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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

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Corpos jovens e magros: imposições midiáticas, pressões sociais, angústias pessoais1

Mônica Cristine FORT2

Ivania SKURA3

Cristina Brahm Cassel BRISOLARA4

Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba, PR

Resumo

O corpo jovem e magro é exaltado nas representações femininas na imprensa de maneira

constante, gerando um padrão reiterador que não só reforça modos de ser e de viver, mas

também institui o medo do não pertencimento ao universo cujas reportagens contemplam. A

silhueta magra e a pele firme e lisa deixam de ser características corporais para se

transformar em valores sociais, em indicativos de beleza e de sucesso. Por meio de

apontamentos teóricos que retomam os cenários dessas concepções, utilizamos como

exemplos as publicações de dois grandes sites noticiosos: HuffPost Brasil, com especial

atenção às matérias publicadas na editoria Mulheres; e Globo.com, com destaque para a

seção do portal que contém reportagens da revista Glamour. A pesquisa tem como recorte

temático, justamente, matérias cujos conteúdos fortalecem o medo de engordar e de

envelhecer, relacionados a uma imagem corporal feminina limitadora e quase compulsória,

(re)produzida na e pela mídia.

Palavras-chave: Idade; Medo; Imagem Corporal; Imprensa.

Introdução

A cultura contemporânea concentra na aparência uma diversidade de significados

que adquire grande densidade no que diz respeito às relações humanas e ao mundo social. É

no corpo que se dá a acomodação das sensações que posteriormente dará lugar como

representação de si mesmo, as referências identitárias são enraizadas nas expectativas com

respeito ao corpo. Considerando que a imagem corporal possui uma profunda ligação com a

1 Trabalho apresentado no GP Comunicação e Culturas Urbanas, XVI Encontro dos Grupos de Pesquisas em

Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Professora e Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do

Paraná (PPGCom/UTP). Pós-doutora em Comunicação (UERJ). Vice-líder do Grupo de Pesquisa (GP) Interações

Comunicacionais, Imagens e Culturas Digitais – Incom. E-mail: [email protected] 3 Graduada em Publicidade e Propaganda (UniCesumar). Mestre em Sociedade e Desenvolvimento (Unespar). Doutoranda

em Comunicação e Linguagens (UTP). Integrante do GP Interações Comunicacionais, Imagens e Culturas Digitais –

Incom (UTP). E-mail: [email protected] 4 Psicóloga. Mestranda em Comunicação e Linguagens no PPGCom/UTP. Membro do GP Interações Comunicacionais,

Imagens e Culturas Digitais – Incom (UTP). E-mail: [email protected]

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identidade do sujeito, o padrão estético amplamente divulgado pela mídia, capas de revistas

e redes sociais influenciam, de forma direta e indireta, a necessidade da busca incessante de

corpo e aparência perfeitos a fim de maior aceitação pessoal e social. A busca pela

identidade pessoal é a encarnação de todo um complexo sistema de relações sociais

presentes antes mesmo da existência do sujeito no mundo, portanto, é possível compreender

que o corpo é um vetor importante para a construção da identidade do indivíduo, bem

como, possui real importância para interação nos grupos sociais.

O panorama sociocultural ocidental de valorização da magreza e da juventude, com

pressão para o emagrecimento e o rejuvenescimento, interage com fatores biológicos,

psicológicos e familiares, provocando exagerada preocupação com o corpo, podendo até

mesmo levar ao pavor patológico de engordar e envelhecer, um medo de parecer

inapropriado no peso ou na aparência e que está diretamente relacionado ao papel social de

sucesso pessoal e profissional. A ênfase da sociedade contemporânea para o ideal de beleza

centrado em um corpo magro de aparência jovem fornece o ambiente sociocultural que

justifica a perda de peso e rejuvenescimento a qualquer custo, gerando uma ansiedade

generalizada que alimenta um mercado em franco crescimento de cosméticos, produtos

dietéticos e procedimentos cirúrgicos.

Apesar do processo de envelhecimento ser um aspecto natural do desenvolvimento

humano e, portanto, um dado de realidade, o valor social parece estar atrelado à imagem

jovem e magra, como menciona Joana Novaes (2005, p. 10):

Nada mais cruel do que lutar com um inimigo implacável e inexorável.

Contra a ação do tempo as mulheres lutam, tentando manter-se sempre

jovens e belas. Frenéticas e enlouquecidas, consumindo compulsivamente

toda sorte de produtos que prometam retardar o seu envelhecimento e

manter sua beleza, essas mulheres lutam contra si, perdendo-se no espelho

à procura de si mesmas. Se antes as roupas as aprisionava, agora se

aprisionam no corpo – na justeza das próprias medidas.

O viés da expressão estética que atualmente compõe os corpos femininos coloca em

risco o compasso natural do desenvolvimento humano, a expressão estereotipada da

juventude e estética produz estruturas sociais que alimentam a expectativa material e

racional de uma imagem corpórea aparentemente saudável, mas que na verdade cobra um

alto preço emocional ao contemplar uma expectativa social ao invés da aceitação de si. O

presente texto tem a intenção de discutir esse panorama a partir de notícias publicadas em

dois sites noticiosos: HuffPost Brasil, mais especificamente na editoria Mulheres do site, e

no Globo.com, por meio da revista Glamour. O recorte para este artigo se deu durante dez

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dias seguidos de monitoramento no mês de junho de 2015. Observou-se, em todos os dias

no período, notícias relacionadas a juventude e a magreza, o que demonstra que as pessoas

que fogem aos padrões impostos pela mídia podem sentir-se diminuídas ou pressionadas a

moldarem-se de acordo com o que é ditado para elas. Mesmo quando as notícias são

relacionadas a exemplos de quem foge aos padrões e, portanto, defende sua posição social,

houve destaque porque as mulheres reportadas foram vítimas de gordofobia, ou seja, foram

vítimas de manifestações sociais que demonstram não aceitar quem está fora das formas

impostas.

Pressões midiáticas e sociais pela manutenção da juventude e do corpo magro

Em 03 de julho de 2015, o programa Domingo Espetacular, da Rede Record, exibiu

reportagem especial, de cerca de 15 minutos de duração, a respeito de pessoas que passaram

a consumir crack para emagrecer. O gancho jornalístico foi um estudo que a pesquisadora

Patrícia Hochgraf, da Universidade de São Paulo, teria apresentado, ao observar que “a

busca por um corpo perfeito, a busca por um corpo melhor, faz com que as mulheres façam

qualquer coisa, até começar a usar crack”, disse a pesquisadora na reportagem (DOMINGO

ESPETACULAR, 2016). Segundo ela, começaram a aparecer no consultório mulheres,

mais velhas (não especifica a faixa etária, mas a reportagem deixa claro que não são

adolescentes), que nunca tinham usado nenhum outro tipo de drogas ilícitas, mas que de

repente passaram a usar crack para emagrecer. O repórter Romeu Piccoli entrevistou

pessoas que se tornaram viciadas por terem recorrido à droga na tentativa de ter um corpo

esguio. Médicos e terapeutas, especialistas no assunto, também foram consultados. O teor

da reportagem buscou associar que a mídia mostra corpos bonitos e em forma mesmo após

poucas semanas de mulheres famosas terem dado à luz filhos. Atrizes, cantoras,

celebridades que estampam capas de revistas emagrecem rapidamente e são valorizados por

isso. Então, por que para as pessoas consideradas “normais” – aqui, nos referimos àquelas

não ligadas à indústria da fama – é tão difícil perder peso ou parecer mais jovem, por

exemplo? E por que o corpo é tão valorizado?

O corpo humano tem sido objeto de estudos e discussões ao longo da história. As

formas e proporções do corpo servem de referência principalmente nas artes, área em que

há diferentes representações e pesquisas relacionadas. Em uma dimensão narcísica de

representação, pesquisas relacionadas ao corpo investigam suas formas, funções, seus

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gestos, movimentos, maneiras de vestir entre tantas outras características. Na questão

estética, por exemplo, há o corpo grotesco, o idealizado associado a uma ou outra

concepção de beleza, o corpo cubista, o estilizado, o desestruturado (GOLIOT-LÉTÉ et al,

2006, p. 92-93). Umberto Eco, em sua obra História da beleza, afirma que a associação

entre boa aparência e boa índole frequentemente é feita, e “nesse sentido, aquilo que é belo é

igual a aquilo que é bom e, de fato, em diversas épocas históricas criou-se um laço estreito

entre o Belo e o Bom” (ECO, 2004, p. 8). Mais contemporaneamente, David Le Breton

(2011, p. 84) aborda que “a retórica da alma foi substituída pela do corpo sob a égide da

moral do consumo e um imperativo de prazer impõe ao ator, à revelia, práticas de consumo

visando aumentar o hedonismo de acordo com um jogo de marcas distintivas”.

Para Nestor Garcia Canclini (2006, p. 53), mais que exercícios de gostos, caprichos

e compras irrefletidas, o consumo é um “conjunto de processos socioculturais em que se

realizam a apropriação e os usos dos produtos”. O autor afirma que a “universalização das

coisas” provoca alterações não apenas na maneira de se consumir cultura, mas também no

imaginário de cidadãos e na forma como eles se reconhecem como pertencentes a

determinada nação, cultura, realidade, uma vez que os conteúdos midiáticos influenciam na

construção da identidade. E é no consumo que “se constrói parte da racionalidade

integrativa e comunicativa de uma sociedade” (CANCLINI, 2006, p. 56).

No que diz respeito ao corpo, observam-se hábitos de consumo de produtos e

serviços que demonstram as preocupações em atender o que se entende como desejável na

sociedade: juventude e boa forma física, compreendendo neste caso corpos frequentemente

estampados nas revistas, reportados na imprensa, apresentados nas telenovelas e no cinema.

Le Breton (2007), referindo-se a Pierre Bourdieu (1979) em La distiction: critique sociale

du jugement, menciona a lógica econômica que domina a sociedade aprisionando o corpo

na reprodução de compleições físicas e parecendo desconhecer os aspectos contemporâneos

de uma sociedade “...onde o provisório é a única permanência e onde o imprevisível leva

frequentemente vantagem sobre o provável. O problema que permanece é o de mudança, do

homem não mais ‘agente’, mas ‘ator’ da existência social” (LE BRETON, 2007, p. 83). O

assunto é ameaçador. Augé (2013, p. 38) comenta que ao mesmo tempo que a expectativa

de vida tem aumentado, cresce a obsessão com a manutenção da juventude e da boa forma

física. Há uma angústia com o envelhecimento ao mesmo tempo em que há uma

fragilização das posições mais elevadas ocupadas por pessoas mais velhas nas empresas. Há

um rejuvenescimento social.

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As mulheres demonstram ter mais medo de envelhecimento do que os

homens. [...] Quando perguntei ‘Quem envelhece melhor: o homem ou a

mulher?’, em todas as faixas etárias, ambos os sexos concordaram que os

homens envelhecem melhor do que as mulheres. Elas disseram que os

homens ficam interessantes quando mais velhos, que os cabelos brancos

tornam os homens ainda mais charmosos, que os homens maduros são

atraentes (GOLDENBERG, 2014, p. 87-88).

Envelhecer é inevitável e, portanto, deveria ser encarado de maneira natural. As

mudanças ocorrem no corpo, que por heranças genéticas possuem características distintas

uns dos outros, e o amadurecimento faz com que haja alterações físicas ao longo da vida.

Isso acontece com todas as pessoas. Mas se observa uma cobrança cada vez maior pela

manutenção da vitalidade e da aparência jovens. Por mais que haja espaço para se discutir

questões sobre a “terceira idade” (ou a “melhor idade”, como também se registra na mídia)

ou da importância da moda plus size, por exemplo, a pessoas acima do peso, a frequência de

notícias a respeito de quem fez a cirurgia bariátrica e que está satisfeito também aumenta,

principalmente quando se trata de celebridades em programas mais populares: “Laura, filha

de 17 anos da atriz Fabiana Karla, chegou a pesar 120 quilos e também optou pela cirurgia.

‘Ela fez a cirurgia em dezembro. Nesta semana ela se pesou, e está com 87 quilos. Os

primeiros 33 quilos eliminados já deixaram a autoestima dela lá em cima!’, reforçou Ana

Maria [Braga, apresentadora do programa Mais Você, da Rede Globo de Televisão]”

(GSHOW, 2016)5.

Os exemplos, tanto da reportagem que apresentou pessoas que passaram a consumir

crack para emagrecer quanto o comentário feito por Ana Maria Braga sobre a jovem que fez

cirurgia de redução de estômago que, na percepção da apresentadora (grifo nosso), estaria

com a autoestima “lá em cima”, demonstram que pressões sociais podem levar algumas

pessoas a tamanha insatisfação com a própria imagem que a saída acaba sendo

procedimentos de risco. E não são casos de obesidade mórbida ou idade avançada os que

mais chamam a atenção e sim as preocupações em manter-se muito magra e muito jovem,

contrariando a ordem natural das coisas. Para Le Breton (2007, p. 87):

A preocupação com a aparência, a ostentação, o desejo de bem-estar que

leva o ator a correr ou a se desgastar, a velar pela alimentação ou a saúde,

em nada modifica, no entanto, a ocultação do corpo que reina na

sociabilidade. A ocultação do corpo continua presente e encontra o melhor

5 Disponível em: <http://gshow.globo.com/tv/noticia/2016/06/bruno-astuto-faz-cirurgia-para-emagrecer-e-ja-mostra-

resultados-meta-e-chegar-aos-dois-digitos.html>. Acesso em: 09 jun. 2016.

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ponto de análise no destino dados aos velhos, aos moribundos, aos

deficientes ou no medo que todos temos de envelhecer.

Observam-se, também, registros de transtornos alimentares e corporais. Um

exemplo que ganhou repercussão na mídia foi o da jornalista Daiana Garbin. Ela criou um

canal no YouTube (EuVejo) para discutir tais transtornos. Segundo foi apresentado na

imprensa, por ocasião do lançamento do canal, Garbin foi diagnosticada com Transtorno

Dismórfico Corporal que é “uma preocupação excessiva com a aparência e, em alguns

casos, uma percepção do corpo diferente do que ele é na realidade” (DIAS, 29 abril 2016).

No EuVejo de 27 de abril de 2016, Daiana Garbin discutiu o caso com a médica psiquiatra

Ana Clara Floresi. Na pauta da entrevista houve destaque aos sofrimentos cotidianos

relacionados ao corpo fundamentados em uma preocupação obsessiva com pequenos

defeitos (até mesmo imaginados) e que prejudicam as pessoas porque geram preocupações

excessivas. Garbin e Floresi comentaram que falar de imagem corporal revela formas

problemáticas de representações de si mesmo, e o problema que em primeiro momento é

encarado como estético, na realidade, é psiquiátrico. Os transtornos estão relacionados ao

medo de engordar e de envelhecer e que levam à procura por cirurgias ou por dietas

inconsequentes e arriscadas, além de abuso de exercícios físicos (FORT; SKURA;

BRISOLARA, 2016, p. 2). Dados apontam que o Brasil é um dos países que lideram os

rankings de cirurgias plásticas. “Em 2013, o país realizou 1,49 milhão de operações, quase

13% do total mundial – em território americano, foram 1,45 milhão” (VEJA, 30 julho

2014). Mais de 85% das cirurgias foram realizadas em mulheres. Para Mirian Goldenberg

(2006), esses índices demonstram como as brasileiras são insatisfeitas com o próprio corpo.

A autora, refere-se a uma pesquisa realizada com 3.200 mulheres de dez países: 37% das

mulheres brasileiras não estão contentes com o corpo que possuem, ficando atrás apenas

das japonesas.

Só 1% das mulheres brasileiras se acha bonita. O Brasil é o país em que

mais se valoriza as modelos. 54% das brasileiras já consideraram a

possibilidade de fazer plástica e 7% já fizeram, o índice mais alto entre os

países pesquisados. Mas o que torna o Brasil especial nessa área é o

ímpeto com que as pessoas decidem operar-se e a rapidez com que a

decisão é tomada (GOLDENBERG, 2006, p. 120).

Os apelos para a manutenção da juventude vão além da preservação da saúde e do

bem-estar físico. Há uma espécie de terrorismo com o tom das reportagens dizendo que

todos devem ser jovens e atraentes e, caso não se atenda a essas características, está-se fora

do que é aceitável. É o que Patrick Charadeau (2006, p. 49) denomina como efeito de

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verdade (grifos do autor), que “está mais para o lado do ‘acreditar ser verdadeiro’ do que

para o do ‘ser verdadeiro’”. Para o autor, o discurso antes de ser uma representação do

mundo é uma representação de uma relação social, portanto, se diariamente a mídia

apresenta discursos que ditam padrões – inclusive de consumo –, os sujeitos que recebem

tais informações desenvolvem uma relação com o mundo subjetiva, criam “uma adesão ao

que pode ser julgado verdadeiro pelo fato de que é compartilhável com outras pessoas, e se

inscreve nas normas de reconhecimento do mundo (CHARAUDEAU, 2006, p. 49). Se o

valor verdade, ainda segundo o autor, se baseia em evidência, o efeito verdade se baseia na

convicção. E pelos dados apontados por Goldenberg (2006), os 54% de mulheres brasileiras

consultadas a respeito da intenção de se submeter a cirurgia plástica estão convictas de que

devem ter outra aparência. “São três as principais motivações para fazer uma plástica:

atenuar os efeitos do envelhecimento; corrigir defeitos físicos e esculpir um corpo perfeito.

No Brasil, esta última motivação é a que mais cresce: a busca de um corpo perfeito”

(GOLDENBERG, 2006, p. 120).

Em função das informações relatadas até o momento, apresenta-se parte de uma

pesquisa que está em desenvolvimento no Grupo de Estudo Interações Comunicacionais,

Imagens e Culturas Digitais – Incom, da Universidade Tuiuti do Paraná. A pesquisa tem

caráter qualitativo. Por um viés descritivo, elencamos como recorte temático matérias sobre

os temas da beleza e da juventude, especialmente as que insistem na temática da boa forma

física e do prolongamento da juventude relacionados à imagem corporal feminina, levando

à angústia que podem provocar o medo de engordar e de envelhecer. Para este texto, o

recorte temporal inicial, de caráter experimental, neste primeiro passo, contou com 10 dias

corridos de monitoramento de conteúdo (de 10 a 20 de junho de 2016).

O recorte espacial envolveu duas mídias digitais: site BrasilPost (HuffPost Brasil),

com especial atenção às matérias publicadas na coluna Mulheres; e Globo.com, com

destaque para a seção do portal que contém reportagens da Revista Glamour. O portal

HuffPost Brasil é resultado da associação entre The Huffington Post e Grupo Abril. O site

possui diagramação e elementos gráficos, iconográficos e textuais bastante discretos, com

cores “sóbrias” e privilegia conteúdos que trazem temas como atualidades e diversidade.

Não há menção explícita de visões sociopolíticas das instituições que compõem sua linha

editorial. Contudo, muitas vezes, posiciona-se utilizando jargões combativos em suas

manchetes e fortalecendo visões de movimentos sociais emancipatórios na cobertura ou

replicação das reportagens. Já a revista Glamour, da Editora Globo, é hospedada no site

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Globo.com. No Brasil, foi lançada em abril de 2012 em substituição da revista Criativa e

tem como uma espécie de slogan “Moda, Beleza, Celebridades”, que traduz o conceito que

o periódico deseja passar e é coerente com a linha editorial que contempla especialmente

manchetes sobre dicas de beleza e moda e “novidades” relacionadas a artistas nacionais e

internacionais. Os assuntos relacionados a cabelos, pele, maquiagem, comportamento,

tendências e novas coleções, assim como detalhes da vida de personalidades midiáticas são

tidos como sendo os de interesse das e para as leitoras do portal.

As páginas iniciais de cada site foram capturadas todos os dias para a criação de um

acervo de consulta dos registros das publicações (Exemplo na Figura 1). Foi feito uso do

aplicativo de extensão FireShot (Capture Webpage Screenshot Entirely), software gratuito

da Chrome Web Store desenvolvido por ScreenShot Studio.

Figura 1 – Exemplo de registro das publicações que compõem o mapeamento.

Fonte: HuffPost Brasil, 16 de junho de 2016.

Resultados e discussão

A beleza está, nos discursos midiáticos, intrinsecamente identificada com a

juventude, e mulheres começam a se preocupar com a velhice cada vez mais cedo. Anne

Karpf (2015), ao constatar que o corpo é socialmente fadado à vigilância durante toda a

vida, comenta: “Nunca se é velha demais para melhorar nem jovem demais para começar”

(KARPF, 2015, p. 128). A sociedade na qual vivemos modela a forma como envelhecemos,

aponta a autora que se compreendermos o envelhecimento como algo inerente ao ser

humano, independentemente da idade, conseguimos vê-lo por uma nova perspectiva

daquela que nos foi ensinada quando jovens.

Nas publicações da mídia que compuseram o corpus deste estudo, essa noção do

caráter cultural que se dá ao envelhecimento é bastante evidente, pois idades como 30 e 35

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anos já são elencadas, nesses espaços, como contexto para discutir beleza, juventude e

feminilidade. A reportagem da Figura 2, por exemplo, traz no título uma afirmação que

revela o caráter insólito do que apresenta: “Adriana Lima faz 35 anos e impressiona (grifo

nosso) pela juventude em foto”. A mensagem noticia como se a idade da modelo e a

aparência jovem fossem concorrentes entre si, como se 35 anos fosse já uma idade

avançada dentro dos parâmetros de juventude considerados pela linha editorial da revista

Glamour.

Figura 2 – A impressionante juventude aos 35.

Fonte: Glamour, 12 de junho de 2016.

Na reportagem da Figura 3, essa noção de que aos 30 anos, comumente, costuma-se

considerar que a juventude já não é mais aquela, também se faz presente. No entanto, a

matéria traz o depoimento da esportista Serena Williams que questiona esses padrões de

envelhecimento: “Quem disse que você deveria estar acabada aos 30?” Há nessa

publicação, também, um discurso idadista6 no sentido de considerar que a velhice é, para as

mulheres, tempo de “estar acabada”.

6 As situações expostas exemplificam o que Gisela Castro (2015, p. 108) aborda quanto ao idadismo: “...uma das formas

insidiosas de preconceito que acarreta a discriminação por idade. Apesar de disseminado, o idadismo é ainda muito pouco

discutido tanto por estudiosos do meio acadêmico quanto pelos meios de comunicação”.

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Figura 3 – Serena Williams questiona padrões de envelhecimento.

Fonte: HuffPost Brasil, 11 de junho de 2016.

Os reflexos dessas considerações, para além das mensagens midiáticas, atingem

também outras esferas congêneres. Karpf (2015) revela que muitas atrizes mais velhas, por

exemplo, carregam consigo uma carga emocional intensa de sofrimento relacionada à busca

por parecer mais jovem. Essa busca por uma juventude que para além de uma etapa da vida

é considerada como uma espécie de capital social, é explicada por Mirian Goldenberg

(2012, p. 48):

Na cultura brasileira, além de um capital físico, o corpo é, também, um

capital simbólico, um capital econômico e um capital social. Meu

argumento central é que, no Brasil, determinado modelo de corpo, que o

sociólogo francês Pierre Bourdieu (2007) chamaria de um corpo

distintivo, é um capital: um corpo jovem, magro, em boa forma, sexy; um

corpo que distingue como superior aquele que o possui; um corpo

conquistado por meio de muito investimento financeiro, trabalho e

sacrifício.

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A afirmação da autora pode explicar porque, nas matérias pesquisadas, o corpo

magro, além de jovem, é constantemente exaltado. Os medos que as mulheres têm de

envelhecer ligam-se diretamente aos “medos de relacionamentos à decadência do corpo, às

rugas, à facilidade de engordar” (GOLDENBERG, 2014, p. 91). A matéria registrada na

Figura 4 demonstra essa percepção quando já no título dispara: “Aos 47, Lu Gimenez

mostra boa forma e fã aplaude: ‘Não é fácil ser magra depois dos 40’”. A Figura 5, ao lado

dessa, também aponta como a silhueta magra é, segundo a matéria, indício de sucesso, ao

trazer o título “Aos 53 anos Claudia Ohana exibe corpo sarado e barriga tanquinho em dia

de academia” ancorado pelo texto da reportagem que diz: “Pasmem, mas ela tem 53 anos.

Estamos falando da atriz Claudia Ohana, que neste sábado, 11, sambou na cara da

sociedade postando essa foto e exibindo esse corpaço. Nada mal, hein?” (GLAMOUR, 11

de junho de 2016).

Figura 4 – Luciana Gimenez: magra aos 47. Figura 5 – Claudia Ohana: magra aos 53.

Fonte: Glamour, 13 de junho de 2016. Fonte: Glamour, 11 de junho de 2016.

Ao mesmo tempo em que o corpo magro é exaltado, noticia-se a rejeição do corpo

gordo na mídia, conforme exemplos das Figuras 6 e 7 (abaixo).

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Figura 6 – Gordofobia no Instagram. Figura 7 – Gordofobia ao vivo.

Fonte: HuffPost Brasil, 10 de junho de 2016. Fonte: HuffPost Brasil, 11 de junho de 2016.

A primeira reportagem (Figura 6) ilustra o caso de uma mulher que, conforme

anuncia o título “[...] foi alvo de gordofobia [...] E soube responder os haters lindamente”.

A matéria trata do caso da enfermeira Mzznaki Tetteh, residente em Gana, que para

celebrar a proximidade de seu casamento postou imagens do ensaio fotográfico de seu

noivado na sua conta da rede social Instagram e foi alvo de palavras agressivas com

julgamentos de estranhos relacionados ao corpo e ao peso da moça. O desfecho da matéria

conclui que ela não se deixou abalar pelos comentários, continuou postando fotos da

celebração e respondeu agradecendo os elogios que também recebeu. A segunda notícia

(Figura 7) trata da história da repórter Samanta Vicentini, do jornal Extra, que fazia uma

entrevista ao vivo via Facebook e foi alvo de ataques pessoais de teor ofensivo como as

interjeições “Que leitoa” e “Odeio gorda”. A profissional, mais tarde, em uma postagem

relacionada ao acontecimento, “deu uma bela lição de empoderamento e feminismo”,

segundo afirma a publicação do HuffPost.

Esses dois exemplos elencados não são raros nem exceções, pois, as mulheres

obesas possuem “desvantagens suplementares para se fazerem aceitas socialmente, porque

são prejudicadas na vida profissional, insultadas, ridicularizadas, criticadas por homens e

mulheres” (DEBERT, 2011, p. 70). Essas relações com o corpo mostram os tipos de

identidade que construímos e que são não só refletidas, mas também criadas na e pela

mídia. O corpo feminino, segundo Debert (2011), é visto como dispositivo social, como

uma versão atualizada das prisões que antes eram os lares e as esferas domésticas.

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Considerações finais

A mídia apesar das críticas que recebe continua impondo padrões. Até mesmo

quando apresenta um assunto tão delicado quanto os casos de pessoas que passaram a

consumir crack para emagrecer, glamouriza o corpo magro. Seja por razões de consumo ou

por meros enquadramentos temáticos, na lógica do mercado propõe um padrão específico

de beleza que contribui ao fortalecimento de transtornos patológicos como a dismorfia,

discutida pela jornalista Daiana Garbin em seu canal EuVejo no YouTube.

O Brasil é um dos países líderes no ranking de cirurgias plásticas. A insatisfação das

mulheres com o corpo, comprovada nos estudos de Goldenberg (2006, 2014), é diretamente

ligada a quantidade de informações e apelos a respeito de como deve ser sua aparência:

jovem e magra. O monitoramento realizado para este texto, durante dez dias, nos sites

HuffPost Brasil, editoria Mulheres, e Globo.com, links que levavam à revista Glamour,

comprovou que em apenas um dos dias, 18 de junho, um sábado, não foram publicadas

notícias valorizado juventude ou magreza. Devemos comentar, no entanto, que o HuffPost

teve um volume bem menor de publicações que a revista Glamour, a metade. Houve

publicações em apenas cinco dias. Justifica-se pelo próprio perfil editorial dos dois

veículos.

O HuffPost Brasil também abre maior espaço a questões que não valorizam tanto a

juventude, a beleza (publicitária) e a magreza, pelo contrário. No entanto, reportagens

publicadas tiveram origem em situações de intolerância social, pessoas entrevistadas, por

exemplo, foram vítimas de gordofobia. Mas cabe ressaltar, por outro lado, que a audiência é

do HuffPost é menor que a da revista Glamour, que tem maior visibilidade uma vez que

está hospedada no site Globo.com, que “chama” as manchetes da Glamour diariamente na

coluna entretenimento do site.

Imposições midiáticas que colocam o corpo jovem e magro como modelo ideal são

geradoras de pressões sociais e angústias porque instauram a busca pela aparência que a

mídia considera “correta” como meio de obter sucesso e realização pessoal, como promessa

de adequação às normas e ao prestígio social. Não é intenção defender que o cuidado com o

corpo, por si só, é um modo de regular modos de ser e viver e de limitar comportamentos

femininos, o que se argumenta é que apresentar essas exigências como compulsórias priva

possibilidades de escolha que respeitem idiossincrasias e constrói uma visão limitada de

beleza obrigatória. Esse cenário, inclusive, causa diversos problemas e incentiva

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comportamentos prejudiciais, como o abuso de drogas, uso de substâncias ilícitas e

realização de procedimentos estéticos que põe em risco a saúde.

O estudo visa acompanhar, nas próximas etapas, redes sociais, blogs, páginas de

moda plus size e grupos que não se veem na mídia. Outros veículos também serão

monitorados. Entende-se o corpo como patrimônio do indivíduo deve, portanto, “ser

cuidado” pelo proprietário – ou por quem ele confiar. Ser objeto vigiado pela sociedade que

tem um padrão imposto pela mídia gera angústia que leva ao medo e a disfunções

patológicas. Especialistas alertam7: “Nunca use crack para emagrecer”.

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