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Corpos jovens e magros: imposições midiáticas, pressões sociais, angústias pessoais1
Mônica Cristine FORT2
Ivania SKURA3
Cristina Brahm Cassel BRISOLARA4
Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba, PR
Resumo
O corpo jovem e magro é exaltado nas representações femininas na imprensa de maneira
constante, gerando um padrão reiterador que não só reforça modos de ser e de viver, mas
também institui o medo do não pertencimento ao universo cujas reportagens contemplam. A
silhueta magra e a pele firme e lisa deixam de ser características corporais para se
transformar em valores sociais, em indicativos de beleza e de sucesso. Por meio de
apontamentos teóricos que retomam os cenários dessas concepções, utilizamos como
exemplos as publicações de dois grandes sites noticiosos: HuffPost Brasil, com especial
atenção às matérias publicadas na editoria Mulheres; e Globo.com, com destaque para a
seção do portal que contém reportagens da revista Glamour. A pesquisa tem como recorte
temático, justamente, matérias cujos conteúdos fortalecem o medo de engordar e de
envelhecer, relacionados a uma imagem corporal feminina limitadora e quase compulsória,
(re)produzida na e pela mídia.
Palavras-chave: Idade; Medo; Imagem Corporal; Imprensa.
Introdução
A cultura contemporânea concentra na aparência uma diversidade de significados
que adquire grande densidade no que diz respeito às relações humanas e ao mundo social. É
no corpo que se dá a acomodação das sensações que posteriormente dará lugar como
representação de si mesmo, as referências identitárias são enraizadas nas expectativas com
respeito ao corpo. Considerando que a imagem corporal possui uma profunda ligação com a
1 Trabalho apresentado no GP Comunicação e Culturas Urbanas, XVI Encontro dos Grupos de Pesquisas em
Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Professora e Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do
Paraná (PPGCom/UTP). Pós-doutora em Comunicação (UERJ). Vice-líder do Grupo de Pesquisa (GP) Interações
Comunicacionais, Imagens e Culturas Digitais – Incom. E-mail: [email protected] 3 Graduada em Publicidade e Propaganda (UniCesumar). Mestre em Sociedade e Desenvolvimento (Unespar). Doutoranda
em Comunicação e Linguagens (UTP). Integrante do GP Interações Comunicacionais, Imagens e Culturas Digitais –
Incom (UTP). E-mail: [email protected] 4 Psicóloga. Mestranda em Comunicação e Linguagens no PPGCom/UTP. Membro do GP Interações Comunicacionais,
Imagens e Culturas Digitais – Incom (UTP). E-mail: [email protected]
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identidade do sujeito, o padrão estético amplamente divulgado pela mídia, capas de revistas
e redes sociais influenciam, de forma direta e indireta, a necessidade da busca incessante de
corpo e aparência perfeitos a fim de maior aceitação pessoal e social. A busca pela
identidade pessoal é a encarnação de todo um complexo sistema de relações sociais
presentes antes mesmo da existência do sujeito no mundo, portanto, é possível compreender
que o corpo é um vetor importante para a construção da identidade do indivíduo, bem
como, possui real importância para interação nos grupos sociais.
O panorama sociocultural ocidental de valorização da magreza e da juventude, com
pressão para o emagrecimento e o rejuvenescimento, interage com fatores biológicos,
psicológicos e familiares, provocando exagerada preocupação com o corpo, podendo até
mesmo levar ao pavor patológico de engordar e envelhecer, um medo de parecer
inapropriado no peso ou na aparência e que está diretamente relacionado ao papel social de
sucesso pessoal e profissional. A ênfase da sociedade contemporânea para o ideal de beleza
centrado em um corpo magro de aparência jovem fornece o ambiente sociocultural que
justifica a perda de peso e rejuvenescimento a qualquer custo, gerando uma ansiedade
generalizada que alimenta um mercado em franco crescimento de cosméticos, produtos
dietéticos e procedimentos cirúrgicos.
Apesar do processo de envelhecimento ser um aspecto natural do desenvolvimento
humano e, portanto, um dado de realidade, o valor social parece estar atrelado à imagem
jovem e magra, como menciona Joana Novaes (2005, p. 10):
Nada mais cruel do que lutar com um inimigo implacável e inexorável.
Contra a ação do tempo as mulheres lutam, tentando manter-se sempre
jovens e belas. Frenéticas e enlouquecidas, consumindo compulsivamente
toda sorte de produtos que prometam retardar o seu envelhecimento e
manter sua beleza, essas mulheres lutam contra si, perdendo-se no espelho
à procura de si mesmas. Se antes as roupas as aprisionava, agora se
aprisionam no corpo – na justeza das próprias medidas.
O viés da expressão estética que atualmente compõe os corpos femininos coloca em
risco o compasso natural do desenvolvimento humano, a expressão estereotipada da
juventude e estética produz estruturas sociais que alimentam a expectativa material e
racional de uma imagem corpórea aparentemente saudável, mas que na verdade cobra um
alto preço emocional ao contemplar uma expectativa social ao invés da aceitação de si. O
presente texto tem a intenção de discutir esse panorama a partir de notícias publicadas em
dois sites noticiosos: HuffPost Brasil, mais especificamente na editoria Mulheres do site, e
no Globo.com, por meio da revista Glamour. O recorte para este artigo se deu durante dez
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dias seguidos de monitoramento no mês de junho de 2015. Observou-se, em todos os dias
no período, notícias relacionadas a juventude e a magreza, o que demonstra que as pessoas
que fogem aos padrões impostos pela mídia podem sentir-se diminuídas ou pressionadas a
moldarem-se de acordo com o que é ditado para elas. Mesmo quando as notícias são
relacionadas a exemplos de quem foge aos padrões e, portanto, defende sua posição social,
houve destaque porque as mulheres reportadas foram vítimas de gordofobia, ou seja, foram
vítimas de manifestações sociais que demonstram não aceitar quem está fora das formas
impostas.
Pressões midiáticas e sociais pela manutenção da juventude e do corpo magro
Em 03 de julho de 2015, o programa Domingo Espetacular, da Rede Record, exibiu
reportagem especial, de cerca de 15 minutos de duração, a respeito de pessoas que passaram
a consumir crack para emagrecer. O gancho jornalístico foi um estudo que a pesquisadora
Patrícia Hochgraf, da Universidade de São Paulo, teria apresentado, ao observar que “a
busca por um corpo perfeito, a busca por um corpo melhor, faz com que as mulheres façam
qualquer coisa, até começar a usar crack”, disse a pesquisadora na reportagem (DOMINGO
ESPETACULAR, 2016). Segundo ela, começaram a aparecer no consultório mulheres,
mais velhas (não especifica a faixa etária, mas a reportagem deixa claro que não são
adolescentes), que nunca tinham usado nenhum outro tipo de drogas ilícitas, mas que de
repente passaram a usar crack para emagrecer. O repórter Romeu Piccoli entrevistou
pessoas que se tornaram viciadas por terem recorrido à droga na tentativa de ter um corpo
esguio. Médicos e terapeutas, especialistas no assunto, também foram consultados. O teor
da reportagem buscou associar que a mídia mostra corpos bonitos e em forma mesmo após
poucas semanas de mulheres famosas terem dado à luz filhos. Atrizes, cantoras,
celebridades que estampam capas de revistas emagrecem rapidamente e são valorizados por
isso. Então, por que para as pessoas consideradas “normais” – aqui, nos referimos àquelas
não ligadas à indústria da fama – é tão difícil perder peso ou parecer mais jovem, por
exemplo? E por que o corpo é tão valorizado?
O corpo humano tem sido objeto de estudos e discussões ao longo da história. As
formas e proporções do corpo servem de referência principalmente nas artes, área em que
há diferentes representações e pesquisas relacionadas. Em uma dimensão narcísica de
representação, pesquisas relacionadas ao corpo investigam suas formas, funções, seus
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gestos, movimentos, maneiras de vestir entre tantas outras características. Na questão
estética, por exemplo, há o corpo grotesco, o idealizado associado a uma ou outra
concepção de beleza, o corpo cubista, o estilizado, o desestruturado (GOLIOT-LÉTÉ et al,
2006, p. 92-93). Umberto Eco, em sua obra História da beleza, afirma que a associação
entre boa aparência e boa índole frequentemente é feita, e “nesse sentido, aquilo que é belo é
igual a aquilo que é bom e, de fato, em diversas épocas históricas criou-se um laço estreito
entre o Belo e o Bom” (ECO, 2004, p. 8). Mais contemporaneamente, David Le Breton
(2011, p. 84) aborda que “a retórica da alma foi substituída pela do corpo sob a égide da
moral do consumo e um imperativo de prazer impõe ao ator, à revelia, práticas de consumo
visando aumentar o hedonismo de acordo com um jogo de marcas distintivas”.
Para Nestor Garcia Canclini (2006, p. 53), mais que exercícios de gostos, caprichos
e compras irrefletidas, o consumo é um “conjunto de processos socioculturais em que se
realizam a apropriação e os usos dos produtos”. O autor afirma que a “universalização das
coisas” provoca alterações não apenas na maneira de se consumir cultura, mas também no
imaginário de cidadãos e na forma como eles se reconhecem como pertencentes a
determinada nação, cultura, realidade, uma vez que os conteúdos midiáticos influenciam na
construção da identidade. E é no consumo que “se constrói parte da racionalidade
integrativa e comunicativa de uma sociedade” (CANCLINI, 2006, p. 56).
No que diz respeito ao corpo, observam-se hábitos de consumo de produtos e
serviços que demonstram as preocupações em atender o que se entende como desejável na
sociedade: juventude e boa forma física, compreendendo neste caso corpos frequentemente
estampados nas revistas, reportados na imprensa, apresentados nas telenovelas e no cinema.
Le Breton (2007), referindo-se a Pierre Bourdieu (1979) em La distiction: critique sociale
du jugement, menciona a lógica econômica que domina a sociedade aprisionando o corpo
na reprodução de compleições físicas e parecendo desconhecer os aspectos contemporâneos
de uma sociedade “...onde o provisório é a única permanência e onde o imprevisível leva
frequentemente vantagem sobre o provável. O problema que permanece é o de mudança, do
homem não mais ‘agente’, mas ‘ator’ da existência social” (LE BRETON, 2007, p. 83). O
assunto é ameaçador. Augé (2013, p. 38) comenta que ao mesmo tempo que a expectativa
de vida tem aumentado, cresce a obsessão com a manutenção da juventude e da boa forma
física. Há uma angústia com o envelhecimento ao mesmo tempo em que há uma
fragilização das posições mais elevadas ocupadas por pessoas mais velhas nas empresas. Há
um rejuvenescimento social.
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As mulheres demonstram ter mais medo de envelhecimento do que os
homens. [...] Quando perguntei ‘Quem envelhece melhor: o homem ou a
mulher?’, em todas as faixas etárias, ambos os sexos concordaram que os
homens envelhecem melhor do que as mulheres. Elas disseram que os
homens ficam interessantes quando mais velhos, que os cabelos brancos
tornam os homens ainda mais charmosos, que os homens maduros são
atraentes (GOLDENBERG, 2014, p. 87-88).
Envelhecer é inevitável e, portanto, deveria ser encarado de maneira natural. As
mudanças ocorrem no corpo, que por heranças genéticas possuem características distintas
uns dos outros, e o amadurecimento faz com que haja alterações físicas ao longo da vida.
Isso acontece com todas as pessoas. Mas se observa uma cobrança cada vez maior pela
manutenção da vitalidade e da aparência jovens. Por mais que haja espaço para se discutir
questões sobre a “terceira idade” (ou a “melhor idade”, como também se registra na mídia)
ou da importância da moda plus size, por exemplo, a pessoas acima do peso, a frequência de
notícias a respeito de quem fez a cirurgia bariátrica e que está satisfeito também aumenta,
principalmente quando se trata de celebridades em programas mais populares: “Laura, filha
de 17 anos da atriz Fabiana Karla, chegou a pesar 120 quilos e também optou pela cirurgia.
‘Ela fez a cirurgia em dezembro. Nesta semana ela se pesou, e está com 87 quilos. Os
primeiros 33 quilos eliminados já deixaram a autoestima dela lá em cima!’, reforçou Ana
Maria [Braga, apresentadora do programa Mais Você, da Rede Globo de Televisão]”
(GSHOW, 2016)5.
Os exemplos, tanto da reportagem que apresentou pessoas que passaram a consumir
crack para emagrecer quanto o comentário feito por Ana Maria Braga sobre a jovem que fez
cirurgia de redução de estômago que, na percepção da apresentadora (grifo nosso), estaria
com a autoestima “lá em cima”, demonstram que pressões sociais podem levar algumas
pessoas a tamanha insatisfação com a própria imagem que a saída acaba sendo
procedimentos de risco. E não são casos de obesidade mórbida ou idade avançada os que
mais chamam a atenção e sim as preocupações em manter-se muito magra e muito jovem,
contrariando a ordem natural das coisas. Para Le Breton (2007, p. 87):
A preocupação com a aparência, a ostentação, o desejo de bem-estar que
leva o ator a correr ou a se desgastar, a velar pela alimentação ou a saúde,
em nada modifica, no entanto, a ocultação do corpo que reina na
sociabilidade. A ocultação do corpo continua presente e encontra o melhor
5 Disponível em: <http://gshow.globo.com/tv/noticia/2016/06/bruno-astuto-faz-cirurgia-para-emagrecer-e-ja-mostra-
resultados-meta-e-chegar-aos-dois-digitos.html>. Acesso em: 09 jun. 2016.
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ponto de análise no destino dados aos velhos, aos moribundos, aos
deficientes ou no medo que todos temos de envelhecer.
Observam-se, também, registros de transtornos alimentares e corporais. Um
exemplo que ganhou repercussão na mídia foi o da jornalista Daiana Garbin. Ela criou um
canal no YouTube (EuVejo) para discutir tais transtornos. Segundo foi apresentado na
imprensa, por ocasião do lançamento do canal, Garbin foi diagnosticada com Transtorno
Dismórfico Corporal que é “uma preocupação excessiva com a aparência e, em alguns
casos, uma percepção do corpo diferente do que ele é na realidade” (DIAS, 29 abril 2016).
No EuVejo de 27 de abril de 2016, Daiana Garbin discutiu o caso com a médica psiquiatra
Ana Clara Floresi. Na pauta da entrevista houve destaque aos sofrimentos cotidianos
relacionados ao corpo fundamentados em uma preocupação obsessiva com pequenos
defeitos (até mesmo imaginados) e que prejudicam as pessoas porque geram preocupações
excessivas. Garbin e Floresi comentaram que falar de imagem corporal revela formas
problemáticas de representações de si mesmo, e o problema que em primeiro momento é
encarado como estético, na realidade, é psiquiátrico. Os transtornos estão relacionados ao
medo de engordar e de envelhecer e que levam à procura por cirurgias ou por dietas
inconsequentes e arriscadas, além de abuso de exercícios físicos (FORT; SKURA;
BRISOLARA, 2016, p. 2). Dados apontam que o Brasil é um dos países que lideram os
rankings de cirurgias plásticas. “Em 2013, o país realizou 1,49 milhão de operações, quase
13% do total mundial – em território americano, foram 1,45 milhão” (VEJA, 30 julho
2014). Mais de 85% das cirurgias foram realizadas em mulheres. Para Mirian Goldenberg
(2006), esses índices demonstram como as brasileiras são insatisfeitas com o próprio corpo.
A autora, refere-se a uma pesquisa realizada com 3.200 mulheres de dez países: 37% das
mulheres brasileiras não estão contentes com o corpo que possuem, ficando atrás apenas
das japonesas.
Só 1% das mulheres brasileiras se acha bonita. O Brasil é o país em que
mais se valoriza as modelos. 54% das brasileiras já consideraram a
possibilidade de fazer plástica e 7% já fizeram, o índice mais alto entre os
países pesquisados. Mas o que torna o Brasil especial nessa área é o
ímpeto com que as pessoas decidem operar-se e a rapidez com que a
decisão é tomada (GOLDENBERG, 2006, p. 120).
Os apelos para a manutenção da juventude vão além da preservação da saúde e do
bem-estar físico. Há uma espécie de terrorismo com o tom das reportagens dizendo que
todos devem ser jovens e atraentes e, caso não se atenda a essas características, está-se fora
do que é aceitável. É o que Patrick Charadeau (2006, p. 49) denomina como efeito de
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verdade (grifos do autor), que “está mais para o lado do ‘acreditar ser verdadeiro’ do que
para o do ‘ser verdadeiro’”. Para o autor, o discurso antes de ser uma representação do
mundo é uma representação de uma relação social, portanto, se diariamente a mídia
apresenta discursos que ditam padrões – inclusive de consumo –, os sujeitos que recebem
tais informações desenvolvem uma relação com o mundo subjetiva, criam “uma adesão ao
que pode ser julgado verdadeiro pelo fato de que é compartilhável com outras pessoas, e se
inscreve nas normas de reconhecimento do mundo (CHARAUDEAU, 2006, p. 49). Se o
valor verdade, ainda segundo o autor, se baseia em evidência, o efeito verdade se baseia na
convicção. E pelos dados apontados por Goldenberg (2006), os 54% de mulheres brasileiras
consultadas a respeito da intenção de se submeter a cirurgia plástica estão convictas de que
devem ter outra aparência. “São três as principais motivações para fazer uma plástica:
atenuar os efeitos do envelhecimento; corrigir defeitos físicos e esculpir um corpo perfeito.
No Brasil, esta última motivação é a que mais cresce: a busca de um corpo perfeito”
(GOLDENBERG, 2006, p. 120).
Em função das informações relatadas até o momento, apresenta-se parte de uma
pesquisa que está em desenvolvimento no Grupo de Estudo Interações Comunicacionais,
Imagens e Culturas Digitais – Incom, da Universidade Tuiuti do Paraná. A pesquisa tem
caráter qualitativo. Por um viés descritivo, elencamos como recorte temático matérias sobre
os temas da beleza e da juventude, especialmente as que insistem na temática da boa forma
física e do prolongamento da juventude relacionados à imagem corporal feminina, levando
à angústia que podem provocar o medo de engordar e de envelhecer. Para este texto, o
recorte temporal inicial, de caráter experimental, neste primeiro passo, contou com 10 dias
corridos de monitoramento de conteúdo (de 10 a 20 de junho de 2016).
O recorte espacial envolveu duas mídias digitais: site BrasilPost (HuffPost Brasil),
com especial atenção às matérias publicadas na coluna Mulheres; e Globo.com, com
destaque para a seção do portal que contém reportagens da Revista Glamour. O portal
HuffPost Brasil é resultado da associação entre The Huffington Post e Grupo Abril. O site
possui diagramação e elementos gráficos, iconográficos e textuais bastante discretos, com
cores “sóbrias” e privilegia conteúdos que trazem temas como atualidades e diversidade.
Não há menção explícita de visões sociopolíticas das instituições que compõem sua linha
editorial. Contudo, muitas vezes, posiciona-se utilizando jargões combativos em suas
manchetes e fortalecendo visões de movimentos sociais emancipatórios na cobertura ou
replicação das reportagens. Já a revista Glamour, da Editora Globo, é hospedada no site
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Globo.com. No Brasil, foi lançada em abril de 2012 em substituição da revista Criativa e
tem como uma espécie de slogan “Moda, Beleza, Celebridades”, que traduz o conceito que
o periódico deseja passar e é coerente com a linha editorial que contempla especialmente
manchetes sobre dicas de beleza e moda e “novidades” relacionadas a artistas nacionais e
internacionais. Os assuntos relacionados a cabelos, pele, maquiagem, comportamento,
tendências e novas coleções, assim como detalhes da vida de personalidades midiáticas são
tidos como sendo os de interesse das e para as leitoras do portal.
As páginas iniciais de cada site foram capturadas todos os dias para a criação de um
acervo de consulta dos registros das publicações (Exemplo na Figura 1). Foi feito uso do
aplicativo de extensão FireShot (Capture Webpage Screenshot Entirely), software gratuito
da Chrome Web Store desenvolvido por ScreenShot Studio.
Figura 1 – Exemplo de registro das publicações que compõem o mapeamento.
Fonte: HuffPost Brasil, 16 de junho de 2016.
Resultados e discussão
A beleza está, nos discursos midiáticos, intrinsecamente identificada com a
juventude, e mulheres começam a se preocupar com a velhice cada vez mais cedo. Anne
Karpf (2015), ao constatar que o corpo é socialmente fadado à vigilância durante toda a
vida, comenta: “Nunca se é velha demais para melhorar nem jovem demais para começar”
(KARPF, 2015, p. 128). A sociedade na qual vivemos modela a forma como envelhecemos,
aponta a autora que se compreendermos o envelhecimento como algo inerente ao ser
humano, independentemente da idade, conseguimos vê-lo por uma nova perspectiva
daquela que nos foi ensinada quando jovens.
Nas publicações da mídia que compuseram o corpus deste estudo, essa noção do
caráter cultural que se dá ao envelhecimento é bastante evidente, pois idades como 30 e 35
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anos já são elencadas, nesses espaços, como contexto para discutir beleza, juventude e
feminilidade. A reportagem da Figura 2, por exemplo, traz no título uma afirmação que
revela o caráter insólito do que apresenta: “Adriana Lima faz 35 anos e impressiona (grifo
nosso) pela juventude em foto”. A mensagem noticia como se a idade da modelo e a
aparência jovem fossem concorrentes entre si, como se 35 anos fosse já uma idade
avançada dentro dos parâmetros de juventude considerados pela linha editorial da revista
Glamour.
Figura 2 – A impressionante juventude aos 35.
Fonte: Glamour, 12 de junho de 2016.
Na reportagem da Figura 3, essa noção de que aos 30 anos, comumente, costuma-se
considerar que a juventude já não é mais aquela, também se faz presente. No entanto, a
matéria traz o depoimento da esportista Serena Williams que questiona esses padrões de
envelhecimento: “Quem disse que você deveria estar acabada aos 30?” Há nessa
publicação, também, um discurso idadista6 no sentido de considerar que a velhice é, para as
mulheres, tempo de “estar acabada”.
6 As situações expostas exemplificam o que Gisela Castro (2015, p. 108) aborda quanto ao idadismo: “...uma das formas
insidiosas de preconceito que acarreta a discriminação por idade. Apesar de disseminado, o idadismo é ainda muito pouco
discutido tanto por estudiosos do meio acadêmico quanto pelos meios de comunicação”.
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Figura 3 – Serena Williams questiona padrões de envelhecimento.
Fonte: HuffPost Brasil, 11 de junho de 2016.
Os reflexos dessas considerações, para além das mensagens midiáticas, atingem
também outras esferas congêneres. Karpf (2015) revela que muitas atrizes mais velhas, por
exemplo, carregam consigo uma carga emocional intensa de sofrimento relacionada à busca
por parecer mais jovem. Essa busca por uma juventude que para além de uma etapa da vida
é considerada como uma espécie de capital social, é explicada por Mirian Goldenberg
(2012, p. 48):
Na cultura brasileira, além de um capital físico, o corpo é, também, um
capital simbólico, um capital econômico e um capital social. Meu
argumento central é que, no Brasil, determinado modelo de corpo, que o
sociólogo francês Pierre Bourdieu (2007) chamaria de um corpo
distintivo, é um capital: um corpo jovem, magro, em boa forma, sexy; um
corpo que distingue como superior aquele que o possui; um corpo
conquistado por meio de muito investimento financeiro, trabalho e
sacrifício.
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A afirmação da autora pode explicar porque, nas matérias pesquisadas, o corpo
magro, além de jovem, é constantemente exaltado. Os medos que as mulheres têm de
envelhecer ligam-se diretamente aos “medos de relacionamentos à decadência do corpo, às
rugas, à facilidade de engordar” (GOLDENBERG, 2014, p. 91). A matéria registrada na
Figura 4 demonstra essa percepção quando já no título dispara: “Aos 47, Lu Gimenez
mostra boa forma e fã aplaude: ‘Não é fácil ser magra depois dos 40’”. A Figura 5, ao lado
dessa, também aponta como a silhueta magra é, segundo a matéria, indício de sucesso, ao
trazer o título “Aos 53 anos Claudia Ohana exibe corpo sarado e barriga tanquinho em dia
de academia” ancorado pelo texto da reportagem que diz: “Pasmem, mas ela tem 53 anos.
Estamos falando da atriz Claudia Ohana, que neste sábado, 11, sambou na cara da
sociedade postando essa foto e exibindo esse corpaço. Nada mal, hein?” (GLAMOUR, 11
de junho de 2016).
Figura 4 – Luciana Gimenez: magra aos 47. Figura 5 – Claudia Ohana: magra aos 53.
Fonte: Glamour, 13 de junho de 2016. Fonte: Glamour, 11 de junho de 2016.
Ao mesmo tempo em que o corpo magro é exaltado, noticia-se a rejeição do corpo
gordo na mídia, conforme exemplos das Figuras 6 e 7 (abaixo).
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Figura 6 – Gordofobia no Instagram. Figura 7 – Gordofobia ao vivo.
Fonte: HuffPost Brasil, 10 de junho de 2016. Fonte: HuffPost Brasil, 11 de junho de 2016.
A primeira reportagem (Figura 6) ilustra o caso de uma mulher que, conforme
anuncia o título “[...] foi alvo de gordofobia [...] E soube responder os haters lindamente”.
A matéria trata do caso da enfermeira Mzznaki Tetteh, residente em Gana, que para
celebrar a proximidade de seu casamento postou imagens do ensaio fotográfico de seu
noivado na sua conta da rede social Instagram e foi alvo de palavras agressivas com
julgamentos de estranhos relacionados ao corpo e ao peso da moça. O desfecho da matéria
conclui que ela não se deixou abalar pelos comentários, continuou postando fotos da
celebração e respondeu agradecendo os elogios que também recebeu. A segunda notícia
(Figura 7) trata da história da repórter Samanta Vicentini, do jornal Extra, que fazia uma
entrevista ao vivo via Facebook e foi alvo de ataques pessoais de teor ofensivo como as
interjeições “Que leitoa” e “Odeio gorda”. A profissional, mais tarde, em uma postagem
relacionada ao acontecimento, “deu uma bela lição de empoderamento e feminismo”,
segundo afirma a publicação do HuffPost.
Esses dois exemplos elencados não são raros nem exceções, pois, as mulheres
obesas possuem “desvantagens suplementares para se fazerem aceitas socialmente, porque
são prejudicadas na vida profissional, insultadas, ridicularizadas, criticadas por homens e
mulheres” (DEBERT, 2011, p. 70). Essas relações com o corpo mostram os tipos de
identidade que construímos e que são não só refletidas, mas também criadas na e pela
mídia. O corpo feminino, segundo Debert (2011), é visto como dispositivo social, como
uma versão atualizada das prisões que antes eram os lares e as esferas domésticas.
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Considerações finais
A mídia apesar das críticas que recebe continua impondo padrões. Até mesmo
quando apresenta um assunto tão delicado quanto os casos de pessoas que passaram a
consumir crack para emagrecer, glamouriza o corpo magro. Seja por razões de consumo ou
por meros enquadramentos temáticos, na lógica do mercado propõe um padrão específico
de beleza que contribui ao fortalecimento de transtornos patológicos como a dismorfia,
discutida pela jornalista Daiana Garbin em seu canal EuVejo no YouTube.
O Brasil é um dos países líderes no ranking de cirurgias plásticas. A insatisfação das
mulheres com o corpo, comprovada nos estudos de Goldenberg (2006, 2014), é diretamente
ligada a quantidade de informações e apelos a respeito de como deve ser sua aparência:
jovem e magra. O monitoramento realizado para este texto, durante dez dias, nos sites
HuffPost Brasil, editoria Mulheres, e Globo.com, links que levavam à revista Glamour,
comprovou que em apenas um dos dias, 18 de junho, um sábado, não foram publicadas
notícias valorizado juventude ou magreza. Devemos comentar, no entanto, que o HuffPost
teve um volume bem menor de publicações que a revista Glamour, a metade. Houve
publicações em apenas cinco dias. Justifica-se pelo próprio perfil editorial dos dois
veículos.
O HuffPost Brasil também abre maior espaço a questões que não valorizam tanto a
juventude, a beleza (publicitária) e a magreza, pelo contrário. No entanto, reportagens
publicadas tiveram origem em situações de intolerância social, pessoas entrevistadas, por
exemplo, foram vítimas de gordofobia. Mas cabe ressaltar, por outro lado, que a audiência é
do HuffPost é menor que a da revista Glamour, que tem maior visibilidade uma vez que
está hospedada no site Globo.com, que “chama” as manchetes da Glamour diariamente na
coluna entretenimento do site.
Imposições midiáticas que colocam o corpo jovem e magro como modelo ideal são
geradoras de pressões sociais e angústias porque instauram a busca pela aparência que a
mídia considera “correta” como meio de obter sucesso e realização pessoal, como promessa
de adequação às normas e ao prestígio social. Não é intenção defender que o cuidado com o
corpo, por si só, é um modo de regular modos de ser e viver e de limitar comportamentos
femininos, o que se argumenta é que apresentar essas exigências como compulsórias priva
possibilidades de escolha que respeitem idiossincrasias e constrói uma visão limitada de
beleza obrigatória. Esse cenário, inclusive, causa diversos problemas e incentiva
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comportamentos prejudiciais, como o abuso de drogas, uso de substâncias ilícitas e
realização de procedimentos estéticos que põe em risco a saúde.
O estudo visa acompanhar, nas próximas etapas, redes sociais, blogs, páginas de
moda plus size e grupos que não se veem na mídia. Outros veículos também serão
monitorados. Entende-se o corpo como patrimônio do indivíduo deve, portanto, “ser
cuidado” pelo proprietário – ou por quem ele confiar. Ser objeto vigiado pela sociedade que
tem um padrão imposto pela mídia gera angústia que leva ao medo e a disfunções
patológicas. Especialistas alertam7: “Nunca use crack para emagrecer”.
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