IMPLICAÇÕES DA INCLUSÃO ESCOLAR DE ALUNOS COM
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E TRANSTORNOS GLOBAIS
DO DESENVOLVIMENTO NA PRÁTICA DOCENTE
JOSELEINE DE CAMPOS GOMES
SÃO PAULO
2014
JOSELEINE DE CAMPOS GOMES
IMPLICAÇÕES DA INCLUSÃO ESCOLAR DE ALUNOS COM
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E TRANSTORNOS GLOBAIS
DO DESENVOLVIMENTO NA PRÁTICA DOCENTE
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade Nove de Julho - UNINOVE, como registro parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação.
Prof. Paolo Nosella, Dr. - Orientador
SÃO PAULO
2014
Gomes, Joseleine de Campos
Implicações da Inclusão Escolar de Alunos com Deficiência Intelectual e Transtornos Globais do Desenvolvimento na Prática Docente / Joseleine de Campos Gomes, 2014.
233 f.
Dissertação (Mestrado), Uninove, 2014.
Orientador: Prof. Dr. Paolo Nosella
1. Educação Inclusiva. 2.Deficiência Intelectual. 3.Prática Docente. 4. Formação de Professores. 5. Adaptações Curriculares
CDU 37
JOSELEINE DE CAMPOS GOMES
IMPLICAÇÕES DA INCLUSÃO ESCOLAR DE ALUNOS COM
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E TRANSTORNOS GLOBAIS
DO DESENVOLVIMENTO NA PRÁTICA DOCENTE
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Nove de Julho - UNINOVE, como registro parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação, pela Banca Examinadora formada por: Prof. Dr. Paolo Nosella, Prof. Dr. José Luís Vieira de Almeida e Prof.ª Dr.ª Lígia de Carvalho Abões Vercelli.
São Paulo, 04 de junho de 2014.
Presidente: Prof. Paolo Nosella, Dr. – Orientador, UNINOVE
Membro: Prof. José Luís Vieira de Almeida – Dr., UNESP
Membro: Prof.ª Lígia de Carvalho Abões Vercelli, Dr.ª, UNINOVE
Dedico este trabalho a todos os professores
ousados que, frente às dificuldades do dia a
dia, inovam e renovam a sua prática
pedagógica sem medo de ser feliz…e de fazer
o outro mais feliz.
AGRADECIMENTOS
Agradecer a Deus em primeiro lugar e sempre, porque para mim, sem
Ele nada faria sentido.
A meus pais amados, que me deram a vida e me ensinaram o valor de
servir ao próximo.
Ao meu esposo, Sérgio, pelas constantes palavras de admiração que
enchem meu coração.
Às minhas filhas, Marcela e Júlia, que me ensinam todos os dias o que é
amar incondicionalmente.
À Giselle, que, mais que uma irmã, acolhe-me nos momentos de
angústia com palavras sábias que redirecionam o meu caminhar.
Às minhas queridas amigas da Prefeitura: Silvéria, Érika, Márcia Leusa e
Lisbeth, amigas que partilham as dores e as conquistas de incluir nossos
“pequenos” na escola pública.
Aos meus queridos alunos especiais, tantos e tão diversos quanto são
as estrelas do céu.
À Secretaria de Educação de São Bernardo do Campo, em particular a
SE 115 - Seção de Educação Especial, por possibilitar as licenças e as
autorizações necessárias à realização desta pesquisa.
Ao Professor Orientador Dr. Paolo Nosella, agradeço pela dedicação e
respeito com que me orientou neste trabalho e por entender meus limites e
meu “romantismo” ao tratar da inclusão.
Às Professoras Dr.ªs Ester Buffa e Rosângela Prieto, que qualificaram o
trabalho com valiosas contribuições.
À Prof.ª Dr.ª Lígia Carvalho A. Vercelli, por me incentivar desde o
primeiro dia no Mestrado, trazendo-me para a realidade e a responsabilidade
de quem faz pesquisa com seriedade.
Ao Prof. Dr. José Luís Vieira, que prontamente aceitou o convite para a
Banca de Defesa, reorganizando os seus compromissos acadêmicos distante
daqui, e que com tanta humildade se colocou à disposição para discutir o tema
inclusão.
A todos os professores do PPGE UNINOVE, pelo muito que aprendi nas
aulas do Mestrado, em especial ao Prof. Dr. José Eustáquio Romão, pelos
“chacoalhões” que me acordavam frente aos desafios e compromissos
assumidos com a pós-graduação.
Aos meus amigos de Mestrado, pela orientação horizontal (como nos
ensina Prof. Nosella no Seminário de Pesquisa), porque souberam partilhar
saberes, acolher frustrações e motivar conquistas. Lis Angelis, Alessandra,
Ideilini, vocês foram mais que companheiras nesta jornada.
Na certeza de que por mais que eu agradecesse, não conseguiria dar
conta de tantos quantos foram os apoios recebidos, as partilhas realizadas, e
para não correr o risco de ser injusta, deixo o meu eterno agradecimento a
todas as pessoas que direta ou indiretamente estiveram comigo nesta jornada
de estudo.
RESUMO
Esta pesquisa teve como objetivo compreender como tem se realizado a
inclusão dos alunos com deficiência intelectual e transtornos globais do
desenvolvimento nas escolas regulares do Município de São Bernardo do
Campo e como essa inclusão tem implicado e comprometido o professor na
construção de novas práticas docentes na perspectiva de atendimento a todos
os alunos na sala de aula comum. A pesquisa de campo ocorreu com
professores da Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental e os
seus respectivos professores da Educação Especial em cinco escolas da rede
pública municipal de São Bernardo do Campo. O critério de escolha para estas
entrevistas foi o “sucesso” nas práticas de inclusão com estes alunos no ano de
2013, o que neste trabalho chamamos de “boas práticas”. As entrevistas
realizadas pela pesquisadora com estes professores em forma de narrativas
destas experiências vivenciadas com a inclusão, foram analisadas
qualitativamente em busca de pontos comuns que pudessem indicar caminhos
para práticas inclusivas mais efetivas. Os resultados alcançados indicaram que
estes professores tem buscado informações sobre as dificuldades destes
alunos incluídos de forma mais autonôma, assim como tem buscado a parceria
com o professor da educação especial que tem contribuído com a reflexão e
transformação da prática do professor da sala de aula comum em benefício de
todos os alunos. Porém, estas ações são marcadas por iniciativas
individualizadas e não de toda a escola distanciando-se da construção de uma
cultura verdadeiramente inclusiva. Isto nos remete a uma preocupação de que
as mudanças em sala de aula por estarem ainda vinculadas exclusivamente à
oferta de atividades adaptadas a estes alunos não tem efetivamente nos
movido para uma mudança de paradigma, pois não tem se ocupado de
reestruturar o currículo escolar para todos os alunos. Neste sentido a pesquisa
aponta para necessidade de formação continuada e em serviço que seja
pautada em socialização de experiências, o que ainda não acontece de forma
efetiva nas escolas.
Palavras chave: Educação Inclusiva. Prática docente. Formação de
Professores. Deficiência Intelectual. Adaptações Curriculares.
ABSTRACT
This research aimed to understand how the inclusion of students with
intellectual disabilities and pervasive developmental disorders in mainstream
schools in São Bernardo do Campo and how this inclusion has involved and
committed teacher in the construction of new teaching practices has been
completed with a view service to all students in the ordinary classroom. The
fieldwork took place with teachers from kindergarten and early elementary
school and their teachers of Special Education in five municipal public schools
of São Bernardo do Campo. The selection criteria for these interviews was the
"success" of inclusion practices with these students in the year 2013, this work
called "best practices." The interviews conducted by the researcher with these
teachers in the form of narratives of these experiences with inclusion, were
analyzed qualitatively in search of common ground that could indicate ways for
more effective inclusive practices. The results obtained indicated that these
teachers have sought information about the difficulties these students included
more autonomously, and has sought partnership with the teacher of special
education that has contributed to the reflection and transformation of teacher
practice from the common classroom for the benefit of all students. However,
these actions are marked by individual initiatives and not the whole school
moving away from the construction of a truly inclusive culture. This brings us to
a concern that the changes in the classroom because they are still linked
exclusively to the provision of activities tailored to these students has effectively
moved us to a paradigm shift, it has not occupied to restructure the curriculum
for all students. In this sense the research points to the need for continued
education and service that is grounded in socialization experiences, which does
not happen effectively in schools.
Keywords: Inclusive Education. Teaching practice. Teacher Training.
Intellectual Disabilities. Curricular adaptations.
RESUMEN
La presente investigacion tuvo como objetivo comprender como se ha realizado
la inclusión de los alumnos con discapacidad intelectual y trastornos globales
del desarrollo en las escuelas regulares del Municipio de São Bernardo del
Campo y como esa inclusión ha implicado y comprometido al professores en la
construcción de nuevas prácticas docentes en la perspectiva de atendimento a
todos los alumnos en el salón de clase. El investigation de campo ocurrió con
profesores de la Educación Infantil y años iniciales de la Primaria y sus
respectivos profesores de la Educación Especial en cinco escuelas publicas de
São Bernardo del Campo. El criterio de la selección para estas entrevistas fue
el "éxito" en las prácticas de inclusión con estos alumnos en el año 2013, en lo
que en este trabajo llamamos "Buenas Prácticas". Las entrevistas realizadas
por la investigadora con estos profesores en forma de relatos de estos
experimentos vividos con la inclusión, fueron analisadas cualitativamente en
busca de puntos comunes que pudieran indicar caminos para prácticas
inclusivas más efectivas. Los resultados alcanzados indicarán que estos
profesores han buscado informaciones sobre las dificultades de estos alumnos
de forma más autónoma, así como han buscado la igualdad con el profesores
de la Educación Especial que ha contribuido con la reflexión y transformación
del profesor en el salón de clase en beneficio de todos los alumnos. Sin
embargo, estas acciones son marcadas por iniciativas individualistas y no de
toda la escuela distanciándose de la construcción de una cultura
verdaderamente inclusiva. Esto nos remete a una preocupación de los cambios
en el salón de clases pueden estar aun vinculadas exclusivamente a la oferta
de actividades adaptadas a estos alumnos. No nos han movido efectivamente
para hacer un cambio paradigma, pues no se han ocupado de restaurar el
currículo escolar para todos los alumnos. En este sentido el estudio señala la
necesidad de formación continua, y en servicio que sea pautada en la
socialización de experiencias, lo que aun no sucede de forma efectiva en las
escuelas.
Palabras Clave: Educación Inclusiva. Práctica docente. Formación de
Profesores. Discapacidad intelectual. Adaptaciones curriculares.
A Educação se divide em duas partes:
a Educação das habilidades e a
Educação das sensibilidades.
Sem a educação das sensibilidades,
todas as habilidades são tolas e sem
sentido.
Rubem Alves
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................ 18
CONHECENDO A PESQUISADORA ............................................................. 18
CONHECENDO O TEMA ................................................................................ 22
CONHECENDO A PESQUISA ........................................................................ 25
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ............................................................................ 29
1. INTERFACES DA INCLUSÃO DOS DEFICIENTES .................................. 42
1.1 MARCOS E MARCAS DEIXADAS NA HISTÓRIA DO DEFICIENTE -
DA TOTAL EXCLUSÃO PARA A INCLUSÃO TOTAL............................... 42
1.1.1 Idade Antiga - Paradigma da Exclusão Total ......................................... 44
1.1.2 Idade Média - Paradigma da Exclusão Parcial ....................................... 46
1.1.3 Idade Moderna - Paradigma da Inclusão Parcial .................................... 48
1.1.4 Contemporaneidade - Paradigma da Inclusão Total .............................. 52
2. NTERFACES DA PRÁTICA DOCENTE NA PERSPECTIVA
INCLUSIVA ..................................................................................................... 65
2.1 LÓCUS DA PRÁTICA DOCENTE: A ESCOLA COMO INSTITUIÇÃO
ESCOLAR ....................................................................................................... 65
2.2 PRÁXIS DOCENTE .................................................................................. 74
2.2.1 Implicações da formação na prática docente inclusiva ........................... 75
2.2.2 Implicações das adaptações curriculares na prática docente inclusiva.. 90
2.2.3 Implicações da construção de uma cultura colaborativa na prática
docente inclusiva ............................................................................................. 99
3. PESQUISA DE CAMPO- METODOLOGIA E PROCEDIMENTOS DA
COLETA DE DADOS ..................................................................................... 112
3.1 O MUNICÍPIO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO................................... 112
3.1.1 Caracterização do município e o contexto educacional ......................... 112
3.1.2 Histórico da Educação Esepcial em São Bernardo do Campo - Uma
História de mais de 50 anos ........................................................................... 118
3.2 PÚBLICO ALVO DA PESQUISA .............................................................. 124
3.3 METODOLOGIA E PROCEDIMENTOS DA PESQUISA......................... 125
3.3.1 O contexto das entrevistas .................................................................... 134
3.4 ANÁLISE QUALITATIVA DAS NARRATIVAS .......................................... 139
3.4.1 Index para a Inclusão: desenvolvimento à aprendizagem e à
participação nas escolas ................................................................................ 139
3.4.2 Análise dos contextos das entrevistas: as escolas ............................... 141
3.4.3 Análise das motivações de escolha dos professores das salas de
aula comuns pelos professores de AEE ......................................................... 144
3.4.4 Análise dos aspectos gerais dos professores entrevistados ................ 148
3.4.5 Análise das experiências dos professores entrevistados ..................... 150
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 172
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 182
APÊNDICES .................................................................................................. 198
APÊNDICE A - Roteiro para entrevista para os professores do ensino
regular. ........................................................................................................... 198
APÊNDICE B - Roteiro para entrevista para os professores do atendimento
educacional especializado.............................................................................. 198
APÊNDICE C - entrevista com a professora C ............................................... 199
APÊNDICE D - entrevista com a professora S ............................................... 205
APÊNDICE E - entrevista com a professora D ............................................... 206
APÊNDICE F - entrevista com a professora S. .............................................. 208
APÊNDICE G - entrevista com a professora B ............................................... 208
APÊNDICE H - entrevista com a professora A ............................................... 212
APÊNDICE I - entrevista com a professora J. ................................................ 215
APÊNDICE J - entrevista com a professora E. ............................................... 220
APÊNDICE K - entrevista com a professora G. .............................................. 221
APÊNDICE L- entrevista com a professora M ................................................ 225
APÊNDICE M - entrevista com a professora F. ............................................. 227
APÊNDICE N - entrevista com a professora E ............................................... 229
APÊNDICE O - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para
Professores da sala comum. .......................................................................... 230
APÊNDICE P - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para
Professores do AEE ...................................................................................... 232
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABC - Santo André, São Bernardo e São Caetano
AEE - Atendimento Educacional Especializado
APAE - Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
AS- Assistente Social
BEI - Biblioteca Escolar Interativa CAPES - Centro de Atendimento Psico Social
CDPD - Convenção sobre os direitos das Pessoas com deficiência
CENFORPE- Centro de Formação de Profissionais da Educação
CENPEC - Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação
Comunitária
CF - Constituição Federal Brasileira
CP - Coordenador Pedagógico
DI - Deficiência Intelectual EMEF - Escola Municipal de Ensino Fundamental
EMEI - Escola Municipal de Educação Infantil
FISIO - Fisioterapeuta
FONO - Fonoaudiólogo HTPC - Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo
LAB - Laboratório de Informática
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MEC - Ministério da Educação e Cultura
MOBRAL - Movimento Brasileiro de Alfabetização
NEE - Necessidades Educacionais Especiais
OP - Orientador Pedagógico PAD - Professor de Apoio à Direção
PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais
PSICO - Psicológo
QI - Quoeficiente de Inteligência RCNEI - Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil
SBC - São Bernardo do Campo
SECAD - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade SECADI- Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e
Inclusão
SEESP - Secretaria de Educação Especial
TA - Tecnologia Assistiva
TGD - Transtorno Global do Desenvolvimento
TO - Terapeuta Ocupacional
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFSCAR - Universidade Federal de São Carlos
UFSM - Universidade federal de Santa Maria
UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas
USP - Universidade de São Paulo
LISTA DAS TABELAS E GRÁFICOS
Tabela 1 - Levantamento de teses e dissertações,publicações e grupos de
pesquisa sobre inclusão escolar do deficiente intelectual e com transtornos
globais do desenvolvimento na Educação Infantil e Ensino Fundamental
Tabela 2 - Número de matrículas na Educação Especial por Etapas de Ensino
Tabela 3 - Formas de ensino colaborativo na escola Tabela 4 - Número de matrículas nas escolas municipais em 2013
Tabela 5 - Número de alunos especiais matriculados nas escolas comuns em
2013 - Rede municipal de ensino de São Bernardo do Campo em 2013
Tabela 6 - Resumo das indicações dos professores de AEE para as entrevistas
com os professores das escolas regulares
Tabela 7- Relação de professores da classe comum entrevistados e sua
respectiva localização nos Apêndices
Gráfico A - Educação Especial - Número de matrículas na Educação Infantil Gráfico B - Educação Especial - Número de matrículas no Ensino
Fundamental
- 18 -
INTRODUÇÃO
CONHECENDO A PESQUISADORA
No que diz respeito à Educação, em especial à escola, sempre fui precoce,
diz a minha mãe. Quis ir para a escola muito cedo, mesmo sem necessidade, pois
na minha época, só iam para a “escolinha” 1as crianças cujas mães trabalhavam fora
de casa, o que não era o meu caso.
Via pelo portão de casa as crianças maiores passarem com suas mochilas e
cadernos a caminho de suas escolas, e então, chorava e esperneava querendo
segui-los, até que venci. Fui para a “escolinha” perto de casa com mochila, caderno
e um grande sorriso no rosto. Meu pai dizia que esse meu desejo desenfreado era
como fogo na palha e logo apagaria, mas não foi bem assim, não parei mais.
Minha primeira frustração: a “escolinha” não era como eu pensava. Eu tinha
ido com um objetivo muito claro, aprender a ler e escrever, mas como eu tinha
apenas quatro anos de idade, e o propósito da escola era brincar, as minhas
expectativas foram frustradas. Eu não queria brincar, queria estudar, repetia para
quem quisesse ouvir. Chorava todos os dias na escola, não porque quisesse ir
embora para a minha casa, como era o mais comum, mas porque queria que a
professora me ensinasse as letras para eu escrever.
Tive sorte; minha primeira professora, a Sra. Gorette (a primeira professora a
gente nunca esquece), foi sensível ao meu pedido e, contrariando as ordens que
recebia da diretora, fez um combinado comigo: se eu esperasse as crianças
dormirem2, porque nessa hora eu chorava e atrapalhava o soninho dos colegas, ela
me ensinaria a escrever. Então, interessadamente, fingia dormir na mesa igual a
1 Termo utilizado no senso comum para designar as escolas que antecedem ao Ensino Fundamental, que só após a LDB 9394/96, passaram a ser designadas como escolas de Educação Infantil. Cabe esclarecer que até então, esses espaços não estavam vinculados à Educação e, em sua maioria, tinham por finalidade assistir as famílias que precisavam de um local para deixarem seus filhos enquanto trabalhavam, ou mesmo atender à necessidade de recreação das crianças pequenas enquanto não podiam ir para a escola. 2 Tínhamos o momento do soninho no meio da tarde; depois do lanche, cada um pegava o seu travesseirinho e deitava no colchonete para descansar do esforço de brincar, e todos dormiam, menos eu.
- 19 -
todos eles, e quando percebia que podia ir ao encontro da professora com meus
pertences de escritora, ela me ensinava as letras. Assim fui alfabetizada.
Em meio a uma classe bastante homogênea, eu fui a diferente, a que
desafiou o professor a encontrar outros caminhos no atendimento às minhas
necessidades.
Avancei nos estudos, mudando de escola, e como me alfabetizei antes da
idade determinada para isso, quando fui para um colégio monstruosamente maior
que a escolinha da professora Gorette, na segunda série, estava uma série à frente
do que permitia a minha idade, e isso era um problema para o colégio, que não
permitia esse adiantamento; todos precisavam seguir na relação estabelecida entre
a idade e a série. Veio então a proposta da diretora para que eu repetisse a primeira
série, e assim, ficaria junto com aqueles da minha idade, e só depois, daria
sequência para a segunda série. Meus pais ficaram indignados com tal proposta de
injusta retenção e buscaram na Delegacia de Ensino3 amparo para a minha
continuidade, o que ocorreu por meio de uma publicação no Diário Oficial com o
veredicto sobre a minha vida escolar: deveria realizar uma prova avaliativa dos meus
conhecimentos para a série pleiteada pelos meus pais, e sendo aprovada, poderia
dar prosseguimento. Dei conta, segui em frente.
Conto esta história porque esses episódios marcaram o meu histórico escolar
e as minhas escolhas pela Educação, já que guardo lembranças ainda muito vivas
do quanto me senti observada e cobrada em minhas competências pelos outros e
por mim mesma. Não se tratava apenas da minha vida escolar, mas da construção
da minha personalidade.
Foi no Ensino Ginasial (hoje Fundamental II) que tive a oportunidade de
conhecer uma amiga de classe, a quem chamarei de Lígia, não por acaso, pois
ainda que realmente não seja esta a história de Lígia Assunção do Amaral, grande é
a identificação que tenho com os textos dessa autora, uma deficiente física que
muito escreveu sobre as suas vivências como deficiente.
3 O termo Delegacia de Ensino hoje foi alterado para Diretoria de Ensino, que é o órgão responsável
por planejar, coordenar, supervisionar e executar as atividades referentes ao Ensino Básico.
- 20 -
Mas, voltando à minha amiga Lígia, ela era uma menina especial, tinha uma
limitação cognitiva e de linguagem que dificultava a sua interação com os colegas e
com a aprendizagem dos conteúdos dados pelo professor. Percebia que ela estava
sempre sozinha na classe, no recreio, e devo confessar que o meu primeiro
sentimento foi de dó, de pena, o que me levou a me aproximar dela. Na ingenuidade
da minha adolescência, eu me compreendia melhor do que ela, em melhores
condições, podendo ensiná-la. Doce ilusão a minha! Sei que muito lhe ensinei, mas
não tenho dúvida de que muito mais aprendi com ela. Aprendi a desejar o
conhecimento, aprendi a ser curiosa, a duvidar, a investigar; vejam só que ironia,
tantos professores tentam em vão incutir esse desejo em seus alunos.
À medida que me aproximava de Lígia, mais me sentia motivada a buscar
respostas para a sua deficiência. Perguntava aos pais dela, aos meus, aos
professores por que a Lígia era assim e o que poderíamos fazer por ela; mas o que
eu recebia de resposta era um sonoro „nasceu assim‟, „não há cura‟, „será sempre
assim‟, „não há o que fazer‟. Inconformada com essas respostas, selei meu destino:
decidi seguir carreira e buscar respostas para resolver o problema de tantas Lígias
espalhadas pelo mundo.
Mas, pouco informada e orientada em minha decisão, estive certa de que a
Medicina, mais precisamente a Psiquiatria, seria o caminho ideal nessa busca.
Tentei o vestibular a primeira vez, não passei. Agora sim, eu estava na idade/série
certa.
Fiz um ano de cursinho4, balanço geral dos conteúdos aprendidos, mas foi
também um ano de balanço de vida. Percebi, por intermédio de um professor
psiquiatra extremamente acolhedor às minhas angústias, que me equivocava com a
expectativa da Psiquiatria e que o que eu buscava não estava na Medicina, mas na
Psicologia. Concomitante a essa descoberta, uma outra descoberta se apresentou
na minha vida, a de que havia sido criado um curso de nível superior em Pedagogia
na Universidade Mackenzie, que tinha uma habilitação específica para a docência
para os alunos com deficiência mental, formando professores para dar aulas nas
escolas especiais. Interessei-me pela duas coisas e acabei fazendo as duas
graduações ao mesmo tempo.
4 Curso Preparatório para o Vestibular.
- 21 -
Essa formação inicial me levou a trabalhar em algumas escolas especiais
particulares desde 1984, mas foi em 1991 que ingressei como professora de
Educação Especial na escola pública especial Rolando Ramacciotti, no Município de
São Bernardo do Campo. Nessa época, também estive à frente de uma “escolinha”
(igual à que me recebeu no início desta história) de Educação Infantil, que o tempo e
o bom trabalho desenvolvido se incumbiram de fazer crescer e se tornar um Colégio,
com atendimento aos níveis Infantil, Fundamental e Médio. Não dei conta, vendi a
escolinha em 2000 e optei por estar apenas na rede pública no meu cargo de
professora de Educação Especial.
Seguindo carreira em São Bernardo, para além da escola especial onde
iniciei, atuei como coordenadora do Centro de Apoio à Inclusão Escolar dos alunos
de 0 a 6 anos – Centro Municipal de Educação Especial e Estimulação Essencial
Ernesto Augusto Cleto, de 1998 a 2006. Descreverei com maior detalhamento esse
Centro na contextualização do município mais adiante.
Em 2006, fui convidada para ser Chefe da Educação Infantil na Secretaria de
Educação e Cultura do Município, onde permaneci até 2009. Essa experiência foi o
impulso de que precisava para retomar os estudos em nivel de pós-graduação, pois,
ao lidar cotidianamente com as necessidades da Educação, pude avaliar o quanto
as polítcas públicas são determinantes das práticas docentes e o quanto essas
políticas poderiam e deveriam ser determinadas por essas práticas. Percebia e me
angustiava com a vala que se abria entre o proposto enquanto política e a sua
aplicabilidade no ambiente escolar, e mais do que isso, o quanto o sucesso, ou não,
dessas políticas estava ligado ao envolvimento da equipe escolar. Ainda que
pensássemos em boas políticas públicas, em especial no âmbito da inclusão
escolar, estas foram e são sempre alvo de muitas críticas e queixas dos professores,
por que será?
Em 2009, entrei na pós-graduação lato sensu e, a partir de um Programa da
Universidade para formação de Docentes no Ensino Superior, fui contratada como
professora do Ensino Superior no curso de Pedagogia.
Em 2010, tentei a pós-graduação stricto sensu – Mestrado – pela primeira
vez, não consegui. Participei de algumas aulas como ouvinte na Universidade,
- 22 -
entrando devagar no campo acadêmico do Mestrado, entendendo essa nova
linguagem que, para mim, em muitas ocasiões, mais parecia um dialeto.
Com muita coragem, inscrevi-me novamente em 2011 e me encontrei pela
primeira vez com dois doutores que marcariam esta história de forma definitiva, Prof.
Paolo Nosella e Prof.ª Ester Buffa.
Prof. Nosella, orientador desta pesquisa, imediatamente e sem muitos
rodeios, apresentou as minhas fragilidades na escrita acadêmica, porém foi
generoso e me deu a oportunidade de defender o tema e a pesquisa que pretendia
desenvolver. Deu certo, estou aqui, escrevendo a dissertação do Mestrado. Que
experiência tem sido o exercício da pesquisa no Mestrado!
Ao escrever sobre este processo, lembrei-me do que li certa vez (não me
recordo da autoria) e que faz todo sentido agora: o ofício de lavadeira de rio implica
lavar intensamente a roupa, esfregar com vontade e força, depois, deixar descansar
por algum tempo, ciente de que o tecido precisa se acomodar com os esfregões
recebidos, e curtir essa limpeza, para somente depois, bater nas pedras a roupa,
agora mais limpa, mas que ainda precisa ser transformada em sua sujeira, e pausar
de novo, e assim sucessivamente, quantas vezes forem necessárias, até que esta
se encontre verdadeiramente limpa. Este tem sido o meu movimento de
pesquisadora.
CONHECENDO O TEMA
Nesta pesquisa, dois temas são desafiadores para a Educação: a inclusão
escolar e a prática docente, que, na perspectiva em que se apresentam, mais que
complementares, podem ser considerados interdependentes.
As pesquisas sobre inclusão escolar apontam para a necessidade de uma
reflexão aprofundada quanto à qualidade das ofertas, valores e atitudes que
permeiam esse tema, desde a formação inicial e continuada até a aplicação dos
conteúdos formativos no cotidiano escolar.
- 23 -
As exigências que se apresentam para que essa transposição se efetive de
fato na escola são da ordem dialógica em busca de ações interdisciplinares,
articulando saberes de especialistas, pais, gestores e professores, na garantia da
aprendizagem e na melhoria da qualidade do ensino para todos os alunos.
A escolha da palavra „implicações‟ neste trabalho está relacionada à ideia de
envolvimento, de comprometimento com alguma coisa; neste caso, com a inclusão
escolar, o que nos levou a refletir sobre a implicação, o envolvimento daquele que,
como entendemos, é protagonista no processo inclusivo - o professor -, que pode
nos oferecer pistas de como a sua prática tem sido construída em uma perspectiva
inclusiva para o atendimento de todos os alunos na escola.
A década de 90 foi marcada por diferentes movimentos em prol da Educação
para Todos, que como reflexo têm gerado nova legislação e diretrizes para a
inclusão dos alunos com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento (TGD)
e superdotação/altas habilidades nas escolas regulares.
Temos observado que o advento da inclusão dos alunos com deficiências e
transtornos globais do desenvolvimento na escola tem mobilizado muitas ações,
sejam estas em nível macrossistêmico, como as políticas públicas, sejam em nível
mesossistêmico, como as ações desenvolvidas pelas escolas, ou ainda em nível
microssistêmico, como as iniciativas desenvolvidas pelos professores de forma
individual ou coletiva.
A inclusão escolar, além do impacto inicial que causou e ainda causa nos
professores da escola regular, encontrou em alguns motivação para a ação, para a
mobilização, para a busca de alternativas, de estudo e de transformação de práticas;
já em outros, trouxe motivação para a falta de ação, para a paralisação, inércia,
espera de uma solução e talvez até mesmo de uma prescrição encaminhada por
outros, autorizados pela especialização que carregam em seu processo formativo. É
assim que tem se dado o advento da inclusão nas escolas regulares, num
movimento dialético de inércia e movimentação.
A Conferência Mundial de Educação para Todos (1990), em Jomtien, na
Tailândia, seguida pela Declaração de Salamanca, em 1994, trouxe a necessidade
de discussões no âmbito da formação de professores, considerando que em seu
- 24 -
texto, de forma implícita, relaciona a inclusão social com consequência a inclusão
escolar, daí a importância de focar no professor como agente nesse processo.
Nessa perspectiva, a LDB 9394/96 preconiza a formação de dois professores
para atuar com os alunos com necessidades educacionais especiais: o professor da
classe comum e o professor da Educação Especial, que devem atuar como
parceiros no processo inclusivo nas escolas. Ao primeiro cabe a capacitação para
perceber as necessidades educacionais especiais e possibilidades de flexibilizar a
sua ação pedagógica. Já o segundo, conforme indica a Política Nacional de
Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (2008), deve ser
capacitado para identificar as necessidades educacionais especiais, definir e
implementar respostas educativas através do apoio ao professor da sala comum.
A partir desses indicativos, alguns autores têm se dedicado a pesquisar sobre
como essa parceria que tem ocorrido nas escolas regulares regidas por princípios
inclusivos, de onde destacamos as pesquisas realizadas por Capelini (2004; 2007),
Mendes (2006; 2012), que vêm apontando para a construção de uma prática de
envolvimento e comprometimento dos sujeitos agentes na medida em que estes
possam enxergar a si próprios e aos outros como solucionadores de questões
coletivas advindas do cotidiano. Esse movimento é o que os leva a mover
conhecimentos, competências e práticas em um constante processo de reflexão e de
transformação pessoal e profissional.
Interessa-nos neste trabalho conhecer o quanto a inclusão pode ser esse
disparador de movimento que impacta o professor no sentido de impulsioná-lo para
buscar novos caminhos e novas práticas pedagógicas, e também sabedores que
esse não é um caminho para ser trilhado sozinho, então, conhecermos como e onde
esses professores têm buscado suas parcerias e seus apoios na escola.
Partindo do senso comum, para muitos, a inclusão dos alunos com deficiência
na escola regular tende a atrapalhar a aprendizagem dos alunos sem deficiência,
pois há necessidade de que a professora dê maior atenção ao aluno com deficiência
e utilize recursos específicos no atendimento desse aluno, diminuindo o seu tempo
para organização das estratégias de ensino e envolvimento com toda a classe.
Outros, contrários a isso, apresentam argumentos que sustentam a ideia de que
- 25 -
todos ganham na educação inclusiva, não apenas os alunos que são incluídos, mas
também aqueles que os incluem.
A hipótese que temos sobre o tema é a de que a inclusão escolar pode se
tornar um potente mecanismo na melhoria da qualidade de ensino para todos os
alunos, pois, na medida em que exige que o professor reflita sobre as condições de
ensino e aprendizagem para o aluno com deficiência, poderá apontar para novos
caminhos e estratégias de ensino que instiguem a sua arte e criatividade em ações
inovadoras de ensino, que favoreçam a todos os alunos, havendo, de fato, uma
mudança de concepção do processo de ensino e aprendizagem e de prática
docente.
Longe de fazermos um discurso politicamente inclusivista, com respaldo
apenas nas questões legais ou de garantia de direitos, defendendo ou condenando
a inclusão da totalidade dos alunos com deficiência nas escolas regulares,
queremos manter como pano de fundo nesta pesquisa o princípio de que a produção
de conhecimentos para um ensino de melhor qualidade e para todos os alunos não
se dá apenas nas Universidades, mas, como afirma Zeichner (1993), tem daqueles
que constroem a experiência escolar cotidiana uma grande contribuição. Faz-se
necessário, portanto, buscar propostas metodológicas de pesquisa que possibilitem
criar condições de reflexividade crítica individuais e coletivas das práticas docentes,
que são transformadas pelos pequenos e grandes desafios propostos pela inclusão
do aluno com deficiência e com transtornos globais do desenvolvimento.5
CONHECENDO A PESQUISA
Esta pesquisa teve como ponto de partida os questionamentos que travamos
em torno da inclusão escolar nos últimos anos, mediante as observações das
práticas dos professores com alunos com deficiência intelectual e transtornos globais
do desenvolvimento incluídos nas salas de aula comuns na rede de ensino municipal
5 Ainda que a Política Nacional da Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (2008), produzida pelo MEC/SEESP enquanto orientação das ações da Educação Especial na Educação Inclusiva, aponte para o público alvo das ações no atendimento educacional especializado (AEE) nas escolas regulares os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, para esta dissertação estaremos focando particularmente a deficiência intelectual e os transtornos globais do desenvolvimento.
- 26 -
de São Bernardo do Campo. Essas observações nos têm sugerido que, frente aos
desafios que se apresentam aos professores das salas comuns ao receberem esses
alunos, há diferentes caminhos traçados por esses professores, que, sendo
particularmente vivenciados, possibilitam a reflexão sobre a sua própria prática
pedagógica e a busca de alternativas para o melhor atendimento e aprendizagem
desses alunos na escola regular.
Frente à observação dessas diferentes experiências, perguntamo-nos: O que
move ou não esses professores a buscarem alternativas para o ensino desses
alunos “tão diferentes”, e de que forma esses professores têm encontrado boas
possibilidades de trabalho nesse processo, a ponto até mesmo de ser a própria
inclusão uma alavanca na formação continuada desses professores no caminho de
contribuir efetivamente para a melhoria da qualidade do ensino para todos os
alunos? Como o professor da classe regular tem buscado apoio nesse processo
inclusivo? Quais são as prioridades formativas dos professores de salas comuns no
que diz respeito à inclusão escolar? Como os professores da Educação Especial têm
contribuído nesse processo? Que transformações têm ocorrido na prática do
professor em sala de aula comum a partir da inclusão do aluno com deficiência
intelectual e transtornos globais do desenvolvimento na rede municipal de São
Bernardo do Campo?
Muito temos ouvido os professores maldizerem a inclusão escolar dos alunos
com deficiência na escola regular, queixando-se da falta de formação, da falta de
apoio na escola e até mesmo de dúvidas quanto à inclusão ser a melhor opção para
os alunos com deficiência, considerando especialmente aqueles com maior
severidade em suas limitações, porém, ainda que constatemos que esses
questionamentos tenham lugar no contexto em que se apresenta a inclusão na
realidade atual, para além desse discurso paralisante e pessimista de alguns há
professores que têm encontrado caminhos para favorecer os avanços desses alunos
nas salas de aula comuns a partir do investimento em novas práticas e são
exatamente estas p´raticas que nos interessam estudar neste trabalho.
Nossa curiosidade está em encontrar caraterísticas comuns nesses
professores e em suas ações, bem como em compreender de que forma esse
processo inclusivo, que tem sido vivenciado por esses professores, pode ser
- 27 -
considerado também um processo de formação continuada, já que está pautado
necessariamente na prática reflexiva, que contribui para o desenvolvimento de uma
postura crítico-reflexiva e para a inovação das práticas pedagógicas, no sentido do
que nos orienta Alarcão (2003) quando afirma que a noção de professor reflexivo
está baseada na consciência da capacidade de pensar e refletir sobre ideias e
práticas externas a si próprio, o que nos leva a crer que pensar no professor
reflexivo implica considerar que frente aos diferentes contextos profissionais, muitas
vezes incertos e imprevisíveis, como é o contexto da inclusão escolar, o professor
possa atuar de forma sensível, inteligente, flexível e contextualizada, produto da
aplicação da ciência, técnica e arte características do ato de ensinar.
Tendo como objeto de estudo a prática docente frente ao processo de
inclusão escolar dos alunos com deficiência intelectual e/ou transtornos globais do
desenvolvimento, o universo da pesquisa de campo foi composto pelos
protagonistas desse processo - professores da Educação Infantil e séries iniciais do
ensino fundamental - que receberam alunos com deficiência em suas salas de aula
da rede municipal de São Bernardo do Campo, município vizinho da metrópole de
São Paulo, no ano de 2013. Foram realizadas entrevistas com seis professores das
salas comuns com alunos com deficiência intelectual e/ou transtornos globais do
desenvolvimento, e com os respectivos professores da Educação Especial que
atuam no atendimento educacional especializado (AEE) em parceria com os
professores nas salas comuns. A sistematização e análise dos dados dessas
entrevistas foram realizadas com base nas narrativas trazidas pelos professores e
na busca de pontos comuns que orientaram a análise qualitativa.
A partir da revisão de literatura sobre a inclusão escolar e a prática docente,
realizamos um breve levantamento de produções acadêmicas que ofereceram um
panorama da relevância do tema para a Educação e muito contribuíram para a
definição do referencial téorico, bem como da metodologia de pesquisa a ser
utilizada. Com relação ao referencial téorico sobre inclusão escolar, optamos pela
utilização dos conceitos e ideias trabalhadas por Mantoan (1993;2001;2005),
Carvalho (2000;2005), Aiscow e Booth (2000), Prieto (2003), Mendes(2006:2012),
Bueno (1997), Ferreira (1994). Já com relação à prática docente, utilizamos como
base teórica os conceitos e ideias de Alarcão (2000;2003), Nóvoa (1992;1995;2000),
Tardif (1991;2002), Ferraço (2005) .
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Enfocar a prática docente nos leva inevitavelmente a considerarmos nesta
dissertação os aspectos voltados para a formação docente como instrumento
fundamental de mudança dessa prática pedagógica. Também ao enfocarmos a
inclusão, precisamos conceituar a escola enquanto uma instituição social e suas
implicações com as diferenças e, portanto, tratar do tema diversidade. Estes são
temas que nos remetem a lançar mão da dialética em nossas reflexões, pois não
estamos em busca de uma receita de como fazer inclusão na escola, de algo
definitivo, prescritivo, mas essencialmente de analisar as relações que podem ser
estabelecidas entre a inclusão dos alunos com deficiência intelectual e/ou
transtornos globais do desenvolvimento e as práticas docentes, incluindo nestas as
muitas funções que se estabelecem na atualidade para a educação escolar e,
consequentemente, para os professores no contexto de São Bernardo do Campo.
Levando-se em consideração que a pesquisadora é professora de AEE em
São Bernardo do Campo, foi opção da mesma não elencar professores que
estivessem diretamente relacionados às ações desenvolvidas na parceria realizada
por esta professora em ações colaborativas.
A dissertação está organizada em capítulos que buscam aprofundar os
conceitos teóricos e históricos sobre a Inclusão Escolar e a Prática Docente,
intencionalmente distribuídos nos dois primeiros capítulos para um melhor
entendimento do que se apresenta. Obviamente essa divisão é didática e não
corresponde à realidade prática, pois tratar de prática docente no contexto atual
envolve necessariamente tratar das questões pertinentes à inclusão escolar e vice-
versa.
No primeiro capítulo, Interfaces da Inclusão Escolar, apresentamos um breve
histórico dos marcos e das marcas relacionadas ao conceito de deficiência no que
envolve tanto as concepções quanto as crises dessas concepções, que
impulsionaram a mudança de paradigmas e, consequentemente, a legislação
educacional, até chegarmos ao momento atual e às novas perspectivas que se
apresentam para a educação dos deficientes na escola comum.
No segundo capítulo, Interfaces da Prática Docente, apresentamos alguns
conceitos que envolvem a prática docente, como o currículo e a formação e a cultura
colaborativa, sendo estes a base para o desenvolvimento de uma práxis que tem
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como cenário a escola, e como fundamento, a relação entre alunos e professores no
processo de ensino e aprendizagem.
No terceiro capítulo, apresentamos a pesquisa de campo com os
procedimentos e metodologia utilizados, bem como os resultados e a análise
qualitativa a partir dos pontos elencados como significativos nas narrativas
apresentadas pelos professores entrevistados.
Não temos a intenção de encerrar as nossas reflexões com as Considerações
Finais; pelo contrário, buscamos com estas incentivar o leitor ao aprofundamento
das questões que envolvem a inclusão escolar e a transformação das práticas
docentes, tema que é deliciosamente inquietante.
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Partimos do princípio de que o processo de construção da dissertação de
Mestrado enquanto um processo de investigação deve ter a sua partida na revisão
bibliográfica, também conhecida por muitos como revisão de literatura.
Assim, a revisão bibliográfica foi parte vital do processo de construção desta
dissertação. Ao considerarmos o tema proposto e as muitas possibildades e
desdobramentos dados pela amplitude do mesmo, sentimos necessidade de tomar
algumas decisões sobre qual seria o melhor recorte do tema para a pesquisa, qual
metodologia de pesquisa seria a mais adequada, na tentativa de alcançarmos os
melhores resultados possíveis em nossa pesquisa, otimizando o escasso tempo que
nos é reservado para essa tarefa.
A revisão bibliográfica foi um instrumento extremamente importante para nos
situar no que já foi construído referente a este objeto de estudo, sobre os caminhos
percorridos anteriormente pelos pesquisadores que nos antecederam e, sobretudo
sobre os resultados alcançados com as pesquisas finalizadas ou em andamento, de
forma a corrermos menor risco de cair na armadilha de “reinventar a roda”.6
6 A expressão reinventar a roda é utilizada comumente como uma frase que significa que uma técnica ou solução aceita na generalidade é ignorada a favor de uma solução ou técnica
inventada localmente apenas para um propósito específico.
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Rever a bibliografia envolveu, portanto, localizar, analisar, sintetizar e interpretar
a investigação de outros por meio de teses e dissertações que se relacionam com a
área de estudo, o que nos levou à leitura de todo o material para posteriormente
analisá-lo pormenorizadamente. Tomamos neste levantamento de dados
bibliográficos dois cuidados indicados por Carmo e Ferreira (1980): o cuidado com a
gula livresca ou estatística, que pode nos fazer afogar nas informações levantadas,
e o cuidado com o desprezo pela recomendação de ter prévia concepção de
hipóteses e/ou de questões-bússola que funcionem como orientadores da pesquisa,
o que favorece a utilização de tempo e aumenta a previsibilidade dos resultados.
Seguindo a orientação de Cardoso et al. (2010, p.7), de que “(...) cada
investigador analisa minuciosamente os trabalhos dos investigadores que o
precederam e, só então, compreendido o testemunho que lhe foi confiado, parte
equipado para a sua própria aventura”, nossa pesquisa bibliográfica foi o ponto de
partida para novas reflexões sobre o assunto e recurso de apoio nas
fundamentações teóricas a serem adotadas e ressignificadas nesta pesquisa.
Iniciando, portanto, o processo de revisão bibliográfica, surgiu a primeira crise
relacionada com a delimitação da palavra-chave para a pesquisa na rede
acadêmica, considerando a diversidade de termos e expressões que se relacionam
com inclusão escolar, havendo necessidade de delimitar, sem considerarmos ainda
que há diversas fontes possíveis de serem pesquisadas com este tema.
Na busca de superarmos esta primeira crise, estabelecemos critérios de
seleção para a inclusão ou exclusão de pesquisas que pudessem nos interessar
neste estudo mais aprofundado.
Com esse propósito, delimitamos que os aspectos norteadores de inclusão e
exclusão em nossa revisão bibliográfica seriam apenas as teses de doutorado e
dissertações de mestrado que contivessem a expressão ou expressões relativas à
inclusão escolar no título do trabalho ou como indicação de palavras-chave.
Também foi necessário delimitarmos o período de produção desse material, e
optamos por este ser de 2008 a 2012. Decidimos por este recorte temporal,
considerando que é a partir de 2008 que há a implantação pelo Ministério da
Educação e Cultura (MEC) da nova Política da Educação Especial na perspectiva da
Educação Inclusiva, que estabelece as diretrizes para o atendimento do aluno
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incluído na escola regular, bem como define o público alvo para esse atendimento
educacional especializado.
Também indicamos como critério de inclusão em nossa revisão bibliográfica
apenas as produções desenvolvidas no Departamento de Educação, estando
automaticamente excluídas todas aquelas que foram desenvolvidas em outros
departamentos, como Arquitetura e Urbanismo, Psicologia, Medicina, etc.
Ainda que entendamos que já caminhamos na direção da compreensão de
que a educação inclusiva se refere à educação de todos e, portanto, à inclusão da
diversidade a partir do deslocamento do olhar para os grupos em situação de
vulnerabilidade social, da luta contra a discriminação, da segregação e todas as
formas de exclusão, com enfrentamento nas discussões, como: homofobia, racismo,
acessibilidade, questões da juventude, direitos humanos, gênero e diversidade
sexual, além das lutas de diferentes grupos sociais pela educação intercultural de
indígenas, quilombolas, educação do campo, educação de jovens e adultos,
educação no sistema prisional e, portanto, muito maior do que a inclusão de alunos
com deficiência, para esta pesquisa optamos por considerar as produções que se
relacionam exclusivamente à inclusão de alunos com deficiência intelectual e
transtornos globais do desenvolvimento no ambiente escolar, levando em
consideração as condições temporais que nos são estabelecidas para este trabalho.
Dessa forma, todas as produções acadêmicas que foram desenvolvidas tendo
como foco as deficiências visual, auditiva e física foram descartadas neste momento,
assim como aquelas que tiveram como foco a inclusão de indígenas, quilombolas,
mulheres e outras diversidades.
Apesar de muito já ter sido construído nessa perspectiva de Educação para
Todos no que diz respeito à inclusão escolar, cabe esclarecer que esse processo de
compreensão da amplitude do termo inclusão escolar para além das deficiências e,
portanto, como sinônimo de diversidade na escola, vem provocando a necessidade
de grandes reorganizações e redimensionamentos nas políticas públicas, pois uma
longa estrada ainda temos a percorrer para que efetivamente na prática a legislação
esteja incorporada na realidade escolar.
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O órgão responsável pela implantação e acompanhamento das políticas
públicas na Educação – Ministério da Educação e Cultura – tem atuado a esse
respeito, reformulando inclusive as Secretarias responsáveis por essa atuação no
âmbito da Educação.
Assim, buscando adequar a sua organização aos princípios impostos pela
perspectiva da educação inclusiva, em 2011, o MEC extinguiu a Secretaria de
Educação Especial (SEESP) e reformulou a atuação do SECAD7 (Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade) em SECADI (Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão), incorporando a
inclusão nas ações desenvolvidas na Educação Especial ligadas mais
particularmente às deficiências, como nos define o próprio MEC na apresentação
desta Secretaria em seu portal eletrônico:
A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) em articulação com os sistemas de ensino implementa políticas educacionais nas áreas de alfabetização e educação de jovens e adultos, educação ambiental, educação em direitos humanos, educação especial, do campo, escolar indígena, quilombola e educação para as relações étnico-raciais. O objetivo da SECADI é contribuir para o desenvolvimento inclusivo dos sistemas de ensino, voltado à valorização das diferenças e da diversidade, à promoção da educação inclusiva, dos direitos humanos e da sustentabilidade socio-ambiental visando à
efetivação de políticas públicas transversais e interssetoriais.
André Lazaro, secretário da SECAD em 2007, em entrevista dada ao
CENPEC - Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação
Comunitária - divide sua preocupação com esse tema quando nos apresenta:
O que me parece original - e eu espero que não se perca na formulação da política educacional - é trazer a tensão para dentro da estrutura do Estado (...) A SECAD precisava criar condições políticas e institucionais para que a política universal de educação pudesse, de fato, atender a todos. Mas só se alavanca a equidade considerando as dimensões da diversidade. (CENPEC, 2012, p. 134)
7 SECAD teve sua origem na necessidade de estreitar o diálogo com o movimento social a partir da
criação de uma secretaria de políticas focalizadas, inclusive de forma a oferecer a esse movimento
lugar dentro do Ministério da Educação.
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Cabe ainda esclarecer que em alguns trabalhos, encontramos expressões
como deficiência mental no lugar de deficiência intelectual, e ainda como autismo no
lugar de transtornos globais do desenvolvimento. Isto se deve, especialmente,
porque as mudanças nessas nomenclaturas se deram de forma mais eficaz a partir
de 2008, com o documento publicado pelo MEC que define o público alvo do
atendimento educacional especializado na escola regular.
A mudança de terminologia de deficiente mental para deficiente intelectual parece ser uma estratégia que visa garantir que todos os alunos sejam bem atendidos na escola. Para tanto, é importante investigar como os professores que lidam diretamente com este alunado percebem esta mudança de nomenclatura, bem como verificar se ela tem consequências na prática educativa destes profissionais em sala de aula. (MENDES; VELTRONE, 2012, p.364)
Considerar essa nova terminologia mais do que a alteração da expressão traz
a necessidade de alteração na postura que se adota para o trabalho de
acompanhamento desse aluno, ou seja, precisamos nos distanciar de uma
perspectiva médica pautada em laudos, diagnósticos, que tem como foco o aluno e
suas limitações, para uma perspectiva pedagógica, que inter-relacione o déficit do
aluno ao contexto em que está inserido.
Sobre essa questão, Mendes; Veltrone (2012, p. 364) reforçam que “esta
proposta de mudança de nomenclatura parece ter a intenção de tornar menos
pejorativo, além de considerar a influência do contexto social e cultural imediato na
definição da condição da deficiência intelectual.”
A mesma questão ocorre com relação à terminologia de transtornos globais
do desenvolvimento, que também precisa ser esclarecida, pois encontramos
trabalhos que utilizam a terminologia autismo como sinônimo de transtornos globais
do desenvolvimento. Indicamos que nesta pesquisa, adotaremos como referência
terminológica o estabelecido como público alvo do Atendimento Educacional
Especializado (AEE) pelo MEC, portanto, transtornos globais do desenvolvimento,
que incluem, entre outras formas de manifestação de transtornos, o autismo.
Nas orientações encaminhadas pelo MEC (2010) sobre o AEE no que se
refere aos transtornos globais do desenvolvimento, há esclarecimentos de que até a
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década de 60 o autismo foi considerado um transtorno emocional, sob forte
influência da hipótese de que as mães dessas crianças eram incapazes de oferecer
o afeto necessário aos seus filhos, tornando-os autistas. Sem qualquer respaldo
empírico, essa afirmação gerou grandes problemas à sociedade, impulsionando
cientistas a desenvolverem pesquisas empíricas mais rigorosas e controladas, o que
ocorreu nas próximas décadas, quando o autismo passou a ser estudado enquanto
um transtorno do desenvolvimento.
Essas pesquisas levaram à hipótese da existência de alteração cognitiva que
explicaria as caraterísticas de comunicação, linguagem, interação social e
pensamento presentes no autismo, retirando da categoria de psicose infantil para
ser entendido como um Transtorno Global (ou Invasivo) do Desenvolvimento (TGD).
O MEC, ao definir como público alvo do AEE o TGD, aponta para uma
inovação com relação a esses alunos, pois trata da necessidade de se
compreenderem as funções envolvidas nesse desenvolvimento, sob a perspectiva
não apenas de uma abordagem clínica, mas também educacional, como prescreve o
material orientador sobre o AEE para o TGD:
O autismo é explicado e descrito como um conjunto de transtornos qualitativos de funções envolvidas no desenvolvimento humano. Esse modelo explicativo permitiu que o autismo não fosse mais classificado como psicose infantil, termo que acarretava um estigma para as famílias e para as próprias crianças com autismo. Além disso, o modelo permite uma compreensão adequada de outras manifestações de transtornos dessas funções do desenvolvimento que, embora apresentem semelhanças, constituem quadros diagnósticos diferentes. (BRASIL, 2010, p.12)
Assim, cabe-nos considerar que o Transtorno Global do Desenvolvimento não
diz respeito apenas ao autismo, mas descreve diferentes transtornos que têm em
comum as funções de desenvolvimento afetadas qualitativamente.
Ainda considerando as questões de terminologia, não podemos deixar de
apontar que, ao pesquisarmos inclusão escolar, observamos a incidência de
expressões como necessidades educacionais especiais (NEE) para também
designarem a população com deficiência intelectual ou transtornos globais do
desenvolvimento, já que essa foi uma expressão emblemática na Declaração de
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Salamanca (1994), que alavancou as discussões na direção de novas politicas
públicas relacionadas à inclusão escolar. Ainda que essa Declaração buscasse
tratar da inclusão de todos nas escolas regulares, a repercussão maior acabou
sendo para a inclusão dos deficientes, especialmente no Brasil. O princípio
orientador do enquadramento de ações direcionadas pela Declaração de Salamanca
consiste:
em afirmar que as escolas se devem ajustar a todas as crianças, independentemente das suas condições físicas, sociais, linguísticas ou outras. Neste conceito, terão de incluir-se crianças com deficiência ou sobredotados, crianças da rua ou crianças que trabalham, crianças de populações remotas ou nómadas, crianças de minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de áreas ou grupos desfavorecidos ou marginais. Estas condições colocam uma série de diferentes desafios aos sistemas escolares. No contexto deste Enquadramento da Acção, a expressão "necessidades educativas especiais" refere-se a todas as crianças e jovens cujas carências se relacionam com deficiências ou dificuldades escolares. (UNESCO, 1994, item 3)
Esse direcionamento trazido pela Declaração de Salamanca disparou
discussões sobre a conceituação de NEE, já que há de se entender que muitas
crianças apresentam dificuldades escolares e, consequentemente, têm
necessidades educativas especiais em determinado momento da sua escolaridade,
sendo tarefa das escolas encontrar formas de educar com sucesso essas crianças,
incluindo aquelas que apresentam incapacidades graves, instituindo o conceito de
educação inclusiva.
O mérito da escola inclusiva, que consegue educar a todos com sucesso, não
está apenas no desenvolvimento de uma pedagogia centrada nas crianças,
tampouco na qualidade de ensino para todos, mas essencialmente no passo crucial:
na ajuda à sociedade quanto à modificação das atitudes com o diferente.
Segundo Carvalho,
o evento de Salamanca, em 1994, de certo modo ocorreu para evidenciar a exclusão da inclusão das necessidades educacionais especiais de tantos e tantos alunos que precisam, definitivamente, constar das políticas educacionais e das práticas pedagógicas de todas as escolas. Não por
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apelos sentimentais, por respeito às diferenças e muito menos por tolerância(...). (CARVALHO, 2005, p. )
Finalizando nossos critérios de inclusão/exclusão de produções acadêmicas
para esta revisão bibliográfica, optamos ainda por considerar apenas aquelas que se
realizaram na Educação Infantil e Ensino Fundamental. Ainda que consideremos a
importância do estudo sobre a inclusão dos deficientes intelectuais e com
transtornos globais do desenvolvimento nas Universidades, nesta pesquisa, não
teremos tempo hábil para estudá-la.
Nossa pesquisa, que tem sua natureza histórico-dialética, partirá da revisão
crítica dos conceitos já existentes, a fim de que possamos incorporá-los em nossas
discussões e avançarmos no entendimento desse fenômeno na Educação.
Nosso estudo e reflexão, considerando o conhecimento já acumulado na
temática proposta, privilegiará como fonte de consulta o banco de teses da
Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) e Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
O procedimento utilizado nesse levantamento de teses e dissertações
consistiu na realização da leitura completa dos textos elencados (conforme tabela
abaixo) e registro dos dados obtidos em um protocolo de análise elaborado para
esse fim, de onde retiramos os resultados que se seguem.
Após analisarmos 49 teses e dissertações publicadas nessas Universidades,
verificamos que 12 destas atendiam aos parâmetros já apresentados e, portanto,
constituíram o corpus de análise desta pesquisa.
Tabela 1. Levantamento de teses e dissertações, publicações e grupos de pesquisa sobre inclusão
escolar do deficiente intelectual e transtornos globais do desenvolvimento na educação Infantil e
Ensino Fundamental
Fontes pesquisada s
Teses e Dissertaçõe s
Publicaçõe s
Grupos de Pesquisa mantidos pela Universidade com foco na Inclusão escolar
Universidade Federal Santa
6 Revista de educação
1. Educação Especial e Autismo 2. Educação Especial: Interação
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Maria (UFSM) especial e Inclusão Social
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
11 Revista de Educação e Sociedade- CEDES
1. Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade ( LEPED)
Universidade Federal de São Paulo (USP)
10 Revista Educação e Pesquisa
1. Educação especial e Educação Inclusiva
2. Políticas Públicas em Educação especial
3. Atendimento a práticas educacionais e Processo de ensino aprendicagem
Universidade federal de São Carlos (UFSCAR)
13 Revista Eletronica de Educação
1. Diversidade em educação
Univeridade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
9 Livro: Inclusão em Educaçã o - Diferente s Interfaces ;
Livro: Inclusão em Educaçã o - Culturas Políticas e Práticas
1. Laboratório de Pesquisas , Estudos e Apoio à Participação e à Diversidade em Educação ( LAPEADE)
Das 37 teses descartadas para este trabalho, podemos observar que, em
número bastante equilibrado, algumas tratavam de aspectos voltados
exclusivamente para as tecnologias assistivas e recursos de apoio à comunicação
(comunicação alternativa), o que nos parece que quando se trata de prática docente
com os alunos incluídos com deficiência física ou sensorial, estas acabam deixando
mais evidentes e claras as necessidades de utilização de recursos de apoio que
minimizem as barreiras para a aprendizagem, especialmente através das
tecnologias assistivas (TAs).
Outras tantas tratavam de aspectos focados nas políticas públicas, que
trazem uma diversidade de temas que se associam à formação de professores,
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legislação, as parcerias saúde-educação (fono, psico e outros), as concepções de
deficiência e a história da Educação Especial.
Chamou-nos a atenção o fato de haver um número expressivo de teses e
dissertações voltadas para a área da Educação Física, mas como não era esse o
nosso foco, não nos aprofundamos nesse estudo, sendo também estas descartadas.
Entre as pesquisas identificadas no banco de teses e dissertações das
Universidades selecionadas com a temática Inclusão Escolar, e os muitos recortes
que fizemos, já esclarecidos anteriormente, destacamos o trabalho de Santiago
(2011), que investiga o Laboratório de Aprendizagem, refletindo sobre as políticas de
implantação desse Laboratório no Município de Juiz de Fora/MG enquanto
estratégia política e pedagógica da rede municipal de educação, para diminuir ou
eliminar as desigualdades educacionais a partir do referencial teórico Index para
Inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2002), que articula a problemática da dialética
inclusão e exclusão, tomando por referência três dimensões interdependentes: a
construção de culturas, o desenvolvimento de políticas e a orquestração de práticas.
Os estudantes encontram dificuldades quando eles experimentam barreiras à aprendizagem e à participação. Barreiras podem ser encontradas em todos os aspectos da escola, bem como nas comunidades e em políticas locais e nacionais. Barreiras também surgem na interação entre estudantes, na maneira como são ensinados e o que são ensinados. Barreiras à aprendizagem e à participação podem prevenir o acesso à escola ou limitar a participação do sujeito dentro da escola. (BOOTH; AINSCOW, 2002 in SANTIAGO, 2011, p.8)
Santiago aponta para o cuidado na utilização do Index como um roteiro de
aplicação que as escolas devem seguir para garantia da inclusão dos seus alunos,
pois se trata de ser, na essência, um instrumento de indicadores para reflexão nesse
processo político prático e da inter-relação entre eles. Ainda que a perspectiva de
reflexão precise estar direcionada para a inclusão escolar, considerando-se a
diversidade em sua forma mais ampla de incluir as diferenças nesse contexto,
entendemos que para nosso recorte (deficientes intelectuais e com transtornos
globais do desenvolvimento), esta poderá contribuir como referência teórica na
análise das nossas entrevistas.
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Outra pesquisa que selecionamos para nos auxiliar neste trabalho é a tese de
Doutorado de Plesch (2009), que revela não só as contradições, mas, acima de
tudo, a complexidade do processo de inclusão vivido pelas escolas, particularmente
no âmbito das práticas curriculares dirigidas para o processo de ensino-
aprendizagem dos alunos com deficiência mental.
A autora apresenta na primeira parte de sua tese um estudo minucioso sobre
a história da Educação Especial no Brasil, bem como o nascimento e implantação
das legislações sobre a educação inclusiva e as políticas públicas que se instalaram
até então. Traz como referência teórica autores que são amplamente conhecidos
nas discussões de Educação Especial, e alguns deles também são referência nesta
dissertação, como Mazzota (2005), Januzzi (2004), Kassar (1999:2001:2004),
Ferreira e Glat (2003), Glat e Blanco (2007), Bueno (2004), Garcia (2004).
Também o trabalho realizado por Antunes (2008) traz as discussões sobre o
currículo e a inclusão de alunos com deficiência intelectual na Educação Infantil,
apresentando a escassez de pesquisas que se apresentam nas práticas escolares
desenvolvidas com os alunos com deficiência intelectual, afirmando que essa
população é a que causa nos professores maiores inquietações, já que nossos
currículos são basicamente focados em exigências de natureza cognitiva.
Considerar o acesso às TAs não é suficiente para atender às necessidades de
mudanças e complementos nos currículos.
Com relação a isso, há concordância no documento intitulado “O acesso de alunos
com deficiência às escolas e classes comuns da rede regular”, elaborado pelo MEC.
Os alunos com deficiência mental, especialmente os casos mais severos, são os que forçam a escola a reconhecer a inadequação de suas práticas para a- tender às diferenças dos educandos. De fato as práticas escolares convencionais não dão conta de atender à deficiência mental, em todas as suas manifestações, assim como não são adequadas as diferentes maneiras de os alunos, sem qualquer deficiência, abordarem e entenderem um conhecimento de acordo com suas capacidades. Essas práticas precisam ser urgentemente revistas, porque, no geral, elas são marcadas pelo conservadorismo, são excludentes e, conforme visto, inviáveis para o alunado que temos hoje nas escolas, em todos os seus níveis. (BRASIL, 2004, p. 27-28)
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A autora contribui muito com nossa pesquisa quando refere que,
considerando a prática docente sob o viés da inclusão escolar, o que se observa é
que esta está de forma intensa relacionada à deficiência intelectual e aos
transtornos globais do desenvolvimento (autismo), o que vem ao encontro do nosso
tema e do nosso público alvo, oportunizando-nos que caminhemos um pouco mais
nessas discussões.
Isso muito nos interessou, pois quando tratamos das deficiências físicas ou
sensoriais, sabemos que as TAs são os recursos pedagógicos mais utilizados para
facilitar o acesso ao conhecimento e remoção das barreiras de aprendizagem;
porém, ao analisarmos os alunos com deficiência intelectual ou transtornos globais
do desenvolvimento, essas barreiras implicam não apenas recursos de apoio, mas,
especialmente, mudanças de postura, concepções, representações e,
principalmente, de práticas pedagógicas na escola comum, o que está intimamente
ligado ao ambiente e às relações que se estabelecem nesse meio.
Observamos ainda que, de forma geral, nessas teses e dissertações, ao
focarem a prática docente, o recurso metodológico mais utilizado foi o estudo de
caso; porém, este está muito mais voltado ao estudo do que acontece com o aluno,
suas aquisições, conquistas e dificuldades, do que no que acontece com o professor
no processo de inclusão escolar, havendo uma carência nesse sentido no que diz
respeito às pesquisas.
Goldenberg (1998) afirma que o estudo de caso não é uma técnica específica,
mas uma análise holística, que considera a unidade social estudada como um todo,
com o objetivo de compreendê-lo em seus próprios termos. Nas suas palavras:
O estudo de caso reúne o maior número de informações detalhadas, por meio de diferentes técnicas de pesquisa, com o objetivo de apreender a totalidade de uma situação e descrever a complexidade de um caso concreto. Através de um mergulho profundo e exaustivo em um objeto delimitado, o estudo de caso permite a penetração na realidade social. (GOLDENBERG, 1998, p.33-34)
Com relação ao professor como objeto de estudo das práticas pedagógicas
inclusivas, de forma geral, esse enfoque é dado nas temáticas de teses e
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dissertações que tratam da formação de professores, o que evidentemente está
relacionado à necessidade da transformação da prática docente; porém, muito
pouco se tem organizado enquanto pesquisas que tenham como metodologia os
relatos de experiência de reflexão sobre os caminhos e descaminhos vividos pelo
professor nesse novo desafio de incluir a todos - deficientes intelectuais e com
transtornos globais do desenvolvimento - o que nos propomos a fazer nesta
pesquisa.
A revisão bibliográfica nos possibilitou verificar que o tema Inclusão Escolar é
um tema recente na pesquisa acadêmica, já que desde a Constituição Federal de
1988 até a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Básica- LDB- em 1996, as
discussões caminharam para uma perspectiva de mudança de paradigma vinculado
ao acesso dos alunos com deficiência na escola comum, o que será melhor
abordado no próximo capítulo.
Já entre 1996 e 2008, quando surgiu a nova Política da Educação Especial, o
foco esteve em garantir o acesso e a permanência desses alunos na escola comum
por meio do estudo e implantação da legislação vigente. Porém, foi a partir de 2008
que a inclusão escolar caminhou mais um pouquinho no sentido de garantir não
apenas o acesso e a permanência, mas também, e principalmente, o sucesso dos
alunos com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento na escola regular.
É, portanto, a partir da nova Política de Educação Especial – 2008 até 2012
que nossa revisão bibliográfica confirma que as pesquisas voltaram suas
preocupações para a necessidade de apoios e parcerias na escola para que o
sucesso escolar efetivamente ocorresse, bem como de se colocar um holofote na
formação de professores como forma de alavancar esse processo.
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1. INTERFACES DA INCLUSÃO DOS DEFICIENTES – UM
PROCESSO HISTÓRICO-PARADIGMÁTICO
Refletir a história implica em desfazer-se do costumeiro entendimento relativizado de que todas as atitudes e formas de uma sociedade são espontaneamente naturais, para compreendê-la enquanto produto de escolhas culturais que atendam às necessidades dos homens, num determinado contexto, numa determinada época, fundada no pressuposto de que o homem ao produzir sua vida, produz e satisfaz a cada dia novas necessidades. (NOGUEIRA, 2008, p.3)
1.1 MARCOS E MARCAS DEIXADOS NA HISTÓRIA DO DEFICIENTE – DA TOTAL
EXCLUSÃO PARA A INCLUSÃO TOTAL
Não seria possível compreendermos como chegamos à Educação Inclusiva8
sem tratarmos da história da Educação, da mesma forma que não seria possível
abordarmos uma Escola para Todos sem contextualizarmos as evoluções do
conceito de deficiência, perpassando os caminhos trilhados pela educação em uma
de suas modalidades: a Educação Especial.
Compreender a construção deste novo paradigma: Educação Inclusiva
implica compreender o percurso de construção histórica complexo que permeia não
apenas aspectos socioculturais, mas também, e principalmente, concepções e pré-
disposições que têm a sua influência nos contextos educacionais até hoje. Envolve,
sobretudo, conhecer os (des)caminhos trilhados pelas políticas públicas, ou mesmo
a ausência destas, para a educação do deficiente.
8 Adotamos Educação Inclusiva, tendo por referência o que define o MEC no documento Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), no entendimento de que esta nos possibilita uma visão mais abrangente do movimento político, cultural, social e pedagógico de defesa de uma escola para todos, sem qualquer discriminação: “A educação inclusiva constitui um paradigma educacional fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis, e que avança em relação à ideia de equidade formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e fora da escola.”
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Cabe ressaltar que ao tratarmos de educação inclusiva, não estamos nos
referindo exclusivamente à inclusão dos deficientes na escola; esta é apenas a
ponta de um grande “iceberg” na medida em que é, muitas vezes, a discussão mais
evidente, mais aparente; porém, não é, e não poderia ser, a única abordagem
necessária. Abordar a educação inclusiva é, de fato e de direito, abordar a
diversidade e toda a sua amplitude, tanto quanto abordar educação inclusiva não
pode se limitar apenas ao ambiente escolar, mas a todos os espaços que constituem
espaços de interação humana.
Porém, conscientes de que essa diversidade é tanta quantos são os sujeitos
que compõem a sociedade, é tanta quantos os espaços de convivência social que
nos são possibilitados para interagirmos uns com os outros, a opção feita nesta
pesquisa foi a de recortar a educação inclusiva no que diz respeito especificamente
à inclusão do aluno com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento no
espaço escolar.
Trataremos, portanto, neste capítulo, das marcas e dos marcos nesta história,
deixados pelas diferentes interpretações e significados dados ao deficiente, que
embasaram concepções e formas de tratamentos destinados a esses sujeitos ao
longo do tempo.
O movimento inclusivista tem o seu nascimento na primeira metade do século
XX, após as duas Grandes Guerras Mundiais, quando surgiu a necessidade da
criação de ambientes sociais que pudessem receber e acolher aqueles que se
tornaram deficientes, mutilados pelo contexto de guerra. Até aquele momento, havia
uma tímida preocupação da sociedade com a população deficiente, ainda que esta
sempre tenha existido na história da humanidade.
Conheçamos resumidamente a existência dessa população nos diferentes
tempos históricos, observando os contextos sociais e econômicos e o lugar do
deficiente nesses contextos.
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1.1.1 dade Antiga – Paradigma9 da Exclusão Total
Iniciamos nossa linha do tempo na Antiguidade, pois, segundo Gugel
(2007), anterior a isso, no período Pré-histórico, o que os historiadores podem supor,
considerando a falta de indícios, é que os deficientes não sobreviviam às condições
desfavoráveis estabelecidas para o ser humano com deficiência.
Também poucos são os registros de como se caracterizava a relação da
sociedade com a deficiência na Antiguidade; porém, se tomarmos por referência
bibliográfica o Livro Sagrado – a Bíblia, considerada o código mais antigo da história
da humanidade, percebemos que esta apresenta em muitas de suas passagens
relatos que nos levam a compreender o lugar daqueles que apresentavam alguma
deficiência, paralíticos, cegos, mudos, que eram colocados à margem da sociedade,
tornando-se mendigos e pedintes.
Se considerarmos os primórdios da História da Educação, esta nos remete a
filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles, de onde vêm os indicativos escritos
sobre o tratamento dispensado aos deficientes naquela época. Platão, no livro A
República, Livro IV, descreve conforme nos mostra Gugel:
Pegarão então os filhos dos homens superiores, e levá-los-ão para o aprisco, para junto de amas que moram à parte num bairro da cidade; os dos homens inferiores, e qualquer dos outros que seja disforme, escondê- los-ão num lugar interdito e oculto, como convém. (PLATÂO in GUGEL, 2007, p. 63)
. E Aristóteles, no livro A Política, Livro VII, Capítulo XIV, 1335 b:
Quanto a rejeitar ou criar os recém-nascidos, terá de haver uma lei segundo a qual nenhuma criança disforme será criada; com vistas a evitar o excesso de crianças, se os costumes das cidades impedem o abandono de recém- nascidos deve haver um dispositivo legal limitando a procriação se alguém tiver um filho contrariamente a tal dispositivo, deverá ser provocado o aborto antes que comecem as sensações e a vida (a legalidade ou ilegalidade do
9 O termo paradigma tem sua origem no grego “paradeigma”, que significa modelo, padrão. No
sentido lato, corresponde a algo que vai servir de modelo ou exemplo a ser seguido em determinada situação. São as normas orientadoras de um grupo que estabelecem limites e que determinam como um indivíduo deve agir dentro desses limites.
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aborto será definida pelo critério de haver ou não sensação e vida). (ARISTÒTELES in GUGEL, 2007, p. 63)
O contexto social dessa época, para Aranha (1995), era caracterizado pelas
atividades econômicas representadas pela agricultura, pela pecuária e pelo
artesanato. A terra e o rebanho pertenciam à nobreza, que eram os senhores, sendo
os demais - os não senhores - destituídos de valor. A noção de homem que se
construía nessa época estava pautada na perfeição individual, física e mental. Para
Mazzotta (2005), a própria religião, ao colocar o homem como imagem e
semelhança de Deus, portanto, ser perfeito, incluía a ideia de perfeição humana, a
perfeição física e mental. E, não sendo parecidos com Deus, os portadores de
deficiências eram postos à margem da condição humana e tidos como culpados de
sua própria imperfeição.
Nesse contexto histórico, não havia espaço para aqueles que não eram
perfeitos; não eram humanos ou caracterizavam a degeneração humana, portanto,
deveriam ser descartados. Não havia lugar na organização social, já que não
poderiam pertencer à classe de senhores, pois não apresentavam competência para
comandar os seus servos, mas também não poderiam ser da classe de não
senhores - aqueles que mantinham a produtividade das terras - pois não eram
capazes de produzir economicamente para a sociedade, restando apenas a
eliminação destes da sociedade, pelo abandono ao relento para serem exterminados
pelos animais, pela fome, pelo frio, ou, para alguns poucos com melhor sorte, serem
aproveitados como fonte de diversão: os bobos da corte.
A Lei das Doze Tábuas10 indicava a morte imediata àqueles nascidos com
“monstruosidade”. Traduzida, conforme nos apresenta Gugel (2007), a famosa lei
determinava o seguinte: Tábua IV - Sobre o Pátrio Poder - Lei III - O pai de imediato
matará o filho monstruoso e contra a forma do gênero humano, que lhe tenha
nascido recentemente.
10 A Lei das Doze Tábuas (Lex Duodecim Tabularum, ou simplesmente Duodecim Tabulae, em latim) constituía uma antiga legislação que está na origem do direito romano. Formava o cerne da constituição da República Romana e das antigas leis não escritas e regras de conduta. Seus originais se perderam, porém os historiadores reconstituíram parte do conteúdo nelas existente através de citações em autores dos mais diversos. Com base nesses estudos, um esboço do conteúdo das Tábuas pôde ser feito. Informação oferecida pela Biblioteca do Supremo Tribunal de Justiça: http://www.stf.jus.br
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Ainda que autorizado pela lei o infanticídio, muitas crianças malformadas, ou
consideradas como anormais e monstruosas, eram com frequência colocadas em
cestas enfeitadas e deixadas à margem do Rio Tibre para que os escravos e as
famílias que viviam de esmolas se apossassem dessas crianças com marcantes
lesões, criando-as para mais tarde as explorarem, obtendo esmolas volumosas dos
corações compadecidos da nobreza.
Nesse momento da História, o paradigma vivido pela humanidade em relação
ao deficiente era o da exclusão total da sociedade, e sobreviver era a necessidade
do deficiente, não cabendo qualquer ação educacional para essa população.
1.1.2 Idade Média – Paradigma da Exclusâo Parcial
Caminhemos na nossa linha do tempo rumo à Idade Média, quando a
sociedade passou a se estruturar em feudos (nobreza), mantendo ainda como
atividade econômica a agricultura, a pecuária e o artesanato; porém, o clero ganhou
destaque na configuração sociopolítica, pois era a classe guardiã do conhecimento.
Além desses que disputavam o poder na sociedade, havia a classe dos servos, que
eram os responsáveis pela produção.
Ainda que o Cristianismo seja uma marca na história conquanto tenha
influenciado uma nova visão sobre o Homem, que passava a ser visto como ser
racional, criado à imagem e semelhança de Deus, essas ideias ainda que tenham
sido fonte de forte influência na educação e na sociedade, o máximo que se
alcançou com relação ao deficiente foi compreender que estes sujeitos faziam parte
da humanidade, portanto, eram dotados de almas. Isto exigia uma nova explicação
religiosa sobre a deficiência, que se caracterizava pelas contradições,
compreendendo a deficiência ora como desígnio divino, ora como possessão
demoníaca, porém, em ambos os casos, remetia a uma única solução, a punição, a
tortura, os castigos severos e a segregação em mosteiros e instituições à margem
do processo social.
A expansão do Cristianismo impulsionou o homem na busca pela salvação da
alma e pela eternidade, preocupações que passaram a fazer parte da vida do
homem, em uma constante mistura de sagrado e profano, comentada por Bakhtin
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(1993), que observa que nas páginas de manuscritos dos séculos XIII e XIV,
especialmente naqueles que narram a vida dos santos, estes dois aspectos
coexistiam na consciência dos homens medievais.
O Cristianismo trouxe ainda uma forte contribuição ao olhar estético, a busca
pela perfeição, pelo belo:
Todavia, o Cristianismo trouxe outro olhar estético: o homem cristão passou a pensar que nem tudo na criação é humanamente belo, que o feio e o disforme convivem com o gracioso, que o grotesco é o reverso do sublime (...) O grotesco e o seu contraponto, o sublime, ocuparam um grande espaço nas artes da Idade Média. Ao primeiro, são remetidos as doenças, as deformidades, o ridículo, os vícios e os crimes; ao segundo, a moral cristã concebe os encantos e a pureza. (MORI, 2009, p.200)
Ao sublime e belo eram conferidas todas as graças, encantos e belezas; ao
grotesco, todas as feiúras, enfermidades e deformidades. As deficiências,
obviamente, pertenciam ao mundo do grotesco e, como tal, eram vistas como
negação da perfeição divina.
O sentimento em relação às pessoas com deficiência, embasado em uma
ética cristã, tinha a marca da ambiguidade, do dilema entre caridade e castigo,
proteção e segregação. O castigo era um meio de salvar a alma possuída por seres
demoníacos, enquanto acolher e proteger o possuído pelo demônio era uma forma
de se santificar e ser redimido dos pecados humanos. Foi essa moral cristã da
época que deu início às práticas assistencialistas e ao surgimento das instituições de
confinamento, a partir das quais foram criadas as instituições especializadas, já que
a deficiência era uma condição incurável, e o médico não deveria perder tempo ou
reputação tentando curar o incurável.
Assim, deficientes encontravam abrigo nas igrejas, como a história
mundialmente conhecida de Quasímodo, personagem do livro “O Corcunda de Notre
Dame”, que vivia isolado na torre da Catedral de Paris, conforme foi escrito por
Victor Hugo (1973), e que retrata perfeitamente a visão de homem na Idade Média.
Conta a historia que em 6 de janeiro de 1482, Dia de reis e festa dos Loucos, era tradição a escolha do papa do povo, aquele que fizesse a
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careta mais feia. Todos se impressionam quando descobrem que o eleito do povo não era uma caricatura, mas o próprio rosto do vencedor. No gigante quebrado e mal colado, o povo reconheceu Quasímodo, o tocador de sinos da Catedral de Notre Dame;
_ Ih, macaco feio! – dizia uma.
_ Tão malvado quanto feio – falava outra.
_ É o diabo – ajuntava uma terceira.
_ Tenho a infelicidade de morar perto de Notre-Dame; à noite ouço-o vagabundeando pela calha.
_ Com os gatos.
_ Ele anda sempre em cima dos nossos telhados.
_ Joga-nos feitiçaria pelas chaminés. (HUGO, 1973, p. 52)
Quasímodo cresceu confinado na Catedral, protegido pelo padre que o
adotou com ideias de poder ser perdoado de seus pecados já cometidos ou a
cometer durante a sua existência.
(...) Seus companheiros eram os monstros e demônios que adornavam a Igreja. Com eles e com as estátuas de santos e reis, Quasímodo conversava horas inteiras. Enfim, a Catedral era seu mundo, o seu universo. (HUGO, 1973, p. 123)
Ainda vivemos resquícios dessas concepções nos dias atuais quando nos
deparamos com ideias de que acolher o aluno com deficiência na escola passa pela
caridade, benevolência e missão (no sentido religioso).
1.1.3 – Idade Moderna – Paradigma da Inclusão Parcial
O surgimento da burguesia na Idade Moderna, em uma nova divisão social
dada pela relação de trabalho, associado ao enfraquecimento da Igreja Católica na
sociedade e ao nascimento do Iluminismo, trouxeram como marca desse período a
mudança na interpretação do mundo, que deixava de ter seu foco nos aspectos
espirituais e passava a ter o foco nos aspectos racionais.
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O fortalecimento do método científico e a expansão da Medicina como ciência
fortaleceram a tese da organicidade das doenças, compreendendo a deficiência
como um processo natural e, portanto, orgânico. A visão sobre a deficiência deixou
de ser exclusivamente religiosa e passou a incorporar os conceitos de doença,
sendo compreendida como um problema do corpo, e não mais do espírito. Instaurou-
se um novo modelo de deficiência, que agora era médico, com o desenvolvimento
de teorias, como as da hereditariedade e a ideia do contágio, levando-se a acreditar
que a deficiência poderia ser transmitida de pessoa para pessoa como uma doença.
Essa ideia ainda permanece entre alguns menos esclarecidos nos dias atuais.
Essa nova divisão social, dada pela expansão da industrialização e vinda da
força de trabalho, abriu a possibilidade de ascensão social por meio do trabalho.
Nesse cenário, a palavra de ordem tornou-se produtividade e, por conseguinte,
eficiência, capacidade, sendo aqueles que eram produtivos os detentores de
direitos, privilégios e valores de dominação, o que passou a ser o termômetro de
avaliação social dos indivíduos.
Dentro dessa perspectiva, os deficientes e doentes mentais precisavam ser
isolados da sociedade, em conventos e asilos, que tinham grades, como as prisões.
O médico era quem determinava o modelo de eficiência e de deficiência, portanto,
era ele quem determinava o lugar do sujeito na sociedade.
A Idade Moderna foi marcada por revoluções e guerras, que tiveram por
consequência elevados contingentes de indivíduos com sequelas, e exigiam uma
gama variada de medidas em atenção a esses guerreiros, incentivando o
desenvolvimento das especialidades médicas e dos programas de reabilitação
específicos.
Cabe ressaltar ainda que além das guerras e revoluções marcantes nessa
época, a Revolução Industrial, apresentou um novo cenário de deficiências
adquiridas em decorrência das condições precárias de uso de máquinas mecânicas,
que geravam acidentes mutiladores e doenças profissionais.
A Psicologia e a Sociologia se separaram da Filosofia e se tornaram ciências
independentes, dando início à formação das Ciências Humanas, o que possibilitou o
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olhar direcionado para as pessoas com deficiência e suas necessidades de atenção
especializada.
A história do “menino-lobo”, o selvagem de Aveyron, Victor, reabilitado e
educado pelo médico psiquiatra francês Itard (1774-1830) ilustra bem a concepção
de deficiente que se tinha nessa época. Itard acreditava na educação como principal
vetor de desenvolvimento da humanidade, partindo do princípio de que tudo o que o
homem sabe, ele aprendeu, o que levou Itard a acreditar que a educação poderia
integrar Victor no convívio social.
A convicção filosófica do médico francês permitiu que ele embarcasse nesse
empreendimento educativo com Victor, afrontando a teoria das ideias inatas e
contrariando importantes intelectuais de sua época, adentrando o campo das ações
pedagógicas. Condizente com sua abordagem empirista e sua crença na educação,
Itard entendia que ao professor caberia a difícil tarefa de organizar os ambientes de
aprendizagem, de proporcionar atividades favorecedoras de desenvolvimento, não
só cognitivas, mas afetivas e comportamentais, ideia que pode ser considerada
bastante contemporânea. O legado de Itard tem se reduzido a discussões de
práticas pedagógicas e perde o que pode trazer de mais precioso: o entendimento
de que o homem é um ser de relações, para o qual a educação é fundamental para
sua constituição como ser social, histórico e cultural.
A partir dessa experiência foi concebido o primeiro tratamento para
deficientes, como aborda Januzzi (2004), e ainda hoje, muitas das ideias de Itard
são base para o tratamento dos deficientes dentro de um modelo médico
terapêutico.
É importante considerarmos o nascimento da Educação Especial nesse
momento da história, marcado pela sociedade industrial moderna, que possuía,
segundo Bueno (1997), duas características fundamentais: produtividade e
homogeneidade. Nesse contexto, a Educação Especial tanto nasceu respondendo
aos anseios de oportunização do ensino na tentativa de responder às necessidades
da população deficiente que não conseguia acompanhar o ensino regular, quanto do
interesse em segregar o indivíduo com deficiência com o objetivo de separar os
anormais, contribuição para a exclusão social:
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(...) desde o seu surgimento no final do século XVIII, atende a dois interesses contraditórios: o de oferecer escolaridade a crianças anormais, ao mesmo tempo em que serve de instrumento básico para a segregação do indivíduo deficiente. (BUENO, 1997, p.38)
Essa discussão ainda hoje está em andamento, com muitas polêmicas no
meio acadêmico, especialmente no que diz respeito à função social das escolas
especiais, que, segundo Ferreira (1994), tendo seu surgimento em instituições de
reabilitação, trazem as marcas do modelo médico, pautado nas patologias
individuais que indicam a utilização de estratégias compensatórias ou de aranjos
ambientais que possibilitem adaptar os limites do indivíduo às demandas do
ambiente social, ainda que seja sob o ponto de vista teórico. Abordaremos melhor as
questões voltadas para a Escola Especial mais adiante.
Antes de seguirmos em nossa linha do tempo para a contemporaneidade,
onde os princípios inclusivos ganham força e lugar mais significativo na sociedade,
precisamos abordar a história do deficiente no Brasil, que, evidentemente, não se
diferenciará muito desta já contada nas linhas acima, porém precisa ser apresentada
sob o ponto de vista do contexto sociopolítico e histórico iniciado em 1500, com a
chegada dos portugueses ao solo brasileiro.
É necessário, portanto, que realizemos essa trajetória concentrada no Brasil
sob a perspectiva que nos apresenta Figueira, quando trata da questão do deficiente
como uma construção cultural, e por serem essas questões culturais, carecem de
mais tempo para serem revertidas, modificadas, ajustadas a novos contextos e
concepções:
(...) as questões que envolvem as pessoas com deficiência no Brasil – por exemplo, mecanismos de exclusão, políticas de assistencialismo, caridade, inferioridade, oportunismo, dentre outras – foram construídas culturalmente. (FIGUEIRA, 2008, p.17)
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Iniciando nossa jornada de resgate histórico no Brasil, pelos relatos que
atestam costumes indígenas, estes nos apresentam práticas de eliminação sumária
de crianças com deficiência ou a exclusão daquelas que viessem a adquirir algum
tipo de limitação física ou sensorial. Tais costumes não diferem muito daqueles já
descritos na História Antiga e Medieval, pois, da mesma forma, os curandeiros
indígenas relacionavam o nascimento de crianças com deficiência ao castigo ou
punição, e a solução era a sua eliminação do convívio social.
Um outro aspecto de relevância na História do Brasil, sem dúvida nenhuma, é
a população de negros escravos deficientes, os quais não apenas pela forma
natural, mas essencialmente pelos maus tratos e os inúmeros castigos, sofriam
mutilações e deficiências, não sendo estes mais produtivos para a sociedade e,
portanto, sem lugar definido.
1.1.4 – Contemporaneidade – Paradigma da Inclusão Total
Destaque desse momento histórico deve ser dado ao século XX, quando os
indivíduos com deficiências começaram a ser considerados cidadãos, com seus
direitos e deveres de participação na sociedade, ainda que muito focado numa
abordagem assistencialista. A primeira medida política nessa direção aconteceu
com o surgimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, que
iniciou os primeiros movimentos organizados por familiares de deficientes que
tinham por norte as críticas à discriminação e à segregação. A Declaração,
estabelecida pela ONU, passou a considerar todos os homens iguais e a
fundamentar regras e direitos às pessoas portadoras de deficiências. A partir disso a
luta pela inserção no meio passou a ganhar vez e voz não apenas do deficiente,
mas de todos aqueles que se interessassem pela causa, nascendo a Educação
Especial.
A questão da Integração Social do deficiente surgiu nesse contexto, em meados
do século XX, especialmente após as duas Grandes Guerras. A pressão para o
estabelecimento de um programa público de reabilitação veio de diferentes fontes,
dentre elas, a necessidade de treinamento e assistência para os soldados feridos na
guerra, para assumirem, com sucesso, uma ocupação rentável. Tais programas
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fortaleceram a convicção de que as pessoas deficientes poderiam trabalhar e ser
inseridas na sociedade mais ampla, auxiliando-as a adquirir as condições e os
padrões o mais próximo possível aos da vida cotidiana das demais pessoas.
Estamos falando essencialmente do príncipio da normalização.
O princípio de normalização deu suporte filosófico ao movimento de
desinstitucionalização e ao movimento pela integração social do deficiente, ainda
que isso tenha se dado a partir de uma visão médica terapêutica, com hábitos
classificatórios, pautados no corpo biológico, e não no ser social.
Também no Brasil, no século XIX, segundo Figueira (2008), a questão da
deficiência apareceu de maneira mais recorrente em função do aumento dos
conflitos militares (Canudos e outros), com a criação do “Asilo dos Inválidos da
Pátria”, que, apesar da precariedade no funcionamento durante o período Imperial,
permaneceu aberto até 1976.
A criação do Imperial Instituto dos Meninos Cegos (hoje Instituto Benjamin
Constant) marcou o momento a partir do qual a questão da deficiência deixou de ser
responsabilidade única da família, passando a ser um “problema” do Estado, porém,
não como incorporação e necessidade de política pública, mas com a transferência
dessa responsabilidade para instituições privadas e beneficentes, eventualmente
apoiadas pelo Estado.
Essas instituições ampliaram sua linha de atuação para além da reabilitação
médica, assumindo a educação das pessoas com deficiência no Brasil. O século XX
foi marcado pelo avanço da Medicina e pela maior atenção dispensada pelos
médicos aos deficientes, o que acabou por reforçar a relação doença e deficiência,
tendo por consequência o empoderamento dos médicos; estes se tornaram os
grandes especialistas e passaram a influenciar de forma direta na questão
educacional das pessoas com deficiência, com indicações do lócus educacional
para cada nível ou grau de deficiência por meio do diagnóstico exigido para o
encaminhamento de crianças para classes ou escolas especiais. Havia uma
tendência de substituir a segregação arbitrária, promovida pelos profissionais da
educação, pela segregação menos questionável, científica, ensejada pelos testes
psicológicos.
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Esse diagnóstico, segundo Bueno (1997), antes mesmo de cumprir a sua
tarefa de avaliar esses sujeitos para que pudessem receber a melhor forma de
atendimento possível, criou rótulos que afastavam as crianças da escola, a qual era
seletiva, segregacionista, homogeneizadora e excludente:
Na realidade, o que o diagnóstico do especialista tem feito é nada mais do que reafirmar a condição de excluído, na medida em que, na maior parte das vezes, não se ocupa com os processos sociais e, dentro deles, o da sua escolarização, como constituidor de suas capacidades ou incapacidades. (BUENO, 1997, p.43)
Ainda que a deficiência não seja mais compreendida como castigo divino,
ainda é compreendida como anormalidade, enquadrando-se na categoria da
degeneração, do desvio da espécie humana, sendo a segregação uma alternativa
naturalmente aceita pela sociedade.
A partir da década de 60, o modelo médico de deficiência não era mais
suficiente para suprir a necessidade dos deficientes de inclusão social e de exercício
da cidadania, o que acabou originando uma nova abordagem na compreensão da
deficiência: a do modelo social.
Esse modelo explica a deficiência na relação sujeito e ambiente, e, segundo
Medeiros; Dinis (2006), indica que a deficiência não é necessariamente uma doença,
mas consequência da interação entre características corporais do indivíduo e as
condições sociais em que ele vive, ou ainda, da combinação de limitações impostas
pelo corpo com alguma lesão a uma organização social pouco sensível à
diversidade corporal.
Essa evolução no pensamento e no tratamento do deficiente se revela
também na necessidade de encontrar um termo que designasse essas pessoas,
passando por diferentes nomenclaturas e suas respectivas concepções, na tentativa
de ultrapassar o nível meramente filológico, mas considerar uma mudança
terminológica de amplo alcance, que expressasse a mudança do conceito sobre o
objeto referido.
Para Bueno (1997), a substituição de termos como anormal, débil, idiota, por
outros como excepcional, e mais recentemente, portador de necessidades especiais,
é motivo de preocupação:
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Em outras palavras, como o conceito portador de necessidades educativas especiais abrange uma diversidade de sujeitos, ao ganhar na amplitude e na quebra da estigmatização, perde na precisão. Tanto é assim que, ao lado do termo em questão, é preciso acrescentar a espécie de sujeitos sobre a qual estamos nos referindo (...) esse alargamento pode, com certeza, significar ampliação de oportunidades educacionais, portanto, de democratização, do sistema social, para uma série de crianças, como autistas, aquelas com distúrbios neurológicos específicos, antes não incluídas no rol das „anormalidade‟. Mas pode, também (e, muitas vezes, mais fortemente do que a democratização), estar significando a incorporação de um grande número de crianças, sobre as quais temos grandes dúvidas se teriam, efetivamente, algum tipo de necessidade especial. (BUENO, 1997, p. 41)
Na década de 40, cunhou-se a expressão “crianças excepcionais”, cujo
significado se referia, segundo Figueira (2008, p. 94), a “aquelas que se desviavam
acentuadamente para cima ou para baixo da norma do seu grupo em relação a uma
ou várias características mentais, físicas ou sociais”. O senso comum indicava que
essas crianças não poderiam estar nas escolas regulares, o que levou ao
surgimento de entidades destinadas à educação dos deficientes, como Sociedade
Pestallozzi e APAE - Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais. Essas
entidades, até hoje influentes no que tange à educação especial, passaram a
pressionar o poder público para que este incluísse na legislação e na dotação de
recursos a chamada “Educação Especial”, o que ocorreu, pela primeira vez, na Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 4.024, de 20 de dezembro de
1961. A Educação Especial no Brasil apareceu pela primeira vez na lei que aponta
que a educação dos excepcionais deve, no que for possível, enquadrar-se no
sistema geral de educação.
Ferreira nos informa que:
Em termos gerais o “especial” da educação escolar se explicita quando o sistema educacional recorre, para atender a necessidades dos alunos, aos seguintes itens, total ou parcialmente: a) Conteúdo especial; b)Método especial; c) material didático especial; d) Pessoal especializado (tanto em termos de competências específicas do professor como pela necessidade da atuação de equipe interdiscipolinar em vários casos ou áreas no raciocínio que a complexidade das deficiências e - por que não dizer?- do processo de inserção do indivíduo na comunidade requer a contribuição de diferentes áreas profissionais). (FERREIRA ,1994, p. 17)
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Compreender suas potencialidades e limitações a partir de testes
psicométricos que determinam o que é a normalidade estabelecida pelo coeficiente
intelectual (QI) é, portanto, direcionar os aspectos pedagógicos para a prontidão,
para a preparação do aluno para a leitura e escrita, e mais do que isso, estabelecer
pré-requisitos para os alunos com deficiência frequentarem as escolas regulares e
poderem acompanhar o planejamento/programa determinado para toda a classe de
forma homogênea. Diante dessas condições há um rápido crescimento das classes
especiais, como descreve Kassar (1999, p.23): “as classes especiais públicas vão
surgir pautadas na necessidade científica da separação dos alunos normais e
anormais, na pretensão da organização de salas de aula homogêneas”.
Sob essa concepção, a exclusão de crianças da escola e das classes
regulares tem como lema “Segregar para Integrar”, apoiado por essas instituições
especializadas, que habitualmente combinaram o atendimento médico e paramédico
a programas de pré-escola, eventualmente de Primeiro Grau e comumente de
profissionalização (chamadas oficinas de trabalho), com caráter mais assistencialista
do que educativo. Por mais chocante e cruel que possa nos parecer tal pensamento
nos dias atuais, é indiscutível o quanto no decurso histórico isso representou
avanços no entendimento e nas possibilidades que se apresentaram para o
deficiente no que diz respeito à sua participação em sociedade; ainda que se
mirasse no alvo, que era o sujeito social, na possibilidade desse sujeito participar da
sociedade, acertava-se no individual, investia-se e buscava-se a mudança apenas
no próprio sujeito. Esse movimento foi chamado de integração, e é um marco na
história da inclusão.
A ideologia integracionista pressupõe condições que possibilitem aos
excepcionias se tornarem parte integrante da sociedade como um todo, e a escola,
nesse sentido, sofre uma supervalorização, sendo compreendida como agência
última da reforma social, sustentando a ideia de que sensibilizar e conscientizar a
comunidade sobre a educação do deficiente é uma condição para integração deste
na sociedade; porém, o que se percebe é que, não é pela colocação do aluno em
um ambiente menos isolado que se assegura a não segregação e que se garante
um ensino com certa competência, pois a decisão de incluir ou excluir antecede a
boa vontade.
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O movimento de integração está ligado à ideia de normalização no sentido de
proporcionar ao deficiente condições de vida similares às de outras pessoas, dando-
lhe possibilidades de uma vida tão normal quanto possível.
Nos anos 70, a Educação Especial ganhou relevância nas discussões
teóricas da Educação; não bastava apenas compreender a educação especial, mas
mobilizar maneiras de melhorar as ações de atendimento educacional especializado.
Em 1978, pela primeira vez, uma emenda à Constituição Brasileira tratou do direito
da pessoa com deficiência: "É assegurada aos deficientes a melhoria de sua
condição social e econômica especialmente mediante educação especial e gratuita".
A Educação Especial ganhou status e movimentos organizados para as
discussões que marcaram a saída dos deficientes da obscuridade para a sociedade,
e principalmente para o poder público, que não podia mais ignorar as políticas, que
passaram a ser incorporadas nas legislações nacionais com a contribuição direta
dos próprios deficientes, como nos confirma Figueira:
Se até aqui a pessoa com deficiência caminhou em silêncio, excluída ou segregada em entidades, a partir de 1981 – Ano Internacional da Pessoa Deficiente -, tomando consciência de si, passou a se organizar politicamente. E, como conseqüência, a ser notada na sociedade, atingindo significativas conquistas em pouco mais de 25 anos de militância. (FIGUEIRA, 2008, p.115)
Esse movimento culminou com a ratificação da Convenção sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência (CDPD) pelo Brasil, conferindo-lhe status de emenda
constitucional. A participação direta e efetiva dos indivíduos com limitações físicas,
sociais e cognitivas na elaboração da Convenção (e posteriormente na sua
internalização) não foi fruto do acaso, mas decorreu do paulatino fortalecimento
desse grupo populacional, que sobreviveu à passagem de todos esses paradigmas
descritos acima, desde garantir a sobrevivência, passando pela segregação,
integração, e alcançando a inclusão, e que passa a exigir seus direitos civis,
políticos, sociais e econômicos.
A nova Constituição, promulgada em 1988, garante atendimento educacional
especializado às pessoas com deficiência, preferencialmente na rede regular de
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ensino. O termo preferencialmente, apontado na Constituição, ainda que possa ser
justificado pelo histórico paradigmático que constituiu a educação dos deficientes no
Brasil, causa polêmicas interpretações, pois a legislação deixa obscura qual é a
diretriz para os deficientes enquanto política pública. Se de um lado aponta para o
horizonte de incluir na escola regular e, consequentemente, na sociedade, por outro,
deixa uma brecha que possibilita a não inclusão, portanto, a segregação. O que e
quem definirá quem pode ou não frequentar a escola regular?
Vivemos neste momento uma crise de valores sociais e éticos, pois as frestas
deixadas pela legislação servem de argumentos para muitos fecharem as portas da
escola para os alunos com deficiência, usando como escudo a falta de estrutura e
de preparação para recebê-los, enquanto uns poucos fazem um esforço titânico de
colocar os deficientes no ensino regular, que afasta até mesmo as crianças com
rótulo de distúrbios de aprendizagem e com problemas de comportamento. A
inclusão escolar dos deficientes acaba ficando à mercê das vontades individuais de
pais, diretores e professores.
A ideia de normalização começou a perder força a partir da ampliação das
discussões sobre a cidadania, que inclui a pessoa deficiente como sujeito detentor
de direitos e de usufruto de oportunidades na sociedade, alavancadas pelas
mudanças sociais e políticas no cenário mundial, que envolvem temas como
desigualdades, diferenças e diversidade.
Nessa perspectiva, a inclusão nasce de um pressuposto de convivência não
segregada e acesso aos recursos a todos os cidadãos, independentemente das
suas condições físicas, intelectuais, sociais e culturais. Não se trata de uma
discussão concebida na deficiência, mas sim, na diversidade e, sobretudo, no
combate ao preconceito com o diferente. A causa dos deficientes se mistura à causa
daqueles que são entendidos como minorias sofredoras de preconceitos.
No ano de 1990, a Conferência Mundial sobre Educação para Todos,
realizada na cidade de Jomtien, na Tailândia, prevê que sejam atendidas as
necessidades educacionais básicas de todos (mulheres, camponeses, refugiados,
negros, índios, presos e deficientes) pela universalização do acesso, promoção da
igualdade, ampliação dos meios e conteúdos da Educação Básica e melhoria do
ambiente de estudo. Nesse mesmo ano, o Brasil aprovou o Estatuto da Criança e do
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Adolescente, que reitera os direitos garantidos na Constituição: atendimento
educacional especializado para portadores de deficiência, preferencialmente na rede
regular de ensino.
Preferencialmente, e no que for possível, não nos permite avançar para a
preocupação de uma Educação para Todos no ensino regular, e as discussões
calorosas se acirram fortemente polarizando posicionamentos. Há os que defendem
a integração, que, conforme esclarece Mantoan (1993), baseia-se no princípio da
normalização; portanto, podemos concluir que nas situações de integração, nem
todos os alunos cabem, e os elegíveis para a inserção no ensino regular são os que
foram avaliados por instrumentos supostamente objetivos e
profissionaisespecialiados ; é uma forma condicional de inserção, em que o sucesso
depende do aluno, do nível de sua capacidade de adaptação às opções do sistema
escolar, seja em uma sala regular, seja na classe especial, ou mesmo em
instituições especializadas. Não se questiona ou se altera a escola; o foco da
integração é o aluno. Outros defendem a Inclusão Total, de forma radical, completa
e sistemática, o que é incompatível com a integração, pois parte do pressuposto de
não deixar ninguém fora do ensino regular desde o começo, ou seja, a mudança
deve ser na escola, e não no aluno. Dessa forma, as escolas inclusivas propõem um
modo de organização do sistema educacional que considera as necessidades de
todos os alunos e que é estruturado em função dessas necessidades, e supõe a
abolição total dos serviços segregados. Mudam as escolas e não os alunos, para
terem o direito de frequentá-las nas salas de aulas do ensino regular.
É necessário contextualizar que a escola regular se encontra bastante
fragilizada pelos sérios problemas que enfrenta para garantir o sucesso dos alunos
sem deficiências, e essa demanda de alunos com deficiência ganha proporções
inquestionáveis, o que leva muitos a não apoiarem a integração, tampouco a
inclusão total, mas uma Inclusão Parcial, gradativa, que respeite a necessidade de
mudanças, não apenas de infraestrutura na escola regular para receber a todos,
mas essencialmente de mudanças nos relacionamentos pessoal e social, e ainda
nas maneiras de se efetivar o processo de ensino-aprendizagem, levando a uma
inclusão não por imposição, mas pela consciência evoluída sobre a educação e o
desenvolvimento humano.
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Em 1994, a Declaração de Salamanca, um dos mais importantes documentos
de compromisso de garantia de direitos educacionais, proclamou que as escolas
regulares inclusivas são o meio mais eficaz de combate à discriminação, e
determinou que as escolas devem acolher todas as crianças, independentemente de
suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais ou linguísticas. Em 1996,
fechando esse ciclo de propostas e desenvolvimento da Educação Especial, a
promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394/96 aponta que a
educação dos portadores de necessidades especiais deve se dar preferencialmente
na rede regular de ensino.
A Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Pessoa com Deficiência, realizada na Guatemala, em 1999,
em que nosso país é signatário11, tem como princípio o direito de acesso e
permanência ao Ensino Fundamental enquanto direito humano; por isso, toda vez
que se admite o ensino dos alunos com deficiência em idade de acesso ao ensino
obrigatório unicamente na escola especial em substituição ao ensino nas classes
comuns das escolas regulares, está se ferindo o disposto na Convenção da
Guatemala e, consequentemente, na legislação brasileira.
Para Miranda (2003), o paradigma embasado no modelo social de deficiência
tende a reconhecer que trabalhar com classes heterogêneas onde as diferenças são
acolhidas traz benefícios ao desenvolvimento das crianças deficientes e também das
não deficientes, na medida em que estas têm a oportunidade de vivenciar e
significar a troca e a cooperação nas interações humanas. Porém, para que as
diferenças sejam respeitadas e se aprenda a viver na diversidade, são necessárias
mudanças na concepção de escola, de aluno, de ensinar e de aprender.
Não resta dúvida de que as leis, decretos e outros instrumentos legais que
determinam que as escolas regulares recebam os alunos com deficiências ou
transtornos globais do desenvolvimento trouxeram avanços significativos na inclusão
escolar; porém, não é possível afirmar que com isso as práticas docentes possam
ser transformadas. Portanto, a legislação pode ter resolvido o problema de acesso à
escola regular pelos alunos com deficiência, o que, reiterando, significa muito neste
11 O Brasil ratificou sua concordância e compromisso no seguimento do exposto nesta Convenção por meio do Decreto 3956/2001, que em seu artigo 1º estabelece que a Convenção será executada e cumprida inteiramente.
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longo e árduo processo histórico de inclusão escolar; porém, é necessário que
avancemos para mares mais profundos que nos levem à garantia do sucesso de
todos os alunos na escola.
Como nos mostra tabela 2 abaixo com os dados comparativos do Censo
Escolar das matrículas dos alunos especiais na Educação de 2007 à 2012, ,
observamos que houve um significativo avanço do número de matrículas dos
alunos especiais na escola regular, visando a inclusão, especialmente no ensino
fundamental.
É interessante notarmos que o avanço de matrículas nas escolas regulares
está diretamente ligado a queda das matrículas nas escolas ou classes especiais.
Isto se dá especialmente a partir de 2009 e podemos inferir que ocorre em
decorrência da nova Política da Educação Especial na perspectiva da Educação
Inclusiva em 2008.
Nos gráficos A e B podemos analisar a situação das matrículas dos alunos
especiais na educação infantil e do ensino fundamental respectivamente e o que
percebemos é que no gráfico A , em 2010 a Educação Infantil no ensino regular
assume definitivamente a clientela de alunos especiais nas escolas regulares.
Entendendo que as escolas especiais não atendiam a população de alunos menores
que 7 anos e que estes alunos frequentavam apenas Centros de Apoio de
Estimulação Precoce e não escolas, podemos dizer que a inserção destes alunos
nas escolas de educação infantil nos apresentam grandes perspectivas de
continuidade deste alunado na escolaridade regular.
Já o gráfico B que trata das matrículas no ensino fundamental apresenta
dados de que desde 2007 a inserção dos alunos especiais vem se efetivando nas
escolas regulares, isto se deu possivelmente pela indicação das políticas públicas de
escola para Todos, especialmente pela LDB que torna obrigatória o ensino
fundamental de 7 à 14 anos.
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Tabela 2 – Número de Matrículas na Educação Especial por Etapa de Ensino
Brasil – 2007-2012
Ano
Total Geral
Classes Especiais e Escolas Exclusivas Classes Comuns (Alunos Incluídos)
Total
Ed. Infantil
Funda - mental
Médio
EJA
Ed. Prof.
Total
Ed. Infantil
Funda - mental
Médio
EJA
Ed. Prof.
2007 654.606 348.470 64.501 224.350 2.806 49.268 7.545 306.136 24.634 239.506 13.306 28.295 395
2008 695.699 319.924 65.694 202.126 2.768 44.384 4.952 375.775 27.603 297.986 17.344 32.296 546
2012 820.433 199.656 18.652 124.129 1.090 55.048 737 620.777 40.456 485.965 42.499 50.198 1.659
% 2011/2012 9,1 3,0 -21,5 -5,8 -4,4 51,4 -7,5 11,2 2,8 11,2 28,2 5,8 21,9
Fonte: MEC/Inep/Deed. Nota: Não inclui matrículas em turmas de atendimento complementar e atendimento educacional especia lizado (AEE).
Gráfico A – Educação Especial – Número de Matrículas
na Educação Infantil – Brasil – 2007-2012
Gráfico B – Educação Especial – Número de Matrículas
no Ensino Fundamental – Brasil – 2007-2012
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Miranda (2003) nos alerta que a literatura evidencia que no cotidiano da
escola, os alunos com necessidades educacionais especiais inseridos nas salas de
aulas regulares vivem uma situação de experiência escolar precária, ficando quase
sempre à margem dos acontecimentos e das atividades em classe, porque muito
pouco de especial é realizado em relação às características de sua diferença. Estar
na sala de aula regular pode inclusive levar a uma exclusão ainda mais perversa do
que se tinha até então, pois põe uma máscara de inclusão no monstro da exclusão.
À medida que avançamos para os dias atuais, vemos que desde a
Convenção da Guatemala, em 2001, até 2008, com a implantação da nova Política
Educacional para a Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva pelo
MEC, as questões teóricas do processo de inclusão têm sido amplamente discutidas
por pesquisadores da Educação Especial, conscientes de que a inclusão só se
efetivará se ocorrerem transformações estruturais no sistema educacional. Porém,
segundo Miranda (2003), pouco temos avançado nas práticas docentes que
garantam o sucesso desse processo, o que nos remete ao tema desta dissertação.
A Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação
Inclusiva (2008) instaurou a mudança no uso do termo Educação Especial para
Educação Inclusiva, de forma definitiva. Mas, o que isso quer dizer?
A Educação Especial deve transversalizar o ensino regular na busca da
efetivação de uma educação inclusiva, que empenhe todos os seus esforços para o
sucesso de todos os alunos, inclusive os deficientes, para além de perseguir a
eliminação não apenas das barreiras arquitetônicas, mas também das barreiras
atitudinais, muitas delas intransponíveis até o momento.
O assunto cria inúmeras e infindáveis polêmicas, provoca corporações de
professores e de profissionais da área da educação, além de envolver
posicionamentos de pais dos alunos com deficiência e transtornos do
desenvolvimento. Afeta diretamente os professores da Educação Especial, que se
sentem temerosos de perder o espaço e o status que conquistaram nas escolas e
redes de ensino com seus saberes especializados, e que supostamente lhes dá a
condição de saber lidar melhor com os alunos com deficiências e transtornos
globais do desenvolvimento.
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Nessa mesma toada, os professores do ensino regular se consideram sem
competência para atender às diferenças nas salas de aula, desqualificando os
próprios saberes pedagógicos, já que esperam técnicas e procedimentos
diferenciados para ensinar a esses sujeitos. Persistindo no modelo baseado no
déficit, que destaca mais o que a criança não sabe fazer. Esse modelo centra-se na
necessidade do especialista e na busca de um modo terapêutico de intervir, como se
a resolução dos problemas da diversidade estivesse sujeita à formação de
especialistas que se fazem profissionais da deficiência.
Nessa acomodação de paradigmas, há um movimento de pais de alunos sem
deficiências contrários à inclusão dos alunos com deficiência, que se preocupam
com a possibilidade de que as escolas possam baixar e/ou piorar ainda mais a
qualidade de ensino se tiverem de receber esses novos alunos, e dos pais de alunos
com deficiências, que se acostumaram a receber toda a assistência de entidades e
instituições escolares nos cuidados com seus filhos, criando, em muitos casos, uma
dependência para exercer o seu lugar de pais, resistindo à quebra desse modelo
assistencialista vivido até então.
Consoante a isso, somam-se as queixas dos professores de sala comum
pela falta de preparo e estudo sobre as deficiências para lhes fornecer a
competência de que precisam para ter esses alunos nas escolas e há, por outro
lado, a queixa dos professores da Educação Especial, que ao longo da história se
tornaram tão especializados que deixaram de lado os estudos e o acompanhamento
da evolução da Educação como um todo. A formação oferecida aos professores
pautada na apresentação de técnicas e treinamentos teóricos desvinculados da
prática não tem atendido às necessidades para que efetivamente haja uma
transformação da prática docente com ações inclusivas. Há de se pensar em que
tipo de formação precisa ser ofertada aos professores, que caminhe para a
transformação de sua prática docente de forma inclusiva.
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2. INTERFACES DA PRÁTICA DOCENTE NA PERSPECTIVA INCLUSIVA
2.1 LÓCUS DA PRÁTICA DOCENTE: A ESCOLA COMO INSTITUIÇÃO ESCOLAR
Não se pode reformar a instituição sem a prévia reforma das mentes, mas não se pode reformar as mentes sem uma prévia reforma das instituições (MORIN, 2001, p.99).
Ao tratarmos do movimento de inclusão escolar e, portanto, do cenário
educacional, precisamos nos dedicar a esclarecer qual instituição social estamos
tratando neste trabalho: a escola.
Compreender a função da escola desde a sua criação até os dias atuais, sem
dúvida nenhuma, implica compreender a crise paradigmática que se apresenta na
modernidade.
Sabemos que um paradigma está em crise quando não está mais
conseguindo explicar os fenômenos da realidade. Diante da crise, o repensar sobre
o assunto se faz necessário, levando-nos a novos debates, novas buscas e novas
articulações com base em novos fundamentos. É, portanto, como nos apresenta
Moraes (2003), um processo de mudança conceitual, uma forma nova de explicar os
fenômenos, um novo referencial para explicar o mundo.
A escola surge com o propósito de educar as elites, mas é a partir do
Iluminismo, caracterizado pelo movimento de escola para todos, de acesso ao
conhecimento para todos, que a instrução ganha maior destaque. Evidentemente, a
escola, ao se expandir, não dá conta de atender às diferentes necessidades que lhe
são apresentadas, originando as evasões escolares e as dificuldades de
aprendizagem.
A escola, uma invenção da modernidade, traz em suas raízes o modelo
positivista que privilegia o conhecimento científico, e não as subjetividades ou as
multidimensões humanas.
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Moraes (2003) afirma que, ainda que todos nós percebamos o quanto o
mundo vem se transformando de forma acelerada, os professores continuam
ensinando como foram ensinados, com velhos métodos de ensino que não
privilegiam a construção e participação do educando no conhecimento, tampouco o
formam para atuar na sociedade de forma capaz e competente na criação e
recriação desse conhecimento.
A esse respeito, Perrenoud (2002) ilustra:
Um observador que voltasse à vida depois de um século de hibernação notaria mudanças consideráveis na cidade, na indústria, nos transportes, na alimentação, na agricultura, nas comunicações de massa, nos costumes, na medicina e nas atividades domésticas. Se, por acaso entrasse em uma escola, encontraria uma sala de aula, uma lousa e um professor dirigindo-se a um grupo de alunos. Sem dúvida, o professor não estaria mais usando uma longa capa, nem o professor de ensino fundamental usaria uma túnica. Os alunos não usariam mais uniformes nem tamancos. O professor teria descido da sua cátedra, e o visitante acharia os alunos muito impertinentes. Durante a aula, talvez, percebesse alguns vestígios de uma pedagogia mais interativa e construtivista, de uma relação mais afetiva ou igualitária que a existente em sua época. No entanto, em momento algum duvidaria que se encontrava em uma escola. (PERRENOUD, 2002, p.190-191)
Na contemporaneidade, diante das demandas que se apresentam na
sociedade, a escola tem sido obrigada a repensar a sua função. Espera-se hoje da
escola que ela seja reflexiva, que, apoiada em políticas públicas eficientes, sua ação
integre professores, alunos, pais, funcionários e gestores a partir de projetos
interdisciplinares que visem solucionar problemas no seu cotidiano caracterizado
pelas mais diversas fontes e naturezas, assim como que se preocupe com a
formação integral de seus alunos. Seus alicerces precisam estar nas relações e
valores humanos; portanto, a cooperação e a solidariedade são pontos
fundamentais dessa nova configuração do espaço escolar.
A escola precisa considerar que o desenvolvimento da racionalidade humana
hoje se encontra no âmbito da complexidade, como nos ensina Mantoan
(...) evolui a partir de uma rede cada vez mais complexa de encontros entre o homem e sua subjetividade com o cotidiano, com o social, o cultural, invadindo as demarcações dos espaços disciplinares, buscando tangenciamentos, relações, conexões, com táticas, maneiras e artes de inventar o dia-a-dia, que subvertem o estabelecido: a fragmentação das
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disciplinas, a ruptura da compreensão, a cisão entre o saber e o fazer.(MANTOAN, s/d, p.1)
Isso quer dizer, em poucas e objetivas palavras, que não se pensa e se
aprende como antigamente. A escola, embora venha avançando nessas reflexões,
precisa se conscientizar de forma mais eficiente de que não se pode mais ensinar
sem se considerar a diversidade cultural, social, econômica, entre outras tantas
diferenças, assim como não se pode mais compreender o ensino no autoritarismo e
nas certezas postas ao aluno. A escola precisa definitivamente incorporar que,
segundo nos orienta Mantoan (s/d), a origem do conhecimento está no desejo de
estabelecer e fortalecer vínculos que humanizam, criam laços entre o objeto e o
sujeito do conhecimento, pois é segundo esses laços afetivos que o conhecimento
pode se expandir, extrapolar o seu lado simplesmente cognitivo e ir para regiões
mais profundas, como a emoção de aprender “com” o outro, de fazer a “quatro
mãos”.
A esse respeito, algumas de nossas entrevistas tratam de forma mais direta da
questão do vínculo, das relações de afeto interferindo na aprendizagem e na postura
do professor frente às demandas desse alunado. Uma de nossas entrevistadas, a
professora C., diz que divido o sucesso com o aluno incluído com os parceiros nesta
caminhada (professora de AEE, gestão da escola) e conclui: é um trabalho de
muitas mãos.
A professora C., ao falar da importância do vínculo para a aprendizagem, diz em seu
relato: Entendo que a aprendizagem do aluno, a aquisição de conhecimento passa
pelo vínculo com o professor; no começo foi muito difícil porque ele tinha
dificuldades com as frustrações e parecia não querer aprender, ter desistido de si
próprio. E em outro momento, ao tratar de como esse vínculo se estabeleceu,
mostra que frente ao receio da mãe com a possível quebra desse vínculo com a
professora, por ele não fazer as lições de casa e levar bronca da professora,
deixando-o com raiva dela, a resposta da professora para a mãe foi: pode deixar, eu
me garanto. Estando essa garantia no lugar privilegiado do vínculo construído e
sólido, pode sofrer decepções e frustrações, que não se abalará.
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Uma outra professora, J., em sua entrevista, aponta que Muitas pessoas têm nojo de
chegar perto dele, é fato, porque baba, tem uma aparência estranha, não olha nos
olhos da gente, não sabe se cuidar, enfim, é esquisito, mas quando a gente
estabelece o vínculo, o afeto, tudo isto é irrelevante. Estes são alguns relatos de
laços que humanizam, laços que ensinam o aluno e o professor com a inclusão. O
relato todo dessa professora trata bastante da questão do vínculo, das relações de
afeto alavancando a prática docente e as ações pedagógicas, ainda que estas não
sejam exatamente acadêmicas, no sentido de serem aquelas ações formalizadas
que se esperam da escola.
Tratamos até aqui, portanto, de uma escola que nasce alicerçada na exclusão de
muitos, todos aqueles que não pertenciam às elites, caminha para incluir a todos,
porém mantém uma exclusão que se manifesta das mais perversas maneiras, num
jogo desigual de cartas marcadas pelo autoritarismo e pelo poder do saber escolar,
deflagrando a incompetência de muitos desses alunos que adentram as escolas,
mas se evadem ou se mostram com significativas dificuldades de aprendizagem,
reforçando a ideia de que a escola é apenas para aqueles que são dotados de pré-
requisitos, condições prévias para o conhecimento.
Tomando a definição de que escola é o estabelecimento público ou privado
onde se ministra, sistematicamente, ensino coletivo, então, podemos intuir que o
ensino coletivo é, portanto, pressuposto para ser „escola‟.
Para não ser discriminatória e ter a coletividade como público, deve ser o local onde estudam os alunos do bairro, da comunidade, independentemente de suas características individuais. Só assim a escola será o espaço adequado e privilegiado da preparação para a cidadania e para o pleno desenvolvimento humano, objetivos que devem ser alcançados pelo ensino e que estão previstos na Constituição Federal de 1988 (art. 205). (FAVERO, 2004, p.30)
O movimento da inclusão escolar nasce do desejo de que essa definição seja
efetivamente incorporada no espaço escolar; almeja a reforma da escola na
perspectiva inclusiva, não com a ideia de demolição da escola, mas com a ideia de
reconstrução de princípios, conceitos e práticas que mantenham preservados os
alicerces na vocação da instituição escolar de reunir pessoas que buscam o
- 69 -
conhecimento de forma mútua. Nessa perspectiva, o pensar e o fazer pedagógico
não podem ser desmembrados.
O movimento de inclusão escolar não apenas coloca em cheque mate a escola regular pela forma e meios que ensina, mas também a escola especial que para os deficientes, substitui o ensino regular com soluções paliativas e excludentes. Essa inovação, mudança de paradigma exige mudanças tanto no ensino regular quanto no ensino especializado. (MACHADO, 2006, p.2)
Tratamos de uma crise na escola a partir da inclusão escolar e, portanto, de
uma crise que se estende para uma crise de identidade nas diferentes instâncias
que compõem a escola: identidade institucional, identidade dos professores e
identidade dos alunos.
Mitler contribui com esse propósito quando nos apresenta o que define como
inclusão:
Inclusão implica em uma reforma radical nas escolas em termos de currículo, avaliação, pedagogia e formas de agrupamento dos alunos nas atividades de sala de aula. Ela é baseada em um sistema de valores que faz com que todos se sintam bem vindos e celebra a diversidade que tem como base o gênero, a nacionalidade, a raça, a linguagem de origem, o background social, o nível de aquisição educacional ou a deficiência. (MITLER, 2003, p.34)
E as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Especial complementam ao
definir escola inclusiva:
(...) implica uma nova postura da escola comum, que propõe no projeto político pedagógico, no currículo, na metodologia de ensino, na avaliação e na atitude dos educandos, ações que favoreçam a integração social e sua opção por práticas heterogêneas. A escola capacita seus professores, prepara-se, organiza-se e adapta-se para oferecer educação de qualidade para todos, inclusive, para os educandos com necessidades especiais...Inclusão, portanto, não significa, simplesmente matricular os educandos com necessidades especiais na classe comum, ignorando suas necessidades específicas, mas significa dar ao professor e à escola o suporte necessário à sua ação pedagógica. (BRAS|IL, 2001)
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Para Mantoan (2001), a proposta de uma escola inclusiva deixa de ser utopia
ou sonho na medida em que a partir dos princípios norteadores dos sistemas
educacionais modernos – democratização do acesso à escola, gestão participativa,
qualidade de ensino, formação continuada de professores e garantia de atendimento
aos excluídos, respeitadas as diferenças sociais, culturais, étnicas, entre outras –
novas práticas se instalam no espaço escolar, mostrando que essa é uma proposta
exequível e cabível na Educação.
Tratar de práticas pedagógicas inclusivas significa, portanto, considerar uma
prática em que tudo está em movimento, em que o conhecimento se constrói
coletivamente por meio de vivências, experiências e interações no contexto escolar;
uma escola que não tem valores e medidas pré-determinadas de desempenho
escolar e, portanto, não exclui nenhum aluno da possibilidade de desenvolver o seu
pensamento ainda que da forma mais plural possível. A isso chamamos de escola
inclusiva.
Nas escolas inclusivas, a autonomia social e intelectual é objetivo para todos
e norteia a formação dos alunos e de seus professores. Significa que nessas
escolas, a produção de conhecimento não segue critérios rígidos fragmentados por
disciplinas estanques e desarticuladas, mas configura redes imprevisíveis de ideias
que se cruzam, cheias de originalidade e singularidade.
A esse respeito, os professores entrevistados trazem alguns apontamentos
em seus relatos. A professora C., ao relatar uma situação de sobrecarga para uma
única aluna que se disponibilizou a contribuir com as tarefas junto ao aluno incluído,
dado o grau de dependência que este apresentava para locomoção, higiene e
realização das atividades, diz: tive uma ideia boba, quer dizer, a gente às vezes tem
uma ideia tão boba, tão simples, mas que funciona e resolve o problema. Foi uma
ideia boba, mas ninguém tinha pensado nisso. E acrescenta mais adiante, após
relatar a solução que encontrou junto com a classe para o problema que foi a
montagem de uma planilha para os voluntários em ajudar o colega: isto para mim
era uma ideia boba, uma besteirinha, mas fez a diferença para ele. É exatamente
nesse movimento cotidiano que as práticas inclusivas vão se construindo.
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A professora B. diz o que pensa ser inclusão: Inclusão é assim, não tem nada
pronto, a gente vai construindo. É um processo até a gente conseguir que o aluno
faça as atividades tanto quanto os demais, a gente vai por ensaio e erro. Para esta
professora, incluir significa tentar sempre, não desistir de ensinar, e é um processo
de todos os dias.
A professora D. diz: eu me preocupo com todos da sala de aula, gosto de ver
todos avançarem, cada um no seu ritmo e do seu jeito. Para esta professora, incluir
é oferecer possibilidades e oportunidades até que a aprendizagem aconteça, pois
nenhum aluno pode estar excluído dela.
A professora G. nos desafia em seu relato com um questionamento: , Será
que a inclusão não é isso mesmo, aprendizagem de todos os alunos? Noêmia12 não
foi um estorvo na minha sala, fui aprendendo aos poucos com ela e ela comigo.
Podemos entender que é dessa autonomia intelectual e social que a educação
inclusiva tem se ocupado de desenvolver na formação de alunos e professores.
Neste contexto e em busca de práticas inclusivas, cabe ao professor ser o
orquestrador dos diferentes modos de viver, de ser e de conviver dos seus alunos,
suscitando novas ideias, respeito a valores e sentimentos com relação às diferenças
sociais e culturais. Seus professores não são especialistas nesta ou naquela
dificuldade de aprendizagem ou característica de aluno, mas são comprometidos
com todos os alunos e se ocupam de atender à heterogeneidade da classe.
Quanto a isso, a professora B. nos ensina com a sua prática na sala de aula
quando conta sua estratégia para trabalhar com as diferenças a partir das questões
suscitadas pela aluna com síndrome de Down que tinha incluída nesse ano, fossem estas
da ordem da discriminação e preconceito, fosse da ordem da compaixão e piedade. Ela
relata que: Em função disso eu trabalhei com a classe um texto sobre a diversidade,
não sobre deficiência, sobre a diversidade, falamos da diferença da Bruna, porque
ela é muito diferente deles, mas falamos de quem é gordinho, de quem usa óculos,
de quem é muito alto e tantas outras diferenças, ser diferente é normal, somos
diferentes de maneiras diferentes.
12 Noêmia é o nome fictiício dada a aluna incluída na sala de aula da prof. G, visando preservar a identidade da aluna
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A função da escola é mostrar que eu posso ser diferente, e ter a possibilidade
de ter uma criança de inclusão na sala ajuda muito eles a entenderem isso.
Mantoan (2004), considera a escola inclusiva como aquela que acolhe a todos
e propõe a fusão da educação especial ao ensino regular em uma escola única, que
não esteja apoiada em subsistemas paralelos que discriminam dentro e fora da
escola e que consideram ineficientes aqueles que não se enquadram nos modelos
de bom aluno.
(...) o papel da educação especial, na perspectiva inclusiva, é, pois, muito importante e não pode ser negado, mas dentro dos limites de suas atribuições, sem que sejam extrapolados os seus espaços de atuação específica. Essas atribuições complementam e apoiam o processo de escolarização de alunos com deficiência regularmente matriculados nas escolas comuns. (MANTOAN, 2004, p.43)
Tratamos aqui de uma nova função social da escola, que é a educação para a
cidadania global, livre de preconceitos e que se dispõe a reconhecer a
complementaridade entre as pessoas. Trata-se, portanto, da construção de uma
nova ética, que não mais se ocupe de categorizar os alunos, mas que considere
prioritariamente valores como solidariedade, fraternidade, coletividade e cooperação,
esão desenvolvidas ao mesmo tempo que se desenvolve a consciência coletiva,
dando lugar a consciência individual.
Até aqui tratamos da crise da identidade institucional, porém ainda nos resta
tratar da crise da identidade do aluno nessa nova perspectiva de educação inclusiva.
O aluno da escola inclusiva é outro sujeito, não tem uma identidade fixa,
permanente, essencial como na escola das exclusões. Como nos mostra Mantoan
(2001) ao citar Hall:
Esse aluno engloba um conjunto diversificado de identidades, diante de um eu que não é sempre o mesmo, seguro e coerente, mas um eu cambiante, com cada um dos quais podemos nos confrontar e nos identificar temporariamente. (Hall, 2000 apud Mantoan, 2001)
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Podemos dizer que a escola inventou o aluno e o definiu e representou por
meio de seu poder institucional e social, agrupando-o e rotulando-o segundo seus
parâmetros identitários em busca da “normalização” de características de
desenvolvimento e de pensamento. A inclusão, porém, traz à tona a contestação a
essa definição de identidade do alunado, marcada concretamente pela presença da
diversidade nas salas de aula, contrariando os parâmetros de igualdade,
homogeneidade e normalização.
Não temos mais na contemporaneidade o mesmo alunado de quando a
escola foi criada, e ainda que a escola pouco tenha se modificado para receber essa
diversidade, ela existe e está à sua porta.
Da mesma forma, precisamos discutir sobre a identidade do professor. Quem
é esse professor da escola inclusiva? O que ele deve fazer de diferente dos
professores de outrora, quando as suas classes tinham como característica uma
suposta homogeneidade? Podemos afirmar que o que se pretende atingir nessa
identidade é que esse professor saiba acolher o novo e, muitas vezes, o
desconhecido, presente em cada criança, porque, livre de preconceitos, esse
professor deve ser comprometido politicamente com a função social e cultural da
escola, que é ensinar para construir conhecimentos recheados de sentidos para seu
alunado.
O professor inclusivo reconhece que as diferenças não são impeditivas de
pensar e de poder decidir por si próprio; esses professores são capazes de refletir
individual e coletivamente, aprendendo a fazer, aprendendo a aprender, aprendendo
a conviver com as diferenças e com as dificuldades, enfim, aprendendo a ser
verdadeiros educadores.
Fechamos esta reflexão com uma parte do relato da professora B., que
expressa esse movimento do professor, que, a partir da inclusão, habitua-se a
pensar inclusivamente: eu tenho para mim que estamos formando pessoas
diferentes do que fomos formados, é nisso que eu acredito.
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2.2 PRÁXIS13 DOCENTE
Ao abordarmos a práxis docente, temos por objetivo refletir sobre como se
constrói a atividade prática do professor no espaço escolar, considerando que
qualquer profissão exige o exercício de uma atividade prática na execução de uma
tarefa. A atividade docente é, ao mesmo tempo, prática e ação.
Prática, na medida em que é sistemática, executada em um espaço
organizacional, e tem por objetivo garantir o conhecimento por meio de diferentes
métodos e técnicas aplicadas em sala de aula.
Ação, na medida em que é inerente ao sujeito agir sobre o ambiente em que
está inserido, sendo essa ação fundamental para a reflexão da prática, o que nos
remete a concluir que a ação docente está intimamente ligada à subjetividade do
professor.
É, portanto, nesse movimento de exercício da prática docente, caracterizada
pela ação sobre o ambiente, que inevitavelmente leva à reflexão sobre essa ação,
que se dá a práxis docente, ou seja, é no processo de reflexão-ação-reflexão que o
professor deixa de ser um mero objeto de investigação e passa ele próprio a ser o
sujeito da investigação, superando as generalizações dos conteúdos didáticos, mas
tornando-se agente de mudanças que, a partir da criticidade, realiza adaptações que
atendam a comunidade escolar em suas necessidades. É nesse movimento de
atividade reflexiva sobre a própria prática que o professor pesquisa o próprio
trabalho buscando torná-lo de melhor qualidade para todos os alunos.
O processo reflexivo pode ser movido por diferentes situações: a sensação de
fracasso, de impotência, de desconforto, ou situações que tiveram bons resultados,
que causam satisfação e prazer; porém, em ambos os casos, a reflexão é fomentada
pela vontade de realização de um trabalho eficaz e ético. O que faz a diferença nas
não é a prática, a sistemática, mas a forma de ação que está ligada à subjetividade
dessa prática.
13 Para esta dissertação adotamos o termo práxis segundo nos define Aristóteles (2001), como ação no sentido forte do termo, e afirma estar essa relacionada diretamente com a phrônesis, a capacidade
de discernimento necessária para se agir corretamente; em outras palavras, constitui-se como o próprio objetivo da ação. O atuar práxico sempre leva um sentido e um valor em si mesmo e já cumpre seu objetivo pelo mero fato de se suceder como algo correto e justo, independentemente se o agente atinge na realidade o que desejava mediante sua ação.
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Vemos isso claramente ao analisarmos os relatos das entrevistas dos
professores escolhidos pelas boas práticas que desenvolveram com os alunos
incluídos em suas salas de aula comuns. As propostas de aplicação de métodos e
técnicas são as mais diversas possíveis frente à inclusão, porém, em comum, todos
eles apresentam a ação decisiva de se envolver com esse aluno, de se comprometer
com a sua aprendizagem e de não desistir frente às dificuldades. Essa postura
tomada por esses professores frente à inclusão reflete a postura que assumem
diante da vida, reforçando a ideia de que a subjetividade é fator preponderante nas
ações docentes que constituem a prática docente.
O professor que busca uma postura crítico-reflexiva em suas experiências faz
uma leitura de mundo que beneficia a construção de atividades que dialeticamente
sejam o ponto de partida e de chegada de sua prática pedagógica. A postura
reflexiva exige uma decisão do professor: aceitar fazer parte do problema e ter a
consciência de que a prática reflexiva não é solitária, como nos alerta Perrenoud
(2002, p.198): “Além disso, uma prática reflexiva profissional nunca é totalmente
solitária. Ela se baseia em conversas informais, em momentos organizados de
profissionalização interativa (....)”
Nesse movimento construtivo de práxis docente, muitas são as variáveis a
serem refletidas, e sem qualquer intenção de esgotá-las em diversidade, tampouco
em profundidade, apresentamos nos tópicos abaixo algumas delas.
2.2.1 Implicações da formação na prática docente inclusiva
Quando tratamos da formação de professores, dada a amplitude do tema, é
imprescindível que delimitemos alguns aspectos a serem abordados: formação
inicial e formação continuada; capacitação e especialização no processo de
formação de professores, por exemplo, são alguns deles.
Apesar de ser muito limitante para a subjetividade humana localizar um
momento da sua vida em que se dá a escolha por esta ou aquela profissão, levando-
se em consideração as tantas e tão diferentes situações vivenciadas, poderíamos
considerar que a formação inicial não começa na graduação, mas muito antes disso.
Porém, de forma mais direcionada e acadêmica, podemos dizer que a formação de
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professores inicial é aquela que é considerada como o momento de preparação para
o exercício da vida profissional, portanto, aquela ofertada pela graduação.
Durante muito tempo a formação inicial foi considerada suficiente para a
preparação do indivíduo para a vida profissional; no entanto, o ritmo acelerado e os
avanços do conhecimento imprimiram a necessidade de atualização constante para
aqueles que atuam no campo educacional, dando lugar para a formação continuada,
conforme nos asseguram Rodrigues e Esteves:
A formação não se esgota na formação inicial, devendo prosseguir ao longo da carreira, de forma coerente e integrada, respondendo às necessidades de formação sentidas pelo próprio e às do sistema educativo, resultantes das mudanças sociais e/ou do próprio sistema de ensino. (RODRIGUES E ESTEVES 1993, p.41)
Para Nóvoa (1995), a formação inicial não é mais considerada o lócus que
encerra a competência necessária para ser professor; se assim o fosse, poderia
implicar compreender o professor como um técnico do ensino, ou seja, limitar a
atividade do professor sob o viés apenas instrumental, apoiado em teorias e técnicas
científicas. Estes e outros assuntos abriram campo para a ampliação das discussões
sobre a formação dos professores, levando a uma possível compreensão de que, se
é necessária a formação inicial para tornar-se professor, é necessária a formação
continuada para ser professor. Corroborando com isso, as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a formação de professores da educação básica em nível superior
(2001) reforçam que não basta que o professor aprenda e saiba “fazer”; é preciso
que ele, além de saber e de saber fazer, compreenda o que faz e por que faz. Em
outras palavras, podemos dizer que não basta executar; precisa pensar sobre o que
faz.
Zeichner (1993, p.17) nos auxilia nesse aspecto quando aponta que “(...)
independente do que fazemos nos programas de formação de professores e do
modo que o fazemos, no melhor dos casos, só podemos preparar os professores
para começar a ensinar”.
Com relação a esse aspecto, levantamos em nossas entrevistas que quase
todos os professores escolhidos por terem boas práticas inclusivas são professores
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que buscaram a formação continuada na pós-graduação, desafiados pelas
dificuldades frente às inclusões que tiveram no percurso educacional, como nos
contam em seus relatos as professoras: Eu peguei uma inclusão nesta rede em
2003, a minha primeira inclusão, eu não sabia nem o que fazer, foi muito difícil, e
decidi buscar formação, pensei comigo, já que tenho este aluno, vou atrás de saber
o que tenho que fazer lá na pós (professora B); e a professora C., que diz: por conta
dele fui até fazer a pós- graduação em educação inclusiva, tô fazendo ainda .
Relacionando esses aspectos à formação docente, podemos apontar que a
tendência atual dessa formação está direcionada para a profissionalização do
trabalho docente, compreendida, à luz de autores como Tardif (2002), como a
construção de competências e saberes que podem ser reagrupados a partir da
prática pedagógica, ou seja, a profissionalização se dá não pela aplicação de teorias
construídas fora da prática, mas pela produção de saberes e práticas inovadoras.
Assim, a partir de situações complexas que decorrem em sala de aula no cotidiano
escolar, que não estão descritas em manuais e que exigem muito mais que receitas
de como fazer, há uma exigência de procedimentos inovadores e criativos na
resolução desses problemas, tal como tem sido com a inclusão dos alunos com
deficiência nas classes comuns. Não se trata de manuais de como fazer, ou
justificativas de por que incluir enquanto princípios teóricos pautados em legislação,
mas, especialmente, de uma construção de práticas que podem transformar o ofício
do professor no caminho da sua profissionalização, entendida aqui como aquela que
se constitui não só na aprendizagem e no cumprimento das regras, mas também na
construção da autonomia profissional.
Reforçamos aqui a ideia de que parte da construção dessa autonomia está na
compreensão de que não há resultados definitivos na educação de qualquer aluno,
pois há de se levar em conta que os resultados da ação planejada e o contexto em
que essa ação se aplica são imprevisíveis. Porém, ainda que a autonomia não
garanta o sucesso, ela permite que se enfrentem os limites do trabalho prescrito
para tornar a tarefa suportável e possível de realização, pois, em muitos casos, as
prescrições são falhas e incompatíveis com as condições e materiais disponíveis.
Nessa circunstância, a autonomia e responsabilidade do profissional dependem
essencialmente da sua capacidade de refletir em e sobre a sua ação.
- 78 -
Segundo Tardif (2002), o modelo atual de formação docente é o de formação
que supõe um continuum, o qual, em geral, é realizada em serviço, alternando
momentos de atuação profissional com momentos de formação.
O princípio dessa formação continuada é de que a prática é geradora de
saberes que devem ser desvelados para serem incorporados nos processos de
formação inicial ou contínua; e ainda, que deve reconhecer que há relação entre a
dimensão pessoal, profissional e organizacional (Nóvoa,1992); isso nos remete à
compreensão da dimensão individual e coletiva na aprendizagem dos
conhecimentos necessários ao exercício profissional e a uma abordagem teórico-
metodológica, que dá voz ao professor a partir da análise de trajetórias e histórias de
vida, da natureza e da mobilização desses saberes quando aplicados nas situações
profissionais.
O sujeito-professor é um agente social, fruto das interações estabelecidas
entre os campos sociais de que participa e sua subjetividade. Frente a essa
constatação, é possível afirmar que grande parte dos problemas tratados pelos
profissionais das Ciências Humanas não figura em livros e não pode se resolver
apenas com saberes teóricos e procedimentos ensinados.
. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN/9614, ao tratar
dos profissionais da educação, define três campos de formação no âmbito do
magistério: a inicial, para formação de professores para a educação básica; a
pedagógica15, destinada aos portadores de diploma de ensino superior que queiram
atuar na educação básica; e a contínua, que deve ser oferecida aos profissionais da
educação dos diversos níveis de ensino. Porém, é a partir dos anos 80 que novos
estudos, nos mais diferentes temas educacionais, ganham visibilidade e participação
dos professores, entre eles, o tema continuum na formação, especialmente com as
contribuições de Nóvoa (1991;1992;1995;1997), que traz à tona a indissociabilidade
da formação e as experiências vividas, sendo essas práticas profissionais terreno
fértil para a formação continuada do professor. A proposta que o autor defende é a
de que o fazer cede lugar para o saber reflexivo, de forma que a teoria e a prática
14 LDBEN/96 título VI, artigos 61 a 67. 15 Abordaremos neste texto apenas a formação inicial e a formação continuada, não sendo a formação pedagógica objeto de aprofundamento necessário para o nosso foco.
- 79 -
não sejam campos de formação distintos, mas associados às experiências e à
construção da identidade para a vida e para a profissão.
(...) a formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (*re)construção permanete de uma identidade pessoal. Por isso é tão importante investir na pessoa e dar um estatuto ao saber da experiência. (NÓVOA, 1992, p.25)
Confirmando essa ideia de indissociabilidade da formação e as experiências
vividas, observamos em nossos relatos que todos os professores escolhidos pelas
boas práticas inclusivas que exercem na escola já tiveram inclusões em outras
ocasiões, e grande parte destes apresentam essas experiências muito vivas em
seus relatos, como a professora C.: Me lembro que quando dei aula no 7º ano, eu
tive um aluno com uma deficiência muito grave motora, não tinha condições de usar
as mãos e andava de cadeira de rodas, mas era muito inteligente (...) não sei como
ele está hoje , a sequência dos fatos, mas naquele momento, fez a diferença.
A professora D. também relata sua experiência: já tive diferentes inclusões,
deficiente mental, visual. Mas meu maior desafio é o aluno com paralisia cerebral,
que é inteligente; este eu tive no Infantil, porque eu não me conformava de não
conseguir adaptar um circuito motor para ele participar junto com o grupo. Formação
Continuada, portanto, pode ser compreendida como aquela que ocorre ao longo da
carreira profissional desde a entrada do profissional no mercado de trabalho. Em
geral, essa formação tem como cenário espaços específicos para cursos e palestras,
que, como nos afirma Tardif et al. (1991), têm como incumbência transmitir
conhecimentos responsáveis apenas por remediar a obsolescência dos
conhecimentos adquiridos na formação inicial, fundamentada em uma visão fabril
dos saberes, fruto de uma sociedade em que há ocupação privilegiada das
pesquisas científicas e eruditas no papel essencial na produção de saberes válidos e
críveis.
A LDB/96, em seu artigo 61, inc. I, ao tratar da formação continuada, destaca
o papel da formação em serviço, mas sem definir princípios e procedimentos para a
sua realização: “A formação de profissionais da educação [...] terá como
fundamentos: a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a
- 80 -
capacitação em serviço.” E acrescenta, em seu artigo 67, inc.II, “que os sistemas de
ensino deverão valorizar os profissionais da educação e assegurar-lhes, por meio
dos estatutos e planos de carreira, o aperfeiçoamento profissional continuado”.
Formação em serviço é, então, compreendida como aquela que ocorre em
serviço, ou seja, ocupando o espaço e o tempo escolar para qualificação docente,
tendo em vista possibilidades de melhoria de sua prática pelo domínio de
conhecimentos e métodos de seu campo de trabalho. Cabe, no entanto, a
necessidade de esclarecer sobre a relação que se pode ou não estabelecer entre a
formação continuada e a formação em serviço. Nesse sentido, é necessário
destacarmos que formação em serviço é uma estratégia para garantir a formação
continuada, porém, não é e não pode ser entendida como única, já que esta, a
formação continuada, se estende para o campo profissional e não pode estar
restrita ao ambiente escolar exclusivamente, sendo necessário estimular o
profissional este a buscar formação continuada independentemente daquela que é
oferecida pelos sistemas de ensino.
Merece ressalvas a nomenclatura citada na LDBEN/96 acerca da formação
de professores; ainda que o documento faça uso do termo “formação”, ao qual
subjaz a concepção de conhecimento como eixo, por meio da busca de superação
das problemáticas educacionais, utilizam-se concomitantemente termos como:
“capacitação”, ao qual subjaz a ideia de persuasão a-crítica de novas ideias sob a
alegação da inovação e melhoria educacional; e ainda, “aperfeiçoamento”, cuja
inadequação reside no fato de que o processo educativo não é compatível com
ações que visam completar, concluir ou tornar alguém perfeito, propósitos estes
incompatíveis com a natureza humana e com os objetivos educacionais; e por
último, mas não menos importante, a expressão “treinamento”, que significa tornar
apto ao exercício de determinada tarefa, o que não vai ao encontro dos objetivos
educacionais, uma vez que em educação, não se pretende modelar
comportamentos ou ações padronizadas, mas formar pessoas que fazem uso da
inteligência.
Ainda que as pesquisas na década de 80 encaminhadas pelo Banco Mundial
com vistas ao levantamento de dados dos investimentos necessários na educação
alertem sobre a formação inicial pouco eficiente na formação do professor, a solução
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adotada no Brasil não foi promover mudanças significativas na formação inicial, mas
investir na formação em serviço, pois essa modalidade de formação, supostamente,
teria o melhor custo-benefício, ou seja, renderia mais com menores investimentos,
talvez por ser a formação continuada multiforme, podendo ser de âmbito pessoal ou
institucional, de caráter individual ou coletivo, e ainda presencial ou a distância.
No entanto, a eficiência dessa formação não tem sido comprovada, já que a
formação em serviço continua atrelada aos mesmos esquemas da formação inicial, o
que não atende mais às expectativas de formação de professores em geral.
A formação contínua, reconhecidamente compreendida pela pesquisa
educacional numa perspectiva de educação permanente, é definida, planejada e
implementada na rede de ensino como um conjunto de ações pontuais, promovidas
com data e carga horária definidas, configurando um modelo questionável, “(...) com
ênfase na “reciclagem” científica e pedagógica como forma de atualizar e
complementar o saber de que o professor é portador ou para modificar o sistema de
ensino (...)” (NUNES, 2001, p. 61-62).
Candau (2003) denomina essa organização de formação continuada sob o
prisma de formação clássica, que é predominante na tradição educacional brasileira,
os professores precisam retornar aos espaços tradicionais de formação
(universidades e outros) para “atualizar” seus conhecimentos, o que é altamente
questionável:
Por trás dessa visão considerada “clássica” não está ainda muito presente uma concepção dicotômica entre teoria e prática, entre os que produzem conhecimento e o estão continuamente atualizando e os agentes sociais responsáveis pela socialização destes conhecimentos? (CANDAU, 2003, p. 54-55)
Nóvoa (1991) nos alerta ainda para dois grandes focos da formação
continuada: o primeiro, que é como processo crescente na autonomia do professor e
da unidade escolar; e o segundo, do pensar o fazer dos agentes educativos e, por
consequência, concretizar o objetivo educativo da escola. Isso implica associar a
formação continuada à inovação de práticas pedagógicas e, consequentemente, das
mudanças educacionais, seja no âmbito da sala de aula, seja no contexto escolar
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como um todo, o que corroboramos com Nóvoa (1997, p.28) quando refere que “(...)
hoje não basta mudar o profissional; é preciso mudar também os contextos que ele
intervém”.
Nesse sentido, não é mais possível compreender no contexto atual as
mudanças na educação sem a participação ativa dos professores, como nos aponta
Canário ao falar do professor:
Até agora ele tem sido encarado, fundamentalmente, como o executor de decisões e de proposta de mudança que lhe são exteriores. A reinvenção da escola exige, também como condição necessária, que o professor, em vez de “aplicar” a reforma, possa emergir como produtor de inovações. ( CANÁRIO 1993, p.98)
Nessa direção, Collares, Moysés e Geraldi (1999, p. 210), ao discutirem a
visão de sujeito e conhecimento subjacentes às propostas de educação contínua,
argumentam que “(...) a educação continuada que mantém a separação entre
produção e utilização de conhecimento, entre sujeitos e conhecimento, não só
desvaloriza os saberes, mas também os sujeitos que os produzem”, sendo
necessário substituir o conhecimento obsoleto pelo novo, num recomeçar sempre,
condenado à eterna repetição, porque a profissão parece nada ensinar. E continua,
“No entanto, são os saberes produzidos na escola, junto com outros colegas e
alunos, que iluminam e dirigem as práticas mais significativas do processo de
formação social e intelectual a que se dedicam professores e alunos” (1999, p. 211).
Com relação a isso, podemos ilustrar com nossas entrevistas com a
professora B., ao se referir em seu relato à proposta de um circuito sensorial criado
na escola para que o aluno com paralisia cerebral pudesse participar do circuito:
Deixei as gestoras doidas, dizia em toda reunião que precisava de material diferente
para ele, até que consegui montar um circuito sensorial, em outubro, mas tudo bem,
foi antes de acabar o ano, e o que vi é que todas as crianças aproveitaram muito e
adoraram as atividades, e que se não tivesse tido ele, eu não teria tido esta ideia,
porque por onde eu ia, pensava nele.
Até a Constituição Federal de 1988, que instituiu o atendimento educacional
especializado para os portadores de deficiência, o cenário educacional que tínhamos
estava muito claramente delineado entre a Educação Regular, formada por escolas
- 83 -
e professores para alunos considerados normais (sem deficiência ou transtornos do
desenvolvimento) e a Educação Especial, formada por escolas e classes especiais
onde atuam os professores especialistas16. Essa forma de organização da Educação
foi construindo um abismo entre elas, por consequência, estendendo esse abismo
também à formação de seus professores.
Se fizermos um recorte nas exigências legais da formação inicial para
atuação como professores, já poderemos analisar que há um distanciamento entre a
educação especial e a educação regular, justificado pela especificidade das
necessidades dos alunos com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento.
A LDB 9394/96, em seu art. 62, refere-se à formação de docentes, seja em
universidades, seja em Institutos Superiores de Educação, admitida a possibilidade
do Curso Normal Médio para o exercício docente nos anos iniciais da escolarização.
Já o art. 63 se refere à formação de profissionais para a educação básica dentro dos
Institutos Superiores de Educação, dos quais fará parte o Curso Normal Superior,
destinado aos docentes da Educação Infantil e dos anos iniciais da escolarização.
Refere-se, pois, à formação de profissionais de educação, da qual certamente os
docentes fazem parte, enquanto que o art. 62 fala em formação de docentes. O art.
64 fala também dos profissionais de educação, mas, nesse caso, refere-se aos
então chamados especialistas. Sua formação far-se-á em cursos de Pedagogia,
podendo ser realizados no nível de graduação ou de pós- graduação. Mas eles
deverão se formar tendo uma base comum nacional.
Sob a visão de atribuições do professor, boas diferenças separaram o
professor da sala regular do professor especialista na política de escolarização de
alunos com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento. Ao professor da
Educação Especial, considerando as condições especiais de que esses alunos
necessitavam, caberia aprender diferentes técnicas e métodos para favorecer a
aprendizagem possível desse alunado dentro do recurso escolar especializado; as
escolas especiais tinham o privilégio de ter menor número de alunos em sala de
aula, apoio de equipe técnica e médica no recurso escolar, materiais diferenciados e
16 Cabe esclarecer que chamamos de professores especialistas aqueles que além da formação
superior em Pedagogia carregam as especialidades como habilitaçõesou especializações. Estas especialidades são direcionadas a deficiência visual, auditiva, mental e física.
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propostas curriculares totalmente modificadas e ajustadas às condições de
aprendizagem desses alunos.
Já ao professor do ensino regular caberia a regência da sala de aula, até
então composta por alunos com desenvolvimento normal e, portanto, com
possibilidades de aprendizagem naturalmente, o que remetia ao professor aplicar o
currículo oferecido igualmente a todos os alunos, planejado com a consideração de
condições pré-determinadas oferecidas pelo potencial de desenvolvimento em
aprender. Nesse contexto, o aluno que não coubesse no currículo da escola, estaria
automaticamente excluído do ensino regular.
Sob esse aspecto, em 1994, a Declaração de Salamanca aponta de forma
mais incisiva para a escola inclusiva com indicações para que os governos se
ocupem da capacitação de seus educadores tanto em nível inicial quanto em nível
continuado, com ações de formação em serviço. Consta na Declaração:
(...) maior desafio consiste em organizar formação em serviço para todos os professores, tendo em consideração as diversas e muitas vezes, difícieis condições em que trabalham. A formação em serviço deverá realizar-se, sempre que possível, ao nível da escola, através da interação com os orientadores e apoiado pela formação à distancia e outras formas de auto formação. (UNESCO, 2004, p.28)
Destaca ainda a necessidade da formação dos professores especializados
em educação especial:
45. A formação especializada em educação dos alunos com necessidades educativas especiais que conduz a qualificações adicionais deverá normalmente ser integrada ou seguir-se ao treino e experiência no ensino regular, de forma a permitir a complementariedade e mobilidade.
46 É preciso repensar a formação de professores especializados, a fim de que estes sejam capazes de trabalhar em diferentes situações e possam assumir um papel-chave nos programas de necessidades educativas especiais. Deve ser adaptada uma formação inicial não categorizada, abarcando todos os tipos de deficiência, antes de se enveredar por uma formação especializada numa ou em mais áreas relativas a deficiências especificas. (UNESCO, 2004, p.28)
- 85 -
Se, por um lado, os professores do ensino comum denunciam não terem
formação para o atendimento desses alunos, por outro, historicamente, os
professores especializados atuam em serviços de educação especial, em formas de
atendimento organizadas fora da escola comum, em grupos de pessoas com um tipo
de necessidade especial. A sua experiência e formação estiveram até então
centradas no atendimento às pessoas com deficiência mental, auditiva, visual ou
física, muito mais do que no atendimento de deficiências múltiplas e nos transtornos
globais do desenvolvimento.
A formação desses professores especialistas passa, então, a ser olhada por
outro ângulo, justificada pela diversidade de necessidades educacionais especiais
que se apresentam; esta precisa abarcar todas as especificidades, o que soa, no
mínimo, estranho, pois, de que forma um especialista pode ser um generalista?
Tanto na formação extremista de especialização quanto na formação polivalente –
generalista – o ponto em comum pode ser o mesmo que não nos faz avançar numa
perspectiva inclusivista pois ignora as diferenças pelo enclausuramento de grupos
de professores com seus pares, quanto pode negar as especificidades que os
identificam e distinguem.
Para atender a toda a diversidade que se apresenta na escola em termos de
deficiência e transtornos globais do desenvolvimento, ao professor especialista
caberá uma formação específica em comparação ao professor da sala comum, mas,
apesar de específica, não poderá ser em uma ou outra deficiência, pois deverá ser
conhecedor de todas elas, podendo esse profissional atuar de forma mais
abrangente na educação. Assim nos diz a Política Nacional de Educação Especial
na perspectiva da Educação Inclusiva:
Para atuar na educação especial, o professor deve ter como base da sua formação, inicial e continuada, conhecimentos gerais para o exercício da docência e conhecimentos específicos da área. Essa formação possibilita a sua atuação no atendimento educacional especializado e deve aprofundar o caráter interativo e interdisciplinar da atuação nas salas comuns do ensino regular, nas salas de recursos, nos centros de atendimento educacional especializado, nos núcleos de acessibilidade das instituições de educação superior, nas classes hospitalares e nos ambientes domiciliares, para a oferta dos serviços e recursos de educação especial. Esta formação deve contemplar conhecimentos de gestão de sistema educacional inclusivo, tendo em vista o desenvolvimento de projetos em parceria com outras áreas, visando à acessibilidade arquitetônica, os atendimentos de saúde, a
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promoção de ações de assistência social, trabalho e justiça. (BRASIL, 2008, p. 17-18)
A Resolução CNE nº 4/2010, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais
Gerais para a Educação Básica com relação a formação, prevê que:
A formação inicial, nos cursos de licenciatura, não esgota o desenvolvimento dos conhecimentos, saberes e habilidades referidas, razão pela qual um programa de formação continuada dos profissionais da educação será contemplado no projeto político-pedagógico. (BRASIL, 2010, artigo 58)
Vejamos as implicações dessa diretriz formativa: cada vez mais as funções do
professor especialista serão exercidas junto ao ensino comum, e o conhecimento de
sua estrutura e de seu funcionamento são condições essenciais para que isso
ocorra de forma produtiva. Uma outra implicação decorrente desta primeira será a
necessidade de o professor especialista reformular o seu papel, a sua atuação. Este,
até então, agiu no ambiente escolar especial, onde a concepção vigente tinha como
foco o que falta alcançar, o que está prejudicado e precisa ser melhorado frente às
limitações e déficits que o aluno apresenta, o foco está no aluno, e não no processo
de aprendizagem.
Sobre esse ponto de mudança de atuação, a entrevista realizada com a
professora de AEE, A., apresenta o seguinte relato: Este novo formato de trabalho
para o professor de AEE é um complicador para a parceria com a professora da sala
regular, já que estamos mais para turista, a gente não tem como vivenciar a rotina
todo o tempo, acaba ficando fixa em um dia, sempre o mesmo da semana; o que a
gente pega são as mesmas atividades da turma.
E complementa dizendo sobre a postura que deve assumir o professor
especialista: Acho que esta parceria com a professora de AEE precisa de muita
humildade, porque aquilo que parece pouco para a gente foi uma luta para o aluno.
Da mesma forma, o professor da sala comum precisará reformular o seu lugar
na sala de aula, sua postura profissional, pois, se até então agiu no ambiente
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escolar regular, tendo como foco o que se espera que o aluno em condições
normais de desenvolvimento possa aprender, considerando que todos aprendem da
mesma forma e que, portanto, basta ter condições prévias para aprendizagem, o
foco o seu objetivo no currículo e não no aluno, agora precisará abrir-se à parceria
com o professor especialista para possibilitar a aprendizagem do aluno incluído em
sua sala de aula comum.
Com relação a esse ponto, as nossas entrevistas apontam para um lugar
ainda pouco consistente nas parcerias com os professores de AEE, já que de todas
as entrevistas realizadas com os professores de sala de aula comum, ainda que
estes tenham sido indicados pelos professores de AEE que os acompanham
sistematicamente na escola, somente dois destes citaram a importância da parceria
com esse professor no seu trabalho com o aluno incluído. Isso se torna muito
significativo, pois indica que o professor de AEE, nesse novo formato de trabalho
proposto pelo MEC chamado Atendimento Educacional Especializado, precisa
cirscunscrever o seu espaço de atuação na escola para além do atendimento ao
aluno com deficiência no contraturno, mas, também e diríamos especialmente, na
parceria com a professora e com a escola em busca de dirimir a solidão e a
exclusividade no compromisso do professor frente a um aluno de inclusão.
Com o advento da inclusão de alunos com deficiência e com transtornos
globais do desenvolvimento nas salas regulares, há queixas dos professores do
ensino regular de que não estão preparados para propor atividades que atendam às
necessidades desse alunado; mas há também queixas dos professores especialistas
de que não têm conhecimento da estrutura e funcionamento da escola comum, que
lhes garanta condições para articular as informações específicas da deficiência com
o contexto educacional no qual esse sujeito está inserido. Em resumo, há um
desencontro completo nos propósitos da formação para a educação inclusiva, que
vem à tona com a chegada do aluno com deficiência na sala regular.
O sistema, em resposta às “gritas” dos professores e ao processo de “correr
atrás do prejuízo”, dado o avanço em alta velocidade e de forma irreversível da
educação inclusiva, propõe formações continuadas para ambos os professores. Fato
é que essas ações indicam uma concepção de escola satisfatória à inclusão apenas
pelas adaptações com os serviços especializados para incorporação daqueles com
- 88 -
necessidades educacionais especiais, e isso não tem atendido às necessidades de
mudança nas práticas exercidas no interior da escola.
Jannuzzi (1995) sugere como ponto de partida para uma escola inclusiva a
formação comum para todos os professores, reservando para a formação em serviço
cursos de aprofundamento de temas específicos ligados às demandas educacionais
dos alunos com necessidades especiais. Complementa Ferreira (1999) essa
discussão quando da constatação de que a formação inicial que é generalista e
direcionada para a escolarização do diferente precisa estar afinada com a formação
continuada específica caracterizada no “educador especial”.
Podemos, portanto, concluir que a formação dos professores do ensino
regular em uma perspectiva inclusiva deve partir de sua prática, do seu contexto, e
trabalhar com os saberes pré-existentes, ainda que sejam saberes não constituídos
como ciência, que precisarão ser discutidos e incorporados na prática a partir dos
aspectos teóricos, como nos alerta Garcia (2010,p.19): “A incursão de análise em
práticas escolares cotidianas é fundamental para percebermos como os alunos com
deficiência estão tendo acesso à escola regular e principalmente, ao conhecimento
por ela vinculado”. Isso poderia causar impacto17 na transformação da prática
docente.
É incontestável que para a efetivação de uma política educacional inclusiva, a
formação dos profissionais da educação precisa ser uma meta essencial, como nos
mostra o Plano Nacional de Educação desde 2001.
A formação de recursos humanos com capacidade de oferecer o atendimento aos educandos especiais nas creches, pré escolas, centros de educação infantil, escolas regulares do ensino fundamental, médio e superior, bem como instituições especializadas e outras instituições é uma prioridade para o Plano Nacional da Educação. Não há como ter uma escola regular eficaz quanto ao desenvolvimento e aprendizagem dos educandos especiais sem que seus professores, demais técnicos, pessoal administrativo e auxiliar sejam preparados para atendê-los adequadamente. (BRASIL, 2001, p. 65)
17 Cabe lembrar o sentido que queremos dar à palavra impacto: movimento que impulsiona, faz avançar adiante. .
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Sob essa perspectiva e necessidade, o MEC, em 2003, lançou o Programa
Educação Inclusiva: direito à diversidade18, que considera as orientações para a
formação, de norte a sul do Brasil, aos educadores, gestores, a fim de garantir o
acesso de todos à escola regular, o atendimento educacional especializado e a
acessibilidade.
A formação profissional do professor da educação especial oferecida pelo
MEC deve contemplar conhecimentos específicos para realizar o Atendimento
Educacional Especializado das mais diversas deficiências e concepções de ensino e
aprendizagem que dizem respeito a todos os alunos. Aos professores de educação
especial compete a organização dos recursos de acessibilidade e a realização do
Atendimento Educacional Especializado.
Esses encaminhamentos colocam a educação especial em contato direto e
articulado com o ensino regular no que se denomina educação inclusiva no sentido
apontado anteriormente
Reconhecemos que desenvolver um processo de educação inclusiva não é algo fácil. Não é algo que se consiga por um „passe de mágica‟, requer planejamento, aceitação das diferentes maneiras de ser e de se expressar de cada educando, assim como uma reflexão permanente sobre as práticas empreendidas na escola, visando a oferta de respostas adequadas às suas necessidades. (MARTINS et al., 2006, p.24)
Incluir, portanto, é muito mais que oferecer ao “diferente” acesso ao ensino
regular; implica necessariamente criar uma outra lógica para a escola pensar a
educação para cada um e para todos os alunos, de forma que nenhuma criança
deva estar fora dela. Em consonância com essa abordagem, Rodrigues destaca que:
18 O Ministério da Educação – MEC, por meio da Secretaria de Educação Especial – SEESP, institui o Programa de Formação Continuada de Professores na Educação Especial, que realiza em parceria com as instituições de educação superior públicas, federais ou estaduais, os cursos de extensão ou aperfeiçoamento e especialização (lato sensu) para professores da educação básica, em efetivo exercício nas redes públicas de ensino, que atuam no atendimento educacional especializado – AEE e para professores da sala de aula comum, ofertados na modalidade a distância, no âmbito da Universidade Aberta do Brasil desde 2009.
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(...) não só os alunos são diferentes, mas também os professores – e ser diferente é uma característica humana e comum, e não um atributo (negativo) de alguns. A educação Inclusiva dirige-se assim aos “diferentes” isto é... a todos os alunos...E é ministrada pelos “diferentes”, isto é ...por todos os professores. (RODRIGUES, 2006, p.306)
Emprestamos de Almeida (2007, p.336) a ideia de que “formar o professor
inclusivo é muito mais que informar e repassar conceitos; é prepará-lo para um outro
modo de educar, que altere sua relação com os conteúdos disciplinares e com o
educando”.
Ainda que não seja a salvação na inclusão escolar, a formação continuada
pode e deve ser um mecanismo que minimize os problemas e potencialize soluções
inovadoras nesse processo de parceria entre a educação especial e a escola
regular, que não podem mais andar em paralelo, mas que precisam somar esforços
para o desenvolvimento de uma educação verdadeiramente inclusiva.
2.2.2 Implicações das Adaptações curriculares na prática docente inclusiva
Toda sociedade marcada por uma distribuição desigual de poder necessita reconhecer abertamente diferenças e desigualdades, pois é a partir do reconhecimento destas diferenças que o diálogo do currículo pode prosseguir. (APPLE, 1994 apud MOREIRA; BAMUEL, 2001, p.11)
A organização da política da educação inclusiva proposta pelo MEC está
sistematizada em 3 eixos estratégicos: a institucionalização, traduzida como a
constituição do referencial político e legal; o financiamento de recursos e serviços
para a eliminação das barreiras na escolarização; as orientações das práticas
inclusivas. Neste terceiro eixo, o currículo escolar é um instrumento essencial e deve
preconizar a diversidade no âmbito escolar, e é a ele que nos dedicaremos neste
item.
Ainda que tenhamos a compreensão de que currículo pode significar, no
âmbito de políticas públicas, o instrumento que prescreve o que é obrigatório em
nível educativo, ou mesmo as referências a serem observadas na realização da
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educação escolar, tais como se apresentam nos Referenciais Curriculares Nacionais
para a Educação Infantil ou nos Parâmetros Curriculares Nacionais19, não é sob
essa perspectiva que aprofundaremos o conceito de currículo.
Utilizaremos a definição de currículo aplicada ao âmbito escolar: currículo
enquanto ferramenta primordial para organização didática do processo de ensino-
aprendizagem, construído a partir da seleção de conhecimentos e reflexão sobre as
práticas vivenciadas. Sácristan (2000, p.32) nos auxilia para essa compreensão: “O
currículo é um ponto central de referência na melhoria da qualidade de ensino, na
mudança das condições da prática, no geral e nos projetos de inovação dos centros
escolares”, e afirma ainda que o currículo é a expressão da função socializadora da
escola, o instrumento que permite compreender a prática pedagógica e que,
portanto, está estreitamente ligado à formação do professor.
Com o objetivo de atender às necessidades específicas e individuais dos
alunos com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento, faz-se necessário
realizar adaptações no âmbito do sistema de ensino para garantia de acesso e
permanência na escola por meio de apoios, como: salas de recursos multifuncionais,
auxiliares e cuidadores, acessibilidade.
No âmbito da escola, essas adaptações acontecem no currículo e nas
metodologias para a educação inclusiva.
A Política Nacional de Educação Especial (1994) alerta para a importância de:
(...) atendimento educacional adequado às necessidades especiais do alunado, no que se refere a currículos adaptados, métodos, técnicas e material de ensino diferenciado, ambiente emocional e social da escola favorável à integração social dos alunos. Pessoal devidamente qualificado. (BRASIL,1994, p.51)
Uma preocupação que se instalou com essa indicação foi a de que as
adaptações curriculares pudessem mais elucidar as características individuais do
que as diferenças culturais, como é o principio da educação inclusiva, correndo o
risco de essas adaptações implicarem tornar o currículo demasiadamente técnico
19 RCNEI e PCN são documentos de autoria do MEC, considerados documentos orientadores que, conforme esclarece GARCIA (2004, p.12), “(...) produzidos no âmbito nacional e internacional com a função de estabelecer uma interlocução com a sociedade a respeito de ideias, de concepções, visando a propor consensos sobre as questões educacionais”.
- 92 -
sob a perspectiva de uma pedagogia médico-psicológica no que diz respeito à
deficiência.
Diante desse contexto nasceram as orientações dadas pelos PCNs:
Adaptações Curriculares, definidas como:
[...] possibilidades educacionais de atuar frente às dificuldades de aprendizagem dos alunos. Pressupõem que se realize a adaptação do currículo regular, quando necessário, para torná-lo apropriado às peculiaridades dos alunos com necessidades especiais. Não um novo currículo, mas um currículo dinâmico, alterável, passível de ampliação, para que atenda realmente a todos os educandos. Nessas circunstâncias, as adaptações curriculares implicam a planificação pedagógica e as ações docentes fundamentadas em critérios que definem o que o aluno deve aprender; como e quando aprender; que formas de organização do ensino são mais eficientes para o processo de aprendizagem; como e quando avaliar o aluno. (BRASIL, 1998, p.33)
Aranha acrescenta que:
as Adaptações Curriculares, então, são os ajustes e modificações que devem ser promovidos nas diferentes instâncias curriculares, para responder às necessidades de cada aluno, e assim favorecer as condições que lhe são necessárias para que se efetive o máximo possível de aprendizagem. (ARANHA 2003, p.5)
As adaptações curriculares devem ocorrer em diversos âmbitos, e para
melhor orientar sobre isso, O MEC/SEESP, em 2000, lançou uma cartilha: Projeto
Escola Viva: Garantindo o acesso e a permanência de todos os alunos na escola –
Alunos com necessidades especiais; nos volumes 5 e 6, trata das Adaptações
Curriculares de Grande e de Pequeno Porte, respectivamente.
O documento esclarece que algumas dessas estratégias “exigem
modificações que envolvem ações de natureza política, administrativa, financeira,
burocrática, etc.” (MEC, 2000, p.9). Estas são chamadas Adaptações Curriculares de
Grande Porte.
- 93 -
Outras, denominadas Adaptações Curriculares de Pequeno Porte,
compreendem modificações configuradas como pequenos ajustes em ações
planejadas no contexto da sala de aula, que:
(...) encontram-se no âmbito da responsabilidade e de ação exclusivo do professor, não exigindo autorização, nem dependendo de qualquer outra instância superior, nas áreas política, administrativa, e/ou técnica (MEC,2000, p. 8). (grifo nosso)
Cabe esclarecer que o exclusivo deve ser compreendido na relação com as
instâncias superiores e escalas de hierarquia que se apresentam na Educação,
reforçando a ideia de que não depende dessas instâncias para acontecer, mas não
pode ser compreendido como exclusivo no ambiente escolar, correndo-se o risco de
reforçar o isolamento e a solidão do professor nessa tarefa árdua que é adaptar em
suas muitas possibilidades o currículo, como veremos a seguir. Demanda,
sobretudo, apoios de menor número de alunos na sala de aula, parcerias com a
equipe técnica pedagógica, com professores especializados, recursos materiais e
formação que, de fato, dê suporte concreto a essas ações.
Tomando por base esse mesmo documento, elencamos de forma bastante
resumida as adaptações possíveis no nível da sala de aula:
- quanto à possibilidade de adaptação de objetivos de aprendizagem, seja através
da priorização de objetivos considerados fundamentais para a aquisição de
aprendizagens posteriores, seja pela introdução de objetivos ou conteúdos que não
estão no currículo, mas que podem complementá-lo, ou ainda, pela eliminação de
determinados objetivos ou conteúdos, cuidando para que não sejam aqueles
considerados básicos.
Extraímos dos relatos das entrevistas a experiência da professora J. com o
seu aluno Douglas20 : Estabeleci dois focos de trabalho com o Douglas, mantê-lo
sempre ocupado e dar-lhe responsabilidades. Deu certo.
20 Douglas é o nome fictiício dado ao aluno incluído na sala de aula da prof. J, visando preservar a
identidade da aluna
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E a professora B.: Não aceito esta coisa de atividade diferente para ela; ela
vai fazer o que todos estão fazendo, mas dentro das condições dela.
Ambas as professoras estão se direcionando à adequação dos objetivos no
currículo adaptado aos alunos com deficiência e transtornos globais do
desenvolvimento que estão na sua turma; estabelecem prioridades no trabalho,
metas a atingir, sem desconsiderarem as limitações e necessidades do aluno
especial, e nas duas situações, essa ação funcionou positivamente, fazendo com
que os alunos atingissem com sucesso aquilo que lhes fora proposto.
- quanto à possibilidade de adaptação de conteúdos, seja priorizando os tipos de
conteúdos, as áreas ou as unidades de conteúdos, seja reformulando sequências de
conteúdos, ou ainda, eliminando conteúdos secundários, acompanhando as
adaptações propostas para os objetivos educacionais.
Aqui, a professora de AEE, A., nos auxilia a compreender como isso se dá na
prática ao partilhar a experiência com as atividades em que os conteúdos estão além
das possibilidades da aluna com deficiência na sala de aula comum, ao dizer que:
Ela faz todas as atividades da classe de forma adaptada para ela, e quando a
atividade é de escrever, como por exemplo, um roteiro de um teatro, ela participa
com ideias e outro é o escriba dela, faz a dramatização como todo mundo, e apesar
dos gestos mais limitados, é possível que todos entendam o que ela quer dizer.
- quanto à possibilidade de adaptação de método de ensino e da organização
didática, através da procura de estratégias que melhor respondam às
características e necessidades peculiares de cada aluno, tarefa esta inerente à
atuação do professor.
Para esse tipo de adaptação utilizaremos como ilustração a experiência da
professora C. com seu aluno Gustavo, quando diz que Gustavo é metódico, não
abre possibilidades, fixa regras; então, pensei que o silabário, que é bem metódico,
poderia ajudar, mesmo sendo proibido na rede. Dei o silabário para ele e ele
decorou tudo tão rápido, que quando pedia a letra b, repetia automaticamente todas
- 95 -
as sílabas ba-be-bi-bo-bu(...) Hoje não usa mais o silabário, nem pede por ele como
apoio para a escrita de palavras.
Houve, nesse caso, uma adaptação de método, pois aquele utilizado para a
sala toda não estava funcionando com ele; então, a professora partiu do
conhecimento que tinha sobre o aluno para adequar as suas estratégias de ensino.
- quanto à possibilidade de adaptação de materiais que propiciem a interação,
convivência, autonomia e independência, bem como o aprendizado de conceitos,
melhoria de autoestima e afetividade do aluno com necessidades educacionais
especiais.
Como ele não escrevia e era muita matéria para gravar tudo na cabeça, eu
digitava tudo em casa e mandava por e-mail para que a mãe pudesse ler pra ele e
fazer as tarefas com ele, mas isso dava muito trabalho, então, comecei a levar o pen
drive para sala de aula e na medida que ia falando para os alunos os conteúdos da
aula, eu já ia digitando para ele e passava no pen drive. Isto pra mim era uma ideia
boba, uma besteirinha, mas fez a diferença para ele (narrativa da professora C.).
- quanto à possibilidade de adaptação no processo de avaliação, por meio de
modificação de técnicas e também dos instrumentos utilizados.
Curiosamente, nenhuma das narrativas trouxe situações que nos levassem a
compreender como o processo avaliativo com esses alunos incluídos em salas de
aula comuns estão sendo pensados e executados. Acreditamos que não seja porque
já tenhamos a incorporação de uma prática de avaliação mais individualizada e
contínua, mas talvez por uma equivocada ideia de que os objetivos e conteúdos
adaptados, por serem adaptados, não sejam passíveis de ser avaliados, ou ainda
porque, às vezes, estes são tão diferenciados que implicariam um outro olhar para a
avaliação, que ainda é muito metódico e uniforme nas práticas escolares. Esse é um
fato que nos causou preocupação e merece estudo mais aprofundado em outro
momento, já que neste , não direcionamos na entrevista nenhuma questão
específica para avaliação.
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- quanto à adaptação do espaço físico e organização do tempo, colocadas entre
as primeiras responsabilidades do professor no que se refere ao compromisso de
garantir a todos os alunos o acesso ao conhecimento.
Com relação à adaptação de rotina no que diz respeito ao tempo escolar, a
professora C. nos diz em seu relato que para Gustavo, as atividades de Língua
Portuguesa precisam ser feitas no começo da aula; se deixar para o final, ele não
faz.
Compreender que essas adaptações são possibilidades dadas ao professor
com alunos com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento para o melhor
atendimento na sala de aula comum exige também apontar que são necessários
cuidados, pois a falta de preparo e formação desses professores, bem como uma
possível desarticulação com o projeto político pedagógico da escola, e ainda a falta
de parcerias e cooperação de todos da escola, podem tornar essas adaptações um
currículo de segunda categoria, que pode simplificar e descontextualizar o
conhecimento que cabe à escola socializar no cumprimento de sua tarefa.
Duk, Hernandez e Sius (s/d)21 distinguem, dentro do processo de adaptações
curriculares, três etapas diferenciadas que implicam em um conhecimento prévio
sobre o aluno e o currículo:
1ª Etapa: Formulação das adaptações curriculares - o professor deve ter um
conhecimento exato das necessidades educativas especiais do aluno e, por outro
lado, da proposta curricular do seu grupo de referência (a série/ciclo na qual o aluno
está inserido), para decidir o tipo e o grau de adaptações ou flexibilizações que seria
conveniente pôr em andamento para ajudar o aluno a progredir em sua
aprendizagem.
21Tradução livre do texto “LAS ADAPTACIONES CURRICULARES: Uma estratégia
de individualización de la ensenanza” (s.d.).
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2ª Etapa: Implementação das Adaptações Curriculares - Uma vez definidas as
adaptações curriculares, o professor deve buscar estratégias que lhe permitam pô-
las em prática, sem que isso implique deixar de atender os demais alunos; pelo
contrário, ele deve garantir que tais ações conduzam ao enriquecimento da própria
prática pedagógica e das experiências de aprendizagem de todo o grupo.
3ª Etapa: Continuidade e Avaliação das Adaptações Curriculares - No decorrer
do processo ensino-aprendizagem, o professor deve verificar se as adaptações
estabelecidas para o aluno com necessidades educativas especiais estão sendo
eficazes, ou seja, se facilitam a aprendizagem; caso contrário, será necessário
revisá-las com vistas a mudanças pertinentes.
A Educação Inclusiva, entendida sob a dimensão curricular, significa que o
aluno com necessidades especiais deve fazer parte da classe regular, aprendendo
as mesmas coisas que os outros – mesmo que de modos diferentes – cabendo ao
professor fazer as necessárias adaptações.
Sob essa perspectiva, as professoras entrevistadas, em sua maioria,
apresentam consciência de que adaptar o currículo não significa dar uma outra
atividade para o aluno incluído; algumas, de forma contundente, apresentam essa
preocupação quanto às adaptações curriculares.
A professora D. relata: não acho certo deixar a criança fazendo outra coisa
que não seja a atividade da sala. Então, propunha a mesma atividade e deixava que
ela me mostrasse como podia desenvolvê-la; ela é que foi me dando pistas do que
necessitava para desenvolver a mesma atividade.
A professora C. corrobora quando diz: eu penso que o que o professor
precisa esperar é que todos os alunos aprendam o mínimo necessário para aquele
ano, e se você não teima, ele (o aluno) não vai.
A professora de AEE, A., relata sua experiência junto à coordenação da
escola quando a situação-problema foi pensar em como oferecer um simulado da
- 98 -
Prova Brasil22 (uma prova extensa e de um formato que os alunos desconhecem nas
práticas escolares rotineiras) para ela,, supostamente maior ainda o desafio,
considerando as suas limitações cognitivas e de atenção para atividades longas;
porém, optou por entregar-lhe a prova e observar como a desenvolveria, ainda que
precisasse do auxílio de um educador para ler as questões por ela, já que não
estava completamente alfabetizada. E o relato nos diz: Nesta semana, a gente vai
ter a Prova Brasil, e a gente fez um simulado para as crianças se adaptarem a este
formato de prova que a gente não usa habitualmente na escola, e pensamos como
poderíamos tornar este desafio de uma prova extensa e difícil possível para B.. Mas
deixamos para ver o que acontecia, e ela nos surpreendeu. Logo que entregamos as
provas, ela disse: eu adoro fazer provas. Aí pensei, a limitação é de quem? Porque
ela tirou de letra esta situação, fez o que pôde, como pôde, e quando cansou, disse:
agora cansei, não vou mais fazer, e entregou a prova sem qualquer dificuldade.
A flexibilização curricular faz-se necessária, porque é impossível, em um
contexto de educação inclusiva,
(...) trabalhar com normas pedagógicas de aplicação universal e impessoal onde todas as crianças, independentemente de seus interesses, necessidade e aptidões, experiência escolar e rendimento acadêmico nas diversas disciplinas, terão de se sujeitar simultaneamente às mesmas disciplinas durante um mesmo período de tempo escolar (FORMOSINHO,1999 apud FORMOSINHO E MACHADO, 2008, p.13)
Diferenciar o ensino pressupõe, portanto, gestar de forma flexível o currículo
escolar de maneira que sejam previstas as adequações curriculares tanto quanto os
currículos alternativos ou funcionais23.
22 Segundo O MEC, a Prova Brasil e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) são avaliações para diagnóstico em larga escala, desenvolvidas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC). Têm o objetivo de avaliar a qualidade do ensino oferecido pelo sistema educacional brasileiro a partir de testes padronizados e questionários socioeconômicos. Informações retiradas do portal do MEC http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=210&Itemid=324 23 Segundo CARVALHO (2005), o Currículo Funcional propõe um modelo de organização e planejamento individualizado, programado a partir de atividades naturais e funcionais dentro das demandas do aluno. Contempla, além das atividades de AVD, vida comunitária, independência, autonomia, desenvolvimento de habilidades sociais, acadêmicas e de comportamento adaptativo,
funcionalidade no currículo, que diz respeito aos aspectos funcionais e práticos do currículo comum. É destinado aos alunos com necessidades específicas, em geral relacionadas a questões orgânicas, déficits permanentes e, em muitos casos, degenerativos; há maior comprometimento do funcionamento cognitivo, psíquico e sensorial que prejudica sobremaneira a aprendizagem escolar,
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Um alerta nos é dado por Garcia (2011) quando, a partir de pesquisa
realizada nos documentos que tratam da flexibilidade curricular, conclui que a
compreensão principal é aquela em que o currículo é considerado numa lógica de
diversificação dos programas pedagógicos, dos processos de ensino- aprendizagem,
dos processos avaliativos, entre outros:
No Brasil, as políticas curriculares estão assumindo um caráter de diferenciação que pode ter como consequência a desigualdade no acesso à cultura, mas agora justificada pela qualidade multicultural da sociedade.” (GARCIA, 2011, p.18)
Se trouxermos essa preocupação aos alunos com deficiência e transtornos
globais do desenvolvimento, podemos pôr atenção à possibilidade de que a
ampliação do acesso poderá nos encaminhar para muitas adaptações curriculares
relativizadas pelas necessidades específicas dessa população, correndo o risco de
fortalecer ainda mais o processo de hierarquização do acesso ao conhecimento no
interior do sistema de ensino.
A implementação da Educação Inclusiva não é tarefa fácil, pois o professor
terá a responsabilidade de garantir o aprendizado de alunos com necessidades
educacionais no contexto de suas atividades rotineiras e no planejamento para a
turma como um todo. Essa tarefa, no entanto, transversaliza a ideia de uma
educação inclusiva plena, que não entre na escola às escondidas, ou por força de
normas impostas para o acolhimento desse alunado, mas que seja construída a
partir de ressignificações de conceitos, como currículo, formação e prática docente.
2.2.3 Implicações da construção de uma cultura colaborativa na escola e a prática
docente inclusiva
Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.
Paulo freire
As necessidades advindas do mundo futurista, onde há um descompasso
evidente entre o tempo da informação e o tempo que a escola dispende para o
esclarecimento da mesma, e menor ainda para o seu aprofundamento, demandam
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fortes e urgentes mudanças na Educação, que precisam ser acompanhadas pela
escola. Uma dessas mudanças diz respeito ao desenvolvimento da cultura de
colaboração como um dos objetivos fundamentais da escola, não apenas entre os
professores, mas também entre os alunos.
A história de colaboração com objetivos claros na escola é relativamente
recente; emerge na década de 60, com a proposta de ensino em equipes, caminha
para as décadas de 70 e 80, quando se estabeleceram os grupos de estudos entre
os alunos e assistentes do professor – as monitorias – na tentativa de alcançar
perfeição e eficiência nas ações educativas.
Considerando que não somos “uma ilha”, vivemos em sociedade com outros
de nossa espécie, com os quais nos relacionamos e construímos nossa cultura, não
basta ao aluno a aquisição da aprendizagem individual; este precisa, além de se
ocupar com a sua aprendizagem, preocupar-se com a aprendizagem dos outros,
seus pares.
Embora recente, não é grande novidade na Educação a prática dos trabalhos
em grupo, utilizados pelo professor como estratégia de ensino. A novidade talvez
esteja em compreender com que finalidade esses trabalhos em grupo estão sendo
propostos pelos professores.
Se refletirmos sobre a definição de colaborar (co-laborar) como trabalho em
comum com outro em uma mesma obra, teremos ampliada a ideia de trabalho em
parceria, que, para além do junto, aponta para o trabalho compartilhado, com seus
objetivos comuns negociados coletivamente, estabelecendo relações que tendem à
não hierarquização e à corresponsabilidade pela condução das ações, ampliando o
conceito de operar junto para o de operar em comunidade. Trata-se, portanto, de
uma filosofia de vida enquanto incorporação de uma ideia que, pela sua prática,
acaba se tornando um jeito de viver, de trabalhar e de se relacionar.
Góes (1991) corrobora com essa ideia quando esclarece que o processo
educativo não implica considerar que o ser humano é passivamente moldado pelo
meio, embora se reconheça que há uma necessária interdependência dos planos
inter e intra subjetivos. Assim, a autora conclui que “O sujeito não é passivo nem
apenas ativo: é interativo” (p.21).
- 101 -
Por meio do trabalho compartilhado o que ocorre são trocas de experiências
relevantes que levam ao “empoderamento” (empowerment) das pessoas ao
perceberem que suas contribuições ao grupo são valorizadas.
Sobre essa proposta, o relato da professora B. indica a importância do
trabalho em grupo para a aluna incluída e para os demais, ao registrar: Acho uma
conquista com a turma, quando eu divido em grupinhos que eles podem escolher os
parceiros, sempre tem aqueles que pede para ficar com a B., eu não preciso
mandar, às vezes sai até briga, e não é aquilo de querer ficar para fazer por ela, eles
sabem que ela não vai fazer igual a eles, mas eles dão oportunidade dela se
expressar, mostrar o que pode fazer.
A professora C., sobre o trabalho em grupo e sua intencionalidade, diz: Fui
montando grupinhos para que ele percebesse que nem todos sabiam, e ele foi
vendo que podia não saber.
A turma conhecia o Douglas antes de mim, e conhecem ele melhor do que eu,
foram ensinando a professora, me ajudavam nos momentos de convulsão, diziam é
só abraçar ele e acalmá-lo, prô. Para um especialista, isso pode parecer uma
bobagem, não é uma indicação de como tratar uma convulsão, mas para o contexto
da escola, isso foi muito importante.
Vemos diante desses diferentes relatos que o trabalho em grupo nas salas
desses professores indicou diferentes caminhos, mas o objetivo era o mesmo, o de
inserir, no sentido de pertencimento, aqueles alunos no grupo da classe, de forma
que eles partilhassem da responsabilidade e do compromisso coletivo que a inclusão
exige.
Impossível tratarmos do trabalho em grupo e não abordarmos o sentido do
diálogo. No exercício do trabalho em grupo, o diálogo exerce papel fundamental,
pois é por meio dele que o pensamento de cada pessoa se torna público, seu
raciocínio é explicado, seu ponto de vista é defendido, ao mesmo tempo em que, ao
escutarem o argumento de um dos membros do grupo, os outros podem ser levados
a considerar alternativas e dialeticamente defender as suas ideias, e ser desafiados
a reexaminar seu próprio raciocínio.
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As pessoas, ao se engajarem em interações, frequentemente podem alcançar
resultados positivos em tarefas que não seriam capazes de realizar sozinhas,
confirma Colaço:
(...) as crianças ao trabalharem juntas, orientam, apoiam, dão respostas e inclusive avaliam e corrigem a atividade do colega, com o qual dividem a parceria do trabalho, assumindo posturas e gêneros discursivos semelhantes aos do professor Colaço (2004, p.339):
. Essa ação leva à corresponsabilidade dos alunos pela aprendizagem de todos,
como afirmam Stainback & Stainback (1999, p. 207): “nesta estrutura os alunos são
responsáveis não somente por sua própria aprendizagem mas também pela
aprendizagem dos outros membros do seu grupo”.
O relato da professora B. é bastante claro nesse aspecto quando diz: Se eles estão
resolvendo um problema e ela tá resolvendo um mais fácil, eles respeitam quando
ela vai na lousa para socializar os resultados, ninguém tira barato, zoa ela, eles
ajudam quando tá errado, explicando como tinha que ser, eles são parceirão dela.
Os resultados mais recentemente levantados com os estudos sobre a
inclusão escolar têm nos mostrado grande eficiência no desenvolvimento da
aprendizagem de todos os alunos para além dos ganhos acadêmicos, pois os alunos
colaboradores desenvolvem, além das atividades acadêmicas, habilidades
necessárias para interação social com os outros e auxiliam na elevação da
autoestima, o que acarreta ganhos recorrentes da aplicação desse sistema de
colaboração na escola para todos.
Porém, isso depende diretamente da organização, observação e
acompanhamento do professor, sendo fundamental que este cuide com cautela da
composição do grupos colaborativos, utilizando-se de diferentes critérios de sucesso
de acordo com os desafios de cada grupo formado. Isso significa que as tarefas
podem ser diversificadas, pois o indicador de avaliação a ser considerado será o
sucesso do grupo, e não o sucesso individual.
- 103 -
Dessa maneira, o trabalho colaborativo entre os alunos depende, de forma
direta, do trabalho e da sensibilidade do professor no que diz respeito especialmente
à gestão das adversidades de diferentes naturezas, conflitos e tensões próprios do
trabalho desenvolvido em grupo. Depende ainda da própria perspectiva do que esse
professor compreende por grupo, levando-se em consideração como ele reflete
sobre o seu papel, leva os alunos a serem reflexivos em suas ações e,
evidentemente, reconhece que para o efetivo trabalho colaborativo é indispensável
um ambiente aberto e à disposição dos envolvidos no processo de ensino.
Apontamos até aqui na direção de compreender que a entrada do aluno com
deficiência ou transtornos globais do desenvolvimento na sala de aula regular
possibilita, ou, ousaríamos dizer, exige um trabalho colaborativo, o que nos leva a
refletir se não seria possível pensarmos se essa perspectiva colaborativa entre os
alunos também poderia ser aplicada aos professores. Essas relações colaborativas
que nos levam a aprendizagens de diferentes ordens não são indicadas para a
formação dos professores nesse processo inclusivo, caracterizado pela partilha de
responsabilidades e pelo saber-fazer24.
A resposta a essas questões vem de autores brasileiros25 na busca de
modelos para exercitar a inclusão dos alunos com deficiência e transtornos globais
do desenvolvimento; estes nos apresentam dois modelos de ensino que têm se
mostrado muito promissores para a colaboração entre a Educação Especial e a
Educação Regular: a consultoria colaborativa e o ensino colaborativo.
Segundo Mendes (2006), a consultoria colaborativa consiste no suporte de
profissionais especialistas na escola; já o ensino colaborativo (Co-teaching - termo
utilizado na língua inglesa), proposto por autores norte-americanos26, considera
importante a atuação de dois ou mais profissionais dando instruções em um mesmo
espaço físico.
Porém, neste trabalho, faremos um recorte do tema cultura colaborativa no e
para o ambiente escolar no que diz respeito à parceria do professor de AEE na
24 Esta expressão tem a intenção de indicar o saber descrito como savoir-faire por PERRENOUD (2011), como a disposição interiorizada, construída, por vezes, laboriosamente, que nos dá o domínio prático da ação. 25 Capellini ( 2004) Zanata ( 2004) e Mendes ( 2006) 26 Cook L, Friend M. Co-teaching: guidelines for creating effective practices. Focus on Exceptional Children. 1995;28(3):1-16.
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escola, no ensino colaborativo definido por Mendes (2006) como um modelo de
prestação de serviços de Educação Especial, no qual um educador comum e um
educador especial dividem a responsabilidade de planejar, instruir e avaliar a
instrução de um grupo heterogêneo de estudantes, compartilhando objetivos,
expectativas e frustrações. Segundo a autora, essa proposta de ensino surgiu como
uma alternativa aos modelos educacionais existentes (sala de recursos, classes
especiais ou escolas especiais), visando responder às demandas das práticas de
inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais.
Capellini (2004), que, a partir de suas pesquisas, conclui que o trabalho
colaborativo em contexto escolar tem se mostrado eficiente no que diz respeito à
inclusão educacional, dá destaque especial ao fato de a colaboração ser
componente fundamental no trabalho em equipe, caracterizado pelo respeito,
flexibilidade e convivência com as diferenças em um processo de negociação
constante.
Indica que essa parceria demanda tempo, o que hoje, diante de tantas
urgências na escola, é insuficiente para o planejamento das ações e,
consequentemente, para a avaliação do trabalho nessa parceria (professor de
Educação Especial e professor do ensino regular), em uma abordagem de formação
continuada que privilegie a reflexão e que, como vimos e afirma Freire (1983),
consiga superar o individualismo através de soluções coletivas, de construção de
cidadania, avançando de uma “consciência ingênua” para uma “consciência crítica”27
na medida em que possa mobilizar socialmente os envolvidos, questionando o
próprio sistema e transformando a realidade.
O ensino colaborativo é uma estratégia didática inclusiva em que o professor
da classe comum e o professor especialista planejam, de forma colaborativa,
procedimentos de ensino para ajudar no atendimento a estudantes com deficiência
ou transtornos globais do desenvolvimento em classes comuns, mediante um ajuste
por parte dos professores, que, de forma coativa, realizam um trabalho
27 Paulo Freire, em Educação e mudança. 6ª ed, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983, afirma que temos
dois tipos de consciência: a ingênua e a crítica. A consciência ingênua é aquela que nos induz a pensar sobre o passado como melhor do que o presente, é simplista na interpretação de problemas, aceita a massificação do comportamento e, portanto, nos leva a uma visão distorcida da realidade. Já a consciência crítica nos alerta sobre as mudanças do mundo, suas necessidades e valores, impulsionando-nos a questionar paradigmas e buscar a profundidade dos problemas, tornando-nos
capazes de modificar o mundo em que vivemos.
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sistematizado com funções previamente definidas para ensinar grupos
heterogêneos, tanto em questões acadêmicas quanto em questões
comportamentais, em cenários inclusivos.
Há um compartilhamento de ambos na responsabilidade de planejar e de
implementar o ensino e a disciplina na sala de aula. Prudente dizer que nesse
compartilhamento de liderança e corresponsabilidade de ações, não há
sobreposição ou hierarquia entre os envolvidos, mas sim, relações que se
estabelecem no intuito de atingir os objetivos comuns já negociados pelo grupo.
Esse ensino pode se dar de diferentes maneiras na sala de aula inclusiva,
conforme descrito na tabela 3.
Tabela 3 : Formas de ensino colaborativo na escola
Um professor como suporte
O professor da Educação Comum e o
educador especial atuam juntos em sala de aula,
mas um professor apresenta as instruções,
enquanto o outro providencia o apoio aos
estudantes. Pode ser feito o rodízio trocando os
papéis.
Estações de ensino
Como se fossem “os cantinhos da
atividade” significa que a sala será dividida em
grupos que passarão pelas diversas partes da
atividade, sendo que em cada uma delas os
professores se dividirão para explicar aos alunos
o que deverá ser feito. Então, os grupos se
alternam de local e os professores repetem as
informações para novos grupos de alunos.
Ensino paralelo A instrução é planejada de forma articulada, mas
cada professor fica com 50% do grupo de alunos
Ensino alternativo Um professor apresenta instruções para
um grande grupo de alunos, enquanto o outro
interage com um pequeno grupo de alunos.
Equipe de ensino Ensino cooperativo (ensino interativo).
Cada professor dá igualmente suas instruções.
Ex: O professor passa instruções de Matemática
e o co-professor ilustra com
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os exemplos.
Fonte: Capellini( 2004)
Em um modelo colaborativo, os professores da educação comum e Especial
juntam suas habilidades, seus conhecimentos, procurando estabelecer uma
combinação de recursos para fortalecer o processo de ensino-aprendizagem de
todos os alunos na sala de aula, “aprendendo uns com os outros, garantindo com
esta relação positiva a satisfação das necessidades de todos os alunos” (DIEKER &
BARNETT,1996, p. 7).
Porém, as práticas colaborativas efetivas exigem algumas condições: que
ambos os professores conheçam o currículo e elaborem o planejamento em
conjunto, além de possuírem habilidades interpessoais favorecedoras da parceria,
como motivação voluntária, confiança, vontade de partilhar, humildade, competência
profissional e compromisso político, de forma que possam trocar experiências e
saberes, e ainda, que envolvam a participação de todos (pais, gestores e demais
funcionários da escola).
Os resultados de estudos sobre as propostas colaborativas (Capellini, 2004 e
Zanata, 2004) apontaram que a prática pedagógica do professor do ensino comum,
que atende um aluno com deficiência ou transtorno global do desenvolvimento, não
depende necessariamente de tempo de experiência anterior com esse tipo de aluno,
mas sim, de seu empenho na efetivação da parceria colaborativa e no seu
envolvimento com o conhecimento específico da deficiência com a qual irá trabalhar,
além de evidenciar que esse tipo de ensino (colaborativo) traz uma série de
benefícios para as escolas em que se efetiva, entre eles: o papel de recuperar nos
professores as suas capacidades de produzir conhecimentos sobre seu trabalho,
promovendo aperfeiçoamento contínuo e aprendizagem.
Concordamos com Lourenço(2008) e Mendes (2006) quando afirmam que a
colaboração promove ganhos pessoais e profissionais, além de ser muito eficiente
na resolução de problemas práticos do cotidiano, ainda que tenha como condições
indispensáveis disponibilidade de tempo, recursos, monitoramento e muita
persistência.
- 107 -
Entendemos, a partir de nossas narrativas, que essas condições permitem
que o vínculo e a relação de confiança entre os professores da Educação Especial e
do ensino comum possam se estabelecer, além da disponibilidade pessoal do
professor da classe comum para a entrada do outro no seu campo de atuação, bem
como a postura de humildade do professor de Educação Especial, que entrará no
espaço “sagrado” da sala de aula.
Sobre esse ponto, recortamos das entrevistas realizadas o que nos diz a
professora B.: mas a professora do AEE ajuda muito, porque a gente tá no olho do
furacão, não consegue ver o miudinho (...) planejo, por exemplo, um texto de
crônicas, aí, no HTPC28, eu e a professora de AEE sentamos juntas para pensar
como adaptar esta mesma atividade para B.(...) Aí, eu tenho um segundo olhar,
planejo de novo e até mudo o que tinha pensado primeiro para todos os alunos, e
fica até melhor.
Já a professora C. relata a sua experiência com a professora de AEE ao
dizer: o professor de AEE, que em nenhum momento teve o nariz empinado, com a
postura de achar que sabia mais, desprezando o saber do professor que está todos
os dias com o aluno.
Vários estudos (Jesus, 2002; Capelini, 2004; Oliveira, 2006; Zanata 2004)
analisam as possibilidades de colaboração entre docentes, principalmente entre
professores de classe comum e de Educação Especial. Destacam a necessidade de
instauração do trabalho colaborativo nas práticas pedagógicas, ou seja, outros
modos de conceber/fazer as relações/ações entre professores de sala comum e
professores de Educação Especial, inclusive para favorecer o continuum formativo.
Nesse sentido, o trabalho colaborativo é um elemento imprescindível na
formação dos professores inclusivos, que precisam avançar para além da
metodologia e técnicas específicas a serem aplicadas, ou dos diagnósticos,
prognósticos e tratamentos a serem oferecidos aos alunos com deficiência e
transtornos globais do desenvolvimento; precisam considerar os aspectos que estão
28 HTPC – Horario de Trabalho Pedagogico Coletivo – garantido uma vez por semana , três horas em reunião de professores e coordenador pedagógico da unidade para planejar, discutir com colegas , ser informado dos assuntos gerais da Unidades escola,etc.
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ocultos no processo inclusão escolar, a diversidade de condições pedagógicas e as
situações imprevistas que estão presentes no cotidiano escolar.
Um aspecto relevante desse tipo de formação a partir do trabalho colaborativo
e, portanto, interativo, é o desenvolvimento da coautoria na construção do
conhecimento produzido no processo inclusivo vivenciado pelos professores, ou
seja, sentem-se parte e, portanto, comprometidos com os resultados e desafios da
inclusão escolar, não apenas como colaboradores, mas como criadores das mais
diferentes situações escolares que culminam na implementação de práticas
inovadoras que atendam às necessidades dos alunos.
Pautados na colaboração, podem ter, no mínimo, dois modos de conceber as
ações, duas formas de agir: o agir estratégico e o agir comunicativo. Quando as
ações são guiadas pelo agir estratégico, são conduzidas por interesses individuais
que se materializam em planos de intervenção. Nesse caso, não há preocupação
com processos de entendimento, tampouco com a autorreflexão e as implicações do
contexto. A ênfase está em solucionar um problema prático e emergencial. As
mudanças tendem a ser imediatas e pragmáticas. O conhecimento produzido acerca
das relações entre os sujeitos, portanto, indicará ações estratégicas guiadas pelo
discurso monológico.
Em outra perspectiva, quando as ações são conduzidas com base no agir
comunicativo, há busca por entendimento mútuo, em que os participantes
compreendem e aceitam as pretensões levantadas, em um processo gradual de
aprendizado gerado no próprio movimento. Os entendimentos podem evoluir para
acordos normativos, cujos participantes se livram de pretensões individuais em prol
de uma intersubjetividade partilhada. Aqui, há autorreflexão crítica e colaborativa, e
decorrem desse processo conhecimentos que transcendem as ações imediatas, pois
a autorreflexão e a crítica permitem aos sujeitos se conscientizarem das condições
institucionais, sociais, políticas e históricas que interferem diretamente em suas
práticas.
A força dessa mudança está em transcender o imediato. Nesse caso,
profissionais se convertem em pesquisadores, configurando relações baseadas no
entendimento mútuo, que vão constituindo a pesquisa e dando novos significados às
práticas profissionais na escola. Aprende-se a trabalhar colaborativamente enquanto
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se pesquisa e se produzem conhecimentos, constroem-se objetivos comuns e
partilhados que exprimem vontades coletivas.
Por esse caminho as redes de colaboração vão se expandindo e construindo
identidades coletivas; no caso da inclusão escolar, vão se constituindo em escolas
inclusivas a partir desse movimento de formação de professores inclusivos; é um
caminho que precisa ser construído por meio da reflexão, que incorpora a dialogia, a
interlocução e a ação para novamente voltar à reflexão. É assim que Nóvoa
compreende a formação quando insiste no investimento da experiência do professor,
dizendo:
a formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal. Por isso é tão importante investir na pessoa e dar um estatuto ao saber da experiência (NÓVOA, 1992, p.25)
Para que os professores possam ressignificar a sua prática é necessário que
a teorizem. Não se trata, aqui, de teorizar apenas os conteúdos acadêmicos já
construídos por outros e transmitidos por treinamentos, seminários, palestras e
outros; trata-se de estabelecer uma relação dinâmica da prática a partir da
autorreflexão, da reflexão em grupo, do compartilhamento de erros e acertos, da
negociação de significados e do confronto de pontos de vista na formação
continuada, na busca de um professor com pensamento crítico e criativo, garantido a
todos os educadores na própria legislação.
O trabalho colaborativo como estratégia para a (trans)formação das práticas,
na perspectiva da aprendizagem autônoma, libertadora e facilitadora da inclusão de
todos os alunos na escola, precisa atentar para a necessidade e o compromisso de
todos na oferta de uma educação de qualidade para todos os alunos, ou seja, uma
educação em ótimas condições de ensino- aprendizagem, seja nas condições
estruturais, seja na oferta de serviços de apoio ao aluno, como nos alerta Rodrigues:
Se vamos pedir às escolas para diversificar sua resposta e criar serviços adaptados a populações que antes nunca lá estiveram, é essencial que
- 110 -
mais recursos e materiais sejam endereçados à escola. A educação inclusiva pressupões uma escola com uma forte confiança e convicção de que possua os recursos necessários para fazer frente aos problemas. (RODRIGUES, 2006, p.310)
A proposta de trabalho colaborativo entre o professor da Educação Especial e
o professor da sala comum pode ser compreendida como parte dessa rede de
recursos a serem criados e utilizados na escola, visando ao desenvolvimento de
práticas pedagógicas mais bem sucedidas. É, portanto, uma alternativa de educação
inclusiva no combate à exclusão e à segregação dos alunos com deficiência e
transtornos globais do desenvolvimento na escola regular.
A constituição de uma cultura colaborativa vem na contramão da necessidade
mais evidente de nossa sociedade atual – a competividade, a busca desenfreada de
triunfar sobre as outras pessoas, em que a premissa é individualista e não coletiva,
básica no capitalismo.
A escola, espaço de desenvolvimento de competências acadêmicas e de
formação ética e política, não tem conseguido competir com a força do mercado
consumista, reflexo do capitalismo selvagem de nossa sociedade. Bastam alguns
minutos de observação na escola para rapidamente levantarmos dados do quanto
as crianças perderam a solidariedade e não constroem o sentido da comunidade29,
mostrando-se egoístas, preocupadas com a sua individualidade.
Nem mesmo os anos passados na escola têm conseguido manter, ou mesmo
promover, nos seus alunos a generosidade ou o compromisso coletivo. Não será a
inclusão dos alunos com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento uma
possibilidade de reverter essa situação a partir da escola? Talvez a resposta a essa
questão possa nos levar a uma ideia contestável de que a escola seja a “salvadora
da pátria”, ou mesmo, que a ela compete a formação integral do aluno como única
fonte possível, em dias atuais, de construção de valores e atitudes éticas; porém, se
pensarmos que a escola não apenas reproduz a sociedade em que vivemos, mas
também tem a responsabilidade de transformá-la, como nos aponta Saviani, 1994
29 Falamos do conceito de comunidade entendido, segundo Flyn (1989), como um grupo de
indivíduos com comunicação honesta um com o outro, cujos relacionamentos avançam para além do seu comedimento e que, por isso mesmo, desenvolvem algum compromisso significativo de ficar alegres juntos, chorar juntos, dar prazer um ao outro e tornar as condições dos outros as suas
próprias condições.
- 111 -
apude Machado, 1998, ao tratar da visão mecaniscista inerente às teorias crítico-
reprodutivistas que considera a sociedade determinante unidirecional da
Educação,ignorando a categoria de ação recíproca – o que significa que o
determinado também age sobre o determinante e consequentemente a Educação
também interfere sobre a sociedade, podendo contribuir para a sua transformação.
Nesta medida, ppodemos olhar para essa questão por um outro prisma e aproveitar
a inclusão do aluno com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento como
uma alavanca para essa transformação.
Apoiados no que nos diz Araújo (2004), que quando a “cultura de
coletividade” é implementada, as pessoas nela envolvidas passam a reconhecer o
que sabem, o que os outros sabem e o que todos não sabem – atitudes que
resultam na busca de superação dos limites do grupo, e por que não dizer, dos
limites de cada um – assumimos para este trabalho que tratar dessa cultura de
coletividade, aqui denominada por nós cultura colaborativa é, sem dúvida nenhuma,
tratar da cultura inclusiva na escola, já que essa tem sido uma estratégia eficiente
nos processos de inclusão escolar, assim como também tem sido significativa a
eficácia na formação dos professores.
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3. PESQUISA DE CAMPO- METODOLOGIA E PROCEDIMENTOS
DA COLETA DE DADOS
3.1 O MUNICÍPIO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO
A escolha do Município de São Bernardo do Campo se deu pelo fato de a
pesquisadora ser professora da Educação Especial nesse município desde 1991,
quando ingressou por concurso público na escola especial. Desde então, tem
vivenciado as propostas de transformação da Educação Especial nesse munícipio, e
a aproximação da possibilidade de aposentadoria nos próximos anos nessa rede
despertou o interesse e o compromisso com o município que a acolheu desde o
início da sua carreira, mobilizando-a a deixar a sua contribuição em forma de
pesquisa a essa rede que tem construído um percurso de avanços e recuos nas
novas propostas que se apresentam no âmbito federal.
3.1.1 Caracterização do município e o contexto educacional
(...) surgiu pela primeira vez a força do novo, a esperança da recuperação da voz para milhões de brasileiros, Lula, João Ferrador, centenas e milhares de irmãos no trabalho(...). (CARDOSO;LIMA;COSTA, 1981, p.88)
São Bernardo do Campo é uma das primeiras cidades brasileiras a se
constituir, já que sua proximidade com o Porto de Santos fez da região um local de
passagem para o Planalto pela tropas que carregavam mercadorias e pousavam na
cidade; também foi se caracterizando por trabalhadores descendentes dos primeiros
imigrantes italianos que chegaram ao Porto de Santos e estabeleceram suas vidas
nessa cidade. Porém, somente em 1944, conseguiu o título de munícipio de São
Bernardo do Campo, desvinculando-se do distrito de Santo André.
Completou 460 anos e é conhecida nacional e internacionalmente como a
Capital do Automóvel no Brasil. O fato de ser um polo de indústrias metalúrgicas de
- 113 -
grande porte trouxe para a cidade milhares de pessoas de todas as partes do Brasil
em busca de emprego, porque reconheciam o seu poderio industrial30.
Além da indústria metalúrgica, São Bernardo do Campo também tem a marca
de ser a Capital dos Móveis, com muitas indústrias moveleiras instaladas na cidade,
com maior expansão na década de 60, o que ocasionou no processo de urbanização
uma mudança estrutural e não planejada (São Bernardo do Campo, 1992).
Essas indústrias se instalaram especialmente na Via Anchieta, e a população
trabalhadora ocupou as várzeas e colinas, marcadas pela fragmentação do espaço,
acelerando o processo de periferização, o que torna a cidade paradoxal, pois, se por
um lado, tem a produção da riqueza movida pelas empresas multinacionais, por
outro, configuraram-se áreas de altíssima vulnerabilidade social, ocupadas pela
população de forma desordenada (São Bernardo do Campo, 2009).
Nesse cenário nacional, na década de 80, surgiram movimentos sociais e
grevistas, especialmente nas indústrias metalúrgicas, que iriam marcar a história da
cidade e do país.
A partir dessas ações de trabalhadores mobilizados, criaram-se partidos
políticos e surgiram personalidades que ganharam notoriedade no cenário nacional.
Um exemplo disso está no reconhecimento nacional do ex-presidente da República,
Luiz Inácio Lula da Silva, que foi líder sindical em SBC e ainda é morador da cidade.
A cidade está localizada a sudeste da Região Metropolitana de São Paulo31, e
é uma das integrantes da região do Grande ABC32. Além das cidades de Santo
André e São Caetano, também faz limites com São Vicente, Cubatão, Diadema e
São Paulo.
30 Na década de 1950, houve maciça instalação de indústrias na cidade, como Volkswagen, WiLLYS Overland do Brasil (atualmente Ford), Brasmotor e Varam Motores, entre outras. Ainda é uma cidade com muitas indústrias automobilísticas e metalúrgicas. 31 Der acordo com Abrúcio e Soares (2001), a região metropolitana de São Paulo foi criada em 1967 por um decreto estadual e abrange uma área de 8.051 Km², e é um dos maiores aglomerados urbanos do mundo. 32 Denominação dada para designar as cidades de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, que, vizinhas geograficamente, compõem uma região tradicionalmente industrial do Estado de São Paulo.
- 114 -
Possui um território de 408,45 km² distribuídos em zona urbana e rural, e a
ele pertence a Represa Billings33, que é 70% situada na cidade. Em decorrência das
muitas áreas de proteção de mananciais que possui, há muito envolvimento e
preocupações com as questões de meio ambiente.
Permanecem em seu território muitas empresas automobilísticas e
moveleiras, além de indústrias do setor têxtil, caracterizando-a como uma das três
maiores receitas de impostos do Estado de São Paulo e um dos doze maiores
orçamentos dos munícipios do país, à frente de muitas capitais. Referindo-se ao ano
de 2008, entraram para os cofres públicos cerca de R$ 1,7 bilhão (São Bernardo do
Campo, 2009).
Com relação ao contexto educacional desse munícipio, merecem destaque
especial os investimentos realizados na Educação Infantil como os primeiros
investimentos municipais na Educação, motivados especialmente por todas as
circunstâncias de metropolização descritas acima nesse contexto político e social,
bem como pelo crescimento populacional e sindical.
Na década de 60, surgiu na administração do prefeito Lauro Gomes o
primeiro Jardim da Infância. Posterior a ele, viabilizou-se a instalação de classes
municipais anexas à rede estadual de ensino e entidades religiosas, num crescente
movimento de atender os alunos da Educação Infantil. Cabe destacar que ao longo
das subsequentes administrações, esses investimentos só aumentaram, e na
década de 80, “a pré-escola era reconhecida como modelo para o país” (São
Bernardo do Campo, 1992, p.21). Em 1981, enquanto o atendimento a essa faixa
etária não passava de 2%, as escolas particulares em torno de 11%, o munícipio de
SBC ofertava esse atendimento a mais de 87%.
Cabe alertar que estamos falando de uma política educacional direcionada ao
público alvo da Educação Infantil nas décadas de 60 a 80, quando ainda não havia
sido promulgada a Constituição Federal de 1988, que menciona a oferta da
educação de zero a seis anos na Educação Infantil, o que torna esses investimentos
municipais de maior importância e significado para a Educação.
33 Represa Billings é um dos maiores e mais importantes reservatórios de água da região metropolitana de São Paulo; foi idealizada pelo engenheiro Billings na década de 20, com o objetivo de gerar energia para a usina hidrelétrica instalada em Cubatão.
- 115 -
Os espaços destinados às creches, que desde a sua criação, em 197934,
estiveram vinculados às políticas de assistência social, após a promulgação da
CF/88, por meio de reivindicações trazidas pela população, passaram a ser
gerenciados pelo Departamento de Educação, instituindo uma nova concepção de
trabalho em uma visão educativa.
Em 201135, a Secretaria de Educação administrava 94 escolas de Educação
Infantil, sendo 13 destinadas aos alunos de 0 a 3 anos em período integral
(creches). As demais escolas de Educação Infantil atendem os alunos de 4 e 5 anos,
todas em período parcial, porém algumas delas possuem classes destinadas ao
período integral, cujas vagas são selecionadas mediante as inscrições realizadas
pelas famílias, segundo critério de pais trabalhadores e renda per capita. Cabe
esclarecer ainda que 2 dessas escolas possuem classes de 2 e 3 anos em período
parcial.
Em 1998, iniciou-se o processo de municipalização do Ensino Fundamental,
sendo municipalizadas 26 escolas da rede estadual de 1ª a 4ª série, com
aproximadamente 18.500 alunos. A ampliação desse atendimento se deu ao longo
dos próximos anos, não apenas pela municipalização de outras 13 escolas da rede
estadual, mas também pela construção de 28 novas escolas, totalizando, no ano de
2004, 67 escolas, e em 2011, eram 71 escolas de Ensino Fundamental. Houve
durante todo esse período de municipalização a definição de novos objetivos para o
Ensino Fundamental, bem como reestruturações de organização com deslocamento
de funcionários e instalação da seção de Ensino Fundamental na Secretaria de
Educação.
A tabela abaixo nos informa sobre a situação de matrículas realizadas no ano
de 2013, segundo o Censo escolar:
34 Nesse ano, além do surgimento da primeira creche da rede municipal, o Serviço de Educação Pré- escolar nomeou os estabelecimentos de ensino de Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEI). 35 Dados coletados em junho de 2011.
- 116 -
Tabela 4 - Número de matrículas nas escolas municipais de São Bernardo do Campo no ano de
2013
Creche
Parcial
Creche
integral
Ed. Infantil
Parcial
Ed. Infantil
Integral
Ensino
Fund .
anos
Iniciais
Parcial
Ensino
Fund.
Anos
Iniciais
Integral
Rede
Municipal
Urbana
6249 5662 16857 0 35620 3621
Rede
Municipal
Rural
146 0 331 0 671 113
Fonte: portal.inep.gov.br/básica-censo
Com relação à Educação de Jovens e Adultos, teve início no município em
1936, pela iniciativa de empresários que visavam à qualificação de seus atuais e
futuros funcionários (São Bernardo do Campo, 2004), já que o fluxo migratório de
adultos de outros estados e cidades foi sendo motivador para o aumento dessa
modalidade de ensino, que passou por várias propostas desde o Movimento
Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL, extinto pelo governo federal, até se
configurar no município ao que é hoje, uma modalidade de ensino para jovens e
adultos, pertencente à Secretaria de Educação.
Cabe esclarecer que a organização de ensino na rede municipal de SBC se
caracteriza pelo provimento de seus cargos por meio de concursos públicos. Pela lei
5820/200836, a rede de ensino possui quadro do magistério e quadro técnico
educacional.
Segundo essa mesma lei, o quadro técnico do magistério envolve funções
nas áreas de:
36 Dispõe sobre o ensino público municipal, o estatuto do magistério do município de SBC e outras providências.
- 117 -
- docência, composta por professor de Educação Básica I37 e Educação Básica II38;
- Direção e Administração escolar, composta por Diretor escolar e Assistente de
Diretor escolar39;
- Coordenação de atividade pedagógica, composta pelo Coordenador Pedagógico;
- Orientação, Planejamento, Supervisão e Acompanhamento do Ensino, composta
por Orientador Pedagógico. Em 2010, eram 55 OPS na rede.
Cada escola da rede municipal de SBC abriga equipe gestora, que é
composta por diretor e coordenador pedagógico. As escolas com determinado
número de classes ou mais também abrigam assistente de direção ou PAD.
Todas as escolas são acompanhadas pela OP de referência, ou seja, uma
mesma OP pode acompanhar até 5 escolas de Educação Infantil ou Ensino
Fundamental indiscriminadamente. A lotação das OPs está centralizada no
CENFORPE – Centro de Formação de Profissionais da Educação.
Já o quadro técnico educacional é composto por assistente social,
fisioterapeuta, fonoaudiólogo, psicólogo, terapeuta ocupacional, e “compreende as
funções de apoio técnico, assessoria e de suporte às ações pedagógicas” (São
Bernardo do Campo, 2008, s/p). Em 2010, essa equipe era composta por 4 AS, 15
FONOS, 17 PSICOS, 3 TO e 1 FISIO.
Essas equipes ficam lotadas no Complexo Aldemar Moreira e são distribuídas
por todas as escolas da rede municipal em forma de referência, sendo que cada
profissional pode ter quantas escolas forem necessárias, e seu papel é auxiliar a
escola mediante solicitação/necessidade.
Tratemos agora, de forma mais particularizada, da Educação Especial no
munícipio.
37 Educação Básica I refere-se ao Infantil, Fundamental (anos iniciais) e Profissional. 38 Educação Básica II refere-se ao Fundamental, Especial e Profissional. 39 Este cargo encontra-se em vacância (cargo em extinção), ocupado por profissionais concursados que, ao irem sendo desligados da rede, não serão repostos por concurso; porém, professores poderão ser designados para ocupação dessa função sob a denominação de PAD – Professor de Apoio à Direção, por meio de processos internos de seleção.
- 118 -
3.1.2. Histórico da Educação Especial em São Bernardo do Campo – uma história
de mais de 50 anos
A história da Educação Especial nesse munícipio começou em 1957 quando
nasceu a Educação Especial, e caminha até os dias atuais; porém, para este
trabalho, paramos o estudo em 2012, o que, portanto, remete-nos a uma história de
mais de 50 anos.
No resgate que faremos neste item, o foco serão as implantações dos
serviços de atendimento a alunos com deficiência e transtornos globais do
desenvolvimento pela Secretaria de Educação, não apenas no que tange às
políticas públicas implementadas pelas instâncias governamentais, mas também aos
investimentos e propostas realizadas pelos seus profissionais ao longo dessa
história, na tentativa de oferecer a essa população o melhor atendimento possível
em diferentes tempos e espaços educacionais.
Precisamos alertar o leitor que este resgate histórico é impregnado de
aspectos subjetivos e será inevitável que a visão e as considerações da
pesquisadora apareçam no texto de forma explícita ou implícita sobre o processo de
implantação da educação inclusiva, levando-se em consideração que a história
desse munícipio se mistura com a própria história da pesquisadora, que vivenciou e
vivencia ainda “na alma e na carne” muitas das mudanças ocorridas e ocorrentes
ainda nos dias atuais.
Uma descoberta surpreendente ao pesquisar o histórico da Educação
Especial nesse munícipio é a constatação de que a criação do órgão municipal
responsável por pensar as políticas públicas para Educação Especial no munícipio
de SBC antecede a criação do órgão nacional responsável pelo planejamento
dessas políticas no âmbito nacional. Isso nos move a concluir que para esse
município, o atendimento aos alunos excluídos das escolas regulares, e aqui
tratamos exclusivamente daqueles que apresentam deficiência ou transtornos no
desenvolvimento, desde longa data, é uma preocupação para os seus governantes.
Cabe esclarecer que nessa época, o município tinha como responsabilidade
exclusiva a Educação Infantil, pois a municipalização do Ensino Fundamental I se
deu apenas após 1998, quando os investimentos tanto financeiros como
- 119 -
profissionais, em especial de formação, acabaram se direcionando de forma mais
prioritária para esse nível de ensino. Dessa forma, os investimentos públicos, até
então, estavam distribuídos entre a Educação Infantil e a Educação Especial.
Segundo Fagliari (2012), a história da implantação de políticas municipais
para atendimento educacional aos alunos com deficiência teve seu início na
educação de surdos/deficientes auditivos, dada pela mobilização de pais que, como
consequência, conquistaram a instalação de um Núcleo de Educação de Surdos,
que, em poucos anos, transformou-se na Escola de Surdos.
Desde 1967, o município contribuía com a Associação de Pais e Amigos do
Excepcionais (APAE), direcionada para os alunos com deficiência mental, tomando
para si a responsabilidade pelo pagamento dos seus professores. Tratamos dessa
tendência de criar instituições escolares pelos movimentos dos pais dos
excepcionais no Capítulo 1, quando apresentamos o paradigma da
institucionalização. Porém, cabe complementar que essas instituições, por
receberem as contribuições do governo, muitas vezes foram confundidas com
espaços institucionais públicos e não privados, conforme nos aponta Kassar (1998,
s/p) ao tratar dessas instituições “(...) como extremamente fortes, com lugar
garantido nos discursos oficiais, chegando a confundir-se com o próprio atendimento
„público‟ aos olhos da população (...)”
Fagliari (2012), em pesquisa detalhada sobre as políticas públicas
educacionais nesse município, aponta que em 1970, o governo municipal de SBC
criou o Serviço de Educação Especial, com a construção da primeira escola pública
para deficientes mentais situada no bairro de Rudge Ramos, e também promoveu o
primeiro curso de especialização para professores de alunos excepcionais e
deficientes mentais, o que se repetiu por mais alguns anos, até o final da década.
Atualmente, esse espaço foi cedido para a Secretaria de Saúde para a construção
de um CAPES, e a escola especial transferida para outro espaço no mesmo bairro; a
partir das mudanças propostas pela Política Nacional de Educação Especial na
perspectiva da Educação Inclusiva, em 2009, foi desativada enquanto Escola
Especial, e o espaço se transformou em um Complexo - Complexo Aldemar Moreira
- para o atendimento ao deficiente jovem e adulto que não se beneficiou da
integração nos programas de profissionalização e inserção no mercado de trabalho
- 120 -
de qualquer espécie e que, em decorrência da idade associada aos significativos
déficits, não pode ser matriculado na Educação de Jovens e Adultos.
Ainda na década de 70, segundo os estudos de Fagliari (2012), foi construída
uma outra escola especial chamada Marly Buissa Chiedde, que também sofreu
mudanças de prédio e de proposições em 2001, quando foi compor um Complexo
Educacional no Bairro do Demarchi.
Esse Complexo passou a ter em sua composição a escola especial e a escola
de Educação Infantil, que atende os alunos de 0 a 6 anos, e ainda o Ensino
Fundamental I. Esse compartilhamento de prédio por essas modalidades de ensino
tem prioritariamente o propósito de favorecer a integração de projetos que levem à
inclusão dos alunos com deficiência e transtornos do desenvolvimento nos espaços
de uso coletivo, como a Biblioteca Escolar Interativa (BEI), Laboratório de
Informática, pátio de atividades externas e outros.
Caminhando um pouco mais na nossa linha do tempo, no final da década de
90, os documentos municipais apontaram para a integração de alunos com
deficiência em classes regulares, especialmente na Educação de Jovens e Adultos,
porém apenas para aqueles que tivessem condição de acompanhar o programa
instituído para a turma, “(...) deveriam estar preparados para acompanhar o grupo no
qual seriam inseridos” (São Bernardo do Campo, 1999).
A municipalização se deu de forma gradativa desde 1998, e desde 2002, esse
nível de ensino está totalmente sob a responsabilidade do município, inclusive com a
incorporação das classes especiais já existentes nas escolas estaduais.
Para Mazzotta (1982, p. 48), “A classe especial, instalada em escola comum,
é caracterizada pelo agrupamento de alunos classificados como da mesma categoria
de excepcionalidade, que estão sob a responsabilidade de um professor
especializado”. Essas classes especiais em São Bernardo trouxeram grandes
defasagens idade/série, dificultando a inserção desses alunos nas classes regulares;
corroborando com o paradigma de integração, passaram a ser chamadas classes
- 121 -
integradas40, o que, portanto, ocasionou a extinção de algumas, hoje completamente
extintas.
A partir desse modelo de integração estabelecido para a rede municipal de
ensino, o público alvo das escolas especiais foi radicalmente modificado: “(...)
significativo déficit cognitivo, associado a quadros variados de comprometimento
incluindo deficiência neuromotora, sensorial, alterações de ordem
psíquica/emocional, distúrbios da comunicação, síndromes genéticas entre outras
(...) (São Bernardo do Campo, 2006, p.40).
Na década de 90, foi criado também o Programa de Estimulação Essencial,
que tinha como objetivo o esclarecimento de diagnóstico e o atendimento precoce
de crianças com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e/ou necessidades
múltiplas isoladas ou associadas (São Bernardo do Campo, 1998); e em 2000,
dada a demanda que se instituiu, com grande fila de espera para esse atendimento,
houve uma significativa ampliação dos recursos humanos desse Centro, já que em
virtude da “discussão e reflexão sobre a inclusão, o número de crianças
acompanhadas foi se ampliando gradativamente na educação infantil” (São
Bernardo do Campo, 2004, p. 63 ).
Desde 2000, as discussões com tema de inclusão escolar se tornaram mais
acirradas no município, que, por influência das propostas de inclusão escolar
veiculadas pelo mundo todo, foi consolidando a inclusão dos alunos de forma
gradativa e crescente nas escolas regulares, desde a Educação Infantil até o Ensino
Fundamental, como nos mostra os dados do Censo escolar de 2013.
40 As classes integradas tinham por objetivo oportunizar aos alunos com deficiência um período de transição entre a
escola especial e a classe regular, respeitando um limite máximo de 3 anos de permanência nessa classe para passagem definitiva para as classes comuns.
- 122 -
Tabela 5 - Número de alunos especiais matriculados nas escolas comuns em São Bernardo do
Campo em 2013
Creche
Parcial
Creche
Integral
Ed.
Infantil
Parcial
Ed. Infantil
Integral
Ensino
Fund.
Anos
iniciais
Parcial
Ensino
Fund.
Anos
iniciais
Integral
Rede
Municipal
Urbana
48 13 191 0 839 35
Rede
Municipal
Rural
0 0 2 12 0 0
Fonte: portal.inep.gov.br/básica-censo
Esses dados nos indicam não apenas sobre o acesso do aluno com
deficiência na rede regular de ensino, mas refletem especialmente as necessidades
advindas desse acesso, favorecendo as discussões sobre os paradigmas da
segregação e da integração em contraposição ao paradigma da inclusão para esses
alunos.
Levando-se em consideração que as políticas nacionais para esse fim
estiveram recheadas de inconsistências conceituais, chegando mesmo a ocupar o
lugar de polêmicas individuais entre os seus propulsores com posicionamentos
individuais, o munícipio de São Bernardo viveu e vive ainda os reflexos dessas
inconsistências na organização da política pública desarticulada com a realidade
escolar e com a prática docente.
Em 2006, esse Centro de Apoio foi absorvido pelo Complexo Integrado Pe.
Aldemar Moreira, já mencionado acima, que, em 2009, foi extinto, sendo os seus
professores lotados na Educação Especial, disponibilizados nas escolas de
Educação Infantil da rede municipal para o atendimento educacional especializado
- 123 -
na modalidade itinerância41, o que significa que esses professores têm mais de uma
escola para acompanhar na mesma região.
Com a implantação da nova Política da Educação Especial na perspectiva da
Educação Inclusiva no Brasil pelo MEC, em 2008, que definiu mais claramente o que
se propunha em âmbito nacional, em consonância com a mudança de gestão
pública nesse município em 200942, houve a tomada de decisão sobre a desativação
imediata das escolas especiais municipais e dos demais recursos especializados
que estivessem fora do lócus: escola regular, de forma a garantir que todos os
alunos frequentassem a escola regular. Exceção a isso estava a escola de educação
de surdos, que se manteve funcionando separadamente da escola regular até os
dias atuais, graças ao movimento de alunos surdos, que reivindicam ser ouvidos e
ter plena participação nas discussões sobre a inclusão do aluno surdo na rede
regular de ensino.
Em consequência da desativação das escolas especiais, houve a inserção
dos alunos com deficiência intelectual, múltipla deficiência e transtornos globais do
desenvolvimento na rede regular de ensino, inclusive na Educação de Jovens e
Adultos, impulsionando que, recentemente, novas modificações fossem propostas
para os espaços ocupados anteriormente pela Escola Especial e houvesse a
implantação das salas de recursos multifuncionais43 nas escolas regulares, conforme
indicação do MEC.
Essas salas de recursos têm por objetivo: apoiar a organização e a oferta do
Atendimento Educacional Especializado – AEE, prestado de forma complementar ou
suplementar aos estudantes com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento, altas habilidades/superdotação, matriculados em classes comuns
41 Itinerância se refere à forma de atendimento do professor de Educação Especial nas escolas de Educação Infantil, que é de visitas sistemáticas previamente agendadas para observação do aluno na classe comum onde está incluído, com devolutivas e orientações posteriores aos professores dessas classes. 42 Cabe esclarecer que essa mudança de gestão pública atrelada à mudança de partido político veio a partir de 2009, depois de 12 anos de um mesmo partido político, ou de partidos convergentes na política, ter assumido a gestão da cidade, sendo essa mudança um momento de grande expectativa
pela população, não apenas na Educação, mas em todos os âmbitos da administração pública. 43 Salas de recursos multifuncionais - é um programa do MEC que fornece alguns equipamentos de
informática, mobiliários, materiais didáticos e pedagógicos para a criação de salas destinadas a integrar alunos nas escolas públicas regulares por meio da política de educação inclusiva.
- 124 -
do ensino regular, assegurando-lhes condições de acesso, participação e
aprendizagem.
É interessante observar que desde o seu surgimento, as escolas especiais
tiveram como propósito de sua existência oportunizar ao aluno com deficiência o
acesso à escolarização, já que até muito pouco tempo atrás, as escolas regulares
não recebiam essa população. Muitos estudiosos apontam que esse é o “x” da
questão na inclusão, já que essas escolas surgiram com caráter de substituição da
escola regular.
Nesse município, o que os documentos da década de 70 da Secretaria de
Educação (São Bernardo do Campo, 1985, p.48) trazem são indicações de que
“para o acesso à escola especial havia critérios, como controle de esfíncteres,
locomoção própria e semi-independência em alimentação”, o que, em muitos casos,
inviabilizava o acesso dos deficientes mais comprometidos no seu desenvolvimento
à escola especial. Isso nos remete a pensar que não se tratava de substituição, pois,
em muitos casos, nem mesmo o acesso à escola especial estava garantido,
justificado pela própria história do deficiente e, consequentemente, pelas
concepções e pelo lugar na sociedade dessa população, já tratada neste trabalho
dissertativo. Cabe registrar que o ingresso nas escolas especiais se dava
exclusivamente pela passagem por esse setor, e o encaminhamento para os
recursos educacionais mais adequados, segundo a avaliação dessa equipe técnica
multidisciplinar.
3.2 PÚBLICO ALVO DA PESQUISA
A pesquisa de campo foi realizada com duas professores da Educação Infantil
e quatro professores do Ensino Fundamental e seus respectivos professores da
Educação Especial. Cabe esclarecer que se trata de quatro professores de
Educação Especial, considerando que as escolas de Educação Infantil e Ensino
Fundamental pesquisadas estavam sob o acompanhamento e a parceria, em alguns
casos, do mesmo professor da Educação Especial no serviço de AEE.
Justificar a definição de nosso público alvo pelo simples fato de nosso tema
se relacionar à prática docente poderia nos remeter a uma visão simplista do ato de
- 125 -
ensinar a uma perspectiva mecânica, descontextualizada, quando sabemos que o
professor não ensina no vazio; o ensino deve ser sempre situado com alunos reais
em situações definidas que sofrem interferência, não apenas de fatores internos da
escola, mas também de questões sociais mais amplas que identificam uma cultura e
um momento histórico político, e que, portanto, tornam o ato de ensinar um ato
socialmente localizado. No caso desta pesquisa, localizado nas questões de
inclusão.
Considerando esses aspectos, optamos por estudar o professor em seu
contexto escolar, o que nos parece de tal importância, pois tratamos do
reconhecimento do seu papel frente à inclusão, do conhecimento de sua realidade,
que poderão favorecer as propostas de intervenção e transformação em sua prática.
Dessa maneira e em concordância com Cunha (2005, p. 33), optamos por
estudar o professor no seu cotidiano: “O estudo do professor no seu cotidiano pode
auxiliar na definição de uma nova ordem pedagógica e na intervenção da realidade
no que se refere à sua prática e à sua formação”.
Mas, o que significa cotidiano no contexto desta pesquisa? Entendemos
cotidiano como nos apresenta Cunha (2005, p.35): “A vida cotidiana é a objetivação
dos valores e conhecimentos do sujeito dentro de uma circunstância. É através dela
que se faz concreta a prática pedagógica, no caso do professor.”
Nesse sentido, pesquisar o professor no seu cotidiano é tentar descobrir
como ele vive as diferentes situações em sua prática e como as verbaliza em seu
discurso, além de aprofundar quais relações estabelece com os alunos e com os
desafios que a sociedade em que vive lhe apresenta.
3.3. METODOLOGIA E PROCEDIMENTOS DA PESQUISA
Romper os ferrolhos do modelo cartesiano de pesquisa requer inúmeros mergulhos, mortes e ressureições. Caças não autorizadas. Vindas e idas. Vivências corporais do que é efêmero. Requer, ainda, assumir que nossos objetos de estudo são tão somente criações subjetivas. Necessidades e desejos pessoais. Não existe fora de nós, mas junto a nós. Em essência, somos parte do próprio tema estudado com tudo o que ele tem de bom e de ruim. (FERRAÇO, 2005, p. 103-104)
- 126 -
Pensar a pesquisa em educação exige, antes de mais nada, compreender que
estamos tratando de um campo dinâmico, caracterizado prioritariamente pelas
relações humanas e, por isso mesmo, em constante movimento de
experimentações, diferentes percepções que não podem ser mensuráveis,
quantificáveis, como nos solicita o rigor científico numa perspectiva positivista. Ainda
se considerarmos essa perspectiva, Santos (2000, p.63) aponta que “Conhecer
significa dividir e classificar para depois determinar relações sistemáticas entre o que
se separou”, o que nos leva a uma outra questão fundamental na pesquisa nas
Ciências Sociais, a possibilidade de redução da complexidade dos fatos e
fenômenos que se dá nesse âmbito, o que seria negar as subjetividades humanas e
suas relações com o Universo, que fogem à racionalidade lógica e às regras do
saber científico.
Se na modernidade, misturar-se ao objeto de estudo seria sinônimo de não ser
científico, na contemporaneidade, essa racionalidade não tem dado conta de
explicar o mundo e suas relações, não sendo mais possível mantermos a
neutralidade do investigador, que ocupa um tempo e um espaço caracterizado pelas
suas experiências e pontos de vista e, portanto, misturado, interconectado ao seu
objeto de estudo formalizando uma co-dependência entre sujeito e objeto, ainda que
isso limite a pesquisa ao olhar do pesquisador.
Como nos orienta Ferraço (2005), se estamos misturados, interligados com o
nosso objeto de estudo, chegando, às vezes, a nos confundir com ele, no lugar dos
estudos „sobre‟ algo acontecem os estudos „com‟ algo.
Ter como objeto de estudo a prática docente no processo de inclusão escolar,
implica analisar necessariamente o cotidiano e, portanto, ter a complexidade como
característica da pesquisa, seja na amplitude de olhar para o objeto de estudo, seja
na necessidade de virar do avesso conceitos teóricos, categorias e noções já
construídas pela ciência. Mas, ainda que pareça que essa complexidade seja um
dificultador para a pesquisa, ela nos leva a desvelar práticas ocultas no fazer
cotidiano, que não acomodam o olhar viciado, fragmentado e universal do
pesquisador.
- 127 -
Para pesquisar o e no cotidiano da escola, é preciso assumir que as relações
acontecem em redes tecidas nos mais diferentes contextos, como a prática
pedagógica, a ação governamental, o trabalho coletivo e cooperativo na escola, a
formação continuada e a pesquisa em educação. Isso significa que é, antes de mais
nada, pesquisar e pensar sobre o saber e o fazer enquanto prática emancipatória da
escola, a partir de seus protagonistas, nesta pesquisa focada nos docentes.
Considerar o cotidiano das escolas significa ser este o nosso ponto de partida e o
nosso ponto de chegada, sem corrermos o risco de permanecer “correndo atrás do
rabo”, sem sairmos do lugar, mas no movimento de avançar na transformação
dessas práticas que verdadeiramente se constroem no cotidiano da escola e que
trazem à tona os conceitos e teorias estruturados na área.
Com relação aos relatos oferecidos nas entrevistas, temos que alertar para as
formas de expressão do sujeito nesta pesquisa, a linguagem falada, que, em
hipótese nenhuma, vem deslocada de outras formas de expressão que podem nos
oferecer sinais que evidenciam valores frente ao fenômeno estudado. Isso significa
considerar nesta pesquisa que é através da linguagem que experimentamos e
partilhamos nossa realidade com os outros e, portanto, manifestamos a nós
mesmos, ou seja, os relatos apresentados são, em primeira análise, relatos repletos
de subjetividades; o vocabulário utilizado, as entonações, as expressões, as pausas
e os silêncios são indicadores da forma de ser e de agir do sujeito entrevistado.
Para Benjamin (1994), filósofo e sociólogo francês do século XX, narrativa é:
uma forma artesanal de comunicação. Ela não está interessada em transmitir o “puro
em si” da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa
na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a
marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso. (p.205)
Já para Bruner (1997, p. 34), “a narrativa é um modo de pensamento, pois ela
se apresenta como princípio organizador da experiência humana no mundo social,
do seu conhecimento sobre ele e das trocas que ele mantém.” O psicólogo e
pedagogo americano destaca o papel das narrativas no processo de aprendizagem
humana, por proporcionar o compartilhamento de experiências e vivências entre as
pessoas.
- 128 -
É através da linguagem que fazemos nosso cotidiano, mas é através dela
também que podemos analisá-lo, e o simples fato de responder às questões da
entrevista pode ser considerado uma possibilidade para o professor refletir sobre a
sua prática, pois, ao falar ao pesquisador, escuta a si próprio, resgata processos e
expectativas, analisa dificuldades e conquistas, enfim, descobre caminhos e
possibilidades. Além disso, a linguagem estabelece a reciprocidade, especialmente
em situação face a face, como foi o caso de nossas entrevistas; a fala de um produz
reações no outro e a subjetividade de ambos produz uma aproximação única que
não pode ser reproduzida. Esta é a limitação na entrevista.
É necessário, ainda, alertar que pode haver diferença entre o viver e o falar
sobre a sua prática diante da inclusão de alunos com deficiência ou transtornos
globais do desenvolvimento, podendo o professor teorizar sobre formas mais
recomendáveis de estabelecer relações com seus alunos incluídos, e na prática,
vivenciar situações em que reaja de modo diferente do manifestado teoricamente, ou
ainda, contar uma experiência vivida no cotidiano, acrescentando ou subtraindo
alguma informação. Este é o filtro, consciente ou não, que o relato carrega em
função do sujeito que o faz.
Devemos deixar claro que não nos outorgamos a falar pelas escolas ou pelos
sujeitos pesquisados, em uma atitude interpretativa ou contemplativa dos saberes e
fazeres dos professores, ainda porque entendemos que isso nos levaria a análises
inócuas do vivido na escola, mas sim, temos nesta pesquisa uma tentativa de trazer
à tona outros discursos e relações desses saberes e fazeres na escola para a
realização do trabalho pedagógico marcado pelos constantes desafios e dificuldades
que se apresentam no seu cotidiano e que, de forma geral, são desvalorizados ou
pouco valorizados.
Pesquisar o cotidiano é assim, um trabalho de busca de compreensão das táticas e usos que os professores desenvolvem no seu fazer pedagógico, penetrando astuciosamente e de modo peculiar a cada momento neste espaço de poder. Abdicando da busca de “ver” a totalidade – objetivo e paradigma de uma ciência que traz, embutida em si mesma, um necessário esquecimento e desconhecimento das práticas cotidianas complexas, plurais e diversas (...). (OLIVEIRA, 2005, p.49-50)
- 129 -
Considerando o exposto até aqui, concordamos com o que nos afirma
Azevedo (2001, p.122): “basta de sermos sujeitos narrados. Nós, os que atuamos
nas escolas, somos narradores de nossa experiência, narradores de nossos
acontecimentos”, e nos parece que narrar as histórias construídas no cotidiano de
algumas escolas de Educação Infantil e Ensino Fundamental no município de São
Bernardo do Campo pode ser um bom caminho para tornar públicas as múltiplas
experiências vivenciadas no âmbito escolar, realizadas e compartilhadas pelos
professores com alunos incluídos em suas salas comuns, que apresentam
deficiência intelectual e/ou transtornos globais do desenvolvimento.
Nesta pesquisa, tomaremos como referência para a análise as narrativas
coletadas nas visitas às escolas da rede municipal, observando os espaços
escolares, conversando com os gestores sobre o desenvolvimento do trabalho
cotidiano de inclusão e registrando as narrativas escolhidas pelos professores
entrevistados para dividir conosco o seu cotidiano de inclusão escolar dos alunos
com deficiência intelectual e transtornos globais do desenvolvimento na escola
comum.
Definidos os caminhos que tomaríamos com a pesquisa de campo, iniciamos
o processo de escolha dos entrevistados, com a apresentação do projeto de
pesquisa à Secretaria de Educação por intermédio da Seção da Educação Especial.
Tão logo nos foi autorizado a dar início à pesquisa de campo nas escolas da
rede municipal de ensino, agendamos uma reunião com a Chefia e a encarregada
da Seção de Educação Especial para o levantamento de dados sobre o Serviço de
Educação Especial a serem utilizados na pesquisa, e solicitamos a indicação dos
professores a serem entrevistados, apresentando como critério para essa seleção:
- professores da Educação Infantil e Ensino Fundamental de diferentes regiões44,
que estivessem com alunos com deficiência ou transtornos globais do
desenvolvimento no ano de 2013 em suas salas de aula comuns, e que contassem
com o acompanhamento dos professores de Educação Especial na escola em que
atuam.
44 As escolas são distribuídas por quatro regiões de abrangência na Secretaria de Educação.
- 130 -
- que esses professores estivessem desenvolvendo o trabalho de inclusão
desses alunos de forma positiva, com avanços e conquistas evidentes para o aluno
e/ou para o professor.
Cabe esclarecer aqui o porquê de limitarmos a indicação de professores que
estivessem sendo bem sucedidos em suas experiências de inclusão no ano de 2013
nessa rede de ensino. A revisão bibliográfica realizada inicialmente nesta
dissertação de Mestrado permitiu-nos perceber que há pesquisas na área que
apontam em seus resultados para as prescrições de boas práticas inclusivas, bem
como formulações de perfil adequado para o professor inclusivo, ou ainda, relatos
de experiências positivas com os alunos incluídos nas salas de aula comuns que
apresentam deficiência ou transtornos globais do desenvolvimento, que visem
aprofundar as questões de políticas públicas, de questões estruturais e apoios
necessários à escola e ao professor. Mas muito pouco esses estudos têm se
ocupado de analisar a prática do professor sob a perspectiva de uma transformação
dessa prática de forma que ela pudesse beneficiar todos os alunos da classe.
Entendemos, assim, que deveríamos fazer o caminho inverso, ou seja, partir
do professor real, de “carne e osso”, que vive um cotidiano escolar, que tem uma
história de vida e que vive atualmente com êxito a experiência de incluir o aluno com
deficiência ou transtorno global do desenvolvimento em sua sala de aula comum, e
que, a partir do seu relato pudéssemos analisar o que aconteceu com ele nesse
processo de inclusão, que o faz ser um professor respeitado no seu ambiente
profissional, na expectativa de ser esse um farol em um horizonte ainda nublado na
Educação.
Pensamos também em abarcar a Educação Infantil e o Ensino Fundamental
nas séries iniciais, por considerarmos a priori que as boas experiências estivessem,
em sua maioria, na Educação Infantil, levando em consideração as características
da faixa etária e de um currículo mais globalizante, mais articulado, menos
segmentado, e que as maiores dificuldades estivessem no Ensino Fundamental,
onde as exigências de conhecimentos imprescindíveis (leitura/escrita e cálculo) são
mais evidentes e a rigidez curricular mais presente.
A partir dos nossos indicativos, a Seção de Educação Especial encaminhou
por e-mail os nomes dos professores de Educação Especial que estavam atuando
- 131 -
no AEE nas escolas indicadas para que entrássemos em contato para levantamento
dos nomes das professoras e das turmas que os professores de Educação Especial
indicassem como tendo êxito na prática de inclusão na sala de aula comum.
Importante salientar que as indicações desses professores ocorreram mediante os
dados que as professoras da Educação Especial, no exercício de atuação no ensino
colaborativo, possuíam advindos das observações, orientações e acompanhamento
que realizam de forma sistemática nessas salas de aula com alunos incluídos.
De posse dessa lista e de uma carta de encaminhamento endereçada a essas
escolas pela Seção de Educação Especial, agendamos encontro com a gestão da
escola e a professora de Educação Especial para apresentação da pesquisa e da
indicação dos professores que seriam entrevistados. Nesse mesmo dia,
conseguimos realizar a primeira entrevista com a professora de AEE na escola 1,
especialmente nos ocupando de levantar os dados sobre as motivações do
professor de AEE para indicação deste ou daquele professor da sala comum como
bom professor no que diz respeito à prática docente inclusiva. No roteiro de
entrevista ( apêndice B), além dessa questão sobre a justificativa para a indicação,
também havia uma outra questão que tratava de como percebia a sua parceria com
o professor da sala de aula comum no que diz respeito à sua atuação, além das
informações gerais, como: nome, formação, tempo de atuação na rede de ensino
como professor de Educação Especial e tempo de atuação nessa escola. Assim,
uma a uma fomos realizando as primeiras entrevistas que foram com os professores
de AEE, conforme disposta nas tabela 3 abaixo.
Antes de darmos sequencia a análise das motivações de escolha dos
professores para as entrevistas, entendemos que a tabela abaixo poderá auxiliar o
leitor na localização dos professores entrevistados localizadas nos apêndices:
Tabela 6: Resumo das indicações dos professores de AEE para as entrevistas com os professores das escolas regulares
PROFESSOR DE
AEE APÊNDICE COM
REGISTRO DA
ENTREVISTA
DO
PROFESSOR DE
AEE
ESCOLA A QUE
PERTENCE O
PROFESSOR DE
AEE
MODALIDADE DE
ATENDIMENTO DA
ESCOLA
PROFESSOR DA
CLASSE COMUM
INDICADO PARA
ENTREVISTA
Professora S. Apêndice D Escola 1 Ensino Professora C.
- 132 -
Fundamental
Professora S. Apêndice F Escola 2 Educação Infantil Professora D.
Professora A. Apêndice H Escola 3 Ensino
Fundamental
Professora B.
Professora M. Apêndice L Escola 4 Ensino
Fundamental
Professora G.
Professora E. Apêndice N Escola 5 Educação Infantil Professora F.
Professora E. Apêndice J Escola 5 Ensino
Fundamental
Professora J.
Posterior a esse procedimento, solicitamos que os professores de AEE, junto
às respectivas equipes de gestão da escola, levantassem com o professor indicado
a disponibilidade de participar da pesquisa para que, só assim, pudéssemos fazer o
agendamento para a entrevista.
A partir disso e seguindo os agendamentos realizados nessas cinco escolas
(uma de Ensino Infantil, três de Ensino Fundamental e uma que atende tanto infantil
quanto fundamental), tivemos o contato direto com o professor da sala comum que
está com o aluno incluído e esclarecemos sobre a intenção e procedimentos de
pesquisa, reforçando a necessidade de autorização dos participantes para a
utilização dos seus discursos na pesquisa, bem como esclarecendo sobre os
recursos de registros gravados ou escritos que realizaríamos.
As entrevistas com os professores da sala comum foram compostas por três
questões abertas( apêndice A). Uma delas era sobre como é estar com essa
inclusão em sua sala de aula comum; outra era como a inclusão tem alterado a sua
prática de professor, e outra dizia respeito àquilo que a inclusão tem modificado na
dinâmica da classe. Além destas, as informações gerais também foram levantadas,
como: nome, formação acadêmica, tempo de rede de ensino e tempo nessa escola.
Para melhor localizar o leitor sobre os professores entrevistados e os
respectivos registros de suas entrevistas indicamos a tabela abaixo:
- 133 -
Tabela 7: Relação de professores da classe comum entrevistados e sua respectiva localização nos apêndices
PROFESSOR DA
CLASSE COMUM
ENTREVISTADO
APÊNDICE ESCOLA A QUE
PERTENCE MODALIDADE DE
ENSINO
Professor C. Apêndice C Escola 1 Ensino Fundamental
Professor D. Apêndice E Escola 2 Educação Infantil
Professor B. Apêndice G Escola 3 Ensino Fundamental
Professor J. Apêndice I Escola 5 Ensino Fundamental
Professor G. Apêndice K Escola 4 Ensino Fundamental
Professor F. Apêndice M Escola 5 Educação Infantil
Os registros dessas entrevistas foram feitos em algumas situações por
gravador, e em outras, no papel com a escrita do pesquisador das respostas dadas.
As entrevistas nas quais utilizamos o gravador foram as duas primeiras, pois, a partir
da experiência com essas professoras que demonstraram muito incômodo com o
gravador – uma delas, a todo momento, perguntava: „será que tá gravando?‟, e a
outra disse no final da entrevista não ter se sentido à vontade com a presença do
gravador – optamos por fazer o registro das entrevistas no papel, o que funcionou
melhor. Tanto as entrevistas gravadas como as registradas no papel foram
posteriormente retomadas e reescritas, e estão disponibilizadas de forma integral
nos Apêndices.
Porém, cabe alertar o leitor que como se tratam de narrativas, e toda narrativa
possibilita a evocação da memória, a reelaboração da linguagem, o enredamento
dos múltiplos relatos, tendo como fio nesse enredamento aquele dado pelo
pesquisador que, ao seu modo, ao modo de sua arte, irá contar essas histórias
consciente do desafio de inseri-las no campo da ciência, sem perder a lindeza do
imaginário, nem tudo o que foi dito pelo entrevistado no momento da entrevista foi
possível registrar na íntegra; porém, tudo o que está escrito foi dito pelo entrevistado
da forma que foi dito.
- 134 -
Após a realização das escritas das entrevistas, fizemos uma leitura de todas
elas, levantando aspectos que pudessem ilustrar as questões apresentadas no
Capítulo 2, que tratou das interfaces da prática docente, em forma de excertos.
Realizamos também o levantamento de dados sobre os aspectos gerais dos
entrevistados, como formação acadêmica, tempo de rede e tempo de escola, e
experiência com inclusões anteriores a esta pesquisada. Esses dados estão tratados
na análise dos dados, logo a seguir.
Com o intuito de analisarmos qualitativamente os dados levantados com a
pesquisa, observamos que havia movimentos realizados pelos professores
entrevistados que eram semelhantes, e isso nos chamou atenção para
aprofundarmos a análise dos dados. Nesse mesmo proceder, também buscamos
categorizar alguns pontos levantados nas narrativas dos professores de sala comum
e analisá-los segundo a referência do Index para a inclusão: desenvolvendo a
aprendizagem e a participação nas escolas, que, segundo seus criadores, em 2000,
na Inglaterra, Aiscow e Booth, tem como princípio que:
A inclusão inicia-se com o reconhecimento das diferenças entre os alunos e o desenvolvimento das abordagens inclusivas do ensino e da aprendizagem que têm como ponto de partida estas diferenças. (...) Para incluir qualquer criança ou qualquer jovem, temos que estar preocupados com toda a pessoa, na sua globalidade. Isto pode ser esquecido quando a inclusão foca unicamente um aspecto do aluno, tal como uma deficiência (...). (BOOTH e AISCOW, 2011, p.8)
3.3.1 O contexto das entrevistas: as escolas
Como dissemos anteriormente, as entrevistas foram realizadas no contexto
escolar da rede municipal de São Bernardo do Campo, no 2º semestre de 2013.
A primeira escola visitada pela pesquisadora para a realização da entrevista
chamaremos de ESCOLA 1. É uma escola de Ensino Fundamental localizada em
um bairro central de São Bernardo do Campo, que atende 276 alunos do 1º ao 5º
ano em dois períodos: manhã, das 7h às 12h, e tarde, das 13h às 18h,
disponibilizados em 5 turmas por período. A escola conta com doze professores, um
- 135 -
para cada turma, um professor substituto e um professor de AEE atende dois alunos
com diagnóstico de deficiência ou transtorno global do desenvolvimento.
A escola está desgastada em sua pintura e está passando por reformas por
estar em um prédio antigo da rede estadual, que mantém até hoje algumas
características daquele sistema, como grades nas portas de ferro, corredores
escuros e compridos com salas de ambos os lados, enfim, é um prédio bastante
fechado e escuro.
As salas de aula também estão bastante judiadas pelo tempo, mas a
manutenção e limpeza são adequadas. Nas salas de aula, os alunos são dispostos
em fileiras em carteiras individualizadas. Os materiais dos alunos e do professor são
guardados em armários fechados com cadeados.
A sala de AEE45, onde realizamos as entrevistas, é uma sala ampla que está
no mesmo andar das demais salas de aula, porém destoa das outras salas da
escola por ser mais clara, mais ampla, com apenas quatro carteiras dispostas em
forma de mesas para quatro pessoas e o restante do espaço livre. Também
percebemos que há materiais pedagógicos modernos, bem como computador e
prateleiras que deixam à mostra para o aluno todo o material disponível para o
atendimento.
A ESCOLA 2 é uma escola de Educação Infantil localizada em um bairro
central de São Bernardo do Campo, que atende 218 alunos de 4 e 5 anos em
período parcial: manhã, das 7:30h às 11:30h, ou tarde, das 13h às 17h,
disponibilizadas em 5 turmas por período. Conta com doze professores, incluindo um
professor substituto e um professor de AEE que atende cinco alunos diagnosticados
com deficiência ou transtornos globais do desenvolvimento.
A escola está passando por reforma, está sendo pintada e, por esse motivo,
está desorganizada, com materiais disponibilizados no pátio interno e materiais de
construção no pátio externo. As salas de aula são todas amplas e com portas de
vidro que dão acesso à área externa, cujos espaços também são utilizados pelas
professoras para execução de atividades, o que torna os espaços diversificados e
45 Salas de AEE são também denominadas salas de recursos multifuncionais, e é nesses espaços que acontecem os atendimentos aos alunos com deficiência no contraturno.
- 136 -
bem aproveitados. Nas salas de aula, os alunos estão dispostos em mesas de
quatro alunos, apropriadas para a faixa etária. Há muitos espaços na sala de aula
para que os alunos possam realizar as atividades no chão e nos cantos, que
possuem materiais diversificados, como livros, brinquedos, que ficam à disposição
dos alunos.
A sala de aula é repleta de atividades realizadas pelos alunos, com cartazes
de parlendas, desenhos e pinturas.
Não há sala de atendimento de AEE, pois na Educação Infantil, os alunos não
são atendidos no contraturno, apenas na sala de aula comum no horário que a
frequentam, no trabalho que é chamado itinerância, ou ainda, no ensino
colaborativo, já descrito anteriormente.
As entrevistas aconteceram na sala da coordenação pedagógica, que está
estrategicamente situada no pátio interno.
A ESCOLA 3 é uma escola de Ensino Fundamental localizada em um bairro
periférico do município de São Bernardo do Campo, que atende 434 alunos do 1º ao
5º ano nos períodos da manhã, das 7h às 12h, e da tarde, das 13h às 18h,
disponibilizados em 10 turmas por período. Conta com 23 professores, incluindo 2
professores substitutos e a professora de AEE que atende 3 alunos diagnosticados
com deficiência ou transtornos globais do desenvolvimento. Essa escola, também de
Educação Fundamental, não tem portas de ferro fechadas que impedem a entrada
do público. Nessa escola, há um portão colorido que fica fechado, porém, logo que
chegamos, fomos recebidos pelo guarda da escola, que está no portão e que
simpaticamente nos encaminhou para a Secretaria, que é muito ampla e com vitrôs
grandes que dão acesso à área externa, sendo possível tanto ver de dentro para
fora, como de fora para dentro da escola. Essa escola se assemelha muito a uma
casa com “puxadinhos”, pois tem corredores que ligam um prédio ao outro, sendo
que, de um lado, há as salas de aula, e do outro, os espaços coletivos. A sala da
Gestão Escolar é uma única sala ampla onde fica o diretor, a assistente de direção e
a coordenadora pedagógica, cada um ocupando a sua mesa.
A sala de AEE é próxima das salas de aula; é pequena, mas bem estruturada,
com computador, materiais pedagógicos disponibilizados em armários abertos que
- 137 -
possibilitam a visualização do aluno. Realizamos as entrevistas nessa sala, que
conta com carteiras em forma de meia lua, coloridas, que possibilitam a formação de
grupos.
As salas de aula são claras e amplas, com carteiras coloridas em formato de
meia lua, que permitem a mobilização para formação de grupos. As salas contam
com materiais dos quais os alunos podem se utilizar, disponibilizados em caixas nos
cantos da sala de aula.
O que muito nos chamou a atenção nessa escola é a quantidade de materiais
informativos coloridos e esteticamente bonitos que existem pela escola, desde a sala
da direção, que apresenta dois grandes bonecos disponibilizados em uma das
paredes, que refletem a natureza do espaço escolar: a infância. Nos corredores e
nas salas de aula, há mostra de trabalhos dos alunos. A pintura da escola é nova e
bastante colorida, tornando o ambiente muito agradável.
A ESCOLA 4 é uma escola de um bairro bem distante do Centro, periferia de
São Bernardo do Campo, o mais populoso e carente do município, que atende 1050
alunos do Ensino Fundamental do 1º ao 5º ano, disponibilizadas em 40 turmas por
período. Conta com 40 professores, incluindo 3professores substitutos e 2
professoras de AEE que atende 16 alunos diagnosticados com deficiência ou
transtornos globais do desenvolvimento.
É uma escola gigante em termos de espaço; tem um amplo acesso pela
rampa de entrada, onde sempre há guarda na porta, porém este não orienta o
público, apenas observa o movimento de entrada e saída. O portão da escola está
constantemente aberto, pois o movimento é grande. A Secretaria é imensa, com
muitas mesas de atendimento. As salas de aula são disponibilizadas em diversos
espaços e andares, a escola parece um labirinto. Há uma enorme sala dos
professores, uma sala de coordenação pedagógica, uma sala para assistente da
direção e uma para a direção. Tudo é muito grande, a BEI, o refeitório, o pátio, a
quadra, o Laboratório de Informática.
Há uma sala de AEE disponível para atendimento no contraturno. Realizamos
a entrevista na sala dos professores.
- 138 -
A escola está bem pintada, em bom estado de conservação, é ampla, muito
iluminada e muito colorida também, mas é um grande espaço de difícil manutenção
da limpeza e da organização de materiais.
A ESCOLA 5 é uma escola localizada no bairro que faz divisa com São Paulo,
caracterizado por ser um bairro com população de maior poder aquisitivo e
população mais idosa, e nessa escola, são atendidos tanto os alunos de Ensino
Fundamental quanto os alunos de Educação Infantil, sendo 279 alunos do 1º ao 5º
ano, disponibilizados em 12 turmas por período e 159 alunos de 3, 4 e 5 anos em
período parcial, manhã das 7h às 12h, e tarde, das 13h às 18h, disponibilizados em
8 turmas por período. Conta com 24 professores , incluindo dois substitutos e uma
professora de AEE que atende cinco alunos diagnosticados com deficiência ou
transtornos globais do desenvolvimento.
As salas de Ensino Fundamental ficam em um prédio anexo ao prédio central,
sendo divididos por um pequeno pátio externo. As salas de Educação Infantil são
dotadas de portas de vidro que, quando abertas, dão para o estacionamento dos
professores, mas este é extenso e, portanto, é possível ser utilizado para atividades
fora da sala de aula.
Nessas salas de aula, há mesas retangulares que abrigam quatro cadeiras;
as salas são amplas e bem iluminadas. Há colmeias para que os alunos possam
guardar os seus pertences. As salas de Ensino Fundamental dão para um corredor e
são mais escuras que as da Educação Infantil. São dotadas de carteiras individuais
dispostas em fileiras, e com armários fechados com cadeados para guardar os
materiais.
Há ainda uma sala de coordenação próxima ao prédio do Fundamental e uma
sala de direção e assistente da direção que fica ao lado da Secretaria, sala dos
professores e sala de xerox.
A escola foi recentemente reformada e, portanto, está bem pintada com
paredes coloridas; o piso foi trocado e está também bem colorido, e é dotada de
acessibilidade completa. Mas não há nas paredes, nem das salas de aula, nem da
escola no Ensino Fundamental, exposição das produções dos alunos, isso acontece
apenas na Educação Infantil.
- 139 -
A sala de AEE é próxima ao pátio interno e conta com prateleiras com
materiais pedagógicos para o atendimento dos alunos no contraturno. As entrevistas
foram realizadas nessa sala.
3.4 ANÁLISE QUALITATIVA DAS NARRATIVAS
O trabalho de identificação e de diminuição das dificuldades de determinado aluno pode beneficiar muitos outros em relação aos quais, inicialmente, não se colocavam problemas de aprendizagem. (BOOTH e AISCOW, 2011, p.8)
3.4.1 – Index para a inclusão: desenvolvendo a aprendizagem e a participação nas
escolas
Decidimos tomar como pano de fundo na análise dos dados desta pesquisa o
material elaborado por Aiscow e Booth (2011), já descrito acima: Index para a
inclusão: desenvolvendo a aprendizagem e a participação nas escolas, por se tratar
de um documento que tem por objetivo oferecer às escolas um instrumento de
autoavaliação, por meio de uma observação pormenorizada, sobre a diminuição das
barreiras de aprendizagem e participação. E, ainda que não seja um documento
direcionado exclusivamente aos alunos com deficiência ou com necessidades
educativas especiais, possibilita-nos compreender alguns conceitos que, no
processo de inclusão desses alunos, devem ser considerados.
O Index, ao pautar o desenvolvimento das escolas no que diz respeito à
postura inclusiva, aponta para três dimensões: criar culturas inclusivas, produzir
políticas públicas e desenvolver práticas inclusivas que estão interligadas. A imagem
que melhor reflete essa interdependência é a de um triângulo, em cuja base temos a
dimensão de criar culturas inclusivas, pois é através da cultura inclusiva que se pode
pensar em mudanças nas políticas públicas e nas práticas.
Criar cultura inclusiva, segundo Aiscow e Booth (2011), significa construir uma
comunidade receptiva, colaboradora, em que todos são valorizados em busca do
sucesso de todos, e estabelecer valores inclusivos que se constituem em processo
- 140 -
contínuo de orientação das decisões nas políticas e nas práticas em sala de aula,
passadas aos que vão chegando e se incorporando a essa cultura, e que vão
constituindo o ambiente escolar ao longo do tempo.
Aiscow e Booth (2011), ao se referirem à implementação de políticas públicas,
falam sobre desenvolver uma escola para todos e organizar apoios à diversidade,
diminuindo as pressões da exclusão e favorecendo o sucesso de todos os alunos.
Já com relação à promoção de práticas inclusivas, esses autores significam que é
organizar a aprendizagem e mobilizar os recursos que retratem práticas que
traduzam as culturas e as políticas inclusivas da escola. E complementam (p.14):
“Para além dos recursos materiais, os educadores utilizam, como recursos de apoio
à aprendizagem e à participação, os seus próprios saberes, mutuamente partilhados,
os alunos, os pais e as comunidades.”
Poderemos, a partir desse material, analisar quais são os valores inclusivos
que estão sendo colocados na prática docente, já que nossa análise das entrevistas
realizadas tem como proposta trazer elementos para a discussão de como a
inclusão do aluno com deficiência ou transtornos globais do desenvolvimento na sala
de aula comum tem sido considerada na prática docente nas escolas da rede
municipal de São Bernardo do Campo, com vistas a destrinchar como essas
práticas têm se instalado e avançado na busca de alternativas que tenham como
foco o aluno incluído; e o professor, a partir da reflexão da própria prática, pode
analisá-las como favoráveis e aplicáveis aos demais alunos, tirando a inclusão do
lugar exclusivo de insatisfações e peso para os professores, tornando-se um
caminho para sua formação e, consequentemente, para a transformação de sua
prática a todos os alunos.
Concordamos com Aiscow e Booth (2011, p.21) ao dizerem que “se não
estiver vinculada a valores profundamente enraizados, então a tentativa de inclusão
pode representar a simples adesão a uma moda qualquer ou atendimento às
instruções de cima para baixo”, o que não nos levará ao desejo de superar e
exclusão e promover a participação. Na prática, isso significa associar valores aos
detalhes do currículo, às atividades desenvolvidas nas salas de aula, nas interações
entre os participantes do processo escolar em todos os espaços escolares.
- 141 -
Apropriamo-nos de alguns valores inclusivos que podem contribuir no
estabelecimento de estruturas, procedimentos e atividades inclusivas na escola,
apresentados por Aiscow e Booth (2011) a partir de seus estudos, que contaram
com a participação da comunidade em que estabeleceram suas pesquisas. São
eles: igualdade, direitos, participação, comunidade, respeito à diversidade e
sustentabilidade.
Também ao tratarem do currículo, os autores apresentam três aspectos
significativos a serem considerados e dos quais nos apropriamos por entendermos
que podem contribuir com nossa análise: barreiras à aprendizagem e à participação,
recursos à aprendizagem e à participação e suporte à diversidade.
3.4.2 Análise dos contextos das entrevistas: as escolas
Ao analisarmos os contextos das entrevistas – as escolas – podemos
observar diferenças não apenas na amplitude e características dos espaços, o que
não vemos como significativo para nossa análise, mas especialmente na forma
como a escola organiza seus espaços e, consequentemente, informa sobre as suas
concepções pedagógicas, o que certamente nos interessa analisar.
Considerando as modalidades de ensino pesquisadas – Educação Infantil e
Ensino Fundamental (séries iniciais) – podemos de antemão perceber que as
escolas de Educação Infantil se assemelham na forma de organização que
apresentam, demonstrando convergências para uma mesma linguagem espacial.
Essa linguagem expressa concepções de infância e de currículo para a Educação
Infantil, que podem ser interpretadas a partir, por exemplo, de questões mais
estruturais de espaço, como o fato de todas elas terem em suas salas de aula portas
de vidro que, quando abertas, dão para espaços externos que possibilitam ampliar o
espaço da sala de aula para o seu entorno, tornando esses espaços menos rígidos,
mais atrativos e dinâmicos, ou ainda, pelo uso de mobiliários, que são os mesmos
em todas as escolas, ou seja, mesas retangulares que possibilitam abrigar quatro
cadeiras e tornar as atividades facilitadoras da interação e socialização.
Mas não só por essas questões nos chama a atenção a congruência de
informações que absorvemos desses espaços, como também pela prática
pedagógica de manter espaços dentro e fora da sala de aula que possibilitem a
- 142 -
apresentação da cultura da infância em que todas as crianças estão inseridas, seja
pelas próprias produções, seja pelas produções dos professores com as marcas de
personagens do universo infantil.
Podemos inferir que essa convergência de pensamento e pressupostos
educativos voltados para a Educação Infantil possam ser decorrentes do que vimos
no histórico educacional desse município, pois a Educação Infantil vem se
constituindo de longa data, sendo a primeira modalidade a se instalar por
necessidade da população e vontade política de seus governantes, sendo destaque
na política pública educacional desde então.
Isso permitiu não apenas que as escolas mais antigas na rede pudessem ter
amplos espaços e bons investimentos na construção e manutenção desses prédios,
mas também que os seus profissionais pudessem ter formação continuada nas
questões específicas dessa faixa etária.
Não percebemos diferenças significativas entre essas escolas, e ainda que
uma delas estivesse em reforma, com uma desorganização natural dessa condição,
estava em pleno funcionamento, com a utilização de diversos espaços além da sala
de aula.
No entanto, quando analisamos os espaços do Ensino Fundamental, vimos
diferenças marcantes quanto ao tamanho das escolas e quanto à organização e
características desses prédios. Sabemos, como já nos foi apresentado no histórico
do munícipio, que muitas das escolas municipalizadas desde 1998 mantiveram os
prédios que ocupavam quando pertenciam ao sistema estadual de ensino, e que
estes são, de forma geral, prédios antigos e estruturados para a política estadual.
A que mais nos chamou a atenção foi a escola 1, que, apesar de não ser tão
grande, é uma escola que nos pareceu desorganizada e esteticamente desprovida
de beleza. Também nos chamou a atenção a forma como o público é recebido ao
chegar a essa escola; há um guichê protegido por grades, e mesmo depois de ser
apresentado e autorizada a entrada, passa-se por outro espaço trancado, o que nos
remete à ideia de uma prisão. Isso nos chama a atenção pelo fato de a escola não
estar localizada em uma região que seja considerada violenta ou de periferia, como
- 143 -
é o caso da escola 4, que, apesar disso, mantém a escola aberta ao público sem as
trancas que a escola 1 nos mostrou.
Isso nos remete a refletir sobre um dos valores inclusivos que a escola deve
percorrer, que é o da participação da comunidade e do princípio de gestão
democrática e como estes se relacionam com as práticas inclusivas na escola, pois,
ainda que se estabeleça um bom trabalho de inclusão dentro da escola, quando
fechado em si mesmo, não poderá contribuir para a construção de uma sociedade
mais inclusiva. Compreender que a escola é de todos e para todos não é tarefa fácil,
mas precisa ser essa premissa inerente ao fazer do gestor escolar.
Chamou-nos a atenção a escola 3, que, não por coincidência, foi onde nos
sentimos mais bem acolhidos para a pesquisa, com extrema disponibilidade dos
professores e da gestão da escola, que fez questão de estar presente em todos os
momentos, deixando-nos muito à vontade. Há nessa escola uma preocupação
evidente com o acolhimento e o respeito pelas diferenças, o que torna o clima da
escola muito agradável, e isso foi visto estampado no rosto e no trabalho dos
funcionários e nos alunos, que, ainda que se movimentem de forma intensa e
vibrante pela escola, conseguem manter a disciplina e cuidado com os colegas e
com os espaços escolares.
Gostaríamos ainda de ressaltar na nossa análise dos espaços que a escola E
tem uma característica diferenciada das demais escolas utilizadas nesta pesquisa,
que é a proximidade da realidade da Educação Infantil e do Ensino Fundamental em
uma convivência compartilhada dos espaços coletivos e do projeto político
pedagógico único. No entanto, vemos nitidamente uma diferença de concepção na
organização dos espaços da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, não
apenas por estarem em prédios diferentes, mas, sobretudo, por apresentarem um
funcionamento que reflete diferenças nas concepções.
Diante desses cenários escolares, buscamos entender o que faz a escola 3
ser tão diferente e transparente nos seus valores inclusivos que se aproximam
daqueles que elencamos para esta pesquisa: igualdade, participação, respeito à
diversidade e direitos. Com certeza, a resposta a essa questão está em muitos
aspectos que precisariam ser mais aprofundados e que não são nosso foco nesta
pesquisa, mas, em especial, podemos dizer que a gestão da escola tem feito
- 144 -
diferença nesse processo, pois, como vimos, de todos os contextos utilizados nesta
pesquisa, apenas nessa escola pudemos contar com a presença maciça dos
gestores, que demonstraram não apenas disponibilidade de participar da pesquisa,
mas interesse pelos resultados, num movimento investigativo que somente o gestor
que desenvolveu o perfil de pesquisador pode revelar.
Pudemos, com esse olhar sobre os espaços, neste restrito movimento de
análise, compreender que o lócus da prática docente é igualmente caracterizado por
suas diferenças, tanto quanto o são os seus alunos. E a considerar que a inclusão é
incessante, não atinge a sua meta final nunca, pois as escolas estão sempre
mudando, as crianças e professores chegam e vão embora, novas formas de
exclusão aparecem, novos recursos são mobilizados, os valores inclusivos podem
ser desenvolvidos nas escolas a qualquer tempo e em tempos diferenciados umas
das outras.
Assim, devemos estar alertas para o único sentido que podemos proclamar a
escola como inclusiva, que é quando ela está comprometida com uma jornada de
desenvolvimento orientada pelos valores inclusivos que ela mesma escolhe para sua
comunidade. E é nesse sentido que as experiências com a inclusão de alunos com
deficiência e transtornos globais do desenvolvimento, retratadas e analisadas a
seguir, poderão nos mostrar sobre quais valores inclusivos cada uma dessas
escolas tem se debruçado.
3.4.3 Análise das motivações de escolha dos professores das salas de aula comuns
pelos professores de AEE
Como critério para a escolha das professoras entrevistadas, indicamos ao
professor de AEE apenas que fossem professoras da sala comum com boa prática
inclusiva, ou seja, que tivessem alcançado sucesso na inclusão do aluno com
deficiência intelectual ou transtorno global do desenvolvimento, e começamos a
análise das justificativas apresentadas pelos professores de AEE para essa escolha.
Iniciamos com a justificativa da professora S., que refere que o que chama a
sua atenção na professora C., indicada para a entrevista, é a sua postura diante da
inclusão tomada por ela como um grande desafio, já que, além de estar se
- 145 -
adaptando à turma de alunos menores, tinha também que se adaptar à inclusão de
um aluno com transtorno global do desenvolvimento, totalmente desconhecido por
ela. A diferença que vejo na professora C. é que ela é uma professora consciente da
sua tarefa, que é a de aprender sempre; isso nos remete a analisar que a escolha da
professora S. está exatamente na abertura que a professora C. demonstrou para a
aprendizagem na sua tarefa de ensinar. Isso talvez num primeiro momento, mas,
logo a seguir, vemos que a justificativa se amplia para outros campos que envolvem
não apenas a disponibilidade, mas o fazer, o “botar a mão na massa”, como se diz
popularmente daquilo que não esperamos o outro fazer por nós, mas nós mesmos
buscamos meios de realizar. Isso está refletido em sua fala: O aluno não tem que
aprender? Eu (professora) não tenho que ensinar? Então, eu preciso dar conta disso
e corro atrás do que me falta para isso.
Com isso, ela nos incita a refletir sobre o movimento ativo de
comprometimento com o saber e com o fazer, que não está atrelado a pré-requisitos
ou condições de trabalho, mas à responsabilidade de dar conta da tarefa que se
apresenta para sua função de professor. Não estamos aqui dizendo que as
condições de trabalho não podem ser facilitadores no processo inclusivo, apenas
apontando que a inclusão não pode esperar que se estabeleçam as condições
adequadas para acontecer. Sobre isso a professora S. diz que Se nesta escola eu
posso contar com apoios, ótimo, se não, vou ter que me virar assim mesmo. Trata-
se de atitude de se decidir pelo aluno e não desistir nem mesmo quando as
dificuldades forem maiores que as conquistas. O que me chama atenção no trabalho
da C. é a vontade dela, ela não desistiu dele. Essa atitude a que se refere a
professora S. não é conquista exclusiva no ambiente profissional; ela reflete a
atitude do professor frente à vida como um todo. A questão da inclusão é essa,
como o professor encara os desafios na sua vida é como ele vai encarar na inclusão
deste aluno.
Da mesma forma e mantendo o mesmo caminho de escolha para a
professora D., a professora de AEE, S., diz que a escolha se deu por conta da
disponibilidade da professora: É muito fácil com a D., é só a gente pensar em
alguma coisa e ela já tá fazendo, tá modificando, tá experimentando. Aqui, a
disponibilidade a que se refere é direcionada ao fazer. Mas também acrescenta que
a boa prática da professora para todas as crianças é algo que a diferencia dos
- 146 -
demais professores; aponta isso quando diz: a Prof.ª D. dá uma aula que é uma
delícia. Ela prepara materiais muito atrativos para todas as crianças e que são
necessários para a G.. Na verdade, a Prof.ª D. tem uma boa prática com qualquer
criança, senta no chão com eles, brinca junto e conhece as crianças com
particularidades.
A professora A. fez suas escolhas por conta do desejo da professora do
Ensino Fundamental, B., de estar com a aluna incluída, o que não deixa de ser uma
forma de disponibilidade também: o que eu acho que conta muito para a inclusão
dar certo é o desejo, o desejo de ter o aluno na sala, que faz a diferença na prática
do professor. É o eu tô disposto, depois disso é que vem as dúvidas, de onde partir?
Num segundo momento, é o benefício que foi conquistado pelos alunos dessa
classe com a prática dessa professora junto ao aluno incluído. Outra coisa que eu
acho fantástico é a conquista dos colegas, quando os alunos percebiam a
dificuldade dos colegas, quando percebiam a dificuldade de coordenação viso
motora, os alunos iam ajudando. Já para a indicação da professora de Educação
Infantil, P., o que contou foi o fato de ser essa uma inclusão muito difícil por conta
das grandes limitações do aluno e os resultados que a professora tem alcançado,
especialmente por meio das parcerias com a auxiliar de classe e outros apoios
disponíveis nas adaptações curriculares.
Para a professora M. a indicação da professora do ensino fundamental se
deu por conta das mudanças que vi acontecerem com a entrada do aluno de
inclusão autista em sua sala de aula, as propostas de grupo que tem sido
implementadas e os avanços que o aluno autista tem tido, mas também os avanços
da classe não apenas nos conteúdos propostos , mas na postura frente ao diferente.
Ao analisarmos as motivações que levaram os professores de AEE a
indicarem as professoras de salas comuns com alunos incluídos com deficiência ou
transtornos globais do desenvolvimento para nossa entrevista, observamos, de
forma mais contundente, que as boas práticas desses professores estão
relacionadas ao fato de estarem disponíveis ao trabalho com esses alunos. E ainda
que possamos entender que essa disponibilidade passa por diferentes formas,
desde a disponibilidade para o aluno “diferente” até a disponibilidade para o outro
parceiro nesse trabalho, passando, inclusive e necessariamente, pela
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disponibilidade pelo aprender, pelo conhecer, pelo fazer, pelo experimentar, pelo
inovar, isso nos faz concluir que essa disponibilidade é a mesma que caracteriza o
pesquisador. Podemos, então, dizer que o que levou os professores a escolherem
esses professores foi, antes de mais nada, o perfil de pesquisador que eles têm em
comum.
Porém, avançando na nossa análise e olhando para estes dados por uma
outra lente, podemos inferir que essas motivações, conscientes ou não, passaram,
sobretudo, pela aceitação do próprio professor de AEE na escola regular e pela
busca de uma identidade desse professor da Educação Especial nesse contexto
educacional mais amplo. Se nos atentarmos para os dados já tratados nesta
pesquisa sobre o histórico da política educacional desse munícipio, poderemos
observar o quanto os professores de Educação Especial têm se ocupado de
encontrar um lugar, uma identidade na escola regular, e isso tem se dado de forma
mais direta no estabelecimento das parcerias com os professores de salas comuns
que têm um aluno incluído, nos serviços de itinerância e ensino colaborativo, já
descritos anteriormente.
Sabemos que, historicamente, o professor construiu sua prática de maneira
mais solitária do que solidária na escola, gerando certa possessão sobre o espaço
da sala de aula, bem como sobre os alunos que pertencem a esse espaço, num
movimento contrário ao que se busca na atualidade, de estabelecimento de
parcerias. Entendemos que a inclusão tem desestabilizado os lugares dos
professores, até então demarcados nas escolas; vemos que a inclusão desestabiliza
saberes, espaços e tempos, mas nos desestabiliza, especialmente, da mesmice na
prática docente, porque, para seguir adiante, há de se ter disponibilidade e coragem.
Cabe esclarecer que esse movimento de desestabilizar não acontece apenas com
os professores da sala comum, mas também com os professores da Educação
Especial que atuam no AEE nas escolas, o que os coloca no mesmo barco – o barco
da inclusão.
Frente a esse barco, o que podemos significar como avanço na prática
docente e, por que não dizer, transformação desta, seja ela do professor da
Educação Especial, seja do professor do ensino regular, é a tomada de decisão pela
inclusão, ou seja, é a consciência de que não é mais possível voltar; o barco está em
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alto mar e, portanto, não nos resta outra coisa a fazer a não ser tomar o leme, e
tomar o leme exige conhecimento, vontade e determinação, que, quando
compartilhados, permitem acertarmos a direção.
3.4.4 Análise dos aspectos gerais dos professores entrevistados
Com relação aos professores das classes comuns entrevistados, no que diz
respeito aos aspectos voltados para a inclusão propriamente dita, levantamos que
todos eles já tiveram experiência com inclusão na mesma ou em outra escola da
rede de ensino, não sendo esta sua primeira inclusão; inclusive, muitos deles trazem
os relatos dessas experiências no decorrer da entrevista, o que nos sugere que
essas experiências ocupam um lugar de significância na prática do professor.
Ainda que esse não tenha sido um critério apresentado aos professores de
AEE para a escolha desses professores, isso nos leva a pensar que a experiência
pode estar relacionada à tão acentuada disponibilidade para a inclusão tão marcada
pelos professores de AEE. O fato de terem vivenciado alguma situação de inclusão
anterior a esta coloca-os no lugar de terem tido mais oportunidades de refletir sobre
essa experiência, num movimento de reflexão da prática preponderante no
aperfeiçoamento da prática docente.
Disso decorre não apenas a facilidade para a aceitação desse aluno, do
acolhimento desse aluno, mas, acima de tudo, impõe uma questão altamente
dialética, já que ao mesmo tempo em que não se repete, pois cada inclusão é única
na vida do professor e traz aprendizagens diferentes frente aos contextos dados, é
essa experiência que sustenta a decisão sobre sua atuação e responsabilidade com
esse aluno no mesmo instante em que se vai construindo uma postura inclusiva que
ultrapassa o campo profissional e se mistura com o campo pessoal.
Alguns professores escolheram estar com esse aluno, outros não, sendo essa
escolha feita pela coordenação da escola ou pelas circunstâncias da ocasião. Em
nossa análise, escolher ou não, estar com esses alunos não fez diferença, já que os
dados informaram que a diferença esteve na postura decisiva que o professor toma
após receber esse aluno em seu grupo. Esse movimento de ser colocado pelo
professor no lugar de quem pertence, faz parte, compõe o todo da classe, é o que
faz com que o professor se comprometa com a sua aprendizagem,
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independentemente de sua condição orgânica, psíquica, social ou de qualquer outra
ordem, tanto quanto a dos outros.
Com relação ao tempo de permanência na rede municipal, ainda que haja
diferenças significativas, ativemo-nos a analisar o fato de que todos os professores
estão na rede há no mínimo três anos e, portanto, conhecem os princípios que
norteiam a inclusão no município. Também com relação ao tempo de permanência
na escola pesquisada, ainda que haja diferenças marcantes, entendemos que
apenas a professora C. e a professora J. estavam chegando à escola, tendo que dar
conta da demanda da própria adaptação aos espaços, pessoas e tempos. E ainda
que não tenhamos condição de analisar se esse fato pode ter interferência direta na
condição de boa prática dos mesmos, podemos refletir que ser novo na escola
coloca o professor em condição de vulnerabilidade, conforme nos aponta profª J.:
Tive uma conversa com os inspetores sobre o tratamento que ofereciam para ele e
não foi uma conversa fácil, mesmo porque sou nova nesta escola e não tenho muito
crédito ainda.
Já quando analisamos a questão da formação acadêmica desses
professores, levantamos os dados de que todos são formados em Pedagogia
licenciatura plena, até mesmo por ser este um dos pré-requisitos para ingresso no
cargo de professor na rede municipal de ensino. Alguns deles têm também o curso
de magistério, mas este dado não é relevante para esta pesquisa, ainda que ele
tenha sido mencionado por uma das professoras entrevistadas como ponto de
reflexão sobre a formação dos professores para assumirem a inclusão na escola.
Alguns desses professores estão cursando ou já cursaram a pós-graduação
em Educação Inclusiva, o que os coloca em uma condição de conhecimento
específico diferenciada da maioria dos professores da rede. Dado importante a ser
analisado é o fato de alguns desses professores mencionarem que o interesse pela
pós-graduação nessa área se deu pelos desafios vivenciados na inclusão de alunos
com deficiência ou transtornos globais do desenvolvimento, seja no planejamento de
atividades, seja no conhecimento dos limites e possibilidades desse aluno, que os
impulsionaram a buscar conhecimento de forma individual, sem qualquer vínculo
com a formação ofertada pela Secretaria.
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É muito interessante nos atentarmos a esse aspecto, já que tratamos nesta
pesquisa das questões de formação inicial e continuada, apontando para os déficits
que temos na formação inicial, que hoje tende a ser mais generalista e menos
aprofundada, e que tem delegado à formação continuada as especificidades da
Educação. Nesse aspecto, podemos perceber o quanto a inclusão dos alunos com
deficiência e transtornos globais do desenvolvimento tem movimentado o professor
na busca desse aprofundamento. Com relação a isso, Gatti (2011, p.16) revela em
sua pesquisa “que a formação continuada é central para o desenvolvimento
subjetivo e profissional dos professores e faz parte de um projeto pessoal, como
uma escolha necessária para que se possa dar sentido à atividade docente”, e ainda
complementa dizendo que a formação precisa permitir ao professor não apenas a
reflexão sobre o seu trabalho, mas a reflexão crítica sobre ele, num constante
desenvolvimento de aspectos éticos, políticos e sociais.
Podemos, então, dizer que dos aspectos gerais levantados como
significativos que podem interferir em uma prática docente inclusiva satisfatória,
temos a experiência do professor, porque necessariamente o levou à reflexão de
sua prática que, em primeira instância, pode ter sido o motor da busca de maior
aprofundamento na área, investindo em sua própria formação continuada.
3.4.5. Análise das experiências dos professores entrevistados
Se uma criança não pode aprender da maneira como é ensinada, é melhor ensiná-la da maneira que ela pode aprender. Marion Welchmann
Antes de tratarmos da análise dos dados levantados nas entrevistas com os
professores da classe comum com inclusão de alunos com deficiência e transtornos
globais do desenvolvimento, é necessário considerar que as respostas dos
entrevistados emergem do seu cotidiano na escola, na certeza que temos de que é
nesse cotidiano que as práticas docentes são construídas na busca das
apropriações reais e potenciais que acontecem de baixo para cima, isto é, da
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caminhada do professor como ser social, partindo das provocações e inquietações
que o estimulam a participar da construção social da sua própria identidade.
Para tanto, é necessário que, ao analisarmos essas experiências no
cotidiano, levemos em conta o mundo e o contexto que as rodeiam; isso significa
considerar que um mesmo fato – neste caso, a inclusão – pode ter significados
diferentes para pessoas diferentes, como nos esclarece Cunha (2005, p.36): “a
expressão do cotidiano do professor é determinante e determinada pela conjuntura
social e cultural onde se desenvolve”.
É preciso ainda levarmos em consideração que a vida cotidiana está
organizada no aqui e agora, no presente do sujeito, porém, nem por isso
desconsidera as experiências vividas, passando pelos sentidos, lembranças e
emoções, determinando o lugar do sujeito no mundo como um ser “único” na
construção de sua própria história e na construção de seus próprios conhecimentos
nesse cotidiano; por isso mesmo, devemos deixar claro ao leitor que não temos
qualquer intenção de comparação dessas experiências, valorando-as em melhores
ou piores, tampouco de torná-las possíveis indicações de intervenções ou
prescrições que garantam bons resultados na inclusão de alunos com deficiência ou
transtornos globais do desenvolvimento.
As ações educacionais não podem ser compreendidas apenas pelo olhar de
um desses aspectos; elas desenvolvem, além de questões estruturais de condições
de trabalho, questões de formação e técnica do professor, mas, essencialmente,
envolvem movimentos internos que precisam estar integrados nesta análise.
É, portanto, nessa perspectiva de compreendermos que movimentos ocorrem
com o professor a partir da entrada de um aluno com deficiência ou transtornos
globais do desenvolvimento que estabelecemos nossa análise.
Percebemos que é nesse movimento de busca de alternativas para o trabalho
com esse aluno que algumas características são comuns nos professores
entrevistados, alguns de forma mais claramente perceptível, em outros, de forma
mais sutil, mas que ainda assim podemos localizá-las. Estamos falando da teimosia,
da insistência, da persistência, da não desistência de sua tarefa de ensinar, o que
impulsiona esse professor a buscar diferentes alternativas para o trabalho com esse
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aluno que, via de regra, não aprende da mesma forma que os demais. Mas nos
perguntamos: será que os outros aprendem todos do mesmo jeito? Retomamos a
frase de Marion Welchmann, que nos mobilizou à reflexão no início deste tópico.
Dividimos nossa análise sobre as implicações da inclusão do aluno com
deficiência ou transtornos globais do desenvolvimento na prática docente em três
movimentos46 que ocorrem nesse processo.
A primeira implicação refere-se ao movimento que denominamos
INVESTIGAÇÃO - BUSCA DE INFORMAÇÕES, onde a CURIOSIDADE aliada ao
COMPROMISSO assumido pela professora frente este aluno são os valores
inclusivos que se desenvolvem com maior ênfase.
Ao receber a notícia de que terá em sua sala de aula a presença de um aluno
incluído, independentemente de ser esta uma escolha própria ou de outros (em
geral, da gestão da escola ou das condições circunstanciais da escola), um primeiro
movimento se instala na vida docente: a busca de informações.
Tomemos como exemplo o que ocorreu com a professora C., que, muito por
acaso, ficou sabendo da inclusão do aluno com TGD em sua sala de aula: Vi que a
sala tinha um número reduzido de alunos e perguntei se tinha algum aluno incluído.
Ela me respondeu que a classe tinha um aluno com Síndrome de Asperger. Eu não
sabia o que era isso, perguntei se ele era agressivo e ela me disse que não e que
aprendia rápido. Foi por acaso, porque o que buscava era o apoio para o seu
grande desafio: dar conta dos alunos pequenos (Fundamental I), já que sua
experiência era toda voltada para o Fundamental II e estava preocupada com isso.
Talvez por isso mesmo a notícia não lhe causou tanto estranhamento, pois
estava se apropriando das questões do Fundamental I e esta era apenas mais uma
questão para se apropriar. Mas entendemos também que o fato de se preocupar
com a sua tarefa de ensinar a todos os alunos (grandes ou pequenos) a colocou em
uma posição de consciência sobre o seu papel e o seu compromisso com esses
alunos, que pode ter facilitado a incorporação desse aluno no seu planejamento, no
46 Não por acaso, utilizamos a palavra movimento, mas porque entendemos que esses professores indicados para esta pesquisa tiveram como marca de sua indicação o movimento de busca, de fazer, de “colocar a mão na massa” em contraposição à possibilidade de paralisar diante das dificuldades.
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campo do desconhecido como todos os outros, sendo mais um desconhecido, e não
o único desconhecido para essa professora.
É também interessante mencionar que logo após tomar ciência de que esse
aluno estaria em sua turma, sendo este nomeado pela sua diferença pela
coordenadora como Síndrome de Asperger, classificação desconhecida pela
professora, sem qualquer informação prévia, a sua pergunta primeira foi sobre o
comportamento do aluno.
Temos ouvido e visto alguns pesquisadores apontarem que os alunos com
transtornos globais do desenvolvimento (em que se encaixa a Síndrome de
Asperger) têm sustentado a condição de uma inclusão mais difícil, já que têm como
características de barreiras para a aprendizagem as questões de interação,
comunicação e comportamento, em alguns casos, com episódios de agressividade.
Daí podemos supor que ainda que a professora desconhecesse as especificidades
da Síndrome de Asperger, a sua preocupação primeira estava voltada para os
desafios comportamentais que poderiam advir dessa condição.
Isso confirma o que apresentamos inicialmente neste trabalho sobre as
diferenças nos processos de inclusão dos alunos com deficiência sensorial ou física,
em que as barreiras de aprendizagem estão voltadas para as adaptações de
materiais, espaços e recursos de apoio e de tecnologia assistiva aplicadas às salas
de aula comum; e a inclusão dos alunos com deficiência intelectual ou transtornos
globais do desenvolvimento, em que as barreiras de aprendizagem são da ordem
comportamental ou intelectual e não há materiais ou espaços a serem adaptados,
mas há, essencialmente, necessidade de adaptações nas estratégias de ensino-
aprendizagem, demandando muita criatividade e vontade do professor.
Precisamos considerar que a oportunidade de pertencer à escola e usufruir de
vivências próprias da infância é bastante recente para esses alunos, pois, até muito
pouco tempo atrás, estes tinham destinos bem diferentes de seus pares, vivenciando
apenas atendimentos médicos e clínicos e, na melhor das hipóteses, frequentando
instituições especializadas exclusivas para crianças com transtornos, como
apontamos no Capítulo 1, que tratou da história do deficiente e das mudanças de
paradigmas pelas quais passamos. A chegada desse aluno na escola regular
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desestabilizou lugares pré- determinados no ensino e na aprendizagem, colocando
em movimento os saberes e os fazeres do professor dia após dia.
Vemos pela resposta que a professora recebeu da coordenadora da escola
que esta se apressou a apresentar as potencialidades do aluno, afirmando que
aprende rápido, num movimento natural de tranquilizar o professor, oferecendo a ele
um estímulo para querer estar com esse aluno. Já apontamos anteriormente,
quando tratamos das instituições escolares e sua função na sociedade, que a escola
que temos hoje não tem atendido às necessidades atuais dos nossos alunos, o que
pode justificar, muitas vezes, o desinteresse e a indisciplina na escola. Essa reflexão
sobre qual é escola que temos hoje para atender nossos alunos frente a tantas
diversidades de comportamentos, interesses e necessidades, remete-nos a buscar
alguns caminhos nos valores inclusivos de igualdade e direitos.
Apoiamo-nos no Index para a inclusão, de Aiscow e Booth (2011), para
definição desses conceitos. Precisamos marcar a ideia de que igualdade não é
serem todos iguais, tampouco que sejam todos tratados da mesma forma, porém,
que todos sejam tratados como sendo de igual valor.
Inevitável que ao tratarmos de igualdade, direcionamo-nos ao conceito de
direitos, que se contrói a partir da preocupação com a igualdade. “Quando as ações
conduzem a desigualdades, então elas não podem envolver um direito” (p. 23).
Ainda que nos atentássemos para a prerrogativa legal de que as crianças e jovens
têm direito a uma educação de qualidade, gratuita, pública e em sua localidade, não
estaríamos maduros ou preparados para o exercício na prática, pois, apesar do
compromisso aparente expresso nos documentos legais nacionais e internacionais,
disputamos esses direitos na prática. Equivocadamente podemos condicionar os
direitos às responsabilidades, ou seja, a ideia de que um direito pode ser concedido
segundo um determinado comportamento, o que seria um erro, pois partimos da
premissa de que todo direito é incondicionante, já que se trata de uma condição
única: humanidade.
E é diante dessa premissa que vemos que os professores
entrevistados se movimentam em busca de informações sobre esse aluno, seja em
recursos mais genéricos como a Internet, conforme nos mostra a professora C.:
Cheguei em casa e, como boa internauta que sou, fui direto para a Internet. Achei
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algumas informações e fiquei receosa com o que li, seja pelas informações trazidas
de anos anteriores pelos outros professores e funcionários da escola, ou ainda pela
própria família. Assim também a professora G. Logo que recebi o Jonatas ( nome
fictício para preservar a identidade do aluno) fui correndo procurar na internet
informações que pudessem me ajudar a conhecer melhor as características do
autista e me orientar no planejamento. A professora do ano passado dele me passou
algumas informações e me deu dicas de onde começar, mas na verdade pouco me
ajudaram estas informações, porque quando você recebe o aluno, você continua
sem saber direito o que fazer , ele continua sendo uma novidade , mesmo com todas
as informações do mundo.
Cabe-nos analisar do que se trata essa busca de informações por esses
professores e como estes têm se posicionado frente a isso. Vemos que essa busca
não é por si só um movimento desaconselhável, já que a curiosidade é uma forma
de motivação, e a busca pela compreensão das necessidades desses alunos,
segundo um diagnóstico que está categorizado por uma equipe médica, pode
auxiliar na prévia organização de espaços e tempos no cotidiano da escola e no seu
planejamento, que cada vez mais pensamos ser um instrumento de pesquisa e
reflexão do professor em sua prática.
Porém, precisamos identificar que, se por um lado, essa busca pode ser
positiva e mobilizadora de ações intencionais com esse aluno, por outro, pode ser
paralisadora, já que a gama de informações existentes, e muitas vezes divergentes,
que se apresenta nos canais de pesquisa podem desorganizar ainda mais o
planejamento do professor e deixá-lo mais ansioso. Podemos dizer que o remédio é
necessário, mas o tipo de remédio e a dose podem não curar, mas ainda piorar e até
matar o doente.
Corremos o sério risco de definirmos o potencial e as limitações de
aprendizagem e de sucesso escolar do aluno a partir da concepção de déficit que
vem rotulado nos laudos dos especialistas da área médica, fechando possibilidades
de investimentos pedagógicos na aprendizagem, que, como bem sabemos, são
altamente mutáveis, porque demandam a relação de muitas outras variáveis no
contexto escolar.
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Essa, ao nosso ver, é uma questão de extrema importância, pois, se por um
lado, o professor precisa conhecer características da deficiência ou do transtorno
que o aluno apresenta para melhor se organizar, o uso que este pode fazer desse
material de pesquisa pode ser o veredicto para os alunos incluídos, e o que
determinará um caminho ou outro para esse professor estará vinculado à análise de
qual paradigma estamos nos afeiçoando ao se tratar do diagnóstico dado ao aluno.
Se colocarmos o diagnóstico como aquele que dirá o que o aluno pode ou não fazer
na escola, o que irá ou não aprender na escola, viveremos ainda sob uma
perspectiva paradigmática médica, como vimos anteriormente na Idade Média.
Nesse caso, não há muito para o professor fazer, restando-lhe lamentar por si, pelo
aluno, pela classe e, em muitos casos, fazer uma recusa oculta desse aluno em sua
sala de aula, proporcionando-lhe experiências pobres e repetitivas que não levam à
aprendizagem.
Mas não é esse o caso de nenhuma de nossas professoras, até mesmo
porque nossa pesquisa se direcionou para aqueles que têm conseguido sucesso no
processo de inclusão e, portanto, deixaram esse paradigma para trás, como nos
relata a professora D.: para mim, o diagnóstico não importa, eu não quero nem saber
dele, porque eu preciso é levantar o que a criança precisa para avançar e fazer o
que ela precisa, o diagnóstico não me ajuda nisso, eu deixo o diagnóstico para os
especialistas. Para esta professora, esse trabalho de investigação sobre o aluno se
inicia no começo do ano quando esta se ocupa de conhecer o que ela sabia fazer,
apesar das limitações motoras e cognitivas que apresentava. A deficiência / as
limitações que o aluno apresenta são secundárias à sua condição de aluno, no
sentido daquele que está na escola para aprender.
No relato da professora: Tinha uma grande preocupação no início dos
trabalhos, porque como sabia que ela era autista e já tinham me dito que o autista
precisa fazer tudo certinho, do mesmo jeito, e eu sou imprevisível, gosto das
mudanças, pensei, isso não vai dar certo, vou viver em conflito. No final, eu tirei ela
disso, dizia para ela: tem que ser assim, tem que ser deste jeito, e fomos nos
entendendo, o que vemos é que a condição de autista não venceu a condição de
aluno para esta professora.
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Se tomarmos ainda como fontes de informação a família ou mesmo outros
professores, poderemos também compreender que estas devem ser incorporadas
pelo professor como informações que precisam ser consideradas em seus contextos
de conhecimento, pois as relações estabelecidas com as potencialidades ou limites
desse aluno estão atreladas aos conhecimentos construídos por seus portadores, e
não a verdades absolutas. Assim, vemos no relato da professora C. as informações
trazidas pela família sobre Gustavo (seu aluno incluído): é inteligentíssimo, mas não
entende brincadeiras, piadas. Só entende as comandas que são diretas e claras e
não esboça sentimentos. A professora então conclui: fiquei muito apreensiva porque
não podia imaginar o que me esperava. Cabe ressaltar que essa informação
associada à da coordenadora, de que aprende rápido, e às muitas outras levantadas
na Internet, podem ir dando lugar a uma imagem distorcida da realidade desse aluno
em nome de uma categoria diagnosticada com o título Síndrome de Asperger.
Podemos entender que a visão da deficiência como principal causa das
dificuldades educacionais pode nos desviar de barreiras para aprendizagem e
participação em todos os demais aspectos de ambientações e obscurecer as
dificuldades experimentadas pelas crianças sem rótulo. Isso encoraja as crianças a
serem vistas pela lente da deficiência em vez de serem vistas como pessoas
integrais.
Nesse sentido, a professora J. radicaliza: Resolvi que não consideraria os
registros anteriores e partiria do zero no conhecimento do Douglas., queira eu
mesma descobrir coisas sobre ele e não ficar presa no que os outros me diziam dele
(...). Tirei ele de uma grande mesa que tinha, que em nada lhe interessava, e
coloquei-o no chão por entender que ele não queria aprender, ele queria apenas
viver. Mesmo sobre a informação que ele não podia ir para o chão porque comia
tudo que tinha pelo chão. A informação que limita/ subestima. Eu antecipava para
ele que ia pôr ele no chão, mas que precisava da ajuda dele para não comer o que
estava no chão, e assim fomos nos entendendo.
Analisamos que em muitos dos nossos relatos, os professores, depois de buscar
informações em fontes externas, voltam-se para conhecer o aluno no contexto da
sala de aula, e só a partir desse momento, começam a pensar em possibilidades de
trabalho com esse aluno.
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A estratégia utilizada pela professora C. ao deixar os alunos livres para
escolherem onde se sentar no primeiro dia de aula foi intencional para o
levantamento de dados sobre todos os alunos, incluindo aquele com Síndrome de
Asperger. Logo que o visualizou sozinho no fundo da sala, pôde lançar mão das
informações obtidas anteriormente, observá-lo com mais cautela e de imediato
propor intervenções frente a um objetivo já estabelecido, apropriando-se da sua
tarefa de ensinar a todos os alunos. É essa postura de apropriação, de
pertencimento do aluno ao grupo classe que faz com que o professor, mesmo diante
dos questionamentos daqueles que, por algum motivo, consideram saber mais do
aluno que o professor, sustente a sua prática e avance nas possibilidades e
criatividade com esse aluno, que é único e particular, ou seja, a construção de uma
relação não descarta as experiências vividas de ambas as partes, mas tem
consciência de que é uma nova construção, porque se trata de um novo contexto, de
um novo momento, de novas pessoas que se encontram.
Percebemos, portanto, que a busca de informações pelo professor sobre as
condições desse aluno é necessária e importante para esse primeiro momento de
recepção e ansiedade frente à inclusão; todavia, poderia contar com o apoio do
professor de AEE enquanto parceiro mais experiente, tornando essa busca mais
bem orientada e menos solitária. Porém, só podemos dizer que a prática docente
efetivamente se instaura quando o conhecimento desse aluno decorre das relações
que se estabelecem entre o sujeito professor e o sujeito aluno, seja este de qual
diagnóstico for, mobilizando o desejo de possibilitar aprendizagens a esse aluno.
Sobre isso a prof.ª J. diz: Certo dia, quando me aproximei para falar com ele em sua
cadeira, me puxou e teve a intenção clara de me abraçar, e isto não tem preço(...).
Muitas pessoas têm nojo de chegar perto dele, é fato, porque baba, tem uma
aparência estranha, não olha nos olhos da gente, não sabe se cuidar, enfim, é
esquisito, mas quando a gente estabelece o vínculo, o afeto, tudo isto é
irrelevante(...). Descobri alguns sinais que Douglas fazia e passei a utilizá-los para
me comunicar com ele; assim, fui percebendo que ele me entendia mais do que eu
poderia supor num primeiro momento. Penso que as outras professoras que
estiveram com o Douglas preocuparam-se muito com o pedagógico e esqueceram-
se de estabelecer uma relação com ele.
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Podemos com este excerto compreender que só estabelecemos vínculo entre
sujeitos e não entre um sujeito e um diagnóstico.
Vencida a primeira barreira do acesso à escola regular pelo aluno com
deficiência ou transtorno do desenvolvimento garantida pelo direito, vencemos, com
essa movimentação do professor frente à inclusão, uma segunda barreira para a
aprendizagem e participação, que é a de pertencer ao ambiente escolar na categoria
de aluno, daquele que aprende, a partir desse vínculo estabelecido.
Não terminada, mas menos angustiada essa busca, o professor se entrega a
uma segunda implicação em sua prática, que denominamos EXPERIMENTAÇÃO -
TOMADA DE DECISÃO QUE LEVA AO AGIR SOBRE A SITUAÇÃO PROBLEMA.
Trata-se de “arregaçar as mangas e pôr a mão na massa”, ou seja, do
movimento de fazer algo por esse aluno de forma que possa aprender.
Analisaremos, assim, o movimento de planejar e adaptar as atividades para o aluno
incluído, tendo como propósito de desenvolvimento uma característica definitiva na
construção de valores inclusivos : a OUSADIA.
Precisamos marcar para o leitor que esse planejar as atividades para o aluno
incluído se trata, antes de mais nada, de um momento decisivo para o sucesso e
aprendizagem do mesmo. Falamos aqui de uma decisão que é tomada pelo
professor ao assumir esse aluno como parte de seu agrupamento; não se trata de
tantos alunos e mais o incluído, trata-se de contá-lo no grupo classe. Planejar,
portanto, passa a ser a decisão de que há algo a oferecer a esse aluno, trata-se de
aposta, de acreditar que há algo a ser feito e que a professora pode contribuir.
Vemos isso na fala da professora C. ao dizer: fazia só as atividades com números,
as com letras dizia não sei e nem tentava, já empurrava a atividade para longe.
Quando eu insistia, ele fazia uns movimentos estranhos e batia com a cabeça. Mas
isso não me amedrontava, porque eu entendia isso como uma teimosia e tenho para
mim que se o aluno é teimoso, a professora precisa ser mais teimosa ainda, e eu
insistia e dizia para ele, se você não sabe, vai aprender, é para isso que está na
escola (...) eu pensei, sou professora há tanto tempo, será que eu não vou dar conta
deste moleque?
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E essa certeza de poder fazer algo é tanta que, ainda que para todos os
outros pareça doidice, a decisão de fazer move o agir. Estar decidida não significa
nem de longe ter certeza sobre o que fazer, mas ter certeza de que algo precisa ser
feito e será. Nesse sentido, a professora C. relata: vi que era assim mesmo,
teimoso! Então, conversei com ele explicando que todos os alunos da classe não
sabiam coisas assim como ele, mas que precisava aprender e que eu estava ali para
ajudá-lo, acho que para quem visse de fora parecia que eu era doida falando com
ele desta forma. Pensava comigo mesma, será que tô fazendo certo? Trocando ideia
com o menino... não sei quem era o mais problemático ali.
O senso comum normalmente aponta que o sucesso da inclusão está
vinculado à boa vontade dos professores, mas o que vemos é que a boa vontade
sem a habilidade de observar, refletir e recriar a sua prática não sustenta a
aprendizagem desses alunos. A professora D. nos dá sua contribuição nesse
aspecto quando diz: depois fui pensando o que é que eu podia propor para ela e
para os outros, já que estar na escola implica em aprender algo, foquei na mesma
atividade para todos. Não acho certo deixar a criança fazendo outra atividade, e
deixava que ela me mostrasse como podia desenvolver a atividade. Ela mesma é
quem foi me dando dicas do que fazer para ajudá-la. Gosto de ver toda criança
evoluir, eu me preocupo com todos da sala de aula, gosto de ver todos avançarem,
cada um em seu ritmo e do seu jeito.
Podemos analisar por este relato que ter clareza de onde se pretende chegar
não é suficiente; o professor precisa ter a habilidade da observação, o compromisso
da reflexão e a motivação para fazer algo novo e diferente. Com relação a isso a
professora G. relata que Fui percebendo que estava acertando quando ele começou
a responder a chamada como os outros, levantando a mão, num processo que foi
extremamente lento para a aprendizagem deste procedimento. No início, a
chamada não tinha qualquer significado para ele, mas eu tinha o propósito que ele
compreendesse a rotina da sala de aula e cumprisse os procedimentos de escola,
um deles era a chamada que é realizada para todos , todos os dias pelo professor.
Chamava pelo seu nome e ele não tinha qualquer reação, então eu ia próximo a ele
e dizia você tem que responder a chamada é seu nome que estou chamando agora,
veja seus colegas , levantam o braço e respondem presente para que eu possa
saber quem está na sala e quem faltou. Aparentemente ele não estava entendendo
- 161 -
o que eu dizia, então passei a pedir que um amigo levantasse o seu braço sempre
que chamasse pelo seu nome, indicando a ele que era a sua vez de levantar o
braço, até que depois de alguns meses, o trabalho é lento, ele espontaneamente
levantou o braço antes que o amigo o pudesse fazer. Então pensei estou no
caminho certo, porque ele agora pode saber qual é o seu nome nesta classe, a partir
da chamada.
Podemos aqui apresentar um outro valor inclusivo trazido por Aiscow e Booth
(2011), que trata do respeito à diversidade, entendido como valorizar o outro pela
sua individualidade, inclui diferenças e similaridades percebidas ou não entre as
pessoas e não deve ser confundido com alteridade: o diferente de nós.
Esta resposta contrasta com uma resposta seletiva que tenta manter uniformidade pela classificação e divisão de pessoas as distribuí em grupos dispostos segundo uma hierarquia de valor. (...) Uma abordagem inclusiva à diversidade envolve compreender e combater os perigos destrutivos de equacionar diferença com inferioridade. (AISCOW E BOOTH, 2011, p. 24)
Tal interpretação da diversidade faz dela um rico recurso para a vida e para a
aprendizagem, e não um problema a superar.
Com esse objetivo de atender à diversidade e respeitar as diferenças é que
os professores pesquisados, todos sem exceção, se ocuparam de planejar as
adaptações curriculares, que, como vimos anteriormente no Capítulo 2, podem ser
de grande ou pequeno porte. Para nossa análise, como tratamos das experiências
vivenciadas pelos professores em sala de aula, analisaremos apenas as de pequeno
porte, ainda que, em alguns casos, de pequeno elas não tenham nada, pois
adaptamos objetivos, conteúdos, estratégias e avaliação, ou seja, praticamente todo
o planejamento.
Reduzir barreiras para aprendizagem e participação envolve mobilizar
recursos e um desses recursos é a adaptação curricular.
Trabalhar sob esse viés da adaptação curricular nesta análise nos aproxima
um pouco mais do foco deste trabalho, que é compreender a transformação da
prática docente a partir da entrada ou inclusão do aluno com deficiência ou TGD na
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sala comum; e nesse sentido, vemos que a professora C. relata que Trabalhei com
letras móveis/jogos, mas ainda resistia muito nas letras. Procurando atividade para
os alunos na Internet, achei uma atividade que associava os números às letras, quer
dizer, os resultados das situações numéricas eram dados em letras que juntas
formavam palavras. E logo pensei que isso poderia funcionar com o Gustavo. e seria
bom para todos os alunos. Segundo a S. (professora de AEE), a grande sacada foi
eu ter encontrado esta atividade, porque o G. sempre ia para o Conselho de Classe
como o aluno que não sabia ler e escrever, mas com esta atividade pude observar
que ele sabia ler. O movimento que essa professora teve ao procurar atividades para
a classe nos mostra que, de fato, incluiu o seu aluno no grupo, porque, ao encontrar
uma atividade que fosse mais interessante ao aluno com síndrome, pôde ampliá-la
para os demais alunos, o que não é comum, pois, de forma geral, os professores
buscam as atividades para a classe e depois adaptam para o aluno incluído dentro
de suas condições de realização.
Também a professora B. entende que a atividade deva ser a mesma, e a
adaptação a ser realizada não é de atividade / de proposta, mas de resultado, ou
seja, ela propõe a mesma atividade, porém as expectativas com relação à sua
produção é que são adaptadas. Ela diz: eu quero pensar um trabalho para ela
porque precisa estar inserida, adaptado para ela. Não aceito esta coisa de atividade
diferente para ela, ela vai fazer o que todos estão fazendo, mas dentro das
condições dela.
Se tomarmos por referência a visão de normalização, ou seja, de déficit, e
que, portanto, a escola precisa corrigir ou diminuir ao máximo esse déficit, o
currículo escolar comum pode não caber para todos os alunos. Porém, se tomarmos
por referência a visão de potencialidades, ainda que estas não sejam as esperadas
pelo currículo escolar, que ainda é pouco flexível, as diferentes estratégias utilizadas
na sala de aula poderão auxiliar o professor a atingir seus objetivos com todos os
alunos. Nos casos de inclusão, esses objetivos podem coincidir ou não com os
objetivos para a classe. Mas aqui, deixamos uma questão: será que somente os
alunos com deficiência ou transtornos do desenvolvimento necessitam dessas
adaptações curriculares de pequeno porte? Não existem na sala da aula outros
alunos sem o rótulo que se beneficiariam de um currículo que flexibilizasse objetivos,
estratégias, formas de avaliação, por exemplo?
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A professora G. conta sobre a sua experiência com o aluno incluído em uma
das atividades propostas Tivemos uma atividade de grupo , onde a proposta era a
escrita de uma carta aos 3 porquinhos avisando que seu Lobo se aproximava para
tentar matá-los e foi muito boa a produção do grupo que estava com o Jonatas, pois
o fato dele não saber escrever ou falar, o que era básico na atividade, não foi
impedimento para ele participar. Os alunos encontraram um caminho que ele
pudesse participar da atividade e ele participou fazendo desenhos, que por sinal
ficaram ótimos na carta para os 3 porquinhos. O grupo se sentiu muito satisfeito
com a produção coletiva.
Em se tratando de adaptação de formas de ensinar, podemos tomar como
exemplo a professora C. ao dizer que Gustavo. é metódico, não abre possibilidades,
fixa regras, então pensei que o silabário, que é bem metódico, poderia ajudar,
mesmo sendo proibido na rede. Dei o silabário para ele e ele decorou tudo tão
rápido, que quando pedia a letra b, repetia automaticamente todas as sílabas ba-be-
bi-bo-bu. Hoje não usa mais o silabário, nem pede... Houve, neste caso, uma
adaptação de método, pois aquele utilizado para a sala toda não estava funcionando
com ele, então, a professora partiu do conhecimento que tinha do aluno para
adequar as suas estratégias de ensino.
Porém, esse processo de adaptação curricular mobiliza o professor da sala
comum a buscar ajuda para ser implementado. A professora C. diz que quando
decidiu utilizar o silabário à revelia das orientações dadas pela rede de ensino, fiquei
preocupada e pedi ajuda para a professora de AEE, e ela me orientou a alternar o
uso e só dar a ele quando ele pedisse, e complementa ao dizer como o professor de
AEE contribuiu para sua reflexão quando o seu desafio estava em fazer com que ele
fizesse as atividades de Português e não apenas as de Matemática: a dica da S.
(professora de AEE) foi pensar em uma estratégia que utilizasse o que ele sabia, e
ele sabia gravar as coisas, então, pensei no silabário. Não foi o silabário que o
ajudou a escrever, nem só as letras móveis, foi um conjunto de coisas, assim como,
Na informática, foi muito interessante a parceria com a professora de AEE, porque
eu achava que ele tinha problema motor, porque eles têm um jeito meio
desengonçado de andar, é um andar diferente, e a S. (professora de AEE) me fez
refletir que se ele não tivesse coordenação motora, como desenvolveria com tanta
agilidade e perfeição as atividades no Paint no computador? (...) Em outro momento,
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ele começou a se fazer de louco, mexia os braços mole e virava os olhos, e as
crianças corriam de medo dele e ele ia para cima; corri para a S. (professora de
AEE): e agora, o que eu faço? Ela me deu umas dicas e disse: por que você não
transforma esta loucura dele em uma brincadeira com toda a classe? Por que eu não
tinha pensado nisso? Então, propus para a sala: todo mundo vai poder ser louco por
hoje, e isso diluiu este comportamento do ustavo.
O que vemos neste depoimento é que a parceria com a professora de AEE
esteve presente a partir dos momentos de dúvida, indecisões e, principalmente, de
dificuldades da professora da sala comum, que, a partir do vínculo de confiança
estabelecido com essa professora na escola, pôde partilhar essas questões e
construírem juntas possíveis soluções que precisaram ser experimentadas e
validadas pela professora da sala comum.
Como vimos ao longo do Capítulo 2, são muitas as formas como o professor
de AEE pode ser apoio na escola e na sala de aula do aluno incluído; porém, o que
vemos a partir desses relatos é que essa parceria nessa rede de ensino ainda está
no campo das receitas, das prescrições do especialista. Precisamos avançar nessa
parceria para o campo do fortalecimento desse professor da sala comum, na
apropriação de como fazer, buscando sua emancipação nesse processo inclusivo,
cedendo lugar aos modelos de como fazer, que limitam as inúmeras possibilidades
de soluções.
Entendemos que este seja um desafio ao professor de AEE, poder contribuir
de forma mais direta e prática com a formação desse professor, tornando-o cada vez
mais competente e capaz de pensar sobre as soluções dos problemas advindos pela
diversidade na escola, a partir de um repensar de posturas que, à medida que se
internalizam, podem construir a escola inclusiva.
A parceria entre o professor da sala comum e a professora de AEE se
estabelece com o vínculo que se constrói na partilha de dúvidas, ideias, angústias e
conquistas com o aluno, entre o professor que está cotidianamente com os alunos
em sala e o professor que está mais distante e dá “mergulhos” na sala de aula na
tentativa de observar o que não é possível a quem está imerso no cotidiano,
conforme nos apresenta a professora C.: penso que é uma pessoa externa que dá
- 165 -
dicas para a gente. A gente fica se perguntando até onde você tá fazendo o certo ou
tá sendo um problema para a criança.
Uma outra professora, ao falar da professora de AEE, diz que a parceria do
professor é de muita ajuda porque a gente no olho do furacão não consegue ver o
miudinho. Demonstrando clareza dos lugares diferenciados ocupados por esses
profissionais, ao professor da sala regular cabe a gestão da sala de aula em todos
os seus aspectos, e ao professor especialista cabe a parceria no planejamento e na
formação desse professor, como preconiza a Política Nacional da Educação
Especial (2008).
A professora C. ainda deixa claro que essa parceria não se estabelece de
“bate e pronto”, quando diz que nenhum momento teve (o professor de AEE) o nariz
empinado, com a postura de achar que sabia mais, desprezando o saber do
professor que está todos os dias com o aluno e da gestão da escola, que confiou no
meu trabalho mesmo sabendo que não tinha experiência e que podia dar errado,
mas acreditou que ia conseguir, e conclui: em um trabalho de muitas mãos.
Uma outra forma de essa parceria se estabelecer é a que relata a professora
B.: com o professor de AEE dá muito certo, porque no HTPC47, a gente, eu e a
professora de AEE planejamos as adaptações necessárias das atividades que irei
propor para a classe para Bruna (tipo de letra, número de questões, tamanho do
texto, etc.). Aí eu tenho um segundo olhar, planejo de novo a atividade e até mudo o
que tinha pensado antes para todos, e fica até melhor.
Aiscow e Booth (2011) apontam que atividades de suporte são todas as
atividades que aumentam a capacidade da escola de responder à diversidade das
crianças de modo que sejam igualmente valorizadas. Os esforços para reduzir as
barreiras de aprendizagem e participação, assim como a mobilização de recursos,
são atividades de suporte. Podemos entender que o professor de Educação
Especial que atua no AEE, assim como os gestores da escola, ou mesmo os demais
alunos da classe, são suporte à inclusão.
47 HTPC – Horário Pedagógico de Trabalho Coletivo - espaço de formação continuada dos professores que acontece semanalmente na escola sob a coordenação do coordenador pedagógico.
- 166 -
Nesse sentido, a professora B. se refere ainda ao suporte dado pela auxiliar
de classe os outros apoios também ajudam; eu, por exemplo, tenho uma auxiliar que
é meu braço direito, ela me ajuda demais, mas foi necessário que o trio gestor
bancasse junto com a gente, porque tem uma ordem da secretaria que a auxiliar de
ensino não pode ajudar na sala de aula, apenas para as ações de locomoção pela
escola, higiene (troca de fralda e outros) e alimentação, e às vezes, não é disso que
a gente precisa. Ainda que este seja um apoio necessário e muito importante,
caberia aprofundar sobre o papel e a atuação desse profissional na inclusão escolar,
mas isso fica para um outro momento.
Cabe salientar que muitos dos professores entrevistados trouxeram como
suporte importante para a inclusão a parceria com o grupo classe. Nesse caso, é
interessante pensarmos sobre a inclusão no que diz respeito aos benefícios que a
diversidade traz, e como o professor pode se aproveitar da inclusão para
desenvolver atitudes e valores inclusivos, como igualdade e respeito. Porém, a
professora C. nos traz uma outra perspectiva, que é o trabalho com a diversidade
com todos os alunos, pois precisou trabalhar a diversidade com o aluno Gustavo
(aluno incluído por ter Síndrome de Asperger), já que não tinha paciência com os
alunos que demoravam para resolver problemas matemáticos, tendo que aprender a
respeitar essas limitações de seus colegas, e estes a respeitar as suas limitações
também. Isso nos mostra o quanto a diferença é relativa à referência que temos, e,
portanto, todos estamos imersos nela e precisamos aprender com ela.
Nesse sentido, o relato da professora J. nos mostra o quanto esses lugares
de quem ensina e de quem aprende na diversidade são circulantes, quando diz em
seu relato que a turma conhecia o Douglas antes de mim, e conhecem ele melhor
do que eu, foram ensinando a professora, me ajudavam nos momentos de
convulsão, diziam: é só abraçar ele e acalmá-lo; para um especialista isso pode
parecer uma bobagem, não é uma indicação de como de tratar uma convulsão, mas
para o contexto da escola isso foi muito importante.
Também a professor G. trouxe o seguinte relato sobre a aprceria com o grupo
para a classe, o ganho que vejo é no aprendizado do que é solidariedade, pois cada
dia uma criança é responsável por estar mais próxima dele, auxiliando-o nas
atividades. Ele já mostra algumas preferencias, indo perto dessas, ele mesmo
- 167 -
levanta da sua carteira e vai próximo de onde estas crianças preferidas por ele
estão.
Até aqui caminhamos descobrindo que os professores, ao receberem os
alunos com deficiência ou transtornos do desenvolvimento, buscam informações
sobre o diagnóstico recebido, até que percebem que o conhecimento do aluno só
virá com a sua observação e intervenção em um contexto onde se estabelece o
vínculo entre sujeitos. Posterior a isso, é hora de pensar como diminuir as barreiras
de aprendizagem e participação na escola, e muitos são os suportes de que
podemos lançar mão, de igual valor e importância, porém, o que mais nos desafia
são as adaptações no currículo escolar para esse aluno, e, de forma geral, o
parceiro mais presente para isso tem sido o professor de AEE, que tem por tarefa
não apenas oferecer essa parceria em sala de aula com o professor da sala comum,
mas contribuir para a sua emancipação a partir da sua formação reflexiva.
Partimos agora para nossa terceira implicação da inclusão na prática docente,
que denominamos REFLEXÂO - O PENSAR SOBRE A PRÁTICA. É neste processo
que o professor pode através da reflexão , validar suas ações, modifica-las e
paulatinamente ir transformando a sua prática para todos os alunos.
Considerando o percurso realizado por esses professores desde a notícia da
chegada do aluno à sua sala de aula regular, podemos levantar diferentes
momentos em que o professor teve a oportunidade de aprender com esse desafio e,
portanto, pode refletir sobre a sua ação, agir e refletir novamente, num constante
processo de reflexão-ação-reflexão. Sobre isso a professora C., em vários
momentos de sua entrevista, aponta que pensava consigo mesma, será que tô
fazendo o certo? (...) Porque eu não tinha pensado nisso?
E, muitas vezes, é nesse processo de reflexão sobre a prática que o professor
sente necessidade de aprofundar seus conhecimentos teóricos, como ocorreu com a
professora C., por conta dele fui até fazer a pós-graduação em educação inclusiva,
tô fazendo ainda e me surpreendo há quanto tempo já existe a legalidade da
inclusão, quer dizer, há quanto tempo a inclusão está dada e quanto ainda não
avançamos com estes alunos na escola, ampliando as discussões e reflexões para
fora da sala de aula, onde as políticas públicas são normalmente pensadas. Se
tomarmos por referência o que nos apresentam Aiscow e Booth (2011) sobre o
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triângulo que sustenta a inclusão, veremos que a cultura inclusiva é a base para as
políticas e para as práticas inclusivas, o que, portanto, remete-nos a pensar que a
cultura inclusiva é necessariamente uma cultura reflexiva que pensa a prática e a
política ao mesmo tempo, sem qualquer grau de hierarquia que possa se
estabelecer, pois, como bem nos aponta a professora B., a pós é só um pontapé,
serve só para que a gente tenha o desejo de querer saber mais sobre as síndromes,
numa consciência que o saber é dinâmico e constante.
Nesse aspecto, a inclusão acaba sendo um disparador para a amplitude de
reflexões sobre a educação como um todo, dada a diversidade de temas que
podemos abarcar, mas também sobre a profundidade de um desses temas num
movimento de verticalização de especificidades.
O relato da professora B. sobre a sua mudança de prática a partir da inclusão
passa necessariamente pela reflexão de sua prática: A minha prática se modificou
muito neste ano; como estão no 5º ano, eu passava o cabeçalho na lousa com letra
de mão e os alunos copiam, mas a aluna B. não fazia, se esforçava mas não fazia.
Aí tive uma sacada legal, percebi que quando tivemos uma atividade de cartinha,
apesar de saber escrever algumas letras bastão, não realizava a tarefa e queria
fazer com a letra de mão, então pensei: por que o cabeçalho precisa ser com a letra
de mão, ele pode ser feito por todos os alunos pela letra bastão, isso não fará a
menor diferença para a classe, mas fará diferença para ela, dando oportunidade de
fazer como consegue, e os demais podem fazer dos dois jeitos.
Trata-se aqui de estar atenta à dinâmica da classe, e a cada aluno em
particular, nesse exercício dialético de olhar o todo e as partes ao mesmo tempo. O
movimento formativo reflexivo passa por decidir e agir sobre o que se observa, voltar
a refletir e agir novamente. A professora ainda aponta: Tenho uma enorme
preocupação em não reduzir as possibilidades de aprendizagem da Bruna com as
adaptações que fazemos nas atividades, pois pressupor, por exemplo, que ela não
dá conta de fazer algo proposto e lhe oferecer menos pode significar subestimar a
sua capacidade de aprender e a minha de ensinar. Por isso, por ex., com o
cabeçalho, pensamos, se ela não consegue fazer, podemos trazer o cabeçalho
digitado e ela cola no caderno, seria uma possibilidade, porém, a gente não estaria
oferecendo a ela o aprendizado de procedimento; procedimento também é
- 169 -
aprendizado na escola, a gente não estaria resolvendo o problema, estaria
substituindo o problema, porque hoje seria o cabeçalho, e amanhã o que seria? Se
por acaso o aluno não sabe como usar o caderno (isto é tarefa da escola ensinar),
eu dou atividade na folha para este aluno que não sabe usar o caderno, pois a folha
ele sabe usar, que mensagem estou lhe passando, que ele não é capaz de aprender
e tampouco eu de lhe ensinar. Somos dois incompetentes.
Analisando este relato, podemos observar o quanto de reflexão há nele,
nesse movimento constante de refletir-agir e refletir novamente, pois a inclusão
obrigou o professor a pensar em propostas mais lúdicas, com mais acessos visuais,
sensoriais, especialmente no Ensino Fundamental, que, de forma geral, frente à
rotina espremida e às cobranças pedagógicas de alfabetização, ficariam para o “se
der tempo.” O aluno incluído traz essa necessidade, pois, se não for assim, ele não
aprenderá; portanto, não cabe o “se der tempo”; para ele, só fará sentido se for
assim, e então, o que se percebe são as outras crianças muito mais atentas a essa
forma de ensinar no lugar de exercícios infindáveis. Nesse sentido, entendemos que
a inclusão tem nos desafiado a repensar a escola e o currículo para todos os alunos
Tratamos até aqui da prática docente no âmbito mais restrito da sala de aula,
porém, cabe-nos ainda analisar as implicações da inclusão na prática docente para
além das paredes da sala de aula.
A quarta implicação, que denominamos de A CONSTRUÇÃO DE VALORES
NA E ALÉM DA ESCOLA, coloca o movimento do pesquisador em contextos mais
amplos que o seu universo de pesquisa , num exercício de ampliação de suas
práticas validadas com este aluno para além desta situação vivenciada e ao mesmo
tempo impulsionando todo o grupo a construir valores de COLABORAÇÃO.
Nesse sentido, a experiência relatada pela professora B. nos leva a perceber o
quanto a inclusão favoreceu o trabalho com valores inclusivos que ultrapassam a
sala de aula e chegam à sociedade. Ela conta que um aprendizado para eles foi
respeitar a diferença da B., o que me levou a trabalhar com a diversidade na sala de
aula, não apenas o deficiente, mas o gordinho, aquele que usa óculos, o que é alto,
o que é baixo, ou seja, pois quando divido os alunos para trabalho em grupo e dou a
oportunidade de escolher, em nenhum momento a B. fica sozinha, às vezes sai até
briga para quem quer ficar no grupo dela, ainda que saibam que algumas tarefas ela
- 170 -
não conseguirá fazer no grupo, dão oportunidade dela se expressar e observam e
perguntam a ela o que ela quer fazer. Isto é respeito. (...) Também quando resolvem
problemas na lousa, e os dela não têm a mesma dificuldade dos que os deles pelas
condições cognitivas, respeitam a socialização de resultados, o tempo que ela
precisa para pensar, não zoam quando erra e ajudam explicando-lhe como tinha de
ser. São verdadeiros parceiros na sua aprendizagem.
Tratamos sobre esse aspecto de colaboração no Capítulo 2, e, ao
analisarmos este relato, refletimos que ainda que isso leve algum tempo, esses
alunos, que hoje têm a possibilidade de estar e aprender com o aluno com
deficiência ou transtorno na escola, poderão ser agentes multiplicadores de valores
inclusivos, como respeito, solidariedade, direito, em benefício de uma cultura
inclusiva que possa avançar da escola para a sociedade.
Ao analisarmos os relatos dos professores participantes, levantamos uma
questão que merece ser apontada. A cultura de inclusão na escola ainda está muito
centralizada na figura do professor, pois, como nos apresenta o relato da professora
B., Outro dia, atrasamos com o lanche por conta de uma atividade diferenciada que
realizamos na escola, e ela começou a reclamar que estava com fome e pediu para
a professora deixá-la ir comer. Eu não deixei e pedi que aguardasse todos os
colegas para irmos juntos, mas as professoras da escola que estavam fazendo a
parceria nesta atividade diferenciada mostraram-se contrárias a esta ação, pois
entendem que como ela é diferente, não tem a condição de compreender o atraso e,
portanto, deveria ter deixado que ela fosse antes dos colegas. Isto causou discussão
sobre por que ela poderia e os outros não, se a fome não era só dela, mas de todos
que tinham também perdido o horário do lanche?
A postura de tratar a inclusão em um contexto escolar como uma diversidade
que está dada para todos, pois somos todos diferentes uns dos outros, com
necessidades e possibilidades diferenciadas, precisa ser dividida com toda a escola,
pois o trabalho que, muitas vezes, o professor faz na sala de aula se perde quando
da passagem desse aluno para outro professor na sequência escolar, ou mesmo no
próprio ano, quando o professor não está presente. A isso chamamos nesta
dissertação de cultura colaborativa, isto é, aquela que está incorporada por todos os
- 171 -
envolvidos com a educação escolar, desde a gestão da escola até o porteiro,
incluindo a família.
Concluindo nossa análise, indicamos que o processo de inclusão vivenciado
em São Bernardo do Campo pelas professoras entrevistadas, indicadas para a
pesquisa pela boa prática inclusiva que exercem em suas escolas, nos mostram o
movimento que esses professores perpassam desde a entrada do aluno com
deficiência ou transtornos globais do desenvolvimento, num estimulante exercício de
pesquisa das mais diferentes naturezas que vão imprimindo ao professor uma
identidade de investigador, de experimentador, de pensador sobre a sua prática,
numa perspectiva de oferecer não apenas o acesso a esse aluno na escola, mas a
permanência e o sucesso escolar.
Porém, por mais que essas práticas venham se instituindo e proliferando pelo
munícipio, restam-nos desafios gigantes pela frente, pois o que pudemos apontar é
que são práticas, muitas vezes, isoladas na escola, que se encontram apoiadas na
postura do professor, não transpassando para outros universos dentro da escola,
tampouco para outras pessoas. Nesse sentido, vislumbramos que as ações
formativas pautadas em socialização de práticas entre os professores e a equipe
escolar poderia ser um caminho para alavancar essas discussões e reflexões no
interior da escola, constituindo um campo de aplicação de experiências e decisões
que, quando tomadas coletivamente, poderão ser a base para a qualificação das
políticas e práticas educativas em uma sociedade inclusiva.
- 172 -
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Encerrar esta dissertação talvez seja o maior desafio que tivemos neste
processo de escrita, tanto pelo viés da própria escrita da dissertação e encerramento
da pesquisa, quanto por questões do exercício do papel de pesquisador aprendiz.
Se tomarmos como referência esta dificuldade pelo viés do papel do
pesquisador, precisaremos apontar que os ganhos que a pesquisa trouxe foram
extremamente maiores que suas dificuldades, já que pudemos, neste ínfimo
exercício, nos conscientizar da postura necessária para a investigação sobre um
objeto de estudo, considerando todas as suas instâncias de cientificidade:
linguagem, validade, fidedignidade, rigor, objetividade e outros, sem perder a ideia
de que, quando ligadas à Educação, essas instâncias são trasnversalizadas pela
subjetividade inerente à natureza do objeto. Talvez, nesse sentido, as forças de
objetividade e subjetividade sejam o que mais nos desafiou, tomando em
consideração as inúmeras possibilidades de aprofundamento que o tema nos
apresentou a partir das inter-relacões que a educação inclusiva nos abriu.
Ao considerarmos essas possibilidades, nosso primeiro desafio foi escolher
sob que ponto de vista trataríamos a inclusão escolar, que, quando vista como
produto, pode representar a vitória sobre as barreiras de aprendizagem que
tentaram inviabilizá-la em sua implementação; porém, ao ser compreendida como
processo, deve ser entendida como um poderoso instrumento capaz de transformar
o sistema educacional de forma gradativa, que não exclui ninguém, mas inclui todos
na escola. Ficamos com a última posição para este estudo.
Foi diante dessa tela de fundo que expusemos, reconstituímos, ainda que de
forma resumida, e analisamos as práticas docentes direcionadas aos alunos com
deficiência intelectual e transtornos globais do desenvolvimento, vivenciadas e
apresentadas sob a ótica desses professores. Essas práticas, compreendidas como
boas práticas inclusivas na rede municipal de São Bernardo do Campo pelos
professores de Educação Especial, parceiros nesse processo, tiveram a intenção de
que este estudo pudesse contribuir com a confirmação, correção ou apresentação
de alternativas para a realização de um projeto tão complexo na educação, no qual
- 173 -
concluímos que, além do tempo e da paciência que insiste, que investe,
indispensáveis nesse processo, a reflexão tem um lugar privilegiado, pois é ela que
leva à revisão de modos de pensar e agir e à tomada de consciência de
responsabilidades e envolvimento com o tema, que leva o professor a tomar a
definitiva ação nesse processo de se decidir pela inclusão, encaminhando-o para o
conhecimento e a ação sobre essa proposição que hoje é aceita como príncipio
fundamental da condição humana, não apenas pelo direito de ser diferente, mas,
especialmente, pelo direito de pertencer à condição de humanidade e, mais ainda,
de pertencer à escola na qualidade de aluno, e de aluno que aprende.
É prudente alertar que boas práticas inclusivas foram uma prerrogativa repleta
de valores instituídos por um tempo e um lugar, e também por concepções
ideológicas, já que representa a ideia de que socialmente é construída do papel do
professor na escola; porém, surpreendeu-nos observar que as escolhas dos
professores de AEE se deu muito mais pela postura que esses professores
escolhidos assumiram diante da inclusão desde o ínicio do trabalho com esses
alunos, do que efetivamente pela inovação ou acertos que tiveram e que poderiam
caracterizar o conceito de boas práticas, o que nos remete a pensar que diante da
inclusão, esses professores de AEE têm focado como meta de parceria e de
trabalho inclusivo na escola não apenas o fazer do professor da sala de aula
comum, mas o pensar reflexivo, que leva a mudanças de postura e de concepção
sobre a inclusão escolar e sobre o aluno diferente na sala de aula comum, agindo de
forma mais autônoma no conhecimento desse aluno, mas, essencialmente, nas
propostas de adaptações curriculares.
A pesquisa, tal e qual apresentamos ao longo do texto, nos mostrou que a
prática docente se encontra no centro das possibilidades de sucesso desse aluno;
porém, a exclusividade dessa prática não garante o sucesso e a inclusão desse
aluno no contexto educacional, ou seja, pode garantir que este esteja incluído na
sala de aula comum, contudo, distante de estar incluído em todo o contexto escolar,
já que uma parcela significativa dos educadores não compreende a educação
inclusiva como um trabalho coletivo resultante do projeto pedagógico. Essas
incompreensões se revelam nos discursos e ações que não se integram àqueles
- 174 -
realizados pelo professor em sua sala, expondo de forma clara que estes estão
ocorrendo de forma isolada e individualizada.
O fato de pertencer à tarefa do professor a responsabilidade de definir
estratégias pedagógicas que atendam às diferentes formas de aprender e de ensinar
acarretam sentimentos de angústia, ansiedade, impotência e incapacidade, que
levam a identificar parcerias no coletivo da escola para sua atuação em sala de aula,
mas muito pouco ainda, ao engajamento colaborativo quanto aos desafios de
ensinar a todos os alunos, reduzindo as barreiras de aprendizagem e de
participação desse aluno na escola.
Ainda que muitas pesquisas nos apontem que um dos maiores obstáculos
para atender adequadamente esses alunos em sala de aula comum é a falta de
conhecimento dos professores, que como vimos, de fato, angustia-os desde o início
desse processo, chamou-nos atenção a descoberta de que os professores
pesquisados buscam essas informações autonomamente, não mais aguardando
passivamente que os especialistas lhes digam o que, quando e como fazer com
esses alunos na escola, o que nos remete a refletir sobre os avanços que esses
professores vêm construindo no que diz respeito a assumirem seus lugares de
conhecedores e descobridores do saber pedagógico caracterizado na redefinição de
seu papel. Ainda que esse movimento possa ser mais ou menos consciente, ou seja,
possa ser apenas para responder às novas demandas que lhes são apresentadas
pela sociedade, e não por uma intenção implícita de repensar a tarefa de ensinar,
devemos apontar que os desafios colocados e a pressão da sociedade podem
provocar a reflexão dessa prática.
Nesse sentido, a pesquisa nos levou a estabelecer relações entre as práticas
docentes que consideramos nesse contexto como inclusivas. Uma dessas relações
que pudemos extrair na pesquisa diz respeito ao processo de formação desses
professores; muito além da formação inicial, que, de forma geral, nas universidades
se resume a uma ou duas disciplinas que não conseguem atender à complexidade
do tema, a formação continuada precisa ser discutida e aliada às pesquisas e à
extensão, de forma que possam contribuir de maneira significativa para as
- 175 -
mudanças nas escolas, e que as experiências bem sucedidas deixem o lugar de
exceção e sejam norma no cenário educacional.
Mas, quais seriam as propostas para atender ao despreparo e desamparo em
que se encontram os professores ao receberem os alunos com deficiência ou
transtornos globais do desenvolvimento? Que saberes são necessários para se
educar a todos na escola regular? Ainda que tenhamos na legislação brasileira –
LDB 9394/96 – indicativos do que se pretende nessa formação de professores,
detalhados nas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica
(BRASIL, 2001), distribuindo essa formação em capacidades e a outra em
especialidades dirigidas a diferentes atribuições desses professores na escola
regular, cabendo ao professor capacitado atuar na sala comum inclusivamente, e
ao professor especialista atuar no atendimento especializado complementar a esse
corpo de alunos com deficiência ou transtornos globais do desenvolvimento, o que
vemos na prática é que têm sido pouco articulados esses saberes especializados na
prática do professor capacitado.
O que percebemos com nossa pesquisa é que os professores da sala comum
que tiveram, e quando tiveram, alguns “flashes” em sua formação inicial sobre as
deficiências ou transtornos do desenvolvimento, não dão conta nem ao menos de
diminuir a própria angústia no ingresso desses alunos em sua sala de aula, levando-
os a procurar cursos de especialização na área para melhor entenderem essas
questões. Por outro lado, os professores especialistas, dados nessa rede como
professores de Educação Especial, vivem um processo de adequação das
atribuições que muito recentemente mudaram o rumo da sua atuação, até então
localizada nas escolas especiais, e agora precisam se instalar e encontrar um lugar
na escola comum.
As pesquisas nos indicaram que as experiências apresentadas apontam para
o estabelecimento dessa parceria na escola, num constante e progressivo ajuste e
troca de saberes. Porém, precisamos ter clareza de que não por acaso essas
parcerias têm se estabelecido de forma positiva nos relatos apresentados, já que a
indicação dos professores entrevistados passou, antes de mais nada, pelo crivo do
professor de AEE, que evidentemente escolheu aqueles que considerou com vínculo
- 176 -
mais estabilizado. Ainda assim, entendemos que isso não desmerece esses relatos,
já que nos leva a vislumbrar possibilidades de trabalho colaborativo entre esses
profissionais, que atingirá de forma direta o nosso alvo – o aluno – e ainda por
complemento, poderá atingir em longo prazo a construção da cultura inclusiva na
escola como um todo, no reconhecimento de que cada segmento da escola efetive
seu papel na remoção das barreiras para a inclusão, sejam elas de ordem estrutural,
pedagógica ou pessoal.
Entendemos que os espaços formativos instituídos pela legislação, seja no
horário pedagógico de trabalho coletivo, seja em momentos criados pela própria
escola, em sua gestão marcada pela autonomia e democracia nessa rede de ensino,
precisariam contemplar, essencialmente, estratégias de discussão de casos,
socialização de experiências bem sucedidas no coletivo da escola, no caminho de
refletir sobre o seu papel, seus valores e suas práticas como efetivo espaço de
formação, e não apenas de informação, em um pressuposto interacionista que
marca a educação inclusiva, que é o da interdependência, em que tudo faz parte de
um todo que não anula diferenças e singularidades, mas que busca criar relações de
complementaridade.
Observamos que as experiências relatadas se implicaram nessa condição de
interdependência e interação, especialmente no que diz respeito à atuação do
professor de AEE nas salas de aula comuns, que não se ocupou apenas de
transmitir informações, mas de buscar o aperfeiçoamento próprio e das pessoas que
se relacionam com a inclusão desses alunos na escola e, em consequência disso,
modificar uma prática que beneficie a todos que a recebem.
Nesse sentido, o que vemos é que a inclusão de alunos com deficiência ou
transtornos globais do desenvolvimento é apenas um nome criado para não nos
esquecermos de que na educação, o vínculo entre educadores e educandos tem
suas raízes não apenas na disponibilidade de aceitar as diferenças, mas,
impreterivelmente, nas decisões de agir sobre elas, levando, consequentemente, à
reflexão e a novas formas de ação, em uma vida que segue em nós e depois de nós.
- 177 -
Nessa perspectiva, o que vimos nas práticas docentes que nos foram
apresentadas é que existe uma lógica no exercício da prática inclusiva desses
professores. Essa lógica é dada por momentos e movimentos que esses professores
perpassam em busca de uma prática inclusiva que atenda esses alunos incluídos
em suas salas de aula comuns.
Apontamos na análise qualitativa dos dados que esses movimentos são
determinantes para a apropriação do professor desse aluno, assumindo-o não
apenas como mais um na sua turma, ou ainda, como o incluído fora a classe
(comumente ouvimos os professores dando como resposta ao questionamento de
quantos alunos têm: 25 mais o incluído).
Caracterizamos que esses movimentos que chamamos aqui de inclusivos,
porque buscam os valores inclusivos apontados por Aiscow e Booth (2011), de
igualdade, participação, direito, respeito à diversidade, assemelham-se não apenas
nos caminhos trilhados por esses professores, mas também nos sentimentos e
decisões tomadas frente ao desafio de incluir o aluno com deficiência ou com
transtornos globais do desenvolvimento. Mas, qual seria a importância disso para a
Educação?
Entendemos que a compreensão desse processo relativamente comum
vivenciado por esses professores, neste momento atual e nessa rede de ensino,
poderá ser indicador de necessidades formativas para que possamos avançar nos
desafios que ainda não vencemos e que cotidianamente são renovados.
Acreditamos ainda que “olhar” para essas práticas inclusivas com lentes de quem
investiga não apenas o fenômeno sob uma perspectiva teórica, mas a prática na
medida em que aponta para possibilidades de novas construções, e concordando
com Sacristan (1999, p.71), que a prática “deixa sinais, vestígios e marcas naquele
que as realiza e no contexto interpessoal e social em que ocorre (...) e são imitáveis
por outros”, contribuirá para a cristalização de uma cultura inclusiva.
Compreender que esses movimentos vivenciados pelos professores na
experiência de incluir nos levam a concluir que a postura desse professor tem se
consolidado no mesmo movimento exercido pelo pesquisador, dando-nos um
estímulo para continuarmos aprofundando as investigações neste tema. Quando
tratamos da postura de pesquisador, estamos nos referindo aos movimentos iniciais
- 178 -
de aproximação ao seu objeto de estudo a partir do levantamento do que se sabe
sobre isso, tal e qual é realizado por esses professores ao receberem a notícia da
inclusão em sua sala de aula, que brevemente é clareada pela necessidade do
vínculo com o objeto de estudo, compreendido agora pelo viés do contexto em que
está inserido e que dá ao pesquisador o lugar do geral para o particular, do objetivo
para o subjetivo, do genérico para o único, e exige que este avance em seus
conhecimentos, decidindo por agir sobre o seu objeto de estudo, experimentando
para melhor conhecer suas possibilidades e limites.
É nesse processo de experimentação de propostas que o professor-
pesquisador se encontra de forma efetiva com a reflexão. Nesse sentido, pesquisar
o professor em seu cotidiano foi uma escolha em consideração, como nos mostra
Cunha (2008, p.157), de “(...) que o professor é simultaneamente um ser particular e
um ser genérico. Isso significa dizer que quase toda a sua atividade tem caráter
genérico, embora seus motivos sejam particulares”, e por isso mesmo, de uma
riqueza de interpretações que só podem premiar essa reflexão educacional
recheada de histórias de vida profissional que se misturam às histórias pessoais e
de histórias profissionais que se levam para a vida pessoal.
É ainda nesse processo de experimentação reflexiva que a ação docente se
reestrutura ao considerar as diferenças como norteadoras dessa ação, que exigem
diferentes formas que possibilitem a expressão do conhecimento por todo e qualquer
aluno. Essas possibilidades demandarão suportes e recursos que poderão auxiliar
esses alunos segundo suas necessidades, características e especificidades.
Isso procede como vimos nos professores entrevistados, que apresentam de
forma clara e evidente o desejo de fazer, experimentar, inovar o ensino na busca de
atingir o alvo: a aprendizagem desse aluno diferente em sua sala de aula. Tomamos
isso como positivo porque, se até muito pouco tempo atrás, tínhamos muitas queixas
de que os professores apenas cumpriam as leis, mas pouco acolhiam esse aluno em
sua de aula, num exercício de atendimento forçado e de exclusão velada a esse
aluno, nossa pesquisa mostrou que para esses professores (os pesquisados), isso
está superado, havendo um acolhimento e uma inserção de fato na sala de aula,
com a incorporação desse aluno na composição do seu grupo classe, não mais
contado como mais um, mas simplesmente como aluno.
- 179 -
Porém, por outro lado, preocupou-nos o fato de que as mudanças nas
propostas em sala de aula ainda estão muito vinculadas exclusivamente às
mudanças nas atividades, compreendendo-se as adaptações curriculares apenas
por esse ângulo. Pouco vimos que os professores adequam os seus currículos a
aspectos mais particularizados que, de fato, poderiam beneficiar toda a classe, como
mudanças de objetivos, de estratégias de ensino e, especialmente, de avaliação,
que não foi nem citada por esses professores.
Isso nos leva a retomar a hipótese, ou melhor, a expectativa que tínhamos no
início desta pesquisa, de que a inclusão poderia ser uma alavanca na formação e na
transformação da prática docente, já que obrigaria o professor a buscar meios
diferenciados pela ludicidade e pelos acessos direcionados pelos sentidos para o
aluno incluído, que poderiam ser estendidos para todos os outros, beneficiando a
aprendizagem de muitos outros sem deficiência na sala de aula, tomando como
referência Sassaki (2011), que nos apresenta alguns princípios na realização
dessas práticas:
- singularidade – cada aluno é único e precisa de metas individualizadas;
- multiplicidade de inteligências – estímulo de todo o cérebro;
- estilos de aprendizagem – consideração pelos modos como cada aluno aprende
melhor;
- avaliação de aprendizagem – comparação das avaliações do aluno consigo mesmo
e não com os outros; em continuidade, e para incluir e não excluir;
- coerência – toda a escola precisa ter atitudes inclusivas, o que se alcança por meio
da formação periódica.
Podemos concluir com nossa pesquisa que ainda que esses professores
estejam, e estão, desenvolvendo bons trabalhos nas escolas, estão longe de
repensar a sua prática para todos os alunos, como é a proposta da inclusão. Ao
avançarmos nesta temática, faz-se indispensável considerarmos que todo problema
de aprendizagem supõe um problema de ensino envolvendo o docente, que precisa
repensar sua práxis cotidiana para estabelecer adequações curriculares, projetar
- 180 -
estratégias e intervenções pedagógicas, em que seja possível a aprendizagem de
todos e de cada um dos alunos.
Estamos, de certa forma, ainda no paradigma de integração desses alunos,
buscando formas de eles se integrarem aos currículos estabelecidos, seja pelo
ajuste no tamanho da tarefa, seja no ritmo ou na expectativa de aprendizagem; mas
tratamos, de qualquer forma, de um mesmo currículo, de uma mesma proposta para
todos. Incorporamos as nossa reflexões, o que nos apresenta Sacristan (1999)
quando refere que a prática subsidia a ação no campo da educação sedimentada
em ciclos de reprodução e ciclos de inovação. Reprodução, porque parte do
fundamentalismo, do tradicionalismo característico de nossas escolas; e inovação,
quando, a partir das ações reprodutoras, abrem-se novos significados e
configurações para essa ação, o que, ao nosso ver, só é possível a partir dos
investimentos em uma formação reflexiva do cotidiano desses professores, que, ao
fazerem, refletem para novamente fazer de uma outra forma, num exercício de
pesquisa interminável, que é inerente à Educação.
Nesse sentido, somos tentados a indicar que a figura do professor de
Educação Especial inserido na escola comum, que tem aparecido de forma geral
como a figura do docente integrador, carrega ainda em seu papel a restrição de sua
incumbência à entrada de métodos e recursos da Educação Especial para o ensino
comum, por meio de aconselhamento e de ajustes curriculares que facilitem o ensino
do aluno incluído, o que, entendemos, pode e deve ser otimizado com ações de
parceria com esse professor em sala de aula comum; como apresentamos nesta
dissertação, essas ações podem se caracterizar como ensino colaborativo, sendo
este um caminho de associar a experimentação do professor da sala comum ao
processo de sua reflexão partilhada com o professor de AEE, que, ao levar o
professor da sala comum à reflexão de sua prática, também reflete e reconstrói a
sua, neste novo contexto e cotidiano da escola regular; constrói, assim, uma nova
identidade que o tira do lugar do especialista que, segundo uma visão médica,
prescreve e determina possibilidades e limites, e se instala no lugar de quem, ao
exercer o seu saber especializado, de “estrangeiro” na sala de aula, pode observar o
oculto e contribuir com o evidente a partir do fazer a quatro mãos na tão sonhada
prática inclusiva.
- 181 -
As conquistas no campo da educação inclusiva são indiscutíveis e marcam
um ponto de inflexão entre a abertura das escolas aos alunos com deficiência e
transtornos globais do desenvolvimento e o profundo trabalho de reflexão que cabe
a cada instituição realizar nos reposicionamentos e considerações institucionais que
cabem no seu Projeto Político Pedagógico ao considerarem a inclusão enquanto um
valor para a sociedade, e não há lei ou professor integrador que substitua seus
efeitos.
Seria necessário, portanto, que este trabalho, em continuidade, pudesse
explorar as ações em que a escola, que exerce uma influência inestimável sobre a
sociedade, se debruçasse sobre o seu fazer para a instalação de uma cultura
inclusiva que, de fato, envolva todos os seus segmentos na discussão de que
sociedade queremos, e que ultrapasse os muros da escola, quebrando paradigmas
que ainda não naturalizaram a inclusão em nosso meio e entre nós.
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APÊNDICES
Apêndice A - ROTEIRO PARA A AENTREVISTA COM PROFESSORES DO
ENSINO REGULAR ( EDUCAÇÃO INFANTIL E SÉRIES INICIAS DO ENSINO
FUNDAMENTAL)
a) Qual é a sua formação acadêmica?
b) Quanto tempo atua na rede de educação do Município de São Bernardo do
Campo?
c) Quanto tempo atua nesta escola da rede educacional de SBC?
d) Você está neste ano com inclusão de alunos com deficiência intelectual ou
transtornos globais do desenvolvimento?
e) Conte-me como foi a chegada e o trabalho com este aluno que está incluído na
sua sala de aula?
f) O que modificou na sua prática pedagógica?
g) O que modificou na dinêmica com o grupo classe?
Apêndice B - ROTEIRO PARA A ENTREVISTA COM PROFESSORES DE AEE
– (ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO )
a) da Qual é a sua formação acadêmica?
b) Qual é a sua formação acadêmica?
c) Quanto tempo atua na rede de educação do Município de São Bernardo do
Campo?
d) Quanto tempo atua nesta escola da rede educacional de SBC?
e) Ao solicitarmos que você escolhesse uma professora para participar desta
pesquisa oferecendo-lhe os indicativos de que fosse uma professora com boa
prática pedagógica na inclusão, você nos indicou esta professora. Conte-me
os motivos que te levaram a escolher esta professora da sala comum para
compor esta pesquisa?
f) Como tem sido a sua parceria com a professora da sala de aula que tem este
aluno incluído?
g) Você percebe mudanças na prática do professor depois entrada do aluno na
sala de aula dele?
- 199 -
Apêndice C - ENTREVISTA COM A PROFª C. (ENSINO FUNDAMENTAL I)
COM A INCLUSÃO DE UM ALUNO COM TRANSTORNO GLOBAL DO
DESENVOLVIMENTO
Caracterização do professor
Graduado em Ciências Biológicas e Pedagogia e cursando a Pós Graduação
em Educação Inclusiva. Está na rede municipal há 3 anos e meio e nesta escola
desde o início do ano. Tem experiência com a docência na rede estadual há 19
anos, no Ensino Fundamental II e Médio como professora de Ciências/ Biologia, mas
nunca trabalhou com ensino fundamental I. Neste ano recebeu um aluno desde o
início do ano letivo com diagnóstico de Síndrome de Asperger ( autismo de bom
funcionamento)
Impressões da pesquisadora durante a entrevista
Fui recebida pela coordenadora e professora de AEE da escola na sala da
coordenação que trouxeram a professora indicada para a entrevista.
A professora é jovem e bastante simpática, muito sorridente e após ser
esclarecida sobre a pesquisa interessou-se em participar, assinado o termo de
autorização. Esta entrevista foi gravada em áudio e posteriormente escrita a partir
da audição do gravador.
Registro da entrevista
A professora inicia contando o seu processo de entrada na rede , que é
recente dizendo: ”Cheguei na rede municipal com muitas dúvidas sobre o trabalho,
não só por ser uma outra rede, mas principalmente por não ter experiência com os
pequenos, estou acostumada com os grandes do Fundamental II ou Ensino Médio.
Vim para esta escola pela remoção no último ano e como sou ansiosa vim conhecer
a escola antes do início das aulas e me apresentar ao coordenador,(era outra na
época) vim dizer da minha situação porque tinha uma grande preocupação em não
dar conta dos pequenos.
A coordenação me tranquilizou e me passou algumas informações como era
a sala que eu iria pegar neste ano, número de alunos na classe, situação dos alunos
- 200 -
na escrita, quantos eram alfabéticos e tudo mais. Vi que a sala tinha um número
reduzido de alunos e perguntei se tinha algum aluno incluído. Ela me respondeu que
a classe tinha um aluno com Síndrome de Asperger. Eu não sabia o que era isso,
perguntei se ele era agressivo e ela me disse que não e que aprendia rápido .
Cheguei em casa e como boa internauta que sou, fui direto para a internet .
Achei algumas informações e fiquei receosa com o que li. Mas segui em frente e
então no primeiro dia de aula, deixei as crianças livres para escolherem onde se
sentarem e logo percebi quem era o Gustavo ( nome fictício para preservar a
identidade do aluno) porque buscou o fundo da sala de aula e ficou isolado dos
demais. Logo intervi chamando- o para frente perto de mim.
No início tínhamos uma estagiária que ficava com ele e já o conhecia, tinha
estado no ano anterior com ele, me passou algumas informações sobre ele, porque
já o conhecia bem e questionou porque iria ficar lá na frente se sempre ficou no
fundo da sala já que atrapalha os colegas. Tive uma experiência na outra escola que
estive antes desta com estagiária que ficava muito grudada com o aluno incluído,
que quando me dei conta no final do ano, não sabia dizer sobre o aluno, só tinha as
informações que a estagiária me passava. Percebi que tinha falhado, porque eu
precisava saber de todos os alunos , inclusive deste.
Falando do Gustavo tudo para ele são os números, fazia só as atividades com
números, as com letras dizia não sei e nem tentava, já empurrava a atividade para
longe. Quando eu insistia ele fazia uns movimentos estranhos e batia com a cabeça.
Mas isso não me amedrontava, porque eu entendia isso como uma teimosia e tenho
para mim que se o aluno é teimoso a professora precisa ser mais teimosa ainda, e
eu insistia e dizia para ele, se você não sabe, vai aprender é pra isso que está na
escola.
Voltando um pouquinho, esqueci de falar da reunião de Pais que foi anterior o
início das aulas, antes de conhecer o Gustavo. A mãe me apresentou o Gustavo
assim: é inteligentíssimo, mas não entende brincadeiras/ piadas, só entende
comandas diretas e claras e não esboça nenhum tipo de sentimento. Fiquei muito
apreensiva porque não podia imaginar o que me esperava com um aluno que não
esboça sentimentos, mas pensei sou professora há tanto tempo, será que eu não
vou dar conta deste moleque?
- 201 -
Quando o conheci vi que o que era mesmo é teimoso, então conversei com
ele explicando que todos os alunos não sabiam coisas assim como ele, mas que
precisava aprender e que eu estava ali para ajudá-lo, acho que para quem visse de
fora parecia que eu era doida falando com ele desta forma. Pensava comigo mesma,
será que tô fazendo certo? Trocando ideia com o menino, não sei quem era mais
problema ali.
Fui montando grupinhos para que ele percebesse que nem todos sabiam e
ele foi vendo que podia não saber.
Trabalhei com letras móveis/jogos mas ainda resistia muito com as letras.
Procurando atividade para os alunos na internet, achei uma atividade que associava
os números às letras, quer dizer os resultados das situações numéricas eram dados
em letras que juntas formavam palavras. E logo pensei que isso poderia funcionar
com o Gustavo e seria bom para todos os alunos. Segundo a S. (professora de AEE
que acompanha em sala de aula regular ) a grande sacada foi eu ter encontrado
esta atividade, porque o Gustavo sempre ia para o Conselho de Classe como o
aluno que não sabia ler e escrever , mas com esta atividade pude observar que ele
sabia, porque leu de pronto a palavra estrela, que é uma palavra difícil porque tem
es, o tre.
Fui percebendo que ele foi quebrando esta resistência , eu ia falando você
sabe. Eu tenho alunos com maiores dificuldades que ele e ele se irritava quando as
crianças não acertavam e dizia seu burro. O trabalho então ganhou outro foco,
trabalhar as diferenças com ele. Hoje o Gustavo faz atividade igual a das outras
crianças, hoje percebe que as atividades de matemática que fazia de cabeça, hoje
precisa de mais atenção, hoje trabalho com letra cursiva igual aos outros e quando
não sabe uma letra eu falo que ele precisa fazer e ele faz”. A professora ri muito
neste momento e comenta. “Hoje eu rio , mas me deixava preocupada”.
“Gustavo é metódico, não abre possibilidades, fixa regras. Então pensei que o
silabário , que é bem metódico, poderia ajudar, mesmo sendo proibido seu uso na
rede. Dei o silabário para ele e ele decorou tudo tão rápido que quando pedia a letra
b , repetia automaticamente todas as silabas ba, be bi, bo, bu. Fiquei preocupada e
pedi ajuda da professora do AEE e ela me orientou a alternar o uso e só dar a ele
quando pedisse. Hoje não usa mais o silabário e nem o pede.
- 202 -
Diz a S. que o Gustavo aprendeu porque eu insisti muito, mas eu penso que o
que professor precisa esperar é que todos os alunos aprendam o mínimo necessário
para aquele ano e se você não teima , ele ( o aluno) não vai.
Na informática foi muito interessante, a parceria com a professora de AEE,
porque eu achava que ele tinha problema motor, porque eles tem um jeito meio
desengonçado de andar, é um andar diferente e a S. me perguntou: Se ele não
tivesse coordenação motora como desenvolvia com tanta agilidade e perfeição as
atividades do Paint na informática? Isto me fez refletir sobre as possibilidades e
limitações que eu enxergava nele.
Hoje o desafio com ele é que ele volte nas histórias , faça a reescrita. Todo
mundo tá fazendo a reescrita coletiva, ele fica sempre na mesma frase, sem se
importar se ela está no momento certo de ser dita e repete sempre a mesma. A
reescrita individual ele não quer fazer, precisa que eu dê pistas, qual era a história,
quem são os personagens, mas não vejo problemas com isso.
As atividades de Língua Portuguesa precisam ser feitas no começo da aula, se
deixar para o final ele não faz. No início do ano até os desenhos ele não fazia.
Preciso fazer ele entender o tempo todo que ele é capaz.
Com relação a parceria com a professora de AEE, penso que é uma pessoa
externa que dá dicas para a gente. A gente fica se perguntando até onde você tá
fazendo o certo ou tá sendo um problema para a criança . A dica mais valiosa da S.
foi pensar em uma estratégia que utilizasse o que ele sabia, e ele sabia gravar as
coisas, então pensei no silabário. Não foi só o silabário que o ajudou, nem só as
letras móveis. Foi um conjunto de coisas.
Em outro momento, ele começou a se fazer de louco, mexia os braços mole
e virava os olhos e as crianças corriam de medo dele e ele ia pra cima, corri pra S. e
agora o que eu faço? Ela me deu umas dicas, e disse por que você não transforma
esta loucura dele em uma brincadeira com toda a classe? Por que eu não tinha
pensado nisso? Então propus para a sala, não só o Gustavo é louco hoje, mas todo
mundo vai poder ser louco hoje e isso diluiu este comportamento do Gustavo.
Na quadra repete sempre a mesma ação de jogar a bola no cesto ele resiste
em fazer outra coisa, no início era agressivo com as crianças quando chutavam a
- 203 -
bola no gol e ele queria que jogasse no cesto, porque para ele bola é só no cesto.
Me falaram que no ano passado ele era muito agressivo com os alunos, batia e tudo
mais, mas eu encarei da seguinte forma esta agressividade, eu pergunto para ele
por que você fez isso? Ele responde porque chutou a bola e ela era para ir no cesto.
Então explico que pode se jogar de diferentes formas e pode ser de chutar também.
Falo com ele em tom de igualdade e isso tem ajudado. Faço isso porque penso que
criança é tudo igual, e ele não vai ser diferente, assim tem coisa que é preciso
adaptar, mas nem tudo e você vê que tem resultado.
Me lembro que quando dei aula no 7º ano eu tive um aluno com uma
deficiência muito grave motora, não tinha condições de usar as mãos e andava de
cadeira de rodas, mas era muito inteligente, ele tinha uma única menina que
também tinha um irmão com problema que o ajudava na escola, só ela, e isso
causava algumas queixas da mãe dizendo que ela estava prejudicando o seu
rendimento , porque ficava sobrecarregada de fazer a lição dela, a agenda de
tarefas do menino, levar ele pra lá e pra cá pela escola. Tive uma ideia boba, quer
dizer a gente ás vezes tem uma ideia tão boba, tão simples que funciona e resolve o
problema. Foi uma ideia boba , mas ninguém tinha pensado nisso, conversei com a
sala e perguntei a eles que outros alunos poderiam ajudar? A sala se prontificou
com muitos alunos, então montamos uma planilha que eles registravam quem tinha
sido o aluno que o pegara no transporte na entrada, outro tinha levado ao recreio,
outro no lanche, outro montava a agenda de tarefas para ele. No fim todo mundo
ajudava, não ficou pesado para ninguém, eles mesmos faziam um rodízio das
tarefas olhando para planilha. No final do ano precisei até dar bronca neste garoto
especial, porque estava bagunçando como os outros, uma bronca boa, porque
demonstrava que estava interagindo com todos.
Como ele não escrevia e era muita matéria para gravar tudo na cabeça, eu
digitava tudo em casa e mandava por email para que a mãe pudesse ler para ele e
fazer as tarefas com ele, mas isso dava muito trabalho, então comecei a levar o pen
drive para sala de aula e na medida que ia falando para os alunos os conteúdos da
aula eu já ia digitando para ele e passava no pen drive. Isto para mim era uma ideia
boba, uma besteirinha, mas fez a diferença para ele. Não sei como ele está hoje, a
sequência dos fatos, mas naquele momento fez a diferença.
- 204 -
Entendo que a aprendizagem do aluno, a aquisição de conhecimento passa
pelo vínculo com o professor, no começo foi muito difícil porque ele tinha
dificuldades com as frustrações e parecia não querer aprender, ter desistido de si
próprio. Para mim um desafio, por conta dele, fui até fazer a pós graduação em
educação inclusiva, estou fazendo ainda e me surpreendo a quanto tempo já existe
a legalidade da inclusão, quer dizer a quanto tempo a inclusão está dada e quanto
ainda não avançamos com estes alunos na escola.
Não sei nada ainda, porque a pós é só um pontapé, serve só para que a
gente tenha desejo de querer saber mais sobre as síndromes. Eu estou fazendo o
mínimo que deve ser feito por este aluno na minha função de professora. Acho que
a socialização é o ponto crucial da inclusão, porque sem isso nada acontece. E claro
muita teimosia do professor. Aprendi isso com a minha mãe que dizia se você quer
alguma coisa, filha, tem que teimar e é isso que ensino para minhas filhas também.
Quando elas tem problemas e pensam em desistir eu me apresso em lhes dizer que
se querem mesmo aquilo precisam teimar, ser mais insistente que as circunstâncias
e tem dado certo” . A professora chora neste momento da entrevista demonstrando
emoção e diz “ se você acredita , teima, se alguém me provar que não vale a pena
insistir ai eu desisto , senão eu vou teimar até conseguir.
Quando minhas filhas chegavam em casa reclamando do professor, eu dizia a
elas que não aceitava isso e que se o professor pediu um trabalho difícil para elas é
porque acredita que elas vão dar conta e então sempre digo para elas que devem
fazer o melhor que puderem . A gente que é professor sabe o quanto pode cobrar
dos seus alunos, a gente sabe os alunos que de fato tem dificuldades para
compreender , para avançar em alguns conteúdos e para esse tirar a média em nota
é ótimo , mas para aquele que pode avançar mais que a média, para estes a média
é pouco, assim o professor precisa conhecer os seus alunos e cobrar deles o melhor
que puderem dar.
A luta agora com o Gustavo é com a mãe, porque a mãe diz que ele só faz a
lição na escola, não quer fazer em casa com ela. Então orientei que mãe é mãe, vó
é vó e professor é professor, assim tenho conversado muito com ele sobre a lição de
casa na classe. A mãe disse que tem medo que eu dê bronca nele por causa da
lição e ele fique com raiva de mim, eu disse a ela, pode deixar eu me garanto.
- 205 -
Mando pesquisa para ele fazer em casa, já que gosta tanto do computador para que
ele apresente na roda de conversa, mas não volta. Mesmo quando é uma conversa,
sobre algum assunto com a família, não volta, nenhuma lição volta. Ai a mãe fica
repassando a culpa para o pai que não ajuda. Vou encerrar dizendo que reforço a
ideia de que os muitos avanços que o Gustavo teve neste ano não são apenas pelo
trabalho que eu fiz, mas pelas parcerias com o professor de AEE que em nenhum
momento teve o nariz empinado, com a postura de achar que sabia mais,
desprezando o saber do professor que está todos os dias com o aluno, da gestão da
escola que confiou no meu trabalho, mesmo sabendo que não tinha experiência e
que podia dar errado, mas acreditou que ia conseguir. Divido o sucesso com o aluno
[incluído com os muitos parcerios nesta caminhada ( professora de AEE, gestão da
escola). Inclusão para mim é um trabalho de muitas mãos.”
Apêndice D - ENTREVISTA COM A PROFª S. (PROFESSORA DE AEE QUE
INDICOU A PROFESSORA C. PARA ESTA ENTREVISTA E QUE ACOMPANHA A
INCLUSÃO DO ALUNO COM TRANSTORNO GLOBAL DO DESENVOLVIMENTO
NO ENSINO COLABORATIVO NA ESCOLA)
Caracterização-
A professora de AEE é formada em Pedagogia com habilitação em
deficiência mental e está cursando a pós graduação sistematizada pelo MEC -
Atendimento Educacional Especializado – Educação Inclusiva
Está na rede pública como professora da educação especial há 24 anos, e
nesta escola desde o inicio do ano.
Registro da entrevista
Ao ser questionada os motivos que a levaram escolher a professora C. como
uma professora com boa prática inclusiva responde:
“ A diferença que vejo na professora C. é que ela é uma professora
consciente da sua tarefa que é a de aprender sempre. A gente quando procura um
dentista para tratar os dentes não aceita mais um dentista que usa boticão, ou um
médico que dá um diagnóstico sem os exames, porque eles se atualizaram, nós
- 206 -
procuramos os melhores, os mais envolvidos, os mais estudados, os feras na sua
área. Na educação a gente deveria seguir a mesma lógica, a tarefa do professor é
ensinar porque tem gente que precisa aprender. O aluno não tem que aprender? Eu
( professora) não tenho que ensinar? Então eu preciso dar conta disso e corro atrás
do que me falta para isso. O foco da C. com este aluno foi muito bom, não ficou
presa ao diagnóstico, sabia do diagnóstico, pesquisou, mas não ficou presa, sabia
que cada aluno é um aluno. Hoje até esquece que ele tem a síndrome. Ele fala,
brinca, passa desapercebido na turma, é feliz na escola. O que me chama atenção
no trabalho da C. é a vontade dela, ela não desistiu dele. Ela tem uma coisa muito
importante solidariedade humana, é solidária a ele, tem uma emoção que é singular
isto é que impulsiona o trabalho da gente, a gente esquece o cansaço, a falta de
recursos, os problemas todos. Se nesta escola eu posso contar com apoios ótimo,
senão vou ter que me virar assim mesmo. A mudança está na atitude que é uma
atitude de reflexão não só na profissão, mas na vida. A questão é qual é o seu
posicionamento na vida. Você vê que o que ela faz na sua vida, e o que ela faz na
profissão. Eu digo para C. que ela fez uma tatuagem na vida do Gustavo e ela me
diz que ele é que fez uma tatuagem na vida dela , é isso que acho que é inclusão. A
questão da inclusão é essa, como o professor encara os desafios na sua vida é
como ele vai encarar na inclusão deste aluno diferente em sua sala de aula.”
Apêndice E- ENTREVISTA COM A PROFª D. (EDUCAÇÃO INFANTIL) COM A
INCLUSÃO DE UM ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
Caracterização
Formação em Pedagogia
Está na rede municipal de SBC há 15 anos e nesta escola há 9 anos, , é
professora aposentada do Estado.
Neste ano está com uma aluna diagnosticada com Síndrome de Down que
tem por consequência o déficit intelectual
Impressões da pesquisadora durante a entrevista
- 207 -
Fui recebida pela coordenação e professora de AEE que me encaminharam
para a professora D, que após ser esclarecida dos objetivos e propostas desta
entrevista, concordou em participar e assinou o termo de autorização.
A professora se sentiu incomodada com a gravação em áudio e solicitou que
apenas registrasse de forma escrita os dados relatados. È uma professora mais
reservada , fala pouco é direta em suas respostas.
Registro da entrevista
“ Peguei esta inclusão desde o começo do ano e peguei porque escolhi ter
inclusão, gosto de trabalhar com eles, já tive outras inclusões na classe em outros
anos.
No começo do ano me ocupei de conhecer o que ela sabia fazer, apesar das
limitações motoras e cognitivas que apresentava. Depois fui pensando o que é que
eu podia propor para ela e para os outros, a mesma atividade, já que estar na escola
imlica em aprender algo, foquei na mesma atividade para todos. Não acho certo
deixar a criança fazendo outra coisa que não seja a atividade da sala. Então
propunha a mesma atividade e deixava que ela me mostrasse como podia
desenvolver a atividade. Ela mesma é quem foi me dando pistas do que necessitava
para desenvolver a mesma atividade. Para mim o diagnóstico não importa , eu não
quero nem saber dele, porque eu preciso é levantar o que a criança precisa para
avançar e fazer o que ela precisa, o diagnóstico não me ajuda nisso, eu deixo o
diagnóstico para os especialistas.
Eu me preocupo com todos da sala de aula, gosto de ver todos avançarem,
cada um no seu ritmo e do seu jeito. Gosto de ver toda criança evoluir, eu me
preocupo com todos da sala de aula, gosto de ver todos avançarem, cada um em
seu ritmo e do seu jeito. As vezes a escola não tem o recurso ou a gente cansa de
esperar o que solicitou, então eu vou atrás, porque isso me dá prazer ver todos
evoluírem e sei que todos podem .
Penso sempre em atividades que a Glaucia ( nome fictício para preservar a
identidade da aluna) possa participar com o grupo e vou atrás destas atividades.
Não acho que faço nada mais do que é minha obrigação de professora, porque
quero que todos evoluam, inclusive ela”.
- 208 -
Apêndide F - ENTREVISTA COM A PROFª S. (PROFESSORA DE AEE QUE
INDICOU A PROFESSORA D. PARA ESTA ENTREVISTA E QUE ACOMPANHA A
INCLUSÃO DA ALUNA COM SÍNDROME DE DOWN NO ENSINO
COLABORATIVO NA ESCOLA)
Caracterização-
A professora de AEE é formada em Pedagogia com habilitação em
deficiência mental e está cursando a pós graduação sistematizada pelo MEC -
Atendimento Educacional Especializado – Educação Inclusiva
Está na rede pública como professora da educação especial há 24 anos, e
nesta escola desde o inicio do ano.
Registro da entrevista
Ao ser questionada os motivos que a levaram escolher a professora C. como
uma professora com boa prática inclusiva responde:
“A Prof.D. dá uma aula que é uma delícia. Ela prepara materiais muito
atrativos para todas as crianças, e que são necessários para Glaúcia. Acho que a
diferença está ai, o material que ela prepara, a historia que ela conta precisa ser
desta forma para a Glaúcia e para os outros não precisa, mas é legal, é mais
gostoso e por isso mesmo leva a aprendizagem. Na verdade a Profª. D. tem uma
boa prática com qualquer criança, senta no chão com eles, brinca junto e conhece
as crianças com particularidades.
É muito fácil com a D. , é só a gente pensar em alguma coisa e ela já tá
fazendo , tá modificando, tá experimentando. Esta disponibilidade para o trabalho é
uma marca dela aqui na escola”.
Apêndice G - ENTREVISTA COM A PROFª B. (SÉRIES INICIAIS DO ENSINO
FUDNAMENTAL) COM A INCLUSÃO DE UM ALUNO COM DEFICIÊNCIA
INTELECTUAL
Caracterização-
- 209 -
Formação acadêmica em Pedagogia e com pós- graduação em educação
especial Atua na rede municipal há 13 anos e neste escola há 3 anos.
Neste ano está com uma aluna diagnosticada com Síndrome de Down que
tem por consequência o déficit intelectual
Impressões da pesquisadora durante a entrevista
Fui recebida pela coordenação e professora de AEE que me encaminharam
para a professora B, que após ser esclarecida dos objetivos e propostas desta
entrevista, concordou em participar e assinou o termo de autorização. È bastante
simpática e acessível, fala bastante e é muito sorridente.
Esta entrevista foi gravada em áudio e despois escrita para esta dissertação.
Registro da entrevista
“Pensando no trabalho pedagógico a inclusão modificou bastante o meu,
porque eu quero pensar um trabalho para ela porque precisa estar inserida, as
atividades precisam estar adaptadas para ela. Não aceito esta coisa de atividade
diferente para ela , ela vai fazer o que todos estão fazendo , mas dentro das
condições dela.
Para a turma é um ganho imenso, porque ela se torna mais solidária, respeita
os tempos diferentes, a turma é mais atenta aos detalhes de cada um, depois desta
experiência de inclusão. A minha prática modificou muito, como estou no 5º ano eu
passava o cabeçalho na lousa com letra de mão e os alunos copiavam , mas a
Bruna ( nome fictício para preservar a identidade da aluna) não fazia, se esforçava
mas não fazia. Aí um dia tive uma sacada, percebi que quando tivemos uma
atividade de cartinha, apesar de saber algumas letras bastão, não fazia, queria fazer
com letra de mão que ela não sabe fazer, não está alfabetizada. Me dei conta que
ela tentava imitar o que eu escrevia na lousa com letra de mão, então pensei por
que o cabeçalho precisa ser de letra de mão , ele pode ser em letra bastão para
todos, isso não fará a menor diferença para os demais, mas fará muita diferença
para ela. Inclusão é assim , não tem nada pronto, a gente vai construindo. É um
processo até a gente conseguir que o aluno faça as atividades tanto quanto os
demais, a gente vai por ensaio e erro.
- 210 -
Mas a professora do AEE ajuda muito , porque a gente no olho do furacão ,
não consegue ver o miudinho. Os outros apoios também ajudam, eu por exemplo
tenho uma auxiliar que é meu braço direito, ela me ajuda demais, mas foi
necessário que o trio gestor bancasse junto com a gente, porque tem uma ordem da
secretaria que a auxiliar de ensino, não pode ajudar em sala de aula, só na
locomoção , higiene e alimentação e as vezes não é isso que a agente precisa.
É possível , dá certo, é muito trabalhoso, porque eu planejo por exemplo um
texto de crônicas, ai no HTPC a gente ( eu e a professora de AEE) senta junta para
pensar como adaptar esta mesma atividade para Bruna, tipo de letra , número de
questões sobre a crônica, tamanho do texto etc. Ai eu tenho um segundo olhar,
planejo de novo e até mudo o que tinha pensando para todos e fica até melhor.
Eu escolhi estar com Bruna , desde o início do ano , eu pedi, já tive muitas
inclusões e muito diferentes umas das outras , eu gosto, eu pedi , eu escolhi.
Tenho uma enorme preocupação em não reduzir as possibilidades de
aprendizagem da Bruna com as adaptações que fazemos nas atividades, pois
pressupor, por exemplo, que ela não dá conta de fazer algo proposto e lhe oferecer
menos pode significar subestimar a sua capacidade de aprender e a minha de
ensinar. Por isso, por ex., com o cabeçalho, pensamos, se ela não consegue fazer,
podemos trazer o cabeçalho digitado e ela cola no caderno, seria uma possibilidade,
porém, a gente não estaria oferecendo a ela o aprendizado de procedimento;
procedimento também é aprendizado na escola, a gente não estaria resolvendo o
problema, estaria substituindo o problema, porque hoje seria o cabeçalho, e amanhã
o que seria? Se por acaso o aluno não sabe como usar o caderno (isto é tarefa da
escola ensinar), eu dou atividade na folha para este aluno que não sabe usar o
caderno, pois a folha ele sabe usar, que mensagem estou lhe passando, que ele não
é capaz de aprender e tampouco eu de lhe ensinar. Somos dois incompetentes.
O desafio agora na escola é que todo mundo ( as outros professores e
funcionários) parem de olhar para ela como tadinha, tratam ela como criança e eu e
a professora do AEE somos as bruxas, porque a gente chama atenção mesmo do
pessoal e diz para o pessoal se fizer diferente para ela vai ter que fazer com todo
mundo, porque todos são crianças também querem dengo, carinho, abraço etc.
Acho que isso é histórico, porque todo mundo tem dó, tenho fé que estes alunos,
- 211 -
futuros cidadãos vão compreender que ser diferente não é ser coitado , não tem
nada de coitadinha. Outro dia atrasamos com o lanche por conta de uma atividade
diferenciada que realizamos na escola e ela começou a reclamar que estava com
fome e pediu para a aprofessora deixa-la comer. Eu não deixei e pedi que
aguardasse todos os colegas para irmos juntos, mas as professoras da escola que
estavam fazendo a parceria nesta atividade diferenciada mostraram-se contrárias a
esta ação, pois entendem que como ela é diferente, não tem a condição de
compreender o atraso e portanto deveria ter deixado que ela fosse antes dos
colegas. Isto causou discussão sobre porque ela poderia e os outros não, se a fome
não era só dela mas de todos que tinham também perdido o horário de lanche?
Em função disso eu trabalhei com a classe um texto sobre a diversidade, não
sobre deficiência, sobre a diversidade, falamos da diferença da Bruna, porque ela é
muito diferente deles, mas falamos de quem é gordinho, de quem usa óculos, de
quem é muito alto e tantas outras diferenças, ser diferente é normal, somos
diferentes de maneiras diferentes.
A função da escola é mostrar que eu posso ser diferente, e ter a possibilidade
de ter uma criança de inclusão na sala ajuda muito eles a entenderem isso.
Acho uma conquista com a turma, quando eu divido em grupinhos que eles
podem escolher os parceiros sempre tem aqueles que pedem para ficar com a
Bruna eu não preciso nem mandar, as vezes sai até briga e não é aquilo de querer
ficar para fazer por ela, eles sabem que ela não vai fazer igual a eles , mas eles dão
oportunidade dela se expressar, mostrar o que pode fazer. Se eles estão resolvendo
um problema e ela tá resolvendo um mais fácil, eles respeitam quando ela vai na
lousa para socializar os resultados, ninguém tira barato, zoa ela, eles ajudam
quando tá errado ,explicando como tinha que ser, eles são parceirão dela.
Eu tenho para mim que estamos formando pessoas diferentes do que fomos
formados, é nisso que eu acredito.
Eu peguei uma inclusão nesta rede em 2003, a minha primeira inclusão, eu
não sabia nem o que fazer, foi muito difícil e decidi buscar formação, pensei comigo,
já que tenho este aluno, vou atrás de saber o que tenho que fazer lá na pós, mas me
dei conta que cada aluno é um aluno, já tive diferentes inclusões deficiente mental,
- 212 -
visual. Mas meu maior desafio é o aluno com paralisia cerebral que é inteligente,
este eu tive no Infantil, porque eu não me conformava de não conseguir adaptar um
circuito motor para ele participar junto com o grupo. Deixei as gestoras doidas, dizia
em toda a reunião que precisava de material diferente para ele , até que consegui
montar um circuito sensorial, em outubro , mas tudo bem, foi antes de acabar o ano,
e o que vi é que todas as crianças aproveitaram muito e adoraram as atividades e
que se não tivesse tido ele eu não teria tido esta ideia, porque por onde eu ia ,
pensava nele, e dizia para as gestoras, que chegaram até a sugerir que não
houvesse mais circuito para ninguém, porque eu dizia que se ele não podia
participar eu não ia levar nenhum deles. Eu agitava os HTPCS e dizia sem parar, a
gente tem que encontrar um jeito que ele possa participar e a gente encontrou. Esse
dia foi uma alegrai para mim e para ele. È nisso que eu acredito que o aluno incluído
precisa participar das atividades da escola, senão nada feito , estamos brincando de
incluir”.
Apêndide H - ENTREVISTA COM A PROFª A. (PROFESSORA DE AEE QUE
INDICOU A PROFESSORA D. PARA ESTA ENTREVISTA E QUE ACOMPANHA A
INCLUSÃO DA ALUNA COM SÍNDROME DE DOWN NO ENSINO
COLABORATIVO NA ESCOLA)
Caracterização-
A professora de AEE é formada em Pedagogia com habilitação em
deficiência mental
Está na rede pública como professora da educação especial há10 anos, e
nesta escola desde o inicio do ano.
Registro da entrevista
Ao ser questionada os motivos que a levaram escolher a professora B. como
uma professora com boa prática inclusiva responde:
“ O que eu acho que conta muito para a inclusão dar certo é o desejo, o
desejo de ter o aluno na sala , que faz a diferença na prática do professor. É o eu
estou disposto, depois disso é que vem as dúvidas, de onde partir? As vezes o que
- 213 -
vem de outra escola não é referencia para gente , porque a gente recebe o caderno
de um aluno de 3º ou 4ºano do ensino fundamental de inclusão apenas com
atividades diferenciadas com garatujas cheio de estrelinhas e parabéns. Isso não
ajuda , mostra como a escola está pensando a inclusão.
Ter a mesma rotina para todos os alunos e adaptar as atividades as
possibilidades de execução do aluno, isto pra mim é inclusão. Foi assim que
alteramos a letra do cabeçalho, porque de letra de mão ela não dava conta não
reconhecia esta letra como letra.
Outra coisa que eu achei fantástico na experiência da professora B. é a
conquista dos colegas, quando os alunos percebiam a dificuldade dela, quando
percebiam a dificuldade de coordenação viso motora, os alunos iam ajudando. A
aluna dizia eu sou burra, eu não sei fazer e a gente ia desmontando isso com
estímulos positivos, dizendo para ela que ela era capaz, fizemos até um material de
plaquinhas que ela visualizasse todos os dias placas com sentimentos positivos
sobre ela mesma, então tinha: eu sei, eu posso, eu não tenho medo, placa com o
nome dela inteiro para servir de ajuda para a escrita.
Hoje, ela faz todas as atividades da classe de forma adaptada para ela, e
quando a atividade é de escrever como por exemplo um roteiro de um teatro, ela
participa com ideias e outro é o escriba dela, faz a dramatização como todo mundo e
apesar dos gestos mais limitados , é possível que todos entendam o que ela quer
dizer. Este retorno das crianças para ela é muito importante.
Acho que o ganho é para todo mundo, para a turma que aprende a se
socializar com outros diferentes de si, na parte pedagógica porque a gente tem que
pensar mais para encontrar o caminho e o crescimento profissional que é para todos
nós, porque por exemplo nesta semana a gente vai ter a Prova Brasil e a gente fez
um simulado para que as crianças se adaptassem a este formato de prova que a
gente não usa aqui na escola, e pensamos como poderíamos tornar este desafio de
uma prova extensa e difícil possível para Bruna. Mas deixamos para ver o que
acontecia, e ela nos surpreendeu, logo que entregamos as provas ela disse eu
adoro fazer provas , ai eu pensei a limitação é de quem? Porque ela tirou de letra
esta situação, fez o que pode e como pode e quando cansou, disse: cansei, não
vou mais fazer e entregou a prova sem qualquer dificuldade.
- 214 -
No HTPC formativo de professores a gente tem feito a socialização de
práticas e a gente percebe que o grupo que é sempre tão disperso e entediado
neste momentos de formação, fica atento , em silêncio, e isso pode disparar o
desejo de querer ficar com uma inclusão depois. O que a gente precisa é garantir
espaços para o professor partilhar suas experiências no coletivo e no individual.
Acho que todo mundo precisa saber deste trabalho que é feito pelos
professores , todos os funcionários precisam conhecer na reunião pedagógica, falar
sobre estas crianças ingressantes no ano que vem e que são deficientes , começar a
falar já para despertar o desejo na hora de atribuir a sala, ainda tem muito
preconceito.
Mas é difícil para gente ainda perceber isso, outro dia atrasou o lanche por
conta de uma atividade diferenciada na escola e ela começou a reclamar que estava
com fome e pediu para a professora deixar ela descer para comer, ela não deixou ,
mas os outros professores ficaram com dó , dizendo ela é diferente , não entende,
até eu quando me falaram a minha primeira reação foi deixar , mas logo a professora
de AEE me alertou que é uma aluna da escola e todos estão com fome., entaõ se
ela pode os outros podem também?
Este novo formato de trabalho para o professor de AEE é um complicador
para a parceria com a professora da sala regular, já que estamos mais para turista, a
gente não tem como vivenciar a rotina todo o tempo, acaba ficando fixa em um dia
da semana, sempre o mesmo dia, que a agente pega as mesmas atividades da
turma. Acho que esta parceria com a professora de AEE precisa de muita
humildade, porque aquilo que parece pouco para a gente foi uma luta para o aluno.
Para a Bruna o desafio agora está em ela fazer a tarefa de casa, porque todos os
alunos levam a tarefa e ela leva, mas não faz., porém a tarefa tem intenção
pedagógica, colocar ela no lugar de aluna e a família precisa ser parceira nisso. Ela
começou levando como tarefa adiantar o cabeçalho em casa, no começo trazia só
um pouquinho feito, agora tá trazendo completo, então a gente amplia para mais
alguma coisa.
Eu vejo que a inclusão qualifica muito o planejamento do professor, ela
organiza algumas coisas que o professor , a gente não faria, por exemplo o lúdico no
fundamental, que ele acaba ficando para o se der tempo. Mas para o aluno incluído
- 215 -
naõ pode ser se dé tempo, porque esta é a atividade para ele, porque para ele só
faz sentido se for no lúdico e ai a gente vê as outros crianças com seus papeis
desesperadas para brincar também com aquele material, olhando , quase pedindo
para aquilo também. A inclusão possibilita retomar atividades do infantil as rodas de
conversa , de historia, de musica, a fantasia, a contação de historia que oi
fundamental não faz mais, faz historia de deleite.
O que está nos afligindo agora é pensar no ano que vem , porque pela idade
ela sai da escola e vai para o Estado, mas ela tá quase lá na alfabetização e
receamos que ela indo para o Estado que tem menos estrutura ela possa travar ,
mas é uma decisão muito difícil reter e ai ela não segue com o seu grupo ou
promover , correndo estes riscos.
Bem em resumo penso que para que de fato aconteça uma mudança de
pratica do professor com a inclusão é necessário o desejo, que o grupo da classe
possa ter ganhos com esta inclusão, ganhos de valores e para isso é preciso que o
professor seja modelo, o jeito que fala com o aluno, como age , são modelos para as
crianças em formação, o que a gente vê por ai são discursos ótimos , mas práticas
muito ruins.
Apêndice I - ENTREVISTA COM A PROFª J. (SÉRIES INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL) COM A INCLUSÃO DE DOIS ALUNOS: UM ALUNO COM
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E OUTRO COM TRASNTORNO GLOBAL DO
DESENVOLVIMENTO- AUTISMO
Caracterização-
Formação Pedagogia com pós graduação em Psicopedagogia e Arteterapia
Na rede desde 2005 Nesta escola desde o início do ano. Todos os anos teve
inclusão em suas classes, mas nenhuma a desafiou tanto quanto Douglas ( nome
fictício para preservar a identidade do aluno)
Impressões da pesquisadora durante a entrevista
Fui recebida pela professora de AEE que me encaminhou para a professora
J, que após ser esclarecida dos objetivos e propostas desta entrevista, concordou
em participar e assinou o termo de autorização. È bastante simpática e acessível,
- 216 -
fala bastante e tem como característica ser bastante direta, as vezes de forma
brusca, parecendo brava com a situação.
Se incomodou com a gravação e portanto não foi utilizado o recurso do áudio,
somente o registro escrito durante a entrevista
Registro da entrevista
“ Inclusão para mim é a liberdade de ir e vir como outra pessoa qualquer . O
problema não são os alunos incluídos o problema é a rede de ensino que não está
preparada para recebê-los.
Quando recebi o Aroldo( nome fictício para preservar a identidade do aluno)
na sala de aula já tinha informações de quanto ele era simpático e o quanto todos o
amavam na sala e na escola, mas não me disseram que este amor beirava a
superproteção, era chamado por um apelido do seu nome no diminutivo, não era
chamado pelo nome, apelido infantilizado que conquistou com o grupo e com os
funcionários dada a sua simpatia e afetividade com todos sem distinção. Observei
inicialmente , mas logo me cansei disso e comecei a agir, inicialmente com a família.
Em uma primeira conversa com a família observei que não se preocupavam
com a aprendizagem do Aroldo, apenas com a socialização. Era tratado como um
bebezão, e ele é mesmo uma criança gostosa ( obesa na verdade). A preocupação
da família estava com a saída desta escola, protegida até então para uma outra
escola ( do Estado) onde seria visto como super mega especial. Tive uma conversa
com os inspetores sobre o tratamento que ofereciam para ele e não foi uma
conversa fácil, mesmo porque sou nova nesta escola e não tenho muito crédito
ainda. Na classe estabeleci prioridades e por este motivo não é toda hora que eu
tenho lição para ele, nestes momentos ociosos, ele quer chamar a atenção , então
vai para o armário, faz xixi na roupa.
Tudo o que o Aroldo produzia era documentado por foto e este era o portfólio
de atividades dele para a escola e para a família.
Já a minha outra inclusão Douglas é muito diferente do Aroldo. Este sim
apresenta uma deficiência evidente, marcada em seu corpo, seu rosto e
principalmente em seu comportamento. Grande obstáculo para a sociedade pois
- 217 -
apresenta comportamentos agressivos involuntários, sem noção do que faz e de que
como machuca as pessoas com seus movimentos inesperados de bater a cabeça ou
de jogar o seu corpo sobre as pessoas. Meu objetivo com ele foi mostrar para ele o
que é carinho. Ele puxa o cabelo quando a gente se aproxima para falar com ele e
então precisei mostrar para ele como se relacionar com as pessoas sem puxar o
cabelo, que machuca.
Precisei me ausentar por uns dias, de licença médica e a professora
substituta que ficou com ele não sabia o que fazer, então o isolou do grupo para que
ele não machucasse os demais, sabia que isto não era certo, mas não sabia o que
fazer com ele. Volto de licença e o que encontro? o Douglas excluído da turma,
para ele o objetivo de estar na escola é a socialização e não pedagógico. Resolvi
que não consideraria os registros anteriores e partiria do zero no conhecimento do
Douglas queria eu mesma descobrir coisas sobre ele e não ficar presa no que os
outros me diziam dele. Estabeleci dois focos de trabalho com o Douglas, mantê-lo
sempre ocupado e dá-lhe responsabilidades. Deu certo.
Como é cadeirante e balança muito o seu corpo, as vezes de forma mais
intensa o que faz com que a cadeira de rodas ande com estes movimentos, o mais
comum era manter a cadeira travada, assim não conseguia sair do lugar. Como meu
foco era a responsabilidade e mantê-lo ocupado associado ao fato de que no
contato com a família, levantei dados de que ele ficava solto em casa, livre para ir
onde queria e me perguntei se fica livre em casa porque tem que ficar preso na
escola? Para mim, a escola não pode ser uma prisão, ela precisa é libertar as
pessoas, não prendê-las. Então destravei a cadeira, assim tinha toda a sala para
desbravar e ao mesmo tempo não tinha, porque esbarrava em outros que ocupavam
as carteiras que delimitavam os espaços por onde poderia se mexer. Fui
estabelecendo com ele regras de guardar os lápis no estojo após o uso, colocar
dentro do estojo, andar junto com o grupo, por exemplo. Antecipava tudo para o
Douglas através do canal auditivo, falando com ele e ele vocalizava respondendo se
me entendia. Estabelecemos um diálogo, diálogo que somente eu e ele
entendíamos, mas era um dialogo, ele estava no mundo.
Como estava solto pela sala, mais livre para se balançar e fazer a sua cadeira
andar pelo espaço, ainda que aparentemente sem uma direção planejada, passou a
- 218 -
não focar mais tanto a sua atenção nos colegas, puxando-lhes o cabelo ou a
camiseta quando passavam por ele, concentrava-se no movimento da cadeira.
Tirei ele de uma grande mesa que tinha, que em nada lhe interessava e
coloquei-o no chão por entender que ele não queria aprender ele queria apenas
viver, mesmo sobre a informação que ele não podia ir para o chão porque comia
tudo que tinha pelo chão. Eu antecipava para ele que ia por ele no chão, mas que
precisava da ajuda dele para não comer o que estava no chão e assim fomos nos
entendendo.
Certo dia quando me aproximei para falar com ele em sua cadeira, me puxou
e teve a intenção clara de me abraçar e isto não tem preço.
Muitas pessoas tem nojo de chegar perto dele, é fato, porque baba, tem uma
aparência estranha, não olha nos olhos da gente, não sabe se cuidar, enfim é
esquisito, mas quando a gente estabelece o vínculo, o afeto, tudo isto é irrelevante.
Descobri alguns sinais que Douglas fazia e passei a utilizá-los para me
comunicar com ele, assim fui percebendo que ele me entendia mais do que eu
poderia supor num primeiro momento. Penso que as outras professoras que
estiveram com o Douglas se preocuparam muito com o pedagógico e se
esqueceram de estabelecer uma relação com ele.
Para classe também foi uma descoberta este novo Douglas, pois não se
parecia com o Douglas que conheciam que só sabia era machucar. Um dia sem que
eu pedisse se aproximaram do Douglas na quadra para ficar perto dele. Nas
atividades de quadra, de corrida ele participa com todos, engatinha muito rápido e é
até mais rápido que alguns na corrida.
Douglas foi bastante excluído na escola não pelos amigos de sua classe,
mas pelos próprios funcionários e este foi meu maior desafio, mas me apeguei ao
afeto que desenvolvi por ele e investi em mostrar como ele havia evoluído. Douglas.
não é mais uma questão profissional acabou virando uma questão pessoal para
mim.
- 219 -
A mãe foi trazendo a informação de que ele conhecia a rotina de ir para a
escola e quando acordava ficava na a janela para esperar o ônibus que o traz para a
escola, em uma demonstração de que a escola era algo agradável para ele.
Em momento algum eu mudei o planejamento da sala e a inclusão do
Douglas nunca prejudicou os outros 15 alunos da sala que tenho.
Para mim a grande questão da inclusão é a parceria com a família. Para as
crianças que não falam como o Douglas, esta parceria é fundamental porque se ele
não fala como a família vai saber o que acontece na escola?
Nossa diretora diz sempre para mim que ele vive em um mundo que eu não
faço parte porque é uma criança com autismo, mas não é o que percebo, temos
uma relação muito forte. Todas as vezes que eu ia falar com ele, segurava a cabeça
dele para ele me ver e me ouvir, quem via esta cena sem compreender o meu
objetivo podia entender que eu sou uma louca. Com o Douglas não dá para ser
muito normal.” A professora dá gargalhadas neste momento
“ O Douglas mudou muito minha vida, no começo achei que não ia conseguir
ficar com ele porque tinha muito nojo da baba , me virava o estômago, mas precisei
me posicionar e disse para mim mesma, se tô com ele não é por acaso e a partir
desta minha decisão de estar com ele, eu ia para casa com cheiro forte de baba
dele, mas isso passou a não me incomodar mais. Entendi que não estava ficando
com ele de coração, era por obrigação, mas na medida que eu fui falando com ele e
ele foi me respondendo, eu fui vendo que eu podia sim estar com ele, que eu seria
capaz de estar com ele. Douglas foi uma experiência única, foi um grande
acontecimento na minha vida, falar dele me emociona muito.” Os olhos da
professora se enchem de lágrimas que escorrem pelo rosto.
“ A turma conhecia o Douglas antes de mim, e conhecem ele melhor do que
eu , foram me ensinando, me ajudavam nos momentos de convulsão, diziam é só
abraçar ele e acalmá-lo, para um especialista isso pode parecer uma bobagem , não
é uma indicação de como de tratar uma convulsão, mas para o contexto da escola
isso foi muito importante.
- 220 -
O Douglas precisava ver as pessoas e as pessoas precisavam ver o
Douglas, foi isto que aconteceu e agora ele pode ir para outros espaços e eu sigo
minha vida quem sabe com novas inclusões pela frente.
Penso que na formação de professores falta discussões nos HTPC, mais
discussões que tematizem a prática, que a gente possa contar as nossas
conquistas, nossas dificuldades, que a gente possa rir do que alcançamos e chorar
do que nos frustramos. Também acho que falta nas políticas publicas uma
preocupação maior com aqueles que são apenas problemas de comportamento ou
de aprendizagem na escola, mas que estão tão excluídos quanto os deficientes. “
Apêndice J - ENTREVISTA COM A PROFª E. (PROFESSORA DE AEE QUE
INDICOU A PROFESSORA J. PARA ESTA ENTREVISTA E QUE ACOMPANHA A
INCLUSÃO DOS ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E TRASNTORNO
GLOBAL DO DENSENVOLVIMENTO NO ENSINO COLABORATIVO NA ESCOLA)
Caracterização-
A professora de AEE é formada em Pedagogia com habilitação em
deficiência mental com pós graduação em Educação Inclusiva – Atendimento
Educacional Especializado
Está na rede pública como professora da educação especial há13 anos, e
nesta escola desde o ano de 2012.
Registro da entrevista
Ao ser questionada os motivos que a levaram escolher a professora J. como
uma professora com boa prática inclusiva responde:
Indiquei a professora J. por ter sido um trabalho muito árduo no início do ano,
já que ela tem duas inclusões na classe bem diferentes, uma com um aluno com
déficit intelectual , mas que é muito querido por todos na escola dada a sua simpatia
e docilidade e outro que é oposto, também com déficit intelectual porém com
autismo associado e com comportamentos que alteram a dinâmica da sala e da
- 221 -
escola e que portanto necessitou de muita disponibilidade da professora para este
trabalho.
A prof. J. é uma professora determinada no que faz, muito decidida e
empenhada com a inclusão. Apesar de ser impulsiva algumas vezes, atropelando as
propostas , vejo que esta impulsividade é por conta de querer muito que seus alunos
estejam incluídos.
Divergimos algumas vezes das propostas que ela realiza com o Douglas,
porém entendo que quem está com ele o tempo todo na classe é ela e portanto tento
acolher e aprimorar da melhor maneira possível, trazendo possibilidades e
reavaliando até mesmo o meu conhecimento sobre o assunto, pois nem tudo o que
aprendi e vivi até hoje na educação especial dão conta de pensar boas propostas
para a inclusão do Douglas.
A minha participação em sala de aula com a turma é no ensino colaborativo
então planejamos algumas atividades em parceria e aplicamos na sala, avaliando e
propondo novas atividades em seguida. Isto é feito em geral nos espaços de HTPC ,
mas é pouco tempo e precisamos rebolar muito para fazer o trabalho andar.
Apêndice K - ENTREVISTA COM A PROFª G. ( SÉRIES INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL) COM A INCLUSÃO DE UM ALUNO COM TRANSTORNO
GLOBAL DO DESENVOLVIMENTO – AUTISMO
Caracterização-
Formação Pedagogia – licenciatura plena
Na rede há 15 anos. Nesta escola há 10 anos. Já teve inclusões em sua sala
de aula, mas nunca com autismo
Impressões da pesquisadora durante a entrevista
Fui recebida pela professora de AEE que me encaminhou para a professora
G., que após ser esclarecida dos objetivos e propostas desta entrevista, concordou
em participar e assinou o termo de autorização. È uma professora tranquila, realizou
a entrevista comigo de forma muito envolvida, com clareza e objetividade em suas
respostas. A entrevista foi gravada em áudio e depois reescrita pela pesquisadora.
- 222 -
“ Logo que recebi o Jonatas ( nome fictício para preservar a identidade do
aluno) fui correndo procurar na internet informações que pudessem me ajudar a
conhecer melhor as características do autista e me orientar no planejamento. A
professora do ano passado dele me passou algumas informações e me deu dicas de
onde começar, mas na verdade pouco me ajudaram estas informações, porque
quando você recebe o aluno, você continua sem saber direito o que fazer , ele
continua sendo uma novidade , mesmo com todas as informações do mundo.
Este começo é muito difícil, e a gente se sente muito sozinha com um desafio
que você acha que não vai dar conta. Você tem um compromisso com a classe,
uma cobrança de dar conta dos conteúdos curriculares que são muitos o tempo é
curto e tem o aluno incluído que precisa aprender também e apesar de não ser
muito cobrado sobre esta aprendizagem para ele em comparação a cobrança para
os demais, a gente mesmo se cobra porque quer que ele aprenda também.
Demorou para chegar ajuda para pensar este planejamento para ele, a
professora de AEE chegou somente no 2º semestre por questões administrativas e
estruturais da rede. Depois que ela chegou tem me ajudado muito nas adaptações
de atividades para ele, mantemos a mesma disciplina que está sendo dada para os
demais, mas a atividade dele é diferente, porque o que pretendemos com ele são
outros objetivos.
Esta forma de partilhar o planejamento e a execução das atividades tem sido
muito boa, porque divide com o professor a responsabilidade sobre aquele aluno. As
trocas que realizamos quando planejamos ou quando avaliamos uma atividade
juntas tem sido muito rica para mim.
O que mais me desesperou no começo foi conhecer o que ele sabia e o que
não sabia, de onde eu iria partir. Como ele não fala, não me dava respostas, eu
ficava insegura se estava propondo coisas que podiam ajudar ele, estava a todo
momento me perguntando será que estou acertando?
Fui percebendo que estava acertando quando ele começou a responder a
chamada como os outros, levantando a mão, num processo que foi extremamente
lento para a aprendizagem deste procedimento. No início, a chamada não tinha
qualquer significado para ele, mas eu tinha o propósito que ele compreendesse a
- 223 -
rotina da sala de aula e cumprisse os procedimentos de escola, um deles era a
chamada que é realizada para todos , todos os dias pelo professor. Chamava pelo
seu nome e ele não tinha qualquer reação, então eu ia próximo a ele e dizia você
tem que responder a chamada é seu nome que estou chamando agora, veja seus
colegas , levantam o braço e respondem presente para que eu possa saber quem
está na sala e quem faltou. Aparentemente ele não estava entendendo o que eu
dizia, então passei a pedir que um amigo levantasse o seu braço sempre que
chamasse pelo seu nome, indicando a ele que era a sua vez de levantar o braço ,
até que depois de alguns meses, o trabalho é lento, ele espontaneamente levantou o
braço antes que o amigo o pudesse fazer. Então pensei estou no caminho certo,
porque ele agora pode saber qual é o seu nome nesta classe, a partir da chamada.
Para a classe, o ganho que vejo é no aprendizado do que é solidariedade,
pois cada dia uma criança é responsável por estar mais próxima dele, auxiliando-o
nas atividades. Ele já mostra algumas preferencias, indo perto dessas, ele mesmo
levanta da sua carteira e vai próximo de onde estas crianças preferidas por ele
estão. Ainda não brinca ou participa, fica de espectador do que estão fazendo , mas
percebo que está mais a vontade na classe. Gosta de estar perto delas quando
estão brincando de adoletá e ele se diverte, sorri, se agita, em demonstração que
está curtindo a música e os movimentos, mas ainda não participa junto delas, esta é
nossa próxima meta.
As crianças são comprometidas com ele, querem saber o que ele sabe, e
como podem ajudar, se interessam por ele, isto me fez em pensar em mudar a
minha estratégia de ensino e hoje trabalho quase todo o tempo com grupos
pequenos onde ele possa estar todo tempo junto com outros. Como é muito
observador, ainda que não faça nada no grupo sei que está aprendendo porque
observa atentamente o que estão fazendo. As crianças também aprenderam a
respeitar este não fazer dele, e já não cobram tanto que ele produza, mas também
não desistiram dele, estão a todo momento colocando ele na conversa do grupo e
mostrando como fazer. As vezes fico pensando como é que as crianças não
desistem dele, porque elas insistem tanto e nem sempre ele responde e mesmo
quando responde, é uma reposta muito sutil.
- 224 -
Como tenho que pensar na aprendizagem de todos os alunos, meu
planejamento inicial sofreu algumas transformações, mas acho que ajudou a todos
os alunos, não apenas ao autista. Hoje tenho que ter sempre de pano de fundo no
planejamento a possibilidade de oferecer oportunidade de respostas em diferentes
linguagens, ou seja trabalho muito com expressão artística, música, expressão
corporal, dramatizações , jogos e brincadeiras, saindo um pouco do tradicional que
é a linguagem oral , o que permite que o autista possa participar também.
Foi Interessante uma experiência que tive com uma das alunas que naquele
momento o estava acompanhando na atividade proposta que tratava de figuras
geométricas . A minha proposta era que ele pintasse e depois colasse nos lugares
correspondentes as figuras soltas em uma outra folha, e orientei a aluna orientadora
da tarefa para ele, que começasse pelo círculo, depois o quadrado e assim por
diante, mas ela me questionou , porque professora ele não pode escolher por onde
começar? E então pensei por que não? Percebi que este seria talvez o maior e
melhor objetivo para aquela atividade o de escolher o que fazer e como fazer. Mudei
minha postura de orientar os alunos quando estão com ele, e aprendo todos os dias
com eles , na simplicidade de cada um do que e como fazer com o amigo autista.
Tem sido uma experiência muito boa e acrescentado muito a minha pratica, porque
me faz pensar em fazer de um outro jeito que só pode ser bom para todos os
alunos.
Talvez o Jonatas não consiga fazer tudo que proponho, mas eu preciso
tentar, oferecer e observar o que acontece, acho que é isso que angustia o professor
mais que tudo, não é o fazer , mas é interpretar e atentar para as sutis respostas que
ele dá . A gente quer que ele faça tudo que é oferecido para os outros, mas não sei
se isso é possível, nem mesmo sei se é necessário.
Acho que a maior contribuição dos alunos incluídos nas salas comuns deve-
se ao trabalho colaborativo que tem sido um caminho bom para todos os alunos,
porque ele pode contribuir com o que pode no grupo, mas alguma coisa sempre
pode. Os outros podem aprender a observar com mais cuidado os talentos do outro,
do que podem contribuir e do que são limitados nesta contribuição, respeitando os
limites de cada um e todos aprendem nesta experiência.
- 225 -
Tivemos uma atividade de grupo , onde a proposta era a escrita de uma carta
aos 3 porquinhos avisando que seu Lobo se aproximava para tentar matá-los e foi
muito boa a produção do grupo que estava com o Jonatas, pois o fato dele não
saber escrever ou falar, o que era básico na atividade, não foi impedimento para ele
participar. Os alunos encontraram um caminho que ele pudesse participar da
atividade e ele participou fazendo desenhos, que por sinal ficaram ótimos na carta
para os 3 porquinhos. O grupo se sentiu muito satisfeito com a produção coletiva.
Na inclusão não vejo como ser uma professora tradicional que preconiza as
atividades individuais e as propostas rígidas de memorização e cópia, nesta visão
tradicional não cabe a inclusão, mas se mudar nossa proposta e nossa postura , não
vejo problemas em incluir os alunos com NEE ainda que não seja uma tarefa fácil.
Apêndice L - ENTREVISTA COM A PROFª M. (PROFESSORA DE AEE QUE
INDICOU A PROFESSORA G. PARA ESTA ENTREVISTA E QUE ACOMPANHA A
INCLUSÃO DO ALUNO COM TRANSTORNO GLOBAL DO DESENVOLVIMENTO
NO ENSINO COLABORATIVO NA ESCOLA)
Caracterização-
A professora de AEE é formada em Pedagogia com habilitação em
deficiência mental com pós graduação em Educação Inclusiva – Atendimento
Educacional Especializado
Está na rede pública como professora da educação especial há13 anos, e
nesta escola há 2 meses.
Registro da entrevista
Ao ser questionada os motivos que a levaram escolher a professora G. como
uma professora com boa prática inclusiva responde:
Penso que a questão que a inclusão dos alunos com deficiência ou
transtornos do desenvolvimento trazem está ligada diretamente ao currículo. Há
uma urgente necessidade de diversificação que se apresenta frente a inclusão.
Neste sentido vejo a inclusão como um motor para a mudança neste currículo, o
imprevisto, isto é não saber o que dá certo ou não dá com aquele aluno torna o
planejamento não apenas pensado intencionalmente, mas também acompanhado
- 226 -
em suas respostas intencionalmente. Ou seja, o professor precisa planejar
atividades com objetivos claros para todos os alunos, inclusive para o aluno incluído,
mas não tem a certeza se dará certo e precisa estar atento na aplicação da
atividade. Mas não seria este mesmo o papel do professor para todos os alunos? O
que percebo é que os professores que tem alunos incluídos precisam se ocupar
mais de pensar o que fazer, e mais ainda de pensar o que fizeram para de novo
pensar com mais assertividade o que fazer.
È isso que F. faz e que dá certo, ela pensa e repensa e depois pensa de
novo. Não passa nem pela cabeça dela deixar o Jonatas com uma atividade
diferente da atividade que a sala está fazendo e isso acho muito importante, acho
que é isso que garante uma inclusão de boa qualidade.
O início como a professora diz foi muito difícil porque estávamos
preocupados com o pré- requisito do aluno para acompanhar o que propomos , o
que planejamos, mas a questão primeira foi vamos levantar dados sobre o aluno e
sua aprendizagem e não levantar pré- requisitos.
A falta de tempo para as parcerias neste processo, seja com a coordenadora
pedagógica, seja com a professora de AEE é um grave problema, porque
planejamento e tempo estão intimamente ligados.
Tenho tentado mostrar para a escola que o meu papel é contribuir não
apenas com o aluno incluído, mas com toda a classe, então não entro na sala de
aula para olhar o Jonatas, mas para vê-lo no contexto de toda a sala de aula, nas
suas relações com os demais colegas, com a professora e com o currículo proposto
e é inevitável que neste movimento me envolva com todos os alunos e observe as
necessidades de ajustes do planejamento que beneficiaria toda a classe.
Neste sentido vejo que a formação de professores precisa desestabilizar o
professor do lugar que se encontra, precisa desestabilizar os seus conhecimentos
construídos até então , precisa dar uma mexida no seu fazer e isto o aluno de
inclusão faz muito bem.” A professora ri muito neste momento.
A escolha desta professora se deu por conta das mudanças que vi
acontecerem com a entrada do aluno de inclusão autista em sua sala de aula, as
propostas de grupo que tem sido implementadas e os avanços que o aluno autista
- 227 -
tem tido, mas também os avanços da classe não apenas nos conteúdos propostos ,
mas na postura frente ao diferente. A professora é muito centrada no que faz e
apesar de ter estado muito tempo sozinha, todo o primeiro semestre, não se deixou
paralisar pelas dificuldades ou pela falta de respostas do aluno incluído e ainda que
se desesperasse com isso, não desistiu dele e foi tentando novos caminhos, isto
mostra que a professora se comprometeu com ele e não vejo como dar certo a
inclusão enquanto o professor não entender que o aluno é seu e precisa se
responsabilizar por ele tanto quanto se responsabiliza pelos demais .
Apêndice M - ENTREVISTA COM A PROFª F. (EDUCAÇÃO INFANTIL) COM A
INCLUSÃO DE UM ALUNO COM TRANSTORNO GLOBAL DO
DESENVOLVIMENTO – SÍNDROME DE ASPERGER
Caracterização-
Formação Pedagogia – licenciatura plena
Na rede há 16 anos. Nesta escola há 6 anos. Já teve inclusões em sua sala
de aula
Impressões da pesquisadora durante a entrevista
Fui recebida pela professora de AEE que me encaminhou para a professora
F, que após ser esclarecida dos objetivos e propostas desta entrevista, concordou
em participar e assinou o termo de autorização. È uma professora bem agitada,
realizou a entrevista comigo mas estava preocupada com a sala de aula, sendo
rápida nas respostas que foram registradas na escrita.
Registro da entrevista
“ Escolhi esta sala sabendo que Núbia ( nome fictício para preservar a
identidade da aluna) estaria nela. O que eu sabia do ano anterior da Núbia era
pouca coisa, fui mesmo as cegas para esta inclusão. Fui sem expectativa nenhuma,
também sem conhecimento nenhum e logo nos primeiros dias não se mostrou
arredia como eu previa, mas com o passar do tempo, durante o processo de
- 228 -
adaptação foi me testando com comportamentos de gritos na sala de aula, reações
exageradas aos nãos que lhe oferecia.
Não fui buscar informações sobre ela em nenhum lugar, recorri ao relatório
que tinha na escola, que de verdade não me dizia nada do que eu precisava saber,
então decidi „vou fazer o que eu acho certo‟. Assim fui testando coisas com ela, e ela
foi respondendo as minhas tentativas doidas, fui me empolgando com os resultados
e as minhas descobertas sobre ela. Neste percurso recebi a ajuda da professora de
AEE e passamos a descobrir coisas juntas sobre a Núbia.
Eu dava a mesma atividade para todos da classe e ela fazia algumas delas,
mas o que me incomodava era que ela ficava muito comigo e pouco com o grupo.
No começo teve muito de não querer, de gritar, fui mostrando a ela que ficava
brava com este seu comportamento, fui mostrando que ela devia falar baixinho e as
coisas foram acontecendo.
Perguntava para ela „qué pão?‟ e esperava ela responder, mesmo que isso
demorasse muito tempo, insistia e perguntava quantas vezes fosse necessária até
ela esboçar uma resposta que então eu validava. Conversava muito com ela, fui
dosando o que demandar a ela, não tinha uma rotina certinha com ela, dependia de
como ela chegava e ia passando o dia, eu ia me ajustando as suas necessidades.
Conversei com as crianças que eles precisavam me ajudar e ter paciência
com a Núbia, deixar ela quando estivesse irritada, porque ela precisava ficar sozinha
nestes momentos e eles foram aprendendo a respeitar isso, a deixá-la em paz
quando estava em crise e ainda que se incomodassem com os gritos e as atitudes
inesperadas dela, resistiam bravamente.
Tirei uma licença de muitos dias e quando retornei para o trabalho percebi
que a Núbia tinha regredido bastante em alguns comportamentos que já não
estavam mais acontecendo na minha presença, mas não posso dizer que foi só a
Núbia que regrediu os outros alunos também, então percebi que não se tratava da
deficiência, mas de criança. Ela tem me ensinado muito.
Tinha uma grande preocupação no início do ano, porque como sabia que ela
era autista e já tinham me dito que o autista precisa fazer tudo certinho, do mesmo
- 229 -
jeito , e eu sou altamente imprevisível, gosto das mudanças, pensei: isso não vai
dar certo, vou viver em conflito. No final eu tirei ela disso, dizia para ela tem que ser
assim, tem que ser deste jeito e fomos nos entendendo.,
Na balança do parque ela corria pegava a balança e não cedia aos demais,
ficava todo tempo na balança, no início todos aceitavam, mas fui apresentando a ela
as regras que são para todos e devagar ela pôde ir cedendo. Fui instalando com ela
os mesmos procedimentos que tinha com os demais e ela foi respondendo a isso,
mais devagar que os outros é verdade, mas foi respondendo.
Fiz tudo sozinha, nunca sentei com a mãe, fora da reunião de pais que é para
todos e na hora da saída o que passava para a mãe era o retorno positivo de como
estava indo bem na escola, mas nunca perguntei como ela era em casa, ou coisa
parecida. Percebi que falhei nisso quando vi a mãe se emocionar quando contei algo
que a Núbia estava fazendo e isso me chamou a atenção do quão distantes eramos
frente a uma pessoa comum.
As coisas que eu via que ela gostava, como de ler por exemplo, eu investia e
ela foi desenvolvendo a leitura na sala de aula.
Com relação ao grupo, mostravam-se enciumadas com falas de cobrança
para a professora como: você fica tanto com a Núbia e comigo você fica só um
pouquinho.
Núbia não foi um estorvo na minha sala, fui aprendendo aos poucos com ela
e ela comigo. Será que inclusão não é isso mesmo, aprendizagem de todos os
lados? Núbia era minha aluna, mas na escola todo mundo se intrometia para dar
palpites, o que ficou muito difícil, de um lado eu fazendo um trabalho com ela,
especialmente com o comportamento, vinha outro professor, ou funcionário e
desmanchava o que eu estava fazendo. Faltou conversar com o grupo, partilhar
mais este trabalho com a escola. Fiquei muito sozinha, isolada na minha sala, acho
que para a inclusão dar certo mesmo, precisa ter mais parcerias”.
Apêndice N - ENTREVISTA COM A PROFª E. (PROFESSORA DE AEE QUE
INDICOU A PROFESSORA J. PARA ESTA ENTREVISTA E QUE ACOMPANHA A
INCLUSÃO DOS ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E TRASNTORNO
GLOBAL DO DENSENVOLVIMENTO NO ENSINO COLABORATIVO NA ESCOLA)
- 230 -
Caracterização-
A professora de AEE é formada em Pedagogia com habilitação em
deficiência mental com pós graduação em Educação Inclusiva – Atendimento
Educacional Especializado
Está na rede pública como professora da educação especial há13 anos, e
nesta escola desde o ano de 2012.
Registro da entrevista
Ao ser questionada os motivos que a levaram escolher a professora F. como
uma professora com boa prática inclusiva responde:
A professora F. é uma professora agitada e como ela mesma diz tinha tudo
para não ter dado certo a inclusão com a Núbia, porque o perfil desta professora de
agitação poderia ter mais desestabilizado a Núbia que contribuído para seus
avanços. Mas não foi isso que aconteceu, a professora conseguiu um caminho muito
interessante com a aluna. È uma professora que é muito segura do que faz , acredita
no potencial de todos os alunos e aposta em si própria, não tem medo de tentar e se
errar , retoma e começa de novo, acho isso absolutamente necessário na inclusão,
porque na verdade ninguém sabe o que dá ou não certo, porque cada criança ,
independente do diagnóstico que traz consigo é diferente de outra com o mesmo
diagnóstico.
Gosto do trabalho da professora F. porque não tem medo de ousar e tem
ousado muito com a Núbia e ela tem respondido positivamente , coisas que jamais
pensamos que poderia fazer, tem feito, mas é mérito da professora que aposta e vai.
APÊNDICE O – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA
PROFESSORES DA SALA COMUM
1. TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO:
O presente roteiro faz parte da pesquisa “IMPLICAÇÕES DA INCLUSÃO
ESCOLAR DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL OU TRANSTORNOS
- 231 -
GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO NA P´RATICA DO PROFESSOR” a qual você
está sendo convidado a participar.
A pesquisadora responsável por este projeto é a Prof.Joseleine de Campos
Gomes , mestranda do PPGE da UNINOVE, sob a orientação do Prof. Dr. Paolo
Nosella.
Informações sobre a pesquisa
Esta pesquisa está sendo realizada com o objetivo de levantar dados sobre
as implicações acarretadas pela inclusão do aluno com deficiência intelectual ou
com transtornos globais do desenvolvimento nas salas de aula comuns na
perspectiva de conhecer as práticas pedagógicas dos professores destas classes
que tem apresentado resultados positivos e avanços para o aluno e para a classe
como um todo, bem como tem possibilitado a reflexão do professor sobre a sua
prática docente.
Termos de participação
1. Para participar desta pesquisa você deve estar com aluno com deficiência
intelectual ou transtorno global do desenvolvimento frequentando a classe
comum no ano de 2013
2. Os nomes dos professores pesquisados não serão divulgados, e para sua
total segurança não será solicitado qualquer número de documento.
3. Os nomes das escolas e dos alunos envolvidos em seus relatos não serão
diculgados e utilizaremos nomes fictícios.
4. A participação nesta pesquisa não implica nenhuma responsabilidade ao
pesquisado,sendo solicitado apenas que responda às perguntas com
sinceridade.
5. Caso deseje desistir da pesquisa poderá fazer isto a qualquer momento, sem
nenhumprejuízo
6. As respostas dadas serão gravadas em áudio ou registradas em papel pela
pesquisadora..
Declaro que, após convenientemente esclarecido e tendo compreendido o que me
foi explicado, concordo em participar da presente pesquisa. Declaro ainda que
- 232 -
menquadro no segmento pesquisado, tendo participado de ao menos um projeto
deducação para as mídias durante os anos em que cursei o Ensino Médio.
Se você concorda com o exposto acima e deseja participar, deve assinar o
documento
São Bernardo do Campo, -
Assinatura do professor
APÊNDICE P – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA
PROFESSORES DO AEE
1. TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO:
O presente roteiro faz parte da pesquisa “IMPLICAÇÕES DA INCLUSÃO
ESCOLAR DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL OU TRANSTORNOS
GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO NA P´RATICA DO PROFESSOR” a qual você
está sendo convidado a participar.
A pesquisadora responsável por este projeto é a Prof.Joseleine de Campos
Gomes , mestranda do PPGE da UNINOVE, sob a orientação do Prof. Dr. Paolo
Nosella.
Informações sobre a pesquisa
Esta pesquisa está sendo realizada com o objetivo de levantar dados sobre
as implicações acarretadas pela inclusão do aluno com deficiência intelectual ou
com transtornos globais do desenvolvimento nas salas de aula comuns na
perspectiva de conhecer as práticas pedagógicas dos professores destas classes
que tem apresentado resultados positivos e avanços para o aluno e para a classe
- 233 -
como um todo, bem como tem possibilitado a reflexão do professor sobre a sua
prática docente.
Termos de participação
1. Para participar desta pesquisa você deve estar acompanhando em sala de
aula comum o aluno com deficiência intelectual ou transtorno global do
desenvolvimento frequentando a classe comum no ano de 2013 na
modalidade de ensino colaborativo
2. Os nomes dos professores pesquisados não serão divulgados, e para sua
total segurança não será solicitado qualquer número de documento.
3. Os nomes das escolas e dos alunos envolvidos em seus relatos não serão
diculgados e utilizaremos nomes fictícios.
4. A participação nesta pesquisa não implica nenhuma responsabilidade ao
pesquisado,sendo solicitado apenas que responda às perguntas com
sinceridade.
5. Caso deseje desistir da pesquisa poderá fazer isto a qualquer momento, sem
nenhum prejuízo
6. As respostas dadas serão gravadas em áudio ou registradas em papel pela
pesquisadora..
Declaro que, após convenientemente esclarecido e tendo compreendido o que me
foi explicado, concordo em participar da presente pesquisa. Declaro ainda que
menquadro no segmento pesquisado, tendo participado de ao menos um projeto
deducação para as mídias durante os anos em que cursei o Ensino Médio.
Se você concorda com o exposto acima e deseja participar, deve assinar o
documento
São Bernardo do Campo, -
Assinatura do professor
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