eixo: Pará, Pernambuco, Ceará e
Bahia.
2.2 O projeto do site e a publicação do livro
Ao falar do projeto Na trilha do cangaço, trata da ideia geral do projeto, que se
desdobrou em vários produtos: exposição fotográfica física, site (vídeo, textos e
disponibilização de imagens), livro e performance durante o lançamento do livro. Primeiro
a contemplação do prêmio “Marc Ferrez” para a produção da série de fotografias,
posteriormente o projeto de publicação do livro, via lei de incentivo.
Ao se centrar especificamente na fotografia, o site do projeto disponibilizou 60
imagens sob o título “Ensaios”, as subdivisões: “personagens”, “caatinga”, “lugares”, “fé” e
“outras coisas”. Porém, escolheu-se o que classificou-se em diferentes segmentos: A Trilha
e O Cangaço. Para a análise das fotografias do projeto, utilizei aquelas pertencentes ao
livro. Ao todo o livro comporta 2 reproduções do fotógrafo Benjamin Abrahão e 62
imagens de Vasconcelos. É importante ressaltar que várias imagens componentes do site
não foram selecionadas pela curadoria para integrar o livro, assim como a publicação
impressa traz imagens inéditas de publicação.
A escolha das fotografias que compõem o livro fora feita, segundo o fotógrafo, pela
curadoria, levando em consideração a capacidade espacial do livro. A curadoria é um
processo fundamental na edição final de um trabalho artístico, cabendo a ela a narrativa
visual do conceito pensado pelo artista.
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No caso da curadoria do livro de Vasconcelos, coube à fotógrafa Maureen Bisiliat.
Esta foi a primeira experiência de trabalho conjunto dos dois fotógrafos.
2.3 Maureen Bisilliat
Nenhuma arte é isenta de contaminação do seu criador. Todo artista interfere naquilo
que produz. No caso da série, o fotógrafo utiliza métodos próprios de inclusão e exclusão.
Especificamente no caso do livro publicado, o crivo passou pelas mãos da renomada
fotógrafa Maureen Bisilliat.
A fotografia da inglesa naturalizada brasileira, Maureen Bisilliat, ecoa pontualmente
naquela produzida por Vasconcelos. De modo superficial, Bisilliat fez notórios registros da
etnia Xingu, assim como Márcio Vasconcelos registrou a festa do Maqueado, da etnia
Tenetehara ou mesmo registros de bumba-meu-boi. Porém, o elo que se fortalece é o que se
refere à ligação da fotografia com a literatura. A fotógrafa realizou uma série intitulada A
João Guimarães Rosa, fazendo uma leitura pautada na obra Grande Sertão: Veredas. A
ideia surgiu ao manter contato pessoal com o escritor, que culminou na publicação do livro
citado, no ano de 1966, sob apresentação de imagens de Bisilliat e trechos de Rosa. O
acervo desta série foi adquirido pelo Instituto Moreira Sales (IMS).
FIGURA 2 - Imagens da série sobre Grande Sertão: Veredas, de Maureen Bisilliat
Fonte: Acervo do Instituto Moreira Salles
É importante observar que a interferência editorial de Bisilliat só surgiu no momento
do projeto de publicação do livro, portanto, não houve interlocução entre os dois artistas no
decorrer do processo artístico de feitura das imagens e da criação do site de Vasconcelos. O
fotógrafo, contudo, já conhecia o trabalho da fotógrafa inglesa anteriormente.
3. A Trilha e o Cangaço: a trilha imaginária e a real
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Entende-se que é possível dividir o trabalho do fotógrafo em dois campos distintos:
um permeado por imagens atuais que replicam as imagens clichês do sertão e da caatinga
(A Trilha) e outro que registra, na atualidade, o que ainda permanece vivo em relação à
memória direta de Lampião e dos cangaceiros (O Cangaço).
3.1 A Trilha
A Trilha, que aqui vai ser pontuada, se refere ao imaginário dos conceitos que
envolvem Cangaço, sertão, caatinga e seus clichês. Para isso selecionou-se algumas
imagens do livro para serem analisadas a partir da classificação aqui feita.
O clichê da fotografia acerca das terminologias “caatinga nordestina”, “sertão
nordestino”, “Cangaço” e “Lampião” podem ser exemplificadas pelas imagens abaixo:
FIGURA 3 – Pesquisa com o escritor “caatinga nordestina”.
Fonte: Google imagens. Autorias não identificadas.
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FIGURA 4 – Pesquisa com o escritor “sertão nordestino”.
Fonte: Google imagens. Autorias não identificadas.
FIGURA 5 – Pesquisa com o escritor “Cangaço”.
Fonte: Google imagens. Autorias não identificadas.
FIGURA 3 – Pesquisa com o escritor “Lampião”.
Fonte: Google imagens. Autorias não identificadas.
Como é possível observar, as primeiras imagens que aparecem pelo motor de busca
traduzem as imagens que denomino “clichês”. Na ordem e em sequência, é possível
visualizar: vegetação com preponderância de cactos, plantas secas, vaqueiros e bovinos, a
busca pela água com balde, a aridez do solo, fotos do bando de Lampião e retratos de
Lampião e atores com figurinos inspirados no cangaceiro.
É relevante observar que todas as fotografias foram tiradas durante o dia para
enfatizar a luz solar, a sensação de calor reforçada pelas eventuais nuvens esparsas na
paisagem. A opção de Vasconcelos, ao realizar suas imagens, muitas em interiores de
residências, contrapõe esses clichês, assim como imagens noturnas. Outro dado importante
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que necessita um olhar mais apurado vem da opção pessoal do fotógrafo por não utilizar luz
artificial em seus registros, por isso o artista optou por realizar suas imagens com luz
natural ou com a luz ambiente.
FIGURA 7 - Imagens realizadas à noite em ambientes internos.
Fonte: VASCONCELOS, 2016.
Márcio Vasconcelos fez sua própria leitura da trilha do sertão e da caatinga,
conceitos quase simbióticos. Os clichês que se seguem não são possíveis de serem
separados da realidade nordestina no percurso proposto: a representação da seca, a miséria,
a vegetação e o sertanejo.
FIGURA 8 – Imagens clichês do sertão nordestino.
Fonte: VASCONCELOS, 2016.
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Entende-se como clichê algo que é previsivel, muitas vezes visto, óbvio. Ao se
pensar no sertão e/ou na caatinga, como dito anteriormente, são imagens imaginárias que se
confudem, apesar de serem conceitos complexos geograficamente (bioma, climatologia,
vegetação etc), temas que remetem à seca, ao chão árido, à pobreza extrema, ao cacto e ao
próprio sertanejo vestindo roupas de couro para se proteger das vegetações ásperas,
espelhos do meio ambiente. O imaginário se faz presente coletivamente para aqueles
familiarizados com o tema. Vistas deste ponto, as imagens podem se caratcetizar enquanto
óbvias, porém para os não iniciados, não. Outro fator que deve ser apontado é que um
fotógrafo nunca fará exatamente a mesma foto, tal como ocorre com a lembrança/ memória
de cada pessoa – por mais que sejam parecidas, nunca serão exatamente iguais, portanto é
um ponto de vista único.
Na imagem abaixo, o “cangaceiro em ação” é um guia turístico local que veste-se de
forma apenas figurativa (não se trata de um traje original) para simular o tema da série.
FIGURA 9 - Imagem fictícia: cangaceiro em atuação
Fonte: VASCONCELOS, 2016.
A figura 9 se destaca dentre as demais por se tratar de uma fotografia de
representação ficcional de um evento real. Em contraste com a imagem-rastro “verdadeira”
do cangaceiro do bando de Lampião, o simulacro deste personagem ambienta o contexto,
mas pode conter elementos errôneos na leitura aprofundada desta imagem.
Como contraponto à ficção no livro, há imagens de elementos reais que pertenceram ao
movimento, reforçando o caráter documental do projeto.
3.2 O Cangaço
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Umas das evidências fotográficas tidas como artísticas é o poder de impacto que
pode causar, contendo em si um campo de tensões – o que é característico a qualquer obra
de arte. A imagem tem o poder de agência pela sua própria potência.
FIGURA 10 - Imagem não clichê: céu com nuvens de chuvas e crânio de boi pintado
Fonte: VASCONCELOS, 2016.
Segundo Vasconcelos, o fotógrafo indicou que o registro do crânio foi realizada tal
como o objeto foi encontrado. Não houve interferência para adornar o objeto. É importante
observar a importância da repetição do elemento bovino nesta série, como enfatiza o artista,
serviu para mostrar a constante pobreza da região. Acerca de uma das fotografias que
constam no livro, uma queixada de boi sobre a terra, o artista assinalou: “Representa a seca,
a fome, o sol causticante, a terra vermelha e seca” (VASCONCELOS, 2016). Ainda sobre
os registros de boi, o animal aparece em diversas imagens: bezerro morrendo nos braços de
uma garota, a ossada de mandíbula (queixada), crânio pintado, a ossada ainda com couro do
animal morto.
Acerca da sequência de imagens da garota chorando com o bezerro, o fotógrafo
discorreu: “Eu passava de carro e vi esta cena na beira da estrada. Parei e fiquei
fotografando por vários minutos, foi uma triste coincidência, mas que demonstra um fato
comum no sertão” (2016).
É possível associar uso do conceito de memória coletiva, de Maurice Halbwachs,
cuja ideia de que a memória tem relação com o coletivo, afetividade e pertencimento, e o
intuito de Vasconcelos, enquanto nordestino, e a memória por ele reconstruída, ou seja, o
resgate dele, sobre o conceito de Cangaço.
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A fotografia que entende-se como documental é aquela cujo referente é assimilado
pelo leitor de forma clara e objetiva. Segundo Kossoy (2001), existem preconceitos em
relação ao uso da fotografia enquanto fonte histórica. Ele cita:
A informação registrada visualmente configura-se num sério obstáculo
tanto para o pesquisador que trabalha no museu ou arquivo como ao
pesquisador usuário que frequenta essas instituições. O problema reside
justamente na sua resistência em aceitar, analisar e interpretar a
informação quando esta não é transmitida segundo um sistema codificado
de signos em conformidade com os cânones tradicionais da comunicação
escrita. (KOSSOY, 2009, p. 30)
Márcio Vasconcelos foi à busca de pessoas e objetos referentes ao movimento
cangaceiro, dos quais destaco as figuras do cangaceiro conhecido como “Candeeiro” –
Manuel Dantas Loiola (falecido em 2013), a casa onde Maria Bonita residiu, os óculos de
Lampião ou mesmo a emblemática e já ecoada imagem da Grota do Angico, como seguem
abaixo.
FIGURA 11 – Imagens documentais.
Fonte: VASCONCELOS, 2016.
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4. Considerações finais
A fotografia criou, ao longo da história, seus próprios clichês pictóricos, que são
benvindos, afinal, eventualmente são invitáveis em qualquer campo de criação. O que o
trabalho de Vasconcelos propôs foi um registro documental por uma região que está no
imaginário do brasileiro, que compreende a caatinga e o sertão. Porém o que se observou,
pontualmente, foram eventuais repetições de imagens de estereótipos nordestinos
vinculados à miséria, ao sol e à seca.
É possível afirmar que o trabalho de Vasconcelos dialoga intimamente com os já
realizados por Maureen Bisiliiat e cuja curadoria auxiliou a compreender melhor a narrativa
proposta pelo fotógrafo, visto que a fotógrafa inglesa também propôs ponto de vista pessoal
acerca do sertão.
De certo modo, a realidade nordestina foi fortemente assimilada no trabalho do
artista enquanto maranhense, pois o estado do Maranhão possui diversos biomas inclusive o
sertão, além de pontuar entre os estados mais pobres do país, refletindo assim a realidade
dos outros estados.
Outro clichê observado se refere às premiações, em nível nacional, destinadas ao
grande eixo, especificamente Rio de Janeiro e São Paulo. Aos poucos, timidamente, a
fotografia maranhense segue o rumo em busca de seu lugar de projeção no panorama da
fotografia brasileira.
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Referências
CLEMENTE, Marcos Edílson de Araújo. Fotografia e história: imagens fotográficas do cangaço.
Fênix - Revista de História e Estudos Culturais. Uberlândia, vol. 4, n. 4, p. 1-18, nov./dez. 2004.
COSTA, Helouise. SILVA, Renato Rodrigues da. A fotografia moderna no Brasil. São Paulo:
Cosac Naify, 2004.
FUNDAÇÃO NACIONAL DE ARTES. Disponível em: < www.funarte.gov.br>. Acesso em 21 jun
2016.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006.
Instituto Moreira Sales. Disponível em: < www.ims.com.br>. Acesso em 23 jun 2016.
KOSSOY, Boris. Dicionário Histórico-Fotográfico Brasileiro: fotógrafos e ofício da fotografia
no Brasil (1833-1910). São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2002.
________. Fotografia & História. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009.
VASCONCELOS, Márcio. Na trilha do Cangaço: o sertão que Lampião pisou. São Paulo: Vento
Leste, 2016.
VASCONCELOS, Márcio. Na trilha. [mensagem pessoal] Mensagem recebida por:
<[email protected]>. em: 01 jul 2016.. Entrevista concedida a Maria Thereza G. de F.
Soares.
VASCONCELOS, Márcio. A história do cangaço entra em cartaz no Recife. Folha de
Pernambuco, Recife, 1 jun. 2016. Entrevista concedida a Carol Botelho. Disponível em:
<http://www.folhape.com.br/cultura/2016/6/a-historia-do-cangaco-entra-em-cartaz-no-recife-
0452.html>. Acesso em: 2 jun. 2016.
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