(I)Migrantes, diversidades e
desigualdades no sistema educativo
português: balanço e perspectivas.
Maria José Casa-Nova
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
Maria José Casa-Nova
Doutoranda em Educação doCentro de Investigação em
Educação – CIEd, do Institutode Educação e Psicologia da
Universidade do Minho
Prof. de Sociologia da Educa-ção da Universidade do MinhoInvestigadora responsável do
Projecto “Família, Etnicidade,
Trabalho e Educação”
RESUMOO objectivo do presente artigo consiste
em procurar transmitir um olhar sociologi-camente informado no que concerne à situ-ação portuguesa no domínio das políticaseducativas públicas e investigações produ-zidas relacionadas com o sistema educativoe a (i)migração, ou seja, com a tentativa deconstrução de uma educa-ção intercultural.
Neste sentido, será re-alizada uma análise descri-tiva e compreensivo-inter-pretativa da evolução des-ta problemática em Portu-gal desde que a mesma setornou objecto de reflexãopor parte de investigadores/as e políticos nos finais dadécada de oitenta, início dadécada de noventa do sé-culo XX.
Nesta análise, serádada ênfase às investigações e quadros te-óricos produzidos e às medidas legislativase políticas educativas no domínio do trata-mento da diferença cultural dentro do sis-tema educativo português.Palavras-chave: (I)Migração. Diferença.Educação intercultural.
ABSTRACT(Im)migrants, diversitiesand inequalities in thePortuguese educationalsystem: an accountingand perspectives
The aim of this articleconsists in attempting totransmit a sociologicallyinformed view in what thePortuguese situation inthe field of public policiesand research related tothe educational systemand (im)migration areconcerned, that is, inattempting to construct anintercultural education. Inthis way, a descriptiveand comprehensive-
interpretative analysis of the evolution ofthis problem in Portugal will be realized,since the latter became an object ofreflection on the part of researchers andpoliticians towards the end of the 80s, thebeginning of the 90s of the XXth century.In this analysis, emphasis will be given on
182 Maria José Casa-Nova
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
the research and theoretical frameworksproduced and on the legislative measuresand educational policies in the field oftreating cultural difference in thePortuguese educational system.Keywords: (Im)Migration. Difference.Intercultural education.
RESUMEN(I)Migración, diversidadesy desigualdades en elsistema educativoportugués: balance yperspectivasEl objectivo de esto artículo tiene a ver con
procurar transmitir una perspectivasociologicamente informada en lo que
concierne à situación portuguesa en el
âmbito de las políticas educativas públicasy investigaciones producidas relacionadas
con el sistema educativo y la (in)migración,
esto és, con la tentativa de construción deuna educación intercultural
En éste sentido, intentaremos hacer una
análisis descriptiva y comprensivo-interpretativa de la evolución de ésta
problemática en Portugal desde que la
misma se ha volvido objecto de reflexiónde los/as investigadores/as y políticos en
el final de la década de ochenta, início
de noventa del siglo XX.En ésta análisis será dada ênfasis a lasinvestigaciones y cuadros teóricosproducidos y a las medidas legislativas ypolíticas educativas en el domínio de la
diferencia cultural dentro del sistemaeducativo português.Palabras clave: (In)Migración.Diferencia. Educación Intercultural.
IntroduçãoDurante vários séculos, com especial in-
cidência no século XIX e primeira metade doséculo XX, Portugal foi basicamente um paísexportador de mão-de-obra não qualificadapara diversos países do mundo. Até sensivel-mente 1960 assistiu-se a uma emigração fun-damentalmente para o Continente America-no (Brasil, E.U.A. e Argentina), tendo emi-grado para este Continente, entre 1900 e1960, cerca de 1,5 milhões de portugueses,dos quais 70% para o Brasil. A partir daque-la data, a emigração passou a dirigir-se fun-damentalmente para a Europa, com os por-tugueses a emigrarem sobretudo para Fran-ça e República Federal Alemã. Entre 1960 e1974 emigraram para França mais de 1 mi-lhão de portugueses, sendo este actualmenteo país com a maior comunidade portuguesaemigrada, seguido do Brasil1. A partir de 1973assiste-se a uma diminuição da emigraçãodevido à crise económica mundial derivadado choque petrolífero motivado pela guerraIsraelo-Árabe, nunca mais voltando a atingiros valores anteriores à crise. Gradualmenteassistiu-se a uma diminuição da emigraçãode carácter permanente (superior a um ano)e a um aumento da emigração de caráctertemporário (igual ou inferior a um ano) sen-do esta de 8% em 1977, de 53,1% em 1993,e, em 2003, de 75,2%, processando-se prin-cipalmente para a França e para a Suíça e,em menor número, para o Reino Unido2.
1 Para um aprofundamento da problemática da emigração portuguesa ver, entre outros, Maria Beatriz Nizza da Silva e outros(1993), Maria Ioannis Baganha, João Ferrão e Jorge Malheiros (1998) e José Luís Garcia (2000). Para um balanço do fenómenoe/imigratório português em termos de números e investigações produzidas, ver Maria Ioannis Baganha e Pedro Góis (1998/99).Para uma análise dos fenómenos migratórios tendo em atenção os processos de globalização, ver Maria Ioannis Baganha ( 2001).2 Ver Instituto Nacional de Estatística – INE – , disponível em: http:// www.ine.pt
(I)Migrantes, diversidades e desigualdades no sistema educativo português: balanço e perspectivas. 183
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
Até 1992 os números da emigração sãoainda superiores aos números da imigra-ção, assistindo-se a uma inversão gradualdesta tendência a partir de 1993, ano apartir do qual o número de entradas ultra-passou o número de saídas, mantendo-seesta tendência até ao presente.
De acordo com o Instituto Nacio-nal de Estatística – INE –, no ano de2003 emigraram 27.008 indivíduos,93,5% dos quais para a Europa, va-lor aproximado ao verificado no ano2002 (27.358 indivíduos, 81,3% dosquais emigraram também para a Eu-ropa). Apesar do abrandamento sig-nificativo da emigração, actualmenteestima-se em 5 milhões o número deportugueses e seus descendentes a vi-ver em diversos países do mundo, ouseja, cerca de 50% da população re-sidente em Portugal.
Evolução da imigraçãoApesar da imigração em Portugal ser
um fenómeno com várias décadas deexistência, no decurso dos últimos seisanos, com particular incidência nosanos de 2000 a 2002, assistiu-se a umaumento extraordinário da imigração,fundamentalmente com origem nos Pa-íses do Leste Europeu (principalmente
da Ucrânia, mas também da Moldávia,da Roménia e da Rússia) e da Américado Sul (principalmente do Brasil), trans-formando Portugal, país tradicionalmen-te de emigração, num país simultanea-mente “exportador” e “importador” demão-de-obra, na sua grande maioriapara o exercício de funções não quali-ficadas, no domínio da agricultura e daconstrução civil.3
Se de 1975 a 1999 se assistiu a umaumento gradual dos contingentes deimigrantes, passando de 30 mil para191 mil, sem grandes saltos migratóri-os (ver quadro 1 em anexo), entre 2000e 2002 esse número duplicou, consti-tuindo actualmente cerca de 4,5% dapopulação portuguesa (cerca de 450mil indivíduos legalizados em 10 mi-lhões e 500 mil habitantes), não se in-cluindo naquele número os imigrantesem processo de legalização (53 mil ins-critos)4, os imigrantes em situação ile-gal (que se estimam em mais de 50mil)5, e a minoria étnica cigana (tota-lizando entre 40 a 50 mil elementos)dado esta não ser considerada imi-grante, mas uma “minoria endógena”6
uma vez que faz parte da sociedadeportuguesa há mais de cinco séculos.7
Estes números significam a presença em
3 Saliente-se que os cidadãos portugueses que emigram vão ocupar, nos países ditos de “acolhimento”, o mesmo tipo de postos detrabalho que os imigrantes ocupam em Portugal.4 Este processo de legalização, permitido pela Lei da Imigração (D.L. nº 34/2003, de 12 de Março), teve início a 3 de Maio de2004 e termo a 14 de Junho do mesmo ano, prevendo que todos os imigrantes com entrada legal no país até ao dia 12 de Marçode 2003, que tivessem efectuado descontos para o fisco e para a Segurança Social nos três últimos meses anteriores àquela data,pudessem legalizar a sua situação. Todos os imigrantes que não reuniam aquelas condições foram excluídos deste processo.5 A título de exemplo referimos o facto de, num processo de legalização para imigrantes brasileiros realizado em 2003 ao abrigodo chamado “acordo Lula” (realizado quando da visita do presidente brasileiro a Portugal), de 31 mil inscritos apenas 10 milconseguiram terminar esse processo. Chamamos também a atenção para o facto de, apesar dos números oficiais relativos àpresença de imigrantes de origem chinesa em Portugal apontarem para cerca de 5 mil, a Associação de imigrantes chineses referirque aquele número é superior a 15 mil.6 Expressão de Habermas (1994 apud TAYLOR, 1998).7 Embora se tenha também assistido a fenómenos imigratórios de cidadãos ciganos provenientes da Roménia, mas com uma, atéao presente, relativamente reduzida expressão numérica.
184 Maria José Casa-Nova
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
Portugal de cerca de 6% de populaçãoculturalmente diferenciada da popula-ção portuguesa.8
As primeiras imigrações numerica-mente significativas registradas entre1975 e 1999, realizaram-se a partir dosPaíses Africanos de Língua Oficial Por-tuguesa (os chamados PALOP – Cabo-Verde, Angola, S. Tomé e Príncipe, Gui-né-Bissau e Moçambique)9, com parti-cular incidência em Cabo-Verde que, atéao final do ano de 2000, se constituiuno país exportador do maior número deimigrantes, saldando-se, naquela data,em cerca de 50 mil os cidadãos cabo-verdianos a residir em Portugal, sendoposteriormente ultrapassado pela Ucrâ-nia e actualmente pelo Brasil.
Presentemente fazem parte da socie-dade portuguesa cidadãos oriundos dequase todos os países do mundo, comparticular relevância numérica para oscidadãos provenientes (e por ordem de-crescente) do Brasil, Ucrânia, Cabo-Ver-de, Angola, Guiné-Bissau, Reino Unido,Espanha, Alemanha, Moldávia, Roménia,França, Estados Unidos, S. Tomé e Prín-cipe, Rússia e Países Baixos, fazendo de
Portugal um país crescentemente étnico eculturalmente heterogéneo.10
Do ponto de vista da sua distribuiçãogeográfica, e de acordo com o SEF (Servi-ço de Estrangeiros e Fronteiras), o Distritode Lisboa concentra mais de 50% da po-pulação imigrante (predominando aqui osimigrantes dos PALOP - mais de 80.000 -,da União Europeia e do Brasil), seguindo-se os distritos de Faro (com predominânciados imigrantes oriundos da União Euro-peia), Setúbal (com predominância de imi-grantes dos PALOP e União Europeia) ePorto (com predominância de imigrantes daUnião Europeia, Brasil e, em menor núme-ro, dos PALOP), situando-se todos estesdistritos no litoral do país. Com um núme-ro de imigrantes significativamente inferiorseguem-se, por ordem decrescente, os dis-tritos de Aveiro, Coimbra, Braga e Leiria(entre 11 e 5 mil imigrantes)11. Os imigran-tes de Leste (Ucrânia, Moldávia, Roméniae Rússia), dado ser uma imigração relati-vamente recente, não existem ainda dadosrelativos à sua distribuição geográfica, em-bora se considere que uma parte significa-tiva dos mesmos se concentre onde as gran-des obras de construção civil se realizam,nomeadamente em Lisboa.
8 Ver quadro 1 em anexo. De salientar que o aumento extraordinário verificado entre 2000 e 2001 não significa uma entrada dequase 150 mil imigrantes naquele período de tempo, resultando também da introdução de uma nova figura jurídica: asAutorizações de Permanência (D.L. 4/2001), concedidas pelo período de um ano (renovável) a imigrantes com proposta decontrato de trabalho. O asterisco (*) nos anos de 2001 a 2003 significa que aqueles números incluem, não só os imigrantes comAutorização de Residência (Permanente e Temporária – Lei de 20/98 de 12 de Maio), mas também os imigrantes com Autorizaçãode Permanência. Os detentores de título de residência temporário podem permanecer em território português por um período de2 anos renováveis; os detentores de título de residência permanente, como o próprio nome indica, não têm limitações de ordemtemporal.9 Países Africanos de colonização portuguesa.10 Ver Quadro 2 em anexo, onde se dá conta das dezoito nacionalidades mais representadas em Portugal, embora em territórioportuguês se encontrem cidadãos “provenientes de 170 países que falam 230 línguas diferentes” (MATOS, 2003).Refira-se que, em termos profissionais, uma parte significativa dos cidadãos oriundos dos países da União Europeia e dos EstadosUnidos são trabalhadores qualificados, quadros superiores de empresas, intelectuais e cientistas. Os imigrantes dos PALOPempregam-se, na sua grande parte, os homens na construção civil e as mulheres no trabalho doméstico; os imigrantes dos paísesde Leste, apesar de parcialmente apresentarem qualificações académicas de nível superior, empregam-se onde a mão-de-obra émais necessária, ou seja, os homens na agricultura e na construção civil, as mulheres no trabalho doméstico e na restauração.11 SEF - Dados provisórios de 2003.
(I)Migrantes, diversidades e desigualdades no sistema educativo português: balanço e perspectivas. 185
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
Imigração, minoriasétnicas e escolaridadeA emergência daproblemática em Portugal
Apesar de a imigração em Portugal serum fenómeno com várias décadas de exis-tência (embora inicialmente com menor re-presentatividade), o facto de os primeiros con-tingentes de imigrantes serem oriundos dosPALOP, países de colonização portuguesacujos cidadãos, por essa razão, possuíammaioritariamente nacionalidade portuguesa,teve como consequência um não atender àdiferença, dado considerar-se que aquelesimigrantes eram conhecedores da cultura elíngua portuguesas uma vez que tinham sidosocializados na escola nessa mesma língua ecultura. Quando os filhos desses imigranteschegaram à escola e começaram a apresen-tar insucessos repetidos, Portugal começougradualmente a “acordar” para a realidademulticultural da sua sociedade e da institui-ção educativa, desfazendo-se assim, a partirdo “problema” do insucesso escolar de mi-norias, “o mito da homogeneidade cultural”(CORTESÃO; PACHECO, 1991)12.
De facto, e como refere Dietz (2003, p.59), “a porta de entrada do multiculturalis-mo no sistema educativo foi a discussãoacerca do rendimento escolar das criançasprovenientes de minorias (étnicas, culturais,
religiosas, etc.)”, não se pensando o multi-culturalismo na escola a partir de referenci-ais positivos de troca de saberes e experiên-cias entre grupos socioculturais diferencia-dos. Ou seja, a discussão em torno da pro-blemática do multiculturalismo nas escolas(e nas sociedades no seu todo), resultou dese perspectivar o multiculturalismo como um“problema” a resolver (“problema” tambémeste perspectivado a partir da sociedademaioritária) tendo apenas como foco deanálise os imigrantes e descendentes de imi-grantes de classes sociais e minorias étnicasdesfavorecidas, oriundos de países desfavo-recidos. Isso significa que, por exemplo, imi-grantes provenientes da União Europeia,como Ingleses, Franceses, Alemães, etc., nãosão normalmente perspectivados como “imi-grantes” mas como “estrangeiros”, cujo pro-cesso de integração não se coloca, mesmoque possuam redes de sociabilidade própri-as e os seus descendentes frequentem esco-las próprias, vivendo à margem da socie-dade de “acolhimento”13.
Do ponto de vista político, assistiu-se à to-mada de algumas medidas de política social eeducativa e à criação de alguns organismoscom vista à tentativa de resolução do “proble-ma”, assistindo-se a uma procura de soluçõesque frequentemente resultam da percepção do“outro” como o problema, negligenciando-seo facto de, para o “outro” o problema sermos
12No entanto, enquanto em países como os Estados Unidos ou a Inglaterra, este movimento teve a sua origem “de baixo paracima”, resultando de reivindicações com origem nos grupos migrantes, em Portugal, este movimento teve origem “de cima parabaixo”, iniciando-se nas Universidades e no Governo nos finais dos anos 80, início dos anos 90 do século XX, quer no que dizrespeito a investigações relativas à integração sociocultural e escolar dos migrantes, quer no que diz respeito a medidas de políticasocial e educativa públicas. Apesar de não ser aqui objecto de análise, não podemos também de deixar de considerar nesteprocesso a importância da adesão de Portugal à União Européia em 1986 e as políticas preconizadas pela EU neste domínio. Pelamaior permanência temporal em Portugal e pelas maiores dificuldades de integração sociocultural e escolar que a sociedademaioritária considera que apresentam, quer do ponto de vista das investigações produzidas sobre a construção multicultural dasociedade portuguesa, quer do ponto de vista das medidas de política educativa, o ponto de partida foram os imigrantes oriundosdos PALOP (com uma incidência maior nos cabo-verdianos) e a minoria étnica cigana.13 Quando falamos em integração entendemos pelo conceito “um processo horizontal, não subordinado, de influências recíprocasentre todos os grupos socioculturais” (CASA-NOVA, 2002), que inclua “as visões e posições dos interessados, através de uma análiseprofunda das suas estratégias, relações e projectos […]” (CARRASCO et al., 2001).
186 Maria José Casa-Nova
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
“nós”. Procura-se resolver os problemas atra-vés da tomada de medidas de carácter palia-tivo e não da tentativa de compreensão e re-solução das causas subjacentes às situaçõespercepcionadas pela maioria como problema.
Do ponto de vista da escola não se temdesenvolvido uma preocupação com a justi-ça, negligenciando a complexidade que lhe éinerente, sendo frequente a existência de uma“justiça escolar oficial” (ESTÊVÃO, 2002), evi-denciada numa igualitarização de tratamentoque se traduz, no plano procedimental e dasinteracções entre sujeitos-actores educativos,em injustiças de vária ordem, sendo necessá-rio, na perspectiva de Estêvão (2001), questi-onar em que medida as organizações educa-tivas desenvolvem no seu interior práticas pro-motoras de “justiça organizacional”.14
Do ponto de vista curricular, pode-se con-siderar que após a Revolução de 25 de Abrilde 1974, “o debate sobre a democratizaçãoda escola centrou-se nas questões da igual-dade de oportunidades e nos processos peda-gógicos que favorecessem a aprendizagem es-colar, não fazendo, ainda, parte da agendadesse debate a situação de grupos culturaisminoritários e com características afastadas dasnormas valorizadas pela cultura-padrão” (LEI-TE, 2002b, p. 71). Por razões relativas à con-cepção homogénea da formação sociocultu-ral portuguesa, no início dos anos 80 a multi-culturalidade continuava ausente dos currícu-los escolares, pensando-se a resolução do in-
sucesso escolar a partir da concepção das cri-anças e jovens como “sistemas deficitários” aquem era preciso “compensar”, fazendo “tá-bua rasa” dos conhecimentos apreendidos nosprocessos de socialização e educação famili-ares. A partir do início dos anos 90, “a pre-sença nas escolas de alunos filhos de imigran-tes africanos ou de populações regressadasdas ex-colónias portuguesas pressionou os pro-fessores e a própria administração a agirem facea situações de exclusão a que esses alunos eramvotados. As referências às relações entre o su-cesso educativo e a atenção às especificidadesdos alunos foi ganhando novos sentidos e fo-ram incluindo aspectos de ordem cultural” (LEI-TE, 2002b, p. 80-81), procedendo-se, do pon-to de vista do poder central, à implementaçãode projectos que tinham por objectivo diminuiro insucesso escolar partindo do reconhecimen-to da diversidade cultural.
Uma caracterização dapopulação escolar migrante
Os números fornecidos pelo Secretaria-do Entreculturas para o ano lectivo de 1999/2000 (último ano para o qual existem nú-meros conhecidos)15 indicam, num universode 1.247.183 alunos a frequentar o ensinoobrigatório (do 1º ao 9º ano) e o ensinosecundário (do 10º ao 12º ano), a presen-ça de 86.333 alunos imigrantes e descen-dentes de imigrantes, ciganos e ex-emigran-tes, representando 6,9% do total de alunos16.Se considerarmos os alunos imigrantes e
14Para uma análise da escola enquanto organização e da realização da escola democrática a seguir ao 25 de Abril, analisandoos níveis de participação dos diferentes actores sociais, ver Licínio Lima (1992).15 Os dados sobre a escolarização de crianças e jovens imigrantes ou descendentes de imigrantes e de minorias étnicas relativos aoEnsino Obrigatório (6 aos 15 anos) e ao Ensino Secundário (de três anos) foram fornecidos pelo Secretariado Coordenador dosProgramas de Educação Multicultural (SCOPREM) criado em 1991 e actualmente denominado de Secretariado Entreculturas. Osdados relativos aos anos escolares posteriores a 1999/2000 não estão ainda disponíveis por aquele Secretariado, razão pela qualnão são aqui objecto de análise.16 A inclusão de alunos descendentes de ex-emigrantes deve-se ao facto de, para muitos daqueles, nascidos em solo não portuguêse frequentemente tendo iniciado o seu percurso escolar no país de imigração dos progenitores, o retorno destes a Portugal significarpara os seus descendentes a “imersão” num país relativamente “estrangeiro”, demonstrando dificuldades de integração escolar ede domínio da Língua Portuguesa.
(I)Migrantes, diversidades e desigualdades no sistema educativo português: balanço e perspectivas. 187
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
descendentes de imigrantes e os alunos ci-ganos, o seu número é de 67.401, totali-zando 5,4% da população escolar. Se con-sideramos apenas os alunos imigrantes edescendentes de imigrantes, o seu número éde 59.371, representando 4,8% da totali-dade dos alunos para aquele ano lectivo.
Relativamente à sua distribuição geográ-fica, e considerando os alunos imigrantes edescendentes de imigrantes e os alunos decultura cigana, o distrito com maior concen-tração é o distrito de Lisboa (44%), seguidodos distritos de Setúbal (16%), Faro (7%), Porto(6,2%) e Aveiro (6%). Se considerarmos tam-bém os alunos descendentes de ex-emigran-tes, a hierarquia da distribuição geográficapor distrito é relativamente alterada: Lisboa eSetúbal mantêm os primeiros lugares, seguin-do-se os distritos de Aveiro, Porto e Faro.
Segundo Seabra e Mateus (2003), existe umaclara predominância de alunos originários deCabo-Verde e Angola (representando mais de40% do total de alunos), sendo que 60% dosalunos imigrantes e descendentes de imigrantesse concentram na Área Metropolitana de Lis-boa (AML – que integra vários conselhos dosdistritos de Lisboa e Setúbal). Ainda de acordocom as autoras, 10% dos alunos dos distritosde Lisboa e Setúbal são imigrantes ou descen-dentes de imigrantes, enquanto nos distritos dointerior Alentejano (Évora e Beja) apenas 1%dos alunos são imigrantes ou descendentes deimigrantes. Estas percentagens revelam acen-tuadas assimetrias regionais na distribuiçãodaqueles alunos no território português, eviden-ciando um poder de atracção ou repulsão regi-onal diferenciado face às oportunidades de vidaque apresentam e às expectativas de vida dosimigrantes e minorias étnicas.
Do ponto de vista da distribuição geográfi-ca por nacionalidade, os distritos de Lisboa eSetúbal concentram grande parte dos alunosprovenientes (e por ordem decrescente) dosPALOP, Índia/Paquistão e União Europeia; odistrito de Faro concentra maioritariamente alu-nos provenientes da União Europeia e dos PA-LOP; o distrito do Porto alunos provenientes daUnião Europeia, Brasil e Angola e, o distrito deAveiro, alunos da União Europeia e do Brasil.Relativamente aos alunos de cultura cigana, osdistritos com maior concentração, por ordemdecrescente são os de: Lisboa, Setúbal, Porto,Faro, Bragança (interior Norte) e Aveiro.
De acordo com dados fornecidos pelo Se-cretariado Entreculturas para o ano lectivo de1998/1999, 4 escolas do ensino básico con-centravam mais de 70% de alunos imigrantesou descendentes de imigrantes, 5 escolas maisde 60%, 6 escolas mais de 50%, 12 escolasmais de 40% e 23 escolas mais de 30%.Grande parte destas escolas concentram-sena área Metropolitana de Lisboa. Estas con-centrações de alunos por minorias não resul-tam, no entanto, de uma intencionalidade porparte do governo ou da organização da redeeducativa, mas antes da inexistência de umapolítica urbana no que diz respeito à ocupa-ção de espaços habitacionais, o que leva àconcentração em bairros degradados de umaparte significativa de imigrantes oriundos dosPALOP17. Como em Portugal, para o EnsinoBásico, existe a obrigatoriedade dos alunos sematricularem no estabelecimento de ensino daárea de residência, este facto tem como con-sequência a concentração de alunos imigran-tes e minorias étnicas em determinadas esco-las, sendo esta uma das razões da existênciade escolas com um número significativo dealunos provenientes de determinadas minorias.
17 Já no caso dos ciganos o processo é relativamente diferente dado por vezes existir uma intencionalidade por parte dos Presidentesde Câmara na concentração de elementos destas comunidades no mesmo espaço sócio-geográfico.
188 Maria José Casa-Nova
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
Migrantes, minorias e(in)sucesso escolar
No que concerne aos níveis de sucessoe insucesso escolares, os alunos portugue-ses de cultura cigana, seguidos dos alunoscabo-verdianos são aqueles que apresen-tam taxas de insucesso mais elevadas nostrês ciclos do ensino obrigatório (ver qua-dros 3, 4 e 5 em anexo)18. Com efeito, deacordo com os dados mais recentes, den-tro dos PALOP, a minoria étnica cabo-ver-diana é ainda aquela que apresenta asmaiores taxas de insucesso escolar ao níveldo ensino obrigatório no que diz respeitoàs crianças de minorias imigrantes19. Emtermos das minorias globalmente conside-radas, as crianças ciganas são aquelas queapresentam as mais baixas taxas de apro-vação no ensino obrigatório20.
Algumas razões explicativas deste fe-nómeno parecem residir no facto destasminorias migrantes, por razões várias, no-meadamente de ordem cultural e de orga-nização social maioria/minoria, se teremtambém transformado em minorias étni-cas, lutando, de diferentes formas e deacordo com as suas próprias estratégiasde (sobre)vivência, por um lugar, provisó-rio porque mutável, na sociedade de “aco-lhimento”, conquistado e/ou cedido nasnegociações e lutas desiguais entre gru-
pos socioculturais com diferentes tipos emontantes de poder que originam oportu-nidades e modos de vida desiguais. As ex-pectativas, percepções e interacções cons-truídas entre diferentes grupos sociocultu-rais influenciam activamente o lugar quecada grupo ou subgrupo migrante vaiocupar na sociedade, contribuindo dife-renciadamente para a sua construção en-quanto minoria étnica, não esquecendoque “a sedentarização dos imigrantestransforma [frequentemente] questões deimigração em questões de etnicidade”(MACHADO, 2002).
Ciganos e (in)sucesso escolar:uma perspectiva analítica
Relativamente ao ensino secundário, ní-vel de ensino ao qual chega um númeromuito reduzido de alunos ciganos, de 1994/95 a 1997/98 assistiu-se a uma mudançasignificativa nos níveis de aproveitamentoescolar destes alunos, passando de 0% deaprovações no ano lectivo de 1994/95, para100% de aprovações nos anos lectivos de1996/97 e 1997/98 (ver quadro 6 em ane-xo)21. Estes níveis de sucesso parecem reve-lar uma mudança de atitude em relação àescola e aos saberes escolares por parte dasfamílias e dos alunos que chegam a estenível de ensino, para quem a escola come-ça a aparecer como uma forma de mudan-ça e elevação do estatuto social.22
18 A propósito das razões do insucesso escolar dos alunos ciganos, ver Maria José Casa-Nova (2002, 2003 e 2004b).19 Estes níveis de insucesso mais elevados podem estar parcialmente relacionados com o facto da Língua Cabo-verdiana – o Crioulo
de raiz portuguesa – ter na sua constituição palavras com grafia igual à Língua Portuguesa, mas com uma semântica diferente,induzindo nos alunos uma falsa compreensão do Português e, consequentemente, dos conteúdos curriculares.20 Saliente-se que, no ano lectivo de 1997/98, para o 1º ciclo do ensino básico, de 5420 alunos ciganos matriculados nos quatroanos de escolaridade, foram sujeitos a avaliação no 4º ano 764 alunos, dos quais foram aprovados 55%; para o 2º ciclo, de 374alunos matriculados nos dois anos de escolaridade, foram sujeitos a avaliação no final do ciclo (6º ano) 85 alunos, dos quaisforam aprovados 75%; para o 3º ciclo, de 102 alunos matriculados nos três anos de escolaridade, foram sujeitos a avaliação nofinal do ciclo (9º ano) 11 alunos, dos quais ficaram aprovados 64%.21 Neste nível de ensino, no ano lectivo de 1997/98, estavam matriculados apenas 16 alunos, dos quais 4 foram sujeitos aavaliação no 12º ano, tendo todos concluído o ano em questão.22 A este propósito, ver Maria José Casa-Nova (2002).
(I)Migrantes, diversidades e desigualdades no sistema educativo português: balanço e perspectivas. 189
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
De facto, no que concerne à minoria ét-nica cigana, uma investigação por nós reali-zada entre 1997 e 1999 (CASA-NOVA, 1999,2002), à qual estamos a dar continuidadedesde 2002, permitiu-nos concluir pela exis-tência de graus de importância diferenciadosatribuídos à escola (bem como diferentes for-mas de perspectivar a entrada no mercadode trabalho e a relação com a sociedade noseu todo). Esta evidência empírica levou-nosà construção do conceito de “lugares de et-nia”23, elaborado a partir do conhecimentode uma diferenciação intra-étnica, tendo porbase uma auto-diferenciação realizada pelosdiferentes sujeitos-actores, constituindo-se emlugares intermédios (não necessariamente hi-erarquizáveis ou hierarquizantes) dentro doque designámos, já em 1999, como habitusétnico (CASA-NOVA, 1999, 2002, 2004b).Estes lugares de etnia, construídos nomea-damente a partir da existência de diferentesgraus de consciencialização étnica dentrodeste grupo, originam reconfigurações do ha-bitus primário e permitem compreender asheterogeneidades e homogeneidades encon-tradas, nomeadamente em relação à formade perspectivar os saberes escolares, onde aatribuição de uma maior ou menor signifi-cado à escola não parece estar dependenteda posse de maiores recursos económicos(estas famílias são, aliás, aquelas que me-nor significado atribuíam aos saberes esco-lares). Estes lugares de etnia constituem-seem lugares móveis em função quer das di-nâmicas, da diversidade de estratégias e ex-pectativas de vida, das percepções de si edo outro e das redes de sociabilidade de-senvolvidas, quer dos contextos locais, na-cionais e supranacionais.
No que diz respeito à escola, a passa-gem de um lugar de etnia a outro é influ-
enciada, por exemplo, por expectativas devida diferenciadas, pelo lugar atribuído àescola no jogo das oportunidades de vida,pela maior ou menor permeabilidade dasfamílias e dos indivíduos às pressões gru-pais e comunitárias, pela discordância in-dividual ou grupal com alguns dos valoresda chamada “Lei Cigana”, pelo apoio co-munitário relativo a uma mobilidade social- horizontal ou vertical ascendente - de al-guns dos seus elementos e pelo papel daescola na relação com a diferença cultu-ral.) Podem ainda resultar de uma maiorou menor afirmação identitária, de etnici-dades mais ou menos contrastantes com asociedade global, sendo que, uma maiorvalorização da escola pode não significaruma menor afirmação étnica. Esta diversi-dade de situações poderá coexistir dentrode uma mesma comunidade, variando asmesmas em função dos contextos, estraté-gias e interesses individuais e grupais.
É a variedade e a variabilidade destassituações que procurámos tornar visível nográfico 1 (onde L1 significa lugar de etnia 1,L2 lugar de etnia 2 e L3 lugar de etnia 3).
Gráfico 1
23 CASA-NOVA, 1999, 2002.
+ +
- -
+
+
-
-
Etnia
Escola Escola
Etnia
L1 L2
L3
?
190 Maria José Casa-Nova
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
No que diz respeito aos ciganos, a maioriados seus elementos situa-se ainda no quadrantemais etnicidade e menos escola. De facto, doponto de vista da socialização e educação fami-liares, as crianças desenvolvem-se num ambi-ente familiar e comunitário pouco sensível (em-bora não hostil) à escola, onde esta aparece comuma importância relativamente residual face àsrestantes actividades do seu quotidiano. Não éque as famílias e crianças ciganas não gostem,não considerem importante ou resistam à esco-la; é que esta ainda não foi considerada comosuficientemente significativa (embora possa ter sidopercebida enquanto tal) para, de forma durávele não episódica, fazer parte dos seus projectos equotidianos de vida. O ritmo de vida das crian-ças é pautado pelo ritmo de vida dos adultos, assuas formas de vivência do quotidiano são pau-tadas pelas formas e conteúdos de vivência doquotidiano dos adultos, ou seja, ao nível do rit-mo das feiras, das festas, das horas para dormir,das redes de sociabilidade […]. Estes e outrosfactores influenciam as formas de percepção es-pacial e temporal, organização mental e estrutu-ração de pensamento das crianças, processan-do-se estas de maneira diferente daquela que éexigida pela escola tal como esta se encontraactualmente configurada.
Saliente-se ainda que a existência de umamaior valorização escolar pode traduzir-se numafrequência escolar prolongada e na aquisiçãode certificados escolares mais elevados ou tradu-zir-se numa não frequência escolar, dependen-do das estratégias e oportunidades de vida fami-liares e grupais. Ou seja, existindo famílias quevalorizam igualmente os saberes escolares, al-gumas conseguem que os seus filhos frequentema escola de forma prolongada, enquanto ou-
tras, seja por razões de sobrevivência económi-ca, seja por razões de género (ou outras), nãoconseguem manter os seus filhos na escola.
Na investigação que estamos a realizarnão foi visibilizada qualquer situação de fracaetnicidade e fraca valorização escolar, colo-cando-se a possibilidade deste lugar de et-nia por relação à escola ser eventualmentevisível em outras comunidades ciganas. Sen-do este quadro analítico construído a partirda etnicidade cigana, o mesmo poderá servisível em outras minorias migrantes, faltan-do no entanto, investigações neste domínio.
No que diz respeito aos alunos cabo-verdia-nos, os níveis de aproveitamento no ensino se-cundário e para o ano lectivo de 1997/98, estãorelativamente próximos dos níveis de aproveita-mento dos alunos de outras proveniências, o quepode significar, por um lado, que estas famíliasse mobilizam em torno de uma estratégia demelhoria das condições de vida dos seus des-cendentes (através da construção de percursosescolares de êxito)24, derivando daqui uma mai-or assimilação das normas e conteúdos da cul-tura oficial escolar e, por outro, que a selectivida-de inerente ao reduzido número de alunos queconseguem terminar o ensino secundário evi-dencia que só os mais aptos conseguiram so-breviver dentro do sistema de ensino.25
Escola e diversidade cultural:trabalhar com a diferença
Esta questão conduz-nos à problematiza-ção de como é trabalhada a diferença ao ní-vel da escola e da sala de aula, sendo sobreesta questão que iremos reflectir seguidamente
24 A propósito das estratégias de famílias cabo-verdianas em relação à escola e tendo em atenção a classe social de pertença, verTeresa Seabra (1999).25 Saliente-se que, apesar do número de alunos cabo-verdianos matriculados nos três anos do Ensino Secundário para o anolectivo de 1997/98, ser de 921, o número de alunos que se sujeitaram à avaliação no último ano do Ensino Secundário (12º ano)foi de 108, dos quais 62% terminaram com sucesso (Cf. SEABRA; MATEUS, 2003).
(I)Migrantes, diversidades e desigualdades no sistema educativo português: balanço e perspectivas. 191
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
através da abordagem de uma investigaçãoespecífica. Mas antes de entrarmos nesta dis-cussão, gostaríamos de clarificar o que enten-demos por educação inter/multicultural:
Quando falamos em educação inter/multicultural queremos com esta ex-pressão significar uma educação quecontemple a diversidade cultural emtermos de classes sociais, etnias egéneros e, dentro de cada uma des-tas categorias, a diversidade proveni-ente das particularidades culturais ede formas de apropriação individuaisdos saberes escolares e não escola-res, de contextos e de processos. Estaeducação intercultural deverá, então,no nosso entender, ter subjacenteuma ‘abordagem não-sincrónica’(McCARTHY, 1994), que nos sugerea possibilidade de os grupos minori-tários, na sua relação e interacçãocom instituições económicas, políticase culturais, não revelarem sempre amesma postura, necessidades, inte-resses ou expectativas, sendo portanto
fundamental deixarmos de olhar e tra-tar cada classe social, etnia ou géne-ro como blocos homogéneos, unifor-mes, mas antes como entidades cul-turais cujas relações sociais são com-plexas, contraditórias e não parale-las (CASA-NOVA, 2002, p. 110).
Isto significa que, apesar de neste trabalhoenfatizarmos a vertente étnico-cultural da edu-cação intercultural, numa análise global destaproblemática, as vertentes de classe e géneronão podem ser negligenciadas dado constitu-írem importantes dimensões da (des)igualdadeescolar e da construção de oportunidades devida diversificadas. E se, ao nível das investi-gações realizadas tendo em atenção a rela-ção classe social de pertença-(in)sucesso es-colar e discriminação escolar por relação aogénero, os estudos existentes em Portugal re-montam já às décadas de 70 e 80 do séculoXX26, em termos das investigações relativas aminorias étnicas e escolaridade só a partir demeados da década de 90 é que podemos con-siderar a produção de perspectivas analíticas27
26 Não sendo possível abordar aqui estas dimensões, não queremos deixar de referenciar alguns trabalhos realizados nestedomínio. Assim, sobre a relação classe social de pertença-(in)sucesso escolar ver, entre outros, os trabalhos de Ana Benavente(1990), Ana Benavente e Adelaide Pinto Correia (1981), Ana Benavente e outros (1994), Almerindo Afonso (1987), Helena Araújo(1987), Licínio Lima (1987), João Formosinho (1987), Sérgio Grácio e Sacuntala de Miranda (1977) e Raul Iturra (1990a, 1990b).Sobre discriminação escolar por relação ao género ver, entre outros, os trabalhos de Helena Araújo (1998, 2001, 2002), onde aautora elabora uma interessante síntese dos trabalhos considerados mais significativos no campo do género e educação emPortugal. Ver também os trabalhos de Isabel Barreno (1985), Anne Marie Fontaine (1977), Fernanda Henriques (1994), LauraFonseca (2001) e Ana Maria Ferreira (2002).27 Fazendo apenas referência a artigos escritos por investigadores/as portugueses/as em publicações periódicas portuguesas, e conside-rando o período de tempo entre 1987 e 2001, uma recolha não exaustiva permitiu concluir que entre 1987 e 1991 foram publicados9 artigos, entre 1992 e 1996 foram publicados 54 artigos e, entre 1997 e 2001 foram publicados 63 artigos sobre esta problemática,totalizando 126 publicações (Cf. CORTESÃO et al., 2002), não se incluindo aqui os artigos publicados em revistas estrangeiras e que,numa recolha não exaustiva para o mesmo período de tempo, totalizam 25. Saliente-se que entre 1987 e 1990 apenas foi publicado umartigo (GOMES, 1987) intitulado “A interacção selectiva na escola de massas” onde, apesar do autor não fazer referência explícita àproblemática da educação intercultural, estão subjacentes alguns princípios norteadores da construção de uma educação intercultural.Daquelas 126 publicações, aproximadamente metade são referenciáveis à educação e diversidade cultural. Os primeiros artigosrevelavam fundamentalmente uma precupação com a definição de conceitos (multiculturalismo, educação intercultural, identidadecultural, etnia, etnicidade, assimilação, integração […]), tendo-se progressivamente assistido a uma complexificação das análisesproduzidas, problematizando a influência dos contextos internacionais na construção das políticas educativas públicas nacionais, aconstrução curricular, a formação de professores para a diversidade cultural, a cultura familiar e a cultura escolar, o Português comoLíngua materna e como Língua segunda, a interacção pedagógica na sala de aula, a construção de dispositivos pedagógicos […]. Aoutra metade das publicações é genericamente referenciável à construção multicultural da sociedade portuguesa, problematizando oracismo no quotidiano dos migrantes, a construção identitária e a integração social das chamadas “segundas gerações” (apesar defrequentemente se considerar acriticamente como “segunda geração” os descendentes de imigrantes nascidos em Portugal, salientamosque, na nossa perspectiva, as segundas gerações deverão ser definidas a partir da percepção que os jovens têm de si, ou seja a partirde uma auto-definição em termos de referência cultural e identitária e não de uma exterioridade analítica). A inclusão/exclusão social dosmigrantes e a construção das etnicidades são outras das problemáticas objecto de análise.
192 Maria José Casa-Nova
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
que, tendo sido produzidas a partir da realiza-ção de projectos de investigação com origemnas Universidades, se constituem actualmentenum quadro teórico de referência e ponto departida para o desenvolvimento de novas in-vestigações neste domínio.28
O exemplo deuma investigação
Não sendo possível referenciar aqui osresultados das diversas investigações reali-zadas, iremos reportar a nossa análise a umainvestigação que levámos a cabo entre 1997e 1999 numa escola dos 1º e 2º ciclos doEnsino Básico29 da periferia da cidade doPorto (Norte de Portugal), onde alguns dosquadros teóricos produzidos serviram de re-ferência analítica e cujos resultados do pon-to de vista das práticas profissionais docen-tes procuraremos aqui sumariar.30
Do ponto de vista da escola, esta in-vestigação teve como objectivos “analisaro papel da escola e os contextos e proces-sos que dão forma e conteúdo às práticaspedagógicas das professoras, através do
conhecimento e compreensão das respos-tas desta escola à diversidade do seu pú-blico” (CASA-NOVA, 2002).
Um dos primeiros aspectos que gostarí-amos de salientar relaciona-se com a formade estar daquelas professoras na profissão enaquela escola específica, que se revelouser influenciada pelas suas expectativas faceà realidade sócio-económico-cultural dosagregados familiares de origem das crian-ças que frequentam a escola e pela formacomo cada professora reflecte e interiorizaessa realidade. Esta forma é atravessada pelapercepção do papel que desempenham so-cialmente e que se reflecte na construção depráticas pedagógicas que promovem a ver-tente da instrução mas, e sobretudo, a ver-tente da socialização em normas e valoresda chamada cultura oficial, tendo sido no-tório uma baixa pressão sobre os alunos paraa aprendizagem e rendimento escolares.
Os discursos e práticas observados sãoreveladores de uma outra dimensão da re-produção cultural e social:
O insucesso e a exclusão escolares
28 Apesar de na década de 90 terem sido desenvolvidos vários projectos de investigação neste domínio, queremos salientar aqui odesenvolvimento do Projecto de Educação e Diversidade Cultural: para uma sinergia de efeitos de investigação, levado a cabo poriniciativa de um grupo de professores/as e investigadores/as da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação daUniversidade do Porto, entre os quais se incluía a autora deste artigo, então como bolseira de investigação. Este projecto,coordenado por Stephen Stoer e Luiza Cortesão, teve uma duração de 4 anos (de 1991 a 1994) e englobou três escolas do 1ºciclo(duas no distrito do Porto e uma no distrito de Lisboa, frequentadas por uma população heterogénea do ponto de vista cultural,mas relativamente homogénea do ponto de vista da pertença de classe) e uma escola dos 2º e 3º ciclos do Ensino Básico inseridanum contexto semi-rural do distrito de Braga. Era preocupação da equipa de investigação “[…] a construção e o desenvolvimentoda escola para todos […] uma escola onde as crianças e jovens de diferentes grupos «minoritários» adquiram saberes e instrumentosque os ajudem a viver e intervir numa sociedade hegemónica sem que isso seja conseguido através da destruição da auto-imageme da cultura do seu grupo de pertença” (CORTESÃO; STOER, 1995). Cremos poder afirmar que, pelo processo reflexivo quedespoletou, o ponto de viragem fundamental em termos da maturação e produção teóricas neste domínio em Portugal foi aelaboração e desenvolvimento deste Projecto, que esteve na origem de opções investigativas de vários membros da equipa eproduções teóricas subsequentes. Ver, a título de exemplo, Luíza Cortesão e Natércia Pacheco (1991); Stephen Stoer (1992, 1994,2001); Cortesão e outros (1995); Carlinda Leite (1996, 2002a e 2002b); Natércia Pacheco (1996); Luiza Cortesão ( 2001); LuizaCortesão e Stephen Stoer (1996, 1997, 1999, 2001) e Casa-Nova (2001a, 2001b, 2002, 2003a, 2003b, 2004a, 2004b). Algunstrabalhos que receberam a influência deste projecto: Ricardo Vieira (1995, 1999); Pedro Silva (1993, 1996, 2003).29 Primeiros seis anos de escolaridade.30 A escola estudada era frequentada por um público culturalmente heterogéneo, mas homogéneo no que diz respeito à classesocial de pertença, coexistindo alunos luso-descendentes, ciganos, cabo-verdianos e angolanos. Nesta investigação, a investiga-dora constituiu-se no principal instrumento de pesquisa, realizando observação participante em sala de aula e entrevistas semi-estruturadas a diversos/as professores/as da escola.
(I)Migrantes, diversidades e desigualdades no sistema educativo português: balanço e perspectivas. 193
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
não se dão somente pela imposiçãoarbitrária de um conhecimento ex-presso no código dominante, mastambém porque a crianças de clas-ses sociais e minorias étnicas desfa-vorecidas se nega o acesso à cultu-ra dominante através, por um lado,da diminuição do nível de exigên-cia na distribuição e apropriação dosaber considerado socialmente vá-lido e escolarmente ensinado(BOURDIEU; PASSERON, 1972)
e, por outro lado, “pela negação dapossibilidade de (re)construção desse sa-ber com as crianças” (SILVA, 1988; CASA-NOVA, 2002, 2003). As professoras reve-laram, a nível discursivo e a nível prático,alguma preocupação com a existência depúblicos escolares étnica e culturalmentediferenciados, mas essa preocupação nãose traduzia, na sua maioria, num aprovei-tamento efectivo da cultura de cada crian-ça ao nível do desenvolvimento de práticaspedagógicas contextualizadas (mas exigen-tes) e interculturais, desenvolvendo funda-mentalmente “práticas pedagógicas homo-géneas e homogeneizantes” (CASA-NOVA,2002), próximas do que Enguita (1996)designou de “forma carencial de abordara diferença”, apoiadas na convicção de queas crianças necessitam de ser compensa-das dos conhecimentos e valores que não
lhes são transmitidos na sua cultura de ori-gem. No entanto, foram também visíveisesforços e práticas que denotam uma cons-ciencialização ao nível da necessidade dese atender positivamente à diferença cultu-ral; alguns discursos e práticas reveladoresde alguma preocupação com as especifici-dades culturais e as especificidades domodelo de socialização escolar. Conside-ramos no entanto que a educação/ensinoministrados naquela escola insere-se mai-oritariamente num modelo monocultural(que resulta grandemente da incapacidadede trabalhar com a diferença cultural e nãode uma recusa em trabalhar com a mes-ma) e não num modelo de educação inter/multicultural crítica, entendida como umaeducação que, por um lado, desenvolvapráticas pedagógicas contextualizadas, atra-vés da elaboração de “dispositivos peda-gógicos” que permitam o acesso a um “bi-linguismo cultural” (CORTESÃO; STOER,1996)31. A percepção das professoras daprática da educação inter/multicultural eragrandemente a do desenvolvimento de ac-tividades fora do espaço da sala de aula,actividades extra-curriculares, materializa-das em danças, cantares e semanas gas-tronómicas das diversas culturas, dandoorigem a um “pluralismo cultural benígno”32
que dificilmente se traduz em resultados aca-démicos positivos ou em oportunidades devida diversificadas.
31 Por “dispositivos pedagógicos” (e sem prejuízo de outras significações que os/as autores/as possam atribuir futuramente a estesconceitos) os/as autores/as entendem o desenvolvimento de práticas pedagógicas contextualizadas, que trabalhem positivamentecom a diferença cultural, rentabilizando-a no processo de ensino-aprendizagem. Por “bilinguismo cultural” é entendido o domínio,por parte dos alunos, da cultura de origem e da cultura da escola, procurando estabelecer uma linha de continuidade entre oscódigos culturais familiares e os códigos da cultura oficial veiculada pela escola, promovendo a cultura de origem da criança, maspossibilitando-lhe simultaneamente o acesso a e o domínio de códigos culturais socialmente valorizados.32 De acordo com Stoer (1999), o “pluralismo cultural benígno” rege-se por actos de reconhecimento muito mais do que por actosde conhecimento cultural e caracteriza-se por “assumir automaticamente a diferença como positiva (cai-se num relativismo culturalchique e piedoso pouco problematizado e reflectido); por se admitir que basta a formação de uma atitude multicultural entre osprofessores para garantir a mudança educativa (desenvolve-se a retórica da educação multicultural); enfatiza-se ‘estilos de vida’relegando para segundo lugar ‘oportunidades de vida’ (elogia-se a tolerância em vez de promover a justiça social); desenvolve-se estratégias para a educação intercultural num aparente vácuo social e político assim produzindo meras técnicas descontextua-lizadas (desvirtua-se a educação intercultural divorciando-se da construção da sociedade multicultural).”
194 Maria José Casa-Nova
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
Apesar das práticas pedagógicas monocul-turais serem predominantes, queremos sublinharque, neste olhar sobre uma escola, o que serevelou mais interessante do ponto de vista daspossibilidades de conhecimento e compreensãode uma dada realidade e, consequentemente,das possibilidades de construção de conhecimen-to, foi desvelar e compreender a complexidade,pluralidade e simultaneidade de perfis pessoais-profissionais de professores e de professoras querevelaram características que apontam para apossibilidade de estarmos em presença de práti-cas e de discursos pedagógicas que sustentamdiferentes concepções de escola:
- observamos e ouvimos práticas e dis-cursos que revelaram uma percepção das cri-anças como “sistemas deficitários”, que nãopossuem as competências necessárias paraaceder ao conhecimento escolarmente trans-mitido, o que configuraria um/a professor/aanterior à construção da actual escola demassas, que designámos por escola de do-mesticação - professor/a pré/monocultural.
- Nesta realidade escolar coexiste o/a pro-fessor/a que acredita que todas as criançasdevem ter acesso à escola, olhando o seupúblico escolar como contendo um potencialpara a apreensão da cultura escolar: o/a pro-fessor/a da escola de massas – escola meri-
tocrática, professor/a monocultural33 masdesenvolvendo práticas pedagógicas maiori-tariamente homogéneas e homogeneizantes.
- Encontrámos também o/a professor/a quereconhece a existência na escola de uma mul-tiplicidade de culturas, mas dando visibilidadeàs diferenças culturais numa perspectiva de“folclorização” das mesmas, o que designá-mos por professor/a mono/multicultural – epor escola essencialista-diferencialista.
- A observação realizada desocultouainda dilemas de professores/as que, ten-do consciência das desigualdades sociaise escolares existentes e acreditando na pos-sibilidade de democratização do processode ensino-aprendizagem, procuram promo-ver práticas pedagógicas sensíveis à dife-rença cultural, aproximando-se do tipo-idealde professor/a inter/multicultural de umaescola cidadã, deparando-se contudo comconstrangimentos exteriores a si, que difi-cultam a implementação de tais práticas.34
Face a esta realidade complexa e extra-ordinariamente rica do ponto de vista dos sig-nificados, consideramos que “da crise e con-solidação da escola de massas” (STOER;ARAÚJO, 1992) que se vive actualmenteem Portugal35 resultam professores/as dos/
33 Num artigo intitulado “Construindo a escola democrática através do «campo da recontextualização pedagógica»”, Stoer (1994)problematiza a construção de tipos-ideais de professor/a: “o/a professor/a monocultural” e “o/a professor/a inter/multicultural”,que procuram configurar diferentes formas de olhar a e trabalhar com a diferença em função das estruturas e das dinâmicassociais. O tipo-ideal de professor/a monocultural é aquele que nas suas práticas pedagógicas não considera a diversidade deculturas presentes na sala de aula, pelo facto de frequentemente apenas ‘reconhecer’ a existência de diferenças culturais eraramente as procurar ‘conhecer’. Este professor ou professora é defensor de uma escola meritocrática, “considera importante ahomogeneidade cultural na sala de aula, veiculando a cultura nacional na escola oficial para todos.” Em oposição a este tipo-ideal de professor/a Stoer propõe a construção de professores/as inter/multiculturais, defensores de uma escola democrática e deuma democracia participativa, capazes de introduzir o “ruído da multidimensionalidade” (McCARTHY, 1994) através da constru-ção de “dispositivos pedagógicos” que possibilitem trabalhar na sala de aula, numa perspectiva valorativa positiva, a culturafamiliar de cada criança e jovem. Será este tipo de professor/a que protagonizará algumas das mudanças necessárias para aconstrução de sociedades mais igualitárias, inclusivas da diferença cultural.34 Para uma melhor compreensão e aprofundamento deste quadro teórico, ver Casa-Nova (2001a, 2002).35 Crise e consolidação que, de acordo com os/as autores/as, por um lado deriva do aumento gradual da duração daescolaridade obrigatória e, por outro, da incapacidade da escola de massas resolver a questão da desigualdade social e cultural,ao mesmo tempo que promove, no seu interior, essa mesma desigualdade (Cf. BOURDIEU; CHAMPAGNE, 1997).
(I)Migrantes, diversidades e desigualdades no sistema educativo português: balanço e perspectivas. 195
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
as quais emergem simultaneamente carac-terísticas que configuram perfis pessoais-profissionais que designámos de pré/mono/multi/interculturais (ou seja, professores/asque apresentam características dos quatrotipos anteriormente apresentados).
As práticas e os discursos observados eescutados foram reveladores de comporta-mentos e discursos que parecem indiciar es-tarmos em presença de um corpo docenteque, face ao processo de construção da es-cola de massas, se encontra num processode (re)construção do seu próprio caminho,resultando daqui a simultaneidade de carac-terísticas onde os paradoxos, as (aparentes)incoerências, as perplexidades, o reconheci-
mento e a tentativa de conhecimento da di-versidade cultural se entrecruzam e interpe-netram, dando origem a práticas pedagógi-cas e discursos aparentemente contraditóri-os, coexistido num/a mesmo/a docente for-mas diversificadas de ser professor/a.
O gráfico 2 procura ser revelador destacomplexidade, onde o tamanho e a tonali-dade das elipses pretende significar a gra-datividade do tipo de escola e de profes-sor/a encontrados nesta investigação -quanto maior e mais escura, mais visível éo tipo de escola e de professor/a. A áreade intercepção dos quatro tipos encontra-dos pretende significar a coexistência e asimultaneidade da sua realização.
Gráfico 2
Escola meritocrática-monoculturalCurrículos e práticas pedagógicashomogêneas e homogeneizantesProfessor/a monoculturalDomínio da reproduçãoEstatuto conseguido
Escola essencialista-diferencialistaEnclausuramento em guetossociais e culturaisConstrução de realidadesfictíciasProfessor/a mono/multiculturalPluralismo cultural benignoEstatuto atribuído
Escola de domesticaçãoCurrículos e práticaspedagógicas homogêneas ehomogeneizantesProfessor/a pré/monoculturalDomínio da reproduçãoEstatuto herdado
Escola cidadãProfessor/a multi/interculturalPluralismo cultural críticoConstrução de cidadanias críticasDomínio da produçãoEstatuto construído atravésda igualitarização dasoportunidades
196 Maria José Casa-Nova
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
Sem prejuízo da existência ou da emer-gência de outras formações escolares e deoutros perfis pessoais-profissionais docentespara além das quatro detectadas nesta in-vestigação (e de uma quinta que resultariada simultaneidade de realização daquelasquatro), cremos que o que importa aqui sa-lientar é a pluralidade e complexidade desituações que apontam para professores/ase práticas profissionais que evidenciam o queconsideramos “uma ‘não-sincronia’ internaao próprio sujeito-actor, já não aplicávelapenas a grupos ou categorias sociais, mastambém a sujeitos-actores individuais”(CASA-NOVA, 2002). Estes perfis pessoais-profissionais configuram identidades com-plexas, constituídas por uma multiplicidadede pertenças (étnicas, de classe, de gênero,ideológicas, geracionais […]), identidadesque originam comportamentos “não sincrô-nicos” em função dos contextos e das dinâ-micas sociais e culturais.
Políticas sociais eeducativas públicas,imigrantes e minoriasétnicas36
Também do ponto de vista governamen-tal, só muito tardiamente (no início da dé-cada de 90 do século XX) se assistiu emPortugal à criação de organismos sob tute-las ministeriais, com o objectivo de traba-lhar com a diversidade cultural, procuran-do principalmente resolver e prevenir pro-blemas resultantes da interacção das mi-norias com as diversas instituições portu-guesas e com a sociedade no seu todo,
mas também ter alguma atenção à diferen-ça cultural.
O primeiro organismo foi criado em1991 e designava-se Secretariado Coorde-nador dos Programas de Educação Multi-cultural, apresentando na altura competên-cias estritamente de âmbito educativo37. Esteorganismo é responsável, entre outras coi-sas, pela recolha e tratamento dos dadosrelativos ao sucesso e insucesso escolaresde todos os alunos que frequentam os en-sinos básico e secundário em Portugal. Temproduzido vários manuais (e outros materi-ais) de apoio pedagógico na sala de aula,embora alguns desses manuais por vezesapresentem e transmitam imagens estereo-tipadas de minorias, nomeadamente no quediz respeito aos ciganos. O seu objectivoprincipal consistia em procurar compreen-der e diminuir as razões do insucesso esco-lar que determinadas minorias apresenta-vam ao nível do 1º Ciclo do Ensino Bási-co, principalmente as minorias cabo-ver-diana (uma minoria exógena, resultante deprocessos imigratórios) e cigana (uma mi-noria endógena à sociedade portuguesa).A principal iniciativa deste organismo con-sistiu no desenvolvimento de um projecto,o “Projecto de Educação Intercultural”38,com início em 1993 e termo em 1997 ten-do, para o efeito, seleccionado um con-junto de escolas do 1º Ciclo (num total de52: 30 escolas na primeira fase de 1993-95, alargado a mais 22 escolas na segun-da fase, de 1995 a 1997), maioritariamen-te da zona de Lisboa, frequentadas funda-mentalmente por minorias étnicas que apre-sentavam elevadas taxas de insucesso es-
36 As políticas e medidas legislativas aqui referenciadas, são o resultado de uma selecção realizada pela autora após pesquisa nestaárea, não tendo um carácter de exaustividade, mas antes de significado, tendo em atenção procurar compreender em que medidaas políticas e medidas legislativas dos governos portugueses revelam uma preocupação com a diferença cultural.37 Despacho Normativo nº 63/91, de 13 de Março, sob dependência do Ministério da Educação.38 Despacho nº 170/ME/93 e 78/ME/95.
(I)Migrantes, diversidades e desigualdades no sistema educativo português: balanço e perspectivas. 197
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
colar. No sentido de procurar diminuir astaxas de reprovação, elegeram-se algumasáreas de intervenção que passaram pelacaracterização sociocultural da populaçãoescolar, pela constituição de equipas mul-tidisciplinares para reflexão e actuação so-bre os problemas encontrados, pela cons-trução de materiais pedagógicos específi-cos e pelo desenvolvimento de acções deformação para professores no domínio daeducação intercultural39.
No entanto, um dos problemas encon-trados e que obstaculizou parcialmente o êxitodo projecto, derivou da existência de eleva-das carências económicas detectadas pelasequipas no terreno (com repercussões aonível da alimentação das crianças, que serevelou muito deficitária), levando as equi-pas a procurar minorar, em primeira instân-cia, os problemas de carácter económico.40
Podemos considerar que, no que concer-ne à atenção à diferença cultural, a constru-ção deste organismo se constituiu na primei-ra medida de discriminação positiva levadaa cabo pelo Governo, embora não se tenharevelado eficaz no combate ao insucesso es-colar. A este facto não foi alheio (para alémdas carências económicas acima menciona-das), o tratamento da diferença cultural nabase de estereótipos e não num conhecimen-to aproximado das diversas culturas em pre-sença, bem como uma actuação baseada
no pressuposto de que cada etnia constituium bloco homogéneo, uniforme, negligenci-ando-se as suas diferenciações internas.
Como Almerindo Afonso (1999) refere,podemos “considerar os Programas deEducação Multicultural […] como medidasgenericamente referenciáveis à actuação doEstado-Providência”, embora “a contribui-ção destes Programas [tenha sido] impor-tante mas simultaneamente frágil quandopensada em termos da concretização doprincípio da igualdade de oportunidades eda expansão dos direitos sociais e cultu-rais”, podendo significar a expansão de umSemi-Estado Providência, mas não a cons-trução de um Estado-Providência.41
Este Secretariado foi substituído, em 2001,pelo Secretariado Entreculturas42, assistindo-se a uma alargamento de competências, no-meadamente ao nível da colaboração nadefinição e dinamização de políticas activasde combate à exclusão no que diz respeito àsociedade em geral e já não somente à esco-la. Em Janeiro de 2004 este Secretariado foiincorporado no Alto Comissariado para aImigração e Minorias Étnicas.
Ainda do ponto de vista da educação es-colar, em 1996 foi elaborado um Despachorelativo à criação e implementação de Currí-culos Alternativos43 no Ensino Básico, com oobjectivo de diminuir o abandono e o insu-
39 Para uma análise exaustiva e crítica da implementação e resultados deste projecto, ver Carlinda Leite (2002a).40 Esta experiência, tendo-se revelado relativamente positiva, não foi, no entanto alargada a todas as escolas do país como tinhasido inicialmente anunciado.41 Apesar de conscientes da influência dos processos de globalização e da entrada de Portugal na União Européia na construçãodestas políticas, por falta de espaço estas dimensões não serão aqui objecto de análise. Também pela mesma razão nãoprocederemos à análise da ideologia subjacente às diferentes formações partidárias que se constituíram em governo desde 1990até à actualidade (desde um Governo de Centro – PSD, a um Governo Socialista – PS e a um Governo de Centro-Direita – PSD/CDS), que originaram políticas de pendor mais democrático ou de pendor mais neo-liberal e neo-conservador, embora esta análisedeva ser complexificada pela conjuntura económica internacional inerente a cada período governativo.42 Despacho Normativo nº 5/2001, de 1 de Fevereiro.43 Despacho nº 22/SEEI/96, de 19 de Junho.
198 Maria José Casa-Nova
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
cesso escolares, fundamentalmente ao nível do3º Ciclo (7º, 8º e 9º anos de escolaridade).Estes Currículos Alternativos, de acordo com odiscurso oficial, tinham como objectivo levarum maior número de jovens a permanecer nosistema educativo e a terminar com sucesso aescolaridade obrigatória, parecendo contribuirpara a inclusão no sistema educativo de jo-vens que tradicionalmente estariam dele ex-cluídos por repetidos insucessos no currículonacional. No entanto, com a implementaçãodeste diploma, estes alunos passaram a estarinseridos no sistema educativo (e não integra-dos uma vez que não são bem sucedidos nocurrículo nacional) baseado num sistema dedesigualdade dado que, “a designação ‘cur-rículos alternativos’ e não ‘currículos equiva-lentes’, já indicia uma subalternidade em rela-ção a um currículo-padrão” (CASA-NOVA,2002, p. 135). A sua elaboração e implemen-tação, ao eliminar do leque de disciplinas afrequentar pelos alunos, disciplinas como aLíngua Portuguesa e a Matemática, torna-seimpeditivo, na prática, da construção de umpercurso escolar de sucesso no que diz respei-to ao prosseguimento de estudos por estes alu-nos. E dado que os jovens que frequentamestes currículos são jovens pertencentes a clas-ses sociais e minorias étnicas desfavorecidas,o ensino para o aluno-padrão, o “aluno-ide-al”, não se altera, “o que muda é a «via» pelaqual os estudantes são «dimensionados» paraa chamada «vida activa» (STOER, 1994), per-petuando-se assim a desigualdade sob a capade uma discriminação positiva.
Também em 1996, o Despacho 147/B/ME/96 cria os TEIP - Territórios Educativos de Inter-venção Prioritária (semelhante às ZEP francesas)
que, logo no seu preâmbulo, justificava o seuaparecimento pelo reduzido sucesso educativo“em zonas com número significativo de alunosde diferentes etnias, filhos de imigrantes ou filhosde populações itinerantes”. No entanto, nos seusobjectivos e restante articulado, não é feita qual-quer referência à necessidade de se desenvol-ver uma educação intercultural nas escolasabrangidas, referindo que com esta medida sepretende: “contribuir para a descentralizaçãode políticas educativas; aproximar a escola dacomunidade educativa e do meio; rentabilizar osrecursos locais, através da partilha e da constru-ção de parcerias; promover o sucesso educati-vo, favorecendo a articulação entre os diferentesciclos de ensino”. Não existe portanto neste Des-pacho qualquer “referência explícita à educa-ção intercultural”, apesar de “dos 148 estabe-lecimentos de ensino integrados nos 34 TEIP,definidos para o ano lectivo de 1996/97, 27fazerem parte da rede do Projecto de EducaçãoIntercultural” (SOUTA, 1997, p. 68), o que tor-na esta ausência ainda mais paradoxal. Sali-ente-se também o facto da caracterização dosTEIP se ter feito sempre pela abordagem nega-tiva das situações familiares dos alunos e dospróprios alunos (ou seja, a partir do que lhesfaltava) e nunca pelas potencialidades que po-deriam conter.44 Constituindo-se numa medidade discriminação positiva, pela maior afectaçãode recursos (nomeadamente monetários) e depessoas, não possuía no entanto como funda-mento ideológico atender positivamente à dife-rença cultural, ficando esta dimensão dependentedo critério das escolas, que a poderiam contem-plar ou não no seu Projecto Educativo.
Ainda do ponto de vista da educação es-colar, o D.L. 6/ME/2001 vem consagrar o
44 Para uma análise crítica desta medida de política educativa e da sua aplicação, ver Rui Canário, Natália Alves e Clara Rolo(2001, p. 139), onde os/as autores/as referem que “o que está, no essencial, subjacente à política TEIP é, como no caso da criaçãodos ‘currículos alternativos’, uma lógica ̀ paliativa’ que pretende minimizar, ao nível do sistema escolar, os efeitos decorrentes dainvasão da escola pelos problemas sociais da ‘pobreza’ e da ‘exclusão’.
(I)Migrantes, diversidades e desigualdades no sistema educativo português: balanço e perspectivas. 199
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
Português como língua segunda, referindo, noseu art.º 8º que “as escolas devem proporcio-nar actividades curriculares específicas para aaprendizagem da língua portuguesa comosegunda língua aos alunos cuja língua mater-na não seja o Português.” Já em 1997, o D.L.219/97, no seu artº 16, referia que os candi-datos que ingressem no sistema educativonacional através do processo de equivalênci-as de habilitações devem beneficiar de apoiopedagógico, sendo que “o apoio pedagógicodeve centrar-se na eliminação das dificulda-des sentidas pelo estudante, designadamenteno domínio da língua portuguesa.”
Estas alterações legislativas devem o seuaparecimento à constatação da existência deuma pluralidade de alunos na escola públi-ca portuguesa cuja língua materna não é oportuguês e que evidenciam dificuldadesacrescidas no domínio da língua portugue-sa. Têm como objectivo aumentar as possibi-lidades de sucesso escolar e educativo destesalunos, não pelo respeito e atenção à dife-rença, mas perspectivando o domínio da Lín-gua Portuguesa como forma de acesso à, eassimilação da, cultura dominante.
Não está no entanto consagrado em lei oensino da língua materna dos alunos imigrantesou descendentes de imigrantes e minorias ét-nicas por parte da escola pública, o que signi-fica que o bilinguismo, como reconhecimentodas diferenças culturais ou apenas como me-dida pedagógica de aproximação gradual auma igualitarização de sucesso educativo, nãotem feito parte das preocupações dos gover-nantes portugueses, que remetem este ensinopara o domínio familiar. Mas frequentementeacontece também que são as próprias famílias
que, como estratégia de sobrevivência e/oude tentativa de sucesso na sociedade de “aco-lhimento”, consideram que a cultura e línguade origem deverão fazer parte da educaçãofamiliar, devendo a escola ocupar-se em trans-mitir com sucesso a cultura oficial dominantecomo forma de ver aumentadas as oportuni-dades de vida dos seus descendentes. Isto vemdemonstrar a necessidade de se estar atento àdiversidade de situações emergentes do fenó-meno migratório e das diferentes expectativase formas de integração social e escolar pers-pectivada por cada minoria e pelos seus dife-rentes segmentos internos.
No que concerne à Religião, o D.L. nº 329/98 de 2 de Novembro, relativo ao “Ensino daReligião e Moral não católicas nas escolas”,vem consagrar a diversidade religiosa na esco-la pública, terminando com a exclusividade dareligião católica. A partir do ano lectivo de 1999/2000, a disciplina facultativa de Educação Morale Religiosa, existente do 1º ao 12º ano, podeser ministrada por qualquer confissão religiosaestabelecida no país. E apesar do laicismo dasinstituições educativas públicas portuguesas, nãoé proibido o uso de símbolos religiosos e/ou ouso de trajes específicos de determinados mi-grantes e minorias étnicas, não sendo tambémvisível até ao momento qualquer inquietaçãosocial neste domínio.
Do ponto de vista das políticas sociais pú-blicas, em 1996 foi criado o Estatuto do AltoComissário para as Minorias Étnicas45, altera-do em 2001 para ACIME - Alto Comissariadopara a Imigração e Minorias Étnicas46, “comcarácter de estrutura interdepartamental deapoio e consulta do governo em matéria deimigração e minorias étnicas”, tendo, sob a
45 D.L. 3-A/96, de 16 de Janeiro, sob dependência directa do Primeiro Ministro. Pela importância de que actualmente se revesteeste organismo, consideramos importante abordarmos a sua criação, objectivos e funções.46 D.L. nº 251/2002, de 22 de Novembro, na dependência da Presidência do Conselho de Ministros.
200 Maria José Casa-Nova
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
sua alçada, a Comissão para a Igualdade econtra a Discriminação Racial e o Grupo deTrabalho para a Igualdade e Inserção dos Ci-ganos. São atribuições deste Alto Comissaria-do (art. 2º.), entre outras, “contribuir para amelhoria das condições de vida dos imigran-tes em Portugal, de modo que seja proporcio-nada a sua integração na sociedade no res-peito pela sua identidade social e cultural; con-tribuir para que todos os cidadãos legalmen-te47 residentes em Portugal gozem de dignida-de e oportunidades idênticas; promover o es-tudo da temática da inserção das minorias ét-nicas; colaborar na definição e cooperar nadinamização de políticas activas de integra-ção social e de combate à exclusão”.
Desde Janeiro do corrente ano, o Secretaria-do Entreculturas passou a integrar o ACIME,passando este, a partir daquela data, a englobartambém preocupações com a educação escolardos imigrantes e minorias étnicas. Este organis-mo oferece apoio legal aos imigrantes e minoriasétnicas, tendo criado em vários pontos do paísCentros Locais de Apoio ao Imigrante e CentrosNacionais (em Lisboa e no Porto).
Este organismo, através do Observató-rio da Imigração, tem tido um papel im-portante no que concerne à produção deestudos sobre imigrantes e minorias étni-cas, com impacto ao nível da melhoria daimagem social dos mesmos.
Pode considerar-se que as políticas quedesenvolvem procuram promover a igualdadede direitos (civis, sociais e políticos) e algumadiscriminação positiva no que concerne ao res-peito pelas especificidades culturais de minori-as, quer endógenas, quer exógenas. Essas ten-
tativas nem sempre são bem conseguidas dado,por exemplo, a Comissão para a Igualdade econtra a Discriminação Racial ter estado inacti-va durante bastante tempo (tendo presentementereiniciado as suas funções) e o Grupo de Tra-balho para a Igualdade e Inserção dos Ciga-nos apresentar, até ao momento, uma impor-tância marginal dado as suas sugestões nemsempre encontrarem eco do ponto de vista po-lítico. Isto tem significado uma ausência de re-percussões práticas significativas ao nível damelhoria das condições de vida da etnia ciga-na ou no respeito pela sua cultura.
Este Alto Comissariado, pela elevadaconcentração de funções que actualmenteapresenta, está a constituir-se num dos or-ganismos com maior importância e prota-gonismo em Portugal no que concerne àspolíticas de imigração, aos migrantes eminorias étnicas. Esta concentração de va-lências num mesmo organismo, ao mesmotempo que aumenta o poder e visibilidadedo mesmo, pode no entanto significar adiminuição do grau de importância e a di-luição de especificidades inerentes a dife-rentes problemáticas e campos de análise.
Podemos considerar que, do ponto de vis-ta das políticas sociais públicas, esta medidase constitui numa medida híbrida, que pro-cura simultaneamente criar igualdade deoportunidades, mas também leva a cabo al-gumas acções de discriminação positiva noque concerne à atenção à diversidade cultu-ral, no sentido de diminuir as injustiças origi-nadas pelas diferenças de ordem cultural.
Em 1996 foi instituído o RendimentoMínimo Garantido48, com o objectivo fun-
47 (Grifo nosso). Isto significa que os imigrantes ilegais têm um “estatuto” de “não-cidadãos”, sem direitos, dado não existiremperante a lei.48 Lei 19-A/96.
(I)Migrantes, diversidades e desigualdades no sistema educativo português: balanço e perspectivas. 201
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
damental de contribuir para o combate àpobreza e à exclusão social incluindo, paraalém da atribuição de um subsídio pecuni-ário, programas de inserção profissional.O Rendimento Mínimo Garantido é atribu-ído ao conjunto do agregado familiar po-dendo, os diferentes elementos do mesmo,beneficiar de programas diferenciados deinserção social e profissional.
Os agregados familiares, para beneficia-rem deste subsídio, têm por obrigação enviarpara a escola as crianças e jovens em idade defrequentar a escolaridade obrigatória (até faze-rem 16 anos) e, os adultos, quando analfabe-tos, deverão frequentar o Ensino Recorrentenocturno. No entanto, os efeitos desta obriga-toriedade não se têm revelado, até ao presente,muito positivos. Em relação à escolarização dascrianças e jovens, esta medida teve como con-sequência, no primeiro ano da sua implemen-tação, as escolas serem “invadidas” por crian-ças (principalmente ciganas) com idades relati-vamente avançadas a frequentar o primeiro anode escolaridade, ou seja, crianças tradicional-mente afastadas da escola e adolescentes quehá muito tempo tinham abandonado o sistemade ensino. Daqui resultaram elevadas taxas deinsucesso escolar uma vez que as escolas e osprofessores não tinham sido preparados paraesta nova realidade.
No que diz respeito à escolarização dosadultos, a sua alfabetização não tem sido bemsucedida dada não ter sido pensada dentrode uma educação de adultos. De resto, aesta população “vem sendo, ainda hoje, con-sideravelmente dificultado o acesso a ofertaseducativas especificamente orientadas segun-do as suas características e experiências an-teriores, e de acordo com as suas necessida-
des e os seus interesses” (LIMA, 2003). Sub-jacente a esta forma de não pensar a escola-rização dentro de uma educação de adultos,está a “ausência de uma política para a edu-cação de adultos”49 e, “na sua ausência, ouperante a sua debilidade, permanecerão porresolver os problemas relativos à educação eformação da maioria da população adulta[…] em Portugal, em termos de cidadaniademocrática, de educação em geral e de for-mação para o mundo do trabalho”.50
Os programas de inserção incluídosnesta medida passam também por iniciati-vas no âmbito da saúde (nomeadamentevacinação e planeamento familiar), bemcomo pela oferta de acções de formaçãovisando a qualificação profissional.
Sendo uma medida que, do ponto devista do seu articulado, visa fundamental-mente combater a pobreza e a exclusão so-cial (beneficiando dela não só as classessocais desfavorecidas nacionais, mas tam-bém os imigrantes e as minorias étnicas,principalmente os oriundos dos PALOP e osciganos), procurando promover uma maiorjustiça social, tem também realizado algu-ma discriminação positiva, nomeadamentepela promoção e desenvolvimento de ac-ções de formação para grupos étnicos es-pecíficos (ciganos e imigrantes dos PALOP).
Podemos assim considerar que, doponto de vista das políticas sociais pú-blicas, quer esta medida, quer a ante-rior, se constituem em medidas híbri-das, que procuram simultaneamentecriar igualdade de oportunidades, mastambém levam a cabo algumas acçõesde discriminação positiva no que con-
49 LIMA, 2003.50 Id., Ibid.
202 Maria José Casa-Nova
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
cerne à atenção à diversidade cultu-ral, no sentido de diminuir as injusti-ças originadas pelas diferenças de or-dem cultural.
Esta Lei foi revogada em 2003, pas-sando a designar-se por Rendimento So-cial de Inserção51. A esta mudança dedesignação corresponde uma mudan-ça de conteúdo mais em harmonia comuma coligação governamental de Cen-tro-Direita, uma vez que a anterior foicriada por um Governo Socialista, compreocupações sociais relat ivamenteacentuadas, nomeadamente na atribui-ção de direitos sociais e culturais. Napresente designação está implícito quea atribuição deste subsídio pode cessara qualquer momento, deixando despro-tegidos agregados familiares extrema-mente desfavorecidos (por essa razão éque se designa de “inserção”: quandoesta inserção não se realizar por razõesdefinidas centralmente como atribuíveisaos beneficiários do rendimento, o sub-sídio é retirado). Para além deste as-pecto, as alterações introduzidas ao do-cumento visaram restringir as possibili-dades de atribuição deste subsídio.Como podemos ler na introdução dodocumento, “as principais mudançasintroduzidas relativamente ao anteriorregime vão no sentido de acentuar ocarácter transitório e subsidiário da atri-buição da prestação […]”.
Em 1999 foi criada a Lei de Defesacontra a Discriminação Racial52, visan-do combater a discriminação no empre-go ou na oferta de emprego, a discri-minação no acesso à compra ou arren-
damento de imóveis, a discriminação noacesso a locais públicos ou abertos aopúblico, a discriminação no acesso aoexercício de uma actividade económicaou a discriminação na construção deturmas escolares (por exemplo, proibin-do a construção de turmas só com alu-nos ciganos, africanos ou descenden-tes de africanos).
Esta lei, embora não revele uma pre-ocupação com o conhecimento e res-peito culturais, constitui um avanço im-portante em termos legislativos no queconcerne à igualdade de direitos. Noentanto, não tem tido implicações sig-nificativas ao nível das práticas quoti-dianas, dado grande parte dos imigran-tes e minorias étnicas desconhecerem asua existência e, quando conhecem, nãosaberem a quem recorrer para fazer valeros seus direitos ou recearem serem víti-mas de represálias por parte dos orga-nismos ou pessoas responsáveis peladiscriminação de que são alvo.
Apesar da importância das opçõestomadas pelos governos em matéria daconcepção das políticas sociais públi-cas, os efeitos dessas políticas serãonulos ou muito reduzidos se simultane-amente não se desenvolverem acções dedivulgação e sensibilização junto daspopulações locais visando a incorpo-ração efectiva das mesmas no quotidi-ano dos cidadãos. O desfasamento en-tre estes dois níveis tem como consequ-ência a existência de leis relativamenteavançadas em vários domínios e práti-cas sociais marcadas pela desconfian-ça e o conservadorismo.
51 Lei 13/2003, de 21 de Maio, com Declaração de Rectificação nº 7/2003, de 29 de Maio.52 Lei nº 134/99, de 28 de Agosto.
(I)Migrantes, diversidades e desigualdades no sistema educativo português: balanço e perspectivas. 203
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
Algumas reflexões finais- Do ponto de vista da socialização e
educação familiares, faltam estudos emPortugal que nos permitam conhecer ecompreender os significados atribuídospelos diferentes grupos socioculturais àinstituição escolar e aos saberes acadé-micos, articulando esses diferentes signi-ficados com os estilos de vida e as estra-tégias e expectativas em relação à cons-trução de oportunidades de vida53.
- Do ponto de vista da educação es-colar, não se pode considerar que em Por-tugal tenha emergido um modelo de edu-cação intercultural (a existir um modelo,este seria enformado e informado por um“pluralismo cultural benigno”)54. Nãoexiste um currículo de raiz intercultural,mas condescendências pontuais visíveisna construção de alguns manuais e ou-tros materiais de apoio ao trabalho emsala de aula ao nível dos 1º e 2º Ciclosdo Ensino Básico. Consideramos que a
53 De salientar o trabalho já referido, levado a cabo por Teresa Seabra (1999).54 Consideramos no entanto que a complexidade das diferentes formações sociais e educativas não se compadecem com soluçõesou propostas únicas e acabadas, não existindo “a” solução, “o” modelo de actuação,”o” modelo de educação intercultural, masuma pluralidade de formas de actuação, eventualmente constitutivas de vários modelos, conducentes à construção de umadiversidade de processos de integração sociocultural e de educação intercultural e a aproximações diferenciadas a uma educaçãointercultural.
construção de uma educação intercultu-ral não é compatível com condescendên-cias pontuais ao nível do currículo-pa-drão: a partir do momento em que as di-ferentes formações sociais dos diferentesEstados-nação considerem a existência deuma cultura oficial escolar e perspecti-vem a incorporação da diferença étnico-cultural nas instituições educativas numarelação de subordinação, inserindo o di-ferente no hegemónico já existente, a edu-cação intercultural será sempre uma fa-lácia. Ou seja, a partir do momento emque se considere a existência de uma cul-tura oficial escolar, o máximo de igual-dade que a centralidade desta permitiránão será mais do que a emergência decentralidades culturais periféricas ou demarginalidades culturais pontualmenteconsideradas no currículo-padrão.
A construção da educação intercul-tural será possível quando todas as cul-turas forem consideradas oficialmenteescolares.
204 Maria José Casa-Nova
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
ReferênciasAFONSO, A. J Educação básica, democracia e cidadania: dilemas e perspectivas.Porto: Edições Afrontamento, 1999.
______. Insucesso, socialização escolar e comportamentos divergentes: umaabordagem introdutória. Braga: Universidade do Minho, 1987. (Cadernos de AnáliseSocial da Educação).
ARAÚJO, H. C. Algumas teorias explicativas. Braga: Universidade do Minho, 1987.p. 77-80. (Cadernos de Análise Social da Educação).
______. Género, diferença e cidadania na escola: caminhos abertos para a mudançasocial. In: RODRIGUES, D. (Org.). Educação e diferença. Porto: Porto Editora, 2001a.
______. Há já lugar para algum mapeamento nos estudos sobre género e educação emPortugal? uma tentativa exploratória. Investigar em Educação, Lisboa, p. 101-145,2002.
______. O masculino e o feminino e a escola democrática. In: TRIGUEROS, T. (Org.)Hacia una pedagogia de la igualdad. Salamanca: Amarú Ediciones, 1998.
BAGANHA, M. I. A cada sul o seu norte: dinâmicas migratórias em Portugal. In:SANTOS, B. S. (Org.). Globalização: fatalidade ou utopia? Porto: Edições Afrontamento,2001.
BAGANHA, M. I.; FERRÃO, J.; MALHEIROS, J. Os movimentos migratórios externos e asua incidência no mercado de trabalho em Portugal. Lisboa: Instituto de Emprego eFormação Profissional, 1998.
BAGANHA, M. I.; GÓIS, P. Migrações internacionais de e para Portugal: o que sabemose para onde vamos? Revista Crítica de Ciências Sociais, Lisboa, n. 52/53, p.229-280,1998/1999.
BARRENO, I. O falso neutro. Lisboa: Edições Rolim, 1985.
BENAVENTE, A. O insucesso escolar no contexto português: abordagens, concepções epolíticas. Análise Social, Lisboa, v. 25, n. 108/109, p. 715-733, 1990 a.
BENAVENTE, A.; CORREIA, M. A. P. Obstáculos ao sucesso na escola primária. Lisboa:Instituto de Estudos para o Desenvolvimento, 1981. (Caderno n. 3).
BENAVENTE, A. et al. Renunciar à escola: o abandono escolar no ensino básico.Lisboa: Fim de Século, 1994.
(I)Migrantes, diversidades e desigualdades no sistema educativo português: balanço e perspectivas. 205
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
BOURDIEU, P.; CHAMPAGNE, P. Os excluídos do interior. In: BOURDIEU, P. (Org.). Amiséria do mundo. Petrópolis: Editora Vozes, 1997.
BOURDIEU, P.; PASSERON, J. C. A reprodução: elementos para uma teoria do sistemade ensino. Lisboa: Ed. Vega, 1972.
CANÁRIO, R.; ALVES, N.; ROLO, C. Escola e exclusão social. Lisboa: Educa, 2001.
CARRASCO, S. et al. Reflexiones desde la investigación en el nuevo contexto multiculturalde Cataluña. Nómadas, Santafé de Bogotá, n. 14, p. 50-66, 2001.
CASA-NOVA, M. J. Ciganos, escola e mercado de trabalho. Revista Galego-Portuguesade Psicoloxía e Educación, Braga, ano 7, v. 10, n. 8, p. 252-268, 2003a.
______. Construindo a educação inter/multicultural crítica. In: COLÓQUIO DA AFIRSE/AIPELF, 12., 2003, Lisboa. A formação de professores à luz da investigação: actas...Lisboa: AFIRSE, 2003b. v. 2, p. 1150-1158.
______. Etnicidade e classes sociais: em torno do valor heurístico da conceptualizaçãoda etnia como categoria social. Educação, Sociedade & Culturas, Porto, n. 16, p. 63-82, 2001a.
______. Etnicidade e educação familiar: o caso dos ciganos. In: CONGRESSO DAASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE SOCIOLOGIA, 5., 2004, Braga. Actas... Braga:Universidade do Minho, 2004. No prelo.
______. Etnicidade, género e escolaridade: estudo em torno das socializaçõesfamiliares de género numa comunidade cigana da periferia da cidade do Porto.Dissertação (Mestrado)-Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação,Universidade do Porto, Porto, 1999.
______. Etnicidade, género e escolaridade. Lisboa: IIE, 2002.
______. Gypsy culture, children, schooling and life opportunities. In: CARRASCO, S.(Ed.). Between diversity and inequality: children’s experiences of life and school inmulticultural Europe. Barcelona: CIIMU, 2004b. (Nueva Colección Urban Chilhoodresearch monographs; n. 1). Disponível em:<http://www.ciimu.org.>.Acesso em: 13 jun. 2005. No prelo.
______. Sociedades e escolas multiculturais: esboço de um quadro teórico para análisedas práticas. Revista de Administração Educacional, Recife, BR, v. 1, n. 7, p. 69-90,2001b.
206 Maria José Casa-Nova
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
CORTESÃO, L.; PACHECO, N. Interculturalismo e realidade portuguesa. Inovação:revista do Instituto de Inovação Educacional, [Lisboa], v. 4, n. 2/3, p. 33-44, 1991.
CORTESÃO, L.; STOER, S. R. Cartografando a transnacionalização do campo educativo:o caso português. In: SANTOS, B. S. (Org.). Globalização: fatalidade ou utopia? Porto.Edições Afrontamento, 2001.
______. A interculturalidade e a educação escolar: dispositivos pedagógicos e aconstrução da ponte entre culturas. Inovação: revista do Instituto de InovaçãoEducacional, [Lisboa], v. 9, n. 1/2, p. 35-51, 1996.
______. Investigação-acção e a produção de conhecimento no âmbito de umaformação de professores para a educação inter/multicultural. Educação, Sociedade &Culturas, Porto, n. 7, p. 7-28, 1997.
______. Projectos, percursos, sinergias no campo da educação inter/multicultura:relatório final. Porto: Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, 1995.
CORTESÃO, L. et al. E agora tu dizias que ...: jogos e brincadeiras como dispositivospedagógicos. Porto: Edições Afrontamento, 1995.
______. Mergulhando no arco-íris sociocultural: contributo para o conhecimento dostrabalhos sobre educação e diversidade em Portugal. Investigar em Educação, Lisboa, v.1, n. 1, p. 19-99, 2002.
DIETZ, G. Multiculturalismo, interculturalidad y educación: una aproximaciónantropológica. Granada: Editorial Universidad de Granada, 2003.
ENGUITA, M. Etnicidade e escola: o caso dos ciganos. Educação, Sociedade &Culturas, Porto, n. 6, p. 5-22, 1996.
ESTÊVÃO, C. A. Justiça complexa e educação: uma reflexão sobre a dialectologia dajustiça. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 64, p.107-134, 2002.
______. Justiça e educação. São Paulo: Cortez, 2001.
FERREIRA, A. M. M. Desigualdades de género no actual sistema educativo português.Coimbra: Quarteto Editora, 2002.
FONSECA, L. Culturas juvenis, percursos femininos: experiências e subjectividades naeducação de raparigas. Lisboa: Celta Editora, 2001.
FONTAINE, A. M. A discriminação sexual dos papéis sociais nos manuais portugueses
(I)Migrantes, diversidades e desigualdades no sistema educativo português: balanço e perspectivas. 207
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
de aprendizagem de leitura. Coimbra: Faculdade de Letras, 1977.
FORMOSINHO, J. A influência dos factores sociais. Braga: Universidade do Minho,1987. (Cadernos de Análise Social da Educação).
GARCIA, J. L. Portugal migrante. Oeiras: Celta Editora, 2000.
GOMES, C. A interacção selectiva na escola de massas. Sociologia, Problemas ePráticas, Lisboa, n. 3, p. 35-49, 1987.
GRÁCIO, S.; MIRANDA, S. Insucesso escolar e origem social: resultados de uminquérito: piloto. Análise Social, Oeiras, n. 51, p. 721-726, 1977.
HABERMAS, J. Lutas pelo reconhecimento no Estado democrático constitucional. In:TAYLOR, C. et al. (Org.). Multiculturalismo: examinando a política de reconhecimento.Lisboa: Instituto Piaget, 1998.
HENRIQUES, F. Igualdades e diferenças. Porto: Porto Editora, 1994.
ITURRA, R. A construção social do insucesso escolar. Lisboa: Escher, 1990a.
______. Fugirás à escola para trabalhar a terra. Lisboa: Escher, 1990b.
LEITE, C. O currículo e o multiculturalismo no sistema educativo português. Lisboa:Fundação Calouste Gulbenkian, 2002a.
______. O multiculturalismo na educação escolar: que estratégias numa mudançacurricular? Inovação: revista do Instituto de Inovação Educacional, [Lisboa], v. 9, n. 1/2,p. 63-81, 1996.
______. Para uma escola curricularmente inteligente. Porto: Edições ASA, 2002b.
LIMA, L. Igualdade de oportunidades de sucesso. Braga: Universidade do Minho, 1987.p. 65-69. (Cadernos de Análise Social da Educação).
______. A escola como organização e a participação na organização escolar. Braga:Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho, 1992.
______. Formação e aprendizagem ao longo da vida: entre a mão direita e a mãoesquerda de Miro. In: ALMEIDA, J. F. (Org.). Cruzamento de saberes: aprendizagenssustentáveis. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, p. 129-148, 2003.
208 Maria José Casa-Nova
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
McCARTHY, C. Racismo y curriculum, Madrid: Ed. Morata, 1994.
MACHADO, F. L. Contrastes e continuidades. Oeiras: Celta Editora, 2002.
MATOS, I. A. O ensino de português língua segunda e português língua estrangeira:situação actual. In: COLÓQUIO ANUAL INTERNACIONAL LUSOFONIA SLP NORTE,2., 2003, Bragança. Lusofonia: diversidades culturais: actas ... Bragança, PT: SLP Norte,2003. Disponível em: <http://slp2003.com.sapo.pt>. Acesso em: 14 jun. 2005.
PACHECO, N. Da luta anti-racista à educação intercultural. Inovação: revista doInstituto de Inovação Educacional, [Lisboa], v. 9, n. 1/2, p. 53-62, 1996.
SEABRA, T. Educação nas famílias: etnicidade e classes sociais. Lisboa: IIE, 1999.
SEABRA, T.; MATEUS, S. Os descendentes de imigrantes na escola pública portuguesa:contingente, localização e resultados. Revista Galego-Portuguesa de Psicoloxía eEducación, Coruña, ES, ano 7, v. 10, n. 8, p. 820-833, 2003.
SILVA, M. B. N. et al. Emigração/imigração em Portugal. In: COLÓQUIOINTERNACIONAL SOBRE EMIGRAÇÃO E IMIGRAÇÃO PORTUGUESA: séculos XIX eXX, 1993, Algés. Actas ... Lisboa: Editorial Fragmentos, 1993.
SILVA, P. Escola-família, uma relação armadilhada? Ensaios de Educação Participada,Santarém, n. 11, p. 23-30, 1993.
______. Escola-família, uma relação armadilhada: interculturalidade e relações depoder. Porto: Edições Afrontamento, 2003.
______. Pais-professores: uma relação em que uns são mais iguais do que outros?Educação, Sociedade & Culturas, Porto, n. 6, p. 179-190, 1996.
SILVA, T. T. Distribuição do conhecimento escolar e reprodução social. Educação eRealidade, Porto Alegre, v. 13, n. 1, p. 3-16, 1988.
SOUTA, L. Multiculturalidade & educação. Porto: Profedições, 1997.
STOER, R. S. Combatendo a educação multicultural benigna. In: COLÓQUIO UMOLHAR SOBRE O OUTRO, 1997, Lisboa. Actas ... Lisboa: Departamento de EnsinoBásico, 1999.
______. Construindo a escola democrática através do campo da recontextualizaçãopedagógica. Educação, Sociedade & Culturas, Porto, n. 1, p. 7-27, 1994.
(I)Migrantes, diversidades e desigualdades no sistema educativo português: balanço e perspectivas. 209
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
STOER, R. S. Desocultando o voo das andorinhas: educação inter-multicultural críticacomo movimento social. In: STOER, S.; CORTESÃO, L.; CORREIA, J. A. (Org.).Transnacionalização da educação: da crise da educação à educação da crise. Porto:Edições Afrontamento, 2001. p. 245-275.
______. A reforma educativa e a formação de professores em Portugal: perspectivasinter/multiculturais. In: NÓVOA, A.; POPKEWITZ, T. (Org.). Reformas educativas eformação de professores. Lisboa: Educa, 1992.
STOER, S. R.; CORTESÃO, L. Levantando a pedra: da pedagogia inter-multicultural àspolíticas educativas numa época de transnacionalização. Porto: Edições Afrontamento,1999.
VIEIRA, R. Histórias de vida e identidades: professores e interculturalidade. Porto:Edições Afrontamento, 1999a.
______. Mentalidades, escola e pedagogia intercultural. In: Educação, Sociedade &Culturas, Porto, n. 4, p. 127-145, 1995.
______. Ser igual, ser diferente: encruzilhadas da identidade. Porto: Profedições;1999b.
Recebido: 13/05/2005Aceito para publicação em: 13/06/2005
210 Maria José Casa-Nova
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
ANEXOS
Quadro 1Evolução da imigração em Portugal (dados do SEF - Serviço de Estrangeiros e Fronteiras)
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
1990
1989
1988
1987
1986
1985
1984
1983
1982
1981
434.548
413.304
350.503
207.607
191.143
178.137
175.263
172.912
168.316
157.073
136.932
123.612
113.978
107.767
101.011
94.694
89.778
86.982
79.594
73.365
67.484
58.674
54.414
Residentes Crescimento %
54.414 ---------
58.674 7,82
67.484 15,01
73.365 8,71
79.594 8,49
86.982 9,28
89.778 3,21
94.694 5,47
101.011 6,67
107.767 6,68
113.978 5,76
123.612 8,45
136.932 10,77
157.073 14,7
168.316 7,15
172.912 2,73
175.263 1,35
178.137 1,63
191.143 7,3
207.607 8,61
350.503* 68,83
413.304* 17,92
434.548* 5,14
* Residentes + AP’s
(I)Migrantes, diversidades e desigualdades no sistema educativo português: balanço e perspectivas. 211
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
Quadro 2Imigrantes Residentes e com Autorização de Permanência em Portugal segundo os paísesde origem mais representados (Dados provisórios de 2004)
(Quadro elaborado a partir de dados do SEF – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras)
Brasil 77.000
Ucrânia 67.745
Cabo Verde 63.887
Angola 35.122
Guiné 23.068
Reino Unido 16.784
Espanha 15.329
Alemanha 12.519
Moldávia 12.399
Roménia 11.146
França 8.851
E.U.A. 8.026
S. Tomé e Príncipe 7.535
Rússia 7.218
Países Baixos 5.075
Moçambique 4.025
China 4.835
Itália 4.176
212 Maria José Casa-Nova
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
Portu
gal
Con
tinen
tal
– 1º
Cic
lo d
o En
sino
Bás
ico
(qua
tro a
nos)
– N
ívei
s de
apr
ovei
tam
ento
no
final
do
cicl
o (4
º an
o)
(1) P
erce
ntag
em d
e al
unos
/as
que
obtiv
eram
apr
ovei
tam
ento
no
final
do
4º a
no
Quadro 3
Ano l
ecti
vo1
99
3/9
41
99
4/9
51
99
5/9
61
99
6/9
71
99
7/9
8
Ori
gem
na
cio
na
l
/étn
ica d
os
1º
ao 4
º4º
ano
%1º
ao 4
º4º
ano
%1º
ao 4
º4º
ano
%1º
ao 4
º4º
ano
%1º
ao 4
º4º
ano
%
est
ud
an
tes
an
o(1
)a
no
(1)
an
o(1
)a
no
(1)
an
o(1
)
Luso
-por
tugu
ês47
0..3
5113
4.40
088
444.
232
131.
559
8642
2.56
411
7.07
486
414.
956
111.
409
8641
1.51
410
8.52
288
Cabo
-Ver
de6.
680
2004
786.
613
2116
796.
349
1953
7560
0117
2174
6170
1754
79
Ango
la4.
383
1164
864.
972
1400
855.
080
1400
8553
7714
8184
5649
1503
88
Ciga
nos
4.29
461
459
4.67
186
051
4.75
385
953
5026
831
4854
2076
455
Gui
né1.
128
301
831.
211
337
871.
235
325
7913
4033
883
1057
348
85
Moç
ambi
que
1.04
110
4192
1.04
934
491
1.09
233
491
1037
302
8910
9927
491
S. T
omé
e Pr
ínci
pe72
822
086
782
235
8376
820
683
804
214
8489
722
281
Índi
a-Pa
quis
tão
378
105
9255
815
088
560
129
9256
916
493
541
130
95
Mac
au46
810
062
1888
6017
100
9223
9690
2691
Tim
or12
735
8411
029
7710
042
9011
932
7713
638
94
Bras
il1.
127
354
951.
059
328
9299
030
694
920
277
9184
125
491
Uniã
o Eu
rope
ia2.
003
550
902.
196
666
8824
2867
189
2132
523
8722
5059
487
Ex.E
mig
rant
es11
.016
3278
9111
.843
3813
909.
991
3035
9175
9823
2290
7029
2107
91
Outra
s or
igen
s4.
876
1401
893.
088
917
872.
606
773
8727
2072
488
2915
782
90
(I)Migrantes, diversidades e desigualdades no sistema educativo português: balanço e perspectivas. 213
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
Portu
gal
Con
tinen
tal
– 2º
Cic
lo d
o En
sino
Bás
ico
(doi
s an
os)–
Nív
eis
de a
prov
eita
men
to n
o fin
al d
o ci
clo
(6º
ano)
(1) P
erce
ntag
em d
e al
unos
/as
que
obtiv
eram
apr
ovei
tam
ento
no
final
do
6º a
no
Ano l
ecti
vo1
99
3/9
41
99
4/9
51
99
5/9
61
99
6/9
71
99
7/9
8
Ori
gem
na
cio
na
l
/étn
ica d
os
5º
ao 6
º6º
ano
%5º
ao 6
º6º
ano
%5º
ao 6
º6º
ano
%5º
ao 6
º6º
ano
%5º
ao 6
º6º
ano
%
est
ud
an
tes
an
o(1
)a
no
(1)
an
o(1
)a
no
(1)
an
o(1
)
Luso
-por
tugu
ês24
0.45
912
4.93
297
226.
526
113.
222
9121
8.39
610
7.20
690
208.
733
104.
856
9320
0.14
010
1.25
589
Cabo
-Ver
de2.
102
1.08
495
2.49
91.
106
792.
991
1.31
878
2.93
91.
385
772.
663
1.22
472
Ango
la1.
733
906
942.
346
1.13
986
2.38
51.
191
882.
518
1.22
284
2.56
51.
223
85
Ciga
nos
167
5593
210
7275
256
6166
323
8371
374
8575
Gui
né25
912
794
454
198
8247
820
884
513
225
8361
226
484
Moç
ambi
que
585
339
9880
739
792
776
407
8667
032
387
763
399
86
S. T
omé
e Pr
ínci
pe23
711
893
329
138
8642
018
888
460
205
8441
619
183
Índi
a-Pa
quis
tão
8737
100
162
8694
191
8589
195
9586
258
100
89
Mac
au16
810
026
1710
034
1894
4318
100
5023
100
Tim
or46
2710
058
3094
5233
8754
2581
5229
89
Bras
il46
923
697
647
323
9365
132
591
636
308
9359
529
289
Uniã
o Eu
rope
ia1.
367
768
981.
434
704
921.
508
765
881.
669
854
901.
911
887
86
Ex.E
mig
rant
es6.
011
3.03
498
6.68
23.
326
925.
773
2.77
192
4.10
42.
113
914.
199
2.14
092
Outra
s or
igen
s2.
490
1.26
797
1.73
083
888
2.10
299
487
1.49
870
788
1.84
992
990
Quadro 4
214 Maria José Casa-Nova
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
Portu
gal
Con
tinen
tal
– 3º
Cic
lo d
o En
sino
Bás
ico
(três
ano
s)–
Nív
eis
de a
prov
eita
men
to n
o fin
al d
o ci
clo
(9º
ano)
(1) P
erce
ntag
em d
e al
unos
/as
que
obtiv
eram
apr
ovei
tam
ento
no
final
do
9º a
no
Quadro 5
Ano l
ecti
vo1
99
3/9
41
99
4/9
51
99
5/9
61
99
6/9
71
99
7/9
8
Ori
gem
na
cio
na
l
/étn
ica d
os
7º
ao 9
º9º
ano
%7º
ao 9
º9º
ano
%7º
ao 9
º9º
ano
%7º
ao 9
º9º
ano
%7º
ao 9
º9º
ano
%
est
ud
an
tes
an
o(1
)a
no
(1)
an
o(1
)a
no
(1)
an
o(1
)
Luso
-por
tugu
ês36
3.25
111
1.24
195
367.
657
120.
612
9132
2.93
597
.813
9032
3.30
597
.039
8632
0.76
910
0.32
987
Cabo
-Ver
de1.
582
351
862.
138
562
822.
228
551
782.
544
602
7826
3770
879
Ango
la2.
516
763
863.
199
993
873.
128
970
873.
264
969
833.
327
1.03
679
Ciga
nos
274
6766
1292
6810
7579
1089
102
1164
Gui
né30
585
8842
211
489
487
125
7955
513
176
643
189
79
Moç
ambi
que
1.03
136
285
1.46
255
187
1.31
743
886
1.25
943
483
1.16
939
382
S. T
omé
e Pr
ínci
pe20
852
8934
995
9140
811
886
524
159
8452
115
180
Índi
a-Pa
quis
tão
145
3884
192
6087
229
5792
258
8086
244
6984
Mac
au21
910
039
1294
308
8054
1293
6418
100
Tim
or22
367
9230
7890
3391
8827
6575
2683
Bras
il67
818
791
1.00
731
989
975
335
901.
039
328
851.
056
344
90
Uniã
o Eu
rope
ia2.
352
751
912.
434
805
902.
951
983
862.
656
794
852.
931
956
86
Ex.E
mig
rant
es9.
036
2.56
394
10.5
723.
403
919.
526
2.90
387
8.03
72.
429
867.
816
2.49
589
Outra
s or
igen
s2.
807
810
902.
177
744
892.
827
827
902.
438
808
852.
647
822
86
(I)Migrantes, diversidades e desigualdades no sistema educativo português: balanço e perspectivas. 215
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.47, p. 181-216, abr./jun. 2005
Portu
gal
Con
tinen
tal
– En
sino
Sec
undá
rio (
três
anos
) –
Nív
eis
de a
prov
eita
men
to n
o fin
al d
o ci
clo
(12º
ano
)
(1) P
erce
ntag
em d
e al
unos
/as
que
obtiv
eram
apr
ovei
tam
ento
no
final
do
12º
ano
Quadro 6
Ano l
ecti
vo1
99
3/9
41
99
4/9
51
99
5/9
61
99
6/9
71
99
7/9
8
Ori
gem
na
cio
na
l10º
ao
12
º ano
%10º
ao
12
º ano
%10º
ao
12
º ano
%10º
ao
12
º ano
%10º
ao
12
º ano
%
/étn
ica d
os
12
º ano
(1)
12
º ano
(1)
12
º ano
(1)
12
º ano
(1)
12
º ano
(1)
est
ud
an
tes
Luso
-por
tugu
ês-
--
271.
853
93.8
4686
272.
015
92.2
3872
281.
235
93.8
6869
264.
413
87.9
9566
Cabo
-Ver
de-
--
395
134
8390
824
576
788
206
6092
110
862
Ango
la-
--
1.97
893
467
3.06
21.
373
632.
981
1.32
452
2.58
265
255
Ciga
nos
--
-4
00
112
5025
710
016
410
0
Gui
né-
--
202
9267
365
174
6539
717
758
388
8352
Moç
ambi
que
--
-1.
106
572
681.
620
731
671.
512
643
571.
339
376
65
S. T
omé
e Pr
ínci
pe-
--
9039
6423
310
265
267
124
5429
960
69
Índi
a-Pa
quis
tão
--
-71
2396
133
3866
148
4280
122
3965
Mac
au-
--
2610
7045
1969
5026
8541
1067
Tim
or-
--
5823
8681
3246
6222
5866
510
0
Bras
il-
--
612
223
7293
130
377
988
356
651.
043
320
61
Uniã
o Eu
rope
ia-
--
1.79
657
972
2.95
096
475
2.90
71.
041
632.
892
911
66
Ex.E
mig
rant
es-
--
5.63
41.
869
787.
619
2.37
471
6.08
11.
842
645.
850
1.83
161
Outra
s or
igen
s-
--
1.08
831
577
1.42
845
772
1.82
856
564
2.13
967
357