IMPACTOS ECONMICOS E SOCIAIS DAS DECISES JUDICIAIS:
ASPECTOS INTRODUTRIOS
PROF. DR. ROGRIO GESTA LEAL
Porto Alegre, maro de 2010
2
ESCOLA NACIONAL DE FORMAO E APERFEIOAMENTO DE MAGISTRADOS Secretrio Marcos Rosas Degaut Pontes Coordenadoria de Pesquisa Rita Helena dos Anjos Diagramao Helder Marcelo Pereira Reviso Tayane Tssia Ribeiro Gomes Capa Tas Vilela Impresso Diviso de Servios Grficos da Secretaria de Administrao do Conselho da Justia Federal C435i
Leal, Rogrio Gesta.
Impactos econmicos e sociais das decises judiciais : aspectos introdutrios / Rogrio Gesta Leal. Braslia : ENFAM, 2010.
310 p. ISBN 1. Direito. Direito Econmico.
CDU 33:34
3
SUMRIO
APRESENTAO.................................................................................. PREFCIO ...........................................................................................
PRIMEIRA PARTE: ANLISES TERICO-FUNDACIONAIS DA RELAO
ENTRE DIREITO E ECONOMIA ............................................................
CAPTULO PRIMEIRO
Algumas matrizes constitutivas do dilogo direito e economia ..............
CAPTULO SEGUNDO
As mltiplas dimenses da relao entre Economia e Direito ................
CAPTULO TERCEIRO
Ordem Econmica e Constituio .........................................................
SEGUNDA PARTE: ESTUDOS DE CASOS CONCRETOS DE IMPACTOS
ECONMICOS E SOCIAIS DAS DECISES JUDICIAIS ........................
CAPTULO QUARTO
A Funo Econmico-Social da Propriedade .........................................
CAPTULO QUINTO
Mercado, Fornecedor e Consumidor .....................................................
CAPTULO SEXTO
Ordem Econmica e Meio Ambiente .....................................................
CAPTULO STIMO
O custo social do Direito Sade no Brasil ..........................................
CAPTULO OITAVO
O servio pblico no Brasil e seus impactos extra-normativos ..............
BIBLIOGRAFIA GERAL.........................................................................
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APRESENTAO
Brinda-nos o Prof. Dr. Rogrio Gesta Leal, eminente Desembargador do e. Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul, com suas linhas propeduticas acerca dos
impactos econmicos e sociais das decises judiciais, obra que tenho a honra de
apresentar comunidade jurdica, em nome da Escola Nacional de Formao e Aperfeioamento de Magistrados ENFAM, que promove o lanamento deste volume, inaugural de uma srie destinada ao aprimoramento do exerccio da funo judicante
em nosso pas.
Sobretudo pelo carter vanguardista, porm, desde logo, essencial doutrina
ptria, destaca-se o presente estudo pela sua importncia para a moderna disciplina
Anlise Econmica do Direito (Law & Economics), da qual o insigne mestre desponta.
No trabalho, so abarcados temas de particular relevo para a reflexo dos
magistrados brasileiros e estudiosos da cincia jurdica, haja vista o alto ndice de
crescimento das denominadas demandas de massa, com seus respectivos consectrios
processuais (recursos repetitivos, repercusso geral, smulas vinculantes etc.) e efeitos
econmicos decorrentes, sobre os quais o culto mestre discorre com destemor e
propriedade.
Aps expor com maestria as origens e as linhas mestras da disciplina,
especialmente em Posner, discorre o autor com arguta percucincia a respeito das intercorrelaes entre direito e economia, para, em remate, apresentar profcuo estudo
de casos da realidade jurdico-econmica brasileira, levados a exame do Poder
Judicirio, sobre os quais registra suas impresses de maneira profunda e elegante.
Em ltima anlise, pode-se afirmar que conclama os Juzes
responsabilidade da toga alertando sobre o risco de descrdito do prprio Poder
Judicirio ao desvendar as relaes de tenso subjacentes efetividade dos comandos
constitucionais em contrapartida s possibilidades econmicas para a sua realizao.
FLIX FISCHER Ministro do Superior Tribunal de Justia
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7
PREFCIO
O Prof. Doutor Rogrio Gesta Leal, cuja obra abundante, densa,
desafiadora bem conhecida do meio jurdico lusfono, resolveu, nesta sua
mais recente criao, conciliar com o quadro terico-doutrinrio propiciado pela
Anlise Econmica do Direito ("Law & Economics") alguns temas que j tinha
abordado de forma aprofundada, e nomeadamente:
1) a funo social dos direitos1
2) o reflexo do funcionalismo jurdico dos "Direitos Sociais" nas
instituies
,
2
3) a articulao da Teoria do Direito e da Teoria do Estado no mago
do novo constitucionalismo brasileiro
,
3
4) o papel do "activismo judicirio" dentro deste panorama
, e mais recentemente 4
A riqueza dessa conciliao fica muito evidente desde as primeiras
linhas da obra, e a ela acresce a indesmentvel actualidade do tema que toma
para ponto focal do seu estudo: o dos impactos econmicos e sociais das
decises judiciais.
.
Num primeiro momento, o leitor familiarizado com as teses cruciais
da Law & Economics, cuja relevncia analtica sublinhada at pelo modo
muito simples e didctico como elas so apresentadas evidenciando o carcter
primordial, j das relaes entre Direito e Economia como actividades, j da sua
sobreposio como objectos de cincias sociais afins.
1 Veja-se as suas monografias A funo Social da Cidade e da Propriedade no Brasil; Estado, Administrao Pblica e Sociedade: Novos Paradigmas. 2 Veja-se os seus estudos Direito Urbanstico; "Possveis Dimenses Jurdico-Polticas Locais dos Direitos Civis de Participao Social no mbito da Gesto dos Interesses Pblicos"; "A Efetivao do Direito Sade Por uma Jurisdio Serafim: Limites e Possibilidades". 3 Veja-se as suas monografias Hermenutica e Direito: Consideraes sobre a Teoria do Direito e os Operadores Jurdicos; Teoria do Estado: Cidadania e Poder Poltico na Modernidade. 4 Veja-se as suas monografias O Estado-Juiz na Democracia Contempornea: Uma Perspectiva Procedimentalista; Condies e Possibilidades Eficaciais dos Direitos Fundamentais Sociais no Brasil: Os Desafios do Poder Judicirio no Brasil.
8
A segunda vertente da obra assenta no exame de decises judiciais
concretas, nas quais o autor revisita temas que j tratou "ex professo"
anteriormente, e que tm em comum o constiturem reas nas quais o impacto
social e econmico das solues jurdicas, em particular na sua aplicao judiciria,
mais fortemente se faz notar, e muito particularmente na nossa
contemporaneidade, na qual no apenas a interconexo dos factores sociais deixou
marca indelvel, mas tambm a coeso das sociedades assenta, de modo cada vez
mais vincado, no mnimo denominador comum dos interesses econmicos.
O tom sofisticadamente pragmatista advertindo o leitor para a
"hubris" em que incorre aquele que queira aventurar-se na "engenharia social"
ou no "activismo judicirio" sem as munies da lingua franca em que se
converteu a anlise econmica; aquele que "nem sempre percebe que agrava os
problemas que pretende corrigir", refugiado que se encontra, tantas vezes, nas
cidadelas inexpugnveis do dogmatismo doutrinarista, distanciado dos
chamamentos e impulsos da luta pelo Direito tal como travada pelo homem
comum com a sua linguagem e os seus valores limitados pelo mbito dos seus
interesses mais imediatos, os seus interesses econmicos.
O moralista poder sempre, irredutvel, censurar este estado de coisas
no qual se perdeu o norte da virtude e a exaltao da transcendncia; mas no
nosso mundo imperfeito e limitado, de seres de carne e osso, no nos
surpreender que esses apelos s virtudes supererogatrias se percam na
penumbra da irrelevncia, ofuscados por uma outra axiologia muito menos
ambiciosa e muito mais "pedestre" que tem, acima de tudo, o cuidado de no
colocar os fins da aco moral fora do horizonte de realizao do homem
comum esse mesmo que se presume ser o destinatrio por excelncia das
modernas democracias.
Mas o tom da anlise tambm politicamente pragmtico, mormente
quando, por intermdio da anlise detalhada das decises judiciais, chama a
ateno para os custos (sociais) dos direitos mormente para o esforo e para as
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perdas de oportunidade nsitos em cada deciso de adjudicao de interesses (visto
que cada deciso concreta "bloqueia" as possibilidades decisrias alternativas), para
os desperdcios (ou seja, as perdas de incentivos produo resultantes de uma
deciso insensvel questo dos incentivos) e para os efeitos redistributivos de cada
afirmao judicial de direitos (a denncia da "indstria de liminares" aqui
particularmente eloquente, na medida em que dela transparece que nessa
"indstria" a agressividade judicial garante proveitos, "rendas", no errio pblico,
custa dos grupos sub-representados mas contribuintes).
No menos pragmaticamente se espelha, na anlise de Rogrio Gesta
Leal, uma sabedoria ps-coaseana que adverte para a necessidade de se
distinguir, no seio da prpria anlise econmica, entre os conceitos de "ptimo"
e de "mximo", sendo que a maximizao indistinta gera invariavelmente sub-
ptimos sociais.
Assim, nomeadamente, a maximizao do acesso justia tende a
gerar o congestionamento e o colapso da prpria administrao dessa justia,
vtima do excesso de acesso e da rivalidade no uso de meios escassos; mas o
mesmo sucede e aqui menos intuitivamente com a maximizao da prpria
eficincia na administrao da justia, o que novamente, incentivando a
procura, suscitaria excesso de uso e novamente o colapso, num afloramento
daquilo que poder designar-se como "a maldio do sucesso" (aquilo que o
autor designa por "paradoxo da eficincia"). O ptimo social encontrar-se-, em
suma, num meio-termo: numa justia que no se transforme num peso-morto
do aparelho produtivo, num entrave actividade econmica, mas que em
contrapartida no transmita sociedade a iluso de uma justia gratuita e
inesgotvel, que geraria o incentivo ao sobre-uso ( "sobre-judicializao") e
provocaria o colapso.
A Anlise Econmica do Direito aponta aqui para uma soluo
conciliadora e muito adequadamente indica-a como ptima: procura-se que da
adjudicao judicial de interesses resulte uma afectao de recursos eficiente,
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no duplo sentido de, por um lado, promover a circulao de recursos em
direco aos seus empregos mais teis quando essa circulao no
espontaneamente promovida pelos mercados (por exemplo proferindo sentenas
decalcadas daquele que teria sido o equilbrio contratual, se tivesse havido
contrato), e de, por outro lado, remover os entraves que possam subsistir a essa
espontaneidade, contribuindo para a reduo de custos (por exemplo definindo
titularidades, ou fornecendo regras supletivas, de modo a facilitar a negociao);
colocando, em suma, as instituies ao servio do "bom funcionamento do
mercado", e atravs dele ao servio do prprio crescimento econmico.
O autor no escamoteia os problemas mais amplos, e aparentemente
mais intratveis, da justia distributiva e das falhas de mercado aquelas
situaes em que a administrao judiciria ou 1) fica refm de proclamaes
de direitos que, desligadas de uma sensibilidade aos impactos nos custos,
permitem que grupos tomem de assalto recursos comuns, esgotando-os antes
que todos os grupos possam ter o acesso a esses recursos que o Direito
formalmente lhes garantisse (novamente ocorre o exemplo da "indstria de
liminares"); ou 2) tem que procurar proporcionar comunidade poltica o acesso
a recursos a um nvel que a espontaneidade dos mercados deixa aqum ou alm
do "ptimo social" (no primeiro caso por fora de "externalidades positivas", no
segundo por fora de "externalidades negativas").
Indo um pouco mais longe, a reflexo de Rogrio Gesta Leal coloca-o
frontalmente, corajosamente, perante uma dvida bem mais radical: a
ponderao dos impactos econmicos e sociais das decises judiciais no
dever porventura admitir a possibilidade de o judicirio ser, no parte da
soluo, mas parte do problema de ineficincia e de injustia nas sociedades
contemporneas? No se trata aqui da tradicional e descarnada meditao
sobre a "Crise da Justia", mas antes de algo bem mais palpvel e dilacerante
a possibilidade de "captura" do Poder Judicirio num jogo que utiliza a
litigncia como arma de arremesso e se serve dos adjudicadores como se se
11
tratasse de cmplices na externalizao de custos e na redistribuio de riqueza
margem de critrios consensuais de justia social (tirando especial proveito da
rigidez e previsibilidade que induzida nos julgadores pelo formalismo
positivista um incentivo mais sobre-judicializao).
O problema tanto mais melindroso, note-se, quanto certo que o
combate a essa manipulao estratgica da litigncia, a essa
instrumentalizao do judicirio, pode no se conseguir fazer seno atravs de
restries que podem, em contrapartida, ser consideradas verdadeiras
denegaes de justia, ao arrepio da prpria lgica do Estado e das bases
mnimas da legitimao constitucional (qual o interesse de pertencermos a um
Estado que pratica uma "denegao defensiva" da Justia?).
De uma multido de questes suscitadas pela leitura desta obra,
destacaremos apenas mais duas:
Admitindo que uma avaliao consequencialista de impactos
econmicos e sociais das decises judiciais visa subordinao explcita dos
critrios de justia aplicados pelos tribunais a uma funcionalizao "social",
nomeadamente por imperativo constitucional, subsiste a questo de saber-se
qual o melhor modo de "densificar" essa funcionalizao: se atravs do Poder
Legislativo, no mbito de um debate poltico necessariamente abstracto e
vulnervel ao doutrinarismo, negociao partidria e gesto eleitoral; se
atravs do Poder Judicirio, tambm ele perigosamente exposto ao casusmo,
"captura" pelos litigantes e at ao doutrinarismo que se abriga na ideologia do
"activismo judicirio". Ao contrrio do que poderia esperar-se, a Anlise
Econmica do Direito no privilegia a segunda destas opes at porque h
muito transcendeu o confinamento inicial ao universo do "Common Law".
Em segundo lugar, cabe perguntar pela legitimidade da reapreciao,
em nome da eficincia, de decises judiciais tomadas em nome da justia e
perguntar especificamente se isso no equivaler, ao menos implicitamente, a
arvorar o valor "eficincia" em instncia superior do prprio valor "justia".
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Essa pretensa tenso entre valores, carregada que est de simbolismo, no deve
induzir-nos em erro:
Por um lado, aquela reapreciao significa singelamente que muitas
proclamaes de direitos, por solenes e grandiloquentes que sejam, no
inventam para elas mesmas as suas prprias possibilidades de concretizao,
havendo limites cuja transgresso acarreta uma "hubris" trgica.
E por outro lado e aqui a confluncia de pragmatismo e de Law &
Economics transporta consigo uma mensagem potencialmente revolucionria a
exaltao do valor "eficincia" pode tambm querer significar que, em
sociedades crescentemente materialistas e abertas, cada vez mais sensato
reclamar-se uma comunidade minimalista de interesses partilhados como factor
de coeso, admitindo-se que o agnosticismo prevalea em tudo o mais: ou seja
que, em perfeita consumao do iderio formalista dos velhos emancipadores do
Iluminismo, vivamos em comunidades em que h espao para a coexistncia
pacfica e frutfera entre pessoas que no partilham quaisquer valores aos quais
possa ser associado qualquer contedo material de "justia", mas que, no
obstante, querem aproveitar a coexistncia para, atravs da diviso social do
trabalho, optimizarem os seus planos privativos de realizao pessoal, apoiados
num Direito que pouco se aventura para l do "neminem laedere". Tambm aqui
o moralista lamentar o "empobrecimento axiolgico", mas os herdeiros do
Iluminismo no deixaro, em contrapartida, de considerar um tal moralista
como suspeito de paternalismo.
Esse mesmo agnosticismo partilhado universalizado, globalizado,
diramos que, em nosso entender, redime a proeminncia conferida ao valor
"eficincia": porque nenhum pr-entendimento, nenhum subentendido,
condiciona aquilo que, em cada momento poltico, social, histrico, possa
emergir como avaliao consensual do que seja a "eficincia" ainda que seja
pacfico que o consenso se estribar na partilha da lingua franca em que se
converteu o vocabulrio econmico.
13
Que os tribunais, em vez de dificultarem, facilitem um gozo socialmente
responsvel da propriedade privada, que eles propiciem um desenvolvimento urbano
sustentvel em vez de o onerarem com uma canga burocrtica, so objectivos que
emergem transparentes de uma sindicncia eficincia do Poder Judicirio. E o mesmo
se dir do suporte s hipossuficincias que sejam detectveis nas relaes de consumo
ou da reaco a impactos negativos da actividade econmica no ambiente, na medida
em que umas e outros configurem falhas de mercado a merecerem uma rectificao
exgena norteada pela promoo da eficincia; e outro tanto nos impasses gerados
pela escassez e pela necessidade de racionamento no exerccio do "direito sade",
malgrado os constrangimentos impostos pelos "custos dos direitos" no figurino
abstracto do "catlogo de direitos fundamentais" (mais uma vez, sob pena de
"vitimizao do Estado por seu prprio sucesso", s mos de um "superdiscurso social").
De tudo isto e muito mais, com grande abundncia de exemplos
concretos e de apoios na aplicao judiciria efectiva, se trata na obra que
tenho a honra de prefaciar a obra de uma voz actuante que encontra o flego,
e o talento, para reflectir, e ao reflectir dar testemunho da sua poca, das suas
genunas preocupaes e da sempre renovada esperana de aprimoramento da
prtica atravs do dilogo com a teoria.
Fernando Arajo
Professor Catedrtico da Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa
Lisboa, 18 de Fevereiro de 2010
14
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PRIMEIRA PARTE
ANLISES TERICO-FUNDACIONAIS DA RELAO
ENTRE DIREITO E ECONOMIA
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CAPTULO PRIMEIRO
ALGUMAS MATRIZES CONSTITUTIVAS DO DILOGO DIREITO E ECONOMIA
I NOTAS INTRODUTRIAS Pretendo desenvolver neste tpico reflexes sobre algumas matrizes
constitutivas do dilogo entre Direito e Economia no Ocidente, em especial a
partir do sculo XX. Para tanto, pretendo me valer de marcos tericos de
movimentos oriundos da cincia econmica que pretenderam (e pretendem)
avaliar a importncia da cincia do direito na organizao de mercados e de
relaes obrigacionais.
II DEMARCAES PRELIMINARES SOBRE OS FUNDAMENTOS TERICOS DA RELAO ENTRE DIREITO E ECONOMIA
Quando falo de fundamentos tericos da relao entre direito e
economia, importante deixar claro que estou me referindo a todos os
movimentos e escolas que se ocupam de aclarar quais as razes de
fundamentao e justificao dos argumentos que constituem os sistemas
jurdicos, econmicos e seus ordenamentos, bem como os nveis diferenciados
de operao pragmtica de cada uma destas cincias, e neste sentido, aceitando
a premissa de que tais razes so suficientes para viabilizar a funo que
ocupam no mbito das relaes sociais (ordenao, pacificao, previsibilidade
de comportamentos, segurana, organizao da produo, de mercados, de
distribuio de renda, lucros e competncias, etc.), alis, o que se impe como
imperativo da Modernidade.
O problema que estas particularidades dos sistemas normativos de
conduta social no tm se mostrado capazes de assegurar os fins prometidos
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mesmo contando com o exerccio da fora fsica legtima do Estado, e suas
ferramentas lcitas de controle e coao , isto em face, de um lado, do alto grau
de complexidade e tensionalidade que marcam as hodiernas relaes
intersubjetivas, institucionais e de poder das distintas comunidades nacionais e
internacionais; de outro, porque as regras fticas de mercado muitas vezes no
obedecem as diretivas formas dos sistemas jurdicos.
Por tais cenrios, que Gary Minda pode falar de certo
desencantamento das teorias do direito que no tem conseguido dar conta de
compreender e promover o desiderato regulador das normas cogentes que se
impe ao convvio social. Quando la teoria del diritto standard si dissolta, o ha
perso le sue illusioni, gli studiosi giuristi hanno guardato fuori dal diritto,
alleconomia, per ritrovare lautorit perduta e lautonomia del discorso giuridico.
Tra tutte le scienze sociali, leconomia stata il candidato pi promettente ad
offrire soluzioni corrette ai problema giuridici.5
Vai um pouco nesta direo o clssico trabalho de Coase, em 1937, ao
sustentar que discusso em torno dos direitos de propriedade e de organizao
industrial no se afigura como matria exclusivamente jurdica, mas econmica
tambm, propondo a reflexo sobre os chamados custos de transao dos
negcios jurdicos, sendo que a principal razo para o estabelecimento de uma
empresa o fato de que ela proporciona meios eficientes para organizar a
produo ao permitir a celebrao de contratos de longa-durao, reduzindo
assim os grandes custos provenientes das freqentes negociaes que so
prprias destes cenrios.
6
5 MINDA, Gary. Teoria postmoderne del diritto. Roma: Il Mulino, 2006, p.141.
6 COASE, Ronald H. The Nature of the Firm. In: Economica, Vol. 4, No. 16, pp. 386-405, November, 1937. Nas palavras do autor (p.390): The main reason why it is profitable to establish a firm would seem to be that there is a cost of using the price mechanism. The most obvious cost of organizing production through the price mechanism is that of discovering what the relevant prices are. This cost may be reduced but it will not be eliminated by the emergence of specialists who will sell this information. The costs of negotiating and concluding a separate contract for each exchange transaction which takes place on a market must also be taken into account. Again, in certain markets, e.g., produce
19
Na seqncia de seus trabalhos, por certo que o problema do custo
social vai inaugurar, a partir da dcada de 1960, preocupaes mais
sistematizadas deste dilogo Direito e Economia, ingressando inclusive este
debate no ensino universitrio, eis que em seguida (1964) Coase vai trabalhar
com a disciplina de Economia junto Universidade de Chicago.7
Aps a Segunda Guerra Mundial, os desafios de superaes das crises
geradas por ela vo intensificar ainda mais aquele desencantamento em face
das pautas formais de ordenao social, violentamente desrespeitadas por
movimentos provocados pela reao do mercado das relaes de produo ao
agudizar as situaes de excluso social com os altos ndices de concentrao
de capital e riqueza.
Na dcada de 1970, com a crise do petrleo e a manipulao de
economias j em vias de globalizao acentuada por aes especulativas de
empresas transnacionais (sem compromissos com melhorias nas relaes de
trabalho e desenvolvimento social), a opo neo-liberal de liberdade absoluta s
iniciativas de crescimento econmico explode em profuso, gerando inclusive
matrizes de gesto pblica governamental muito mais focada no bem estar
deste modelo de economia do que na situao de dignidade e mesmo
sobrevivncia das pessoas atingidas por ele.8 Mesmo assim a relao Direito e
Economia era complicada, basta ver-se a mensagem de Cooter9
exchanges, a technique is devised for minimizing these contract costs but they are not eliminated. It is true that contracts are not eliminated when there is a firm but they are greatly reduced. A factor of production (or the owner thereof) does not have to make a series of contracts with the factors with whom he is co-operating within the firm, as would be necessary, of course, if this co-operation were as a direct result of the working of the price mechanism. For this series of contracts is substituted one.
:
7 Estou falando do texto COASE, Ronald H. The problem of social cost. In Journal of Law and Economics. 3(1), 1. 1960. 8 Neste sentido ver o texto de ARNOLD, Paul. M. Conservative Crisis and the Rule of Law. Ithaca: Cornell University Press, 2006, e o de GENN, Harold. Administrative Law and Government Action. Oxford: Clarendon Press, 2004. 9 COOTER, Robert D. Diritto ed Economia. In Rivista di Diritto ed Economia, vol. 03. Milano: Giuffr, 1990, p.01. Cooter lembra que desde as fundaes das primeiras
20
Quando negli anni sessanta Il rapporto ormai logorato tra diritto Ed economia h prodotto allimprovviso qualcosa di nuovo e di vitale, tutti si sono stupiti. Era come se due vecchi coniugi ormai distanti, riscoperta La passeione di um tempo, avessero messo AL mondo um bel bambino. Appena Il bambino h cominciato a piangere e a strillare La maggior parte delle facolt di diritto h preso Le distanze: Non diritto, Le premesse non sono realistiche, Niente di nuovo. Le solite cose trite e ritrite dette in um altro modo. Alla fine, per, negli anni ottanta, la
interessante notar que a aproximao destas duas cincias se d
exatamente em face dos desafios que o mundo da vida cotidiano apresenta aos
sujeitos histricos, na medida em que problemas envolvendo custos e receitas
do mercado de atividade de subsistncia ou mesmo de mercancia, se
necessitam de tratamento matemtico e econmico, tambm no podem
dispensar cuidados para com as obrigaes e negcios decorrentes da prpria
atividade produtiva. Novamente elucidativa a lio de Cooter:
tica. La maggior parte dei giuristi non sapeva nulla di matemtica, e anche ai pochi che ne capivano qualcosa raramente capitava di utilizzare lanalisi marginalistica, Il calcolo dellequilibrio, la valutazione dei coefficienti di regressione; analogamente, gli economisti avevano poo a che fare com Il mtodo problemtico-casistico o com i commertari del Codice civile. Col diversificarsi delle tecniche, Il linguaggio Del
Apesar disto, venceu durante muito tempo os preconceitos antes
referidos pelo autor, na medida em que, em especial os juristas, ainda na
dcada de 1960, entendiam que as tcnicas de mensurao quantitativa da
realidade social propostas pela cincia econmica confundiam-se com os
prprios contedos materiais desta realidade e, por conseqncia, com os
seus direitos , no podendo a regulao normativa de comportamentos e
condutas sociais pautadas por premissas deontolgicas e axiolgicas serem
universidades no Ocidente, as disciplinas de economia e direito eram dadas tanto nos cursos de filosofia como nos de economia.
21
reduzidas a dimenses quantitativas e exatas, matematicamente solvidas por
clculos e juzos objetivos.10
Na verdade, no se tratava de forar relaes diretas entre anlises
quantitativas econmicas do tecido social e sua regulao normativa, mas
viabilizar a interlocuo entre pensamento econmico e pensamento jurdico
perspectiva que tambm vai alavancar a importncia para o Direito da
Economia Poltica.
Assim, da mesma forma que os contabilistas poderiam contribuir com
os juristas na leitura e na compreenso de um balano contbil, da mesma
forma a percepo que os juristas tinham em relao aos economistas era a de
que eles poderiam auxiliar no que diz com questes atinentes, por exemplo,
legislao anti-monopolstica, regulamentao das relaes industriais, ou a
temas envolvendo densificao material dos efeitos das tributaes, etc.
paradigmtico, pois, voltando dcada de 1970, o surgimento de
dois trabalhos envolvendo a relao entre direito e economia, a saber: a anlise
econmica do direito, de Posner11; o estudo sobre os custos dos acidentes de
trnsito de Guido Calabresi12
10 Lembra Cooter que: I professori di diritto sostenevano che il diritto non pu essere quantificado. la matematica che apre la strada alla cononscenza, rispondevano i professori di economia, e in privato aggiungevano di avere il dubbio che i giuristi non sapessero far altro che catalogare fatti, come se si tratasse di elencare i percorsi degli autobus a Roma. Idem, p.02. Lembra Cooter que em Wisconsin, EUA, houve uma mais duradoura relao entre Direito e Economia em termos histricos, bem antes do sculo XX.
. Estes dois textos indicam expressamente a
11 POSNER, Richard A. Economic Analysis of Law. 2 edio. Boston: Little, Brown & Co., 1977. Nesta obra, o autor trabalha com a lgica de que a teoria econmica deve ser avaliada pela sua capacidade preditiva, no sobre o realismo de suas prospeces e anlises. verdade que, mais tarde, no texto POSNER, Richard. The problems of Jurisprudence. Cambridge (Mass.): Harvard University Press, 1993, o autor americano se associa a um tipo de filosofia pragmatista, considerando a economia como instrumento e meio para prever o comportamento humano, o que poderia efetivamente ser utilizado pelo direito, em especial na demarcao destes padres de comportamento fixados pela jurisprudncia. 12 CALABRESI, Guido. Costo degli incidenti e responsabilita civile: analisi economico-giuridica. Milano: Giuffre, 1975. 419p. Ver igualmente o texto de ADLER, Matthew D. &
22
inteno de se abrir algumas linhas de reflexo e pesquisa envolvendo as
interfaces da cincia econmica e da cincia jurdica, ao mesmo tempo em que
criou na mesma senda vrias geraes de estudiosos jus-economicistas que
professavam desde a necessidade de se abordar o direito a partir dos mtodos
cientficos da economia, at vises mais pragmticas que buscavam verificar em
que medida a economia til para identificar observaes empricas sobre o
comportamento jurdico.13
Ao lado destes dois, h ainda o interessante trabalho de Gary Becker,
no sentido de demonstrar que h relaes muito prximas entre situaes
econmicas contingenciais e problemas envolvendo questes jurdicas tais como
de discriminao racial, organizao familiar e preveno de crimes.
14
Tais perspectivas em especial no mbito da primeira gerao da Law
and Economics (LE) colocaram em xeque a f modernista da autonomia ou
fundamentalidade do direito, sem, contudo, renunciar de forma absoluta a
possibilidade desta cincia contar com verdades jurdicas universais. Mark
Kelman, professor da Universidade de Stanford, observou que o chamado
movimento da Law and Economics, em sua primeira fase, configurou-se como
verdadeira ideologia jurdica liberal muito bem elaborada caracterizando a
teoria moderna do direito dos juristas mais tradicionais.
15
Por outro lado, concordando com Gary Minda, la credenza
nellonipotenza e nella valenza liberatoria implicite nellapplicazione dellanalisi
economica al diritto ha rivelato linfluenza duratura sia di Langdell sia di Holmes
POSNER, Eric A. Cost-Benefit Analysis: Economic, Philosophical, and Legal Perspectives. Chicago: Chicago University Press, 2000. 13 Conforme DUXBURY, Neil. Patterns of American Jurisprudence. New York: MaccMillan, 1990, p.51. 14 BECKER, Gary S. A Treatise on the Family. Cambridge: MA, Harvard University Press, 1991; e -----. The Economic Approach to Human Behavior. Chicago: University of Chicago Press, 1976. 11 KELMAN, Mark. A Guide to Critical Legal Studies. Cambridge (Mass.): Harvard University Press, 1987. Destacam-se aqui as personalidades de Ronald Coase, Gary Becker, Aaron Director, da Universidade de Chicago.
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sulla prima generazione di giuseconomistici.16
Ou seja, esta gerao buscava
substituir as incertezas da teoria do direito jusnaturalista por outra mais
objetiva e segura, outorgada pelo positivismo liberal de cincias mais empricas
e mensurveis. Para tanto, utilizaram o chamado modelo dos atores racionais
do comportamento humano para analisar argumentos no econmicos
envolvendo a discriminao, a famlia e o prprio direito.
Questo modello assume che un attore sceglier la linea dazione che massimizzer la sua utilit personale, la quale pu, ovviamente, riflettere la preoccupazione per il benessere altrui. Si ritenuto che il comportamento autointeressato e massimizzatore del profitto constituisca un indice affidabili dei principali fattori motivazionali dellattivit umana, anche del comportamento umano del diritto.17
Neste cenrio de idias, a prpria jurisdio ganha contornos de
estrita legalidade em face da conformao gramatical da lei, com a seguinte
lgica constitutiva:
(a) Law is a rational, logical system. A formalist judge makes decisions deductivelythat is, by drawing conclusions from premises according to formal rules of reasoning; (b) In deciding cases, judges are reinforcing and uncovering fundamental legal rules and principles; (c) Judges never make new law despite superficial appearances to the contrary, judges never determine what the law shall be. Judges are confined to saying what they believe the law consisted in before their decision, which is the mere application of it.18
16 MINDA, Gary. Teoria postmoderne del diritto. Op.cit., p.144. 17 Idem, p.149. Este modelo de ator racional oportunizou a constituio de trs conceitos fundamentais anlise do direito pela economia: (a) a lei de oferta e procura, que ter impactos materiais significativos nas relaes intersubjetivas, notadamente em nvel de negcios jurdicos; (b) a lei do custo-oportunidade, que vai sensibilizar os operadores do direito s circunstncias que permeiam as relaes jurdicas; (c) a lei da eficincia econmica, no sentido de que o uso dos recursos naturais e produzidos deve se pautar pelas possibilidades institudas pelo mercado, gerando perspectivas demasiadamente redutoras do fenmeno social e jurdico s contingncias do mercado. 18 TEBBIT, Mark. Philosophy of Law: An Introduction. New York, Routledge, 2005, p.52.
24
Aqui ganham fora as lies de Langdell, no sentido de que
jurisprudence is a deductive science, the point of which was to identify the
general legal principles embodied in the reasoning and decisions of multiple
cases, and to classify and arrange those principles, thus revealing them to be
part of a system.19 De outro lado, para que esta deduo cientfica fosse vlida
no plano normativo, era preciso que os argumentos utilizados fossem vlidos e
logicamente consistentes validez e logicidade estas forjadas a partir dos
postulados legais institudos.20
No plano da anlise econmica do tema, Posner chegou a afirmar que
se afigura implcito na definio de homem moderno sua tendncia de
maximizao racional do prprio interesse, a ponto de, caso o ambiente em que
se encontra mude de modo tal que possa aumentar sua satisfao, isto opera
mudanas no comportamento pessoal deste homem.
21
Com base em tais premissas, o direito construdo pela deciso
judicial, por exemplo, deve maximizar o valor dos ttulos jurdicos tomando
como medida seus equivalentes monetrios, razo pela qual a melhor
interpretao judicial aquela que maximiza o rendimento e o lucro, tendo na
eficincia de mercado o critrio normativo para avaliar o direito legtimo e o
processo decisional jurdico efetivo. Ou seja, o direito deve ser eficiente.
19 LANGDELL, Christopher Columbus. A Brief Survey of Equity Jurisdiction: Being a Series of Articles Reprinted from the Harvard Law Review. Cambridge: Harvard University Press, 2009, p.09. Na mesma direo vai outro clssico da literatura norte-americana, HOLMES Jr., Oliver Wendell. The Common Law. New York: Paperback, 1991. 20 Conforme Edward White: A valid argument is one in which the truth of the premises would guarantee the truth of the conclusion; i.e., it is impossible for the premises to be all true and the conclusion to be false at the same time; A strong argument is one in which the truth of the premises would make the truth of the conclusion likely or probable; it is logically possible for the premises to be true and the conclusion false (so the argument is not deductively valid), yet the premises still provide some measure of evidential support to the conclusion. WHITE, Edward G. Justice Oliver Wendell Holmes: Law and the Inner Self. New York: Oxford University Press, 2003, p.29. 21 POSNER, Richard A. Economic Analysis of Law. Op.cit., p.03. Posner considera que o interesse pessoal de cada qual no precisa coincidir, necessariamente, com sentimentos e percepes egostas do mundo e das relaes, uma vez que a felicidade da outra pessoa pode ser um componente de satisfao pessoal.
25
Significa dizer, em outras palavras, que devem os juristas colocar
ateno em questes atinentes regularidade das relaes materiais envolvendo
os sujeitos de mercado, para garantir-lhes segurana, certeza, previsibilidade e
cumprimento de expectativas, do que se preocupar com problemas de justia.
Nas palavras de Mercuro e Medena:
Against the idea that law can be understood only through the use of traditional legal doctrinal concepts base on justice and fairness, economics counters that such understanding can be augmented (supplanted?) by economic concepts, including the criteria of economic efficiency. As such, the Economics in Law and Economics is a body of literature comprised primarily of the concepts within neoclassical microeconomics and welfare economics.22
Mas qual a conseqncia poltica deste paradigma liberal e positivista
que se impe na dcada de 1970, fundada nos estudos de Coase? O
questionamento incisivo das polticas pblicas provocadas pelo Estado de Bem
Estar Social, de natureza intervencionista nas relaes econmicas e de
mercado, em nome da equalizao das diferenas sociais e da incluso de
maiorias marginalizadas pelo modelo econmico vigente, radicalizando ainda
mais a influncia do liberalismo conservador preocupado com a proteo
incondicional da propriedade privada, defendendo uma teoria do direito que se
ocupasse em fazer com que o direito garantisse e facilitasse as chamadas
escolhas livres e os contratos privados.23
Por isto que Minda insiste na tese de que adottando la prospettiva di
mercato di Coase, gli studiosi dellanalisi economica del diritto si sono
22 MERCURO,N. & MEDEMA,S.G. Economics and the Law: From Posner to Post-Modernism. Princeton: Princenton University Press, 2003, p.15. 23 Neste sentido ver o texto de KENNEDY, David. Cost-Benefit Analysis of Entitlement Problems: a critique. In Stanford Law Review, vol.33, 1981, p.389. O autor adverte, entretanto, que Coase admitia a interveno no mercado, todavia, somente quando o critrio de eficincia estabelecido por este mercado falhasse, devendo o Estado facilitar o seu retorno.
26
inizialmente indirizzati a dimostrare che la regolamentazione statale
delleconomia non necessaria e che in alcuni casi danosa.24
Por certo que est na base deste movimento tambm uma
preocupao conservadora poltica e ideolgica reativa ao ativismo judicial
provocado pela Corte Warren nos Estados Unidos da Amrica, implementador
de direitos civis, polticos e sociais, gerando custos tremendos economia
capitalista e impactando as expectativas de lucro e renda da indstria e
comrcio desenvolvidos.
25
da metade em frente dos anos 80 que vai surgir uma segunda
gerao da LE, refutando a pretenso cientificista do formalismo econmico da
primeira gerao, para adotar uma perspectiva mais pragmtica, no sentido de
reconhecer que a prpria autonomia da anlise econmica limitada, razo pela
qual a verdade, o conhecimento e a compreenso jurdicos no podem ser
explicados a partir de uma perspectiva econmica objetiva, centrada em
conceitos reducionistas de eficincia quantitativa dos mercados. Questa
seconda ondata di dottrina giuseconomica ha contribuito a formare una scuola
liberal di Law and economics, conosciuta come la New Haven o Reformist
School.
26
Apesar disto, esta ondata da LE, com vis centrado no que se conhece
como teoria das escolhas pblicas (redutoras do ativismo judicial em face do
conceito parlamentar de legitimidade exclusiva ao poltico-legislativa), ainda
refratria tendncia pluralista e mais liberal que caracteriza o conceito de
jurisdio democrtica da era ps New Deal, a despeito de colocarem em dvida
24 MINDA, Gary. Teoria postmoderne del diritto. Op.cit., p.156. 25 Ver o texto de HORWITZ, Morton J. The Warren Court and the Pursuit of Justice. New York: Douglas and McIntyre Ltda., 1996. 26 MINDA, Gary. Teoria postmoderne del diritto. Op.cit., p.161.Neste sentido ver tambm o texto de FISS, Owen M. The History of the Supreme Court of the United States, Vol. 8: Troubled Beginnings of the Modern State, 18881910 (Oliver Wendell Holmes Devise History... Supreme Court of the United States) (v. 8). New York: Cambridge University Press, 2006.
27
a eficcia da orientao de que a interpretao judicial deve ser objetiva e
autnoma, livre das distores polticas, como pregava a primeira gerao.
Movimentos como a Legal Process School contriburam muito e tm
contribudo ainda- para a acepo de que, em face do pluralismo axiolgico e social
contemporneo, a legitimidade produo poltica do direito (legislao) da
autoridade legislativa e no das cortes.27
Neste perodo os economistas buscam compreender melhor, atravs
do que chamam de economia da legislao e do comportamento do legislador, as
organizaes polticas e burocrticas que fazem escolhas coletivas recorrendo a
modelos que pressupem atores polticos concebidos como maximizadores dos
interesses pessoais da comunidade.
Nestes termos, os juzes deveriam
exercitar seus ofcios com nveis altssimos de autocontrole normativo, deixando ao
legislativo a soluo de questes polticas e dos problemas substanciais de valores.
Lewis Kornhauser, neste particular, prope identificar a teoria da
segunda gerao da LE a partir de quatro premissas estruturantes: (a) Tese
Comportamental, segundo a qual a economia pode oferecer uma teoria til s
predies do comportamento regulado pelo direito; (b) Tese Normativa, na qual o
direito deve ser eficiente (sob a perspectiva de atingir resultados no menor
espao de tempo e com o menor custo); (c) Tese Fatual ou Positiva, que
preconiza a estrutura e funcionamento da Common Law como a mais capaz de
27 Neste sentido Bickel diz que: The fundamental proposition of adherents of what came to be called "the legal process school" of American jurisprudence is that the legal system of the United States is best understood as being predominantly a structure of decision-making processes, and only secondarily a collection of particular substantive rights. This, it is claimed, is true as a descriptive matter: many apparently substantive rules will, on close analysis, prove to embody, or at least to have been profoundly shaped by, the requirements of process. More broadly, the structural elements of the system will prove to be rules allocating authority to make decisions among lawmaking institutions rather than rules defining substantive rights and duties. BICKEL, Alexander M. The Supreme Court and the Idea of Progress. New York: Macmillan, 2001, p.49.
28
alcanar a eficincia referida; (d) a Tese Gentica, pela qual a Common Law
seleciona normas eficientes, bem como cada norma individual deve s-lo.28
A partir de tais premissas, esta segunda gerao da LE considera a
atividade do juiz um exerccio de anlise custo-benefcio nos seguintes termos:
reduo dos custos dos contratos; valorao dos riscos e maximizao da
riqueza. Assim, o magistrado tem a competncia de efetivar verdadeira
engenharia social, com preocupao especfica de modelar o direito subjetivo e
as responsabilidades decorrentes dele em nome da eficiente alocao dos
recursos.
29 Em outras palavras, resta patenteado aqui a pressuposio de que o
direito possa ser compreendido como um sistema racional de comportamentos
individuais baseados sobre o interesse econmico. Vai nesta direo Minda, ao
referir que tutti i giuseconomisti concordano che il calcolo razionale dei costi e
benefici individuali costituisce la chiave migliore per comprendere e valutare la
natura dei rapporti giuridici e dei vari sistema di norme.30
O trabalho de Posner sobre os problemas da jurisprudncia
31 aponta
j para outra direo, na medida em que se prope a fazer uma releitura de
Oliver Holmes sobre o direito comunitrio32
28 KORNHAUSER, Lewis. Sequential decisions by a single tortfeasor. New York: Preuss, 2000.
, no sentido de que esta seria uma
abordagem nietzschiana e acertada do direito, na medida em que toma as
questes morais da sociedade como relativas e seus saberes enquanto produtos
de circunstncias sociais espacial e temporalmente localizadas. Tal
compreenso do direito acentua o carter pragmtico que vai formatando a LE,
29 Idem p.61. 30 MINDA, Gary. Teoria postmoderne del diritto. Op.cit., p167. Aduz ainda o autor que Gli appartenenti al movimento credono che le norme giuridiche siano come i prezzi, e che gli attori giuridici siano come consumatori perfettamente razionali. 31 POSNER, Richard. The problems of Jurisprudence. Op.cit., p.239/244. 32 HOLMES, Oliver. The Common Law. New York: Maccmilann, 2000. Ver tambm o texto de HIRSCH, Werner Z. Law and Economics: An Introductory Analysis. Los Angeles: Academic Press, 2007. Ver tambm o texto de SUNSTEIN, Cass. R. Behavioral Law and Economics (Cambridge Series on Judgment and Decision Making). Cambridge: Cambridge University Press, 2000.
29
bem como as aproximaes de contedo integradoras de contribuies
importantes que tanto a cincia econmica vai dar cincia jurdica, como vice
e versa.
Interessante a observao de Minda neste sentido, ao ponderar que:
Anche il padre fondatore del movimento diritto ed economia, Richard Posner, ha ammorbidito la propria posizione economica sul diritto e sullinterpretazione giudiziale per adottare una prospettiva pi filosfica. La sua difesa dellanalisi economica del diritto nel libro The Problems of Jurisprudence, per esempio, mostra uno spostamento dalla posizione teorica rintracciabile nel suo primo lavoro, Economic Analysis of Law, verso lorientamento post-Chicago. Posner, il quale una volta sosteneva che il modo migliore per capire il diritto fosse guardarlo attraverso le lenti oggettive dellanalisi dellefficienza, ora argomenta a favore di una forma di pragmatismo giuridico basata sullidea che grandi cambimenti nel diritto avvengono spesso come risultato di un processo non razionabile.33
Para Posner, a litigncia no mbito do direito comunitrio poderia
fortalecer ou enfraquecer os precedentes que conformam a linha de atuao e
deciso dos Tribunais, mas no a ponto de revert-lo completamente, uma vez
que este sistema vem caracterizado por mudanas graduais e no abruptas.
Por outro lado, autores como Hacker, sustentam, com base na
chamada Teoria da Dependncia de Rota (Path Dependence), que o sistema do
direito comunitrio pode gerar, em face dos precedentes, resistncias s
mudanas jurisprudenciais, o que implica nus quando as regras vigentes se
apresentam divorciadas da realidade em que operam.34
33 MINDA, Gary. Teoria postmoderne del diritto. Op.cit., p.170.
Quando isto ocorre, por
certo que interesses e mesmo expectativas no mbito dos negcios jurdicos se
instabilizam tanto quanto no sistema romano-germnico.
34 Hacker, Jacob S. The Divided Welfare State: The Battle over Public and Private Social Benefits in the United States. New York: Cambridge University Press, 2002, p.24.
30
No texto Overcoming Law, Posner35 vai radicalizar ainda mais sua
perspectiva sobre a relao entre economia e direito, aproximando-se do que se
pode chamar de neo-pragmatismo de ndole rortyana36, eis que, partindo da
teoria da constituio e suas matrizes ideolgicas (captulo dois e trs do livro),
chega a uma avaliao filosfica e crtica da cincia econmica (captulo cinco),
concluindo que os projetos dos jus-economistas devem ter como base fundante
as necessidades humanas e sociais, para alm, pois, dos critrios objetivos e
impessoais que tanto marcaram a primeira gerao da LE.37
Por essa razo, Posner e a segunda gerao da LE se afastam da teoria
do direito do formalismo jurdico notadamente da idia langdelliana de que o
direito como uma cincia , para operar com outra perspectiva no tanto
cientificista, o que os levou a estudar (inclusive com Coase
38
como se ocorresse aqui uma passagem sutil (da primeira gerao da
LE) de estudos baseados em uma teoria abstrata para anlises institucionais
) a importncia das
instituies e do comportamento econmico das organizaes burocrticas no
processo das relaes de mercado e sociais.
35 POSNER, Richard. Overcoming Law. Cambridge (Mass.): Harvard University Press, 1995. 36 Em especial a partir do texto RORTY, Richard. Philosophy and the Mirror of Nature. Princeton: Princeton University Press, 1979, quando, dentre outras coisas, Rorty nega a possibilidade de existirem leis universais ou vnculos fundacionais capazes de governar a anlise e interpretao modernas. 37 Idem, p.387. Neste ponto, Minda refere que: Il neopragmatista pi occupato a formulare approcci strumentali e pratici ai problemi che a scoprire il modo in cui le cose sono realmente. Se applicato allanalisi economica del diritto, latteggiamento neoprogmatista si interessa non tanto a sostenere loggettivit e la coerenza giuridiche quanto a produrre risultati che funzionino. MINDA, Gary. Teoria postmoderne del diritto. Op.cit., p.147. 38 de se lembrar a advertncia de Posner sobre o fato de que, ao centrar ateno sobre a importncia do chamado custo contratual nas relaes econmicas, Coase rompe definitivamente com a perspectiva economicista da primeira gerao da LE, que focava sua teoria econmica fundamentalmente no comportamento geral do mercado. Esta mudana de paradigma levou alguns juristas, inclusive, a sustentar que aqui se encontrou o grmen desregulamentao progressiva do sistema jurdico norte-americano. In POSNER, Richard. Overcoming Law. Op.cit., p. 61.
31
concretas39
O interessante nesta corrente conceitualista da primeira gerao sua
tese de que formas puramente descritivas e positivas de anlise das relaes
sociais e em especial as de mercado tm ajudado a esclarecer os custos de
vrias alternativas que poderiam ser escolhidas por aqueles que tomam
decises normativas e pragmticas, deixando questes de ndole moral no
mbito de escolha das instituies, sem necessariamente declinar pautas ou
diretivas norteadoras.
, na qual a doutrina econmica serve para indagar como algo pode
funcionar como soluo para problemas reais (segunda gerao), fazendo desta
uma cincia aplicada.
40
Como j referi antes, o Posner, do The Problems of Jurisprudence, no
vai acreditar mais na possibilidade de se encontrar uma soluo correta no
Direito, crendo que as intuies judiciais formatadas a partir de suas histrias
profissionais poderiam garantir maior objetividade jurdica s decises, sempre
fundadas em nveis de racionalidade controlveis. Na verdade, a partir disto, a
essncia da deciso interpretativa do magistrado consiste em considerar as
conseqncias de solues alternativas que lhe proporcionem o sistema
jurdico, eis que no h interpretao absolutamente correta.
Sem observar critrios radicalmente fechados de avaliao terica,
quero trazer agora algumas consideraes posteriores a estas primeira e
segunda fases da LE e que dizem com as contribuies que a chamada Nova
39 Uma destas teorias mais conhecidas a tida como Teoria Conceitualista, para a qual o modelo de comportamento racional do ser humano deve ser o centro neural de preocupao da cincia econmica, fazendo valer as seguintes premissas: (a) o que importa a maximizao do prprio interesse pessoal; (b) no h uma relao necessria entre interesse pessoal e egosmo. Por outro lado, o modelo do ator racional derivou trs grandes conceitos para este teoria: (i) a lei da oferta e da procura; (ii) a definio econmica de custo; (iii) o uso dos recursos pautado pelas regras de mercado, eis que, quando os recursos so endereados ao seu uso no mximo valor, h eficincia. Idem, p. 151. 40 Para este debate, ver o texto de WITTMAN. Donald A. Economic Analysis of the Law: Selected Readings. Massachusetts: Blackwell Publishers, 2007.
32
Economia Institucional (New Institutional Law and Economics) NEI traz para o
debate sob comento.
A NEI destaca em suas abordagens a importncia do papel
desempenhado pelas instituies e organizaes sociais, operando com a lgica
de que h interaes contnuas entre normas e comportamentos formais e
informais na realidade social, e tudo isto retroalimenta o sistema de direitos e
de mercado.
Com lastro nas investigaes de Douglas North41 e Oliver
Williamson42, adotando ainda o conceito de racionalidade limitada de Herbert
Simon43
Conforme a pesquisa de Bernardo Mueller
, esta linha de pesquisa social rejeita a premissa de hiper-racionalidade
das escolas econmicas neoclssicas, responsvel pela gerao de
comportamentos maximizadores do bem estar e crescimento econmico
equilibrado socialmente, acreditando que h falhas de mercado assim como h
falhas organizacionais e institucionais, provocadas por nveis de tenses e
conflitos incontrolveis entre pessoas (fsicas e jurdicas) na realidade cotidiana. 44, surgindo no mago das
discusses entre Direito & Economia, a NEI, somado ao interesse no efeito das
leis sobre o comportamento dos agentes econmicos, chama a ateno tambm
para outras instituies alm da norma jurdica neste processo (veja-se que, no
caso brasileiro, a economia informal to importante quanto a formal45
41 NORTH, Douglas C. Instititutions, Institutional Change and Economic Performance. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.
),
42 WILLIAMSON, Oliver. The Economic Institutions of Capitalism. New York: The Free Press, 1985. 43 SIMON, Herbert A. Reason in Human Affairs. Stanford: Stanford University Press, 1983. 44 MUELLER, Bernardo. Direitos de Propriedade na Nova Economia das Instituies e em Direito & Economia. In Direito & Economia. ZYLBERSZTAJN, Decio & SZTAJN, Rachel (organiz.). So Paulo: Campus, 2005, p.91 e seguintes. 45 Raquel Sztajn e Baslia Aguirre, no texto Mudanas Institucionais. In Direito & Economia. ZYLBERSZTAJN, Decio & SZTAJN, Rachel (organiz.). So Paulo: Campus, 2005, p.237, lembra que: Retomando o processo de mudana institucional, o formal mais fcil de ser analisado do que o informal. Os atores so reconhecveis, a arena delimitada, as regras de deciso preestabelecidas, enquanto na mudana informal no fcil identificar quais so os atores, quais as regras de deciso e quais as alternativas
33
envolvendo costumes, tradies e hbitos no regulados necessariamente pelo
Estado, mas incorporados em prticas sociais que impactam as relaes
formais. Assim, na dico de Bernardo, a NEI visa explicar o que causa o
comportamento efetivamente observado na Economia. Grande parte dessa
literatura busca explicar a realizao e a persistncia de resultados ineficientes
como conseqncia da existncia de instituies que no induzem os agentes a se
moverem para pontos mais eficientes, como acontece no caso de direitos de
propriedade mal definidos.46
Como quer Williamson, preciso que as formas de governana
tenham a conscincia e desenvolvam aes para lidar com possibilidades
futuras de rompimentos contratuais (de obrigaes em geral assumidas pelo e
no Mercado), tendo as organizaes dentre elas o Estado enquanto
Parlamento, Executivo e Judicirio a responsabilidade de coordenar e
minimizar os custos de transao econmica, atravs de mecanismos que
desenhem, monitorem e exijam o cumprimento das obrigaes entabuladas.
Na mesma direo vai Douglas North ao sustentar que as instituies
formais tm papel histrico e definitivo na configurao das relaes de fora
que demarcam as possibilidades da histria social, sendo que todas as
imperfeies destas instituies implicam dficits funcionais e seqelas severas
nas comunidades em que operam. Ou seja, no caso especfico do Judicirio,
quando toma decises que desestabilizam a ordem constituda espacial e
temporalmente e as expectativas das pessoas (ou mesmo quando suas decises
tm dificuldades de efetivao), isto gera efeitos de descrditos esvaziadores da
sua legitimidade democrtica assim como dos demais poderes institudos.47
disponveis. A gnese de cada um dos tipos de instituio explica por que as informais so mais resistentes s mudanas do que as formais. Um processo de mudana institucional formal pode ser desencadeado deliberadamente atravs de fruns competentes. A mudana institucional no dispe de arenas especficas.
46 Idem, p.93. 47 NORTH, Douglas C. Structure and Change in Economic History. Cambridge: Cambridge University Press, 1986. A funo das instituies para a NEI, portanto, primordialmente
34
Ato contnuo, quero verificar em que medida as relaes entre Direito
e Economia vo se desenvolver a partir e para alm desses marcos tericos
referenciais preliminares.
reduzir a incerteza nas relaes sociais, bem como reduzir os nveis de conflito que elas forjam, sem, no entanto, inviabilizar as necessrias mudanas adaptativas que os movimentos de mercado induzem.
35
CAPTULO SEGUNDO
AS MLTIPLAS DIMENSES DA RELAO ENTRE ECONOMIA E DIREITO
I Notas Introdutrias
De pronto impende dizer que a pretenso desta abordagem tem como
escopo trazer elementos tericos e prticos que auxiliem a compreenso de
quais as relaes necessrias ou/e contingenciais , que existem entre Direito
e Economia, notadamente no que diz com o momento de concretizao
particular do sistema normativo pela via da deciso judicial. Em face disto que
no se pretende constituir aqui um estudo definitivo sobre o tema, mas
suficiente para auxiliar a compreenso dos magistrados e do Poder Judicirio
como instituio sobre as implicaes de natureza econmica das suas
deliberaes oficiais.
Para tanto, vou partir da premissa de que a anlise Econmica do
Direito j vem sendo explorada por vrias linhas de pesquisas e investigaes
no Ocidente, dentre as quais destacarei a experincia norte-americana chamada
Law and Economics, que tem efetivamente discutido sobre as dimenses
econmicas de problemas jurdicos os mais diversos, notadamente a partir das
pesquisas desenvolvidas por Guido Calabresi48 Ronald Coase, 49 Richard
Posner
e 50, e seus crticos51, a partir da dcada de 1970 at os dias atuais, com
fortes ramificaes na Amrica Latina e inclusive no Brasil52
48 Ver o texto CALABRESI, Guido e BOBBITT, Philip. Tragic Choices: the conflicts society confronts in the allocation on tragically scarce resources. London: Bustray & Norton, 2001.
.
49 Em especial nos textos COASE, Ronald Henry. Essays on Economics and Economists. Chicago: University Chicago Press, 1984; The problem of social cost. In Journal of Law and Economics. 3(1), 1. 1960. 50 Ver o texto POSNER, Richard. How Judges Think. Boston: Harvard University Press, 2001; e Economic Analysis of Law. New York: Jason Publisher, 2002. Mais recentemente, ver o texto POSNER, Richard. Frontiers of Legal Theory. Boston: Harvard University Press, 2004. Alguns veculos acadmicos e de mercado tm sido utilizados para o aprofundamento deste debate hoje, tais como: (a) a Review of Law and Economics; (b) a
36
a partir destes referenciais que tratarei, pois, do tema proposto, e o
farei, primeiro, identificando rapidamente os marcos fundacionais das questes
sublinhadas antes, para em seguida avaliar qual o estado da arte do debate
hoje, sempre focando de que maneira este universo est presente no mbito da
deciso judicial, com a preocupao metodolgica de propor constituir reflexes
prescritivas, ou seja, que no apenas descrevam o estado das coisas em que se
encontram, mas indiquem caminhos e formas alternativas de tratamento delas
considerando o universo em que se encontram e a partir de requisitos e critrios
previamente validados para tanto (no caso pelo sistema jurdico).
II A fora instabilizadora das decises judiciais no mbito das relaes econmicas: perspectivas crticas
Nos ltimos tempos tem aumentado em muito, em especial no Brasil,
as pesquisas e estatsticas atinentes aos danos causados por decises judiciais
no que diz com a segurana jurdica das relaes negociais (contratuais,
obrigacionais, etc.), e seus consectrios, tais como a certeza, a previsibilidade, a
estabilidade dos atos e fatos jurdicos quase como uma reivindicao de
observncia extrema e incondicionada do pacta sun servanta. Vale a pena
Elgar Companion to Law and Economics, compilao Elgar de Law and Economics; (c) European Journal of Law and Economics, Revista Europia de Law and Economics; (d) o Journal of Empirical Legal Studies. 51 Por certo que tenho em conta aqui a predominncia, nestes autores, de uma perspectiva radicalmente eficientista (pautada por regras internacionais de mercado, como quer PARETO, Wilfredo. The Rise and Fall of Elites: An Application of Theoretical Sociology. New Jersey: Transaction Publisher, 1991, e o clssico PARETO, Wilfredo. The Transformation of Democracy. New York: Macmillan, 1990), com fundamentos na economia neoclssica e no neoliberalismo (neste ponto ver o texto de ZERBE, Richard O. A foundation for Kaldor-Hicks efficiency in law and economics: on the kindness of strangers. Los Angeles: Partonn Publischer, 2000), em detrimento de uma perspectiva mais eqitativa e solidria, a ser desenvolvida por outros pensadores como SEN, Amartya. Sobre tica e Economia. So Paulo: Companhia das Letras, 2007, e SEN, Amartya. Desigualdade Reexaminada. Rio de Janeiro: Record, 2008. 52 Ver os trabalhos desenvolvidos pela Associao Latino-Americana e do Caribe de Direito e Economia (ALACDE): http://www.alacdebrasil.org.
37
atentar s palavras de Prsio Arida no particular, revelando exatamente as
percepes neoliberais de Estado, Mercado e Jurisdio que vigem nestes dias:
Do ponto de vista da racionalidade econmica, o princpio fundamental do Direito o do pacta sunt servanda. No entanto, o respeito aos contratos, tal qual entendido pelos economistas, tem sido relativizado pelas mudanas na hermenutica jurdica decorrente do predomnio de constitucionalistas sobre civilistas. Na nossa histria recente, a introduo, no texto constitucional e no Cdigo Civil, de conceitos como funo social da propriedade privada ou a boa f objetiva, sem que tenham sido acompanhados de uma jurisprudncia coerente e consolidada que permita antever seu impacto sobre as decises dos juzes em casos de litgio, certamente dificulta o respeito aos contratos tal qual concebido por economistas.53
Em matria publicada j no ano de 2006, no Correio Brasiliense,
revelou-se que a insegurana causada por decises judiciais morosas,
revisionistas de negcios jurdicos entabulados, custaria ao pas de 0,8% a 1,5%
do Produto Interno Bruto (PIB), o que significaria, em termos de crescimento
econmico, caso existisse estabilidade nas regras, respeito a contratos e a
Justia fosse mais rpida e eficiente, em vez dos estimados 2,5%, 3,3% a 4% no
ano de 2006.54
Na matria, referiu o Presidente do Instituto Tendncias de Direito e
Economia, Prof. Gesner Oliveira: O efeito desse clima geral de insegurana para
a atividade econmica direto. Com a rentabilidade ameaada, os
investimentos caem, reduzindo a possibilidade de crescimento econmico, pois,
53 ARIDA, Prsio. A pesquisa em direito e em economia: em torno da historicidade da norma. In Revista Direito GV, n1, vol.1. So Paulo: FGV, 2005, p.07. Aduz o autor ainda que O efeito destes desdobramentos foi diminuir a calculabilidade dos contratos, criando um elemento adicional de risco e incerteza na avaliao de seus efeitos. como se o cumprimento dos contratos pudesse ser estagnado nos termos gramaticais em que ele fora forjado, afastando o tempo e o espao histrico em que ocorre de sua constituio o que, vale dizer, afasta a possibilidade de situaes imprevisveis que lhes acometam (rebus sic standibus). 54 Correio Brasiliense, edio de 03/01/2006, matria intitulada Os riscos da Insegurana Jurdica: Lentido da Justia e temor de quebra de contratos afastam investidores e prejudicam o pas.
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pelos seus clculos, poca, removidas as dificuldades nesse campo, a taxa de
investimentos no pas poderia saltar de 20% do PIB para mais de 23%, e
contribuir para elevar a expanso econmica em 1,5% do PIB.
Por certo que atos de governo contriburam muito para tal cenrio,
dentre os quais se podem destacar a interveno no Mercado por parte das
agncias reguladoras, alterando-se as regras de reajuste de tarifas de energia
eltrica e telecomunicaes, revisando contratos de concesso, e no definindo
a regulamentao dos setores de infra-estrutura, sem falar no contencioso
gerado pelos planos econmicos anteriores ao Plano Real.
De qualquer sorte, o que se evidencia na pesquisa realizada que
foram os fatores da chamada lentido da Justia em decidir questes pblicas e
privadas, a imprevisibilidade das sentenas e a falta de unidade no
entendimento jurisprudencial destas e de tantas outras questes estratgias
economia, os responsveis significativos pela m formao de um bom ambiente
para a atividade econmica, retirando da a concluso da necessidade de
reestruturar o Judicirio. Calha aqui a advertncia que fez sobre a matria o
economista Gustavo Franco:
Os economistas no trabalharam sozinhos nos pacotes, os quais, por sua vez, geraram injustias e desequilbrios, difceis de arbitrar, mas tambm incontveis tentativas, no plano judicirio, de se extrair vantagens indevidas, ou de se recuperar perdas imaginrias, especialmente da Viva, sempre culpada, e amide ineficiente na defesa de seus interesses. As demandas judiciais movimentaram bilhes e bilhes, com honorrios proporcionais, assim alimentando uma prspera indstria que se sustenta sobre o afastamento entre a Economia e o Direito, e que ser sempre obstculo convergncia das disciplinas.55
55FRANCO, Gustavo H. B. Celebrando a Convergncia. In http://www.econ.puc-rio.br/gfranco/Prefacioeconomia.htm, acessado em 08/01/2009. Ver o estudo de SADEK, Maria Tereza (organizadora). A Crise do Judicirio Vista pelos Juzes: Resultados da Pesquisa Quantitativa. In Uma Introduo ao Estudo da Justia. Rio de Janeiro: Editora Sumar, 1995.
39
Uma das razes para que isto venha ocorrendo , por certo,
concordando com Gustavo Franco, o fato de que magistrados no versados em
complexos temas econmicos tiveram de decidir questes difceis e tambm
produziram a sua cota de erros e exageros. Na verdade, quando a Justia ignora
as leis econmicas, pode fazer tanto estrago quanto o economista pacoteiro em
sua sanha redentora. Ao afastarem-se da Lei munidos do ideal de corrigir os
problemas econmicos no varejo, tal como os percebem, a Magistratura nem
sempre percebe que agrava os problemas que pretende corrigir.56
Tambm no ano de 2006, figuras como Armando Castelar Pinheiro, do
Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA), sustentavam que a reforma
feita pelo governo Lula neste setor em especial tinha mritos, como a criao do
Conselho Nacional de Justia (CNJ), que exerce o controle externo, e da smula
vinculante, com a qual o Supremo Tribunal Federal (STF) unifica as decises.
Dizia ele: Mas preciso impedir que as inovaes caiam no vazio. O conselho tem
dificuldades de fazer valer as suas decises, como a do fim do nepotismo. A
smula vinculante ainda no foi usada. Em face disto, defendia o pesquisador
mudanas infraconstitucionais, como as alteraes na legislao processual,
com o objetivo de reduzir o nmero de recursos possveis, acelerar a tramitao
dos processos e se concentrar nas decises de mrito.
57
Coincidncia ou no, estas manifestaes e pesquisas fizeram com
que desde o governo FHC, verdade as reformas que se tem assistido no
Sistema de Justia Nacional ocorressem sem maiores debates dos envolvidos
diretamente nele (juzes, promotores, advogados, procuradores, defensores
pblicos, etc.).
De outro lado, considerando que ao longo de um processo judicial h
procedimentos intercorrentes e regulares, como o caso das medidas de
56 Idem, p.02. 57 PINHEIRO, Armando Castelar. Judicirio, Reforma e Economia: a viso dos magistrados. In http://www.febraban.org.br/Arquivo/Destaques/Armando_Castelar_Pinheiro2.pdf, acessado em 08/01/2009.
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urgncias (liminares, tutelas de urgncia, cautelares), passou-se igualmente a
criticar a chamada indstria de liminares como a grande vil no mbito das
decises judiciais impactantes da economia e dos mercados, envolvendo, por
exemplo, a postergao nas decises de licitaes pblicas, o funcionamento
ilegal de atividades que caracterizam concorrncia desleal, postergao de
recolhimento de tributos, e outros. Ao mesmo tempo, graas a estas medidas
acautelatrias que se tem enfrentado, a ttulo de ilustrao, os casos de
suspenso de processos licitatrios com atraso na execuo de obras que, ao
depois do devido processo legal, percebe-se que foram utilizados para fins de
negociao dos perdedores com os ganhadores, assaltando os cofres pblicos.
Dois casos conhecidos nacionalmente no Brasil foram os dos postos
de combustveis e dos bingos. Nesses casos, com a agravante de que houve
corrupo e compra de sentenas em algumas situaes, a concesso de
medidas de urgncia efetivamente gerou uma srie de inseguranas jurdicas
envolvendo uma rede/cadeia de produtores e comerciantes muito grande, que
por sua vez prosperou com grande volume de investimentos e gerao de
empregos.58
Veja-se a perversidade da situao quando analisada pela lgica
simplesmente estatstica ou matemtica de circulao de riqueza no
mercado, j que se a venda de combustveis adulterados provocou
prejuzos aos donos dos automveis, operou como contrapartida a melhoria
da receita das oficinas de conserto destes veculos.
David Weisbrot, presidente da Comisso Australiana de Reforma
do Judicirio e autoridade mundial em reforma judiciria, tem sustentado
que os problemas que afetam o Judicirio na maior parte dos pases em
desenvolvimento, traduzindo-se em justia morosa e, por vezes, parcial ou
58 Tente-se imaginar o impacto econmico do dinheiro gasto pelos jogadores nos bingos, o que era feito com o mesmo e o que passou a ser feito depois que a atividade foi proibida. No caso da distribuio dos combustveis, o problema foi (ou ) a concorrncia desleal, fazendo com que multinacionais tradicionais reduzissem as suas atividades no pas.
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imprevisvel, prejudicam o desempenho econmico desses pases de
diferentes maneiras. Segundo ele, a proteo insuficiente dos contratos e
dos direitos de propriedade diminui a abrangncia da atividade econmica,
desencoraja os investimentos e a utilizao do capital disponvel e, por fim,
mas no menos importante, distorce o sistema de preos ao introduzir
fontes de risco adicionais nos negcios.59
No foram diferentes as concluses do Relatrio de
Desenvolvimento Mundial do Banco Muncial (World Development Report
1997), tratando do tema o Estado num mundo em mudana (The State in a
changing World), destacando que trs caractersticas h em um bom
judicirio: independncia; fora, i.e., instrumentos eficazes para
implementar suas decises; e eficincia gerencial.
60
O consultor Internacional de Justia Robert Sherwood, autor da
pesquisa, em mbito mundial, sobre o impacto econmico do
funcionamento do judicirio, tem ressaltado que, se o Judicirio
funcionasse bem no Brasil, os investimentos estrangeiros aumentariam em
12% e o emprego cresceria 18%, afirmando que um passo fundamental
para reformar o Judicirio estudar, com profundidade, as influncias do
trnsito judicial para fora, ou seja, dos impactos que as decises judiciais
provocam nos diversos setores da economia e da sociedade. Ele ressaltou
que certas mudanas, como, por exemplo, o controle do Executivo por
parte do Judicirio, no custariam nada e significariam um grande
crescimento, ao passo que a instalao de varas especializadas em diversas
reas estratgicas do desenvolvimento do pas como meio ambiente,
59 http://www.ih.com.br/prt_cn_juridico.php?Ntx_id=1079, acessado em 13/01/2009. 60 WORLD BANK. The State in a changing World. In World Development Report 1997. New York: Oxford University Press, 1997. Dentre outras informaes, o relatrio d conta de que um processo leva em mdia 1500 dias para ser concludo em pases como o Brasil e o Equador, contra apenas 100 dias na Frana.
42
recuperao de empresas, relaes de consumo, etc. , o que requer um
maior investimento, poderia auxiliar neste processo.61
Esqueceram estes pesquisadores de outras variveis que igualmente
contribuem para estes cenrios desenhados, a saber: (a) a associao negativa e
significativa em termos econmicos e estatsticos entre corrupo (pblica e
privada), de um lado, e investimento e crescimento (tambm pblico e privado),
de outro; (b) o fato de que a instabilidade das leis e das polticas reduz as taxas
de crescimento econmico. Tais fatores nada tem a ver com o Judicirio, e
provocam os danos que de todos conhecido em qualquer economia nacional e
internacional.
S para resgatar dados no to antigos assim, em pesquisa realizada
no ano de 2006, o Instituto Brasileiro de tica Concorrencial ETCO, publicou
uma pesquisa chamada Anlise Justia, fazendo diagnsticos do Poder
Judicirio brasileiro a partir do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal
de Justia. Dentre outras informaes, este trabalho deu conta de que nos
ltimos 50 anos enquanto a populao brasileira triplicou por trs (03) vezes, o
nmero de processos judiciais aumentou em oitenta (80) vezes, chegando ao
nmero absurdo de dezessete (17) milhes de processos anualmente
distribudos nos mais diversos tribunais do pas.62
Quando aqueles nmeros so avaliados por regies do pas, percebe-
se que a taxa de processos por habitantes nos Estados mais ricos do Sudeste
brasileiro chega a dez (10) vezes maior do que o dos Estados do Norte, sendo o
Governo o maior usurio dos servios judicirios. Por outro lado, questes
envolvendo temas macro-estruturais da Repblica ficam emperradas nas
malhas do Poder Judicirio, dentre as quais: (a) a reforma do aeroporto de
congonhas, em So Paulo (com discusso judicial de 07 anos); (b) as obras de
duplicao da rodovia BR-163, entre Mato Grosso e Par; (c) as obras da
61http://inovabrasil.blogspot.com/2008/06/robert-sherwood-analisa-lei-de-inovao.html,acessado em 13/01/2009. 62 ETCO. Anlise Justia. So Paulo: Anlise Editorial, 2006, p. 14.
43
hidrovia Araguaia-Tocantins; (d) obras envolvendo infra-estrutura porturia e
hidreltricas as mais diversas; etc.63
Ao lado destas pesquisas quantitativas, h indicadores histricos da
dcada de 1990 indicando a percepo social da cidadania brasileira sobre o
Poder Judicirio, conforme lembra Castelar Pinheiro, envolvendo consulta
levada a cabo pela Vox Populi em abril de 1999, mostrando que 58% dos
entrevistados considerava a Justia brasileira incompetente, contra 34% que a
julgavam competente; 89% afirmaram ser a Justia demorada, em contraste
com os 7% dos entrevistados que responderam ser a Justia rpida. Na mesma
direo foi a pesquisa publicada pelo IBGE em 1990, evidenciando que dois em
cada trs brasileiros envolvidos em conflitos preferiam no recorrer justia.
Numa outra pesquisa, feita pelo Ibope em 1993, 87% dos entrevistados diziam
que o problema do Brasil no est nas leis, mas na justia, que lenta, e 80%
achavam que a justia brasileira no trata os pobres e ricos do mesmo modo.
64
Mas veja-se algumas outras aproximaes que se possam fazer entre
Direito e Economia.
II Matrizes fundacionais da relao entre Direito e Economia Sem sombra de dvidas que a relao entre Direito e Economia no
nova, eis que sempre esteve presente nos debates que envolveram a prpria
conformao dos sistemas normativos ao menos no Ocidente, basta atentar
para o desenvolvimento do Direito Romano no que tange s protees dos
negcios jurdicos envolvendo a propriedade e as relaes parentais
notadamente nos aspectos da transmisso da herana , evidenciando uma das
63 Idem, p.17. 64 PINHEIRO, Armando Castelar. Judicirio, Reforma e Economia: a viso dos magistrados. In Reforma do Judicirio: Problemas, Desafios e Perspectivas. So Paulo: IDESP, 2001, p.04.
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funes preambulares do jurdico nas relaes sociais, a saber, a regulao de
interesses de ordem econmica e patrimonial.65
O problema que, ao menos at a segunda metade do sculo XX (pelo
menos), as questes econmicas que tocavam os temas jurdicos o faziam de
forma intercorrente ao processo formativo das ordens normativas no processo
legislativo, por exemplo , atravs dos lobbies do Mercado e dos segmentos
organizados da Sociedade Civil, alm claro dos setores hegemnicos e
burocratizados do Estado-Governo, seja para atender interesses ideolgicos dos
seus fins programticos, seja para buscar a proteo de objetivos corporativos
instalados na administrao estatal pelo processo de privatizao do pblico.
66
Mas por que na segunda metade do sculo XX que a relao entre
Economia e Direito toma mais relevo? Pelo fato de que o processo de excluso
social e da marginalizao provocado pelo modelo de crescimento econmico,
dissociado do desenvolvimento social que marca este momento do capitalismo,
vai gerando uma srie de mazelas sociais que precisam ser de alguma forma
gerenciadas mesmo que com paliativos governamentais.
Advm daqui, por exemplo, um dos principais fatores de ampliao e
concentrao de fora por parte do Poder Executivo nos Estados ocidentais, eis
que chamou para si responsabilidades de atendimento das demandas sociais
emergentes em face das contingncias detectadas, em detrimento, certo, do
Poder Legislativo (que se ocupou de questes mais fisiolgicas do que
legiferantes dos espaos pblico e privado)67
Talvez se possa dizer que, em verdade, toda uma concepo de
Estado que entra em mutao a partir daquele perodo histrico, caracterizado
por seus matizes mais sociais e compromissados com o restabelecimento de
.
65 Conforme NICHOLAS, Barry. An Introduction to Roman Law. New York: Oxford University Press, 1975, p.39. 66 Aprofundei esta discusso em meu livro LEAL, Rogrio Gesta. Estado, Administrao Pblica e Sociedade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. 67 Sobre o tema especificamente, ver SANDULLI, Armando Mantinni. Stato di Diritto e Stato Sociale. Napoli: Giappichelli, 2004, p. 39 e segs.
45
equilbrios necessrios em face das diferenas gritantes e desestabilizadoras de
uma ordem mnima de civilidade. Isto no implica um nico modelo de Estado
Social, mas vrios, eis que se formam ora com vis mais paternalista e
assistencialista (tal qual o modelo de Estado Getulista no Brasil), ora com
feies mais curativas e compensatrias (tal qual o Welfare State e o Ltat
dProvidence), ora com natureza de classe social (tal qual o Estado Sovitico)68
Da mesma forma e no mesmo perodo, pode-se perceber uma
ampliao de perspectiva funcional do Poder Judicirio, pelas mesmas razes
supra referidas, eis que, conseqentemente, os nveis de tenso e confronto de
interesses se avolumam. Mas que tipo de Poder Judicirio vai se forjar a partir
deste entorno? Respeitadas as variveis de um ou outro modelo de Estado
anteriormente referido, pode-se afirmar que surge um Estado-Juiz mais
compromissado com a mantena da pacificao das relaes sociais, o que no
implica compromisso com a mudana estrutural das relaes de fora mantidas
nesta sociedade, e sequer reflexo acurada sobre as formas de s-lo diante dos
impactos mltiplos (econmicos, dentre eles) que tal comportamento gera. Mas
quais os efeitos prticos deste compromisso ento?
.
Em primeiro plano, um Judicirio que vai se ocupar mais do tema que
envolve a independncia dos poderes entre si e das formas de controles do
exerccio destes poderes pelos diferentes rgos da Administrao Pblica e do
Legislativo. Em segundo lugar, um Judicirio que vai operar mais no mbito
preventivo das violaes de direitos individuais e coletivos, dando maior
68 Neste sentido, ver a excelente abordagem que faz do tema SERRANO, Rafael de Agapito. Estado Constitucional y Processo Poltico. Salamanca: Universidad de Salamanca, 1999, p. 23 e segs. Vale lembrar que quase todos estes modelos distintos de Estado tinham de comum um carter muito mais protecionista e paternalista do que emancipador, eis que a condio da cidadania aqui ainda se revelava de extrema passividade recalcitrante do que de participao criativa. Na mesma direo, ver: CABELLERA, Marcus Vaquer. La accin social: un estudio sobre la actualidad del Estado Social de Derecho. Valencia: Instituto de Derecho Pblico, 2004; e, ainda, LEAL, Rogrio Gesta. Possveis dimenses jurdico-polticas locais dos direitos civis de participao social no mbito da gesto dos interesses pblicos. Revista Direitos Sociais e Polticas Pblicas, n. IV, Santa Cruz do Sul, 2004, p. 959.
46
efetividade jurisdio como espao de garantia e concretizao das regras
formais estabelecidas pelo sistema jurdico como um todo, volto a dizer, sem
muitas preocupaes com o custo econmico disto69
interessante como estes diferentes perodos histricos (a primeira e
a segunda metade do sculo XX) vo ser paradigmticos tanto Economia como
para o Direito. Na dico de Cristiane Coelho:
.
A histria do desenvolvimento da Anlise Econmica do Direito usualmente contada sob a perspectiva de uma sensvel separao entre um primeiro perodo de pesquisas, compreendido entre 1940 e 1950, e a fase instaurada a partir de 1960, que veio hoje a refletir o ncleo central de trabalho da Escola da Law and Economics. Ressalta-se que a velha Escola centrava seus estudos em campos do Direito eminentemente ligados economia, tais como o Direito Antitruste, o Direito Comercial, o Direito da Regulao e o Direito Tributrio, mas que em 1960, uma nova Escola rompe com essa tradio, ao utilizar a anlise econmica para explicar e criticar regras legais que no to obviamente comportavam uma dimenso econmica, como, por exemplo, as regras contratuais, regras de responsabilidade civil, e, at mesmo, regras de Direito Penal e processual. Essa separao entre a velha e a nova Escola, entretanto, no deve ser entendida como uma ruptura, mas sim como um desencadeamento lgico da primeira em direo segunda, como se demonstrar.70
Se de certa forma as preocupaes econmicas estavam centradas na
primeira metade do sculo XX em questes bastante pontuais de
funcionamento do mercado econmico, inclusive buscando discutir a
regulamentao propriamente dita daqueles segmentos (Direito Antitruste, o
Direito Comercial, o Direito da Regulao e o Direito Tributrio), no intento de
afastar a intromisso do Estado em tais setores, para que a mo livre do
mercado o fizesse, h uma guinada brusca a partir da segunda metade do 69 Cf. VANOSSI, Jorge Roberto. El Estado de Derecho en el constitucionalismo social. Buenos Aires: Eudeba, 2000. Ver, tambm, o trabalho de ARANGO, Rodolfo. Derechos, Constitucionalismo y Democracia. Colombia: Universidad Esternado de Colombia, 2004. 70 COELHO, Cristiane de Olive
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