Download - Grupo Dziga Vertov

Transcript
Page 1: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 1/120

 

Page 2: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 2/120

Patrocínio e Realização

 Apoio Cultural

Page 3: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 3/120

Page 4: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 4/120

O Centro Cultural Banco do Brasil e x ib e o b ra s q u e , p o r s u a h e te ro g e n e id a d e ,

não só ab rem espaços p a ra a aná l ise da evo lução d a lingu agem c ine m atográ fica ,

como induzem à re f lexão h is tó r ica .

Os f i lmes que in tegram a Mos tra Grupo Dziga Ver tov resga tam uma produção

ra d ic a l d o s a n o s 19 6 0 e 19 7 0 d a q u a l p a r t ic ip a ra m Je a n -Lu c Go d a rd eJean-Pierre Gorin. No rescaldo das agitações polí t icas de maio de 1968, os

c in e a s ta s se u n iram a in te le c tu a is fr a n c e s e s e m to rn o d a s id é ia s d e Ma o

Tse-Tung para fo rmar o g rupo cu jo nome homenage ia o c ineas ta sov ié t ico

q u e re v o lu c io n o u a l in g u a g e m d o c in e m a n o s a n o s 19 2 0 . O Gru p o Dz ig a Ve r to v

ro m p e u d e fin it iv a m e n te c o m o c in e m a c o m e rcia l e , se g u n d o o p ró p rio Go d a rd ,

procurou es tabelecer uma nova unidade que produziria não fi lmes polít icos ,

mas "filmes políticos politicamente".

Des tas exper iênc ias co le t ivas pa r t ic ipa ram pensadores , a to res e ou tros c ineas tas ,en t re os qua is Danie l Cohn-Bendi t , Gian Maria Volon té , Yves Montand ,

J a n e F o n d a e a t é me s mo Gla u b e r Ro c h a . O p r in c ip a l p a rc e i ro d e Go d a rd ,

o a tivis ta polí t ico e c ineasta Jean-Pierre Gorin, na época editor do jornal

Le Monde , vem pe la p r imeira vez ao Bras i l apresen ta r os f i lmes rea l izados

pe lo Grupo . São obras ra ras , de d i f íc i l ex ib ição e a inda pouco conhec idas

do pú bl ico b ras ile i ro .

Vis tas em retrospecto, essas experiências são a inda hoje consideradas revolucionárias

em todos os sentidos . Acrescentaram inovações à l inguagem cinematográ-fica que, anos depois , viria a sofrer profundas mudanças a partir dos meios

e le t rôn icos . Ao ap resen ta r a ob ra com ple ta do Gru po Dziga Ver tov , o Banco d o

Bra s il p ro m o v e e e n r iq u e c e o d e b a te s o b re a m e m ó r ia e a h i s tó r ia d o c in e m a .

Centro Cultural Banco do Brasil 

Page 5: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 5/120

Abrindo latas de sopa Campbell’s 6Jan e d e Alm eida

O Grupo Dziga Vertov 14Colin MacCabe

 Jean-Pierre Gorin 36Erik Ulm an

O amigo de Glauber [e Godard] 50Jan e d e Alm eida

Vento do Leste o u G o d a r d e Ro c h a n a e n c ru z ilh a d a 58Jam es R oy M acBea n

Vento, barravento [G la u b e r e G o d a r d n a p o r ta d a u s in a Lu m iè r e ] 79Jo sé Carlos Avellar

Carta a Jean-Pierre e a Jean-Luc 89Ken t Jon es

Sinopses | Fichas técnicas 9 5

Bibliografia selecionada 116

Page 6: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 6/120

Page 7: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 7/120

Os filmes do Grupo Dziga Vertov e s t ã o s e n d oe xib idos pe la p r im eira vez n o Brasil. Devido a se uq u a se in e d i t i smo , su a c o mp le x id a d e e se u d e s lo -c a me n to t e mp o ra l , v á r i a s p e rg u n ta s f a z e m p a r t e

d e s s a p r o d u ç ã o d e s d e q u e a M o s t ra fo i co n c e b id a ,h á m a is d e d o i s a n o s .

Algumas de las : como mostra r um con jun to de f i lmes deex trema complex idade e que , de fo rma s impl is ta ,foram vistos como meros planfetos polí t icos pelacrítica cinematográfica, ou como extravagantes exer-cícios cinematográficos para o engajamento político?Com o introd uzir ao p úb lico brasile iro u m a e xpe riên -

c ia ún ica no c inema quan to ao desco lamento en t rea im agem e o som e o s e fe itos do p rocesso d ia lé t i-co p roduz ido pe la p roposta ( tendo e la s ido bems u c e d i d a o u n ã o ) , n u m m o m e n t o e m q u e s e d i s -cutem nacionalmente as polí t icas de financiamentod o c in e ma c o mo p a t r imô n io d o p o v o e o re to rn of inance i ro como resposta ao que se deve p roduz irco m o im a g e m ? Co m o fa la r d e u m a p ro p o s ta d e p ro -

dução coletiva contrária à assinatura autoral e quegera , como conseqüênc ia , uma sé r ie de mal-en ten-didos sobre a própria autoria dos fi lmes? Sem men-c ionar que um dos par t ic ipan tes é um dos maioresd ire to res da h is tó r ia d o c inem a e fo i e le m esm o u md o s re sp o n sá v e i s p e lo fe n ô me n o d o c in e ma d eautor. Por fim , com o aprese ntar film es fe itos há m aisde 30 anos sob uma in tensa po lêmica po l í t ica daqual os brasileiros foram forçados a se retirar?

São perguntas que pau tam essa pub l icação e às qua is e lacer tamente não conseguirá responder . Os a r t igosforam se lec ion ado s a p a r t ir de t rês ve r ten tes : o Gru-po Dziga Vertov e sua história , a re lação de Glaube rRocha com o Grupo e a p resença de Jean-Pie rreGo rin n a Mo stra . Espe ra-se q ue ela sirva de referên -cia inic ia l e de inspiração para novas questões quecertamente surgirão, a part ir de esclarecimentos e

mal-en tend idos abordados pe los au tores .

     6

    J   a   n   e

     d   e

    A     l   m

   e     i     d   a

     | 

   c   u   r   a

     d   o   r   a

A  b  r i   n  d   o 

l    a  t    a  s   d   e  s   o   p  a  C  a m

  p 

 b   e l   l   ’    s  

Page 8: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 8/120

Quando surge o Grupo Dziga Vertov , su rgem também outros g rupos, como o GrupoARC (Atelier d e re cherche ciné m atograph iqu e) e o grupo SLO N, de Chris Marker,a jud ado s pe las no vas tecno log ias de cap tação e m on tagem do s ciné-tracts —já qu eos pequenos f i lmes pod iam se r ed i tados na p rópr ia câmera , p romovendo a idé ia

da ausênc ia de au tor ia (ou de au tor ia ún ica ) em nome de um t raba lho co le t ivo .Assim, Um filme como os outros é o precursor da série , sem ainda ser creditadocom o p er tencen te ao g rup o Dziga Vertov1 . Só mais tarde, provavelmente depoisd e British Sounds , é que o grupo acaba se intitulando “Dziga Vertov”, por influên-cia de Jean-Pierre Gorin. Com Vento do Leste , o g rupo se es tabe lece , e Godardanu ncia q ue para o c ine asta soviético Vertov a d efinição de Kinoki não é “cineas-ta”, mas sim “operário do filme”, diferenciando moviemaker d e film worker 2 .

Ao lado d e Jean-Luc God ard e d e Jean-Pierre Gorin, a lgun s ou tros m em bros t iveram pa r-

t ic ipações mais freqüentes, como as de Jean-Henri Roger, responsável por British Sounds e Pravda , que escreveu roteiros e dirigiu com Godard; o fotógrafo PaulBurron ; Gé rard M artin , a lgum as vezes c itado com o co -diretor de Vento do Leste ; eAnne Wiazemsky, na época casada com Godard e a triz de vários dos fi lmes pro-duzidos pelo Dziga Vertov. Outros part ic ipantes estiveram ao redor desse movi-m en to e não se sabe qu a l fo i exa tam ente sua con tribu ição , o q ue , de ce r ta fo rm a ,refle te a proposta coletiva de fazer c inema. Ironicamente , a despeito do desejoco labora t ivo , os f i lmes são gera lmente comentados e ana l isados apenas como

parte da f i lmograf ia de Godard . Outra conseqüênc ia é que a té há pouco tempoe les p a recem te r ficado à de r iva n as d ist ribu ido ras , qu e n ão sab iam a q ue m ped iros d i re i tos de ex ib ição . Est ivemos por a lgum tempo sem nenhuma p is ta sobrecomo consegui-los, a té que, depois de um festival de fi lmes polí t icos em Nantes,e m 2 0 0 3 , a G a u m o n t n o s re s p o n d e u 3 . Um p ro b le m a p a re cid o su rg e n o m o m e n -to de c itar os créditos, pois às vezes toda a ficha técnica fica resumida ao GrupoDziga Vertov , com um ou ou tro nome agregado . Em casos ex t remos, como notexto de Jam es MacBean sobre Vento do Leste aqu i pu blicado , os film es são cred -itados apenas a Jean-Luc Godard.

Em vez de c red i ta r os f i lmes apenas ao “Grupo Dziga Vertov” , op tamos por pub l ica ru m g u ia d e c ré d i to s a p re se n ta n d o re fe rê n c ia s d e fo n te s d i fe re n te s . S e p o r u m

    7

[ 1 ] O próp r io G od ard ad m ite em en t rev is ta para Kent E . Car ro l, pub licada em “Film and revolu t ion : In te rv iew wi ththe Dziga Ver tov Group” , em Focus on Godard , Ne w Jersey, Pren tice-Hall, Inc, 1972 . p.53 , qu e Um filme como os 

outros é o pr imei ro da sé r ie de f i lmes revoluc ionár ios que hav ia fe i to .[ 2 ] Na mesma en t rev is ta a Car ro l concedida em ing lês em 1970 , p . 50 .[ 3 ] O s Cahiers du Cinéma comentam esse prob lema quando escrevem sobre o Fes t iva l de Nantes . Pa t r ice BLOUIN,

Mémoire. Où est le cinéma poli t ique?, Paris , abri l de 2003. pp. 10-12.

Page 9: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 9/120

lado isso parece contraditório com os propósitos do Grupo, por outro traz umpo uco da h is to r ic idad e d o p rocesso e de su a recepção , a lém de , de a lgum a form a ,elencar subjetivida de s e ab orda r que stões so bre o fazer coletivo. Ao se pe nsa r nocaminho traçado pelos fi lmes do Grupo, ta l in ic ia tiva parece a té coerente . Cada

film e ten ta respo nd er que stõe s pen den tes dos an te r io res e , quase no fim , em Tudo vai bem (q u e n ã o é m a is u m film e d o g ru p o , m a s d e Go d a rd e d e Go r in e a s simassinad o) , a conclusão sob re o coletivo, proven ien te de um a de cepção inicia l comas organizações de trabalhadores, é de que a grande história é construída pelahistória individual. De certa forma, esse é também o procedimento de Carta para Jane.Ho je , é m a is c o m u m p e n sa r q u e o Gru p o a co n te ce u p o r e s fo rço e d e se jo d eGodard e de Gorin . Ao pergunta rem a e le e a Godard quan tas pessoas faz iamparte do Grupo Dziga Vertov, Gorin respondeu, numa entrevista em 1970: “Neste

m o m e n to , d u a s , ma s n e m n ó s t e m o s c e rt e za . Exis te u m a a la d a e sq u e rd a e u m aala da dire ita . Às vezes, e le é a esq ue rda e e u so u a d ire ita , é u m a qu estão d e p rati-cidade”.4 Co m p le m e n ta n d o , Go d a rd n e ssa é p o c a d e c la ro u e m vá rio s m o m e n to squ e t raba lhar em grup o e ra um a form a d e d est ru ir a d i ta tu ra do d ire to r.

D e p o is d e m a is d e 3 5 a n o s d e s d e o s e u i n íc io , te n d o s id o im e d ia t am e n t e r e c e b id o sc o m c e r to fu ro r p e lo s p r im e iro s e sp e c ta d o re s e lo g o se n d o re le g a d o s a o lim b o ,qualificados como “extremistas” , “radicais” , “ inassist íveis” , demasiadamentep o l it iz a d o s p a r a o s a m a n t e s d o c in e m a e ta m b é m d e m a s ia d a m e n t e e s te t iz a n te s

pa ra o c ine m a po lít ico fe i to n a ép oca , e sses f ilm es re to rn am em con jun to — se jae m a p re se n ta çõ e s , se ja c o m o p a r t e d a c in e m a to g ra fia d e Je a n -Lu c Go d a rd , se jae m h o me n a g e n s q u e a p re se n ta m a f i lmo g ra f i a d e Je a n -P ie r re Go r in o u se j aa in d a d e n t ro d e u m a t e m á t ic a p o l ít ic a so b re o s a n o s 19 6 0 e 1 9 7 0 . S ã o p o u c a sa s v e ze s e m q u e a c o n te c e u m a m o s t ra d e film e s “ Gru p o Dz ig a Ve r to v ”, a p e n a s ,e , po r isso , o utra q ue stão s e faz nece ssária : o q ue sign ifica ho je a ssisti- los ? An tesd e t e n ta r e n q u a d rá - lo s e m u m a p e rsp e c tiva m a is te m p o ra l, q u e o b r ig a o re c e p -to r a t e n ta r e n te n d e r o o b je to d e f ru iç ã o p o r me io d o q u e e l e c a r re g a d o se ute m p o , e s t e s film e s sã o e x p e r iê n c ia s s in g u la re s so b re a s c o n se q ü ê n c ia s id e o ló g -

ic a s d a q u ilo q u e se e sc o lh e c o m o fo rm a . Le v a m Bre c h t p a ra a lé m d o d is t a n c i-a me n to e d o e s t ra n h a me n to , d a n d o c o n t in u id a d e à p ro p r i a l i ç ã o b re c h t i a n a d e

     8

[ 4 ] “For the moment two, bu t we a re no t even sure . There i s a l e f t wing and a r igh t wing . Somet imes he i s the le f tan d I am the r igh t , it is a q ue stion of practice.” Em Micha el GO O DW IN, Tom LUD DY e Na om i WISE. The Dziga Verto vfi lm group in America, Take One. The film magazine , vol . II , n.10. Canadá, março/abri l de 1970. pp. 8-27. Ou em TheDziga Vertov fi lm group, em “America: an interview with Jean-Luc Godard and Jean-Pierre Gorin”, Cinefiles .Versão na In te rne t : h t tp : / /www.m ip .berke ley.edu /cg i-b in /c ine_ do c_d eta i l.p l/c ine _ im g?11165?11165?1

Page 10: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 10/120

q u e o p ro b le m a d a fo rm a é e m s i o p ro b le m a d a p o lít ic a . E n is so t ra z e m o f re s -c o r d a lib e rd a d e c o m q u e fo ra m fe ito s , n o c o n t ra s te o u sa d o d a s c o re s d e q u e mfaz ia f i lmes para se rem v is tos e não para se rem l idos , como ins is te Gorin aoa rg u me n ta r c o n t ra r i a me n te so b re o p ro c la ma d o f im d a e sc r i t a 5 . Em to d o s o s

n o v e film e s , e m m a io r o u m e n o r in t e n s id a d e , o s o m e a im a g e m s ã o e le m e n -to s a u tô n o mo s q u e à s v e z e s d a n ç a m e à s v e z e s b r ig a m. Ne sse se n t id o , aacusação de verborrag ia panf le tá r ia é uma acusação pouco re f le t ida , de ump o n to d e vis ta a p re ssa d o , so b re a q u ilo q u e se a p re se n ta . Há u m a p r im e ira ca m a -d a c o m a p re se n ç a ma c iç a d e fa l a s , ma s a t é p e la c o mp le x id a d e d o q u e e l a sp ro p õ e m o e sp e c ta d o r f i c a n a p o s iç ã o d e a d mi t i r q u e h á o u t ra s c a ma d a s ase re m p e rce b id a s p o r c o n e xõ e s in e sp e ra d a s q u e lh e fo ra m d e sp e r t a d a s .

É mui to ra ro ver a lgum f i lme de ca rá te r po l í t ico que tenha levado tão longe sua p ro-

po sta , ta l com o f ize ram os f ilm es d o Grup o Dziga Vertov. É c la ro q ue de po is dafase polí t ica mais estudanti l , de prolongadas e arriscadas tentativas polí t icas ter-ro r is tas , do c resc imento das ideo log ias consumistas , do cu l t ivo de uma posiçãoin d e p e n d e n te c o m o id e a l su b je tivo , é d ifíc il p a ra o h o m e m c o m u m c o n te m p o râ -n e o se v e r n o g ru p o d o “ b u rg u ê s” o u d o “ t ra b a lh a d o r” , j á q u e e l e d e sd e se m-pre es teve em ambos. Mas desde en tão , os f i lmes mais po l í t icos , con trá r ios aop o d e r , t ê m s id o t ã o c o n te u d i s t a s , t ã o d e sp re o c u p a d o s n o p e n sa r a fo rma ( seq u ise rm o s , su b m e t id o s à q u ilo q u e Ho lly wo o d d e fin e c o m o fo rm a ) , co m le itu ra s

t ã o s im p lific a d a s d o p o d e r , q u e p a re c e t e rmo s p e rd id o o e lo e n t re o q u e a c o n -t e ce u n a é p o c a d o G r u p o e o q u e a co n t e ce h o je . Há n e s s e s e n t im e n t o d e p e r d ao d e s e jo d e u m a e v o lu ç ã o q u e n e m s e m p r e a c o n te c e . Co n t u d o , re v e r e r e p e n -sa r e s se s film e s p a ra a lé m d e u m se n t im e n to n o s tá lg ic o p o d e fa ze r m o v im e n ta rcade ias d e ligações não pe rceb idas , m as já consideradas es tabe lec idas , p r inc ipa l-m e n t e s o b r e o m u n d o q u e c o n s tru ím o s d e p o is d e m a io d e 19 6 8 .

O pr imeiro dos f i lmes, Um filme como os outros , m o s t ra u m a e xp lo s ã o d e im a g e n sd o s ciné-tracts d e m a io d e 19 6 8 e m p r e to - e -b r a n c o e n t r e co r ta n d o a d i sc u s sã oestud an t il sob re as lu tas de c lasse s . Ele é o p recursor d o f ilm ar co le t ivo na ob ra

d e Go d a rd e p a r t e d e d isc u ssõ e s p o lít ic a s e n t re Go d a rd e Go r in 6 . A con cep çãod e sse f i lma r q u e n ã o mo s t ra a s id e n t id a d e s , n a me d id a e m q u e p r iv i l e g ia a sfa la s e m d e t rim e n t o d o s r o s to s d o s p e r s o n a g e n s , já é e m s i u m p r o c e d im e n t od a f o rm a d e p e n s a r q u e t o m a r á co r p o n o s p r ó xim o s film e s . N o e n t a n t o , o c o n -

     9

[ 5 ] Gorin em en t rev is ta para Jump Cut : Christ ian Braad THOMSEN, Jean-Pierre Gorin interviewed. Filmmaking andHis tory , n . 3 , 1974 . pp . 17-19 . h t tp : / /ww w.e jum pcut .o rg /a rch ive / on line ssays / JC03fo lde r /Gor inIn tThom son .h tml[ 6 ] Afi rmação de Gor in em Jump Cut .

Page 11: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 11/120

t ra s t e e n t re a p a isa g e m p a s to r il c o lo r id a e c a lm a d o s d e b a te d o re s e a s im a g e n sd e b o mb a s e g re v e s d o s t r a b a lh a d o re s g e ra a p r in c íp io d u a s in t e rp re ta ç õ e s :u m a , a r e sp e i to d a s d ife re n ç a s e n t re a s p ró p r ia s c la sse s (o u se ja , u m a q u e p o sap a ra o film e ) , e o u t ra , q u e “ p o sa ” p a ra a lu t a . A se g u n d a a b re o p ro b le m a q u e

s e r á a d ia n t e q u e s t io n a d o p e lo G r u p o — c o m o e m Lutas na Itália — a respeitoda rea l idade da teor ia e da rea l idade da p rá t ica .

O p ró x imo f i lme , British Sounds , fo i fe i to n a In g la t e r ra lo g o a p ó s One Plus One ed e s d e o p r i n c í p i o d e c l a r o u - s e o d e s e j o d e f i l m a r e m c o n j u n t o . R o g e rt ra b a lh a c o m G o d a r d e o m a o ís m o d á o t o m m a is fo r t e d o e s q u e m a p o lít ic od a f i t a . A c o r d o f i l m e é v e r m e l h a e o s o m é o d a r e p e t i ç ã o . A s s e i ss e q ü ê n c i a s , m e s m o q u e d e c l a r a d a m e n t e p o l í t i c a s , n ã o d e i x a m d e s e r a p r e -s e n t a d a s c o m c e r t a ir o n i a e c e r to h u m o r n o jo g o c o m c lic h ê s r e v o lu c io n á r io s ,

c o m o a b a n d e i r a s e n d o r a s g a d a n a a b e r t u r a e a m ã o e n s a n g u e n t a d ae m b u s ca d a b a n d e i ra v e rm e lh a n o f im . A ir o n ia r e v e la e m s i o i n cô m o d o d ep a r t ic ip a r d e d u a s p o s iç õ e s , u m r e cu r s o u s a d o c o m fr e q ü ê n c ia p o r G o d a r d .A l i á s , o n ú c l e o d o f i l m e é c a r r e g a d o d e c e n a s i r ô n i c a s , c o m o a c e n a d ol o c u t o r d e t e l e v i s ã o q u e p a r t e d e u m a p o s i ç ã o l i b e r a l p a r a a n u n c i a r p r e c o n -c e i t o s e n t r e c o r t a d a p o r c e n a s d a r e a l i d a d e b r i t â n i c a q u e n ã o a c o m p a n h a ma f a l a d e s s e m e s m o l o c u t o r . P o r é m , s e p e n s a m o s n a s e r i e d a d e d o s o mr e v o l u c i o n á r i o c o m q u e o f i l m e t e r m i n a , e m s i n c r o n i a c o m a i m a g e m , s e u

c o n t r a s te c o m e s s a i ro n ia p a r e c e r e v e l a r u m a c e r t a h e s it a çã o e n t r e o G o d a r dd e Alphaville e o G o d a r d r e v o l u c io n á r io .Vento do Leste , d e p o is d e Pravda , é o p r ó xim o d a s é r ie . To d o e le é t o m a d o p e la v o z

d o g ê n io m a lig n o q u e , co m e xc e çã o d e Tudo vai bem , p e r m a n e c e rá a t é Aqui 

e acolá. N a r e a l i d a d e s ã o v o z e s ( n o c a s o d e Vento do Leste , f e min in a ) , ma su m a e m e s p e c i a l c u m p r e a f u n ç ã o d e a l t e r i d a d e d i a l é t i c a q u e , c o m o u m f i op r in c ip a l , g a ra n te a e s t ru tu ra d o s f i lme s . E g a ra n te t a mb é m a su a d e sc o n s -t ru ç ã o n o se n t id o ma i s fo rma l . Ao s p o u c o s , o d e sc o la me n to id e n t i f i c a tó r ioe n t re s o m e im a g e m t o m a o s film e s , e t a m b é m a o s p o u c o s o s s o n s g a n h a m

vida p rópr ia . Vento do Leste é u m f i l m e m a i s v i g o r o s o , c o m q u e s t õ e s e ma b e r t o . A v o z d o g ê n i o m a l i g n o r e s p o n d e a British Sounds s e m h e s it aç õ e s ea b r e t o d o u m c a m i n h o d e e x p e r i ê n c i a s — u m a d e l a s c o m a p a r t i c i p a ç ã o d eGla u b e r Ro c h a . Go r in e x p l i c a q u e , a o e l a b o ra r a c e n a c o m I sa b e l P o n s , ag a r o t a g rá v id a c o m a c â m e r a , tr a n s fo r m o u -a n a m e t á fo r a d a s d ific u ld a d e s ee s p e r a n ç a s d a é p o c a q u e e n c o n t r a n a e n c r u z i l h a d a a i m p o s s i b i l i d a d e d ac o n c i l i a ç ã o e n t re o s t ro p ic a l i s t a s d o Te rc e i ro Mu n d o e o s c o n c e i tu a l i s t a s d oP r i m e i r o q u a n t o à r e v o l u ç ã o d o m e i o . I m p o s s i b i l i d a d e m a r c a d a p e l o s t r ê s

p a s s o s h e s it a n t e s d a g r á v id a n a d ir e ç ã o in d ic a d a p o r G la u b e r e lo g o d e p o is o

     1     0

Page 12: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 12/120

s e u r e t o r n o d e s s e c a m i n h o 7 . A vo z d e G la u b e r ca n t a e in d i ca o c a m i n h o d o“c inema per igoso , d iv ino e marav i lhoso” . Daque la época .

O Bra s il e n t ra v a n a fa se m a is a t e r ro r iz a n te d a d it a d u ra p o lít ic a . No sso c in e m a é c e n -su ra d o , n o sso s p e n sa d o re s sã o p re so s , t o r tu ra d o s , v ã o p a ra o e x í l io — e o

Br a s il fic a s e m o d iá lo g o e n t re o d e n t r o e o fo r a q u e t in h a a c a b a d o d e r e t o m a rd a t r a d iç ã o mo d e rn i s t a . G la u b e r n ã o d e ix a d e f i lma r e se u f i lme Der leone 

have sept cabeças é c la ra m e n te u m a in f lu ê n c ia d o Gru p o Dz ig a Ve r to v , c o m on o ta Je a n -P ie r re Go r in e Jo sé Ca r lo s Av e l l a r , q u e , e m a r t ig o a q u i p u b l i c a d o ,t a m b é m s u g e r e u m a t r o c a m a i s a f i n a d a d e i n f l u ê n c i a s c o m s o l u ç õ e s d e s e n -c o n t r a d a s e n t r e a s c i n e m a t o g r a f i a s d e G l a u b e r e G o d a r d , d o P r i m e i r o e d oTe rc e iro Mu n d o s .

As s is tir a e s s e s film e s h o je é c o m o p o d e r ve r u m a p a r te p e r d id a d e u m a im p o r ta n t e

d is cu s s ã o q u e t a lve z p u d e s s e t e r a lim e n t a d o u m a lin h a d e c in e m a u m p o u c oa b a n d o n a d a p e l o s e s p e c t a d o r e s e p e l o s p r o d u t o r e s d e f i l m e s , c u j o p r o j e t oe s t é t ic o in c lu i a r e fle t iv id a d e d o a p a ra to e a e xp e r im e n ta çã o fo rm a l d o c in e m a .Uma l in h a q u e u n e Má r io P e ix o to a Jú l io Bre ssa n e e q u e , i ro n ic a me n te , n a d atem a ver com o chamado c inema “po l í t ico” . Ta l l inha inc lu i Glauber , masp a re c e q u e é o “ p o lít ic o ” d e G la u b e r , n a q u ilo q u e d iz r e sp e ito à in t e rp re ta ç ã om a is c o m e rc ia liz a d a d e su a e s t é t ic a d a fo m e , q u e t e m s id o c u lt iv a d o n o n o ssoc in e ma . Uma p e n a , p o i s i s so d imin u i a d iv e r s id a d e d e l e i tu ra s d a c o mp le x i -

d a d e d o m u n d o .Os f i lmes do Grupo Dziga Vertov , ho je menos importan tes po l i t icamente — no qued iz respe i to ao aspec to po l í t ico mais ev iden te , po is de ce r ta fo rma a esco lhaesté t ica é em s i um a to po l í t ico — e mais in te ressan tes exper imenta lmente , sãoa q u i lo q u e o c in e m a p o d e c o n s id e r a r co m o s it u a çã o l im ite , n a m e d id a e m q u ea inda são considerados f i lmes e se u t i l izam do apara to c inematográ f ico básico :pe l ícu la , p ro je to r , te la , cade i ra , sa la escura , b i lhe tes pa ra en t rada , tempo c ine-m a to g rá fic o t ra d icio n a l. No e n ta n to , o q u e se vê n a t e la é m u i to m a is p ró xim od a q u i l o q u e h o j e s e v ê c o m f r e q ü ê n c i a e m m u s e u s e m t e m p o r e d u z i d o : a s

c h a ma d a s in s t a l a ç õ e s , q u e fo ra m ma i s f r e q ü e n te s e m v íd e o e h o je sã o fe i t a s      1     1

[ 7 ] Correspondênc ia por e -mai l . “Foi a minha namorada da época , I sabe l Pons , que eu co loque i para encont ra r

Glaub er na e ncruz ilhad a e cu ja g rav ide z t ransformei num a m etáfora de nossas d ificu ldad es e espe ranças , m unindo -a

d e u m a c â m e r a ; G la u b e r e s t á n e s t a c e n a p o r q u e R ap h ä e l S o rin e e u fo m o s p r o c u r á -lo e m Ro m a , e o p r o ce d i m e n t o ,

o “ ro te i ro” qu e capac itou G laub er a im provisar suas fa las , a idé ia de tê -lo na encruz ilhad a im provisand o m us ica lm ente

em c im a d o “c inem a d o Terce iro Mun do ” é m inha ; e es ta imp oss ib i lidad e d e e ncont ro e n t re os t rop ica lis tas do Terce iro

Mund o e o s conce itua lis tas do Pr im ei ro em busca de u m a revolução do m eio , m arcada pe los três passos hes i tan tes de

Isabe l na d i reção ind icada po r Glaub er e o seu re torno a o cam inho pe lo q ua l e la ve io , eu q ue a r t icu le i… ”

Page 13: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 13/120

com mate r ia l d ig i ta l . São vár ios f i lmes den tro de cada f i lme , fe i tos com umad i sp o n ib i lid a d e d e m a te r ia l b a ra to , c ria n d o im a g e n s d e im a g e n s re c ic la d a s d e n -t ro d o s p ró p r io s f i lme s . Na d a ma i s “ p o p ” d o q u e a s imp re ssõ e s d a lu z d o so ln a t e l a e sc u ra , o s c a r t a z e s c o m e sq u e ma s e sc r i to s , o s q u a d ro s v e rme lh o s e a s

t i ras recor tadas de pe l ícu las em Vento do Leste . O s m o v i m e n t o s e c o n ô m i c o sma te r i a i s d o c in e ma e d a s a r t e s p l á s t i c a s sã o c o n t rá r io s . En q u a n to o c in e mac u s ta mu i to e é v e n d id o a p re ç o b a ix o , a s a r t e s p l á s t i c a s c u s ta m g e ra lme n temu i to p o u c o e sã o v e n d id a s a a l to p re ç o . Ne sse se n t id o , o s f i lme s d o Gru p oa c o m p a n h a m a a r t e co n te m p o râ n e a , a o u t iliz a r a o m á xim o o m a te r ia l c o t id i a n od a q u ilo q u e e s t a v a a li p re se n te , e m lu g a r d e p ro p o r o a ca b a m e n to cu id a d o q u eé e xig id o c a d a v e z m a is in t e n sa m e n te p e lo c in e m a . Ke n t Jo n e s , e m a r t ig o a q u ip u b l i c a d o , u sa a me tá fo ra d e Go r in d o “ a b r id o r d e l a t a s” (“ Nó s f i z e mo s e s t e

film e d a m e sm a m a n e ira q u e v o cê fa ria u m a b r id o r d e la t a s”) p a ra d e sc re ve r op ro c e sso a r t e sa n a l c o m q u e o s f i lme s fo ra m fe i to s . F a z e r u m f i lme c o mo u ma b r id o r d e la t a s é d o tá -lo d o p o d e r d e se rv ir d e fe r ra m e n ta p a ra a b r ir a q u i lo q u es e a p r e s e n t a h e r m e t i c a m e n t e f e c h a d o , c o m o a i m a g e m d e J a n e F o n d a n oVie tn ã . S e p e n sa d o s c o mo u m a r t e fa to “ p o p ” , o s f i lme s n ã o se c o n te n ta m e ma p re se n ta r a n o v a c u l tu ra o u re v e la r a r e a l id a d e d o c o n su mo . Me smo l a t a s d eso p a Ca m p b e ll’s d e v e m se r a b e r ta s .

Em e n t re v is ta s d a é p o c a c o m o Gru p o , g e ra lm e n te re p re se n ta d o p o r Go d a rd e Go r in ,

e ram fe i tas vá r ias pe rguntas a respe i to da aud iênc ia para a qua l aque les f i lmese ra m d ir ig id o s . A d u p la re a lm e n te se p re o c u p o u c o m e ssa q u e s tã o a o p ro d u z irTudo vai bem . Ap e sa r d a p re se n ç a d o s a to re s f a mo so s , d o c u id a d o c o m oa c a b a m e n to , n a é p o c a o film e n ã o fo i b e m -su c e d id o n e m p ú b l ic a , n e m c rit ic a -me n te . Ve n d o -o h o je , e s sa p re o c u p a ç ã o se to rn a se m se n t id o e a p re c ia mo s ofa to de e le te r s ido fe i to . Sem quere r d ize r que e le a f ina l tenha a lcançado suaa u d iê n c ia , o u q u e a s o b ra s d o G ru p o Dz ig a Ve r to v te n h a m a g o ra a t in g id o u mp ú b l i c o , a o se p e n sa r a s p o l í t i c a s d e a p o io e f in a n c ia me n to a o c in e ma se r i ab o m q u e fo s s e p o s s íve l a rg u m e n t a r ta m b é m n o s e n t id o d o e ixo p a r a d ig m á tic o ,

p e rg u n ta n d o : q u a n ta s g e ra çõ e s ve rã o e sse s film e s?      1     2

Page 14: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 14/120

Page 15: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 15/120

 Tanto o filmeOne Plus One co m o o One A.M . fo ramf in an c iad o s p a ra se rem ex ib id o s n o c in em a e ,ap esa r d a ex p er im en tação fo rm al e d o can sa t iv oc o n t e ú d o p o l ít ic o d o s m e s m o s , p o d e -s e im a g in á -

los como sendo f i lmes teat ra is . É imposs ível ,p o rém , im ag in a r o s c in co f i lm es seg u in tes d eG o d a r d f o r a d o â m b i t o d a s a l a d e a u l a o u d ar e u n i ã o p o l í t i c a , m a s t o d o s , c o m a p e n a s u m aexceção , fo ram fei tos para ex ib ição em te lev isão .

A h i s tó r i a d a p ro d u ção fo i sem elh an te em to d o s o scaso s . U m a em isso ra eu ro p é ia d e t e lev isão co m is -s io n a o g r a n d e c in e a s ta p a r a fa z e r u m d o c u m e n t á -

r io so b re a lg u m a a tu a lid a d e d a p o lít ica e d e p o is sen e g a a ve icu la r o film e p o r a lg u m m o t ivo t écn ico .T o d o s o s f i lm es , d e m an e i ra b em s im p les , s ão“ in ass is t ív e is” – a p rem issa d e cad a u m é a d e q u ea im a g e m n ã o c o n s e g u e fo r n e c e r o co n h e c im e n t oq u e o f i l m e p r o m e t e ; q u e a c â m e r a n ã o é u mm e i o d e c a p t a ç ã o n e u t r o d e r e a l i d a d e , m a s s i mu m e l e m e n t o e s s e n c i a l n a r e a l i d a d e q u e e s t á

s e n d o r e p r e s e n t a d a . Ele s d e m o n s t ra m a r e a lid a d ed a c â m e r a d e fo r m a c o n s t a n t e , p r in c ip a lm e n te p o rm e i o d a ê n f a s e d a d a a o s o m , q u e n ã o f u n c i o n am e r a m e n t e c o m o u m c o m p l e m e n t o i n v i s í v e l àim a g e m , m a s co m o e le m e n t o in d e p e n d e n t e .

Esses film es foram classificado s po r Jea n-Pierre Go rin co m oO VN Is, Ob je tos Visu ais Não Ide n tificad os , e tal de scri-ção n ão é de todo ruim . É difícil lem brar algum para-le lo na h is tó r ia do c inema. Nunca nenhum ou tro

diretor de f i lmes comuns decidiu usar cinco orça-mentos comerciais para fazer experiências com some im agem , e n unca n enh um d ire to r expe r im en tal fezcinco fi lmes que ainda são reconhecíveis dentro dogêne ro de docum en tários sob re “assun tos a tuais”. Opróprio Godard declara que eles não são ”fi lmes”, *

     1     4

     C   o     l     i   n    M   a   c     C   a     b   e

     ©

 O   G 

r  u   p  o 

D z 

i     g  a 

 V  e r  t    o 

 v 

E m

 G

 o d  ar  d :  A P 

 or  t r  ai  t   of   t h 

 eA r  t i  s  t   a

 t   S  ev 

 en

 t  y 

© 2003 po r MacCabe , Colin ,in: Godard: A Portrait of the Artist at Seventy. Reimpressocom a permissão de Wylie

Agen cy Inc.[ * ] Jogo fe ito com a p a lavra em inglês “m ovie” . (N. do T. )

Page 16: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 16/120

mas admite que e les con têm alguns ”movimentos” in teressan tes . Consideradosco m o d o cu m en tá r io s co n v en c io n a i s , s ão “ in ass i s t ív e i s” ; co n s id e rad o s co m oe xp e r iê n c ia s d e s o m e d e i m a g e m , e le s c o n t ê m liç õ e s q u e s ã o a in d a m a is r e le -va n t e s h o j e d o q u e q u a n d o fo r a m fe ito s .

O pr imeiro desses f i lmes fo i fe i to na Grã-Bretanha e sua p rogramação es té t ica fo id e c la rad a n a ca r t e la o n d e , ap ó s a p a lav ra British (b r itân icos) , a pa lavra Images ( im ag en s ) é r i scad a e su b s t i tu íd a p e la p a lav ra Sounds ( so n s ) . O f i lm e é co m -p o s t o p o r s e is lo n g a s s e q ü ê n c ia s : u m a lin h a d e p r o d u ç ã o d e a u t o m ó v e is ; u m am u lh e r n u a a n d a n d o p o r u m a c a s a ; u m a m a n ife s t a çã o d ir e it is ta d e n u n c ia n d o aim ig ração , u m g ru p o d e t r ab a lh ad o res f a l an d o so b re o cap i t a l i sm o ; u m g ru p od e es tu d an tes d e Essex, n a In g la t e r ra , ten tan d o esc rev er u m a l e t ra r ad ica l p a rau m a d a s m ú s ic a s d o s Be a t le s ; e u m a m ã o e n s a n g ü e n t a d a s e e s t ic a n d o p a r a a l-

c a n ça r u m a b a n d e ira ve r m e lh a . O s o m e a im a g e m n u n c a s e e n c o n t ra m n u m arelação convencional .E n q u an to seg u im o s p e la in t e rm in áv e l l i n h a d e p ro d u ção d e au to m ó v e i s , o u v im o s

seq ü ên c ias d e O Manifesto Comunista , m as es t a s são q u ase im p o ss ív e i s d e seo u v i r d ev id o ao b a ru lh o en su rd eced o r p ro d u z id o p e la l i n h a d e m o n tag em q u enão pára de t rabalhar . A mulher nua anda em to ta l s i lêncio pela casa , enquan toum dos p r imeiros tex tos b r i tân icos femin is tas , escr i to por Shei la Rowbotham, él id o n a t r i l h a so n o ra . D i fe ren tem en te d a p r im e i ra seq ü ên c ia , h á u m m o m en to

e m q u e o t e xto p o d e s e r e n t e n d id o c o m o d e s criç ã o d a im a g e m , m a s e n t ã o a m u -lh e r p eg a o t e l e fo n e e co m eça a r ep e t i r a lg u m as d as p a lav ras d e R o w b o th am ,n u m e s t r a n h o c o n t r a p o n t o c o m a v o z over . O o rador neofascis ta se d i r ige àcâm era n a fo rm a c lás s ica d e ab o rd ag em d ir e ta co m u m à t e lev isão , m as é im p o s -s ív e l f aze r u m a l e i tu ra d e so m e im ag em em co n ju n ção , em p ar t e p e lo ch o q u esen t id o ao o u v ir o r ac ism o sen d o a r ticu lad o d e u m a p o s ição d e a u to r id ad e lib e -ra l , e em p ar t e p o rq u e as im ag en s d a G rã -B re tan h a q u e p o n tu am seu d i scu r so ,no fo rmato c láss ico da repor tagem de no t íc ias , não fo rnecem uma ”i lus t ração”da qu ilo q ue e le e s tá d izen do . A conversa so bre a p o l ít ica en t re os funcion ár ios d e

u m a fáb r ica d e au to m ó v e is em C o w ley , p e r to d e O xfo rd , n u n ca co m b in a o so mco m a im ag em ; a câm era n ão fo ca liza a p esso a q u e e s tá fa lan d o , so m en te aq u e -l a s q u e es t ão o u v in d o . E n q u an to a seq ü ên c ia co m o s es tu d an tes d e E ssex n ãotem n en h u m a to m ad a d e p esso as f a l an d o in d iv id u a lm en te , a câm era f i lm a og ru p o n a su a p ro cu ra p e lo s so n s ce r to s q u e i r ão t r an s fo rm ar u m a m ú s ica d o sBeat les numa canção revo lucionár ia . Mas, mesmo ass im, o f i lme não fo rnece oco m eço o u o f im q u e co lo ca r ia o s e s fo rço s d e sses jo v en s d e n t ro d e u m co n texto”co m p reen s ív e l” . É so m en te a ú l t im a seq ü ên c ia q u e su g ere o casam en to

e n t re s o m e im a g e m , q u a n d o u m b r aç o e n s an g ü e n ta d o a va n ça le n t am e n t e

     1     5

Page 17: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 17/120

p e l a n e v e p a r a s e g u r a r u m a b a n d e i r a v e r m e l h a , e n q u a n t o u m a m i s t u r a d ecanções revo lucionár ias fo rma a t r i lha sonora .

Sons britânicos fo i p r o d u z id o p e la Ke s t re l Pr o d u c t io n s , u m a e m p r e s a fu n d a d a p o rT o n y G arn e t t e o u t ro s c in eas t as e sq u erd i s t a s p a ra ap ro v e i t a r o p ro cesso d e

reav a liação d e co n ce ssõ e s e n f ren tad o p e la t e l ev isão b r it ân ica . Mo Te i te lb au m ,esp o sa d e u m d o s só c io s , I rv in g T e i t e lb au m , t ev e a id é i a d e q u e a K es t r e ld e ve r ia j u n t a r s e is d ir e t o re s e u r o p e u s p a r a fa z e r d o c u m e n t á rio s s o b r e a G r ã -Br e ta n h a . M o c o n h e c ia G o d a r d d e s d e m a io d e 1 9 6 8 , q u a n d o G é r a r d Fr o m a n -g e r o s a p r e s e n t o u , e e le s s e e n c o n t ra r a m e m Lo n d r e s q u a n d o G o d a r d e s t a vaf i lm an d o One Plus One . Q u a n d o M o a p r e s e n t o u a i d é i a , G o d a r d c o n c o r d o us o b a c o n d i ç ã o d e q u e e l a f o s s e s u a a s s i s t e n t e , e t a m b é m q u e o f i l m e f o s s ep r o d u z i d o d e m o d o n ã o c o n v e n c i o n a l .

Assim, os Teitelbaum viram sua pequena casa, no bairro de St . John’s Wood, setr an s fo rm ar em sed e d e p ro d u ção e cen ár io p a ra d u as d as seq ü ên c ias ; e t am b ém ,sem qu erer , se v iram adm in is trando um ho tel para a revo lução 1 . Goda rd h avia le-vado jun to com ele um es tudan te maoís ta chamado Jean-Henr i Roger , para que,conform e e xp licou aos seus anf it riõe s , o film e pu de sse ser fe ito de fo rm a ”dem o-crática”. Mo Teitelbaum ficou impressionada ao ver o quanto Godard seesforçava p ara im prim ir suas crede nciais revolucion árias n esse jovem . Roge r ha viaprat icam en te ado tado Go dard e Wiazem sky de sde o s even tos de m aio , e is to nã o

agradava Ann e Wiazem sky – e la n ão ficou n ada sa t is fe ita em ser t ra tada com o m ãead o t iv a p o r u m a p esso a d a su a id ad e , t am p o u co em t e r R o g er co m o h ó sp ed ef req ü en te n o ap a r t am en to d e les 2 . Mas para ela, tudo isso fazia parte da grandenecess idade que Godard t inha de adu lar a juven tude.

A convivência durante a produção foi d if íci l . O operador de câmera, Charles Stewart ,usava um b igode do t ipo ”gu idão de b ic ic le ta” e envergava pale tós de tweed .Os Tei te lbaum acred i tam que Godard sen t ia-se quase que obr igado a p rovocard iscussões com uma pessoa de aparência tão burguesa . Além d isso , hav ia oprob lema de sempre: Godard era mui to pouco incl inado a exp l icar o que quer ia .

     1     6

[ 1 ] Além de God ard e Roge r , havia vár ios o ut ros v is itan tes de Par is , inc lu ind o Dan ie l Coh n-Bendi t e sua n am orad a .[ 2 ] O p r ó p r io R o g e r d i z q u e a s it u a ç ã o e r a b e m c o m p l ic a d a , e q u e e l e e W i a ze m s k y fr e q ü e n t e m e n t e f a zia m p i a d a s

à s c u s t a s d o “ P é p é ” ( Vo v ô ) G o d a r d . N ã o p o d e h a v e r d ú v id a s s o b r e a f o r ç a d a l ig a ç ã o e n t re o m a o í st a t u r b u le n t o e

o c ineas ta de meia- idade . Roger casou-se com Jul ie t Ber to , que v i r ia a morrer t rag icamente jovem, em 1990. Em

luto , Roger dec id iu abandonar tan to a França como o c inema e i r para as Índias Ocidenta i s . Godard l igou pra e le e

o con vido u p ara ir a Rol le , num esforço para d issuad i- lo . Roge r passou do is d ias na Suíça , durante o s qua is God ard

n ã o d i ss e u m a p a l a vr a . Q u a n d o G o d a r d f o i d e i xá - lo n a e s t a ç ã o d e t re m , d is s e a e l e : “S a b e – v o c ê n ã o p o d e i r p a ra

as Índias Ocidenta i s , porque i sso va i me de ixar sem ninguém para conversar” .

Page 18: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 18/120

N as p a lav ras d e I rv in g T e i t e lb au m , ” tu d o es t av a n a cab eça d e le , m as se v o cên ão es t av a d en t ro d a cab eça d e le , en tão a cu lp a e ra su a” . A lg u m as d i scu ssõ ese r a m m a is e n g r a ç a d a s . O s Te it e lb a u m s e r a m m e m b r o s d e u m g ru p o tr o ts kis ta ,e q u a n d o G o d a r d c o n h e c e u o l í d e r , G e r r y H e a l e y , e s t e o i n f o r m o u q u e e l e

es t av a ”n o n e g ó c io d e esm ag ar o s n eg ó c io s” . ”Ah ,“ d i sse G o d ard , ”en tão v o cêes t á n o m esm o ram o ” . I s so l ev o u a ap ro x im ação m ao í s t a / t ro t sk i s t a a u m aco n c lu são m u ito r áp id a .

P ara Mo T e i t e lb au m , a f i lm ag em fo i d o m in ad a p e la ” f ru s t r ação e p e lo d esesp ero d eq u e o s ig n i f i cad o d e 1 9 6 8 h o u v esse en f raq u ec id o n a F ran ça , e p o r u m d ese jod esen f read o d e r ec r i á - lo e r ed esco b r i - lo ” . Q u an d o e l es fo ram a té E ssex , q u en aq u e la ép o ca e ra t i d a co m o u m a u n iv e r s id ad e r ev o lu c io n ár i a , G o d ard f i co u”h o r ro r izad o ao ve r q u ã o co m p o r tad o s e ram o s e s tu d a n tes” . Alg u n s es tu d an tes

m a i s p o l i t i c a m e n t e a t i v o s f o r a m r a p i d a m e n t e r e u n i d o s , m a s a d e c e p ç ã o d eG o d ard e ra t ão g ran d e e t ão v is ív e l q u e Te i te lb au m a té co g i ta a p o ss ib ilid a d e d eq u e a l g u m a s d a s p e s s o a s f i l m a d a s a c a b a r a m p o r f u n d a r a a s s i m c h a m a d aAngry Br igade (Br igada Raivosa) , o ún ico g rupo ter ro r is ta da Grã-Bretanha,c u ja o r ig e m p o d e s e r ra s tr e a d a p e la s e m o ç õ e s d a q u e le d ia .

O film e c o n s e g u iu s e u s q u in z e m in u t o s d e fa m a d e vid o à lo n g a s e q ü ê n c ia e m q u eu m a m u lh e r n u a a n d a p e la s d e p e n d ê n c ia s d e u m a c a sa . Ap e s a r d e n ã o h a ve rn e n h u m co n teú d o e ró t ico o u p o rn o g rá fico n a cen a , a Lo n d o n Wee k en d Te lev i-

s ion , a través d a q ua l a Kest re l es tava fazen do o p rogram a, se recu sou a e xib i -lo .A id é ia d e G o d ard p a ra e s t a seq ü ên c ia v e io q u an d o Mo T e i t e lb au m m o s t ro u ae le u m a m a t é ria d e Ro w b o t h a m n a r e vis ta e s q u e r d is ta Black Dwarf . Este foi umd o s p r im e i ro s t e xto s so b re a lib e ração d a m u lh er n a In g la t e r ra , e G o d ard im e-d ia t am en te d ec id iu in c lu í - lo em seu f i lm e . S h e i l a R o w b o th am re l em b ra seue n c o n t ro c o m G o d a r d e m s u a s m e m ó r ia s s o b re o s a n o s 19 6 0 :

A idéia dele era me f i lmar sem roupa, reci tando palavras sobre ae m a n c ip a ç ã o , e n q u a n t o e u s u b ia e d e s c ia u m la n c e d e e s c a d a s – a s u p o -

s ição e ra q u e , d ep o is d e u m t em p o , a v o z ir ia se so b rep o r à s im ag en s d oco rp o . Is to m e d e ixo u d e sco n fo r t áve l p o r d o is m o t ivo s . Meu n ú m ero e ra3 6 e e u a c h a va m e u s s e io s flá c id o s d e m a is p a r a a m o d a d o s a n o s 19 6 0 .Ser fo to g ra fad a , d e it ad a e se m ro u p a , n ão e ra p ro b lem a , m as a id é ia d ef icar andando escada abaixo me deixava const rang ida. Além do mais ,e m b o r a e u n ã o c o n s id e r a s s e a n u d e z u m p r o b le m a e m s i, o s p r im e iro sg ru p o s d e m u lh eres e ram co n t ra o q u e ch am áv am o s d e ”o b je t i f i ca -ç ã o ”… P o r q u e d ia b o s a d a n a d a d a m e n t e m a s cu lin a p u la va t ã o ra p id a -

m e n t e d a c o n v e r sa s o b r e lib e r t a çã o p a ra a n u d e z , e u m e p e r gu n t a va … .

     1    7

Page 19: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 19/120

G o d a r d ve io a té H a ckn e y ( u m b a ir ro n a z o n a le s t e d e Lo n d r e s ) p a r a m eco n v en cer. Ele se se n to u n o ch ão d e m ad e ira lixad a d o m eu q u ar to , u mh o m e m f r a n z i n o e d e c o m p l e i ç ã o e s c u r a , s e u c o r p o r e t o r c i d o e m n ó sp e r su as ivo s . N em o h o m em G o d ard , e n em o G o d ard c riad o r m i to ló g ico

d e Acossado, fo ram fáce is d e co n ten ta r. Eu sen te i d e sco n fo r t ave lm en tea o p é d a m i n h a c a m a e d e c l a r e i : ” E u a c h o q u e s e t e m u m am u lh er sem ro u p a n a t e l a , n in g u ém v a i p res t a r a t en ção n as p a lav ras” ,a s s im su g er in d o q u e t a lv ez e l e p u d esse f i lm ar o s n o sso s ad es iv o s co mos d izeres “This Exp lo i ts Women” ( Is to Explora as Mulheres) no metrô .Godard me lançou um o lhar ter r ível , seus láb ios re to rc idos . ”Você achaq u e e u n ão co n s ig o d e ixa r u m a b o ce ta d es in te res san te?” , e l e exc lam o u 3 .N ó s e s t á v a m o s p r e s o s n u m m o m e n t o e t n o g r á f i c o e f ê m e r o .

N o f in a l , ch eg am o s a u m aco rd o . O E lec t ric Cin e m a t in h a acab ad o d e se rin au g u rad o n o b a i r ro d e N o t t in g H i l l e p rec i sav a d e d in h e i ro . U m a jo ve m ( co m s e io s p e q u e n o s ) d e lá co n co rd o u e m s u b ir ed esce r a e scad a , e eu f i z a lo cu ção . Q u an d o Sons britânicos foi exibidon a F ran ça… a p la té i a ap lau d iu q u an d o eu d e c la re i: “Eles n o s d izem oq u e n ó s s o m o s … Sim p le s m e n t e n ã o e xis te a c o n s c iê n c ia d e ‘h o m e n s ’q u e são au to res , d e ‘h o m en s ’ q u e são c in eas t as . E les são ap en as ‘ au to -

res’ , apenas’cineastas‘ . A imagem reflet ida para as mulheres, criada poreles , será absorv ida d i re tamente pelas p rópr ias mulheres . Es tas persona-g en s ‘são ’ m u lh eres .” Q u an to à in t en ção d e G o d ard d e to rn a r u m a b o ce tade s in teressan te , não po sso d izer nada, exceto que um am igo en vo lvido nos o c i a l i s m o i n t e r n a c i o n a l m e c o n t o u q u e s e u p r i m e i r o p e n s a m e n t ot in h a s id o ”m u lh er g o s to sa” – a t é p e rceb er q u e a to m ad a se r ep e t i a . . . es e r e p e t ia … e s e r e p e t ia ; e n tã o e le c o m e ç o u a e s cu t a r 4 .

A ú lt im a seq ü ên c ia d o film e , em q u e o d ese jo d e r evo lu ção t r iu n fa q u an d o u m b raço

en san g ü en tad o se a r ras ta p e lo ch ão co b er to d e n ev e p a ra a lcan çar u m a b an d e ir avermelha, fo i f i lmada no qu in ta l dos Tei te lbaum. Quando fo i suger ido queo b raço es t ivesse san g ran d o , Te it e lb au m se o fe receu p a ra d a r u m p u lo n a sed e d aKest re l, ond e hav ia u m frasco de sangu e ar t ific ia l. Goda rd d isse p ara n ão se p re-ocup ar com isso e cor tou o p róp r io b raço para fo rnecer a “cor” para a cen a f ina l.

     1     8

[ 3 ] G o d a r d d is s e q u e n ã o u s o u e s t a fr a s e .[ 4 ] She ila RO WBOTHAM. Promisse of a Dream: Remembering the Sixties . Lon do n, Pengu in , 2000 . pp . 220-221.

Page 20: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 20/120

G o d ard f ez seu f i lm e seg u in te n a an t ig a T ch eco s lo v áq u ia , q u ase q u e im ed ia t am en teap ó s d e ixa r a G rã -Bre tan h a . O p ed id o v e io d e u m a em isso ra d e t e lev isão d a Ale -m an h a O c id e n ta l, q u e so lic ito u u m d o cu m en tá rio so b re a Tch eco s lo váq u ia se i sm eses d ep o i s d a in v asão so v ié t i ca , em ag o s to d e 1 9 6 8 . Mai s u m a v ez , G o d ard

fo i a c o m p a n h a d o p o r Je a n -H e n r i Ro g e r , m a s a g o r a e le s e s ta va m ta m b é m c o mP au l B u r ro n , o o p erad o r d e câm era q u e G o d ard q u er i a u sa r p a ra f i lm ar Sons britânicos . O f ilm e se ch am a Pravda , q u e e m ru sso s ig n ifica ve rd ad e , e e ra t am -bém o nome do jo rnal o f ic ia l da União Sov iét ica . Es te f i lme é a té maisexplíci to que Sons britânicos e m s u a n e g a ç ã o d o s p a d r õ e s c o n ve n c io n a i s p a r ad o cu m en tá r io s e seu ce t i c i sm o so b re a p o ss ib i l i d ad e d e en co n t ra r a lg u m av e r d a d e n a i m a g e m . S e u a t a q u e a t o d a s a s i d e o l o g i a s d e v i s ã o é m u i t o m a i sex p l í c i to d o q u e n o f i lm e an te r io r d e G o d ard , em q u e as seq ü ên c ias lo n g as d e

fato levam a um considerável con teúdo de verdade. (Até não ser ia d i f íc i l imagi-n a r Sons britânicos c o m o s e n d o u m a re film a g e m m a is b e m s u ce d id a d e One 

Plus One .) Pravda é u m a n e g a ç ã o d e t a is lu xo s .A to m ad a in ic ia l d a Tch eco s lo v áq u ia é aco m p an h ad a p o r u m co m en tá rio sem i-irô n ico

q u e en fa t iza o ” rev is io n ism o ” d a so c ied ad e t ch e ca . O ”cin e m a d ir e to ” d e Sons 

britânicos fo i su b s titu íd o p o r u m fo rm ato d e d o cu m en tá rio co n v en c io n a l p a ra at e l e v i s ã o , c o m r e l a ç ã o d i r e t a e n t r e s o m e i m a g e m , m e s m o q u e e s s eso m – ”Mu i to s t rab a lh a d o res p re fe rem lav a r seu s ca rro s a co m er su as e sp o sas”

– s e e n c o n t re fo r a d a s n o r m a s d e t e le v is ã o . M a s e s s a s e ç ã o d e a b e r tu r a é lo g od e s ca r ta d a c o m o s e n d o u m a m e r a ” p ro je ç ã o c in e m a t o g rá fic a s o b r e a via g e m ”.O f i lm e en tão co m eça a d esen v o lv e r su a an á l i se r ac io n a l d a s i tu ação p o l í t i ca ,e n q u a n to , a o m e s m o t e m p o , d e s tr in c h a a s r e la ç õ e s n o r m a is e n t re s o m e im a -g e m q u e t ra n s m it e m a in fo r m a ç ã o n o s d o c u m e n t á r io s d e te le v is ã o .

C o n fo r m e a c â m e r a fo c a liz a n u m a c o n v e r s a e n t re t ra b a lh a d o r e s t ch e c o s , n o lu g a r d au s u a l lo c u ç ã o d u b la d a s o m o s in fo r m a d o s q u e , ”s e v o c ê n ã o f a la t c h e c o , é b o mq u e a p r e n d a r á p id o ” . D e fo r m a s e m e lh a n t e , u m a c o n v e rs a s o b r e o c a m p e s i-n a t o é a c o p la d a a u m a im a g e m d e c a m p o n e s e s ca r re g a n d o f e n o , e n q u a n t o a

c â m e ra fa z u m zoom in e u m zoom out . Em te rm o s co n v en c io n a is , e s se zoom 

s ig n i f i ca n o ssa ap ro x im ação d a r ea l id ad e , m as h á u m a to t a l d esco n ex ão en t r eo c o m e n t á rio e o zoom , d e m o d o q u e n ó s n o s to r n a m o s c ie n t e s d e s te c o m os e n d o u m a m e r a a l t e r a ç ã o d a d i s t â n c i a d o o b j e t o f i l m a d o , e a a l t e r a ç ã o n ã on o s f o rn e c e n e n h u m c o n h e c im e n t o r e a l.

E m ce r to n ív e l , o s p ro b lem as d o f i lm e são o s p ro b lem as d a d i s to rc id a co r ren tem ao í s t a n a T ch eco s lo v áq u ia , q u e fo i co n t r a a in v asão ru ssa , e m a i s co n t r aa in d a à lib e r a liz a ç ã o tc h e c a q u e a p r e c e d e u , s e n d o a m b o s e xe m p lo s d o p e c a -

d o m o r t a l d o ” r e v i s i o n i s m o ” . M a s s ã o e s t e s p r o b l e m a s q u e p e r m i t e m u m a

     1     9

Page 21: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 21/120

d esco n s t ru ção h i l a r i an te d as co n v en çõ es d o d o cu m en tá r io t e l ev i s iv o , u mataq u e f e ro z ao d o g m a d o “v er p a ra c re r” .

En q u an to ed it ava e s ses film es , G o d a rd p assav a b a s t an te t em p o d iscu t in d o a r e sp e itod o s m e s m o s c o m o u t ro jo v e m m a o ís ta , Je a n -P ie r re G o r in . G o r in n ã o a c o m p a -

n h a v a a s f i l m a g e n s e n e m f r e q ü e n t a v a a s s a l a s d e m o n t a g e m , p o i s e s t a v ah o s p i t a l i z a d o p o r t e r s o f r i d o u m g r a v e a c i d e n t e d e m o t o . M a s v i n h ac o n v e rs a n d o c o m G o d a r d s o b r e c in e m a h á m a is d e d o is a n o s . Ele s s e c o n h e -ce ram n u m jan ta r o fe rec id o p o r Yv o n n e Bab y , cr ít ica d e c in e m a d o Le Monde ,q u a n d o G o d a r d e s t a va film a n d o A chinesa . G o rin t in h a a c a b a d o d e c o m e ç a r at rab alhar co m o cr ít ico literár io no Le Monde . Ele e s t ava co m 2 3 an o s d e id ad ee , c o n f o r m e o s c o m e n t á r i o s , e r a t ã o b r i l h a n t e q u a n t o c h a r m o s o .Ap e sa r d e n ão t e r co n se g u id o u m a v ag a n a Eco le N o rm ale S u p é r ieu re , a s au las

p rep ara tó r i a s n a L o u i s l e G ran d f i ze ram co m q u e se en g a jas se p ro fu n d am en tec o m n o v a s c o r r e n t e s d e p e n s a m e n t o , f o s s e o m a r x i s m o a l t h u s s e r i a n o o u oestruturalismo l i terário .

Para God ard , e le ap aren tava ser “alguém m elho r do q ue e u em pe nsam en to e filosof ia” .Ao f in a l d a n o i te n a casa d e B ab y , G o d ard d i s se a G o r in q u e e l e s d e ver iam seen co n t ra r p a ra co n v er sa r o u t r a v ez . E les se en co n t ra ram d iv e r sas v ezes , e emu m a d e ssas o cas iõ e s , G o d ard d e ixo u G o r in a tô n i to ao m o s t ra r -lh e n ão so m en teDuas ou três coisas que eu sei dela co m o t am b é m u m trailer q u e e l e h av ia

ed it ad o p a ra o f ilm e Mouchette, a virgem possuída, d e B re s s o n , u m trailer q u es e g u n d o G o r in e r a a o m e s m o t e m p o ”p u r o G o d a r d e p u r o Bre s s o n ”.G o r in , c o m o t a n t o s j o ve n s e s q u e r d is ta s d a q u e l a é p o c a , t in h a u m a v e r d a d e ir a p a i xã o

p e lo c in e m a . A c in e filia d o s a n o s p ó s -g u e r r a a in d a e r a u m a r e a l id a d e ; o Q u a r -t i e r L a t in t i n h a v á r io s c in em as d e r ep e r tó r io e , a l ém d esses , t am b ém ex i s t i a anova rev is ta Cahiers, ed i tada por Rivet te . Para Gor in , a Cahiers r e p r e s e n t a v au m e lo e n t re a a lt a e a b a ixa c u lt u r a , ju n t a n d o a s d u a s d e fo r m a in o va d o r a –era o ”no vo p arad igm a”. A associação e n t re Gor in e God ard es t re itou-se qu and oe l e f o i d e s p e d i d o d o Le Monde , n o i n í c i o d e 1 9 6 8 , p o r q u e n ã o c o n s e g u i u

e s c r e v e r u m a m a t é r i a s o b r e C u b a , e p e d i u q u e G o d a r d l h e d e s s e e m p r e g o .N a q u e l a é p o c a , G o d a r d t r a b a l h a v a n u m p r o j e t o p a r a p r o d u z i r 2 4 h o r a s d ef i l m e s , d a s q u a i s d u a s e l e m e s m o p l a n e j a v a f i l m a r , e n q u a n t o a sres t an tes se r i am fe i t a s p o r t e r ce i ro s . G o d ard su g er iu q u e G o r in p o d er i a f aze ru m d o s film e s : “Eu t e p a g o p o r s e m a n a ”. G o r in f ic o u a t e r ro r iz a d o c o m o m o n -t a n t e d e d in h e i ro e n v o lvid o e d e u p a r a t rá s . Ao in v é s d e r e c e b e r s e m a n a lm e n -t e , e l e se r e t i ro u p a ra e sc rev er u m ro te i ro in t e i ro , m as q u an d o v o l to up a r a a p r e s e n t á -lo , d e s c o b riu q u e o p r o je t o h a v ia d e s m o r o n a d o e m m e io a u m

b o m b a r d e i o d e r e c r i m i n a ç õ e s .

     2     0

Page 22: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 22/120

A p esar d i s so , a s co n v er sas en t r e o s d o i s co n t in u av am , e q u an d o G o d ard es t av apre stes a ir à I tál ia p ara fazer se u pró xim o film e, Vento do Leste , es t re lando Ann eWiazem sk y e G ian Mar ia V o lo n té , e l e in s i s t iu q u e G o r in o aco m p an h asse . O sm éd ico s d i s se ram en fa t icam en te q u e G o r in t in h a d e fica r. A so lu ção en co n t ra -

d a p o r e l e fo i m an d ar R ap h äe l S o r in em seu lu g ar . S o r in e ra u m d o sam ig o s m ais ín t im o s d e G o r in ; e le s h av iam freq ü en tad o ju n to s a e sco la Lo u is leG ran d , o n d e o f a to d e o s d o i s t e r em m ães ju d ias r ep resen tav a u m l aço fo r t e ,e f a l av am em fu n d ar u m a p ro d u to ra co le t iv a d e f i lm es . A s r eco rd açõ es d eS o r in so b re a f i lm ag em d e Vento do Leste fa z e m c o m q u e e s t a p a r e ç a te r s id ou m p e s a d e lo c ô m ic o e m q u e t o d a s a s d e s ilu s õ e s c o le t iva s d e 19 6 8 fo r a m d e s -t ilad a s n a su a fo rm a m ais p u ra .

O d inh ei ro fo i fo rn ecido p or um m ilion ár io rad ical ita lian o e pa rece ter s ido de o r igem

d u v id o s a – S o r in le m b r a -s e d e t e r tr a n s p o r ta d o e n o r m e s v o lu m e s d e d in h e ir oda França para a I tá l ia . Ex is t iam mui tos rumores sobre o paradei ro f inal dod in h e iro q u e fin an c io u Vento do Leste – t a lvez o m a is en can tad o r se ja o q u e d izq u e o d in h e i ro fo i u sad o p a ra m o n ta r u m b ar p a ra t r av es t i s em Mi lão . U masp ec to a in d a m ai s d esas t ro so é q u e o f i lm e d ev er i a se r f e i to d e fo rm a ”d em o -crát ica” , ou se ja , a t ravés de reun iões co le t ivas (assemblée générale ) . Se haviau m tem a u n i f i cad o r d o m o v im en to es tu d an t i l n o f in a l d o s an o s 1 9 6 0 , e s se e raa d esco n f i an ça d e q u a lq u er t i p o d e ó rg ão r ep resen ta t iv o . O s lo g an d e L en in ,

”T o d o p o d er ao s so v ie t es” , fo i u sad o co m o m era es t r a t ég ia p a ra d es t ru i r a sin s t i t u i çõ es d e d em o crac ia r ep resen ta t iv a , m as d en t ro d o s m o v im en to s e s tu -d a n t is a p ó s 19 6 8 , u m a c r e n ç a n a d e m o c ra c ia d ir e ta d e t e r m in a v a q u e t o d a s a sd e c i s õ e s p r e c i s a v a m s e r t o m a d a s e m e n o r m e s e d e s e n g o n ç a d a s a s s e m b l é i a sco le t iv as . N o s p r im e i ro s m o m en to s d e ” l ib e rd ad e d e ex p ressão ” em B erk e ley ,o u n o s d i as d as b a r ricad as e m P ar is , a s a s se m b lé ias co le t ivas t a lv ez fo ssem u m ain o v a ç ã o e m p o l ga n t e e lib e r t a d o r a , m a s is s o r a p id a m e n t e s e t o r n o u u m fó r u mrep e t i t i v o e im p o ss ív e l d e co n t ro la r , ab e r to p a ra to d o t ip o d e o p o r tu n i sm o eu m a e t e r n a fo r m a d e c h a n ta g e m m o r a l b a s e a d a n a p r e m is s a ”e u s o u m a is d e

e s q u e r d a d o q u e v o c ê ” .Anne Wiazemsky , que sempre se mant inha cét ica peran te toda re tó r ica revo lucionár ia

m ai s d esen f read a , n ão ac red i t av a m u i to q u e o f i lm e p u d esse se r f e i to d essam an e i ra . A su cessão d e r eu n iõ es co lo co u o s an a rq u i s t a s , l i d e rad o s p o r C o h n -Ben d it , o ”g a ro to p ro p a g an d a ” d e 19 6 8 , co n t ra o s m ao í st a s . In d ep en d e n tem en -te de suas descrenças nas inst i tu ições da democracia representativa, os anarquistasn ão e ram co n t ra a r ep resen tação em s i ; e l e s q u er i am u m fa ro es t e d e esq u erd aq u e p u d esse r ep resen ta r a l u t a d e c l a s ses n o g ên ero m ai s p o p u la r p o ss ív e l . O s

m ao í s t a s , v e r sad o s em A l th u sse r e B rech t , n ão q u er i am n ad a d i s so . N as

     2     1

Page 23: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 23/120

pa lavras do film e Sons britânicos , ”se v o cê p ro d u z ir u m m ilh ão d e có p ias d e u mfilme marxista-leninista você chega a E o vento levou ”. Não pod ia haver ques t io -n am en to q u an to ao u so d a fo rm a p ad rão d e n a r ra t iv a , q u an to a p e rm i t i r q u es o m e i m a g e m s e t o r n a s s e m c o m p r e e n s í v e i s p a r a u m a p l a t é i a s e m e m b a s a -

m e n t o . Ele s s o m e n t e p o d ia m fa z e r u m film e m ilita n t e q u e a g is s e c o m o u m a“ lo u sa” p a ra u m a p la t é ia m ilit an te – u m p o n to d e p a r tid a p a ra o p en sam en to .

O im p a s s e fo i re s o lvid o q u a n d o G o d a r d in t im o u G o r in . Ele t e l e fo n o u p a r a o h o s p i-t a l e m P a r i s e d i s s e : “ O u v o c ê v e m f a z e r o f i l m e c o m i g o , o u e u e n c e r r o o st rab a lh o s . Tem u m a p a ssag em já p a g a esp e ran d o v o cê n a Alit a lia“ . O s m éd ico sd e G o r in t e n t a r a m im p e d i -lo d e p a r t ir , m a s e le c h e g o u à It á lia . Em Ro m a , e les e h o s p e d o u n o m e s m o h o t e l q u e G o d a r d e , p o r t a n t o , e n c o n t r a v a - s e n u m ap o s ição p r iv i l eg iad a d u ran te a s caó t i cas sem an as f in a i s d e f i lm ag em . F o i

n e s ta é p o c a q u e o r e la c io n a m e n t o e n t re G o d a r d e G o r in e n t ro u n a s u a fa s em a i s p r o d u t i v a e i n t e n s a , q u e d u r o u a t é 1 9 7 3 , e n a q u a l e l e s p r o d u z i r a mcinco f i lmes jun tos : Vento do Leste, Lutas na Itália, Vladimir e Rosa, Tudo vai bem e Carta para Jane .

Em Vento do Leste eles p revalecer iam jun tos , no que Wiazemsky chamou de putsch 5 ,ap ós o qu al o ce ticism o inicial de Wiazem sky se torno u a ind a m ais forte. Tud o q ueres tou do f i lme de faroes te de Cohn-Bendi t , que a lmejava a g reve dos mine-radores como seu foco narra t ivo , são a lguns f ragmentos de narração na t r i lha

so n o ra n o co m eço d o t r ech o d e ab e r tu ra . E m v ez d e r ep resen ta r u m a g rev eesp ecífica e m im agen s e spe cíficas , o film e pe rgun ta o qu e ser ia a represe n taçãode qualquer g reve. Talvez a seqüência chave se ja uma assembléia , não de mine-radores g rev is tas , mas da equ ipe de p rodução d iscu t indo a idéia de usar ou nãouma imagem de S ta l in no f i lme. A segunda voz na t r i lha sonora (em Vento do 

Leste o s o m é a i n d a m a i s d o m i n a n t e d o q u e e m Sons britânicos o u Pravda )a firm a q u e , a s s im co m o as a s sem b lé ias d e vem se r an a lisad as em t e rm o s d e su asci rcunstâncias especí f icas – de quem são a favor e de que são con tra – as ima-g e n s d e v e m s e r a n a l i s a d a s d a m e s m a m a n e i r a . A i m a g e m d e S t a l i n é

uti l izada pelos capital istas para representar a repressão, mas do ponto de vistarevo lucionár io , es ta é uma imagem repress iva que in ibe uma anál ise adequadade S ta l in como um fenômeno po l í t ico . Vento do Leste é o mais exper imental dasérie d e film es m ao ístas; é o m ais coe ren te na su a ap licação d a po lítica althusse rian a.

     2     2

[ 5 ] G o d a r d e G o r in d ã o u m a d e s c riç ã o s im ila r n u m a e n t re v is t a a m e r ic a n a . G o r in : “ O q u e a c o n t e c e u f o i q u e o s d o i s

m a r xis t a s q u e r e a l m e n t e e s t a v a m q u e r e n d o fa z e r o f ilm e t o m a r a m o p o d e r ”, e G o d a r d : “To d o s o s a n a r q u is t a s fo r a m

à p ra ia” . Michae l GOO DWIN; Tom LUDDY e N aom i WISE. op. cit .

Page 24: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 24/120

O s s e i s o u s e t e m e s e s s e g u in t e s , p r im e ir o e m Ro m a e d e p o is e m P a ris , r e p r e s e n -t a r a m u m i n t e n s o p e r í o d o d e d i s c u s s ã o e e x p e r i m e n t a ç ã o . P a r a G o r i n ,G o d a r d f u n c i o n a v a c o m o u m s i s m ó g r a f o ; e l e h a v i a p r e v i s t o o t e r r e m o t o d e1 9 6 8 , m a s a g o r a o t e r r e m o t o j á h a v i a p a s s a d o e e l e t i n h a d e s e r e i n v e n t a r .

C o m o c o n s e q ü ê n c i a , e s t a v a a b e r t o a i d é i a s e r e c e p t i v o a u m j o v e m c h e i o d ei d e a i s . A o f a l a r d e s u a c o l a b o r a ç ã o c o m G o r i n e o a m p l o d o m í n i o d e G o r i ns o b r e a t e o r ia c o n t e m p o r â n e a , G o d a r d f a la e m te r m o s d e s o m ( “Eu n ã o t in h ac o n h e c i m e n t o d a q u i l o q u e f o i g r a v a d o ” ) , p o i s é o s o m q u e e s t á n o c e n t r od e s te s film e s e xp e r im e n t a is . Pa r a G o r in , o fo c o n o s o m t in h a m u it o s fa t o r e sd e t e r m in a n t e s – e c o n ô m ic o s , p o lít ic o s e t e c n o l ó g ic o s .

O f in a l d o s an o s 1 9 6 0 fo i u m p e r ío d o em q u e a t ecn o lo g ia d o s eq u ip am en to s d e so mse d esen vo lveu r ap id am en te , e sp ec ia lm en te a cap ac id ad e d e m ixar m a is d e u m

canal numa fa ixa . Po l i t icamente , não ex is t ia nenhum desejo de rever ter od esd ém g en era l i zad o p e lo so m , u m d esd ém re f l e t id o n o f a to d e q u e oo p e ra d o r d e s o m d ire t o s e m p r e g a n h a v a m u ito m e n o s q u e o d ir e to r d e f o to g ra -fia . Tam bé m e xis t ia um verdade iro p razer pelo d idat ism o. Econo m icam en te , eram u ito m a is fác il e xp er im en ta r co m o so m d o q u e co m a im ag em . Tu d o is so v e iop ara co lo ca r ên fase so b re a ed ição e o so m , em vez d a f ilm ag em e d a im ag em ,ênfase que Godard manteve quando vo l tou a fazer f i lmes mais convencionais .P a r a G o d a r d , a d e s c o n f i a n ç a d a i m a g e m t i n h a u m c o m p o n e n t e m a i s

pessoal . Ele associa Vento do Leste co m o f in a l d e seu r e l ac io n am en to co mWiazem sky. A d i feren ça de idad e e o m esm o ciúm e 6 q u e in fe rn izo u seu casam en -to co m Kar in a fo ram fa to res im p o r t an tes , m as o p ro b lem a t am b é m e ra q u e am -b as a s m u lh eres h av iam ch eg ad o a e l e co m o im ag en s – e ram c r i açõ es d ate l a , e n ão m u lh eres d e v e rd ad e . D e f a to , G o d ard n ão se r e t i ro u d o ap ar t a -m en to n a R u e S a in t - Jacq u es (p a ra o q u a l e l e s t i n h am m u d ad o t r ê s d i as an tesd o p r im e iro d is tú rb io p ú b l ico d e m aio d e 1 9 6 8 ) a t é faze r a m o n tag em d e Jusqu’à 

la victoire (Até a vitó r ia) , m as a p rod ução de Vento do Leste p arece se r , co n se n -sualmente, uma l inha divisória.

G o d ard es t av a t ão en tu s i asm ad o co m a co lab o ração d e G o r in q u e e l e s r e so lv e ramassinar Vento do Leste com o nome co le t ivo de Grupo Dziga Ver tov . A pr i -meira vez que Gor in mencionou a idéia de um grupo co le t ivo Dziga Ver tovfo i p a ra R ap h aë l S o r in , n o co m eço d e 1 9 6 8 , q u an d o G o d ard p ed iu q u e e l ee s c r e v e s s e u m r o t e i r o p a r a o m a l f a d a d o p r o j e t o d e 2 4 h o r a s d efilm es . Dziga Ver tov fo i um cine as ta so v ié t ico d o p er íod o re vo lucioná r io , cu jo

     2     3

[ 6 ] P a r a W ia z e m s k y, o c iú m e o b s e s s iv o d e G o d a r d fo i a m a io r c a u s a d o fim d o c a s a m e n t o .

Page 25: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 25/120

t r ab a lh o en fa t i zav a t an to a m o n tag em co m o a im p o r t ân c ia d a lu t a d e c l a s sese m a n d a m e n t o 7 . Num cer to n ível , a esco lha de Ver tov fo i uma provocaçãod e l ib e rad a . N ão sab iam to d o s q u e E i sen s t e in e ra o g ran d e c in eas t a r ev o lu c io -ná r io? Em 196 9 , a p rovocação era fo r te ; Ver to v nã o e ra a figura can ôn ica qu e é

ho je . Mas t inham mot ivos tan to po l í t icos quan to es té t icos para esco lher Ver tov .Po l i t icamente , i s to poss ib i l i tava a condenação de E isenste in pela sua decisãoem 19 2 4 , d e faze r u m film e h is tó r ico so b re o Potemkin , ao in vés d e se co n cen -t rar na lu ta de c lasses . I sso se encaixava com a l inha a l thusser iana de d izer quea r e v o lu ç ã o s o v ié t ic a s ó c o m e ç o u a d e s a n d a r n o m e io d a d é c a d a d e 19 2 0 . M a isim p o r t an te e ra a d i s t in ção es t é t i ca en t r e a n o ção d e E i sen s t e in d e q u e a m o n -t a g e m e r a , p r i m e i r a m e n t e , u m p r o c e s s o d e e d i ç ã o , e a p r á t i c a d e G o d a r d eG o r in , p a r a q u e m a ju s t a p o s iç ã o d o s e le m e n to s d ife r e n t e s e r a n e c e s s á r ia e m

cad a f ase d a f i lm ag em , d esd e a e sco lh a d o m ate r i a l a se r f i lm ad o à p ró p r i afilm a g e m , b e m c o m o n a a s s im c h a m a d a e d iç ã o .A idéia de o rgan ização co le t iva não era incomum. O per íodo en t re o f inal dos anos

1960 e início dos anos 1970 testemunhou várias tentativas, em todo o Ocidente,e em todos os n íveis , do domést ico ao p rof iss ional , de es tabelecer fo rmas deorgan ização n ão base adas no ind ivídu o . O de sejo po r ta is o rgan izações e ra geral-m en te p o l í t i co , e r e su l t ad o d o d esg o s to p e lo in d iv id u a l i sm o o c id en ta l ;o seu fracasso geralmente catastrófico é um elemento crucial na atual inabil idade

de im agina r relações so ciais a nã o se r na su a form a h ipe rind ividu alizada . Q ua lqu erten ta tiva d e a nal isar es te de sejo ou es te f racasso vai m uito a lem do escopo de s tel ivro. Mas para Gorin a idéia de uma organização coletiva estava no ar desdeque adquirira consciência polí t ica; e o Slon, grupo de Chris Marker, bem como aco laboração en t re Deleuze e Guat tar i , o fereceram modelos con temporâneos .

Exis t ia tam bé m um a resson ân cia esp ecífica de n t ro do f ilm e – u m ataqu e à p rópr ia idé iad o a u t o r. Ao m e s m o te m p o e m q u e a Cahiers s e o c u p a va c o m a p r o m o ç ã o d aid é ia d e au to r , o e s t ru tu ra l i sm o a t acav a a m esm a , e em 1 9 6 7 t an to B ar th esco m o Fo u cau lt p u b l ica ram en sa io s fam o so s n a in t en ção d e d e s lo ca r a n o ção d e

au to r co m o u m a co n sc iên c ia in d iv id u a l au tô n o m a. B ar th es a rg u m en tav a q u eesse co n ce ito o b scu rec ia o s có d ig o s e a s lin g u ag e n s q u e u m esc r ito r u sava e q u enã o cr iara . Fou cau l t en fat izava qu e fa lar de um au to r im utável ob scurecia as p rá-t icas ( leg a is , co m erc ia is e t c .) q u e d e fin iam a n o ção d e m u d an ça d e u m au to r.

     2     4

[ 7 ] Vide Georges SADOUL. Prefácio de Jean Rouch. Dziga Vertov . Paris, Editions Champs Libres, 1971. Annete

MICHELSON (ed . ) Kino-eye: The Writings of Dziga Vertov. Berkeley e Los Ange les, Un iversity of California Press, 198 4.

Vlad a PETRIC. Constructivism in Film: The Man with a Movie Camera. Cambridge, Cambridge Universi ty Press, 1987.

Page 26: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 26/120

I n d e p e n d e n t e m e n t e d a a c u i d a d e d e s t e s a t a q u e s a o c o n c e i t o l i t e r á r i o d e a u t o r ,h e r d a d o d o s r o m â n t ic o s , u m a b o a p a r t e d a s u a fo r ça s e p e r d e u c o m a Cahiers .A Cahiers fo i a p r im e i ra r ev i s t a a p ro d u z i r u m a t eo r i a so b re o au to r d o p o n tod e v is t a d a p l a té i a e , co m o re su lt ad o , en fa t izo u o s có d ig o s esp ec ífico s d o c in e -

m a ( d e f a to , e r a a t ra v é s d o s c ó d ig o s q u e s e e n c o n t ra v a o a u t o r) e a s p r á t ic a sle g a is e c o m e r c ia is q u e p o s ic io n a v a m o s a u t o re s e m r e la ç ã o à s c o n d iç õ e s d ep ro d u ção e d i s t r ib u ição . P a r t in d o d e o u t r a p e r sp ec t iv a , a ên fase d ad a p e laCahiers ao au to r ch eg av a a g lo r ifica r o in d iv íd u o e m t e rm o s ro m ân t ico s t r ad i-c io n a i s , e se o s ro m ân t i co s g lo r i f i ca ram o au to r à s cu s t as d o l e i to r , aCahiers acrescen tava insu l to ao in jú r io , ao neg l igenciar todas as ou t ras pessoasq u e t r a b a l h a v a m n u m f i l m e .

A q u e s t ã o d e c o m o a s d e c i s õ e s s ã o t o m a d a s n o set e r a , s e g u n d o C l a u d e N e d j a r ,

u m a o b s e s s ã o d e G o d a rd d e s d e o m e io d a d é c a d a d e 19 6 0 . P a ra N e d ja r, a p a r -t e e x c i t a n t e d o g r u p o D z i g a V e r t o v e r a q u e , d e s t a v e z , a s d e c i s õ e s n ã of i c a r i a m c o m u m a p e s s o a s o m e n t e 8 . N u m a e n t r e v i s t a q u e d e u a M i k e D i b be m 1 9 6 8 , e n q u a n t o f i l m a v a a s e q ü ê n c i a d a “ E v e D e m o c r a c y ” p a r a One Plus 

One , G o d a r d d e ixo u c la r o o q u a n t o n ã o g o s ta v a q u e o d i re t o r to m a s s e t o d a sa s d e c i s õ e s d e m a n e i r a ” f a s c i s t a ” . O i d e a l u t ó p i c o e r a q u e t o d o s o s5 0 m e m b r o s d a e q u i p e d e v i a m p a r t i c i p a r . E s t e i d e a l u t ó p i c o n ã o f o ia b a n d o n a d o p o r Go d a r d a t é o c o m e ç o d a d é c a d a d e 1 9 8 0 e a s e xp e r iê n c ia s

d e Passion e Prénom Carmen . O q u e n u n c a f o i a b a n d o n a d o é o i d e a l d ec o l a b o r a ç ã o . E m r e t r o s p e c t o , p a r a G o d a r d , a c o l a b o r a ç ã o f o i a c h a v e p a r a aN o u ve l le Va g u e , e e m G o r in e le e n c o n t ro u a lg u é m c u ja v o n t a d e d e c o la b o r a rs e c o m p a r a va à s u a .

O g r a n d e p r o b l e m a q u e c o n f r o n t a v a a c o l a b o r a ç ã o , p r o b l e m a q u e G o r i nca racte r iza em t e rm o s d e ”an g ú s t ia” , e r a o d a p l a té i a . O e n o rm e p o n to fr aco d ap o s i ç ã o d o D z i g a V e r t o v e r a p r e s u m i r q u e a p o l í t i c a r e v o l u c i o n á r i aprover ia uma ou tra p la té ia . Pod ia-se cr i t icar a p la té ia de E o vento levou p o ra c e i t a r u m a f a l s a u n i ã o e n t r e s o m e i m a g e m , m a s e s s a c r í t i c a d e p e n d i a d a

p o ss ib i l i d ad e d e h av er u m a o u t r a p l a t é i a , u m a p la t é i a m i l i t an te , p a ra a q u a l ate la ser ia o quadro-negro e a t r i lha sonora , nada mais que o in íc io de umd iá lo g o . N a v e rd a d e , q u a n d o G o d a r d e G o r in fiz e ra m u m film e q u e r e a lm e n t et en tav a a t in g i r o s e s tu d an tes m i l i t an tes , a l ém d e a em isso ra q u e so l i c i to u ot r ab a lh o se r ecu sa r a ex ib i - lo ( so b o ag o ra p rev i s ív e l p re t ex to d e q u e n ão e ra

     2     5

[ 8 ] Chr is t ine Aya, que t raba lhou como montadora em todo o mater ia l do Grupo Dziga Ver tov , enfa t iza a na tureza

a legre do t raba lho colabo ra t ivo .

Page 27: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 27/120

su f i c i en tem en te p o l í t i co ) o f i lm e t am b ém n ão co n seg u iu co n q u i s t a r q u a lq u ert ip o d e p l a t é i a p o l i t i zad a . O n o m e Lutas na Itália p o d e e v o c a r i m a g e n s d ees tu d an tes e t r ab a lh ad o res em co n f ro n to co m a p o l í c i a , m as , p a ra o G ru p oD zig a V er to v , a l u t a fo i s em p re en t r e o so m e a im ag em . Mai s d e 3 0 an o s

d ep o i s , a in d a é m o t iv o d e r i so s p a ra G o r in o f a to d e o f i lm e t e r s id o f e i toq u a s e q u e i n t e i r a m e n t e e m P a r i s , p o r q u e t o d o o í m p e t o d e s u a a n á l i s ese en co n t ra n o f a to d e q u e é im p o ss ív e l “v e r” u m a s i tu ação so c ia l . S e a jo ve m e stu d a n te ita lia n a , p ro ta go n ista d o film e , se to rn a u m a re vo lu cio n á ria , éa t ra vé s d o e xa m e r e p e t it ivo d e u m a s é r ie m u ito p e q u e n a d e im a g e n s ; a tr a vé sd a r e fle x ã o a r e s p e it o d a s m e s m a s , e la e n t e n d e c o m o s u a p r ó p r ia s u b je t ivi-d a d e é c o n s t it u íd a p e l a lu t a d a s c la s s e s 9 .

O f ilm e é t ran q ü ilam en te o t rab a lh o m ais p o l ít ico e t eo r icam en te co e ren te d o G ru p o

D z ig a Ve r t o v. P e lo m e n o s e m p a r t e , p o r q u e é b a s e a d o q u a s e q u e in t e ir a m e n t e ,n a r eação d o p ró p r io A l th u sse r ao s ev en to s d e m aio d e 1 9 6 8 , d esc r i t a n o seue n s a i o Ideology and Ideological State Apparatuses ( Id eo lo g ia e ap a re lh o sideo lóg icos do Estado) 10 . Al thusser fo i jun to com a esposa ass is t i r ao f i lme nas a la d e m o n t a g e m , n a Ru e d e Re n n e s e , se g u n d o G o r in , c h o r o u .

A l th u sse r p o d e t e r se em o c io n ad o m u i to , m as n ão co n s t i tu í a u m a p la t é i a g ran d e .O ú n i c o l u g a r o n d e t a m a n h a p l a t é i a p o d i a s e r e n c o n t r a d a e r a n o s c a m p ia m e r ic a n o s . Q u a n d o G o d a r d fe z u m a t u rn ê c o m o film e A chinesa , em 19 6 8 , a

v iage m inclu iu um a m ost ra no Pacific Film Arch ive, on de o cu rado r Tom Lud dyorgan izara um a re t rosp ect iva to ta l. Lud dy fo i es tud an te d e Berkele y , o e p icen t rodo m ovim en to an t igue rra , e era f iliad o a o Ma ois t P rogress ive Lab ou r Par ty (Par-t ido Trabalh is ta Progress is ta Maoís ta) . E le acompanhou Godard a Los Angeles ,on de King Vido r , Jea n Ren oir e Fritz Lan g es t iveram pre sen tes nu m a e xib ição d eA chinesa e p a r tic ip a r a m d e u m a m a n ife s t a çã o p e la lib e r d a d e d e H u e y N e w to n ,n a c a d e ia d e O a k la n d 11 .

     2     6[ 9 ] P a r a u m a a n á l is e m a is e x te n s a d e Lutas na Itália e d e o ut ros f ilm es d o ( grupo ) Dziga Ver tov , vide Col in M ACCABE,

Godard: Images, Sounds, Politics . , cap ítulos 3-5.[ 10 ] Ide ology an d Ide ologica l Sta te Appara tuse s (No tes Towa rds an Inves t iga t ion ) . In : Lenin and Philosophy and 

Other Essays. Traduzido por Ben Brewster. London, New Left Books, 1971. pp. 121-173. O ensaio foi escri to no

c o m e ç o d e 1 9 6 9 e p u b l ic a d o p r im e i ra m e n t e n a F r a n ç a , e m a b r il d e 1 9 7 0 . G o r in o le u lo g o a p ó s t e r s id o e s c rit o e

antes d e f ilm ar Lutas na Itália , e m d e z e m b r o d e 19 6 9 . A m a io r p a r t e d o f ilm e f o i film a d a n o a p a r t a m e n t o d e G o d a r d

e W i a ze m s k y, n a Ru e S a in t -Ja c q u e s , e m b o r a t e n h a h a v id o a lg u m a s t o m a d a s e m Ro m a e M ilã o .[ 11 ] Godard f icou imedia tamente fasc inado pe los Black Panthers (Panteras Negras) . Quase todas as suas car tas e

t e le g r a m a s a L u d d y d u r a n t e o s d o i s a n o s s e g u in t e s in c lu í a m p e d id o s d e m a t e r ia l d o s P a n t h e r s e e s t e m a t e r ia l é im e -

d i a ta m e n t e r e fle t id o e m One Plus One .

Page 28: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 28/120

Lu d d y se to rn o u a co n e xão a m er ican a d e G o d a rd e fo i e le q u e m o rg an izo u a p r im e irade uma sér ie de tu rnês do Grupo Dziga Ver tov na p r imavera de 1970 . Hav iaum motivo financeiro para isso. As solici tações das emissoras de televisão erampouco lucrat ivas e o cachê de mi l dó lares para fa lar em cada even to que Luddy

arrumou foi uma adição significante aos fundos do Grupo Dziga Vertov. ParaGorin , pelo menos , i s to sa t i s fez a necess idade desesperada de uma p la té ia .De acordo com a le i tu ra d as h is tó rias a resp ei to d as v is itas de God ard e Gor in n aim p ren sa underground d a ép o ca , n ão se p o d e d ize r q u e a p l a t é i a fo i m u i torecep t iva , m as e ra en fim u m a p la t é ia – e u m a q u e ce r t am e n te se g ab av a d e u mrad icalism o com par t ilhad o .

O s Es tad o s U n id o s fo rn ece ram u m a resp o s ta p a rcia l ao p ro b lem a p la t é ia , m as u m a so -lução m ais sa t is fa tó r ia , de acordo com o e svaziam en to da m aré revo lucion ár ia n os

Estado s Unidos e na França, foi film ar um a revolução verdad eira. A gue rra d e 1967en tre á rabe s e israelen ses h avia radicalizad o o s palest ino s de form a violen ta. Apó sd u a s d écad as d e esp e ra p e la so lu ção d o s seu s p ro b lem as p o r p a r t e d o s Es tad o sá rab es , o s p a les tin o s se e n co n t ravam sem a m arg em esq u erd a d o r io Jo rd ão , q u eha via s ido o cupa do p elos is raelen ses . Um a grande qu an t idad e de facções revo lu -cion ár ias su rg iu n a Jo rdân ia e com eçou a cr iar um Estado d en tro d o Estado .

G o d a r d e G o r i n c o n c o r d a r a m c o m u m p e d i d o d a L i g a Á r a b e p a r a f a z e r u m f i l m eso b re a s i tu ação p a les t in a e , n o in í c io d e 1 9 7 0 , p assa ram b as t an te t em p o n a

Jo rd ân ia , co m G o d ard fr eq ü en tem en te vo lt an d o d e av ião p a ra a Fran ça p a ra ve rWiazem sk y . P a ra o G ru p o D z ig a V er to v n ão h av ia a q u es t ão d e s im p lesm en te“en co n t ra r im ag en s” , o e r ro d e Sons britânicos e Pravda ; o esforço crucial era“co n s t ru i r ” a s im ag en s , p ra t i ca r a m o n tag em an tes d a f i lm ag em . Mas es t e se s fo r ço s fo r a m a t ra p a lh a d o s p e lo f a to d e q u e n e m G o d a r d n e m G o r in f a la va márabe. E les se v i ram freqüen temente escu tando um d iscurso longo e compl icadosó p a ra d e p o is o u v ir o in té rp re t e t r ad u z i-lo em p o u cas p a lav ras : “N ó s lu t a rem o saté a vitória”.

No fina l, Jusqu’àla victoire s e to r n o u o n o m e d o f ilm e , m a s a n t e s q u e e le s p u d e s s e m

te rm in ar a m o n tag em , o d in h e iro fo rn e c id o p e la Lig a Árab e se e sg o to u . A sa íd afo i ace i t a r a o fe r t a d e u m a em isso ra a l em ã p a ra f aze r u m f i lm e so b re o ju lg a -m en to co n sp i r a tó r io em C h icag o , q u an d o , d ep o i s d o s d i s tú rb io s p ú b l i co s n aC o n v en ção D em o cra ta d e 19 6 8 , d ive r so s r ad ica is fo ram a ju lg am en to so b a cu -saçõ es f a l sas . E m en t r ev i s t a s n o s cam p i am er i can o s n aq u e la ép o ca , G o d ard eG o r in d e ix a ram c la ro q u e n ão t in h am m u i to in t e res se p o r Vladimir e Rosa ,c o m o e le s o c h a m a va m ; q u e e s t e e r a a p e n a s u m in s t ru m e n t o p a r a fin a n c ia r ofilm e p a les t in o , e t a l a t it u d e t ran sp arece n o q u e é c la ram en te a m en o s in t e res -

san te das exper iências do Grupo Dziga Ver tov .

     2    7

Page 29: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 29/120

M a s s e Vladimir e Rosa fo i u m a b a g u n ç a q u e p a s s o u p o r u m a a r ru m a ç ã o rá p id a , u md e s tin o m u ito p io r e sp e rava Jusqu’àla victoire . En q u an to G o d ard e G o r in film a-vam e m on tavam , a s ituação p o lít ica se to rnou cada vez m ais vo lá t il, com m uitasv o zes p a les t in as c lam an d o p o r u m a d e r ru b ad a r ev o lu c io n ár ia d o Re i Hu sse in e

a t o m a d a d o E s t a d o j o r d a n i a n o c o m o p r e l ú d i o d e u m a g u e r r a g e n e r a l i z a d acon tra Is rael . De fa to , a s i tuação es tava tão vo lá t i l que Godard ped iu que Clau-d e N e d j a r, q u e a g o r a tr a b a lh a v a co m o p r o d u to r d e t o d o s o s film e s d o G r u p oD zig a V er to v , p ro v id en c ias se u m a p o r t a b l in d ad a p a ra a sa l a d e m o n tag em .N es ta ép o ca , G o d ard já h av ia sa íd o d o ap ar t am en to n a Ru e S a in t -Jacq u es e d o r -m ia n a sa l a d e m o n tag em . E ssa co n ju n ção t ão im ed ia t a d e v id a e t r ab a lh o ,co m o m u i to s o u t ro s e l em en to s d o p e r ío d o D z ig a V er to v , t ro u x e seu s f ru to sm ais tarde . Em ret rospe cto , Godard v iu i sto com o se nd o u m a e spécie d e imi tação

d a c l ín i ca d e seu p a i1 2

. O s ev en to s n a Jo rd ân ia ev o lu í r am co m m u i t a r ap id ez .N o o u t o n o d a q u e l e a n o , H u s s e i n l a n ç o u u m a t a q u e c o n t r a a r e v o l u ç ã op a l e s t i n a e m u i t o s p a l e s t i n o s m o r r e r a m n u m m ê s q u e a i n d a l e v a o n o m e d eS e tem b ro N e g ro . A v itó r ia d a r ev o lu ção se to rn o u a m a is am arg a d as d e r ro tas .

A e s t a a l t u r a , b o a p a r t e d o e n t u s i a s m o i n i c i a l c o m Vento do Leste t i n h a s ed i ss ip a d o . Exis t ia u m d e s e jo p o r p a r te d a d u p l a G o d a r d e G o r in d e a u m e n t a ro g ru p o , e e s fo rço s fo ram fe i to s co m G éra rd Mar t in e N a th a l i e B ia rd ,e x - a m a n t e d e G o r i n , p a r a a u m e n t a r a p a r t i c i p a ç ã o a t i v a , m a s e s t e s n ã o

f o r a m b e m - s u c e d i d o s

1 3

. F in a lm en te , d es i lu d id o s , e l e s d ec id i r am faze r u mfilm e m ai s co m erc ia l.U m a d as m a io res ên fases d o G ru p o D z ig a V er to v e ra a p r im az ia d a p ro d u ção , m as

seus f i lmes não eram v is tos ; agora e les far iam um f i lme que ser ia d is t r ibu ído .N o s p r im e i ro s m ese s d e 19 71 , co m a a ju d a d o ca r ism át ico p ro d u to r Jean -P ie r r eRa s s a m , e le s m o n t a r a m u m film e , Tudo vai bem , fin an c iad o p e la G au m o n t , q u ee xam in av a a lu t a d e c la s ses n a F ran ça q u a t ro a n o s d e p o is d e 19 6 8 . Yves Mo n -tan d , u m d o s g ran d es a s t ro s d o c in e m a fr an cês , fo i co n v o cad o ju n to co m Jan eF o n d a , q u e n a q u e l a é p o c a e s t a v a n o a u g e d e s u a c a r r e i r a 1 4 . A m b o s e r a m c o -

n h e c i d o s a t i v i s t a s d e e s q u e r d a . T a l e r a o p o d e r d o n o m e d e G o d a r d e t ã o   2     8

[ 12 ] Entrevis ta , Jean-Luc Godard , dezembro de 1988.[ 13 ] O G r u p o D z i ga Ve r t o v n ã o e m it ia c a r te i rin h a s d e m e m b r o s , m a s o s n o m e s a s e g u ir fo r a m a s s o c ia d o s a e l e , p o r

a lgum tempo: Paul Bourron , Jean-Pier re Gor in , Armand Marco , Gérard Mar t in , I sabe l le Pons , Jean-Henr i Roger ,

R a p h ä e l S o rin , An n e W ia z e m s k y. Bo u r r o n e M a r co e r a m o p e r a d o r e s d e c â m e r a . Se a s m u l h e r e s p a r t ic ip a r a m d o

g r u p o , is s o é d i sc u t ív e l. Cla u d e N e d j a r s e m p r e a t u o u c o m o o p r o d u t o r.[

14]

Ela g a n h a r ia o O s c a r n o a n o s e g u i n te ( 1 9 7 2 ) p o r Klute, o passado condena (dir. Alan Pakula).

Page 30: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 30/120

a t r aen te a p o ss ib i l i d ad e d e f aze r u m f i lm e p o l í t i co co m erc ia l co m e le q u e o sd o i s c o n c o r d a ra m e m t ra b a lh a r s e m a d ia n t a m e n t o d e c a c h ê e s ó c o m a p a r t ic i-p ação n o s lu c ro s .

T a m b é m h a v i a u m a p a r t e a m e r i c a n a n o n e g ó c i o , e n o d i a 9 d e j u n h o d e 1 9 7 1 ,

G o d ard e G o r in e s t avam p res t es a p e g ar u m av ião p a ra N o v a Yo rk co m op ro p ó s ito d e as s in a r co n t ra to s co m Fran k Yab lan s , d a P a ram o u n t . Eles se en co n -t ra r a m n a Ru e d e Re n n e s , o n d e G o r in d e s c o b r iu q u e h a v ia d e ixa d o s e u p a s s a -p o r t e e m c a s a . C o n c o rd a r a m e m s e e n c o n t ra r n o a e r o p o r t o , m a s a n t e s G o d a r dq u er i a p assa r n u m a l iv ra r i a p a ra co m p ra r Meti – um tex to de Brech t . Chr is t ineA y a , a m o n tad o ra q u e t r ab a lh av a co m o s d o i s n a ép o ca , se o fe receu p a ralevar Godard na sua moto . “Não faça i sso ,” b r incou Gor in , “você vai so frer umac id en te . ” N o f in a l d a R u e d e R en n es , u m ô n ib u s q u e es t av a en t r an d o n a ru a

p r e n d e u a m o t o e G o d a r d d e b a ixo d a r o d a d ia n t e ir a . G o d a r d q u e b r o u a b a c ia ,f ra tu rou o crân io e so freu vár ias d i lacerações no corpo . Na p r imeira no i te nohosp i ta l , Gor in fo i in fo rmado que seu parcei ro cer tamente i r ia morrer . E le sórecu p e ro u a co n sc iên c ia d ep o is d e se is d ias e en t ro u e sa iu d o h o sp it a l d ive r sasve z e s d u r a n te m a is d e d o i s a n o s . A m o n t a d o r a t a m b é m s o fr e u le s õ e s g ra ve s .Para Godard, isso foi “o f inal lógico de 1968”.

Mas a in d a h av ia n eg ó c io s a se rem co n c lu íd o s . O m ai s im p o r t an te p a ra G o r in e ra aq u e s tã o d o s e g u r o m é d i co d e G o d a r d . Ra s s a m te le fo n a r a p a r a e le d iz e n d o q u e

Jan e Fo n d a es t av a sa in d o : “Ela e vo lu iu e n ã o q u e r tr ab a lh a r co m h o m en s .” Seela sa ísse , o f i lme ru i r ia , e Godard não ter ia cober tu ra . Gor in fo i v is i tá- la ec o n v e n c e u - a a p e r m a n e c e r n o film e . Em d e z e m b r o , a p e s a r d e a in d a e s t a r e mt ra t am en to , e co m a p e r sp ec t iv a d e m ai s in t e rn açõ es h o sp i t a l a res à su a f r en te ,G o d ard es t av a p ro n to p a ra in i c i a r a f i lm ag em . A t r am a d e Tudo vai bem és im p les : u m casa l – u m d i r e to r d e f i lm es e u m a rep ó r t e r d e r ád io – f az u m av i s i t a a u m a fáb r i ca p a ra q u e e l a f aça u m a m até r i a so b re a s i tu ação a tu a l d aFran ça . En q u an to es t ão lá , e le s se en vo lvem n a o cu p ação d a fáb r ica e sã o a p r i-s io n a d o s j u n t o c o m o p a t rã o e m s e u g a b in e t e . Ta is “s e q ü e s t ro s ” e r a m u m a d a s

t á t i cas e sq u erd i s t a s p re fe r id as ap ó s 1 9 6 8 . O e fe i to d a v i s i t a i n d u z o casa l ar e f l e t i r h i s to r i cam en te so b re su as p ró p r i as v id as , e o f i lm e t e rm in a co ma g e n e r a liz a ç ã o d e s u a d e s c o b e r t a p a r a t o d a a F ra n ç a .

A es t ru tu ra d o f i lm e é , d e a lg u m a m an e i ra , p a rec id a co m a d e Vento do Leste e d eLutas na Itália , mas o con teúdo é f ic t íc io , apesar de d is tanciado . Tudo vai bem fo i i n sp i r ad o n ão em A l th u sse r , m as s im em B rech t . F i cam o s c i en tes d a câm e-r a , s e m p r e f i x a o u d e l i b e r a d a m e n t e e m m o v i m e n t o , s e m p a n o r â m i c a s o uzooms ; f i cam o s c i en tes d o p a lco – a f áb r i ca p a rece u m cen ár io – , e f i cam o s

c ie n t e s d o s a t o re s , d e M o n t a n d e Fo n d a c o m o p e r so n a g e n s , m a s p e r s o n a g e n s

     2     9

Page 31: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 31/120

n ão m u i to d ife ren tes d e su as p e r so n a l id ad es p ú b licas . O f ilm e co n s tan tem en ted e m o n s t r a a s c o n d i ç õ e s d a s u a p r ó p r i a p r o d u ç ã o , e s p e c i a l m e n t e n a c e n a d ea b e r t u r a d o s c r é d i t o s , e m q u e o c u s t o d e c a d a i t e m é e s c r i t o n u m t a l ã od e ch eq u es q u e v a i f i can d o cad a v ez m ai s co m m en o s fo lh as . A d e te rm in ação

d o G ru p o D z ig a V er to v d e m o n ta r an tes d e f i lm ar f ez co m q u e o s t r ab a lh ad o -res d a f áb r i ca fo ssem jo v en s a to res d esem p reg ad o s . G o d ard e G o r in ach aramq u e se u sassem t rab a lh a d o res d e v e rd ad e , e s te s fica r iam t ão in t im id ad o s p e lo sas t ro s q u e o f i lm e n ão co n seg u i r i a r e t r a t a r n ad a d o a t r i t o p ro le t á r io /b u rg u ês ,n ecessá r io p a ra an im ar a cen a cen t r a l . Mas a to res d esco n h ec id o s co n t racen an -d o co m as t ro s e ra a lgo d ig n o d e se r film ad o .

Tr in t a an o s m a is t a rd e , o film e a in d a t em va lo r . O s m ecan ism o s b rech t ian o s r ea lm en -t e fu n c io n am – fo rn ecen d o t an to d i s t ân c ia co m o en g a jam en to – e o f i lm e

fo rn e ce u m re t ra to b as t an te f ie l d as in sa t is façõ e s d e t rab a lh o , tan to n a p ro d u -ção m ass ificad a co m o n a m íd ia au d io visu a l . O p ro b lem a , n o e n tan to , co n t in u as e n d o a p o lít ic a . O n d e a lu t a d e c la s s e s d o s m a o ís t a s e a id e o l o g ia a l th u s s e -r ian a f racassa ram , o film e o fe rece u m a seq ü ê n c ia fin a l em q u e o s e sq u erd i st a ss a q u e ia m u m s u p e r m e r ca d o ( o u t r a fa vo r ita , d e n t r e a s t á tic a s c o n te m p o r â n e a s ) .D e m u it a s m a n e ir a s, o film e f u n c io n a c o m o u m a e l e g ia a u m m o m e n to h is tó -r ico , m as fa lt a a co rag em d o s seu s p ró p r io s insights , que en vo lver ia u m a cr ít icam u ito m a is r ad ica l à p o lít ica d e esq u e rd a .

En t re a m o n t a g e m d o film e e a v e ic u la ç ã o d o m e s m o , u m jo v e m m ilit a n te m a o ís ta ,P ie r r e O v ern ey , fo i m o r to a t i ro s n o p o r t ão d e u m a fáb r i ca d a R en au l t . S euen te r ro se to rn o u a ú lt im a g ran d e m an i fes t ação d e m aio . G o d ard d is se a G o r inq u e e s t a e ra a p la t é ia p a ra seu film e , e le s só p rec isav am ach ar u m a m an e ira d ea lcan çá- la . Mas Alth u sse r co m en to u , ta lvez co m u m p o u co m ais d e p resc iên c ia ,q u e o s en lu tad o s es t av am a l i “p a ra en te r r a r o e sq u erd i sm o ” .1 5 Tudo vai bem 

nu nca con segu iu de fin i r se e xis t ia p ara e n te r rar o u e xal tar , e se u fina l g lo r ifica avio lê n c ia , q u e e r a u m d o s a s p e c to s m e n o s a t ra e n te s d o e s q u e r d is m o . D e fa t o ,m esm o em 1 9 8 0 , G o d ard d i s se : “P ara m im , a t é h o je o s t e r ro r i s t a s co n t in u am

s e n d o o s h e r d e ir o s .” 16

A f i l m a g e m d e Tudo vai bem fo i i n fe l i z e seu l an çam en to , u m d esas t r e c r í t i coe c o m e r c i a l . C o m o s e p a r a c o m p l e t a r u m c í r c u l o d e t r i s t e z a , o f i l m e

     3     0

[ 15 ] Lou is ALTHU SSER, L’Avenir dure longtemps . Paris . Stock/IMEC, 199 2. p . 225 . Em Le fond de l’air est rouge , Chris

Marker descreve o funera l de Overney como o “úl t imo cor te jo” .[ 16 ] Colin M ACCABE. op. cit ., p . 7 5 . Em b o r a n ã o e xis ta m r e g is tr o s d e G o d a r d o u G o r in a t iv a m e n t e a p o i a n d o o t e r-

r o r is m o , So r in c o n t a u m a e s t ó r ia h i la r ia n t e e a s s u s t a d o r a d e B o u r r o n q u e r e n d o fa z e r u m a b o m b a d u r a n t e a s f ilm a -

g e n s d e Vento do Leste . Sor in suge r iu qu e e le f izesse u m a “m ui to p eq ue na”; fo i o suf ic ien te para d es t ru i r o b anh ei ro

d o h o t e l o n d e e l e s e s ta v a m h o s p e d a d o s . G o d a r d s e r e fe r e à e s t ó r ia c o m o u m a le n d a .

Page 32: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 32/120

s e g u i n t e d e G o d a r d e G o r i n , Carta para Jane , f o i u m a t a q u e f e r o z à s u ae s t r e l a r e c e n t e . O f i l m e é c o m p o s t o d e u m a ú n i c a i m a g e m – u m a f o t o g r a f i ad e J a n e F o n d a n o V i e t n ã d o N o r t e . O c o m e n t á r i o , a “ C a r t a p a r a J a n e ” ,a n a l i s a a f o t o e m t e r m o s d a r e p r e s e n t a ç ã o d o m u n d o p o r p a r t e d a m í d i a

c o n t e m p o r â n e a . Ta m b é m a n a lis a a fo t o e m t e rm o s d a h is tó r ia d o c in e m a – am a n e i r a c o m o a e x p r e s s ã o n o r o s t o d e F o n d a , q u e é m u i t o p a r e c i d a c o m ad e s e u p a i H e n r y , é o e q u i v a l e n t e e m a t u a ç ã o d o N e w D e a l : p r e o c u p a ç ã olib e ra l b e n ig n a .

P a ra G o r in , o film e c o n tin u a s e n d o u m d o s r a r o s e xe m p lo s d e u m e s t u d o s o b r e ah i s tó r i a d a a tu ação c in em ato g rá f i ca , e e l e d e fen d e a in t e l ig ên c ia d a an á l i se .M a s n a é p o c a o film e fo i p e r ce b i d o c o m o u m a t a q u e f e ro z d e d o is h o m e n s au m a m u lh e r q u e n ã o t e v e a c h a n c e d e s e d e fe n d e r . Tr in t a a n o s d e p o is , e le p a -

r e c e c o n f ir m a r o q u e An n e W i a ze m s ky le m b r a c o m o a “ m is o g in ia ” d o G r u p oD z i g a V e r t o v . G o d a r d f a l o u d i r e t a m e n t e s o b r e a r e l a ç ã o d o g r u p o c o m a sm u lh e r e s n u m a e n t re v is ta a m e r ic a n a :

A b ase p a ra Lutas na Itália fo i a ten ta t iva de conci l iar nossas v idasp e s s o a is c o m a s n o s s a s e s p o s a s . Tín h a m o s p r o b le m a s c o m o in d i víd u o s ,m as es t e s e ram re l ac io n ad o s ao p ro b lem a g e ra l . E n tão esco lh em o s , d e l i -b e r a d a m e n t e , u m a s s u n t o q u e e r a f o r t e m e n t e r e l a c i o n a d o à n o s s a i d e o -

lo g ia , p o r q u e , a té q u a n d o fa la m o s c o m a m u lh e r p e la q u a l e s t a m o s a p a i-xo n ad o s , o u q u an d o e s sa m u lh e r fa la co n o sco , is to é id e o lo g ia .

N ó s t e n t a m o s , e f o i u m f r a c a s s o t o t a l , p o r q u e t e r m i n a m o s o f i l m es o z in h o s . N o s s a s e s p o s a s p e n s a ra m n a q u e l a é p o c a q u e a q u e l e e r a a p e -n a s n o s s o t r a b a l h o – a q u e l a c o i s a , “ e s s e é o s e u t r a b a l h o . E u t a m b é mt e n h o m e u t ra b a lh o , e e s t e é o s e u ” . Te n t a m o s fa z e r o film e p a r a e xp o ro p r o b le m a – n ã o p a r a r e s o lvê - lo , m a s a p e n a s p a r a e xp ô -lo – , p a r a d iz e r ,“ E s t e é o n o s s o t r a b a l h o d o p o n t o d e v i s t a t é c n i c o , s i m , m a s d e u m

p o n to d e v i s t a m a i s g en era l i zad o é a n o ssa v id a” . A t en ta t iv a d et r a b a l h a r j u n t a m e n t e c o m a s n o s s a s e s p o s a s n o s f i l m e s , q u a n d o e l a sn e m s e in t e r e s sa va m m u it o p o r film e s , e r a c o r re t a n a q u e le m o m e n to 17 .

A fotógrafa do retrato de Tudo vai bem era uma jovem suíça, Anne-Marie Miéville(cred i tada com seu nome de casada, Anne-Marie Michel ) , que Godard conheceuem 1970 . O re lacionamento hav ia se in tens i f icado duran te a época em que e le

     3     1

[ 17 ] Michae l GO O DWIN; Tom LUDDY e Nao m i WISE. , The Dziga Ver tov Grou p. In : “Am er ica : an In te rv iew wi th Jean -Luc Go dard and Jean -Pier re Go r in” , Take One , vol .2, n.10 (março-abril de 1970).

Page 33: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 33/120

en trava e sa ía do hosp i ta l depo is do aciden te de moto , e Godard agora quer iaen co n t ra r m an e i r as d e a l can çar a id é i a d e u m es tú d io d e v e rd ad e , u m q u eincluiria tanto Miévil le como Gorin . A revolução havia terminado e as discussõeseram sobre o t ipo de es t ru tu ra em presar ia l ne cessár ia pa ra e les p od erem realizar

suas a m bições c ine m atográficas . Gor in confessa qu e essas d iscussões d e ne gócioso en ted iavam, mas e las resu l taram na fundação de uma empresa , Tou t Va AssezBien (Tud o vai m ais ou m en os be m ), da q ual e le e ra o represen tan te legal.

A co m p an h ia t in h a d o i s p ro je to s in ic ia is , u m film e esc r ito p o r G o r in , co m o n o m e d eAilleurs immédiat  ( I m e d i a t a m e n t e e m o u t r o l u g a r ) , e u m e s c r i t o p o rG o d a r d , c h a m a d o Moi, je . A injunção final de Tudo vai bem e r a “ p e n s a r s o b r es i m esm o h i s to r i cam en te” , e am b o s o s f i lm es e ram t en ta t iv as d e f azê - lo , m asc o m q u e s tõ e s d e s u b je t ivid a d e e s e xu a lid a d e a g o r a m is tu r a d a s p r o fu n d a m e n t e

co m q u es tõ e s d e p o lít ica e h is tó r ia . O n o m e p a ra o f ilm e d e G o r in fo i t ir ad o d eG eo rg es B a ta i l l e , o g ran d e t eó r i co d o e ró t i co q u e m o r reu n o in í c io d o s an o s1 9 6 0 , m as cu jo s p en sam en to s fo ram c ru c ia i s p a ra F o u cau l t , D er r id a , B ar th ese para a rev is ta Tel Quel . Ailleurs immédiat foi o primeiro f i lme da TVAB ase r p ro d u z id o .

O s sets d o s film es e ram n o tó r io s p e lo seu cao s se xu a l . Ailleurs immédiat , c o m o e r o -t i sm o co m o seu as su n to cen t r a l , e co m G o r in n o p ap e l p r in c ip a l e co m odire to r , es tava des t inado a es tabelecer recordes de caos . A at r iz p r incipal , que

e s t a v a t e n d o u m c a s o c o m G o r i n , t r a n s f e r i u s u a s a t e n ç õ e s p a r a u m a o u t r aM u lh e r d o e le n c o , e q u a n d o a s d u a s m u lh e r e s d e c id ir a m q u e o d ir e to r e s t a vas e c o m p o r t a n d o d e m a n e ir a m a c h is ta , a film a g e m im p lo d i u 1 8 . Gorin foi para aC a l i fó rn ia , o n d e T o m L u d d y es t av a esp e ran d o p a ra cu id a r d e le e a r ru m ar - lh eu m em p reg o , e o G ru p o D z ig a Ver to v já e ra co isa d o p assa d o .

É difíci l encontrar um maoísta no século XXI. Depois da morte do Grande Timoneiro *,as terríveis realidades do Great Leap Forward ** e da Revolução Cul tu ra l começa-ram a ap a rece r. Q u an d o a C h in a e o Vie tn ã e n t ra ram em g u er ra n o fin a l d o s an o sseten ta , o marx ismo-len in ismo se to rnou um termo h is tó r ico . Para completar

es t e q u ad ro , o m éd ico d e Mao p u b l i co u su as m em ó r ias 1 9 , que deixaram mui toclara a verdade da f rase d i ta por Lorde Acton , “o poder tende a corromper , e op o d er ab so lu to co r ro m p e ab so lu tam en te” . Mas se p en sa rm o s n o g ran d e s lo g an

     3     2

[ 18 ] Isabe lle Po ns . Ent revis ta , março de 2002 .[ * ] Mao Tse-Tung.[ ** ] Per íodo de grande cresc imento econômico na China , en t re 1957 e 1961. (N. do T. )[ 19 ] Zhisu i LI. The Private Life of Chairman Mao (A Vida Privada do Camarada Mao). New York, Random House, 1996.

Page 34: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 34/120

d e Mao , q u e n ó s d ev em o s co n ta r co m n o ssas p ró p r ias fo rças , s e co n s id e ra rm o sa ê n fase m ao ís ta n a n eg ação d e u m a sep aração e n t re o t rab a lh o in t e lec tu a l e ot rabalho manual , ou sobre a necess idade de encon trar um equ i l íb r io d i feren teen t re o cam p o e a c id ad e , p o d e- se a rg u m en ta r q u e a v id a d e G o d a rd d esd e 1 9 6 8

d em o n s t r a q u e , i n d ep en d en tem en te d e q u ão p o u co s t ex to s d e Mao e l e t en h alido, ele os leu com muita atenção. Exist ia também um legado até mais duradouro.O maoísmo f rancês hav ia se au to def in ido como uma “Nova Resis tência” ,argum en tando qu e o país a ind a e s tava ocu pad o p elo cap ita l. Es ta é um a ide n t ifi-cação q u e G o d ard n u n ca ab an d o n o u . A id é ia d e q u e o c in e m a fo i vítim a d e u m ao cu p ação , u m a o cu p ação a q u e e le d ev e r es is tir , é u m d o s t em as m ais reco r ren -tes das e n t rev is tas de Go dard n as ú l tim as t rês d écad as .

Q u a n t o a o s f i l m e s d o G r u p o D z i g a V e r t o v , e l e s f o r a m f e i t o s p a r a u m a p l a t é i a

q u e n ã o e x i s t i a n a é p o c a , e é d i f í c i l i m a g i n á - l o s e n c o n t r a n d o u m av e r d a d e i r a a g o r a . S u a p o l í t i c a p a r e c e g r o t e s c a , s e n ã o o f e n s i v a , m a s éd i f í c i l i m a g i n a r u m a c r í t i c a m a i s a b r a n g e n t e d o m u n d o a u d i o v i s u a l d ein fo r m a ç ã o , u m m u n d o c u jo d o m ín io é m u it o m a io r h o je d o q u e q u a n d oo s f i l m e s f o r a m f e i t o s . G o d a r d d e s e n v o l v e u e s s a s t e s e s a o i n v é s d ea b a n d o n á - la s . A s e p a r a ç ã o q u e G o d a r d e fe t ivo u e m 19 6 8 n u n c a fo i r e n u n -c i a d a ; m a s s i m a m p l i a d a e i n t e n s i f i c a d a . S e u s f i l m e s n ã o g e r a m m u i t op r a z e r , m a s q u a l q u e r p e s s o a q u e q u e i r a f a z e r u m d o c u m e n t á r i o , c o n s c i -

e n t e m e n t e o u i n c o n s c ie n t e m e n t e , v a i u t iliz a r té c n ic a s , e s t r a t é g ia s e p r o c e -d i m e n t o s q u e f o r a m a n a l is a d o s b r ilh a n t e m e n t e n a s o b r a s d o G r u p o D z ig aV e r t o v . A c o l a b o r a ç ã o c o m G o r i n é r e c o n h e c i d a p e l o s d o i s c o m o u m ac o l a b o r a ç ã o r e a l . P a r a G o d a r d , G o r i n d a v a - l h e o i m p u l s o q u a n d o e l ee m p a c a v a : “ E r a u m a m a n e i r a d e c o n t i n u a r n o r a m o ” . D i s s e G o r i n s o b r eG o d a r d : “Eu lh e d a v a e s p e r a n ç a q u a n d o e le n ã o t in h a n e n h u m a ”.

Q u a n t o a m a i o d e 1 9 6 8 e m s i , q u e m s a b e o q u e a s g e r a ç õ e s f u t u r a s p o d e r ã oen co n t ra r n e s te m o m en to ext rao rd in á r io – d e n t ro d e q u a is lin h ag en s m ilen a rese l e a in d a p o d erá se r i n se r id o , d en t ro d e q u a l l ad a in h a b an a l d e id io t i sm o

t rág ico e l e a in d a p o d e rá d esa p arece r? G o d ard d i sse q u e n a r ea lid ad e a N o u v e lleV ag u e (N o v a O n d a) fo i a Ú l t im a O n d a , e 1 9 6 8 ce r t am en te p a rece t e r m a i s emc o m u m c o m u m p a s s a d o d e in s u r re iç õ e s ( h a v ia m e xis tid o b a r ric a d a s e m P a rise m q u a s e t o d a s a s d é c a d a s d e s d e 1 7 8 9 ) d o q u e c o m o f u t u r o d a m í d i a . P a r aRaphäel Sor in , agora d i re to r da ed i to ra Fayard , a sua geração deixou a desejar– na l i tera tu ra , na po l í t ica ou na f i losof ia . Cer tamente , se nós lembrarmos dom o m e n t o n a E c o l e N o r m a l e S u p é r i e u r e e m m e a d o s d o s a n o s 1 9 6 0 , q u a n d oRober t L inhar t p roduzia Cahiers Marxistes-Léninistes e Jacques-Alain Miller

p ro d u z ia Cahiers pour l’analyse ( s e n d o q u e o s d o is fo r a m c o le g a s d e c la s s e d e

     3     3

Page 35: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 35/120

Go rin e de Sor in n a Lou is le G rand ) , é d ifíc il acred itar qu e o luga r de Linh ar t no sl iv ro s d e h i s tó r i a se j a u m ro d ap é ao s ev en to s d e m aio 2 0 , e o de Miller ,u m ro d ap é n a h is tó r ia d a p s ican á lise 2 1 . P o ss ive lm en te , a t é a in d a m ais su rp ree n -d en te e m a i s d i f í c i l d e ex p l i ca r , é a m an e i r a co m o o s p en sad o res d aq u e la

ép o ca ( esp ec ia lm en te F o u cau l t e D er r id a ) se to rn a ram u m a o r to d o x ia acad ê-m ica p a ra lisan te n o s Es tad o s U n id o s .

T a l v e z o v e r d a d e i r o l e g a d o d e m a i o d e 1 9 6 8 s e j a u m c o n j u n t o d e p e r g u n t a s .N o s e u n í v e l m a i s i m p o r t a n t e , o m o v i m e n t o e s t u d a n t i l e r a a n t i a u t o r i t á r i o –u m a r e c u s a a o p o l i c i a m e n t o s e x u a l o u e s t é t i c o . D e m u i t a s f o r m a s , e l e f o im u it o b e m -s u c e d i d o , m a s is to e r a p o r q u e n a d a v a ju n t o c o m a c o rr e n t e z a d oc a p i t a l i s m o e n ã o c o n t r a . O s e v e n t o s d e m a i o f r a c a s s a r a m c o m p l e t a m e n t en a t e n t a t i v a d e p r o d u z i r e s t r u t u r a s a l t e r n a t i v a s . O f r a c a s s o d e s a s t r o s o d e

m i l h a r e s d e o r g a n i z a ç õ e s c o l e t i v a s e m t o d o o m u n d o o c i d e n t a l r e p r e s e n t au m t e s t e m u n h o e l o q ü e n t e à i n c a p a c i d a d e d e e n c o n t r a r n o v a s f o r m a s d ea u t o r i d a d e . S e t o d a a a u t o r i d a d e t i v e s s e s i d o r e m o v i d a , c o m o t e r i a s i d op o s s í v e l r e g u l a m e n t a r a f a l t a d e a c o r d o q u a n d o a r e t i d ã o r e v o l u c i o n á r i at o r n a v a a f a lt a d e a c o r d o im p o s s ív e l?

O aco rd o em p resa r i a l o r ig in a l en t r e G o d ard e G o r in e s t ip u lav a q u e o d in h e i ro se r i ad ivid id o m e io a m e io – a p ó s ( s e m s u r p re s a s a q u i) o s d e s c o n t o s p a r a p a g a r o si m p o s t o s a t r a s a d o s d e G o d a r d . Q u a n d o G o r i n f o i e m b o r a , d e i x o u a e m p r e s a

p ara t r á s . B em m ai s t a rd e , G o d ard l ig o u p a ra e l e em L o s A n g e les e d i s se q u eele p recisava vo l tar a Par is para t ra tar d isso . Para Gor in , as ques tões de a luguele sa l á r io n ão s ig n i f i cav am m u i to e d ev er i am se r t r a t ad as p o r G o d ard ; G o d ardd isse: “Algué m pre cisava lavar a lou ça, lim pa r os c inze iros . .. co isas qu e Go r in –co m o to d o s o s m ilit an tes q u e co n h e c i – n ão q u er ia faze r”.

A Tou t Va Assez Bie n fina lm en te faliu sob a b an de ira d e “inso lvência fraud ulen ta”, pa rausar o termo ju r íd ico f rancês , e Gor in fo i p ro ib ido de p rat icar qualquer t ipo dea t ivid a d e co m erc ia l d u ran te t rê s an o s . Alg u m tem p o d e p o is , G o r in , ag o ra lec io -n an d o n a C a lifó rn ia , fo i in fo rm a d o q u e Tudo vai bem hav ia s ido ex ib ido na te-

l ev i são f r an cesa . E le t e l e fo n o u p a ra G o d ard p ed in d o su a p a r t e d o d in h e i ro .O b a te -b o ca fo i tão fe ro z q u e G o r in d es lig o u o t e l e fo n e .

     3     4

[ 2 0 ] Linhar t sof reu um colapso em maio , incapaz de reconci l ia r a pr imazia teór ica da c lasse t raba lhadora com a

revolução es tud ant i l qu e oco r r ia nas rua s fora da Ecole . Gor in fo i ao e ncon t ro na Ecole ond e Linh ar t orden ou a su as

t ropas marxis tas - len in is tas que f icassem longe des ta ba ta lha enganadora . Gor in , como mui tos out ros , ignorou

Linha rt . Vide He rvé HAMON e Patrick ROTMAN. pp . 46 4-81.[ 21 ] M ille r c a s o u - s e c o m a f ilh a d e J a c q u e s L a ca n e s e t o r n o u u m “ g u a rd i ã o d a c h a m a ” d a h e r a n ç a l a ca n i a n a .

Page 36: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 36/120

Page 37: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 37/120

 Jean-Pierre Gorin conquistou destaque internacionalp e la p r im e i ra v ez co m o in t eg ran te d o G ru p oDziga Ver tov , por meio de suas co laboraçõescom Jean-Luc Godard. Esta parceria lhe trouxe

tan to fama quan to descaso : aqueles que admiramos filmes do “período Vertov” costumam atribuirsu as v i r tu d es a G o d ard , co m p o u ca o u n en h u m areferência a Gor in , enquan to mui tos dos que nãogostam dos f i lmes cos tumam considerar Gor in ocu lpad o po r desviar o m est re do cam inho en qua n topegava carona na sua fama. Esta controvérsia tendea obscurecer e ignorar o pequeno , porém impres-

sionante, conjunto da obra produzida por Gorinde sde qu e se sep arou de Go dard , em 1973 . De fa to ,as circunstâncias são tais que é fácil ignorar estesfi lmes: são apenas três longas-metragens e doist rabalhos em v ídeo , bem como uma sér ie de p ro je-tos abor tados ou nunca começados , desenvo lv idoscom intervalos d e ano s, d istribu ído s de form a incon-sistente, e de modéstia deliberada.

E s tes f i lm es so lo , en t r e t an to , p o d em se p ro v ar t ão im -p o r t a n t e s q u a n to a s c o la b o r a çõ e s c o m G o d a r d . Oq u e lh es f a l t a em p ro v o cação e r ad ica l i sm o lh ess o b ra e m c h a rm e e e m c o m p le xid a d e d e fo r m a en u an ce , e s t an d o e l es en t r e a s co n t r ib u içõ es m a i sin v en t iv as e p o ten c ia lm en te f é r t e i s d o g ên ero“f i lme-ensaio” . Caracter izados por uma f idel idaded e te rm in ad a ao s d e ta lh es lo ca i s , r ev e lad o s co mt e r n u r a e h u m o r , s ã o p e s s o a i s e c o m p r o m e t i d o s

d e f o r m a j a m a i s i m a g i n a d a n o s t r a b a l h o s d ope ríod o Verto v. O s três lon gas – Poto and Cabengo 

(1978), Routine Pleasures ( 19 8 6 ) e My Crasy Life 

(1 9 9 1 ) – m erecem se r v i s to s e d i scu t id o s m a i sa m p l a m e n t e ; e o s v í d e o s – Letter to Peter e u mreg is t ro aud iov isual da ópera St. François d’Assise ,d e M e s s i a e n ( a m b o s d e 1 9 9 2 ) – a b r e m n o v o sc a m i n h o s , q u e e s p e r a m o s G o r i n t e n h a a o p o r t u -

n id a d e d e e xp lo r a r m a is a m iú d e .

     3     6

 J   e  a n - P  i    e r r  e 

 G  o r i   n 

    E   r     i     k    U     l   m

   a   n

Page 38: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 38/120

Gorin nasceu em Par is , a 17 de abr i l de 1943 . Seus pais eram judeus esquerd is tas : op a i , u m m éd ico r esp e i t ad o ( e t ro t sk i s t a ) ; a m ãe , u m a m u lh er d e co n s id e ráv e lin te l igência e energ ia um tan to imprev is ível . Após uma juven tude tu rbu len ta ,p o rém ap l icad a , receb eu em 19 6 0 seu b ach are lad o em Filo so f ia . Em seg u id a , m a-

triculou -se n a Sorbo nn e, on de pa rt icipo u d os se m iná rios d e Lou is Althusse r ( inclu-indo aquele def in indo a teo r ia do aparato ideo lóg ico do Estado) , Jacques Lacane Michel Foucau l t . Além d isso , en t re 1965 e 1968 , Gor in t rabalhou como ed i to rn o Le Monde , t e n d o a j u d a d o a c r i a r o s u p l e m e n t o l i t e r á r i o s e m a n a lLe Monde des Livres . N esse p e r ío d o esc reveu d e zen as d e a r t ig o s , co n t rib u in d op ara o s d e b a tes p o lít ico s e e s t é t ico s q u e lev a r iam à r ev o lt a d e m a io d e 19 6 8 .

G o r in c o n h e c e u G o d a r d e m 19 6 7. N e s s a é p o c a , G o d a r d m o s t ra va u m in t e r e s se c re s -c e n t e p e l a g e r a ç ã o m a i s n o v a e , c o n s e q ü e n t e m e n t e , p o r u m a p o l í t i c a m a i s

rad ica l, co m o m o s t ra o film e Masculino feminino (19 6 6 ) . G o r in e ra u m co n ta top e r f e i t o , p o r s e r u m d o s m a i s a r t i c u l a d o s e e n g a j a d o s m e m b r o s d a N o v aE sq u erd a jo v em d a F ran ça . C in é f i lo d esd e a ju v en tu d e , t ev e o d ese jo d e f aze rf i lmes desper tado pelo r igor fo rmal e po l í t ico de Nicht Versöhnt (1 9 6 5 ) , d eJean-Marie S t raub e Dan ièle Hui l le t . Gor in e Godard to rnaram-se amigos: Gor ina j u d o u G o d a r d c o m o f i l m e A chinesa (1 9 6 7 ) , o fe recen d o su a ex p er i ên c iateór ica e p rá t ica , de p r im eira m ão , na m ilitância esq ue rd is ta em ergen te; e e s tevep r e s e n t e d u r a n te p a r te d a film a g e m d e Le gai savoir (1 9 6 8 ) .

Depo is do s acon tecim entos d e m aio d e 1968 , Godard de u a s cos tas à indúst ria d e film esconvenciona is e passou a fazer film es q ue refle t issem um novo com prom et im en topolí t ico e desenvolvessem uma nova prática, um método de “fazer f i lmes poli t ica-m en te”, film es qu e n ão s im plesm en te p rom ulgassem idé ias esqu erd is tas de n t ro d euma estética tradicional e, portanto, desacreditada. A exigência era “voltar à estacazero”, com o anu nciado e m Le gai savoir , “construir im agen s” do n ada , e “com ba tera t i ran ia da imagem sobre o som” 1. Com a assistência e spo rádica de vários a pren -dizes m ais joven s, incluindo Go rin e Jea n-Hen ri Roge r, Go da rd criou Um filme como 

os outros (1968), Sons britânicos (1968) e Pravda (1969) , obras de uma pobreza

técnica agressiva e estridência política. Estes filmes começaram a ser assinados pelo“Grupo Dziga Ver tov”, nom e esco lh ido com o hom en agem ao en tão neg ligenciadomestre do cinema soviético — à sua polí t ica radical , à sua exposição dos funda-m entos m ateria is e fo rm ais do film e, ao seu de sm antelam en to da ilusão d o c ine m a.

     3    7

[ 1 ] Vid e Ja m e s M O N AC O , The New Wave . New York, Oxford Universi ty Press, 1976 . p. 221. O cap ítulo d e M on aco

in t i tu lado “Godard: Theory and Prac t ice : The Dziga-Ver tov Per iod” provavelmente fornece a mais c la ra nar ra t iva

s o b r e e s t e g r u p o d e f ilm e s .

Page 39: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 39/120

Ap e sar d e o n o m e t e r ap a ren tem en te su rg id o co m G o r in , o s p r im e i ro s “ film es Ver to v ”e r a m , fu n d a m e n t a lm e n te , tr a b a lh o s d o p r ó p r io G o d a r d . Vento do Leste (1 9 6 9 ) ,n o en tan to , m arco u u m a m u d an ça . G o d ard fo i p a ra a I t á l i a f i lm ar u m fa ro es t ee m c o l a b o r a ç ã o c o m u m n ú m e r o d e e s q u e r d i s t a s p r o e m i n e n t e s , i n c l u i n d o o

d i re to r b ras i le i ro Glauber Rocha, o a t iv is ta Dan iel Cohn-Bendi t e o as t ro comu-n i s t a d o “ fa ro es t e e sp ag u e te” (spaghetti western ) Gian Maria Volonté. Estaco laboração rap idamente esvaiu -se dev ido à ind isc ip l ina geral ; e Godard conv i-d o u G o r in p a ra a ju d á- lo a sa lv a r o p ro je to . Es t e t rab a lh o in au g u ro u u m p e r ío d od e g e n u í n a c o -a u t o r ia q u e s e e s te n d e r ia p o r Lutas na Itália (1969) , Vladimir e Rosa (1971), Tudo vai bem (1972) , e Carta para Jane (1972); Aqui e acolá 

(19 7 5 ) p o d e se r co n s id e rad o u m ap ê n d ice a e s te co n ju n to d e t rab a lh o . At rib u irresp on sab ilida de s au to rais a e s tes f ilm es é d i fíc il, e po r cer to co n trár io à s in te n-

çõ es d o s d o i s : G o r in a f i rm o u q u e o s f i lm es su rg i r am d e u m a “ t ro ca co n s tan tede idé ias” que v isava um a fun da m en tal “ transfo rm ação d a p rát ica” , um a re je içãoa o “a u t o r is m o ” q u e G o d a r d a ju d o u a fo r m u la r 2 . Se ja c o m o fo r , p a r e ce q u e a om e n o s Lutas na Itália e Tudo vai bem s ã o m a is G o r in d o q u e G o d a r d , e q u e arespo nsab ilidad e cria t iva n os o u t ros fo i de am bo s, igualm en te 3. Os dois cineastast r ab a lh av am ju n to s d i a r i am en te , n ão ap en as n es t es f i lm es m aio res , m as emp ro je to s m en o res : “ r ep o r t ag en s d e n o t í c i a s” e ram ex ib id as d i a r i am en te emPar is , inclu indo en t rev is tas e esquetes (Ju l ie t Ber to numa banhei ra exp l icando a

G u e r r a d o V i e t n ã ) ; e t a m b é m p r o p o s t a s p a r a p r o p a g a n d a s ( d a s q u a i s p e l om e n o s u m a fo i r e a lm e n te film a d a ) , co m o fo r m a d e o b t e r re n d a .Apesar de continuar orgulhoso dos f i lmes Vertov, Gorin difici lmente atr ibui este fato à

sua pureza ideológica: neste sentido, os f i lmes, como ele já caracterizou os mili-t an tes d e A chinesa , s ão m arcad o s p o r u m a “se r i ed ad e es tú p id a”4 , todos e lesd e m as iad am en te p rem o n i tó r io s d o p u r it an ism o p o m p o so d e m u it as a rte s p o líti-cas subseqüen tes . Mais duráveis são sua beleza fo rmal5 , sua o usad ia , sua ê nfasen a t r i l h a so n o ra so b re a im ag em , su a acu id ad e co m o cáp su las d o t em p o , seu

     3     8[ 2 ] Es t e s co m e n t á r io s s ã o d e u m a e n t re v is t a e m v íd e o c o m G o r in , re a l iz a d a e m M e lb o u r n e n o a n o d e 1 9 8 7 ; d e s c o -

n h e ç o a id e n t id a d e d o e n t r e v is t a d o r.[ 3 ] G o r in c e r t a v e z a fir m o u , c o m m o d é s t ia , q u e “ b a s ic a m e n t e t u d o o q u e e u fiz ve m d o t ra b a l h o p r é v io d e J e a n -

Lu c ; é p o r is s o q u e a l g u n s d e n o s s o s ú l tim o s f ilm e s s ã o c o n s id e r a d o s a l ta m e n t e g o d a r d ia n o s , a p e s a r d e e u t ê -lo s

feito”. Citado em MONACO, p. 215.[ 4 ] Entrevis ta em Melbourne .[ 5 ] Já n e g a d a d e fo r m a v ig o r o s a : G o d a r d : “ s e Vento do Leste t e m a l g u m m é r i t o , é p o r n ã o t e r b e l e z a a l g u m a ” .

James Roy M ACBEAN , Godard and Rocha a t the Crossroads of Wind From the East , in: Film and Revolution .

Bloomington, Indiana Universi ty Press, 1975. p. 120.

Page 40: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 40/120

h u m o r ( evid en te p e lo m en o s a p a r t ir d e Vladimir e Rosa , e q u e fr e q ü e n t e m e n t ep a s s a d e s p e r ce b id o ) , e o q u e p o d e r ia s e r c h a m a d o d e s e u e s p írito p r o to p u n k d e“faça você mesmo”. Mui tas des tas caracter ís t icas fo ram, há mui to , removidasd o d iscu rso e p rá t ica acad ê m ico s q u e co n s t itu em o p r in c ip a l leg ad o d e s tas o b ras

e q u e n ão p a recem im p ress io n ar m u ito G o r in : p a ra e le , u m a le itu ra d es t es film esb a s e a d a e m s u a m e n s a g e m p o l í t i c a é d e p o u c o i n t e r e s s e , s e n d o a t é m e s m odispensável . Cer tamente é d i f íc i l acred i tar que o con teúdo po l í t ico de Vento do 

Leste , por exemplo , se ja i rôn ico ou inciden ta l , e que a ar rogância das personasp ú b l i cas d e G o r in e G o d ard n a ép o ca (v id e Godard in America , de RalphThanhauser [1970]) , não envelheceu bem. Mesmo ass im, os f i lmes Ver tovp e r m a n e c e m e xtre m a m e n t e re c o m p e n s a d o r e s e m e r e ce m re n o v a d a a te n ç ã o .

Precise i de a lgum tem po pa ra conse gu ir ass is t ir a Vento do Leste c o m u m a n o v a vis ã o :

m eu s en co n t ro s in ic ia is co m o f ilm e fo ram co m có p ias em víd e o d e q u a l id ad ed u v id o sa d e u m a ve r são am er ican a co m u m a vo z over tene brosa . Dada s a fe iú rae o ca rá t e r in d ec ifr áve l d o so m e d a im ag em , é ram o s o b r ig ad o s a n o s ap o ia r n al i s ta de d iá logos pub l icada e em ensaios famosos sobre o f i lme, escr i tos porau to res com o Peter Wol len , qu e p arecia celebrar o film e p or sup r ir o qu e Gi lbe r-to Perez chamou de “desagrado mi l i tan te” , uma negação in f lex ível de qualquervalo r es té t ico com o u m a sup ere s t ru tu ra ina dm iss ivelm en te ilusó r ia 6. Esta te n aci-d ad e im p lacave lm e n te id e o ló g ica é p a r t e d e Vento do Leste , m a s a p e n a s p a r te :

o q u e é m a is c ru c ia l n o film e , co m o p o d e se r vis to n o l an çam en to d o e xce len teDVD japo nê s , é su a ir reso lu ta d ia lé t ica e n t re a ide o log ia verbal e a be leza v isua l,em qu e u m a se firm a com o cr ít ica da ou t ra . Se a t rilha son ora d en un cia Gr iffith ,o imper ia l i s ta amer icano , o esp lendor natu ral luxur ian te dos p lanos quase es tá-t icos de aber tu ra remete à ú l t ima en t rev is ta do mesmo Gri f f i th :

O q u e fa lta n o s film e s m o d e r n o s é b e le z a – a b e le z a d o ve n to s e m o v e n -d o n a s á r vo r e s , o p e q u e n o m o v im e n to c o n t id o n a s o n d u la ç õ e s q u e o

v en to cau sa n as f lo res d as á rv o res . I s to e l e s e sq u eceram to t a lm en te . . .D o m e u p o n t o d e vis ta a r ro g a n t e , n ó s p e r d e m o s b e le z a 7.

     3     9

[ 6 ] Peter WO LLEN, God ard a nd Coun ter Cine m a: Ven t d’es t , in : Readings and Writings: Semiotic Counter-Strategies .

Lon do n, New Lef t Boo ks , 1982. p . 79-91 . Para o com en tár io d e Pe rez sob re o s f ilm es d o “Grup o D ziga Ver tov” , v ide

The Material Ghost. Balt im ore , John s Hop kins , 1998. p . 362 .[ 7 ] Ezra GO O DMAN,

The Fifty-Year Decline and Fall of Hollywood . New York, Sim on an d Sch uste r, 1961. p. 11.

Page 41: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 41/120

É fácil pe rcebe r qu e Vento do Leste é u m film e e xcep c io n a lm en te r ico , s e n o s co n cen -t r a rm o s em v ê- lo e o u v i - lo d e ix an d o d e l ad o a r e tó r i ca q u e o ro d e ia – co m oex ten são e su b v er são d o f a ro es t e , r ev e lan d o e in t e r ro g an d o su as id eo lo g iasim p l í c i t a s , co m o u m d o cu m en to d e p o ss ib i l i d ad es e p e r ig o s d o p ro je to r ev o -

lu c io n ár io ( co m o n a seq ü ên c ia a t e r r ad o ra so b re t e r ro r i sm o p e r to d o f im , n oq u a l o s t r ab a lh o s d e a r t e p o p d o f i lm e Duas ou três coisas que eu sei dela 

[196 6] se t ransfo rm am em d iagram as d e e xp los ivos caseiros) , e p elas in terseçõe sco m p lexas d a b e leza fo rm al co m o co n teú d o ca r reg ad o e r e fr a tá r io .

E n q u a n t o Vento do Leste t e m a m p l o a l c a n c e e h e t e r o g e n e i d a d e , Lutas na Itália éci rcunscr i to , d isc ip l inado , a té e legan te : Gor in descreveu sua es t ru tu ra como se-m elh an te a u m b ara lh o , co n s t ru íd o p o r ju s t ap o s içõ es e su b s t itu içõ es d e p a in é ism ais o u m en o s e s t á tico s p a ra a r t icu la r u m a an á lise “a lth u sse r ian a ” d as id e o lo -

g ias q u e su p o r t am a ex i s t ên c ia m i l i t an te d e u m jo v em i t a l i an o . E m co n t ras t e ,Vladimir e Rosa , u m a re fle xão so b re o ju lg am en to “C h icag o 8 ” co m o t ea t ro p o -lít ico , é o m a is se lv ag em e m ais m isc ig en ad o d o s film es Ver to v , co m u m a ab u n -d ân c ia d escu id ad a d e m ate r i a i s , e sq u e tes , i n s in u açõ es : d eso rd en ad o , m as ex u -b eran te , co n tém a lg u m as d as r e f l ex õ es m a i s s ig n i f i ca t iv as d e G o d ard e G o r ins o b r e a c o n s tr u çã o d e u m a n o v a lin g u a g e m c in e m a t o g rá fic a , fr e q ü e n t e m e n t efo rm u lad a e m u m ir res is tíve l fo rm ato cô m ico .

P ara m im , en t r e t an to , o s m e lh o res f i lm es q u e em erg i r am d a co lab o ração são o s t r ê s

ú l t imos: Tudo vai bem, Carta para Jane e Aqui e acolá.Tudo vai bem é, por motivos óbvios, o mais “profissional” dos f i lmes Vertov. Gorin eG o d a r d q u e r i a m t r a b a l h a r n o v a m e n t e n u m a e s c a l a m a i o r e m a i s “ p o p u l a r ” .P a ra is so , s e lec io n aram d u as es t r e la s d e esq u e rd a , Yv es Mo n tan d e Jan e Fo n d a ,t r aça ram u m a n a r ra t iv a e co n s t ru í r am u m cen ár io – u m a fáb r i ca d e sa l s i ch asd u ran te u m a g rev e . Ten d o a ce ito e s t a s co n cessõ e s , G o r in e G o d ard jo g am co melas d e m an e i ra h ab i l id o sa : n a m a io r p a r t e d o f i lm e , a s e s t r e l a s fu n c io n amco m o fig u ran tes , en q u an to o u t ras “n ã o -es t re l a s” a s su m em o cen t ro d o p a lco ; a“h is tó r ia d e am o r” d as e s tr e la s , q u an d o e m erg e , fixa so lid am en te o ro m an ce n o

co n tex to d e seu s em p reg o s ( co m o d i r e to r d e f i lm es e jo rn a l i s t a , r e sp ec t iv a -m en te ) , e , d es t a fo rm a , im erso n as h ip o cr is ia s d a cu ltu ra co m erc ia l; o cen ár io ,q u e é u m t r i b u t o a O terror das mulheres (1961) , de Jer ry Lewis , é um ata lhoq u e fu n c io n a c o m o u m o u t ro Verfremdungseffekt 8 brechtiano. Tais estratégiasp r o d u z e m u m film e c u ja c o m p le xid a d e f o rm a l e n c o n t ra u m a n o va v a rie d a d e d e

     4     0

[ 8 ] Term o cun had o p e lo escr itor Ber to l t Brecht q ue s igni fica , em te rm os ge ra is , “efe i to d e e s t ranh am en to” ou “dis -

tanciamento”. (N. do T.)

Page 42: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 42/120

discurso : aqu i , Gor in e God ard p erm item qu e o pat rão , o s ind icalis ta e o g rev is tarad ica l f a l em p o r s i m esm o s , g a ran t in d o ao esp ec tad o r u m a m aio r l i b e rd ad ep ara p esa r su as r e sp ec t iv as p o s i çõ es . T a l l i b e rd ad e é b em -v in d a , ap esa r d et am b ém in d ica r u m a p e rd a d e f e rv o r . C o m o G o r in d i s se , Tudo vai bem é u m

film e d e 19 7 2 , n ã o d e 19 6 8 ; e a d e s o la ç ã o d a t o m a d a fin a l co m a c â m e r a e mm o v im e n t o s u b lin h a a i n a d e q u a ç ã o d a s a ç õ e s r e vo lu c io n á r ia s q u e e le a p r e s e n -t a , a p a s s a g e m d o m o m e n to r e v o lu c io n á r io 9 .

U m ú lt im o so p ro d e d e n sa t eo r ia m ilit an te , Carta para Jane fo i par t icu larmente malreceb id o p e la c r ít ica , q u e o t axo u co m o “ in su p o r t áve l” e se m h u m o r 10 . Eu achoi s so en g raçad o e r ev e lad o r . O f i lm e é u m a re f l ex ão d e 5 0 m in u to s so b re u m aúnica fo tograf ia de Jane Fonda no Vietnã . Revezando a narração en t re e les , e ju sta p o n d o a im a ge m d e Fo n d a co m o u tra s fo to gra fia s, G o rin e G o d a rd re fle te m

so b re a fu n ção d e F o n d a e d e s ta im ag em d e n t ro d a r ep resen tação m id iá t ica o c i-d e n ta l d a lu t a v ie tn am ita p o r au to d e te rm in ação . Alg u n s d is se ram q u e o s c in e as -tas fo ram in jus tos e m isóg inos e m sua crít ica à an t iga co laborad ora; ao con trár io ,e l e s se e s fo rçam rep e t id am en te p a ra d is tin g u i r a p e sso a d e Jan e Fo n d a d o p ap e lso c ia l q u e c rit icam . Além d is so , o m o d o e xcess ivam en te p e d an te d e a rg u m en ta -ção (p assan d o , p o r ex em p lo , d e “E lem en to s d e E lem en to s” p a ra “E lem en to sEle m e n t a re s ”) z o m b a d e s e u p r ó p rio a b s o lu t is m o ( p o r é m p o u c o s , c o m o J a m e sMo n aco , p a recem p erceb er a i ro n ia ) 11 , em b o ra co n s t i tu a , s em d ú v id a , u m a

ten ta t iv a d e a rg u m en ta r d e m an e i ra ló g ica

12

. C ar t a p a ra Jan e p e rm an ece , n asp a lavras d e S u san So n tag , “u m a lição m o d e lo so b re co m o in te rp re t a r q u a lq u erfo to g ra fia , co m o d e c ifr a r a n a tu reza n ão in o cen te d e u m a co m p o s ição , ân g u loou foco ” , 1 3 a lém d is so , é ch e io d e insights provocat ivos , especia lmente den t roda h is tó r ia d a a tuação c ine m atográfica e do eclipse do “m ater ia lism o” s ilen ciosod o s a to res p o r u m es t i l o in ex p ress iv o d e “p en sam en to á rd u o ” , q u e G o r in eGo da rd ligam d i re tam en te a u m libe ralism o o cide n ta l ine ficaz .

Aqui e acolá , con cluído po r God ard e Ann e-Marie M iéville, talvez seja o m ais com plexode todos es tes t rabalhos , uma ref lexão admirável sobre a res is tência pales t ina ,

s o b r e a s d i m e n s õ e s p o l í t i c a s d o s o m e d a i m a g e m , e s o b r e o f r a c a s s o d o      4     1

[ 9 ] Para um a an á l ise m ais de ta lhad a de Tud o va i bem , vide David BO RDWELL e Kris t in THOM PSON. Film Art: An 

Introduction . New York, Knopf, 1986. 2 ed. pp. 335-42.[ 10 ] PEREZ, p. 362; Jonathan DAWSON, Letter to Jane, in Senses of Cinema . h t tp : / /www.sensesofc inema.com/  

contents /01/19/c teq/ le t te r .h tml[ 11 ] Vid e a i n te r e s s a n t e d i s cu s s ã o d e M o n a c o e m The New Wave , pp . 245-50.[ 12 ] Vid e a i n te r e s s a n t e d i s cu s s ã o d e M o n a c o e m The New Wave , pp . 245-50.[ 13 ] Susan SONTAG. On Photography . New York, Delta, 1977. p. 108.

Page 43: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 43/120

r ad ica l i sm o eu ro p eu d ep o i s d e 1 9 6 8 . E n car reg ad o s p e la L ig a Á rab e , em 1 9 7 0 ,de fazer um f i lme a ser in t i tu lado Jusqu’àla victoire , G o r in e G o d ard cap ta ramim ag en s d o A l -F a tah n a Jo rd ân ia . N aq u e le m esm o an o , a m a io r i a d as p esso asf i lm ad as , q u e o s h av ia r eceb id o co m o co n v id ad o s , fo i m o r t a p e lo ex é rc i to

 jo rd a n ia n o n o Se te m b ro N e gro , to rn a n d o o tít u lo g ro te sca m e n te irre le va n te em od ificand o com pletam en te o s ign ificado d as im agen s cap tadas . Poster io rm en te ,Go da rd , Gor in e Miév ille co m binaram es te m ater ia l com cr ít icas af iad as às e s t ra-tég ias tan to d os revo lucion ár ios com o d os c ine as tas , criand o u m a con e xão d ire tac o m u m a e s q u e r d a e u r o p é i a m a i s i n t e r e s s a d a e m l u t a s a l h e i a s d o q u e e ms u a s p r ó p r ia s , e c o m a n a t u re z a c o e r c iva e u b í q u a d a c o m u n i ca ç ã o d e m a s s a ,n a q u a l “cad e ias d e im ag en s q u e esc rav izam o u t ras im ag en s” v êm a co n d ic io -n a r e co n s t i tu i r a co n sc iên c ia h u m an a . Aqui e acolá é u m d o s m a i o r e s f i l m e s

p o lít ico s d e to d o s o s t em p o s , a lcan çan d o u m a d e n s id ad e fo rm a l e xt rao rd in á r iaco m su as im ag en s , so n s e h i s tó r ia s so b rep o s to s , a s sim co m o u m a lu c id e z p o lí-t ic a q u e p e r m a n e c e t o d a e la m u it o re le v a n t e a in d a n o s d ia s d e h o j e .

O p e r ío d o Ver to v h av ia s id o in t en sam en te p ro d u t iv o e e xc it an te ; m as G o r in t in h a d eseg u i r so z in h o . A lém d e a in d a es t a r m u i to à so m b ra d e G o d ard , e l e se sen t i asu fo cad o p e la p o l ít ica e p e la t eo r ia e q u er ia e xp lo ra r n o vas á rea s . N u m a e n t r e -v is ta com Mart in Wa lsh , Gor in ide n t ificou seu c ine as ta am er ican o favor ito com osen d o Ru ss Me y er e s in a lizo u : “N ão es to u m ais t en tan d o se r b rech t ian o . A p ró -

p r ia id é ia d e t e n t a r p e n s a r a t ra vé s d a s le n t e s d e u m c a ra q u e e s ta v a p e n s a n d on o s an o s 1 9 3 0 m e p a rece ag o ra ex t r ao rd in a r i am en te r e t ró g rad a . . . E u p ra t i ca -m e n t e n e m s o u m a is m a r xis ta , o q u e m e a b r e u m p o u c o a vis ã o ” . 14

O pr imeiro f i lme so lo de Gor in es tá agora perd ido . In t i tu lado L’Ailleurs immédiat , es-t a va q u a s e q u e t o t a lm e n t e c o n c lu íd o q u a n d o a p r is ã o p o r p o r te d e d r o g a s d aa t r i z p r in c ip a l p a ra l i so u a p ro d u ção . T en d o d e en f ren ta r u m a t r aso p o r t em p oin d e te rm in ad o , o s p ro d u to res d i sp l i cen tem en te d ec id i r am d er re t e r a p e l í cu lap o r su a p ra t a . E s t a d es t ru i ção d ev e se r im en sam en te l am en tad a : p r im e i ro ,p o rq u e p o d em o s im ag in a r co m o a ca r r e i r a d e G o r in t e r i a se d esen v o lv id o se o

lo n g a t iv esse s id o t e rm in ad o e lan çad o ; seg u n d o , p o rq u e o f ilm e e ra p ro v ave l -mente fascinan te . A alusão a Georges Bata i l le no t í tu lo ind ica a d i reção queG o r in e s tav a to m an d o . Seg u n d o e le , L’Ailleurs n ã o t in h a c o m p r o m is s o s e xu a l o upsico lóg ico , o que levou Godard a apel idá- lo de “O Ant i -Tango”, em con trapo-s ição ao con troverso m as com pa rat ivam en te segu ro film e d e Ber to lluci, O último 

tango em Paris (1972) . O p róp r io G or in fazia o pa pe l p r incipal ; sua s de scr içõe s

     4     2

[ 14 ] Martin WALSH. Godard and Me: Jean-Pierre Gorin Talks, in: Take One (Vol.5, n.1, 1976). pp. 14-15.

Page 44: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 44/120

d e a lg u n s t r ech o s d o f i lm e , em q u e e l e r ec i t a p assag en s d a Genealogia da

moral d e N ie t z sc h e e n q u a n t o é ta t u a d o , o u s e m a s tu r b a p e n d u r a d o d o la d o d efo ra d e u m a j an e la a l t a n u m a ru a d e P a r i s , t a lv ez d ê u m a id é ia d o ex t r em ism o(e da to l ice) do p ro je to . A con t ínua deter io ração do esp í r i to revo lucionár io de

1 9 6 8 co in c id ia co m es t e t r ab a lh o , e d e ce r t a fo rm a o m o t iv av a . G o r in f a lo us o b r e a n a t u r e za c a d a ve z m a is lo u c a e fr a gm e n ta d a d a e s q u e r d a m ilita n t e e d eseu d ese jo d e se d i s t an c ia r d e l a . L’Ailleurs immédiat ter ia s ido ta lvez a con tra-p a r t e d io n is íaca d a d is secação f ria e o b je t iva d as co n seq ü ê n c ias p ó s a n o s 19 6 0d e Jea n Eu s tach e n o f ilm e La maman et la putain (1973) .

E m t o d o c a s o , a p ó s o a b a n d o n o f o r ç a d o d e L’Ailleurs , Gor in deixou a Europa e , em19 7 5 , ace ito u o co n v it e d e Man n y Farb e r p a ra in g ressa r n a d o cên c ia d a U n iv e r -s ity o f C a lifo rn ia e m S an D ieg o , o n d e p e rm an e ce a t é h o je . C o m Farb e r , G o r in

d esen v o lv eu u m a am izad e fo r t e e d u rad o u ra : n as p a lav ras d e F a rb e r , e l e s set o rn a r a m “c é re b r o s g ê m e o s ” . Fa r b e r a t u a va já h á b a s ta n t e t e m p o c o m o p in t o re c o m o u m d o s m a is r e n o m a d o s c rít ic o s d e c in e m a d o s Es ta d o s U n i d o s , t e n d os id o u m d o s p r im e i ro s a ad v o g ar se r i am en te em fav o r d e “d i r e to res d e ação ”co m o Man n , F u l l e r e H aw k s . Mai s r ecen tem en te , t o rn o u - se u m o b se rv ad o rig u a lm en te a s tu to d e van g u ard is t a s co m o S n o w , S tr au b e H u ille t , Fassb in d er eG o d ard . O t r ab a lh o d e G o r in n a u n iv e r sid ad e e n v o lveu -o n u m d iá lo g o e n r iq u e-cedo r tan to com Farber qu an to com sua e sposa e co laborado ra , Patr ic ia Pat terson .

Além d is so , o am b ien te acad ê m ico ag rad av a a G o r in : ce r t am en te su as p a les t r a se a tu açõ e s co m o m en to r , b r ilh an tes e id io ss in c rá ticas , têm s id o in d isp e n sáv e isa v á ria s g e raçõ e s d e es tu d a n tes d e a r t e e c in e m a n a U C SD . To d av ia , é lam en tá -v e l q u e a v id a acad êm ica t en h a ab so rv id o t an ta en e rg ia q u e p o d er i a t e r s id outi l izada para fazer f i lmes.

As am b içõ es d e G o r in co m o d ir e to r d e c in e m a n ão fo ram so te r rad as p e la su a ca rre ir acom o pro fesso r. Ele q ue r ia en t rar em Hollywoo d e t rabalhou e m Apocalipse Now 

( em b o ra seu p ap e l n es t e p ro je to l en d ár io e caó t i co t en h a se r e su m id o p ra t i ca -mente a ins t ru i r F reder ic Forres t sobre as complex idades da cozinha f rancesa) .

Ainda ass im, Gor in esperava que Francis Ford Coppola pudesse apo iá- lo numpro je to seu . Ele h av ia o b t ido os d ire itos sob re um a sé r ie d e t rabalhos d o e scrito rde ficção c ien t ífica Ph ilip K. Dick, que em segu ida p rep arou pa ra Gor in um a a da p-t ação e xtr em am en te d e ta lh ad a d o seu ro m an ce Ubik . N em C o p p o la n em G eo rg eLu cas , en t r e tan to , d e ram su p o r t e ao p ro je to , e G o r in t ev e a am arg a e xp e r iên c iad e ve r s u a s e s p e r a n ç a s se d e s va n e c e r e m n e s t a e e m o u t ra s e m p r e ita d a s .

S e G o r in se se n t ia f ru s t rad o em re lação a H o l ly w o o d , fe l izm en te t ev e a o p o r tu n id ad ed e ex p lo ra r o g ên ero d o cu m en tá r io . P a t ro c in ad o p e la t e l ev i são d a A lem an h a

O cid en ta l , co m eço u o p r im e i ro f i lm e d o q u e v i r i a a se r u m a t r i l o g ia so b re

     4     3

Page 45: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 45/120

l i n g u a g e m , d e s e n v o l v i m e n t o r e p r i m i d o e d e s l o c a m e n t o c u l t u r a l n o s u l d aCalifórnia: Poto and Cabengo .

Poto a b o r d a o t e m a “c ria n ç a e l in g u a g e m ” p o r m e io d o c a s o d e d u a s jo v e n s g ê m e a sd e S an D ieg o , G rac ie e G in n y Ken n e d y , q u e p a rec iam t e r in v en tad o u m a lin g u a -

g e m p e s s o a l. N a v e r d a d e , e s ta lin g u a g e m e r a u m a fo r m a m o d i fic a d a d o a le m ã oe d o in g lês q u e e l a s e scu tav am n o seu r e l a t iv o i so l am en to d o m és t i co . G o r inras t r e i a e s t e a s su n to em to d as a s d i r eçõ es : a co b er tu ra d a im p ren sa so b re a sg ê m e a s , q u e d e s b o t o u d o s e n s a c i o n a l i s m o i m p r e c i s o p a r a o t o t a l d e s c a s o ;as op in iões o f ic ia is de ps icó logos in fan t is e l ingü is tas ; as ambições socia is dafamíl ia das gêmeas , de s i tuação in fe l iz e f inancei ramente p recár ia . Além d isso ,G o r in e vit a a p resu n ção d e a l te rn a t ivas r eco r ren tes em d o cu m en tá rio s , a rep o r -tagem neutra ou a onisciência “divina”: ao contrário , ele próprio entra na história

co m o u m in v es t ig ad o r d ec id id o e in ex p er i en te , u m P h i l ip Mar lo w e cô m ico ; eseu envo lv imento crescen te com as gêmeas , ap resen tando-as ao mundo , to rna-sem ai s u m f io d en t ro d a “n a r ra t iv a p lu ra l ” d o f i lm e . D es ta co m p lex a r ed e d efo r ça s , G o r in r e v e la m u it o s o b r e o e n c a n t a m e n to e a s p r e s s õ e s d e u m s o n h oam er ican o i lu só r io ; so b re a n a tu reza so c ia l d a l i n g u ag em ; so b re o l eg ad od es lo cad o d a em ig ração . E, ao m esm o t em p o em q u e m an tém es tes im p o r t an test ó p ic o s e m jo g o , G o rin n u n c a p e r d e d e v is ta a h u m a n id a d e d o s s e u s o b je t o s d ee s t u d o ( e l e n ã o é c o n d e s c e n d e n t e c o m o s p a i s p a t é t i c o s ) o u a c o m p l e x i d a d e

fo rm al d o f i lm e , q u e v a r i a co n s tan tem en te n as p e rm u taçõ es en t r e so m , t ex toesc r ito e im ag em — sem p re , co m o n o p e r ío d o Ver to v , p r ivileg ian d o o p r im e i ro .Fo rm al e t em at icam en te , o f ilm e é u m a p eça d e v ir tu o se p o l ifô n ica , a in d a m aism a r c a n t e p o r n u n c a p e r d e r s u a l e v e z a , m e s m o q u a n d o t o c a n a p r o f u n d i d a d ee n a t rag éd ia 15 .

Se Poto t r a t a d e c r i an ças e l i n g u ag em , Routine Pleasures faz da sua inves t igaçãos o b r e “ h o m e n s e i m a g i n a ç ã o ” n a A m é r i c a d a d é c a d a d e 1 9 8 0 “ u m é p i c o e mp eq u en a esca la” , n as p a lav ras d e G o r in , u m remake de Paraíso infernal 16 . Ot e m a p r in c ip a l d e G o r in é u m g ru p o d e fe r ro m o d e lis ta s q u e s e r e ú n e s e m a n a l-

m en te em D el Mar Fa irg ro u n d s , n o su l d a C a lifó rn ia . Su a s p a i sag en s e m m in ia -tu ra p rese rvam u m a Am ér ica p e rd id a , t a lv ez ilu só r ia , e su a s o b sessõ e s cu r io sa -m e n t e e n t r e la ç a m t ra b a lh o e i n fâ n c ia . G o rin t e c e e s s e t e m a c o m u m o u t r o : s e uam ig o e m en to r Man n y Farb e r . Fa rb e r n ão a p arece , e xce to em fo to g ra fia s ; m a s

     4     4

[ 15 ] Vide também Vivian SOBCHACK, “16 Ways to Pronounce Pota to” : Author i ty and Authorship in Poto and

C a b e n g o , in The Journal of Film and Video (edição XXXVI, outono de 1984). pp. 21-29.[

16]

Entrevis ta de Melbourne .

Page 46: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 46/120

ap arecem su as p in tu ras e p a lav ras ( e in q u ie t açõ es , co m o J im m y C ag n ey ) ; eG o r in , m a i s u m a v ez as su m in d o a p e r so n a d o in v es t ig ad o r p e rp lex o , m o v e- seen t re es tas l inhas com ingenu idade d isp l icen te . As narra t ivas in tersecionais dof i l m e f u n c i o n a m c o m o a s l i n h a s c r u z a d a s d a m a q u e t e d o t r e m , o u c o m o a s

l in h as d e fo rça d as p in tu ras d e F a rb e r , e s t ab e lecen d o p o n to s d e sem elh an ça eres so n ân c ia ; d u ran te to d o o t em p o , G o r in av a l i a a id en t id ad e am er i can a , su aexper iência com a geograf ia e as f ron te i ras , a mascu l in idade, a His tó r ia , suare lação co m o p esso a l e o co le t ivo . Co m o Poto, Routine Pleasures é n o t á ve l p o rsu a l ev eza e seu ch a rm e , ap esa r d e a p o l i fo n ia aq u i se r d e a lg u m a fo rm a m ai sin t r in cad a d o q u e n a o b ra an te r io r . É t am b ém d ig n a d e n o ta a ex ce len te fo to -g ra f i a d e B ab e t t e Man g o l t e , m arav i lh o sam en te n u an çad a t an to em p re to eb r a n c o c o m o e m c o r e s . P o r Routine Pleasures G o r i n g a n h o u o p r ê m i o d e

Melhor Documentár io Exper imental no Fes t ival de Popol i , em F lorença.Mai s u m a v ez as o b r ig açõ es acad êm icas fo ram a p r in c ip a l r azão p a ra o a t r a so d of i lme segu in te de Gor in . My Crasy Life (q u e g an h o u o P rêm io E sp ec ia l d o Jú r ino Fes t ival de Sund an ce, em 1992 ) com pleta sua t rilog ia califo rn iana an alisan doa v id a d e u m a g an g u e sam o an a em L o n g B each . E s t e t a lv ez se j a o m a i s d i f í c i ld o s f i lm es so lo d e G o r in , p o i s d e l ib e rad am en te in t e rv ém n a r ea l id ad e , a q u a le le d o c u m e n t a d e m a n e ir a m a is fr e q ü e n t e e e lu s iva q u e e m s e u s film e s a n t e ri-o res , ab d ican d o d a o r i en tação a t é ag o ra fo rn ec id a p e la t r ad ic io n a l p e r so n a d e

in v es t ig ad o r d e G o r in . A ss im co m o Jean R o u ch h av ia f e i to em Eu, um negro (19 5 8 ) , G o r in co n v id a se u s o b je to s d e es tu d o a co lab o ra r a t ivam en te n a r ep re -s e n t a ç ã o d e s i m e s m o s , t a n t o d e m a n e i r a m a i s e v i d e n t e ( e m a l g u m a s c e n a so b v ia m e n t e r e p r e s e n ta d a s ) , c o m o ta m b é m s u tilm e n t e ( e m m o n ó lo g o s a p a r e n -tem en te espo n tâne os , ma s na verdad e ro te ir izados) . Além d isso , am plia o escopod o m ero r eg i st ro d a v id a d i á ria e m Lo n g Bea ch : vá r io s g ân g s te res v ão a S am o ae en co n t ram su as o r ig en s cu ltu ra is , t an to em fam ília co m o n a fan tas ia . Até m es -m o a f i cção c i en t í f i ca in t e r f e re n as ru m in açõ es d e u m co m p u tad o r n u m ca r rod e p a t ru lh a d e u m p o lic ia l in d u lgen te ; e s ta s r e fle xõ e s t a lvez to m em o lu g ar d o

p e r s o n a g e m G o r i n a u s e n t e , m a s p e r t u r b a m o t o m d o f i l m e . A p e s a r d e s t e svôos , My Crasy Life r e s is te a to d o s e n s a c io n a l is m o : n ã o h á n e n h u m a c e n a d evio lê n c ia e s p e t a c u la r , n e n h u m a r o m a n t iz a çã o o u d e m o n i za ç ã o d e s e u s o b je t o s .E m v ez d i s so , f i cam o s to cad o s p e la cu r io sa in o cên c ia d o s g ân g s te res e p e lot éd io n o rm at iv o d e su as ex i s t ên c ias , d e o n d e G o r in co n seg u e in v en ta r u m atextu ra cu ja co m p lexid ad e se r ev e la ap en as p o r m e io d e e xib içõ e s r ep e t id as .

D e s d e My Crasy Life , G o r in t em , n as su as p a lav ras , “ fo cad o n a p o ss ib i l i d ad e d erepensar a narra t iva de c inema jun to com l inhas es t ru tu rais musicais” . A musi -

c a l i d a d e v e m s e n d o , h á t e m p o s e d e d i v e r s a s f o r m a s , u m a p r e o c u p a ç ã o s u a :

     4     5

Page 47: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 47/120

considere a esco lha in te l igen te das músicas para seus f i lmes (Erro l l Garner eMo zar t i n t e rp re t ad o s p o r G o u ld em Poto ; C o n l o n N a n c a r r o w e m Routine ; ap a r t it u ra in t e rm it en te p o rém e leg an te d e Jo j i Yu asa p a ra My Crasy Life ) , e , m aisimpor tan te , a ênfase na t r i lha sonora já caracter ís t ica nos f i lmes Ver tov e as

es t ru tu ras r í tmicas e po l i fôn icas dos seus t rabalhos so lo . Letter to Peter (1 9 9 2 ) ,u m lo n g a e m víd e o r e t ra t a n d o a a t u a çã o d e P e t te r Se lla r s n u m a m o n t a g e m d aó p e r a Saint-François d’Assise , d e M e s s ia e n , e m S a lz b u r g o , é u m t ip o d e e s t u d oq u e es t en d e e s in t e t i za e s t a s p reo cu p açõ es . N ão é , co n tu d o , t ão r i co q u an toseus f i lmes: ta lvez ref le t indo uma cer ta impaciência com Sel lars (ev idenciadap o r a c e l e r a ç õ e s b e m - v i n d a s , a i n d a q u e r u d e s , d u r a n t e a l g u n s d e s e u s d e p o i -m en to s ) , o v íd eo n ão in t eg ra co m p le tam en te su as v i sõ es g e ra lm en te in t e res -s a n t e s d o p r o c e s s o d e e n s a i o s c o m s u a s e s p e c u l a ç õ e s m a i s a m p l a s s o b r e

m ú s ica e c r iação . Mais b e m -su ced id o , a in d a q u e m en o s am b icio so , é o r eg is troau d io v isu a l d e G o r in d a ap re sen tação f e it a p a ra a Ö s te r r e ich isch er Ru n d fu n k 17 ,q u e f az co m q u e a e n cen ação d e S e lla r s (p a ra m im , q u es t io n áv e l) se ja t ão v ig o -ro sa q u an to o víd e o a o v iv o p o d e r eg is tr a r.

E m t o d o c a s o , e s t e s d o i s e n g a j a m e n t o s d i r e t o s c o m a m ú s i c a e m s i a g u ç a r a m oin te res se d e G o r in p e la m u s ica lid ad e c in e m ato g rá fica ; e en t re o s se u s p ro je to sa tu a i s e s t ão t r i l h as so n o ras co n s t ru íd as co m o u m a cam ad a p r im ár i a , à q u a l a sim ag en s são ad ic io n ad a s d e p o is , r ev e r ten d o a p rá t ica u su a l . G o r in t am b é m v em

escrevendo ro te i ros de c inema e h is tó r ias , e , em 2001 , d i r ig iu uma of ic ina noJap ão co m u m a sé r i e d e jo v en s a r t i s t a s j ap o n eses . E m co lab o ração co m o se s t u d a n t e s e c o m o p i n t o r /  videomaker R y u ta N ak a j im a , e l e cap to u im ag en sp ara o p ro je to d e u m t r ib u to em v íd eo v ia e -m ai l ao s seu s v e lh o s am ig o sG o d ard e C h r is Marker . N o s ú lt im o s m ese s , G o r in f in a lm en te co m eço u a e d it a res t a s im ag en s . A leg ra -n o s sab er q u e a t ro ca d e id é i as e en tu s i asm o co m es t an o v a g e ração e o c rescen te in t e res se in t e rn ac io n a l p e lo seu t r ab a lh o t en h amaju d ad o G o r in a r en o v ar su a p ró p r ia e n e rg ia c r ia t iva , e e sp e ram o s q u e o r itm oin te rm i t en te d e su a p ro d u ção se to rn e m ai s e s t áv e l .

Se G o d a r d m o d e lo u - s e co m o “ a im a g e m s u p r e m a d o f im d a Eu r o p a ” ( co m o C h a r le sO lso n u m a v ez esc rev eu so b re Ezra P o u n d ) , G o r in fo i m a is m o d es to . To d o s o sseu s f i lm es g i r am em v o l t a d e t em as r eco r ren tes – in fân c ia o u n o s t a lg i a d ain fância , l inguagem e ex í l io – com in tensa concen tração local . Se Sans soleil 

( 19 8 2 ) o u The Last Bolshevik ( 19 9 3 ) , d e M a r ke r , e xp a n d e m g ra n d e m e n t e s e u sassu ntos im ed iatos p ara a i lum ina ção d a História, Gorin , ao co ntrário , vasculha-os

     4     6

[ 17 ] Red e d e e m issoras d e te lev isão e rád io da Áus t r ia . (N. do T. )

Page 48: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 48/120

em suas local idades . Desde a re tó r ica general izan te do per íodo Ver tov , Gor int em ev it ad o a le rg icam en te “g ran d es d ec la raçõ es” : em vez d is so , seu t rab a lh o éd i r ig id o ao q u e é p eq u en o , t r a t ad o d e fo rm a t e rn a e in q u i s i t i v a , p reo cu p ad ocom o deta lhe ind iv idual izan te . É , nas palavras de Manny Farber , uma “ar te-

cu p im ” , “co m en d o su as p ró p r ias lim it açõ e s”, s em d e ixa r “n ad a em seu cam in h oa n ão se r o s s in a i s d e a t iv id ad e im p ac ien te , l ab o r io sa , ru d e” . 18 N es ta p ró p r i am o d és t i a , o t r ab a lh o d e G o r in t a lv ez t en h a esp ec ia l im p o r t ân c ia n u m a ép o cad o m i n a d a p e l o s e s p e t á c u l o s g r a n d i o s o s e s e m a l m a d e H o l l y w o o d e p e l oc in ism o e fa lt a d e sen t im en to d e t an to s film es “ in d ep en d e n tes” . Ao co n t rá rio , aex cen t r i c id ad e d o s f i lm es d e G o r in m e l em b ra o u t ro s ce r t am en te g ran d esco n tem p o rân eo s , co m o A b b as K ia ro s t am i o u Jo ão C ésa r Mo n te i ro , cu jasp a r t i cu la r id ad es a rd i lo sas p e rm i tem u m a lcan ce ex t r ao rd in á r io , en g en d ran d o

p r a z e re s p r o fu n d o s e a b u n d a n t e s .

Filmografia como diretor

Vento do Leste (19 6 9 ; co m Jea n -Lu c G o d ard )Lutas na Itália (19 6 9 ; co m Jea n -Lu c G o d ard )

Vladimir e Rosa (1971 ; com Jean-Luc Godard)Tudo vai bem (19 7 2 ; co m Jea n -Lu c G o d ard )Carta para Jane (19 7 2 ; co m Jea n -Lu c G o d ard )Aqui e acolá (1975 ; com Jea n-Luc G od ard e Ann e-Marie Miév ille)Poto and Cabengo (1978)Routine Pleasures (1 9 8 6 )My Crasy Life (1991)Letter to Peter (1992 ; víde o)St. François d’Assise (19 9 2 ; reg is t ro a u d io v isu a l d a e n cen ação d a ó p e ra

de Messiaen por Peter Sel lars)      4    7

[ 18 ] Manny FARBER, Negative Space . ed . am pl . New York , Da Ca po , 199 8. p . 135.

Page 49: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 49/120

Bibliografia selecionada

S o u im en sam en te g ra to a Jean -P ie r r e G o r in p o r m u i t as co n v er sas e m u i t a g en ero s i -

d ad e co m m ate r i a l e i n fo rm açõ es ; so u g ra to t am b ém a Mich ae l C h a ik en .

BORDWELL, David e THOMPSON, Kristin. Film Art: An Introduction . 2. ed. New York,Kno pf , 198 6 .

DAWSON, Jonathan . Let ter to Jane. Senses of Cinema , n º 19 , março /abr i l 2002 .h t tp :/ /w w w .sen seso fcin e m a .co m /co n ten t s /0 1/19 /c t eq / le t t e r.h tm l

FARBER, Manny. Negative Space . ed . am pl . Ne w York , Da Cap o , 199 8 .MACBEAN, James Roy. Film and Revolution . Bloomington, Indiana Universi ty Press,

1975 .MACCABE, Colin. Godard: A Portrait of the Artist at Seventy . New York, Farrar Straus& Girou x, 200 4.

MO N AC O , Jam es . The New Wave . New York, Oxford University Press, 1976.PEKLER, Michael (ed). Viennale ’04 . Viena, Viennale, 2004.PEREZ, Gilberto. The Material Ghost . Bal tim ore , Joh ns Hop kins , 1998 .SCHAFAFF, Jörn. Routine Pleasures or All About Eve or A Point in the Landscape. In

SCHAFAFF, Jörn e STEINER, Barbara. Jorge Pardo . Ostfi ldern-Ruit: Hatje Cantz

Verlag, 2000. pp. 45-60.SOBCHACK, Vivian. 16 Ways to Pronounce Potato: Authority and Authorship in Poto 

and Cabengo . The Journal of Film and Video , n. XXXVI, outono de 1984.SONTAG, Susan. On Photography . New York. Delta, 1977.WALSH, Martin . Godard and Me: Jean-Pierre Gorin Talks. Take One , vol . 5 # 1, 1976

( m a i s t a r d e r e l a n ç a d o e m The Brechtian Aspect of Radical Cinema , L o n d o n ,BFI, 1981).

WOLLEN, Peter. Readings and Writings: Semiotic Counter-Strategies . L o n d o n . N ewLe ft Boo ks, 198 2.

     4     8

Dire i tos au to ra is 20 05 po r Erik Ulm an

Tod os o s d i re itos reservado s .

Page 50: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 50/120

Page 51: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 51/120

O cineasta Jean-Pierre Gorin conta comoo diretor de Terra em transe virou atorde Vento do Leste , que será exibido noBrasil pela primeira vez nesta semana.

 Jean-Pierre Gorin é conhecido p e la su a p a rce r i aco m Jea n -Lu c G o d ard n o s an o s 1 9 6 0 e 19 7 0 . Elesd i r ig i ram jun tos se is f i lmes , quat ro deles com

v ário s e sq u e rd is t a s r ev o lu c io n ár io s d a ép o ca , emp r o p o s t a d e t ra b a lh o c o la b o r a tivo , s o b o n o m e d eG r u p o D z i g a V e r t o v , u m a h o m e n a g e m a o c i n e -as t a ru sso , p a ra f aze r o p o s ição n ão ap en as aH o lly w o o d , m as t am b é m à t rad ição d e E isen s t e in .O p r im e i ro film e d e ssa p a rce r ia é Vento do Leste 

( 1 9 6 9 ) , u m western fei to na I tál ia com as part ici-p açõ es d e G ian Mar ia V o lo n té , co m o a to r , e d e

D an ie l Co h n -Ben d i t, co m o ro te i ris t a , a lém d e u m aap a r ição d e G lau b er Ro ch a . P a r te d o film e m o s t r av á r i a s p esso as r eu n id as em lo ca l e rm o re f l e t in d os o b r e o q u e é f a ze r cin e m a e , c o m o e r a a p r e o c u -p a ç ã o d o g r u p o , s o b r e o q u e é f a z e r c i n e m ap o lit icam en te . E é G lau b e r q u e , em u m a e n cru z il-h a d a , m o s t r a o s v á r i o s c a m i n h o s d o c i n e m a ,i n c l u i n d o a q u e l e d o T e r c e i r o M u n d o , q u e é" p er ig o so , d ivin o e m arav ilh o so " .

O s o u t ro s tr ê s film es d o g ru p o são Lotte in Italia (1 9 6 9 ) ,Vladimir et Rosa (1971) e Jusqu'àla victoire 

(1 9 7 0 ) , q u e f i co u in acab ad o . N ão m ai s co m onome Dziga Ver tov , Godard e Gor in d i r ig i ram,em 1 9 7 2 , Tout va bien , co m Yves Mo n tan d e Jan eF o n d a , e Letter to Jane , uma cáust ica le i tu rad e u m a fo to d e Jan e F o n d a n o V ie tn ã . O f i lm em e r e c e u a a t e n ç ã o d e S u s a n S o n t a g e m s e u

f a m o s o e n s a i o Sobre a Fotografia  ( r eed i t ad o

     5     0

 O   a 

mi     g  o 

 d   e 

 G l    a  u  b   e r 

 [    e  G  o  d   a 

r  d   ]   

    J   a   n   e

     d   e

    A     l   m

   e     i     d   a

   e   s   p   e   c

     i   a     l   p   a   r   a   a   F  o

   l   h  a

   d  e

   S   ã  o

   P  a  u   l  o

Page 52: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 52/120

r e c e n t e m e n t e p e l a C o m p a n h i a d a s L e t r a s ) , a p r e s e n t a d o c o m o u m a l i ç ã o d ed e c ifr aç ã o d e u m e n q u a d r a m e n to a p a r e n te m e n t e in o c e n t e .

G o r in co n h eceu G o d ard p o r v o l t a d e 1 9 6 5 q u an d o e ra ed i to r d e l i t e r a tu ra d o Le 

Monde e u m d o s c ria d o r e s d o s u p le m e n t o Le Monde des Livres . Ele h avia e stu-

da do filoso fia e pa r t ic ipa do do s sem iná r ios d e Lou is Althu sser , de Jacqu es Lacane Mich e l Fo u cau lt . Era u m em in e n te p a r t ic ip an te d a n o v a g e ração d a e sq u erd af ran cesa q u e i r i a cu lm in ar n a r ev o lu ção d e m aio d e 1 9 6 8 e r ep resen tav a u m afo r ça in o v a d o r a p a r a o s p e n s a m e n to s d e G o d a r d n a é p o c a , t a n to q u e fo i u m d eseu s co n f id en tes e co n se lh e i ro s em A chinesa (1 9 6 7 ) e Le gai savoir (1 9 6 8 ) ,film es an ter io re s ao s d o Dziga Ver tov .

D e s d e 1 9 7 5 , J e a n - P i e r r e G o r i n é p r o f e s s o r d o d e p a r t a m e n t o d e a r t e s v i s u a i s d aU n iv er s id ad e d a C a l i fó rn ia , em S an D ieg o , sem d e ix a r d e d i r ig i r , e sc rev er e

p r o d u z i r f i l m e s . G o r i n s e d i s p ô s a r e s p o n d e r à s q u e s t õ e s r e p r o d u z i d a s as e g u i r e d is s e q u e e l a s lh e t ro u xe r a m b o a s r e c o r d a ç õ e s . D is s e a i n d a q u e , s ep u d e s s e , p e g a r ia u m a viã o i m e d ia t a m e n t e p a r a ve r a a p r e s e n t a çã o d e Vento 

do Leste no Brasil .

O papel de Glauber Rocha em Vento do Lesteépequeno, mas crucial, já que ele 

équem aponta os caminhos do cinema na encruzilhada. Como o senhor 

e Godard encontraram Glauber, e o que passava pela sua cabeça quando 

decidiu convidá-lo para aquele papel? 

G lau b er , G lau b er , G lau b er . S em p re n a en c ru z i lh ad a . E le ap a rece p e la p r im e i ra v ezn a m in h a vid a e m P a ris p o u c o s m e s e s d e p o is d e e u t e r vis to Terra em transe 

u m a s 3 0 v e z e s s e g u i d a s n o e s p a ç o d e d e z d i a s . N ó s n o s e n c o n t r a m o s p o r

in t e rm éd io d e R ap h äe l S o r in , a tu a l ed i to r d e [Mich e l ] H o u l l eb ecq , q u e es t a rálig ad o a Vento do Leste . U m a c o n e x ã o i m e d i a t a . I s s o s e t r a d u z e m u m v a g a ri n f i n i t o p e l a s r u a s d e P a r i s ( G l a u b e r s a b i a c o m o e s t i c a r a n o i t e ! ) e e m u mt r e s l o u c a d o c u r s o i n t e n s i v o d e 1 5 d i a s s o b r e o t r o p i c a l i s m o . E n t ã o , u m a n od e p o i s , q u a n d o Vento do Leste e s t a v a s e n d o r o d a d o , e l e e m e r g e d a n o i t e ,s e n t a à n o s s a m e s a n a q u e l a i m u n d a trattoria r o m a n a e a m a r r a a s p o n t a sd a n o s s a ú l t i m a c o n v e r s a , c o m o s e h o u v é s s e m o s n o s d e s p e d i d o n a n o i t ea n t e r i o r . L e m b r o - m e d e t ê - l o a p r e s e n t a d o a G o d a r d , m a s p o s s o e s t a r e r r a d o

a r e s p e i to d i ss o .

     5     1

Page 53: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 53/120

Eu s e i q u e p a r t iu d e m im a id é ia d e a r re g im e n t a r G la u b e r e o fe r e c e r -lh e o p a p e l d e lem e s m o , c o m o s i n a l f a l a n t e n a e n c r u z i l h a d a d a s v á r i a s f o r m a s d e c i n e m a . Oq u e m e p a s s a va p e la c a b e ç a ? É b e m ó b v io , n ã o ? As c o is a s e s t a va m s e d e s c o s -t u ra n d o . Er a co m o s e t u d o va le s s e e t u d o e s tive s s e s e n d o p o s t o s o b r e a m e s a

p a r a s e r e x a m i n a d o d e n o v o . A s f o r m a s d a s i m a g e n s e d o s s o n s e s t a v a ms e n d o q u e s t i o n a d a s p o r t o d o s o s l a d o s . D e c e r t a f o r m a , e s t á v a m o s t o d o s n ae n c ru z ilh a d a . A q u e s tã o n ã o e r a a b u s c a d e u m c a m in h o " v e r d a d e ir o " , m a s ot ip o d e d i á lo g o q u e p o d er ia se r am ar rad o a p a r t ir d e to d o e s se q u e s tio n am en tod i sp a ra t ad o q u e aco n tec ia .

N i n g u é m p o d i a s i m p l e s m e n t e s o n h a r e m a d o t a r n o a t a c a d o a e x p e r i m e n t a ç ã o d eo u t rem , p rec i sam en te p o rq u e es sas ex p er im en taçõ es r e f r a t av am a esp ec i f i c i -d ad e d a e xp e r iên c ia . Po r is so o s ca ras d o C in e m a N o v o fo ram t ão im p o r tan tes .

P e lo q u ão b ras ile i ro s e le s e s tav am d e te rm in ad o s a se r , p o r su a e sp e c ific id ad e ec o m o n o s f o r ç a r a m a n o s i n t e r r o g a r a n ó s m e s m o s , c o l o c a n d o - n o s e m u m ad ir e çã o q u e n ã o h a via s id o m a p e a d a .

A ap ar i ção d e G lau b er em Vento do Leste é a o m e s m o t e m p o u m a h o m e n a ge m a oC in em a N o v o e u m a p e ça a fe t iva d e u m t ea tro naïve , que ind ica qu e o s t raba lho sfe i to s n o B ras i l n o s o b r ig a ram a d esb as t a r n o sso cam in h o p a ra fo ra d a m a ta(Hol lywood , a nouvelle vague , a era g lacia l do c inema po l í t ico da Guerra Fr iae t c.) , ru m o à e s p e c ific id a d e d o n o s s o t e m p o e n o s s o e s p a ç o .

Após quase 40 anos, como o senhor vêas propostas e a produção do Grupo 

Dziga Vertov? 

E m 1 9 8 9 , n a ép o ca d o b icen ten ár io d a R ev o lu ção F ran cesa , u m jo rn a l en t r ev i s to uvár io s líd e res m u n d ia is em b u sca d e u m a av a liação so b re o leg ad o d a q u e le fa to .Deng Xiaop ing , en tão l íder da China, hes i tou um ins tan te e depo is respondeu :" É ced o d em ai s p a ra d i ze r ! " . D e ix an d o a b r in cad e i r a d e l ad o e co m a d ev id am o d é s tia , vo u u s a r a m e s m a r e s p o s ta .

Recen tem en te a s s is t i a Vento do Leste e en v ie i a seg u in te n o ta a u m am ig o : " L o n g oe-mai l de um cen tro cu l tu ra l b ras i le i ro que parece incl inado a ex ib i r Vento do Leste p e la p r im e i ra v ez n a t e r r a d e G lau b er R o ch a ( co n seg u i u m a ed ição ja p o n e sa e m D VD d a ve lh a b rin ca d e ira e fiq u e i su rp re so p e lo fa to d e e la a in d ap arece r t ão im p ress io n an tem en te l i n d a , s em fa l a r n o f a to d e q u e p a rec ia emvez d is so : a ) a ú n ica ve rd ad e i ra ad ap tação d a Ilíada [d e scu lp e , acab e i d e sa ir d eTróia e es tou bem i r r i tado com aqu i lo ! ] . . . Vejo Vento do Leste c o m o acu l tu ra d a g u er ra v i s t a p o r d u as C assan d ra ( s ) [d u as p e lo p reço d e u m a!

JL G /JP G ] ; b ) u m ép ico sh ak esp ear i an o em p eq u en a esca la [n in g u ém se

     5     2

Page 54: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 54/120

p re o c u p o u / s e p r e o c u p a e m le r o fin a l d a d é c a d a d e 19 6 0 c o m o u m a fa rr a d eRo s e n c r a n t z e G u i ld e n s t e r n , m a s e u o f iz / fa ç o a in d a m a is a g o r a … ]. M in h ag e r a ç ã o c o l o c o u o p o b r e Y [ t a m b é m c o n h e c i d o c o m o o m a r x i s m o e s e u sa v a t a r e s ] n a t u m b a . . . E l e j á e s t a v a m o r t o , m a s n ã o s a b i a . . . Q u a s e 3 0 a n o s

e s p e r a n d o q u e o f a n t a s m a s e d i s s i p a s s e n o v e n t o [ T i a n A n M e n + a q u e d ad o M u r o d e B e r lim ]; c) u m a d a s m e l h o r e s p e ç a s d e fic ç ã o c ie n t ífic a já e s c rit a s[ se 2001 é D u l la r d s n o E s p a ç o , Vento do Leste é D u lla r d s n o c a m p o r o m a n o ,o post-scriptum p a r a Bouvard e Pécuchet q u e Fla u b e r t n u n c a e s c re v e u d ir e -it o , n o q u a l p r e t e n d i a r e c o lh e r o s e s c rit o s d e s e u s d o i s id i o t a s ... U m p e r fe i toc o m p l e m e n t o p a r a A chinesa a e s s e r e s p e it o ]) " .

P o r ta n t o , " é c e d o d e m a is p a r a d iz e r " ... Te n h o c e r te z a d e q u e e m d e z a n o s e u ve r e iVento do Leste e o t ra b a l h o q u e e u f iz n a é p o c a c o m o u t ro s o l h o s . O a fe t o ,

a ir o n ia , a fú r ia q u e e le s g e r a r a m e m m im n a é p o c a e q u e g e r a m a g o r a a in d ap e r m a n e c e r ã o , m a s o s t r a b a lh o s vã o p a r e c e r s e d ir ig ir a u m o u t r o c o n ju n t od e p r e o c u p a ç õ e s . Há t ra b a l h o s q u e fa z e m is s o ; e le s p e r m a n e c e m m is te r io s a -m e n t e v i v o s e c a p a z e s d e s e d i r i g i r a o s t e m p o s a l é m d o s e u t e m p o . E u o sc h a m o d e " d e c e n te s " . Sã o t ra b a lh o s q u e d e m o n s t ra m a b a t a lh a d e u m d ir e to rc o m a t a r e f a à m ã o , m o s t r a m q u e e l e / e l a e s t á s u a n d o s o b r e o s d e t a l h e s , jo g a n d o vá ria s b o la s a o m e sm o te m p o , se m te r m e d o d e q u e a lg u m a s ca ia mn o c h ã o ( p o r i n c a p a c i d a d e e t a m b é m p o r e x i b i c i o n i s m o , s ó p a r a t e r a

a u d i ê n c ia d o s e u l a d o ) . En f im , fiz t ra b a lh o s " d e c e n t e s " .

O senhor acha que a metáfora da encruzilhada ainda éválida, depois que os

"ventos do leste" pararam de soprar com tanta força, e considerando

também que o cinema, hoje em dia, raramente questiona o próprio

cinema, como naquela época? 

P e ç o l ic e n ç a p a r a d is c o r d a r. As q u e s t õ e s e s t ã o a í. Po s s o o u v i- la s n o s f ilm e s d e La r svon Tr ier com o p osso ou v i- las no s film es d e Apicha tpon g Wee raseth aku l . Pos so

v ê - l a s s e r p e n t e a n d o e d a n d o f o r m a a o s f i l m e s d e A b b a s K i a r o s t a m i e n o sf i l m e s d e H o u H s h i a o H s h e n o u d e T s a i M i n g L i a n g . E , s e e u g o s t o o u n ã od e s s e s f i l m e s , é a l g o q u e a b s o l u t a m e n t e n ã o v e m a o c a s o . E u p o d e r i aa u m e n ta r a lis ta . N o m e s c o n h e c id o s e n o m e s a i n d a d e s co n h e c id o s . Te n d oa a c h a r q u e o s c i n e a s t a s s e e n q u a d r a m e m d o i s g r u p o s : a s p e s s o a s d oid i o m a e a s p e s s o a s d a g r a m á t ic a . As p e s s o a s d o id io m a t e n d e m a fu n c io n a rm e lh o r n a e s ta b i lid a d e d a s c o n v e n ç õ e s ; a s p e s s o a s d a g r a m á t ic a s ã o in c li-n a d a s a i n t e r r o g á - l a s .

     5     3

Page 55: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 55/120

D e v e z e m q u a n d o , o s m e m b r o s d e u m a t r i b o v a g a m ( m e s m o q u e s ó p o r u mmomento a ter ro r izado) no ter r i tó r io da ou t ra . E o f luxo e o ref luxo da h is tó r iat e n d e m a f a v o r e c e r a l t e r n a d a m e n t e u m a t r i b o s o b r e a o u t r a . C h e g a d ea n t r o p o l o g i a d e p o l t r o n a ! O f a t o é q u e u m m o n t e d e q u e s t i o n a m e n t o s e s t á

a c o n t e c e n d o . Se m p r e e s te v e a c o n te c e n d o . Se m p r e a c o n t e c e r á . Se m p r e ...A q u es t ão p o d e se r co lo cad a d e fo rm a m ais in c is iva a r e sp e ito d o s c rít ico s . O q u e o s

t o rn a t ã o p o u c o d is p o s t o s a a p a n h a r a s q u e s t õ e s q u e e s t ã o s e n d o le v a n t a d a s ,t ão in cap azes d e t r açá - l a s , am p l i f i cá - l a s? O q u e o s to rn a t ão d e te rm in ad o s are fo rça r a f a l t a d e sab o r d o status quo ? U m p o u c o m e n o s d e " p o l e g a r p a r ac im a/p o leg ar p a ra b a ix o " e u m p o u co m ai s d e r e f l ex ão a ju d ar i am .

A c h o q u e o s c i n e a s t a s d e v e r i a m a s s u m i r a p r o m e s s a d e p e g a r a c a n e t a e f a z e r oe s f o r ç o d e f a l a r d o s f i l m e s d o s o u t r o s ( o u d o s m o m e n t o s o u g e s t o s n e s s e s

film e s ) q u e o s to c a m e s t é tic a e e m o c io n a l m e n t e . U m p o u c o m e n o s d e in s u la -r i d a d e e u m p o u c o m a i s d e g e n e r o s i d a d e p o d e r i a m a j u d a r a r e t o m a r oter r itó r io q ue fo i pe rd ido com o co lap so d a cr ít ica .

O senhor acredita que ainda épossível experimentar com a própria

linguagem do cinema, como naquela época? Ainda épossível para o 

cinema se questionar? 

Sim, enfat icamente . Algumas ind icações sumár ias desconectadas . O d ig i ta l , emp r im ei ro lu g ar . O q u e e l e n o s t r az? Q u an d o v a i an d ar p o r s i , co m as p ro -p r i ed ad es d o d ig i t a l s en d o ex p lo rad as , e n ão s im p lesm en te co n s id e rad as co m ou m a fo rm a ex p ed i t a d e f i lm ar? Q u e es t é t i ca e l e t r az? C o m o essa e s t é t i ca v a ia fe t a r e t ran s fo rm a r n o sso se n t id o d a n a r ra t iv a?

Em segundo lugar , o sound design . Quando os cineastas vão reconhecer a sofist icaçãod o seu p ú b lico n o q u e d iz re sp e ito à e lab o ração d o so m ? Q u an d o vão co m p reen -d er a t ivam en te q u e o e sp ec tad o r m éd io ag o ra t em u m a fam ilia r id ad e co m as co m -p lexid ad e s d as cam ad as d e so m , d o s samplings , da mixagem, que é der ivada da

sua famil iar idade com a música popu lar? E quando essa compreensão vai setrad uzir em estratégias n arrativas no vas e d ifere ntes?

A d é cad a d e 1 9 6 0 fo i m arcad a p o r u m sa lto q u e lev o u o s c in e as t as a se a fas t a rem d o sm o d e lo s l i t e r á r io s (d a a l t a e d a b a ix a l i t e r a tu ra ) e en co n t ra rem seu p o n to d er e f e r ê n c i a n a p i n t u r a . O G o d a r d d o c o m e ç o é u m e x e m p l o b a s t a n t e b o m d oq u e i s so q u i s d i ze r : q u an tas v ezes e l e n o s o b r ig o u a l e r o q u ad ro co m o l em o su m a p in tu ra d e Mat i s se , co m á reas ch ap ad as d e co res p r im ár i as i l u m in ad asc o m o s e p e lo s o l d o m e io - d ia ? E q u a n t o d e s s a e s tr a té g ia s e p l a sm o u e m u m a

n o v a fo rm a d e n a r ra t iva? Pa rece in ev it áve l q u e a m ú s ica (o u , d ito d e fo rm a m aisapropr iada, o som) o fereça o p róx imo referencia l . Alelu ia .

     5     4

Page 56: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 56/120

A era d o f ilm e so n o ro é a n o ssa . O lh e , eu p o d e r ia co n t in u ar en file i ran d o o s s in a i s d eesp eran ça (o u se j a , a s vir ad as e m u d an ças q u e fo rçam o s c in e as t as a ab raça remseu t em p o ) . As v ir ad as n o s v en to s p o lít ico s fig u ra r iam d e fo rm a p ro em in e n te n al i s ta , mas i sso nos tomar ia mui tas no i tes em vo l ta da foguei ra .

O senhor fez seis filmes com Godard. Como era tê-lo como parceiro? Que carac- 

terísticas de Godard o senhor vêno seu trabalho depois de terem produzido 

tantos filmes juntos? 

D e s s a p e r gu n t a e u vo u fu g ir. C o m p r e e n d a q u e u m a d a s p r a g a s q u e m in h a ju v e n -t u d e m e im p ô s é q u e a s p e s s o a s s e d ir ig e m a m im c o m o s e e u t ive s s e s id o

a p a n h a d o n u m e t e r n o p r e s e n t e , c o m o u m c e r v o s o b a l a n t e r n a . S u s p e i t oq u e s e e u a ) fo s s e u m p o u c o m e n o s in g ê n u o o u b ) t ive s s e m e n o s c o lh õ e s ,e u t e ria u n id o fo r ç a s a a lg u é m q u e n ã o c o n c e n t ra r ia n a s u a c a b e ç a a m ís tic ad o a u t o r c o m " A" m a iú s c u lo . M a s , s e n d o a s s im , e u s e n t i q u e e le e r a a q u e lec u j a p r á t i c a p o d e r i a a c o m o d a r m i n h a s q u e s t õ e s . D i t o i s s o , é e l o g i o s o et a m b é m c a n s a t i v o s e r l e v a d o d e v o l t a à j u v e n t u d e d e a l g u é m c o m t a lc o n s i s t ê n c i a e n e r v a n t e .

Poucos anos depois de sua parceria com Godard, o senhor se mudou para os 

Estados Unidos e começou a lecionar em uma universidade. Ainda assim,

o senhor dirigiu quatro filmes ( Poto and Cabengo, Routine Pleasures, My

Crasy Life e Letter to Peter ) e também escreveu alguns roteiros. Como concilia sua vida acadêmica com a sua produção cinematográfica? 

D o m elh o r /p io r j e i to q u e eu co n s ig o . L ec io n ar é b as t an te s im p les . C o n s i s t e emp e r su a d i r a s p e s s o a s d e q u e e la s n ã o p r e c is a m d e vo c ê . Co m o t o d a s a s c o is a s

s im p les , exig e t em p o e e s fo rço p a ra co n se g u ir.Também v i i sso como um dever po l í t ico , já que sen t ia a necess idade de passar a lgo

ad ian te e m o s t ra r à g en te jo v em co m o " n u n ca su b es t im ar o p o d e r rev o lu c io n á r iodo passa do " , com o d isse Paso lin i cer ta vez . Além d isso , ma ntém os pé s e a cabe çabe m s in ton izado s , se fo r fe ito com paixão . Poucos o fazem , in fe lizm en te .

Q u a n t o a o s f i l m e s , f i q u e i m a i s d e m o r a d o p o r c a u s a d a i n c a p a c i d a d e d o s p r o d u -t o re s d e a s s u m ir e m r is c o s , d a a b s u r d a c e g u e i ra d o s c r ít ic o s , d o m e u d e s d é mq u a s e p a t o l ó g i c o p o r j o g a r o j o g o e ( s e j a m o s h o n e s t o s ) p o r m e u p r ó p r i o

 je ito p ro cra s tin a d o r.

     5     5

Page 57: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 57/120

Quais são seus trabalhos (ou projetos) mais recentes? 

Acab o d e t e rm in ar u m ro te iro , The Devil Dicks . É u m film e p u r a m e n t e d e g ê n e r o , q u eesc rev i co m m eu p a rce iro , P a tr ick Am o s , e q u e n ão p re t en d o d ir ig ir. Um a e sp é -

c ie d e Ghostbusters – Os Caça-Fantasmas m is tu r a d o c o m Salò, ou os 120 dias de Sodoma , c o m c a ra d e cartoon à e n é s i m a p o t ê n c i a . D á a s e n s a ç ã o d e q u ee s s e fo r m a t o é o m a is a d e q u a d o p a r a lid a r c o m e s t a n o s s a é p o c a .

Alguns autores o consideram uma espécie de resistência entre a monótona 

grandiloqüência dos filmes de Hollywood e o cinismo do cinema " indepen- 

dente" norte-americano. Como se sente a respeito? 

Ei, v o u a t é o n d e p o s s o ! O lh a , fa ç o e s s e t ip o d e film e p o r n e c e s s id a d e . P o r h á b it o ,s e r i a u m t e r m o m a i s a p r o p r i a d o . É m i n h a p a l e t a . É m i n h a v o z . M i n h am u s iq u in h a . N ã o p o s s o fa z e r n a d a a lé m d is s o . É t a n t o a m in h a g ló r ia q u a n t oa m in h a m a ld iç ã o . Um a f o rm a l im it a d a , e m b o r a a m b ic io s a , d e fu n c io n a r n om u n d o . E, a g o r a q u e j á re s p o n d i à s s u a s p e r gu n t a s , u m p e d id o . Ag ra d e ç a aCaetano Veloso , Tom Zé, Gi lber to Gi l e Jo rge Ben . Sem eles , ser ia mais d i f íc i lp e n s a r. E v is it e o t ú m u l o d e G la u b e r. N a ú lt im a v e z e m q u e c o n v e r s a m o s , e le

m e l i g o u a c o b r a r d u r a n t e d u a s h o r a s p a r a m e d i z e r : " N ó s e s t á v a m o sc e r t o s " . Ele n u n c a m e d a v a e s p a ç o p a r a r e s p o n d e r . E e u e s t a v a tã o f a lid o n aé p o c a q u e a ú n i c a c o i s a q u e e u c o n s e g u i a p e n s a r e r a e m c o m o f a z ê - l od e s l i g a r . A g o r a , e m r e t r o s p e c t o , a c h o q u e e l e f e z b e m e m l i g a r . N ã o e x a t a -m e n t e d a q u e le je it o , m a s q u e m s e im p o r t a ...

     5     6

Tradu ção de Rodr igo Lei te .

Page 58: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 58/120

Page 59: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 59/120

Próximo do meio deVento do Leste (Vent d’Est ) ,h á u m a seq ü ên c ia n a q u a l o c in eas t a b ras i l e i roG lau b er Ro ch a t em u m a p a r tic ip ação b rev e , p o rémde s imból ica impor tância . Enquan to Rocha es tá

p a r a d o e m u m a e n c r u z i l h a d a p o e i r e n t a , c o m o sb r a ço s a b e r t o s , u m a jo v e m m u lh e r e m e r ge d e u md o s cam in h o s , s eg u ran d o u m a film ad o ra ( e o fa tod e e la e s ta r ev id e n tem en te g ráv id a é , s em d ú vid a ,“fért i l” em significado). Ela se volta para Rocha ed iz , m u ito ed u cad a : “D escu lp e -m e p o r in t e r ro m p e rsu a lu t a d e c l a s ses , m as v o cê p o d er i a m e m o s t r a ro cam in h o q u e lev a ao c in e m a p o lít ico ?”

R o ch a ap o n ta p r im e i ro p a ra f r en te , d ep o i s p a ra t r á s , een tão p a ra a e sq u e rd a , e d iz : “Aq u e le é o cam in h od o c i n e m a d a a v e n t u r a e s t é t i c a e d e i n d a g a ç ã of i lo só f i ca , en q u an to es t e é o cam in h o d o c in em ad e Terce iro Mu n d o , u m c in e m a p e r ig o so , d ivin o em a r a v i l h o s o , e m q u e a s p e r g u n t a s s ã o d e c u n h oprát ico , como produção , d is t r ibu ição , t re inamentod e 3 0 0 c in eas t as p a ra f aze r 6 0 0 f i lm es p o r an o

s o m e n t e n o B r a s i l , a b a s t e c e r u m d o s m a i o r e sm e r ca d o s d o m u n d o . ”A m u lh er co m eça a t r aça r o cam in h o d o T erce i ro

M u n d o , q u a n d o o i n e x p l i c á v e l a p a r e c i m e n t o d eu m b a l ã o v e r m e l h o p a r e c e d e s e n c o r a j á - l a aco n t in u ar n essa d i r eção . E la ch u ta , s em m u i toe n t u s ia s m o , a b o la , q u e m e s m o a s s im vo lt a ro la n -d o p a ra o n d e e l a e s t á , co m o se in s i s t in d o ems e g u i-la – co m o o fa m o s o “b a lã o ve r m e lh o ” d e

L a m o r i s s e , c o m o q u a l g u a r d a a l g u m a s e m e -lh a n ç a – , e r e fa z s e u s p a s s o s a t é G la u b e r Ro c h a ,q u e c o n t i n u a p l a n t a d o n a e n c r u z i l h a d a c o m o sb r a ç o s a b e r t o s , c o m o u m e s p a n t a l h o o u u mCris to cruci f icado sem uma cruz. E la par te maisu m a v ez , d es t a v ez seg u in d o a t r i l h a d a av en tu raes té t ica e da indagação f i losóf ica .

D ec id i co m eçar m in h a an á l i se so b re Vento do Leste 

d e s c r e v e n d o e s t a b r e v e s e q ü ê n c i a e s u g e r i n d o

     5     8

 V  e n 

 t    o 

 d   o 

L   e 

 s   t    e 

 o  u G  o 

 d  a r  d  e R  o  c h  a 

n a  e n c r  uz i  l  h  a  d  a 

    J   a   m   e   s    R   o   y    M

   a   c    B   e   a   n

Page 60: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 60/120

a lg u n s d e seu s d iv e r t id o s s im b o l i sm o s p o r ac red i t a r q u e se j am d e v i t a li m p o r t â n c i a , n ã o a p e n a s p a r a o e n t e n d i m e n t o d o q u e G o d a r d e s t á t e n t a n d of a z e r n e s t e f i l m e , m a s t a m b é m p a r a a c o m p r e e n s ã o d a m a n e i r a c o m o c e r t a sq u e s t õ e s d e g r a n d e i m p o r t â n c i a e s t ã o t o m a n d o f o r m a n a v a n g u a r d a d o c i n e -

m a c o n t e m p o r â n e o . A p r e s e n ç a d e R o c h a n e s t a s e q ü ê n c i a é p a r t i c u l a r m e n t es ig n i f i ca t iv a , m as as q u es tõ es en v o lv id as ce r t am en te v ão a l ém d e G o d ard eRo ch a – e , em ú l tim a in s t ân c ia , é b em cap az q u e o p ró p r io c in e m a es t e j a ag o raem u m a e n cru z ilh ad a c r ít ica .

Para l idar com es tas ques tões e sondar com maior p ro fund idade a s ign i f icância daseq ü ên c ia d a en c ru z i lh ad a , ach o q u e o m e lh o r é p r im e i ro to m arm o s u m b rev ede svio , exp licando um po uco as c ircun stâncias q ue levaram a Vento do Leste e àassociação p rob lem át ica de Glaub er Rocha a e s te film e, em vár ios e s tág ios d e seu

de sen vo lvim en to . Logo apó s os levan tes es tuda n t is ocorr ido s na França em 196 8 ,God ard con ta tou um do s líde res m ilitan tes de sse m ovim en to , Dan iel Coh n-Ben dit ,e suger iu que os do is co laborassem no p ro je to de um f i lme que exp lorar ia ofunesto declínio ideológico, moral e social enraizado não apenas na polí t ica fran-cesa , m as n a s ituação p o lít ica do pó s-Guerra Fr ia d e fo rm a ge ral. Godard tam bé malud iu a seu desejo de fazer o f i lme de ta l fo rma que fossem cr iados parale losen tre a rep rese ntativida de de estruturas p olít icas trad icion ais e a rep rese ntativida dede estruturas tradicionais de f i lmes, em part icular aquelas de padrão ocidental .

C o h n -Ben d it co n co rd o u , e G o d ard co n ta to u o p ro d u to r it a lian o G ian n i Barce llo n i, q u e já h a via tr a b a lh a d o co m d ire to re s co m o Pa so lin i e G la u b e r Ro ch a , e o jo ve mcineas ta underground francês Phil ippe Garrel . Barcelloni convenceu a Cineriz alh e d a r u m a d ia n t a m e n t o d e c e m m il d ó l a re s p a r a “ u m fa r o e s te e m c o re s , a s e rro te i r izado por Dan iel Cohn-Bendi t , d i r ig ido por Jean-Luc Godard e es t re ladop o r G ian Mar ia V o lo n té” . A p aren tem en te , o q u e o p ro d u to r e o d i s t r ib u id o re s p e r a va m e r a a lg o n a lin h a d e u m “Cohn-Bendit le fou ”.

As f i lmagens fo ram conduzidas no in íc io do verão de 1969 , na I tá l ia . Godard , en tãoc o m p r o m e t i d o c o m a c r i a ç ã o c o l e t i v a , c o n g r e g o u o s t r ê s m e m b r o s d o s e u

G ru p o D z ig a Ver to v (q u e n a ép o ca e m q u e e s te t e xto fo i e sc rito e s t av a red u z i-d o a ap en as d o i s m em b ro s – G o d ard e Jean -P ie r r e G o r in ) , su a esp o sa , a a t r i zAnne Wiazemsky , d iversos a to res e técn icos i ta l ianos , e uma sér ie de mi l i tan tesf r an ceses e i t a l i an o s d e d iv e r sas in c l in açõ es e sq u erd i s t a s . C o h n -B en d i t ,q u e h av ia d i scu t id o a co n cep ção g e ra l d o f i lm e co m G o d ard , e s t ev e p resen tea p e n a s e m p a r t e d a s film a g e n s , a p a r e n t e m e n t e d is cu t iu c o m G o d a r d e G o r in ,e n ão ap arece n a v e r são f in a l d o f i lm e ( co m o G o d ard co lo co u em B erk e leyem ab r i l d o an o p assad o , “ to d o s o s an a rq u i s t a s fo ram p ara a p ra i a” ) . S a i

Coh n-Ben di t. En tra Glaub er Roch a.

     5     9

Page 61: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 61/120

E m R o m a p ara r eu n iõ es co m B arce l lo n i , R o ch a en co n t ro u G o d ard , q u e , s eg u n d oRo ch a , su g er iu q u e o s d o i s d ev er iam co o rd e n ar e s fo rço s “p a ra d e s t ru i r o c in e -m a ” – a o q u e R o ch a t e r ia r e s p o n d id o e s ta r e m u m c a m in h o b e m d ife r e n t e , q u eseu o b je t iv o e ra co n s t ru i r o c in em a n o B ras i l e n o r es to d o T erce i ro Mu n d o ,

lid an d o co m p ro b lem as p rá t ico s d e p ro d u ção , d i st rib u ição e t c.E s ta d iv e rg ên c ia p a rece t e r d ad o a G o d ard a id é i a d e f i lm ar u m a seq ü ên c ia co m

“Roch a n a e ncruzi lha da ”, pa ra inclu ir em Vento do Leste co m o u m a m a n e ira d ed e lin e a r d i fe ren tes e s t ra t ég ias r e vo lu c io n ár ia s . Ro ch a co n co rd o u em rep rese n -t a r o p a p e l, m a s n ão sem m o s t r a r r e lu t ân c ia e m “se ju n ta r à m ito lo g ia co le t iv ad a in e sq u ec ív e l G an g u e Fran cesa d e Ma io ” .

D e q u a lq u er m an e i ra , a seq ü ê n c ia fo i film ad a , e G o d ard e R o ch a se d e sp e d iram am i-g a ve lm e n t e , m a s , a o q u e p a r e c e , a m b o s c o m a s e n s a ç ã o d e q u e o o u t ro h a v ia

f a l h a d o e m e n t e n d e r s u a p o s i ç ã o . G o d a r d s e d e d i c o u à e d i ç ã o d e Vento do Leste , e co nclu iu o film e n o in íc io d o inverno . Por acaso , Roch a e s tava em Rom anovamente na época da p ré-ex ib ição par t icu lar , ass is t iu ao f i lme, e se v iu –c o m o a c o n t e c e u c o m to d o s o s p re s e n t e s – d e ta l fo r m a d e s n o r te a d o e c o n s t e r -n a d o c o m o c a m i n h o t o m a d o p o r G o d a r d , q u e d e c i d i u e s c r e v e r u m a r t i g osob re o film e pa ra a re v is ta b ras i le i ra Manchete 1 .

N o F es t iva l d e C an n es , em m aio d e 1 9 7 0 , Vento do Leste t ev e u m a ex ib ição à m e ia -n o i t e , d u ran te a Q u in zen a d o D i re to r . (G o d ard n ão q u er i a q u e o f i lm e fo sse

ap rese n tad o e m Cann es; a e xib ição fo i de to ta l respo nsa b i lida de do d is tr ibu ido r.)A lg u m as p o u cas p esso as ad m i ra ram o f i lm e ; a m a io r i a d e tes to u . Id em p ara aex ib ição de Vento do Leste n o N ew Y o rk F es t iv a l , em se t em b ro . O m esm o serep e t iu a lg u m as sem an a s m ais t a rd e em Berk e ley e S an Fran c isco . Es te t ip o d er e a çã o e r a m a is o u m e n o s e s p e r a d a s e m p r e q u e u m n o v o film e d e G o d a r d e ralan çad o . Fo ra d o co m u m e u m p o u co m ais co m p licad a fo i a co n t ro vér s ia so b rese Vento do Leste p o d er i a se r co n s id e rad o u m f i lm e “v i su a lm en te b e lo ” , e sees t a b e leza v i su a l se r i a u m a t r ib u to o u u m a d e f i c i ên c ia , co n s id e ran d o -se a s m e tas r ev o lu c io n ár i a s d e G o d ard .

Mui to da con trovérs ia sobre a qual idade v isual do f i lme pode ter resu l tado s imples-m e n t e d o f a t o d e q u e e s t a v a m s e n d o e x i b i d a s t a n t o v e r s õ e s e m 3 5 m m c o m oem 16 m m d o film e ; e q u e , em t e rm o s visu a is , e s t a s d u as v e r sõ es são b a s tan ted ife ren tes . Ap e sa r d e o f ilm e t e r s id o film ad o em 16 m m ( in t e ir am en te em á rease xternas) , a cóp ia em 35 m m é m ui to su pe r io r , com cores luxur ian tes (p r incipa l-m en te o s v e rd es d as b e las p a isag en s in t e r io ran as d a It á lia e o ve rm elh o in t en so

     6     0

[ 1 ] Vide Manchete nº 9 28 (31 d e jane i ro de 1970) , Rio d e Jane iro .

Page 62: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 62/120

d a p a red e d e u m a an t ig a m o rad a rú s t ica , p a rc ia lm en te em ru ín as ) . A có p ia e m16 m m é b as t an te e scu ra e so m b r ia , co m co res m u ito fa lsas e m e lan có l icas .

A c o n t r o v é r s i a r e a l m e n t e s e a d e n s a q u a n d o c o m e ç a o d e b a t e s o b r e o s m é r i t o s ed em ér i to s r e l a t iv o s à b e leza v i su a l (o u d e su a au sên c ia ) em Vento do Leste .

H o je , é a t é d i f í c i l d e t e rm in ar q u em d i s se o q u e e p o r q u ê – e a q u e có p ia sere fe r iam o s co m en tá rio s . Po r ex em p lo , q u an d o o film e e s tav a sen d o e xib id o emBerkeley e San Francisco, alguns crí t icos f izeram objeções ao “lixo visual”, men-c io n an d o q u e G lau b er R o ch a su p o s tam en te t e r i a c r i t i cad o o f i lm e p o r se r“d e m a s ia d a m e n t e b e lo ” , a s s im s e m a n t e n d o n o d o m ín io d a e s té t ic a , a o i n vé sd e fu n c io n ar co m o u m f i lm e p o l i t i cam en te m i l i t an te . O p ro b lem a é q u e ap o s iç ã o d e Ro c h a n u n c a fo i e s s a . Es ta lin h a d e p e n s a m e n to , e n q u a n to e r ro n e a -m en te a t r ib u íd a a R o ch a , a p r in c íp io é ace i t a p o r G o d ard , q u e , n o en tan to ,

r e b a t e a f i r m a n d o q u e “ s e Vento do Leste t e m a l g u m m é r i t o , é o d e n ã o s e r ,d e fo rm a a lg u m a, b e lo ”. Já Ro ch a , em seu a r t ig o n a Manchete , a taca Vento do Leste n ã o p o r q u e o f ilm e s e m a n t é m n o d o m ín io d a e s t é t ic a , m a s p o r a c re d i ta rq u e G o d ard e s t ivesse t en tan d o d es t ru ir a e s t é tica . Ro ch a e lo g ia o film e p o r su a“ b e l e z a d e s e s p e r a d a ” , m a s c e n s u r a G o d a r d p o r s e s e n t i r t ã o s e m e s p e r a n ç a sq u an to à u t i l i d ad e d a a r t e . R o ch a l am en ta q u e u m a r t i s t a t ão t a l en to so co m oG o d a r d ( q u e e l e c o m p a r a a B a c h e M i c h e l a n g e l o ) n ã o t e n h a m a i s f é n a a r t e ,p rocurando , em vez d isso , “des t ru í - la” .

Para Rocha, a p resen te cr ise in te lectual na Europa Ociden ta l sobre a u t i l idade da ar teé se m sen t id o e p o lit icam en te n e g a t iv a . Ele v ê o a r t is ta e u ro p eu – m elh o r exem -p l i f i c a d o p o r G o d a r d – c o m o t e n d o s e c o l o c a d o e m u m b e c o s e m s a í d a , eco n c lu i q u e , n o q u e d i z r e sp e ito ao c in e m a , o Terce iro Mu n d o p o d e se r o ú n icolu g ar o n d e u m a r t i s t a a in d a p o d e f aze r f i lm es d e fo rm a f ru t í f e ra . G o d ard , p o ro u t ro l ad o , cen su ra R o ch a p o r su a “m en ta l id ad e d e p ro d u to r” , p o r p en sa rd e m ais n o s ch am ad o s te rm o s p rá t ico s d e p ro d u ção , d is t rib u ição , m ercad o s e t c.,a s s im p e rp e tu an d o as e s t ru tu ras cap i ta lis ta s d o c in e m a , lev an d o -as ao Terce iroMu n d o – e n eg l ig en c ian d o , n o p ro cesso , q u es tõ es t eó r i cas u rg en tes q u e

p rec i sam se r co n s id e rad as se o c in em a d o T erce i ro Mu n d o p re t en d e ev i t a r as im p les r ep e t ição d o s e r ro s id e o ló g ico s d o c in e m a o c id e n ta l.

Q u e t i p o d e e r r o s i d e o l ó g i c o s G o d a r d p o d e r i a t e r e m m e n t e ? B e m , v o l t e m o s às e q ü ê n c i a d a e n c r u z i l h a d a e m Vento do Leste . S e a n o ssa a s so c iação d a b o lav erm elh a d e p l ás t i co co m o “b a lão v e rm elh o ” d e L am o r i s se e s t iv e r co r re t a ,e n t ã o e s t a s e q ü ê n c i a p o d e s e r l i d a a s s i m : o c i n e m a , e m u m e s t á g i o m u i t ofecun do de de sen vo lvim en to cr ia t ivo , se vo l ta p ara o Terceiro Mu nd o procurand oa c o n s e l h a m e n t o e d i r e c i o n a m e n t o q u a n t o à r e l a ç ã o a d e q u a d a e n t r e o c i n e m a

e a so c ied ad e ( “c in em a p o l í t i co ” ) . R eceb en d o u m a resp o s ta d e ce r t a fo rm a

     6     1

Page 63: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 63/120

eq u iv o cad a d e G lau b er R o ch a , m as su f i c i en tem en te im p ress io n ad o p e lo q u ee le co lo ca so b re o c in em a d o T erce i ro Mu n d o (e t a lv ez im p ress io n ad o p e lam a n e i r a c o m o e l e a r g u m e n t a – o u m e l h o r , c a n t a – e m P o r t u g u ê s ) , o c i n e m ato m a o cam in h o d o c in em a n o T erce i ro Mu n d o , p a ra d esco b r i r , a lg u n s p asso s

à fr e n t e , q u e o c in e m a d o Te r c e ir o M u n d o e s tá s e t ra n s fo r m a n d o e m u m a s é r iede imi tações tercei ro -mundis tas de O balão vermelho . D esen co ra jad o , o c in e m ar a p id a m e n te d e c id e q u e o v e r d a d e i ro a va n ç o n ã o e s tá n e s s a d ir e çã o , m a s s imem p ro sseg u ir p e lo cam in h o d e av en tu ra e s t é t ica e q u es t io n am en to filo só f ico –u m c a m in h o q u e a m u lh e r re s o lu t a m e n t e to m a .

A g o ra su rg e a p e rg u n ta : o q u e h á d e e r r ad o co m O balão vermelho ? Quais errosideo lóg icos , ineren tes ao c inema ociden ta l , se manifes tam neste f i lme? A quep o d er íam o s p o ss ive lm en te n o s co n t rap o r n a ch a rm o sa h i stó ria so b re u m m en in -

in h o fr an cês e u m b a lão v e rm elh o q u e o se g u e o n d e q u e r q u e e le v á , co m o u mcach o r r in h o b r in ca lh ão ? Po d e m o s t am b ém lem b ra r q u e An d ré Baz in d ed ico u u mde seu s en saios m ais im po r tan tes ( “Montagem inv is ível”, no vo lum e I de O que éo cinema? ) a O balão vermelho e a ou t ro cur ta popu lar de Lamorisse , Crin blanc . O a rg u m en to d e B az in , u m t r am p o l im p ara o d esen v o lv im en to d e su aes té t ica real i s ta , era que, mesmo em um f i lme de fan tas ia tão imaginat ivac o m o O balão vermelho , e ra essen cia l (on to log icam en te esse ncia l) m anter a fide -l idade cinematográfica à realidade, “o simples respeito fotográfico pela unidade

esp acia l” . O fa to d e ter s ido u sado um t ruq ue para pe rm it ir que o balão pa recesseseg u ir o m en in o n ão e ra d e im p o r t ân c ia p a ra B azin , d esd e q u e o t ru q u e n ão fo sseu m a t ru cag em – co m o e ra , n a su a o p in ião , a m o n tag em . O q u e im p o r t av a e ras implesmente que tudo o que fosse v is to na te la t ivesse s ido fo tografadoc o m o re a lm e n t e a c o n te c e u n o te m p o e e s p a ç o . O q u e n ã o p o d ía m o s ve r ( co m oum f io de nái lon impercep t ível a permit i r que Lamorisse con tro lasse os movi-m en to s d o b a lão ) n ão im p o r t av a p a ra B az in , d esd e q u e o q u e n ó s v í s sem o stivesse efetivamente acontecido, fosse pris sur le vif (cap tu rado ao v ivo) pelacâm era , n ão t en d o s id o ad u lt e rad o em lab o ra tó r io o u n a m o v io la .

E B az in n ão se im p o r t av a n em u m p o u co (n a v e rd ad e , o co n ce i to se en ca ix av ap e r f e i t a m e n t e e m s e u i d e a l i s m o h u m a n i s t a b u r g u ê s ) q u e s u a f i d e l i d a d e à“ rea lid a d e ” se rvis se co m o u m t ram p o lim p ara p re t en sõ es m e ta fís icas s im p l is t a se m o r a l i z a ç ã o s e n t i m e n t a l – c o m o , p o r e x e m p l o , e m O balão vermelho , e mq u e a lu t a e n t re o m e n in in h o e u m a g a n g u e d e r u a s im b o l iz a a lu t a e n t r e o B e me o M a l, c o m o M a l ve n c e n d o a q u i n a Te r ra e o b a lã o e s to u r a n d o , m a s o B e mve n c e n d o e m u m a o u t ra e s fe r a “ m a i s e le v a d a ” , c o m m ilh a r e s d e o u t r o s b a lõ e sm i r a c u l o s a m e n t e d e s c e n d e n d o d o f i r m a m e n t o , e r g u e n d o o m e n i n i n h o e o

c a rr e g a n d o p a r a o c é u .

     6     2

Page 64: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 64/120

Para Bazin , con form e revelado p or um a le i tu ra cu ida do sa, todo s os cam inh os levam aocéu . A termino log ia re l ig iosa que aparece repet idamente em seus escr i tos cer ta-m en te n ão t em n ad a d e co in c id ên c ia o u m esm o d e m eram en te m e ta fó r ica . To d oo s is tem a e s té t ico d e Bazin se base ia e m um a e s tru tu ra m ís t ica e re lig iosa (cató -

lica) d e t ran scend ên cia . A fie l " refle xão da realidad e" , na verdad e, nad a m ais é doq u e u m p ré -req u is ito – e em ú lt im a in s t ân c ia s im p lesm en te u m p re t exto – p a raen co n t ra r u m a “verd ad e tr an scen d en ta l” q u e su p o s tam en te e xis te n a r ea lid ad e eé “m iracu losa m en te” revelada p ela câm era . A realida de , se e s tudarm os Bazin comaten ção , rap id am en te se d esp e d e su a casca m ate ria l e é “e lev ad a” a u m a e s fe rapuramente metaf ís ica (que poder íamos jus t i f icadamente chamar de teo lóg ica) .

D a d a a m e n o r o p o r t u n id a d e ( co m o q u a n d o e s cre v e n d o s o b r e Journal d’un curéde campagne d e Bresso n ) , Baz in ch e g a a r ev e la r o se g red o – e seu ab u so flag ran te

d o t e r m o “ fe n o m e n o lo g ia ” a lc a n ç a u m p in á c u lo d e a b s u r d o e m “u m a fe n o m e -n o l o g ia d a g ra ç a d e D e u s ”. M a s m e s m o a o e s c re v e r s o b r e u m film e c o m o Terra 

sem pão , d e B u ñ u e l , q u e é u m a d o c u m e n t a ç ã o m o r d a z d a c o n d i ç ã o m a t e r i a ld e u m a p o p u la ç ã o e s p e c ífic a ( o s h a b it a n te s d o v a le d e La s H u r d e s ) e m u m p a ísesp ec ífico (E sp an h a) , so b u m a co lig ação esp ec ífica d e c la s ses p rev a len tes (d ab u rg u es i a e d a Ig re j a C a tó l i ca ) , t u d o i s so ap resen tad o co m am arg a ên fase n op ró p r io f i lm e , B az in a in d a co n seg u e v a r re r a p o e i r a m a te r i a l p a ra d eb a ix o d otap e te , t ão r ap id am en te q u e é d i f í c i l s ab e r o q u e fo i v i s to e e scap ar d e fo rm a

im ed ia t a p a ra a s p o e ir as m a is ed ifican tes d o p a ra íso .Fo i observado 2 q u e , e m s e u a r t ig o s o b r e Terra sem pão , Ba z in n e m s e q u e r m e n c io n aas palavras “classe”, “explorada”, “rico”, “capital ismo”, “propriedade”, “prole-tariado”, “burguesia”, “ordem”, “dinheiro”, “lucro” etc. E quais são as palavrasq u e en co n t ram o s em seu lu g ar? E x p ressõ es g ran d io sas , co n ce i to s ab ran g en -t e s e g e n e r o s o s q u e s ã o a m a t é ria -p r im a d e u m a e xt e n s a t ra d iç ã o d o id e a lis m ohu m an is ta bu rguê s – com o “con sciên cia” , “salvação”, “t ris teza” , “pu reza”, “in te -g r id ad e” , “c ru e ld ad e o b je t iv a d o m u n d o ” , “ve rd a d e t ran scen d e n ta l” , “c ru e ld ad eda con dição hu m an a”, “infelicida de ”, “a crue lda de na Criação ”, “de stino ”, “horror”,

“p iedade”, “Madona”, “misér ia humana”, “obscen idade c i rú rg ica” , “amor”,“d ia lé t ica pascal iana” ( t inha de ser pascal iana!) , “ toda beleza de uma Pietà 

esp an h o la” , “n o b reza e h a rm o n ia” , “p resen ça d o b e lo n o a t ro z” , “u m in fe rn a lpa raíso ter res t re” e tc . e tc .

E n ão se t r a ta d e u m caso ú n ico , se j a n as e sc rit a s d e B az in o u n a id e o lo g ia b u rg u e saem geral . Q ua n to m ais gen ero sos e gerais os con cei tos , m ais fácil é co br ir a fa l ta

     6     3

[ 2 ] Vide a in te rpre tação cr ít ica de Gerard G ozlan sob re Bazin e m Positif , n º s . 4 6 e 4 7 ( ju n h o e ju l h o d e 19 6 2 ) .

Page 65: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 65/120

d e u m a a n á lis e m a t e ria lis ta , vo lt a d a a o p r o c e s s o d a s o c ie d a d e h u m a n a e q u e ,caso o co r res se , r ev e la r i a a lg u n s f a to s d u ro s e d esag rad áv e i s q u e p o d er i amfaze r a s p esso as co m eçarem a se r eb e la r . E m resu m o , a id eo lo g ia é p e lom e n o s t ã o e f i c i e n t e n o q u e d e i x a d e d i z e r – n a q u i l o q u e m a n t é m o c u l t o –

q u a n t o n o q u e d iz .G o d a r d l a m e n t a a fo r m a c o m o o c in e m a , d e s d e s e u n a s cim e n t o , fo i d e s fig u r a d o p o r

u m a id eo lo g ia cap i t a l i s t a b u rg u esa q u e p e rm eia su as p ró p r i as fu n d açõ es t eó -r icas , s em jam ais t e r s id o co r re t am en te d iag n o s t icad a , e m u i to m en o s co r r ig id a .Em Vento do Leste , p o r t a n t o , e l e s i s t e m a t i c a m e n t e d e s m o n t a o s e l e m e n t o st rad icio n a is d o c in e m a b u rg u ê s – p r in c ip a lm en te co n fo rm e e xem p lificad o p e loO cid e n te – e r ev e la o ( p o r vezes o cu lto e p o r vezes e scan carad o ) ca rá t e r rep res -s iv o q u e o su s t en ta .

G o d a r d a c u s a o c i n e m a b u r g u ê s d e c o l o c a r d e m a s i a d a ê n f a s e n o s m e d o s e d e s e j o se m o c i o n a i s m a i s b á s i c o s d a a u d i ê n c i a , j o g a n d o c o m e s s e s m e d o s e d e s e j o s ,sacr i f icando a in te l igência cr í t ica do espectador . E Godard ten ta combater es tat irania das emoções, não porque seja “contra” emoções e “a favor” da racionali-d a d e , n e m ta m p o u c o p o r q u e s e o p o n h a a q u e a s a titu d e s e a ç õ e s d a s p e s so a ssejam in f lue nciadas p or su a e xpe r iên cia ar t ís t ica ; m ui to p elo con trár io . Mas p orac red i t a r fo r t em en te q u e a au d iên c ia n ão d ev e se d e ix a r ex p lo ra r , co m o aco n -t e c e n o c i n e m a b u r g u ê s , q u e n ã o d e v e s e r m a n i p u l a d a e m o c i o n a l m e n t e , m a s

d ev e , s im , se r t r a t ad a d e fo rm a d i r e t a e f r an ca , em u m d iá lo g o lú c id o q u ee v o q u e t o d a s a s su a s fa c u ld a d e s h u m a n a s .H o je , n o en tan to , cad a e l em en to d e u m f i lm e b u rg u ês é ca l cu lad o p a ra co n v id a r a

a u d iê n c ia a s e p e r d e r e m u m a e xp e r iê n c ia e m o c io n a l “vivid a ” d e u m a c h a m a -da “fa t ia de v ida”, em vez de assumir uma at i tude cr í t ica , anal í t ica , e , emú l t im a in s t ân c ia , p o l í t i ca em re l ação ao q u e se v ê e ao q u e se o u v e . A lg u émp o d er i a p e rg u n ta r : p o r q u e a a t i t u d e d e u m in d iv íd u o em re l ação a u m f i lm ed e ver ia se r p o l ít ica? A resp o s ta , o b v iam en te , é q u e o co n v it e p a ra se p e rd e r ememoções ao cus to da anál ise racional já const i tu i um ato po l í t ico – impl icando

em u m a a t it u d e p o lít ica p o r p a r te d o esp e c tad o r , s em q u e es t e e s t e ja n ecessa r ia -m en te c i en te d i s so .

D e f a to , ao se d e ixa r “to ca r” em o c io n a lm en te p e lo c in e m a – e a t é m esm o e xig ir q u eo c i n e m a s e j a e m o c i o n a l m e n t e t o c a n t e – o e s p e c t a d o r s e c o l o c a à m e r c ê d eq u a lq u e r u m q u e a p a r e ç a c o m d in h e ir o p a r a in v e s tir e q u e s e d ê a o t ra b a lh od e g a ran t ir q u e a au d iên c ia se s in t a “ to cad a ” . Mas as p esso a s q u e t êm d in h e i rosu f i c i en te p a ra in v es t i r t am b ém têm u m in te res se o cu l to em asseg u ra r q u e asau d iên c ias se j am to cad as n a d i r eção ce r t a , o u se j a : em u m a d i r eção q u e

perpetue a posição van ta josa do inves t idor , em um s is tema econômico que

     6     4

Page 66: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 66/120

p erm ita a ex is t ên c ia d e e n o rm es d e s ig u a ld ad e s n a d is t rib u ição d as r iq u ezas .Re s u m in d o , o c in e m a ( b e m c o m o a t e le v is ã o ) fu n c io n a c o m o u m a fe r ra m e n t ao u a rm a id eo ló g ica , u sad a p e la c l a s se p rev a len te -p ro p r i e t á r i a p a ra am p l i a r om e r ca d o p a r a o s s o n h o s b u r gu e s e s q u e ve n d e .

Além d is so , co m o G o d ard a f irm a em Vento do Leste , o c in e m a ten ta ven d e r o s so n h o sb u rg u ese s co m o rea lid ad e , in c lu s ive jo g an d o co m o s e fe ito s d e in t en s ificação een a l t ec im en to c in em ato g rá f i co s , n u m a t en ta t iv a d e n o s f aze r ac red i t a r q u e o ss o n h o s b u r g u e s e s q u e a p a r e ce m e m n o s s a s te la s d e c in e m a s ã o , d e a lg u m am an e i ra , f an tás t i co s , q u e são n ão ap en as “ rea i s” , m as , d e ce r t a fo rm a , “m ai srea i s q u e a r ea l id ad e” . N o c in em a b u rg u ês , t u d o co n sp i r a p a ra e s t e e fe i to :a l i n h a d e a tu ação é ao m esm o t em p o “ rea l i s t a” e f an tás t i ca ; o s cen ár io s são“rea l i s t a s” (o u , se f i lm ad o s em lo cação , s im p lesm en te r ea i s ) , m as t am b ém

são cu id ad o sam en te e sco lh id o s p o r su a b e leza e p o r seu asp e c to e xt rao rd in á r io .O m esm o v a le p a ra o s fig u r in o s , ro u p as , jó ia s e m aq u iag em u sa d o s p e lo s a to rese a t r i z e s , q u e t a m b é m s ã o c u i d a d o s a m e n t e e s c o l h i d o s p o r s u a b e l e z a e s e ua s p e c t o e x tr a o rd in á r io . Po r fim , a té m e s m o o s o m n o c in e m a b u r gu ê s é u s a d op a r a n o s p a s s a r a i l u s ã o d e e s t a r m o s e s c u t a n d o , à s e s c o n d i d a s , u m m o m e n t od e r e a lid a d e , e m q u e o s p e r so n a g e n s e s t ã o c e g o s à n o s s a p r e s e n ç a e s im p le s -m en te v iv en d o as em o çõ es d e su as “v id as r ea i s” .

D e s d e Weekend àfrancesa , Godard passou a re je i tar o d iá logo convencional do

cine m a, por achar qu e e le co n tr ibu i para e s ta ilusão m al-d i recion ada de realida de ,to rnand o a ind a m ais fácil pa ra a au d iência se im aginar a l i com as pe ssoas n a te la ,p rese n te po rém “a sa lvo”, em um a po sição pe rfe i ta (a de um b isb ilho te iro , de umvoyeur ) p a ra u m a p a r t i c ip ação v ica r i a l n a em o ção d o m o m en to . R esu m in d o , oc in em a b u rg u ês f in g e ig n o ra r a p resen ça d o esp ec tad o r , f i n g e q u e o q u e es t ásen do d i to e fe i to n a te la nã o é d i recion ad o p ara o e spe ctado r , finge qu e o c ine -m a é u m “re fle xo d a r ea lid ad e” ; e ao m esm o t em p o jo g a co n s tan tem en te co m asemoções da aud iência e cap i ta l iza seus mecan ismos de iden t i f icação-pro jeção , afim de ind uzi-la, de form a su til, insidios a, inco nsciente , a pa rt icipa r do s so nh os e

fan tas ias qu e sã o ven d ido s pe la so cied ade cap ita lis ta burgue sa .E x i s t e u m a seq ü ên c ia ex ce len te em Vento do Leste n a q u a l G o d a r d d e m o n s t r a e

d esm is t i f i ca o q u e aco n tece p o r t r á s d a f ach ad a d o c in em a b u rg u ês . A t r i l h aso n o ra ex p l i ca q u e “d en t ro d e a lg u n s seg u n d o s v o cê i r á v e r e o u v i r u m p er so -n ag em t íp i co d o c in em a b u rg u ês . E le e s t á em to d o s o s f i lm es e sem p re f az op a p e l d e u m D o n J u a n . E l e i r á d e s c r e v e r a s a l a e m q u e v o c ê e s t á s e n t a d o ” .Ve m o s e n tã o o close-up d e u m b e lís s im o jo vem a to r it a lian o p a rad o n a b e ir ad ad e u m r i a c h o b o r b u l h a n t e , o l h a n d o d i r e t a m e n t e p a r a a c â m e r a . A t r á s d e l e –

m as fo to g ra fad o d e m o d o q u e a p e rcep ção d e p ro fu n d id ad e se ja m u ito red u z id a

     6     5

Page 67: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 67/120

e a i m a g e m , c o m o u m t o d o , s e j a m a r c a d a m e n t e p l a n a – e r g u e - s e o t a l u d eg ra m a d o e ve r d e d a m a rg e m o p o s t a d o r io .

O jovem fala em ita liano , en qu an to vozes n a t rilha so no ra nos d ão a t radu ção tan to emfrancês com o e m inglês. A tradu ção, contudo , é e m voz ind ireta. A voz nos inform a:

“Ele d iz que a sa la es tá escura . Vê pessoas sen tadas na par te de baixo et am b ém em c im a , n o b a lcão . D iz q u e t em u m v e lh o f e io so a l i , t o d o en ca rq u i -lhad o ; e aco lá , e le d iz que vê u m a garo ta jovem e b ela . Diz que gostar ia de do rm ircom ela . Pede qu e e la sub a na te la com ele . Ele d iz que é l ind o lá e m cim a, como so l b r ilha nd o , árvores verde jan tes em todas a s pa r tes e vár ias p esso as fe l izes sed iver t ind o . Ele d iz que se você nã o acred i ta ne le , o lhe … ” Neste p on to a câm eram o v e-se su b it am e n te p a ra t rá s e p a ra cim a , m an ten d o o jo v em em fo co n o can tod i r e i to d o q u ad ro , en q u an to r ev e la n o l ad o esq u erd o – q u e p a rece es t a r q u ase

3 0 m e t r o s a b a i x o d o j o v e m – u m a c e n a d e b e l e z a e s t o n t e a n t e , m o s -t ran d o u m a cach o e ir a q u e d e ság u a n u m a p i sc in a n a tu ra l em u m va le e s tr e ito es o m b r e a d o , o n d e jo ve n s m e r gu lh a m e n a d a m n a á g u a lím p id a .

T r a t a - s e d e u m a t o m a d a m a g n í f i c a . A i m a g e m e m s i é d e e x t r e m a b e l e z a , e om a i s s u r p r e e n d e n t e é a c o m p l e x a r e e s t r u t u r a ç ã o d o e s p a ç o c o n s e g u i d aa t ra vé s d e u m s im p le s m o v im e n t o d a c â m e r a . M a s s e p a r a rm o s p a r a p e n s a rs o b r e e s t a s e q ü ê n c i a e s o b r e s e u d e s l u m b r a n t e d e s e n l a c e , p e r c e b e m o s q u et u d o n e l a é u m e n g o d o c a l c u l a d o , d i r e c i o n a d o a o s s o n h o s e f a n t a s i a s d a

a u d i ê n c i a . O h o m e m é j o v e m e b e l o . Q u a n d o f a l a , m e n o s p r e z a a i d a d e e afe iú ra , e g lo r i f ica a juven tude e o glamour . O q u e e l e q u e r é s e x o , o q u e e l eo fe rece é sex o . N a t e l a , e l e n o s g a ran te , t u d o é b e lo e a s p esso as são f e l i zes .

E es ta súb ita rees t ru tu ração d o e spaço no s conv ida, litera lm en te e po r s i só , para d en -tro d a im a g e m . Co m o a c o n te c e g e ra lm e n t e n o c in e m a b u r gu ê s , o m u n d oc a p ita lis ta b u r g u ê s é a p r e s e n t a d o c o m o s e n d o d e g r a n d e p r o fu n d id a d e , d euma r iqueza inexaur ível , e in f in i tamente conv idat ivo . E a p red i leção do c ine-m a b u r g u ê s p o r u m a f o t o g r a f i a c o m g r a n d e p r o f u n d i d a d e d e c a m p o ( v i d eB az in ) en fa t i za a i l u são d e q u e “v o cê es t á n a t e l a” , e p o r t an to m asca ra su a

p r ó p r i a p r e s e n ç a ( e o a t o d e a p r e s e n t a r e s t a i m a g e m ) a t r á s d e u m a f a l s a m od é s tia ca lcu lad a , q u e se o cu l ta p a ra faze r o c in e m a p a rece r se r o h u m ild e se rv od a r ea lid a d e , ao in vés d o q u e é n a r ea l id ad e : o c riad o b a ju lad o r e a r ro g an te d ac las se p rev a len te . O c in em a b u rg u ês f l e r t a co m o esp ec tad o r , ad u lad o r eliso n je iro , p a ra q u e e l e su b a à t e la e se ju n te à s “p esso as b e las” p a ra u m p o u cod e sex o e l aze r em u m lu g ar id í l i co . E o seu g ran d e t ru n fo é a e s to n tean tecap ac id ad e d e o fe rece r e m o çõ e s v isu a i s exc it an tes .

Is to m ais um a vez levan ta o p rob lem a da b eleza visual no c ine m a po lít ico ; m as tam bé m

d e m o n s t ra c o m o G o d a r d u s a e s ta b e l e za d e n o va s m a n e ir a s, q u e s e r ve m p a r a

     6     6

Page 68: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 68/120

d esm is t i f i ca r seu s u so s an t ig o s n o c in em a b u rg u ês ( e n o s to rn a r m en o sv u ln e ráv e i s a e l e s ) . A f in a l , s e a b e l eza ( co m o a l i n g u ag em ) é u m a d as a rm asq u e a c la s s e p r e v a le n t e u s a p a r a n o s a c a lm a r e n o s “m a n t e r e m n o s s o s d e vid o slugares” , en tão um a de no ssas tarefas ser ia vo ltar essa m esm a arm a con tra nossos

o p resso res . Um a fo rm a d e f aze r is so se r ia d esm is t ifica r a b e leza e m o s t r a r co m oe la é u sad a co n t ra n ó s ; o u t r a m an e i r a se r i a e fe t iv a r u m a “ t r an sv a lo ração d ev a lo res” , f azem o s d o co n ce i to b u rg u ês d e b e leza u m v íc io , ao m esm o t em p oto rn an d o u m co n ce ito d ife ren te d e b e leza em u m a v ir tu d e (p o r e xem p lo , “Blacki s b eau t i fu l ” ) q u e a b u rg u es i a se rá in cap az d e r eco n h ecer o u ace i t a r . E m seu sf i lm e d esd e Weekend àfrancesa , Godard u t i l iza ambas as tá t icas . Seus f i lmesa g o r a t ê m u m v i s u a l b a s t a n t e d i f e r e n t e , q u e m u i t o s n ã o c o n s e g u e mco n s id e ra r “b e lo ” , e sem p re ex i s t e a lg u m e lem en to c in em ato g rá f i co o u u m a

 ju s ta p o siçã o d e e le m e n to s q u e ch a m a a te n çã o p a ra co m o e s ta “b e le za ” é co n -s e g u id a e c o m o é u s a d a c o m o a r m a id e o ló g ic a .S e jam q u a i s fo rem o s p ró s e co n t r as n o q u e d i z r e sp e i to à “b e leza” em u m f i lm e

m i l i t an te , ce r t am en te n ão f az sen t id o c r i t i ca r o u so q u e G o d ard f az d a b e lezav isual em Vento do Leste s e m a n te s co m p r e e n d e r co m o e p o r q u e e le a u s a –o u , p io r a in d a , c r i t i cá - lo p o r t en ta r “ to ca r” a s p esso as em o c io n a lm en te , co m ofaz o c in e m a b u rg u ês , m as sem t e r su cesso n essa t en ta tiva , já q u e as su a s im a-g e n s s ã o d e u m a b e le z a e x tr e m a m e n t e fo r m a l e a u s te r a , p r o vo c a n d o d e a lg u -

m a fo r m a u m a s e n s a ç ã o d e d e s lig a m e n t o , e m ve z d e a t u a r co m o u m e s tim u -lan te . In ex p l i cav e lm en te , é ex a tam en te i s to q u e G lau b er R o ch a p a rece f aze rq u an d o , em seu a r tig o n a r e vis ta Manchete , crit ica a cen a do “oficial da cavalar-i a am er i can a” a t acan d o a g a ro ta m i l i t an te (A n n e Wiazem sk y ) p o r n ão se r , n av e r d a d e , n e m u m p o u c o a s s u s t a d o r a , m a s a p e n a s b e l a . O q u e R o c h a p a r e c en ã o p e r ce b e r é q u e G o d a r d n ã o q u e r q u e a c e n a s e ja a s s u s ta d o r a : e le a t o r n ab e la p rec i sam en te p a ra g a ran t i r q u e n ão se j a a s su s t ad o ra . E n q u an to o o f i c i a l(G ian Mar ia Vo lo n té ) t o rce o p e sco ço d a g a ro ta e g r it a co m e la , a lg u é m fo ra d ate l a a t i r a n e l es u m a esp essa t i n t a v e rm elh a q u e g ru d a n o s cab e lo s cas t an h o s

de la e resp inga na jaq ue ta azu l -m ar inh o d o o fic ia l . O efe i to v isua l, com sua r icain t e ração d e co res e t extu ras , é im p ress io n an te , e se rve p a ra n o s d i st an c ia r d aa ç ã o e d a e m o ç ã o q u e a c e n a d e o u t ra fo r m a p o d e r ia p r o vo c a r.

A lg u n s m o m en to s d ep o i s , G o d ard n o s m o s t r a o u t r a cen a s im i l a r , só q u e d es t a v ezt ra t ad a n o e s t ilo m a is em o t ivo d o c in e m a b u rg u ê s . Em vez d e f ilm ar p o r tr á s d oo m b ro d i r e i to d a g a ro ta , co m o n a cen a an te r io r d e “ to r tu ra” ( co m o to r tu rad oe a v ít im a face a face , m as ap en as o ros to do to r tu rado r vis ível pa ra a au d iência) ,G o d ard ag o ra p o s i cio n a o to r tu rad o r seg u ran d o a g a ro ta p o r t rá s . Ass im a cen a

p o d e s e r film a d a d e m o d o a r e ve la r o s ro s to s d e a m b o s e m u m close-up frontal ,

     6    7

Page 69: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 69/120

c o m e n q u a d r a m e n t o , c o m p o s i ç ã o e i l u m i n a ç ã o c h a m a n d o n o s s a a t e n ç ã o p a r -t i cu la rm en te p a ra a s ca re t as d e d o r d a m o ça . D es ta v ez , n o en tan to , n ão h án e n h u m a t in t a s e n d o j o ga d a e n e n h u m e le m e n t o a b e r t a m e n t e te a t ra l d e d is -t a n c i a m e n t o . O q u e t e m o s é a p e n a s u m a e x c e l e n t e a t u a ç ã o d e A n n e

W i a z e m s k y , q u e r e a l m e n t e p a r e c e e s t a r e s t r e m e c e n d o d e d o r . E m u m f i l m eb u r g u ê s , e s ta c e n a p o d e r ia s e r b a s ta n t e d o lo r o s a o u a s s u s ta d o r a p a r a a a u d iê n -c ia (p r in c ip a lm en te se a g a ro ta g rit a s se , co m o o c in e m a b u rg u ê s ad o ra r e tr a ta rsu as a t r i zes ) , m as n esse f i lm e , v in d o d ep o i s d a cen a an te r io r d e to r tu ra co m at in t a sen d o a t i r ad a , s eu e fe i to d o lo ro so o u as su s t ad o r é m in im izad o (o b se rv eq u e eu n ão d ig o q u e é e l im in ad o ) , e n o ssa in t e l ig ên c ia c r í t i ca é a l e r t ad a p a raan a lisa r a s d ife ren ças n o t r a tam en to d as d u as cen a s .

Mais ad ian te , n o ssas f acu ld a d e s c r ít icas são n o vam en te a l e r tad a s d e m an e ira s im ila r

e m u m a s e q ü ê n c ia e m q u e o o fic ia l d a c a va la r ia p a s s e ia e m s e u c a va lo , d a n d op o r re t ad a s n o s o b s t in ad o s p r is io n e i ro s – o u t r a cen a q u e Ro ch a ac red it a se r d ee xt rem a b e leza , m as c rit ica p o r acab ar n ão sen d o b ru ta l d a m an e ira q u e e l e ( em e s m o V e n t u r a , o e d i t o r d e s o m d e Vento do Leste ) acred i ta fosse a in tençãod o d i re to r . O q u e G o d ard f ez n e ssa se q ü ên c ia fo i u tiliza r a lg u m as d as t écn icase m p r e g a d a s c o m m u ita fr e q ü ê n c ia p e lo c in e m a b u r gu ê s p a r a e s te t ip o d e c e n ad e a ç ã o v i o l e n t a : a u m e n t a r b a s t a n t e o v o l u m e d o s o m e u s a r m o v i m e n t o sab ru p to s d a câm era co n t in u am en te . T a i s a r t i f í c io s n o rm alm en te r e su l t am em

u m a e l ev ad a in t en s id ad e em o c io n a l e u m a sen sação m u i to v i sce ra l d e v io l ên -c i a e c o n f u s ã o . ( L e m b r e - s e d o s e u u s o e m Tom Jones .) M a s G o d a r d fa z u m ai m p o r t a n t e a l t e r a ç ã o n e s t e s e l e m e n t o s q u e t r a n s f o r m a c o m p l e t a m e n t e n o s s ar e a ç ã o a e s ta s e q ü ê n c ia .

Su a c â m e r a r e a lm e n te f a z, c o n t in u a m e n te , m o v im e n t o s a b r u p t o s ; m a s t a m b é m tr a çau m p a d r ã o fo r m a l b a s t a n te p r e c is o – o s cila n d o a b r u p t a m e n t e c e r c a d e 3 5 g r a u spa ra a esq ue rda e en tão 35 g raus p ara a d ire ita , d iversas vezes , de po is osciland ocerca d e 3 5 g rau s p a ra c im a , d ep o i s 3 5 g rau s p a ra b a ix o , e a s s im p o r d i an te ,ex p lo ran d o d e m an e i ra b as t an te fo rm al o e sp aço f ech ad o d a lu x u r i an te r av in a

o n d e a a ç ã o o c o r r e . A q u a l i d a d e p u r a m e n t e f o r m a l d e s t e s m o v i m e n t o s d ac â m e r a ( a d m i r a d o , R o c h a o s p r o c l a m o u c o m o s e n d o “ s e m p r e c e d e n t e s e mto d a a h i s tó r i a d o c in em a”) é e f i caz em n o s d i s t an c ia r d a ação e n o s p rev en i rd e r eag ir em o c io n a lm en te a e la . Em resu m o , e s t a seq ü ên c ia n ã o fo i id e a lizad ap a r a s e r b ru t a l, e s im p a r a c h a m a r n o s s a a te n ç ã o p a r a a fo r m a c o m o o c in e m ab u rg u ês fa r ia co m q u e se to rn asse b ru ta l – d e s ta fo rm a , n o s b ru ta lizan d o .

C o m o n as cen as d e “ to r tu ra” , n o ssa in t e l ig ên c ia c r í t i ca é a l e r t ad a p a ra co m p ara r am a n e ir a co m o d ive r s o s e le m e n t o s c in e m a t o g rá fic o s s ã o n o r m a lm e n te u s a d o s e

o s e f e i t o s q u e p r o d u z e m c o m a m a n e i r a b a s t a n t e d i f e r e n t e c o m o s ã o u s a d o s

     6     8

Page 70: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 70/120

p o r G o d a r d e o s e fe ito s b a s t a n te d ife r e n t e s q u e p r o d u z e m e m Vento do Leste .O u , p e l o m e n o s , é i s s o q u e d e v e r i a a c o n t e c e r . M a s , s e m e s m o u m a p e s s o ac o m o G la u b e r Ro c h a n ã o c o n s e g u e v e r o q u e G o d a r d e s tá fa z e n d o e p o r q u ê ,e n t ã o h á a lg o d e e r r a d o e m a lg u m lu g a r. É c la r o q u e s e r ia c o n ve n ie n t e jo g a r

to d a a c u lp a e m G o d a r d , d iz e r q u e s e u s e xp e r im e n t o s c o m im a g e m e s o m s ã os im p le s m e n t e c o m p le xo s d e m a is o u o b s cu r o s d e m a is p a r a se r e m c o m p r e e n -d id o s . M a s a c re d it o q u e e s t e a r g u m e n t o é m a is u m a d e s c u lp a p a r a a p r e g u iç ain te l ec tu a l , q u e n ão ju s t i f i ca o d esm erec im en to d e G o d ard . S eu s ex p er im en to sc o m e le m e n t o s d o c in e m a n ã o s ã o d ifíc e is d e e n t e n d e r ; a fin a l , e le fa z q u e s t ã od e c r i t i c a m e n t e c h a m a r a a t e n ç ã o p a r a o q u e e s t á f a z e n d o . E t u d o o q u e e l ep e d e é q u e a a u d iê n c ia c o la b o r e c o m u m p o u c o d e p e n s a m e n t o c rític o p r ó p rio ,e m v e z d e s i m p l e s m e n t e s e n t a r e e s p e r a r q u e j o g u e m c o m s u a s e m o ç õ e s .

N ã o , o q u e e s t á e rra d o n ã o é o q u e G o d a r d fa z co m a im a g e m e o s o m ; m a ss im a fo r m a c o m o m e s m o a q u e le s q u e d e ve r ia m te r u m a m e lh o r co m p r e e n s ã od o t o d o o lh a m e e s c u ta m e s s a s im a g e n s e s o n s . O q u e e s t á e rra d o é o h á b it ot r e m e n d a m e n t e a r r a i g a d o q u e t e m o s d e v e r o s f i l m e s d e u m a m a n e i r a b u r -g u e s a . O q u e e s t á e r ra d o é q u e e s p e r a m o s q u e a t é f ilm e s p o lit ic a m e n t e m ili-t a n t e s e xp r e s s e m s u a m ilit â n c ia n a m e s m a lin g u a g e m q u e o s film e s b u r gu e s e su s a m p a r a in c u lc a r o s s o n h o s e fa n t a s ia s d o c a p it a lis m o b u r g u ê s . O q u e e s t áe r ra d o é q u e a té m e s m o d e n t re o s p r in c ip a is cin e a s t a s d o m u n d o – e m e s m o

d e n t re a q u e le s q u e b u s c a m u m a t ra n s fo r m a ç ã o r e v o lu c io n á r ia d a s o c ie d a d e –n ã o h á u m a r e f l e x ã o n e m d e p e r t o s u f i c i e n t e s o b r e a s q u e s t õ e s t e ó r i c a s d o su s o s e a b u s o s d a i m a g e m e d o s o m e s o b r e a s f o r m a s d e s ec o n s t ru ir n o v a s r e la ç õ e s e n t re e le s q u e n ã o m a is e xp lo r e m a a u d iê n c ia , m a s ,a o c o n t r á r i o p r e n d a m - n a d e f o r m a a b e r t a e d i r e t a e m u m d i á l o g o l ú c i d o , e mq u e a o u t ra p a r te d e v e s e r c a d a in d i víd u o .

Mas , d a fo rm a co m o as co i sas são h o je , o e sp e c tad o r r a ram en te p a rece ve r o cin e -m a c o m o u m d i á l o g o e n t r e e l e m e s m o e o f i l m e , e s t a n d o m a i s q u e p r o n t o aren u n c ia r à su a p ró p r i a p a r t e a t iv a n esse d i á lo g o , ced en d o a f e r r am en ta d e

in te r lo cu ção ex c lu s iv am en te p a ra a s p esso as n o f i lm e . E q u an to m ai s em o -c io n a lm en te ca rr eg ad o u m d iá lo g o n o film e , m a is a au d iên c ia se se n te “ to cad a”p o r e l e . E m Vento do Leste , n o en tan to , e s t a p ass iv id ad e h ab i tu a l é d esa f i ad ad e s d e o i n í c i o , q u a n d o G o d a r d n o s o f e r e c e u m a c e n a d e a b e r t u r a q u e i n c i t an o s s a c u r i o s i d a d e ( u m h o m e m e u m a m u l h e r j o v e n s s ã o v i s t o s d e i t a d o sim ó v e i s n o ch ão , o s b raço s a t ad o s p o r u m a p esad a co r ren te ) , m as s i s t em at i ca -m e n t e f ru s t ra n o s s a s e xp e c ta t iva s , s im p le s m e n t e m a n t e n d o a t o m a d a p o r q u a s eo i t o m i n u t o s s e m q u a l q u e r a ç ã o ( o h o m e m s e m e x e o s u f i c i e n t e p a r a g e n t i l -

m e n t e t o c a r a f a c e d a m u l h e r e m u m d a d o m o m e n t o ) o u d i á l o g o . D e f a t o ,

     6     9

Page 71: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 71/120

q u a n d o o “c o m e n t á r io ” e m vo z over fin a lm e n t e c o m e ç a ( s o b r e o s “ m u r m ú r io sd a f lo res t a” q u e o u v im o s) , o q u e t em o s n ão é u m d iá lo g o , m as u m a c r í t i cad e d iá lo g o .

O s ten s iv am en te fa lan d o so b re t á t icas d e g reve e m a lg u m a d isp u ta t r ab a lh is t a , a n a r -

r a d o r a a fir m a e m c e r to m o m e n to q u e é o d iá lo g o q u e é n e c e s s á rio , m a s e s ted iá lo g o n o rm alm en te é ced id o a u m “rep rese n tan te q u a l ificad o ” , q u e t rad u z asex ig ên c ias d o s t r ab a lh ad o res n a l i n g u ag em d o s ch e fes e , ao f aze r i s so , t r a i a sp e s s o a s q u e s u p o s t a m e n te r e p r e s e n t a . Es ta d is cu s s ã o e m vo z over s o b r e a d e r -ro t a d o d iá lo g o se r e fe re c l a ram en te ao s d i á lo g o s d e b a rg an h a q u e o co r remen t re a m ão -d e-o b ra e o cap i t a l , e a lg u n s m in u to s m a i s t a rd e , n a p ró x im as e q ü ê n c i a , o c o r r e u m a d e m o n s t r a ç ã o ( n o e s t i l o d e u m f a r o e s t e ) d a m a n e i r aco m o o “ rep resen tan te q u a l i f i cad o ” (o r ep resen tan te d o s in d ica to ) d i s to rce as

e xig ên c ias r ea is d o s t rab a lh ad o res ( p a ra a su b v er são r e vo lu c io n ár ia d o s is t em acap it a lis ta q u e o s e xp lo ra ) , t rad u z in d o t a is e xig ên c ias e m t e rm o s co m o s q u a iso s p a t rõ es co n s ig am l id a r ( sa l á r io s m a i s a l to s , m en o s h o ras , m e lh o resco n d içõ es d e t r ab a lh o e t c . ) . D e u m a m an e i ra e s t r an h a e c r i t e r io sa , n o en tan to ,es t a d i scu ssão d o f r acasso d o d iá lo g o n as m ão s d e u m “ rep resen tan te q u a l i f i -cad o ” t am b ém se r e fe re ao f r acasso d o d iá lo g o co n t id o n o “co n ce i to d e r ep re -s e n t a ç ã o b u r g u ê s ” d o c in e m a .

“O q u e p rec i sam o s é d e d i á lo g o ” – es t a d ec la ração n o “co m en tá r io ” em v o z over 

p a r e c e e c o a r n o s s o s p r ó p r io s p e n s a m e n to s c o n fo r m e a s s is tim o s e s s a c e n a d eex ten são ex asp eran te , e s t á t i ca e sem d iá lo g o . E s t am o s im p ac ien tes p a ra“co m eçar o f i lm e” , im p ac ien tes p a ra o d esen ro la r d o en red o . Im ag in am o s p o rq u e o j o v e m c a s a l e s t á d e i t a d o n o c h ã o e p o r q u e e s t ã o a c o r r e n t a d o s u m a oo u t r o . D e s e ja m o s q u e e le s a o m e n o s r e c o b r e m a c o n s c iê n c ia o s u fic ie n t e p a r ac o m e ç a r u m a c o n v e r s a , p a r a q u e p o s s a m o s d e s co b r ir , a t ra vé s d e s e u d iá lo g o ,o q u e e s t á a c o n t e c e n d o – o u s e j a , o q u e e s t á a c o n t e c e n d o c o m e l e s . C o m o én o r m a l, n o c in e m a n ã o n o s p e r g u n ta m o s o q u e e s tá a c o n t e c e n d o c o n o s co . N ã on o s p e r g u n t a m o s p o r q u e u m f i l m e n o s t r a t a d e u m a c e r t a m a n e i r a . N a v e r -

d a d e , ra r a m e n te p e n s a m o s q u e o film e s e d ir ija a n ó s , o u , n a v e r d a d e , a q u a l-q u e r p e s s o a . N ó s n o s s e n ta m o s e a c e it a m o s o a c o r d o t á cit o d e q u e u m film e éu m “ re f l ex o d a r ea l id ad e” , cap tu rad o n o esp e lh o d aq u e le m ág ico “o lh o d eD e u s ” q u e é a c â m e r a c i n e m a t o g r á f i c a . S e n t a m o - n o s p a s s i v a m e n t e e e s p e -ram o s q u e o f ilm e n o s lev e p e la m ão , o u , m a is lit e r a lm en te , p e lo co ração .

Ab r im o s m ão d o n o sso d iá lo g o co m o film e ; e q u an d o i s so aco n tece , o film e d e ixa d efa la r co n o sco , o u m esm o p ara n ó s , p assan d o a fa la r p o r n ó s , em n o sso lu g ar . Ena sociedade cap i ta l i s ta burguesa , os f i lmes (como a te lev isão) fa lam a l íngua

d a s g ra n d e s e m p r e s a s , q u e b u s c a m c o n s ta n t e m e n t e n o s fo r ça r m a is b e n s g o e la

    7     0

Page 72: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 72/120

ab a ix o , f azen d o co m q u e g o s t em o s d e se r a l im en tad o s à fo rça , f azen d o co mq u e d e s e j e m o s o p r ó p r i o e s t a d o q u e p e r p e t u a n o s s a c o n d i ç ã o e x p l o r a d a ea lien ad a . Ao d e ixa r u m film e fa la r p o r n ó s , p e rm it im o s q u e n o ssas n e cess id ad e sreais sejam distorcidas nas necessidades art if iciais que as grandes empresas

q u e r e m q u e t e n h a m o s . So m o s c ú m p lic e s e m n o s s a t ra iç ã o .O que deve ser fei to , então, para nos t irar desta si tuação deplorável? Como a narradora

e m vo z over c o lo c a e m Vento do Leste : “H o je a p e rg u n ta ‘o q u e se d ev e faze r?’é f e it a co m u rg ên c ia p a ra c in e as t as m ilit an tes . N ão se t r a ta m a is d a q u es t ão d eq u a l c a m in h o t o m a r ; é a q u e s t ã o d e o q u e d e ve m o s fa z e r e m t e rm o s p r á tic o sn u m cam in h o q u e a h i s tó r i a d e lu t as r ev o lu c io n ár i a s n o s a ju d o u a r eco n h ecer .Faze r u m film e , p o r ex em p lo , é p e rg u n ta r -se : ‘q u a l é a n o ssa p o s ição ?’. E o q u ees ta ques tão s ign i f ica para um cineas ta mi l i tan te? S ign i f ica , p r imeiro , mas não

ex c lu s iv am en te , ab r i r u m p arên tese n o q u a l n o s p e rg u n tam o s o q u e a h i s tó r i ad o c in em a rev o lu c io n ár io p o d e n o s en s in a r” .Se g u e e n t ã o u m b r e v e h is tó r ic o s o b r e a lg u n s d o s a lt o s e b a ixo s d o q u e p o d e r ía m o s

q u a l i f i c a r c o m o c i n e m a r e v o l u c i o n á r i o , c o m e ç a n d o c o m a a d m i r a ç ã o d o jo ve m Eis e n s te in p o r Intolerância , de D. W. Gri f f i th . Gr i f f i th cer tamente fo iu m a in f lu ên c ia d ec i s iv a p a ra E i sen s t e in e , a t r av és d e E i sen s t e in , p a ra op r im e i ro g r a n d e c a p ít u lo d o c in e m a r e v o lu c io n á r io : o f ilm e m u d o r u s s o . M a sa c o m e n t a r is ta e m Vento do Leste a f i r m a q u e , d e u m p o n t o d e v i s t a r e v o l u -

c i o n á r i o , e s t e e m p r é s t i m o d a t é c n i c a d o e x p r e s s i v o a r s e n a l d e u m “ i m p e r i a -lis ta n o r t e - a m e r ic a n o ” ( G r iffit h ) n o fim fe z m a is m a l d o q u e b e m , re p r e s e n -t a n d o u m a d e r ro t a n a h is tó r ia d o c in e m a r e v o lu c io n á r io . Co m o c o n s e q ü ê n c iad e s t e e r ro id e o ló g ico in i cia l , a f irm a , Eisen s t e in co n fu n d iu t a re fas p r im ár ias esecu nd ár ias e , em vez de g lo r ificar os co nf litos d o p re sen te , g lo r ificou a re vo ltah i s t ó r i c a d o s m a r i n h e i r o s d o e n c o u r a ç a d o Potemkin . C o m o u m a s e g u n d ac o n s e q ü ê n c ia , e m 19 2 9 , q u a n d o f e z A linha geral ( ta m b é m c o n h e c id o c o m oO velho e o novo ) , Eis e n s t e in c o n s e g u iu a c h a r n o v a s m a n e ir a s d e e xp r e s s a r ar e p r e s s ã o c z a r i s t a , m a s s o m e n t e a t r a v é s d a u t i l i z a ç ã o d a s m e s m a s v e l h a s

f o r m a s p a r a e x p r e s s a r o p r o c e s s o d e c o l e t i v i z a ç ã o e r e f o r m a a g r á r i a . N e s t ecaso , a f i rm a , em ú l t im a in s t ân c ia , o “v e lh o ” v en ceu o “n o v o ” – e , a s s im ,H o l l y w o o d n ã o t e v e p r o b l e m a s e m c o n t r a t a r E i s e n s t e i n p a r a f i l m a r a r e v o -lu ç ã o n o M é xic o , e n q u a n t o a o m e s m o t e m p o , e m Be r lim , o d o u t o r G o e b b e lsp ed ia q u e L en i R ie fen s t ah l f i zes se “u m Potemkin nazis ta” .

T u d o i s so p o d e so a r u m p o u co h e ré t i co e t a lv ez a rb i t r á r io , m as , n a v e rd ad e , t em o sa q u i u m a r g u m e n t o b a s t a n t e p e r c e p t i v o , s e a c o m p a n h a d o a t e n t a m e n t e . A sm esm as técn icas qu e G riffith uso u p ara g lo r ificar , em re t rospe cto , a an t iga cau sa

racis ta dos b rancos su l i s tas na Guerra Civ i l Americana fo ram retomadas e

    7     1

Page 73: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 73/120

de sen volv ida s po r Eisen ste in p ara g lo r ificar , em re t rospe cto , um ep isód io q ue jád a t a v a 2 0 a n o s ( o m o t i m n o e n c o u r a ç a d o Potemkin o c o rre u e m 19 0 5 ) e q u en e m s e q u e r e r a u m e p i s ó d i o p a r t i c u l a r m e n t e i m p o r t a n t e n a h i s t ó r i a d aR ev o lu ção R u ssa . Mai s t a rd e , q u an d o co n f ro n tad o co m a t a re fa d e l i d a r co m

q u es tõ es d e u rg ên c ia co n tem p o rân ea ( co le t iv i zação ) , E i sen s t e in so m en te fo icap az d e se va le r d as m esm as v e lh as t écn icas , en tão a in d a m ais v e lh as . E, m a isa d ia n t e , e s ta s m e s m a s t é c n ic a s s e m o s t ra r a m p e r fe ita m e n t e c o m p a t íve is c o m ap ro p ag an d a d o s n az i s t a s : o p ró p r io E i sen s t e in fo i co n s id e rad o , n ão d e fo rm ato ta lmente in jus t i f icada, como sendo “coop tável” por Hol lywood .

O prob lema é que as fo rmas c inematográf icas que E isenste in herdou de Gri f f i th een tão d esen v o lv eu n ão e ram su f i c i en tem en te f l ex ív e i s p a ra l i d a r co m as co m -p le xid a d e s d o s a c o n t e c im e n t o s d o p r e s e n t e , m a s e r a m b a s ta n t e a d e q u a d a s p a r a

do cum en tár ios e m ocion alís t icos e recon st itu ído s da h is tó r ia p assad a. Além d isso ,p recisam en te po r enfatizarem o aspe cto e m ocion al da h is tó r ia “vivida”, do t ipo“você e stava lá”, era m uito fácil us ar tais form as cine m atográ ficas pa ra incitar oen v o lv im en to em o c io n a l d as p esso as , a t é m esm o em d o u t r in as t ão ab e r ran tesco m o as d a “p u reza r acia l” e d a o b e d iên c ia ceg a ao Führer , de Hitler.

O p ró x im o a se r su b m et id o a u m esc ru t ín io c r í t i co é D z ig a V er to v , em cu jo n o m eGo da rd fun do u su a coo pe rat iva de c ine as tas m ilitan te s . Ver to v le va o créd ito dea lcan çar u m a v itó r ia p a ra o c in e m a re vo lu c io n ár io ao d e c la ra r q u e “n ão e xis te

u m c i n e m a q u e s e p o s i c i o n e a c i m a d a s c l a s s e s , u m c i n e m a q u e s e p o s i c i o n ea c im a d a lu t a d e c la s s e s ” e q u e “o c in e m a é a p e n a s u m a t a re fa s e c u n d á r ia n alu ta mundial pela l iberação revo lucionár ia” . Mas Ver tov fa lha por esquecer que,n as p a lavras d e Len in , “a p o l ít ica co m an d a a eco n o m ia” . C o m o resu lt ad o , seufi lme O décimo primeiro ano nã o e xal ta o s 11 an os d e só lida lide rança p o l ít ican as m ão s d a d i t ad u ra d o p ro le t a r i ad o , g lo r i f i can d o , em v ez d i s so , a eco n o m iae m e r g e n t e e a in d ú s tr ia e m r á p id o d e s e n v o lvim e n t o d a Rú s s ia , e xa t a m e n t e n o sm esm o s t e rm o s em o c io n a i s q u e a p ro p ag an d a cap i t a l i s t a u sa p a ra ac l am ar seup ró p r io c resc im en to eco n ô m ico . “Fo i n e sse m o m en to ”, a firm a a co m en tad o ra d eVento do Leste , “que o rev is ion ismo invad iu as te las de c inema sov ié t icasd e u m a ve z p o r to d a s ”.

Próx ima no resumo do c inema revo lucionár io es tá a “fa lsa v i tó r ia” do in íc io da déca-d a d e 1 9 6 0 , q u an d o g o v ern o s p ro g ress i s t a s a f r i can o s , t en d o co n seg u id o su arevo lução e expu lsado os imper ia l i s tas , “os deixam vo l tar , en t rando a t ravés da ja n e la d e u m a câ m e ra d e víd e o ”, e n tr e ga n d o a p ro d u çã o d e film e s p a ra a ve lh ain d ú s t r ia d e c in e m a eu ro p é ia e am er ican a – “ass im d an d o a c ris tão s b ran co s od i re i to d e fa la r em n o m e d e n eg ro s e á rab es” . Fin a lm en te , u m a v itó r ia p o d e se r

r e iv in d icad a p a ra o c in em a rev o lu c io n ár io n o r ecen te r e l a tó r io d a cam arad a

    7     2

Page 74: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 74/120

Kiang Tsing 3 ( e sp o sa d e Mao ) , n o q u a l fo i d en u n c iad a a t eo r i a d a “es t r ad a r ea ld o r ea lism o ” , ju n tam en te co m u m a d e n ú n c ia d a m a io r ia d o s cân o n e s d as an t ig asestét icas stal inistas do “realismo socialista”.

Por toda es ta b reve v isão geral do c inema revo lucionár io corre o f io un i f icador da

n e c e s s i d a d e d e s e p e n s a r d e f o r m a c o m p l e t a s o b r e a s f u n d a ç õ e s t e ó r i c a s d ap r á xis d o c in e m a . Se e xis te a l go q u e n ó s ( ju n t a m e n t e c o m G o d a r d ) p o d e m o sap reen d er co m a h i s tó r i a d o c in em a rev o lu c io n ár io , é q u e se u m c in eas t ap re t en d e ev i t a r f av o rece r in ad v er t id am en te o s o p resso res , u m a v ig i l ân c iaau to c r í t i ca co n s tan te é c l a ram en te n ecessá r i a . E se o co m p ro m isso d e u mcin eas t a co m a l i b e ração r ev o lu c io n ár i a é m a i s q u e u m a m era id en t i f i caçãoem o c io n a l co m o o p r im id o , en tão su a p rá tica c in e m ato g rá fica d e ve i r a lém d asem o çõ es e d o s m ecan i sm o s d e id en t i f i cação -p ro jeção d a au d iên c ia . A lém d o

m a i s , s e e l e e s t á f i r m e m e n t e c o n v e n c i d o ( c o m o é o c a s o d e G o d a r d ) q u e op ro cesso d e l i b e ração r ev o lu c io n ár i a en v o lv e m u i to m a i s q u e a s im p lesv in g an ça d o o p r im id o e o fe rece a p o ss ib i lid ad e co n cre t a d e co lo ca r u m fim emto d a p e r seg u ição ( em o u t ras p a lav ras , d e c r i a r u m a so c ied ad e m ai s ju s t a , n aq u a l o livre d ese n v o lv im en to d o in d ivíd u o t rab a lh a em p ro l ao in v és d e co n t rao livre d ese n v o lv im en to d o p ró xim o ) , en tão a t a re fa u rg en te d o c in e as t a é c ria rfo r m a s c in e m a t o g rá fic a s q u e t ra b a lh e m , e la s m e s m a s , e m p r o l e n ã o c o n t ra ol i v r e d e s e n v o l v i m e n t o d o e s p e c t a d o r , f o r m a s q u e n ã o m a n i p u l e m s u a s

e m o ç õ e s o u s e u i n co n s c ie n te , m a s q u e fo r n e ç a m u m a fe r ra m e n t a a n a lít ic a a s e ru t ilizad a p a ra lid a r co m a co m p lexid ad e d o p resen te .E a au to c r í t i ca é p a r t e in t eg ran te d o c in em a an a l í t i co d e G o d ard , co n fo rm e t e s t e -

m u n h a d o p e lo fa to d e a s e g u n d a m e t a d e d e Vento do Leste s e d e d ic a r a u m acr í t ica dos seus p rópr ios t rabalhos an ter io res . A pr imeira e mais sér ia cr í t icaap re sen tad a é so b re su a p ró p r ia f a lt a d e co n ta to an te r io r ( e p rese n te in su fic iên -c i a ) c o m a s m a s s a s . ( D e s d e q u e c o m e ç o u a t r a b a l h a r c o l e t i v a m e n t e c o m oG ru p o D z ig a Ver to v , d e p o is d e m a io d e 1 9 6 8 , G o d ard v in h a t en d o co n ta to cad av ez m ai s f r eq ü en te e p ro d u t iv o co m g ru p o s d e t r ab a lh ad o res m i l i t an tes , em

par t icu lar em Issy- les-Moul ineaux , nos ar redores de Par is . ) Em segundo lugar ,e le cr i t ica a abordagem de “socio log ia burguesa” no c inema, na qual o c ineas tam o s t ra a m isé r ia d a s m assas m as n ã o m o s t ra su a s lu t as . (En q u an to es t a c rít icaé f e i t a n o c o m e n t á r i o , v e m o s u m a s é r i e d e t o m a d a s d e c a s a s d e f a v e l a e

    7     3

[ 3 ] Vide “Summary of the Forum on the Work in Li te ra ture and Ar t on the Armed Forces wi th which Lin Piao

Ent rus ted Com rade Kiang Ts ing” (“Sum ár io d o fórum sob re o t raba lho e m Lite ra tura e Ar te nas Forças Arm ada s qu e

Lin Piao conf iou à cam arada Kiang Ts ing”) , Fore ign Langua ge Press , Peq uim , 196 8.

Page 75: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 75/120

m o d e r n o s p ré d io s a lto s d e a p a r ta m e n t o s, c o m o a q u e le s q u e G o d a rdfo to g ra fo u p a ra Duas ou três coisas que eu sei dela , film e ao qu al e le se refer iuc o m o s e n d o “ u m e n s a i o s o cio ló g ic o ”.) O p r o b le m a c o m e s t a a b o r d a g e m , b e mc o m o c o m o c i n e m a - v e r d a d e , a f i r m a , é q u e , a o n ã o m o s t r a r a s l u t a s d a s

m assas , a su a cap ac id ad e d e lu t a r en f raq u ece ; e a im p l i cação é q u e a im ag emd e s u a m i s é r i a n o c i n e m a s i m p l e s m e n t e r e f o r ç a s u a p r ó p r i a a u t o - i m a g e m d em isé r i a , en q u an to , p o r o u t ro l ad o , a im ag em d e su as lu t as n o c in em a re fo rçasu a cap ac id ad e d e co n t in u ar a lu t a r.

F in a lm en te , ap o n ta q u e o c in em a co n tem p o rân eo n a R ú ss i a ( “B rezh n ev -Mo sf i lm ”) ép e r fe i tam en te in t e rcam b iáve l co m o c in e m a co n tem p o rân eo n o s EU A (“N ixo n -P aram o u n t” ) ; e q u e o s d o i s j u n to s são p e r fe i t am en te in t e rcam b iáv e i s co m oq u e se p assa p o r cin e m a “p ro g ress iv o ” em fes t iva is d e film es d e v an g u ard a e m

toda Europa. Estes chamados f i lmes “ independen tes” , af i rma, são rev is ion is tasp o r q u e n ã o q u e s tio n a m a s re la ç õ e s e n tr e im a g e m e s o m n o c in e m a b u r g u ê s ,e p o r q u e , a p e s a r d e t e r e m q u e b r a d o o s v e l h o s t a b u s b u r g u e s e s d e s e x o ,d ro g as e p o e s ia ap o ca líp t ica , co n t in u am a su s t en ta r o m a is im p o r tan te d e to d o so s t a b u s b u r g u e s e s – a q u e l e q u e p r o í b e a r e p r e s e n t a ç ã o d a l u t a d e c l a s s e s .(A au tocr í t ica também es tá c laramente impl íc i ta nes ta declaração , já que am e s m a a b o r d a g e m p o d e r ia s e r u s a d a – e fo i, p e l o p r ó p r io G o d a r d – e m t o d o sos se us p ró pr ios film es inclus ive , Weekend àfrancesa .)

M a s a a u t o c rít ic a d e G o d a r d n ã o e m e r g e d e u m a a u t o d ú vid a m ó r b id a , d e d e r ro t is m o ,o u d e u m d e s e jo d e a u t o d e s tr u iç ã o , c o m o G la u b e r Ro c h a a r g u m e n t a d e f o rm ad e veras v in g a t iva e m seu a r t ig o so b re Vento do Leste . Pe lo con trário , a au tocrít i-c a te m u m p a p e l im p o r t a n t e n a a t u a l p rá t ic a d o c in e m a d e G o d a r d ( e , n a v e r -d a d e , s e m p r e t e v e – a o m e n o s d e f o r m a i m p l í c i t a ) , p e l a s i m p l e s r a z ã o q u eG o d ard , co m o Mao , co n s id e ra a au to c rít ica u m a a t ivid a d e co n s t ru tiva d a m aio rimpor tância . (E , no c inema, como já v imos, u rge es te t ipo de ver i f icação sobreo p o d er q u ase u n ila t e ra l e xe rc id o p e lo c in e as t a so b re su a a u d iên c ia . )

Os film es recen tes de God ard são cer tam en te po l it icam en te pen et ran tes ; m as ape sar do

“comentár io” verbal ser p roeminen te – se não p reeminen te – os f i lmes não sãoe xor ta tó r ios . Não h á nad a de de m agógico na ab ordagem de Goda rd , se ja do c ine -m a ou d a po lít ica . Em term os de m étodo c ine m atográfico , Vento do Leste é o p ó loo p o s to d e f i lm es co m o O triunfo da vontade, de Riefenstahl , ou Encouraçado 

Potemkin, de Eisenstein. E, de fato, Sons britânicos, Pravda , e Vento do Leste d eG o d ard são m u ito d is tan tes em te rm o s d e m éto d o c in em ato grá fico d e Deus e o 

Diabo na terra do sol, Terra em transe , e O dragão da maldade contra o santo 

guerreiro, de Glau be r Rocha . Existe um forte tom m essiânico no s film es d e Rocha,

que é bas tan te d iscrepan te da maneira de Godard const ru i r um f i lme. (É bem

    7     4

Page 76: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 76/120

claro , a liás , que os b raços a be r tos d e Rocha em Vento do Leste – suger indo umparale lo en t re Rocha e Cr is to – const i tuem um comentár io i rôn ico de Godardsobre os aspectos messiânicos do est i lo dos f i lmes de Rocha.)

E embora tanto Rocha como Godard estejam comprometidos com a luta global pela l ibe-

ração revo lucionár ia , suas d ivergências sobre como a revo lução pode se desen-vo lver e como o c inema pode con tr ibu i r para es te desenvo lv imento são c laras .R o ch a ad o ta a ab o rd ag em esp o n tân ea q u e d esco n s id e ra q u ase to t a lm en te aimpor tância de p reocupações teór icas , as quais e le concebe como meros “aux i-l iares” à energ ia espon tânea das massas . E le expressou sua crença de que “osverdadeiros revolucionários na América do Sul são indivíduos, personalidades emsofrim en to – não e nvo lv ido s em prob lem as teór icos… a p rovocação à v io lên cia ,o co n ta to co m a am arga r ea lid ad e q u e p o d e p ro d u z ir u m a m u d a n ça vio len ta n a

América do Su l , es te levan te apenas pode v i r de ind iv íduos que tenham passadop o r u m s o frim e n t o p e s s o a l, e te n h a m p e r ce b id o q u e a n e c e s sid a d e d e m u d a res tá p resen te – não por razões teó r icas , mas por ques tões de agon ia pessoal” . 4

E Rocha en fat iza sua crença d e q ue a verdade ira fo rça das m assas su l -am er icanases tá no m is t ic ism o, em “um com po rtam en to em ocion al, d ion is íaco”, qu e pa ra e lesurge d e um a m is tu ra d e cato l ic ism o e re lig iõe s afr icanas . A en erg ia q ue tem suafon te no mis t ic ismo, segundo Rocha, é o que, em ú l t ima ins tância , levará aspe ssoas a res is t ir à opressão – e é es ta en erg ia em ocion al qu e Rocha bu sca fazer

fluir em seus f i lmes.Godard , por ou t ro lado , re je i ta a abordagem emocional por e la favorecer o in imigo ebusca combater a mis t i f icação em qualquer fo rma, venha e la da d i re i ta ou daesquerda. Embora não haja ind icação de que Godard subest ime a impor tância daexper iência pessoal agon iada da opressão como um pon to de par t ida para odesenvo lv imento de uma conscien t ização revo lucionár ia , e le assume a posiçãoclara de que ex is te a necess idade p remente de uma organ ização f i rmementedesenvolvida sobre sólidas fundações teóricas, caso o movimento revolucionáriopretend a avançar a lém do es tág io d e levan tes a bor t ivos , de cur ta du ração , “espo n-

t ân eo s” ( co m o o s ev en to s d e m aio d e 1 9 6 8 n a F ran ça) .A o en fa t i za r a l u t a t eó r i ca , G o d ard seg u e n o cam in h o d e u m rev o lu c io n ár io n ad a

m e n o s p r á t i c o q u e o p r ó p r i o L e n i n , q u e , e m s e u p a n f l e t o i n t i t u l a d oQue fazer? ( d o q u a l a b u n d a m e c o s e m Vento do Leste ) , denuncia o “cu l to dae s p o n t a n e i d a d e ” e a p o n t a q u e “qualquer c u l t o à e s p o n t a n e i d a d e , q u a l q u e r

    7     5

[ 4 ] Gordo n H ITCHENS, The Way to Make a Future : A Con versa t ion wi th G laub er Rocha . Film Quarterly , o u to n o d e

1970.

Page 77: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 77/120

e n fr a q u e c im e n t o d o ' e le m e n t o d e c o n s c ie n tiz a çã o lú c id a ' … significa po r s i só– e o fato de se desejar que seja assim ou não ésecundário – um reforço da 

influência da ideologia burguesa ” (i tál icos do próprio Lenin).5 O u , co m o Len inco lo ca a lg u m as l in h as ad ian te , “o p ro b lem a se co lo ca n es t es t e rm o s e em

n e n h u m o u t ro : a id e o lo g ia b u rg u esa o u a id e o lo g ia so c ia lis ta . N ão h á u m m eiote rm o (p o i s a h u m an id ad e n u n ca e s tab e leceu u m a ‘t e rce i ra ’ id e o lo g ia ; d e q u a l-q u e r fo r m a , e m u m a s o c ie d a d e d ivid id a p o r u m a lu t a d e c la s s e s n u n c a p o d e r iah av er u m a id eo lo g ia ac im a e a l ém d as c l a s ses )” . E , m a i s t a rd e , “m as p o r q u e ,p e r gu n t a o le ito r , o m o v im e n to e s p o n t â n e o , q u e t e n d e n a d ir e ç ã o d o m ín im oes fo rço , l ev a ex a tam en te à d o m in ação p e la id eo lo g ia b u rg u esa? P e la s im p lesrazão q u e , c ro n o lo g icam en te , a i d eo lo g ia b u rg u esa é m u i to m a i s an t ig a q u e aid eo lo g ia so c ia l i s t a , é m u i to m a i s e l ab o rad a , p o ssu in d o u m n ú m ero in f in i t a -

m en te m a io r d e m e io s d e d ifu são ” . E, p o r fim : “Q u a n to m aio r o e sp ír it o e sp o n -t â n e o d a s m a s s a s , e q u a n t o m a is o m o v im e n t o s e e s p a lh a r , m a io r a u r g ê n c iad a n e c e s s id a d e d a m a is c o m p le t a lu c id e z e m n o s s o tr a b a lh o t e ó r ic o , e m n o s s ot rab a lh o p o lít ico e em n o ssa o rg an ização ” .6

P ara q u e n in g u ém se s in t a t en tad o , co n tu d o , a t i r a r co n c lu sõ es p rec ip i t ad as (q u eRo ch a p a rece en co ra ja r em seu a r tig o so b re Vento do Leste ) , co n s id e r a n d o q u eas d ife ren ças d e o p in ião so b re e s t r a tég ia r ev o lu c io n ár ia d e G o d ard e Ro ch a sãos im p lesm en te o r e su l t ad o d e d i f e ren ças cu l tu ra i s en t r e a s i tu ação eu ro p é ia e

a q u e l a d o T e r c e i r o M u n d o , d e v e m o s a p o n t a r q u e m e s m o n o c i n e m a d aAm é r ic a La t in a n ã o h á , e m p a r t e a lg u m a , su p o r te u n â n i m e p a r a a “ a b o r d a g e m ”esp o n tân ea . C in eas t as su l - am er i can o s es t ão cad a v ez m ai s seg u in d o o s p asso sd o c in e as t a a rgen t in o Fern an d o S o lan a s (La hora de los hornos) , c la m a n d o p o ruma in tens i f icação da lu ta teó r ica o rgan izada e lúcida em n ível ideo lóg ico .

D ev e se r en ten d id o , co n tu d o , q u e R o ch a t em u m d o m ín io l eg í t im o q u an d o r ec l am ad a in u n d a ç ã o d e im ita ç õ e s m o n s t ru o s a s d e G o d a r d , a p re s e n t a d a s p o r a lu n o s d ec in em a co m o d i s t a s n o T erce i ro Mu n d o e em o u t ras p a r t e s . Mas G o d ard n ãop o d e se r cu lp ad o p o r is so . (Alg u ém ac red it a , p o r u m ú n ico in s tan te , q u e es t e s

    7     6

[ 5 ] LENIN, Que faire? Edi tion s Socia les , Par is , 196 9. Tod as a s t raduçõ es d a e dição f rancesa foram fe i tas p e lo au tor .[ 6 ] Esta ú l t ima af i rmação se aproxima mais da qual i f icação pos ter ior de Lenin da pos ição adotada em Que fazer? 

– p o s iç ã o , co n f o r m e e l e in d i c o u , q u e r e p r e s e n t a u m a r e s p o s t a t á tic a e m e r g in d o d a a n á lis e c o n c r e t a d e u m a s it u a ç ã o

concre ta (as d i sputas de 1902 ent re d iversas facções esquerdis tas ) . Mais ta rde , quando os per igos potenc ia i s da

p o s i ç ã o e s p o n t â n e a n ã o r e p r e s e n t a v a m m a i s u m a a m e a ç a t ã o g r a n d e à r e v o l u ç ã o , L e n i n a b r a n d o u o s a t a q u e s à

e s p o n t a n e id a d e e p e d i u u m a a b o r d a g e m m a is d ia lé t ic a d a “e s p o n t a n e i d a d e o r g a n i za d a e o r g a n iz a ç ã o e s p o n t â n e a ” .

(Para maiores informações a es te respe i to , v ide a exce lente ed ição espec ia l sobre Lenin-Hegel de Radical America ,

s e t e m b r o - o u t u b r o d e 1 9 7 0 ) .

Page 78: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 78/120

m e s m o s a l u n o s n ã o e s t a r i a m c o m o d a m e n t e c r i a n d o m o n s t r u o s i d a d e s c a s oG o d ard n ão ex i s t i s se? ) A lém d o m ai s , s e ex i s t e a lg o q u e p o d e co m b a te r co mef icácia o t ip o d e co m o d ism o im p e n sad o q u e ca rac te r iza n ão ap e n as a m a io r iad o s film es d e es tu d an tes d e c in e m a , m as s im p lesm en te a m a io r ia d o s film es em

geral , cer tamente é a p ráx is teó r ica ex t remamente completa , reso lu ta e au tod is-c ip l ina da pe rson ificada pe los film es de Jea n-Luc G od ard .

U so a e xp ressão “p ráxis t eó r ica” d e fo rm a b as t an te p ro p o s it ad a , já q u e q u ero e n fa ti-za r q u e t eo r i a e p rá t i ca n ão são , d e fo rm a a lg u m a, m u tu am en te ex c lu s iv as . Afim d e ilu s t ra r o q u e e u q u e ro d ize r , v o lt em o s m ais u m a v ez p a ra a m e tá fo ra d ae n c ru z ilh a d a . O c a m in h o d e G o d a r d – q u e , c o m o e l e a p o n t a , n a d a m a is é d oq u e o c a m in h o q u e o e s tu d o d a h is tó r ia d o c in e m a r e v o lu c io n á r io o a ju d o u areco n h ecer – é o d a c r i ação d as fu n d açõ es t eó r i cas d o c in em a rev o lu c io n ár io

d en t ro d a p rá t i ca co t id i an a d e se f aze r f i lm es . O v e rd ad e i ro d i l em a p a ra o sc in eas t as d e h o je n ão é u m a esco lh a en t r e a t eo r i a e a p rá t i ca . O a to d e f aze ru m film e n e c e s s a r ia m e n te c o m b in a a m b o s – e i ss o é ve r d a d e ir o p a r a u m film en o Terce iro Mu n d o , n a R ú ss ia o u n o O c id e n te .

N a s e q ü ê n c i a d a e n c r u z i l h a d a e m Vento do Leste , t e m o s a t é u m a f o r t e s u g e s t ã ov i su a l d e q u e a in t e r secção d e t r ê s v i as é s im p lesm en te o p o n to o n d e d o i sc a m in h o s – a q u e le d o Te r ce ir o M u n d o e a q u e le q u e a m u lh e r e u r o p é ia t ra ç o ua t é a g o r a – c o n v e r g e m e s e u n e m n o q u e n ã o p a s s a d e u m g r a n d e

cam in h o co n t ín u o d e “av en tu ra e s t é t i ca e in d ag ação f i l o só f i ca” , q u e co m b in a ,n e cessa r iam en te , t an to a t eo r ia co m o a p rá tica .

    7    7

Artigo publicado na revista inglesa Sight and Sound , vol .40, n.3, verão de 1971.

Page 79: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 79/120

Page 80: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 80/120

O título do filme, ta l com o d esen had o n a te la , mis tu raital iano e francês: Vento Le Vent d’Est dell’Est .E sc rev er a s s im , u m a p a lav ra d ep o i s d a o u t r a , eto d as co m id ê n t ico t ra t am en to g rá fico , p o d e su g e-

r ir u m a d ificu ld ad e d e le i tu ra q u e n a r ea lid a d e n ãoe xiste no letreiro de apre sen tação de Vento do Leste .O cartão com o t í tu lo do fi lme privilegia o que estáesc r ito em fr an cês , n o ce n t ro d o q u ad ro em le t r a sg ra n d e s e ve r m e lh a s , e m o ld u r a d a s p e l a lin h a n oa l to d a t e l a em l e t r a s m en o res e p re t as , Vento , ep e lo q u e ve m n o p é d a t e la , ig u a lm e n t e e m le t ra sm e n o r e s e p r e t a s , dell’Est . N en h u m a d i f i cu ld ad e

de le i tu ra , mas es ta se recusa a reduzi r o t í tu loita lian o a um a legen da pa ra t radu zir o t ítu lo or ig ina ld e s te film e fr an co - it a lian o : é u m m o d o d e lev a r oesp ec tad o r a le r o s d o is s im u lt an ea m en te , it a lian oe fr a n c ê s , u m d e n tr o d o o u t r o .

O le t r e ir o c o m o t ít u lo f ic a p o u c o t e m p o n a t e la . Lo g os u r g e a p r im e ir a im a g e m d o film e p r o p r ia m e n t ed i t a , a c e n a q u e a b r e a n a r r a ç ã o , q u e s e g u e o

m esm o e s t ilo d e co m p o s ição d o l e t re i ro e so l ic it at a m b é m u m a l e i t u r a s i m u l t â n e a : a i m a g e mf a l a u m a l í n g u a , o s o m o u t r a . V e m o s u m c a s a ld e i t a d o n o c h ã o d e u m p a r q u e , o u v i m o s u m ad is c u s sã o s o b r e u m a g r e v e . C o m o n o l e tr e ir o d ea p r e s e n t a ç ã o , u m a d i s c u s s ã o e m f r a n c ê s ( “ L ag r e v e ” , d i z u m a v o z m a s c u l i n a ) , e e m i t a l i a n o( “ Sc io p e r o ” , d iz u m a v o z f e m in i n a ) .

O e s p e c t a d o r p o d e i m a g i n a r q u e a v o z q u e n o s f a l a

d a g r e v e é d a m u l h e r d e i t a d a n o p a r q u e , q u ees tar íamos ouv indo sua voz in ter io r — ela es tar iap e n s a n d o n o q u e o c o r r e r a a l i m e s m o , n a c a s ad e n t r o d o p a r q u e — o u e s t a r í a m o s o u v i n d o u m ac o n v e rs a , o s o m s e a n t e c ip a n d o à im a g e m , q u e s eesclarecer ia a d ian te .

Assim , a m ulhe r deitada no parque é q ue es taria con tandoa v iag em p ara a casa d a f am í l i a d o p a i , co m o d e

c o stu m e n o m ê s d e m a io ;

    7     9

    J   o   s

     é

     C   a   r     l   o

   s    A   v   e

     l     l   a   r

 V  e n 

 t    o  , b   a r r  a 

 v  e n  t    o 

 [   G l   a  u

 b  e r  e  G  o  d  a r  d 

n a  p o r t   a  d  a  u s i  n a L  umi   è r  e 

 ]  

Page 81: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 81/120

d iz e n d o q u e a c a s a e r a d is ta n t e d a c id a d e , n o m e io d e u m p a r q u e ;

q u e e l es j an tav am p o n tu a lm en te à s o i to h o ras ;

q u e n u m a se xta -fe i ra o t io n ão ve io ;

q u e e l es fica ram esp eran d o a n o it e in t e i ra ;

q u e n o s á b a d o p o r v o l t a d o m e i o - d i a f i c a r a m s a b e n d o q u e o t i o e s t a v a p r e s o n oescr i tó r io da fábr ica pelos operár ios em greve;

e q u e n a n o i t e d e s t e m e s m o s á b a d o e l a s u r p r e e n d e u u m a c o n v e r s a e n t r e o p a i

(dad , d iz e la) e seu ou t ro t io (uncle Sam , d iz e la) sob re a g re ve.

O e s p e c t a d o r p o d e i m a g i n a r u m a f u s ã o e n t r e a i m a g e m e o s o m , e s t a b e l e c e r u m ar e l a ç ã o i m e d i a t a e n t r e o q u e v ê ( u m c a s a l d e i t a d o n a r e l v a , n o q u a d r o d ec a b e ç a p a r a b a ixo ) e o q u e o u v e ( u m a v o z fe m in in a c o n t a n d o q u e o u v iu dad dizer para uncle Sam q u e o s t r a b a l h a d o r e s e s t a v a m e m g r e v e ) , c o m o s eim ag em e so m co rres sem t a l co m o d e h áb ito n o c in em a , lad o a lad o , avan çan d on a m e s m a d i r e ç ã o , s e g u i n d o o m e s m o c a m i n h o . M a s n ã o é p r o p r i a m e n t e

es t a r e l ação q u e Vento do Leste p r o p õ e : i m a g e m e s o m c o n t a m h i s t ó r i a sd i fe ren tes , fa lam lín g u as d ife ren tes , seg u em cam in h o s d ife ren tes ; o q u e o u vi-m o s n ã o é a v o z i n t e r i o r d a m u l h e r d e i t a d a a o l a d o d o h o m e m n o p a r q u e .V e m o s / o u v i m o s u m a i m a g e m s o m e n t e v o z . E l a n o s c o n t a q u e o t i o , n u m asex ta - fe i ra d e m a io , n ão ve io p a ra o jan ta r : fico u p reso p e lo s t r ab a lh ad o res e mg r e v e . V e m o s / o u v i m o s u m a i m a g e m s o m e n t e v i s u a l , s e m p a l a v r a s , s e m s o malg u m , q u e n o s f a l a d e u m casa l d e i t ad o n u m p arq u e as s im co m o u m a p in tu rao u fo to g ra fia co s tu m a co n ta r q u a lq u e r co isa . O f ilm e co n v id a a a co m p an h ar s i-m u l t an eam en te u m a h i s tó r i a e o u t r a : o casa l q u e se d e ix a f i ca r t r an q ü i lo n a

re lv a n ão t em lig ação a lgu m a co m a d i scu ssão so b re a g rev e .Q u e r d i z e r , n ã o é b e m a s s i m , e x i s t e u m a r e l a ç ã o : a s s i m c o m o a g r e v e m u d o u a

v i a g e m d e t o d o s o s a n o s n o m ê s d e m a i o e o j a n t a r d e t o d o d i a à s o i t o d an o i t e , a s s i m t a m b é m a g r e v e m u d o u a r e l a ç ã o e n t r e i m a g e m e s o m n e s t efilm e . U m a co i sa ap a rece em co n f lit o co m a o u t r a : ação n a fa ixa so n o ra , g rev en a im ag em ; f a l a r d e u m co n f l i t o p o r m e io d e u m co n f l i t o . O q u e se p ro cu rae n t ã o ( u s e m o s a s p a la vr a s d o C o r is co d e G l a u b e r e m Deus e o diabo na terra do sol ) é d e s a r r u m a r o a r ru m a d o , o u ( c o m o g r ita o P a u lo M a r t in s d e G la u b e r

     8     0

Page 82: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 82/120

e m Terra em transe ) d e ix a r o v ag ão co r re r so l to . Im ag em e so m em Vento do 

Leste se a r t i cu lam ass im co m o se a r t i cu lam t r ab a lh ad o res em g rev e .La grève : n a i m a g e m d o c a s a l n o p a r q u e t u d o e s tá p a r a d o — a p e n a s a v e g e t a çã o s e

m o v e s u a v e m e n te a o ve n to ( d o le s t e ?) .

Sciopero : a c o n v e r s a n a f a i x a s o n o r a p r o s s e g u e b e m v i v a e i n d e p e n d e n t e d o q u ea c o n t e c e n a im a g e m — m e s m o q u a n d o e la s e m o v e lig e ir a m e n t e .

O q u e o s o m n o s c o n t a c o m e ç a a s e r co n t a d o n o lo n g o p la n o d e a b e r t u r a , a t ra v e s sao q u a d r o s e g u i n t e , e m q u e u m h o m e m a r m a d o d e f u z i l p a s s a e m f r e n t ea u m a c a s a n o c a m p o , e c o n t in u a n o te r c e ir o p la n o , u m c o n t ra p la n o d o c a s a ld e i t a d o n o p a r q u e . I m a g e n s a b s o l u t a m e n t e f i x a s ; o q u e n e l a s s e m o v e d ev e r d a d e é o s o m , u m a d i s c u s s ã o s o b r e a c o n d i ç ã o d o s t r a b a l h a d o r e s ( m e n o sru im , j á co n seg u em co m er f r an g o to d o s o s f in s d e sem an a) , so b re o s s in d ica -

t o s , s o b r e o s r e p r e s e n t a n t e s d o s t ra b a lh a d o r e s , s o b r e r e p r e s e n t a çã o e s o b r e oc in e m a , q u e d e v er ia se g u ir o cam in h o q u e a h is tó ria d as lu t as r ev o lu c io n ár ia sen s in a a co n h ecer .

O q u e a i m a g e m n o s c o n t a p a r e c e m u i t a s v e z e s a l g o q u e o c o r r e a n t e s ( a t o r e s s em a q u ia n d o p a r a a ce n a ) o u d e p o i s d e u m film e ( u m a re fle xã o s o b r e o q u e é oc i n e m a e c o m o s e d e v e r e a l i z a r u m f i l m e ) : u m p e r s o n a g e m p i n t a o r o s t o d eco res b em viv as — am are lo , ve rd e , azu l , ve rm elh o ; a lg u é m fo ra d e q u ad ro jo g at in t a v e rm elh a so b re o s p e r so n ag en s ; l e t r e i ro s p e rg u n tam “o q u e f aze r?” o u

a d v e r t e m : “ e s t a n ã o é u m a i m a g e m j u s t a , m a s j u s t o u m a i m a g e m ” . V e m o sc a r t õ e s q u e n ã o d i z e m n a d a , s i m p l e s m e n t e c o b r e m a c e n a c o m u m m a n t op r e to o u ve r m e lh o , e im a g e n s q u e n ã o m o s tra m n e m d iz e m n a d a : o q u a d r o ér iscado e rab iscado , a palavra é cor tada ao m eio o u e ncobe r ta po r um a algazarra ,t o d o s g rit a m a o m e s m o t e m p o . N o lu g a r d e u m film e , a lg o p a r e c id o c o m u m aassem b lé ia d e t r ab a lh ad o res em g rev e , e e fe t iv am en te a ce r t a a l tu ra to d a ae q u ip e s e r e ú n e e m a s s e m b lé ia — a c â m e r a e o m ic ro fo n e a b e r to s a t o d o s o sin t eg ran tes d a eq u ip e in t e r ro m p e a n a r ra t iv a p a ra d i scu t i r d e q u e m o d o d ev e-r ia se r film ad a a se q ü ên c ia se g u in te .

Q u a s e a o m e s m o t e m p o , t a m b é m e m 1 6 m m ( m a s e m p r e t o - e - b r a n c o ) , G l a u b e rfilm a e m 19 6 8 u m film e n ão -co m erc ia l ( c in e m a e m g rev e?) : Câncer . “Não vouen v iá - lo a f e s t iv a i s n em v o u ex ib i - lo n o s c in em as” , d i s se , em d ep o im en to àrev is t a p e ru an a Hablemos de Cine ; “m e u p raze r fo i só f ilm á- lo e su p o n h o q u eta lvez o que es te ja lá não tem impor tância . Não o f iz para ser ex ib ido ; ta lvez oex ib a , m as a in d a n ão o t e rm in e i , f a l t a f aze r a m o n tag em ”. F a lan d o d e Câncer ( “ F o i f e i t o p a r a d e m o n s t r a r q u e e m c i n e m a n ã o h á u m s ó c a m i n h o . O c a m i -nh o do c ine m a são todo s os cam inh os”) , fa land o do film e q ue conclu iu som en te

e m 19 7 2 , G la u b e r p a r e c e e s t a r d e s c re v e n d o Vent d’Est d e G o d a r d : “ N ã o t e m

     8     1

Page 83: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 83/120

h i s tó r i a” ; e s tu d a “a r e s i s t ên c ia d e d u ração d o p lan o c in em ato g rá f i co ” ;e x p e r i m e n t a “ a q u a s e e l i m i n a ç ã o d a m o n t a g e m q u a n d o e x i s t e u m a a ç ã ov erb a l e p s i co ló g ica co n s tan te d en t ro d a m esm a to m ad a” .

U m film e e m g re v e c o n t ra o m o d e lo d e p r o d u ç ã o d a g r a n d e in d ú s tr ia .

A id é ia v em d e sd e Deus e o diabo na terra do sol , d e s d e a Estética da fome : o c ine -m a a se rv iço d as cau sas im p o r tan tes d e seu t em p o , o b r ig ad o a se m arg in a l iza rd a in d ú s t r ia , “p o rq u e o co m p ro m isso d o c in e m a in d u s t ria l é co m a m en t ir a e aexp loração”. Passa por Terra em transe , pe las ref lexões sobre “o cará ter de umverdad eiro d ire to r de c ine m a” (no se gund o cap í tu lo d e Cinema moderno, cinema novo , José Álvaro Ed i to r , R io de Janei ro , 1966) : o d i re to r de c inema “sem ed e , so b re tu d o , p e l a su a r e s i s t ên c ia d i an te d as t en ta t iv as d a in d ú s t r i a . N ems ó d e f i l m e v i v e u m d i r e t o r , m a s t a m b é m d o s s i l ê n c i o s a q u e s e i m p õ e p a r a

m an te r su a d ig n id ad e” . A id é ia se r ad ica l i za ad ian te , p o u co d ep o i s d e Derleone have sept cabeças e d e Cabezas cortadas , p o u c o a n t e s d e Claro :G lau b e r d iz q u e n o fu tu ro o c in e m a se rá lu z , so m , d e lír io ; q u e o e sp e c tad o r d e -ve r á v e r u m film e “ co m o s e e s t ive s s e n u m a c a m a , n u m a fe s t a , n u m a g r e ve o un u m a r e v o l u ç ã o ” , e s e d e c l a r a e m g r e v e “ c o m o u m t r a b a l h a d o r n a p o r t a d afábr ica” , lu tando pelo “d i re i to de fazer f i lmes po l í t icos , sem compromissosco m erc ia i s o u p ro f i s s io n a i s” . E m g rev e : “H á u m an o e m e io q u e n ão f i lm o ,e n t r e o u t r o s m o t i v o s p o r q u e o c i n e m a d e e s q u e r d a e s t á a t r a v e s s a n d o u m a

cr ise ter r ível e porque as re lações comercia is e f inancei ras que ex is tem nap ro d u ção c in em ato g rá f i ca se t r an s fo rm aram n u m a a rm ad i lh a” ( ju n h o d e 1 9 7 2 ,d e p o im e n t o p u b lic a d o e m Cuba internacional , e m Afrique-Asie e e m Écran ) .

O c in e m a e m g re v e : Vento do Leste n e m p a r e c e film e , e o q u e G o d a r d d e s e ja v a e raisso mesmo — jun tar -se aos t rabalhadores , sa i r da fábr ica de Lumière .

E m d e z e m b r o d e 1 9 7 0 ( e m d e p o i m e n t o p a r a a r e v i s t a Cinéma 70 ) , G o d ard co n tac o m o c o n h e c e u J e a n - P i e r r e G o r i n , d e p o i s d e m a i o d e 1 9 6 8 . “ D u a s p e s s o a s ,u m a v in d o d o c in e m a n o rm al, a o u t ra u m m ilit an te d e c id id o a faze r c in e m a co -m o u m a t a re fa p o lít ica . Ele q u e r ia t eo r iza r o q u e aco n tece u e m m aio e d a í p as -

sa r à p rá t i ca , e eu q u er i a m e l ig a r a a lg u ém q u e n ão v ies se d o c in em a . E mresu m o , u m d ese jav a f aze r c in em a , o o u t ro d ese jav a d e ix a r d e f aze r c in em a .T ra tav a - se d e co n s t ru i r u m a n o v a u n id ad e f e i t a d e d o i s co n t r á r io s , d e aco rd oco m o co n ce ito m arxis t a , e t en ta r en tão co n s t itu ir u m a n o v a cé lu la — n ã o p a rafazer c inema po l í t ico , mas para fazer c inema po l í t ico po l i t icamente , o que erab e m d i fe ren te d o q u e r ea lizavam en tão o s c in e as t as m ilit an tes”. Ass im se c rio uo G ru p o D z ig a Ver to v , q u e p ro d u z iu se is film es e n t r e 19 6 9 e 19 71 . O n o m e d eD zig a Ver to v fo i e sco lh id o n ã o p o rq u e p re t en d esse m ap l ica r seu p ro g ram a , m as

p o rq u e o g ru p o q u er i a to m á- lo “co m o p o r t a -b an d e i r a em re l ação a E i sen s t e in ,

     8     2

Page 84: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 84/120

que, em nossa anál ise , era um cineas ta rev is ion is ta” . Para Ver tov , o que sed e v e r i a f a z e r e r a “ s i m p l e s m e n t e a b r i r o s o l h o s e m o s t r a r o m u n d o e m n o m ed a d it ad u ra d o p ro le t a r iad o ” .

Cine m a p o l ít ico : Ven to ( Ver tov?)? Barraven to (Eisen ste in?)? Ou um a co isa e ou t ra?

N o e s p a ç o e n t re Terra em transe ( “N ã o m e in t e r e s s a m a s flo r e s d o e s t ilo / C o m o p o rd i a m i l n o t í c i a s a m a r g a s / Q u e d e f i n e m o m u n d o e m q u e v i v o ” ) e Der leonehave sept cabeças (“Abaixo o colonialismo! Abaixo o colonialismo! Abaixoo colonialismo!”),

d i a l o g a n d o c o m o q u e c o m e ç a a s e d e s e n h a r e m Deux ou trois choses que je sais d’elle ( “C o m o n o s r e d u z e m a z e r o é d e l á q u e p r e cis a m o s p a r t ir ”)

e e m La chinoise ( “C in q u e n t a a n o s d e p o is d a r e v o lu ç ã o d e o u t u b r o , o c in e m a a m e -r ican o r e in a so b re o c in e m a m u n d ia l. N ão h á m u i to a ac rescen ta r a e s t e e s t ad od e c o is a s . A n ã o s e r q u e e m n o s s a e s ca la m o d e s ta n ó s d e v e m o s c ria r d o is o ut r ês V ie tn am es n o m eio d o im en so im p ér io d e H o l ly w o o d -C in ec i t t a -Mo sf i lm -P in ew o o d -e tc . , e t an to eco n o m icam en te q u an to es t e t i cam en te , q u e r d i ze r ,lu tan do e m do is , c r iar cine m as na cion ais , liv res , irm ão s , cam arad as e am igos”) ,

d ia lo g a n d o t a m b é m c o m o t e m p o la t in o - a m e r ic a n o ( Fa n o n r e to m a d o p o r So la n a s e m

La hora de los hornos : “To d o e sp e c tad o r é u m co v ard e o u u m t ra id o r”) ,

p en san d o o p ap e l d o in t e l ec tu a l l a t in o -am er ican o ( “A p r im e i ra co i sa q u e e l e t em afaze r é n eg ar - se co m p le tam en te , é d esm is t i f i ca r - se co m p le tam en te , é sa i rd esse p ap e l d e in t é rp re t e , d e c r í t i co d a h i s tó r i a sem n en h u m a p a r t i c ip açãocon creta , po lít ica , na h is tó r ia . A ún ica fo rm a d e e le se revo lucion ar e se de sm is-t ifica r é f aze r d o p en sam en to e d a ação p o lít ica u m a co i sa in t eg rad a”) ,

G lau b er p ro p ô s u m c in em a p o l í t i co q u e “n ão p re t en d e in fo rm ar p e la ló g ica” ,

m arcad o p e la i r r ev e rên c ia p o é t i ca , “p e la in t ro d u ção d o p lan o an árq u ico ” , p o r“ im ag en s p ro ib id as n o co n te xto d a b u rg u es ia” , p a ra a n iq u ila r t u d o “aq u i lo q u eo esp ec tad o r ace i t a co m o n o rm al” .

C o m o faze r u m f i lm e p o l í t i co ? F i lm an d o p o l i t i cam en te , “ sem red u z i r o s h o m en s aesquemas sociopo l í t icos”:

Não bas ta reg is t rar “comícios , guerras , g reves , manifes tações , para fazer um f i lmepolí t ico. Isto é posit ivo e úti l . Tais f i lmes podem ser eficazes, tal como algumaso b ras l i t e r á r i a s p o d em se r p o l i t i cam en te e f i cazes . E m q u e m ed id a u m en sa io

p o l í t i co p u ro p u b l i cad o n u m a rev i s t a d e p eq u en a t i r ag em co n t r ib u i p a ra a

     8     3

Page 85: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 85/120

r ev o lu ção ? N ão se i . A im p o ss ib i l id ad e d e r e sp o n d er e s t a s q u es tõ es v em d aim p o ss ib i l id ad e d es t as q u es tõ es . A u t i l i d ad e d a a r t e é u m a q u es t ão an t ig a .Es ta d iscu ssão r esu lt a d e u m ce r to sen t im en to d e cu lp a t ip icam en te in t e lec tu a l,d o in t e l ec tu a l eu ro p eu e d o in t e l ec tu a l d o T erce i ro Mu n d o , u m sen t im en to d e

cu lp a m ais c ris t ão q u e m arxis t a . Em ce r to s m o m en to s h is tó r ico s u m film e p o d et e r va lo r c o m o a g it a çã o e p r o p a g a n d a , m a s s ó p o d e s e r e fic a z e m u m a d e t e r-m in ad a ép o ca e em c i r cu n s tân c ias m u i to e sp ec ia i s . P a ra o s c in é f i lo s e p a ra op ú b l i co d o c in em a , é so b re tu d o u m p ro v o cad o r o n í r i co : o p ú b l i co p ro cu ra n oc in em a u m a v i são o n í r i ca d a r ea l id ad e , m esm o n o s f i lm es m ai s r ea l i s t a s . Oin te l ec tu a l p ro cu ra a lg o q u e co r resp o n d a a su as o b sessõ es . O c in em a , n ofu n d o , é u m a m an i fes t ação lú d ica . E m te rm o s d e e f i các ia p o l í t i ca , d ev em o sd e s taca r G o d a rd e S tr au b , q u e fazem film es p o l ít ico s q u e n o p lan o im ed ia to são

in e f i cazes” p o rq u e p ro p õ em “u m a p o é t i ca r ev o lu c io n ár i a , a ú n ica q u e p o d em od ificar a con sciên cia” .P en sa r a rev o lu ção co m o u m a es t é t ica : a s s im co m o B u ñ u e l é e s sen c ia l p a ra o m u n d o

s u b d e s e n v o lvid o , “p a r a o m u n d o d e s e n vo lvid o é m a is d o q u e n e c e s s á r io u me s p ír it o a n a r c o c rít ic o c o m o o d e G o d a r d ”, q u e c o m e ç a s e u c in e m a “ n o p o n t oo n d e Jo yc e p a ro u c o m o r o m a n c e . O s m a io r e s m o m e n t o s d e Jo yc e te n d e m àim p o ss íve l fig u ração : o p asso a d ian te é d ad o p o r G o d ard ” . Ele e xp ressa “o m á-x i m o d e c o i s a s n o m í n i m o d e t e m p o ” , p r o p õ e u m a “ a ç ã o s i m u l t â n e a , c o m o

Jo y ce” e u m en co n t ro “d a so c io lo g ia co m a f icção , d a an t ro p o lo g ia co m a p o e -s ia , d e S h a ke s p e a r e c o m a science-fiction , da pintura com a fi losofia”. Fala deG o d ard “h u m ild e q u e n em S ão Fran c isco d e Ass is , co m v ergo n h a d a g en ia lid a -d e , p e d in d o d e s c u lp a a t o d o m u n d o ” e d iz q u e d ia n t e d e l e , “h o m e m m a g ro ec a lvo d e 4 0 a n o s , e u m e s in t o u m a t ia c a rin h o s a q u e t e m ve r g o n h a d e d a r u md o c e p a r a u m s o b r in h o tr is te . A im a g e m é b e s ta , m a s G o d a r d d e s p e r t a u m s e n -t im en to d e ca r in h o m u i to g ran d e . A g o ra , n ão é b es t e i r a : é a m esm a co i sa q u ev o cê v e r B ach o u o Mich e lân g e lo co m en d o spaghetti e n a m aio r fo ssa , ach an -do qu e n ão dá pé p in tar a Cap ela S is t ina ou com po r o ‘Actus Trag icus’” .

P a r a G l a u b e r , G o d a r d r e s u m i a e n t ã o , p o u c o d e p o i s d o m a i o d e 1 9 6 8 , “ t o d a s a sq u es tõ es d o in t e l ec tu a l eu ro p eu d e h o je em d ia : v a l e a p en a f aze r a r t e?A q u es t ão d a u t ilid ad e d a a r te é v e lh a , m as es t á n a m o d a . E n o c in e m a G o d ardé a p ró p r ia c r ise am b u lan te” .

En t re G la u b e r e G o d a r d s e e s ta b e le c e u m d iá lo g o / d e b a t e n ã o p la n e ja d o , o r g a n iz a n -d o d e m o d o e s p o n t â n e o , p a ra p e n s a r o c in e m a , a s sim c o m o e le c o m e ç a va ase r fe ito em to rn o d as id é ias d a Estética da fome , do Cine Im pe rfecto , do TercerC in e , d o C in e Ju n to a l P u eb lo , em to rn o d a id é i a d e u m a (o t í t u lo d a r ev i s t a

fra n c e s a re s u m e b e m ) Cinéthique .

     8     4

Page 86: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 86/120

G o d a r d , t o m a n d o V e r t o v c o m o b a n d e i r a e r e p e t i n d o q u e n ã o t i n h a s e n t i d o f a z e rc in e m a -e s p e t á cu lo o u c in e m a d e a u t o r :

“É p rec iso ab an d o n ar a id é ia d e f aze r film es e r eap re n d er a lin g u ag em . D u ran te a p ro -

 je çã o d e u m film e m ilita n te , a te la é s im p le sm e n te u m q u a d ro -n e gro o u a p a -r e d e d e u m a e s co la , q u e o fe r e c e a a n á lis e c o n c r e ta d e u m a s itu a ç ã o c o n c re t a .”

G lau b er , m a is p ró xim o d a t r ad ição d e Eisen s t e in e in s is t in d o q u e faze r a r t e t em sen -t id o em q u a lq u er p a í s d o Terce iro Mu n d o :

“P o b re d o p a í s su b d esen v o lv id o q u e n ão t iv e r u m a a r t e fo r t e e lo u cam en te n ac io n a lp o rq u e , sem su a a r t e , e le e s t á m a is fr aco (p a ra se r co lo n izad o n a cu ca ) , e e s sa

é a ex ten são m ai s p e r ig o sa d a co lo n ização eco n ô m ica . ”

Es te d iá lo g o / d e b a t e n ã o p la n e ja d o le v o u a o n a t u ra l e n c o n t ro d o d o is n u m a d o b r a d ae s t r a d a , e m Vento do Leste . G l a u b e r ( n u m a n o t a a o p é d e u m a e n t r e v i s t a a oCahiers du Cinéma e m j u l h o d e 1 9 6 9 ) r e s u m e o e n c o n t r o e a f i l m a g e m d op l a n o e m q u e G o d a r d “ p e r g u n t a q u a i s s ã o o s c a m i n h o s d o c i n e m a e e l em esm o in d ica a r e sp o s ta : p o r a li é o c in e m a d e sco n h e c id o d a av en tu ra e s t é ticae d a esp ecu lação filo só fica , p o r aq u i é o c in e m a d o t e rce i ro m u n d o ” . D iz :

“I tá l ia . Godard es tá f i lmando um western e m e p e r g u n t a a d i r e ç ã o d o c i n e m ap o l í t i co . N o p r im e i ro d i a eu f i co d i an te d a câm era co m o s b raço s ab e r to s ed e s e n h o u m a d ir e çã o r u m o a o d e s c o n h e c id o e à a ve n t u ra e m o s tro u m a o u t rad ir e çã o p a r a o c in e m a d o Te r c e ir o M u n d o , m a s c o m o G o d a r d q u e r ia r o d a r op la n o u m a s e g u n d a ve z , e u c a n te i q u e e r a p r e c is o e s ta r a te n t o e fo r te p o r q u en ó s n ã o t e m o s t e m p o d e t e m e r a m o r t e , e d e p o i s o p e r s o n a g e m q u e m ep erg u n to u a d i r eção d o c in em a p o l í t i co se d i r ig e p a ra o cam in h o d o T erce i roM u n d o , e m s e g u id a r e t o r n a a tr á s d e m im e v a i e m d ir e çã o a o d e s co n h e c id o eà av en tu ra , e eu n ão r ep e t i o d iscu r so d o p r im e i ro d ia d e film ag em , m as can te i

q u e tu d o é p e r ig o so , tu d o é d iv in o e m aravilh o so .”Ad ian te (n u m texto p a ra a r e vis t a Manchete , jan e iro d e 19 7 0 ) , co n ta m a is so b re su a

p a r tic ip ação n o “western em co res e sc rito p o r C o h n -Ben d i t e d i rig id o p o r Jea n -Luc Godard com in terp retação de Gian Maria Volon té”; con ta as fo focas queco r r i am em to rn o d o f i lm e , “en co n t re i u m rap az q u e m e d i s se : v o cê j á sab e?N o fa ro es t e d o G o d ard t em d o i s cav a lo s r ec i t an d o Mao !” ; d i z q u e G o d ardp ed iu “p a ra a ju d á- lo a d es t ru i r o c in em a , a í eu d ig o p a ra e l e q u e es to u emo u t ra , q u e m eu n eg ó c io é co n s t ru i r o c in em a n o B ras i l e n o T erce i ro Mu n d o ” ;

e q u e p e r gu n t o u s e e le q u e r ia film a r u m p la n o d e Vento do Leste — “eu, que

     8     5

Page 87: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 87/120

so u m alan d ro e t en h o d esco n f iô m et ro , d ig o p a ra m an e i ra r , p o i s e s to u a l ia p e n a s n a p a q u e r a ” ; p a r a a c e n a , c o n t a , “ e l e m e p e r g u n t a q u a i s s ã o o sc a m i n h o s d o c i n e m a e e l e m e s m o m e i n d i c a a r e s p o s t a : p o r a l i é o c i n e m ad e sco n h ec id o d a av en tu ra e s té t ica e d a esp ecu lação filo só f ica ( e e t c .) ; p o r aq u i

é o c in e m a d o Terce iro Mu n d o ”.A c e n a c o m e ç a c o m G l a u b e r , d e b r a ç o s a b e r t o s , n u m a d o b r a d o c a m i n h o ,p lan o f ixo , can tan d o em p o r tu g u ês :

“A ten ção : é p rec i so es t a r a t en to e fo r t e . N ão t em o s t em p o d e t em er a m o r te” .U m a v o z f em in in a d i z b a ix in h o , em f r an cês ( en q u an to G lau b er can ta d e n o v o e d e

n o v o q u e é p rec i so es t a r a t en to e fo r t e ) , q u e o c in em a d ev e seg u i r a e s t r ad aq u e a h i s tó r i a d as lu t as r ev o lu c io n ár i a s en s in o u a co n h ecer . P a ra sab er co me x a t i d ã o o n d e e s s a e s t r a d a s e e n c o n t r a , e l a d e c i d e p e r g u n t a r a o c i n e m a d o

Te r ce ir o M u n d o . D o fu n d o d o q u a d r o , s u r ge u m a m o ç a co m u m a c â m e r a q u ese d ir ig e a G lau b e r e p e rg u n ta em fr an cês : “D escu lp e in t e r ro m p e r a su a lu t a d ec las ses , m as é im p o r t an te : q u a l é o cam in h o d o c in em a p o l í t i co ?” . G lau b err e s p o n d e e m p o r t u g u ê s : a p o n t a u m a d i r e ç ã o e d i z q u e p a r a l á é o c i n e m a d od esco n h ec id o , o c in em a d a av en tu ra e s t é t i ca . A p o n ta o u t r a d i r eção e d i z q u ep o r a l i é o c in em a d o T erce i ro Mu n d o , u m c in em a p e r ig o so , d iv in o e m arav i -lh o so , v ít im a d a r ep ressão e d a o p ressão im p e r ia lis t a , c in e m a p e r ig o so , d iv in oe m arav i lh o so , q u e n o caso b ras i l e i ro p rec i sa fo rm ar 3 0 0 c in eas t as p a ra f aze r

6 0 0 f ilm es p o r an o .A questão — in formar o c inema pela po l í t ica , in fo rmar a po l í t ica pelo c inema, — nãos u r g i u n e s t e m o m e n t o , m a s e r a v i v a m e n t e d e b a t i d a n e s t e p i q u e t e d e g r e v e :Câncer e Vento do Leste na p or ta da us ina de sonh os . O in te lectual aban do nan doa sua posição p r iv i leg iada para se in tegrar no p rocesso po l í t ico , como quer iaG lau b er . O m i l i t an te in f lu en c ian d o o c in em a e sen d o in f lu en c iad o p o r e l e ,c o m o q u e r ia G o d a r d . A q u e s tã o e r a d e b a t id a b e m a s s im c o m o G o d a r d a re p r e -sen ta n a cen a e m qu e film ou Glaub er . Tratava-se de pe rgun tar ao Terceiro Mun doq u a l o cam in h o d o c in e m a p o lít ico ; t ra t ava - se d e av an çar s im u lt an ea m en te n as

d u as e s t r ad as : a d a av en tu ra e s t é t i ca e a d o d iv in o e m arav i lh o so c in em a d oTercei ro Mu nd o .

Q u a n d o G la u b e r , n a Estética da fome , fa la d a n ecess id ad e d e sep ara r a a r t e ú t il (ú t ilao a t iv i sm o p o l í t i co d e u m a a r t e r ev o lu c io n ár i a l an çad a n a ab e r tu ra d e n o v asd i scu ssõ es ) d a a r t e r ev o lu c io n ár i a , q u e p a ra e l e n ão só d ev er i a a tu a r d e m o d oim ed ia t am en te p o l í t i co co m o t am b ém p ro m o v er a e sp ecu lação f i l o só f i ca e se ru m a im p o s s ib ilid a d e d e c o m p r e e n s ã o p a r a a r a z ã o d o m in a d o r a ( d e t a l fo r m aq u e e la s e n e g u e e s e d e v o r e d ia n t e d e s u a im p o s s ib ilid a d e d e c o m p r e e n d e r ) ,

q u an d o d iz a s s im , G lau b er p a rece es t a r r ep e t in d o o q u e G o d ard d i z i a à f r en te

     8     6

Page 88: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 88/120

do Grupo Dziga Ver tov — ou v ice-versa , Godard parece repet i r Glauber quandod iz q u e o im p o r t an te é f aze r f i lm es p o l í t i co s (o q u e , co m m aio r o u m en o rc o n s c i ê n c i a , t o d o s f a z e m ) p o l i t i c a m e n t e ( o q u e p o u c o s c o n s e g u e m f a z e r ) :q u e m d i z n o v o s c o n t e ú d o s d e v e d i z e r f o r m a s n o v a s , q u e m d i z f o r m a s n o v a s

d e ve d ize r n o v as re l açõ e s en t re fo rm a e co n teú d o . Pa ra en co n t ra r n o v as r e sp o s -t a s d e ve m o s a p r e n d e r a p e r g u n t a r d e o u t ra m a n e ir a , s e n ã o , n o c in e m a , c o m oe m q u a lq u e r lu t a s o c ia l, co n t in u a r e m o s a r e s p o n d e r d e m a n e ir a a n t ig a a q u e s -t õ e s in t e ir a m e n t e n o va s . Es ta va m d iz e n d o o m e s m o , m e s m o q u a n d o p a r e cia mdizer o con trár io : des t ru i r o c inema, d iz um; const ru i r o c inema no Bras i l e noT erce i ro Mu n d o , d i z o u t ro . É co m o se e s t iv essem d izen d o q u e é p rec i so lu t a rem d u as f r en tes , c r i a r c in em as n ac io n a i s , l i v res , i rm ão s , cam arad as e am ig o s ;q u e o c a m in h o d o c in e m a s ã o t o d o s o s c a m in h o s . E q u e , m a is im p o r t a n t e q u e

tu d o , t r ab a lh ad o res d ec id id o s a p a r t i c ip a r d o p ro cesso p o l í t i co , m o n ta r u mp iq u e te n a p o r ta d a f áb r ica e g r it a r ao s q u a t ro ven to s : Greve! 

     8    7

Page 89: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 89/120

Page 90: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 90/120

Sa u d a ç õ e s a a m b o s d o a n o d e 2 0 0 4 , 3 2 a n o s a p ó s s u a

car ta à “a t r iz” e “mil i tante” conhecida como Jane

Fo n d a . Va m o s f a la r s o b r e s u a m e d it a çã o d e 5 2 m i-

n u to s – in fa m e , “a n o r m a l ” ( s e g u n d o Jo h n S im o n ,

q u e e x c l a m o u e s t e e p í t e t o q u a n d o s a i u f e i t o u mfuracã o d a co le t iva de im p ren sa d o N e w York Film

F es t iva l ) – sobre a cé l ebre fo to de “H ano i Jane”

d a n d o a ju d a e c o n fo r t o a o in im ig o .

Êxtase

“H á u m p o n to e m q u e , n u m c e rto e s ta d o m e n t a l, o e s p í-r i t o r ecupera a e sm agadora sensação da m a té r i a , ”

disse Jean-Pierre Gorin numa entrevista à revista

Jump Cut , em 1974 . “En tão você chega n um po n to

e m q u e n ã o e xis te c e r to o u e r ra d o , d e s e s p e r o o u

alegr ia . Você es tá a lém de s tas con trad içõe s e tud o é

uma exper iência completa e to ta l izante .” Nos anos

im ed ia t am en te segu in te s a Carta para Jane , q u a n -

do as pe ssoas já não m a is fa lavam n o f ilm e – o qu efoi raro – o êxtase do materialismo era a última coisa

qu e p assava p elas suas cabe ças . Os f ilm es d o Grupo

Dziga Verto v, em ge ral, e Carta para Jane , e m p a r -

t icular ( f i lmado, gravado, e mixado em tempo re-

c o r d e ) e r a m m e n c i o n a d o s c o m o o m á x i m o e m

“não -cinema”, “des -p raze r” , um pouco dem ai s a t é

pa ra o m ais r igoroso es te ta do cen t ro d e No va York.

Se por um lado os f i lmes eram mui to “pol í t icos”

pa ra a vangu arda , po r ou t ro e s t avam m uito d is tan -

tes da pol í t ica nua e crua – mui to “c inemát icos” –

pa ra o s en ga jado s p o lit icam en te .

“N ós fizem os e s t e film e d a m esm a m ane ira que se faz um

abridor de latas.”

Gorin d evia es tar fa lan do de a lgum ou tro f ilm e d o Grup o

V er tov , m as poder i a e s t a r desc revendo es t e aqu i

t am bém . U m f i lm e fe i to sem grandes am bições ,

com o um a fe r r am enta aud iov i sua l , um ad i t ivo

     8     9

 C  a r  t    a  a 

 J   e  a n 

- P  i    e r r  e 

 e 

 a 

 J   e  a n - 

L   u  c 

    K   e

   n    t    J   o   n   e   s

Page 91: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 91/120

cu l tu ra l , com o aque les com pos tos qu ím icos que r em ovem vá r i a s cam adas de

t in ta p ara che gar à m ad eira o r igina l qu e e s tá p or b aixo. Mas, 30 a no s de po is , é o

êx tase da em pre i t ada que pa rece m a i s su rp reenden te . G or in m ui t a s vezes

recorre à teorização “rizomática” de Gilles Deleuze, com sua falta de conclusão

m á xim a , s u a s u b s titu iç ã o d e u m “p o r t a n to ” re p r im id o p o r u m “e … e … e … ”eu fór ico. Enq ua nto Carta para Jane parece se de s tila r em um po n to f ina l con c lu -

s ivo – q ue qu a lqu e r a t iv idad e p a ra os o c ide n ta is qu e pe nsavam sobre o Vie tnã

e m 1 9 7 2 que não fos se o uv ir os v ie tnam ita s e en ten de r o t ipo de paz q ue eles 

quer i am e ra nada m a i s que um d i s fa rce , o f i lm e acaba sendo qua lque r co i sa

m enos um a apresen tação com um desenro la r l óg ico . E m vez de cava r cada vez

m ai s fundo , f i cam apenas acum ulando insights (o o lha r no ros to d e Jane Fon da

e c o a n d o o o lh a r co m p a s s ivo u s a d o p o r s e u p a i e m As vinhas da ira ) , reso lvend o

qu eb ra-cabe ças (po r que a a t r iz “em foco” é ide ologicam en te ind is tin ta , enq ua ntoo vietna m ita “fora d e foco” é, com o a d ireita am ericana , ide ologicam en te d efinido) ,

e desatando nós capi ta l i s tas (uma fotograf ia pode esconder mais do que

reve la r , de pe nd end o de com o é pu b licada e po s ic ion ada) . “Você n ão va i en ten der

M arx se nã o p e rceb e r qu e e s te ca ra desc revend o a m áqu ina cap ita lis ta e s t ava nu m

es tado con t ínu o de m as tu rbação m en ta l”, d is se G o r in na en t rev is ta d a Jump Cut .

“Ele ad orava co loca r tod os o s e lem en tos jun tos , e é m uito im po r tan te am ar o qu e

você es tá fazendo.” Tr inta e dois anos depois do fa to , você não sa i des te f i lme

sen t ind o q ue v iu u m a inq u is ição acadêm ica seca , m as um en ga jam en to e s t á ticoc o m o p r e s e n t e . D e v e s e r d i t o q u e o p r a z e r é q u a s e t o d o s e u , m a s q u e n ó s

g a n h a m o s n o s s o q u in h ã o ta m b é m .

Dois estrangeirosQ u a n d o e s cu t o a t rilh a s o n o r a d e Carta para Jane – e e s s e é u m film e q u e vo c ê

t e m d e e s c u t a r, a c im a d e q u a lq u e r o u t ra c o is a – e s to u c ie n te d e q u e e s t o u

o u v i n d o d o i s p a p é i s s e n d o e n c e n a d o s , i n t e r p r e t a d o s d i a n t e d o m i c r o f o n e

p a r a u m a o c a s i ã o e s p e c i a l : u m f i l m e f e i t o p a r a “ e x p l i c a r ” u m o u t r o f i l m e

(Tudo vai bem ) p a r a p l a t é i a s a m e r i c a n a s . Q u a i s p a p é i s v o c ê s d o i s e s t ã o

i n t e r p r e t a n d o ? D o i s i n t e l e c t u a i s “ m a r x i s t a s ” s e q u e i x a n d o ? D o i s e u r o p e u s

e n x e rg a n d o a v e rd a d e s o b re u m a a m e r ic a n a ? D o is h o m e n s n u m le n g a le n g a

s o b r e u m a m u l h e r ? To d a s a s c o is a s a c im a . P o d e -s e d iz e r ta m b é m : d o is ju í -

z e s n u m p r e v is ív e l t rib u n a l s ta lin i st a ( c o n f o r m e a p o n t o u J a m e s M o n a c o e m

The New Wave ) ; d o i s d e t e t i v e s n u m c o n f r o n t o v e r b a l c o m o c r i m i n o s o a n -

t e s d e c h a m a r a p o líc ia ; d o is e s p i õ e s c o m u n is t a s e n v ia d o s d o q u a r te l -g e n e r a l

     9     0

Page 92: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 92/120

p a r a e x o r t a r s e u s c a m a r a d a s m a i s c o n h e c i d o s , d i r e t o d a s p á g i n a s d o s u b -

v a l o r i z a d o r o m a n c e d e C h e s t e r H i m e , Lonely Crusade . E a i d é i a d e c o m o

u m a p la t é ia a m e r ic a n a d e ve s e r a b o rd a d a , o tip o d e c o n v e rs a “n a l a ta ” a o q u a l

e le s p o s s a m re s p o n d e r , a g o ra p a r e ce u m m e c a n is m o e x tre m a m e n t e a n t iq u a -

d o d o s Es ta d o s U n id o s d a e r a N ixo n . P o r e xe m p lo , o o lh a r d e c o m p a ixã ola n ç a d o p e la a t riz e n q u a n t o e la s u p o s t a m e n t e o u ve o s ca m p o n e s e s vie t n a -

m it a s fo i “t o m a d o e m p r e s t a d o , o p r in c ip a l e o s ju r o s , d o N e w D e a l” . C o m o

s e v o c ê s f o s s e m d o i s v e n d e d o r e s d e s e g u r o s q u e p a r a r a m p a r a t o m a r u m

tra g o n o b o t e c o d a e s q u in a d e p o is d e u m d ia d u ro d e t ra b a lh o e s tu d a n d o

a s t a b e la s a t u á r ia s m a is r e c e n t e s .

Uma mulher é uma mulheré uma mulher“ Po r q u e u m a c a r t a p a r a Ja n e ? ” Eu p e n s a v a e n q u a n t o a s s is t ia a o film e o u t r a ve z .

“ Po r q u e n ã o u m a c a r t a p a r a Yv e s ?” Aí, é c la r o , o film e – o u v o c ê s – m e d e r a m a

r e s p o s t a : p o r q u e Y v e s M o n t a n d n ã o f o i f o t o g r a f a d o q u a n d o f o i a o C h i l e .

P e lo m e n o s n ã o d e f o rm a s im b ó lic a . E vo c ê s a t é a b o r d a m a q u e s t ã o d e p o r

q u e d o i s c a r a s e s t ã o , m a i s u m a v e z , r e p r e e n d e n d o u m a m u l h e r . E m 1 9 7 2 ,t o d o s o s c a m i n h o s le v a va m a o Vie t n ã e a fo r m a s d e p r o m o v e r a ca u s a d o

p o vo v ie t n a m ita . M a is d o q u e q u a lq u e r u m , fo i Fo n d a q u e m d e u m o t ivo s ,

s e u s e n s o d e e s t ra t é g ia e o d e r ra d e ir o im p a c t o d e s e u g e s to f ic a ra m a b e r to s

a o t ip o d e in q u é r it o in s t a u r a d o a q u i p o r vo c ê s . M u it o ju s t o .

M a s a p e r g u n t a f i c a v a m e i n c o m o d a n d o d o m e s m o j e i t o . P o r q u e n ã o s i m p l e s -

m e n t e fa z e r u m a i n te r ro g a ç ã o s o b r e e s t a fo t o g r a fia , se m a a b o r d a g e m d ir e ta ?

O n í ve l d e m in ú c ia n a a n á lis e d a f o t o , t ir a d a p o r G e r a rd G u i lla u m e e p u b l i-

c a d a n o L’Express , p a r e c e s e r to t a lm e n t e im a t e r ia l p a r a u m d i á lo g o g e n u í n o

c o m a m u lh e r q u e a p a r e c e n e la . Tr in t a e d o is a n o s m a is ta r d e , p a r e c e q u e

Ja n e – “ H a n o i Ja n e ” , a s a n t a p a d r o e i ra d o e s q u e r d is m o m ilit a n t e a m e r ic a n o ;

Ja n e , a a n t ig a e s t re l a q u e q u a s e d e s is t iu d o film e d e v o c ê s ; Ja n e , n a “ fu n ç ã o

d e Ja n e ”, a in c o r p o r a ç ã o d o e s q u e r d is m o d e c e le b r id a d e s – f o i o q u e b o t o u

o m o t o r d e v o c ê s p r a f u n c i o n a r . O u t a l v e z o a t o d e dois caras se juntando 

para dar uns apertos numa moça te n h a s id o a p e n a s is s o , m a is u m a e n c e -

n a ç ã o . E u a c h o q u e e n t e n d o : a d i r e i t a a m e r i c a n a é “ n í t i d a ” e a e s q u e r d a

a m e r i c a n a é “ i m p r e c i s a ” , o q u e s i g n i f i c a q u e a d i r e i t a é “ m a s c u l i n a ” e d e c i -

d id a , e n q u a n t o a e s q u e r d a é “ fe m in in a ” e in c o n s ta n t e . U m t o q u e d e m e s t re ,

     9     1

Page 93: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 93/120

e n t ã o , c a p t a r n o r o s t o s e n s í v e l e t e r n o d a “ m u l h e r ” q u e e s t á n o

c o ra çã o d o e s q u e r d is m o to d a e m o ç ã o , e n a d a d e p e n s a m e n t o . D e p o is d e

fe i to s t o d o s o s c á lc u lo s c o n c e it u a is , p a r e c e s e r u m a ó t im a i d é ia .

E n tão , à segunda v i s t a , con t inua sendo do i s ca ras se jun tando pa ra da r uns ape r tos

n u m a m o ça .

Plus ça changeEntão, 32 anos depois , os EUA es tão, mais uma vez , em guerra por mot ivos duvidosos .

Mais um a vez o p aís es tá po lar izado . Mais um a vez , ta lvez com m ais força do qu e

e m 1 9 7 2 , a d i r e i t a a m e r i c a n a e s t á e m a s c e n s ã o . U m d e v o c ê s é

agora r e s iden te nos E s tados U nidos há m ui to t em po . O ou t ro e s t á en tocado naSu íça . Am bo s con t inu am send o g rand es c ine as ta s .

O f i lme “abr idor de la tas” de vocês agora foi f ixado no tempo. Ganhou o s ta tus de

“cur ios idade” – um a obra que é um “produ to de sua e ra” an tes de se r qua lque r

ou tra coisa . P ron to para se r encaixotad o e en fiad o n o fund o d o a rm ár io h is tór ico.

N ós t em os in f in i t a s m ane i ra s de nos i so l a r den t ro do nosso p rópr io p resen te ,

passando t an ta s dem ãos de ve rn iz que nem consegu im os toca r sua ve rdade i r a

super f í c i e . C om o fa lou um a vez o ve lho am igo e co lega de G or in , R aym ond

Du rgnat , o fa to d e a lgo f icar “an t iqu ad o” nã o o torna m ais in teressa nte? Por qu ede vem os r e je it a r o q ue e s tá p reso no tem po ?

Assist ind o a se u film e o utra vez, de po is de tan tos ano s, ago ra qu e o s estuda ntes inq uietos

qu e o ass is tiram em 1972 já es tão gr isa lho s , ago ra qu e McNam ara já foi im orta li-

zado por Errol Morr is , agora que Jane já passou de paci f i s ta mi l i tante

para esposa de pol í t ico l ibera l para melhor a t r iz de Hol lwood para Rainha da

Malhação para esposa de ar is tocra ta bi l ionár io para “superes t re la” dis tante de

a n o s p a s s a d o s , d e p o is q u e o s e n h o r G o r b a ch e v d e r ru b o u a q u e le m u r o , d e p o is

q u e Re a g a n in a u g u r o u o p ro c e s so q u e tra n s fo r m o u e s te p a ís n o q u e p a r e ce s e r

u m a fa n t a sia p e r m a n e n t e d e s i m e s m o , a go r a q u e p r a tic a m e n te t o d o s o s m e r -

cado s im ag iná ve is já e s t ão liv res , eu acho qu e o film e fa la d e fo rm a a inda m a is

p o d e r o s a através d a n a t u r e z a d o s e u p a s s a d o e d e s u a i d a d e d o q u e q u a n d o

e le tinh a acab ad o d e sa i r do lab ora tó r io .

O q u e h á d e t ã o e s p e c ia l n o s e u p e q u e n o a d e n d o a u m film e ? Se r á q u e é o fa to d e e le

ser tão “barato”, tão u m p r o d u to d a fo m e , n u m a é p o c a e m q u e to d a a ê n fa s e e

toda a e ne rgia do c ine m a es t ão sen do d ispen d idas n a c riação de um a sup er fíc ie

apresen táve l? S e rá que é o tom de l i c iosam ente im pen i t en te de do i s t r ibunos

marxis tas assumindo a responsabi l idade de ins t rui r uma pla té ia , sem humildade

     9     2

Page 94: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 94/120

ou autojus t i f icação? Será que é o fa to de vocês terem percebido a urgência

em ana l i sa r im agens e a m ane i ra com o são d i s sem inadas ( l evando a aná l i se

e l egan te d e Bar thes a a ltu ras ex tá t icas ) , t a lvez incon sc ien tem en te p re vend o o m ar

d e i n fo r m a ç ã o vis u a l e m q u e a g o r a n a d a m o s – o u n o s a fu n d a m o s ? Se r á q u e é o

fa to de vocês terem af i rmado a verdade concre ta do mundo pós-colonia l , aquelaq u e p a r e ce m o s e s t a r m a is u m a v e z ig n o r a n d o n o Ira q u e , q u e o s h a b ita n t e s d o

p a í s e m q u e s t ã o é q u e d e v e m s e r a q u e l e s a d e c i d i r s o b r e s e u f u t u r o

co le t ivo? S e rá que é o j e i to que vocês foca l i za ram aque le a r de com pa ixão

pa ten tead o , que no s ano s en t re lá e cá sa iu d os film es e a gora e s t á na t e lev isão

enfe i t ando sem blan tes t ão va r i ados com o os de D iane S aw yer , O prah W inf rey

e M ichae l M oore?

São todas essas coisas. E é sua vivaz avaliação da dignidade l iberal , que vocês caracteri-

zam ass im : “p rodu z um a bo a consc iênc ia pa ra nó s m esm os de m ane ira o rd iná r ia”.O que nós oc iden ta i s , de todas a s co r ren tes po l í t i cas , não pa recem os se r

capazes de pa ra r de f aze r , ou f aze r com que os ou t ros pa rem de f aze r por nós .

E q u e o m u n d o n ã o te m m a is co n d iç õ e s d e a g ü e n ta r.

Vejo vocês daq ui a 32 an os – qu and o es t iver na ho ra de abr ir m ais a lgum as la tas .

     9     3

Kent Jones é edi tor indepe nde nte d a revis ta Film Comment .

Texto pu blicado no Tout va bien DVD Booklet , Criterion Collection, 2005.

Page 95: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 95/120

Page 96: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 96/120

Geralmente, quando se recebem filmes d e um adis t r ibu idora , recebem-se também f ichas técn icascom créd i tos dos envo lv idos nos f i lmes . Opta-sepor segu i- los l i tera lmente ou recorrer a pesqu isas

em livros sobre os filmes. Claro, não se espera muitor igor no caso d e film es m ais an t igos , no e n tan to , aolo n g o d o t em p o , o s c réd i to s acab am se to rn an d oconsensuais e são mater ia l de c i tação e pesqu isa .A n ão se r q u e a lg u m p esq u i sad o r r ev e le u m ano vidad e sob re a lgum a par t ic ipa ção ine spe rada, osc réd i to s acab am p o r se r m an t id o s . N o caso d oG ru p o D z ig a V er to v , fo ram en co n t rad o s d o i s

p ro b lem as , p o i s a p ró p r i a G au m o n t , r e sp o n sáv e lpela distr ibuição e divulgação dos f i lmes, nãopo ssu i essas fichas . O pr im eiro es tá re lacion ado aotem p o d e o s film es se to rn a rem co n sen su a i s, p o i sa b ib l iografia sob re o Grupo é a ind a p ou co es távele s ó a g o r a , h á b e m p o u c o t e m p o , é q u e o s film e sp u d eram se r vis to s em co n ju n to . O seg u n d o t em aver co m a p ró p r ia n a tu reza d o G ru p o , p o is co m o a

prop osta e ra de t rab alho co le t ivo , m uitos do s film esnão são ass inados , sendo c i tados apenas em l iv roscom o p er tence n tes ao Grupo Dziga Ver tov.

Desmembrar a equ ipe, como fo i fe i to com as f ichastécn icas abaixo , pod e p arecer um a con trad ição co mo s p r o p ó s i t o s d o G r u p o . M a s e m p r i m e i r olugar era preciso decidir quais créditos seriampubl icados no mater ia l de d ivu lgação , que nãoo fe rece u m g ran d e esp aço . O s c réd i to s en co n t ra -

d o s em l iv ro s são ex t r em am en te d iv e rg en tes e oú n ico p o n to d e p a r t id a é o n o m e d e Jean -L u cG o d ard . S e fo ssem m an t id o s so b o n o m e co le -t ivo de Grupo Dziga Vertov, apenas, seria precisod izer quem foram os par t ic ipan tes , os quais nãot r a b a l h a r a m h o m o g e n e a m e n t e , à s v e z e s n e mterm inaram o f ilm e do qu al par t ic iparam . Por tan to ,decid iu -se pub l icar o que parecia mais coeren te

e mais recorren te no mater ia l de d ivu lgação , que

           9            5

 S  i   n  o 

  p  s   e  s  

 e  F  

i    c h   a  s  

 t    é    c 

n i    c  a  s  

Page 97: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 97/120

exig ia r e su m o . Co n tan d o co m es t e e sp aço m ais g en e ro so , o p to u - se p o r p u b lica ra p esq u isa fe i ta so bre os créd i tos e s ino pse s , a f im de de to rnar m ais c lara a h is-tó r ia do p rópr io Grupo , lembrando que os f i lmes fo ram fei tos num per íodo deq u a t ro a n o s – d e Um filme como os outros a Carta para Jane – e m u it as vezes

a o m e s m o t e m p o .As referências p r incipais para os créd i tos são apon tadas pelas in ic ia is dos nomes de

au to res d e l i v ro s q u e se d eb ru ça ram so b re a f i lm o g ra f i a d e G o d ard e t am b émsob re essa fase de seu s film es . Ape sar de Col in Ma cCabe h aver pub licado u m im -po r tan te l iv ro n o in ício d os an os 1980 sob re essa fase de God ard – Godard: Ima- 

ges, Sounds, Politics –, a f i lmografia publicada com detalhes técnicos é incipiente.Mas a f i lmografia publicada em seu l ivro mais recente – Godard: a Portrait of an 

Artist at Seventy – é b em m ais co n s is ten te e d e ta lh ad a e , a lém d is so , MacCab e é

um referen cia l sobre e sse p er íod o da film ografia d e God ard . Este livro d e 2003 fo ien tão usa do com o referência . Outras referências fo ram o gu ia d e Ju lia Lesa ge, queoferece de ta lhe s de créd itos e s ino pse s ; o catá logo d o Mo MA, qu e p rodu ziu u m amostra especia l sobre os f i lmes de Jean-Luc Godard nos anos 1990 ; e o l iv ro deD ixo n , u m p o u co m ais recen te , q u e ap resen ta d e ta lh e s n ão co m en tad o s n em p o rMacCabe, nem por Lesage. Algumas referências h is tó r icas fo ram buscadas emedições da revista Cahiers du Cinéma , no livro Film and Revolution , d e J a m e sMacBea n , no catá logo do DVD de Tudo vai bem e Carta para Jane , lan çado pe la

Criter ion Collect ion e n o In terne t Movie Da tabase (IMDb ).

Julia Le sag e , Jean-Luc Godard: A Guide to References and Resources = JLColin MacCab e, Godard: Portrait of an Artist at Seventy = CMCatálogo da most ra dos f i lmes de Jean-Luc Godard p roduzido pelo The Museum of

Mo de rn Art , Jean-Luc Godard: Son + Image = M o M AWh ee ler D ixon , The Films of Jean-Luc Godard = W DDVD de Tout va bien (Tudo vai bem) co n ten d o Letter to Jane (Carta para Jane) = DVDIn te rn e t Mo vie D a tab ase = IMD b

           9           6

Page 98: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 98/120

Um film e com o os o u trosUn film com m e les au tres

França , 196 8, 100 m in, 16 m m , P&B / Cor

Ciné-tracts film ad o s em P aris d u ran te m a io d e 1 9 6 8 p o rJean-Luc Godard . O grupo de jovens se encon tran u m g ram ad o e m Flin s em ju lh o e ag o s to d e 19 6 8

DireçãoGrupo Dziga Vertov (JL)Jean-Luc Godard e Grupo Dziga Vertov (MoMA)

Jea n-Luc Go dard co m o g rup o ARC e Jacqu esKéb ad ian (CM)Grupo Dziga Ver tov – God ard e Gor in ( WD)Jean-Luc Godard, Jean-Pierre Gorin , Grupo DzigaVertov (IMDb)

Roteiro

Jea n-Luc Go dard (CM)Jea n-Luc G od ard e Jean -P ier re G or in (WD)

Jean-Luc Godard e Grupo Dziga Vertov (MoMA)Jean-Luc Godard, Jean-Pierre Gorin , Grupo DzigaVertov (IMDb)

Fotografia

William Lubtchansky (CM)Jean-Luc Godard e Grupo Dziga Vertov (MoMA)Jea n-Luc Go dard ( IMDb )

MontagemChristine Aya ( CM)

Jean-Luc Godard e Grupo Dziga Vertov (MoMA,IMDb)

Elenco

Três es tudan tes de Nanter re , do is t rabalhadores daRen au l t e voz de God ard n a t r ilha sono ra (CM, WD)

           9           7

   G  r  u  p  o   D  z   i  g

  a   V  e  r   t  o  v

Page 99: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 99/120

Durante o ano de 1968, G o d ard p ro d u z iu u m a sé r i e d e ciné-tracts , p e q u e n o sd o cu m en tá rio s em p re to -b ran co d e t rê s m in u to s , em 16 m m , ed i tad o s n a p ró p r iacâmera . Além de Godard , c ineas tas como Alain Resnais e Chr is Marker tambémp ro d u z i r am ciné-tracts com a in tenção de t rabalho co le t ivo e sem a ass inatu ra do

diretor. Tratava-se de f i lmar assembléias, passeatas e discussões com propósitospo lít icos . Duran te o m ês d e m aio , espe cificam en te , God ard film ou es tuda n tes e mNan terre e t rab alhad ores d iscu t ind o a s i tua ção p o lít ica da ép oca.

Um filme como os outros faz uso d esse m ater ia l. O film e co lo r ido m ost ra u m a e xtensad i scu ssão p o l í t i ca d e u m g ru p o d e jo v en s sen tad o s em u m g ram ad o em lo ca lind is t in to . A câmera most ra o g rupo de cos tas , sem d is t ingu ir ros tos por umlongo tempo. Aos poucos o f i lme é en t recor tado pelos ciné-tracts – q u e G o d a rdmais tarde chamou de “f i lm-t racts” – most rando carros sendo queimados , g rupos

de manifes tan tes , po l ic ia is p rendendo pessoas em manifes tações , Dan iel Cohn-B e n d i t f a l a n d o e m a s s e m b l é i a d e e s t u d a n t e s , e s t u d a n t e s m i m e o g r a f a n d opanf le tos , a lém de t rabalhadores em greve.

A tr i lha sonora trabalha com fusões de sons locais, d iálogos e slogans em f ran cês eing lês e vai , se não in ic iar , pelo menos fo r ta lecer uma f reqüen te in tervençãod ialé t ica en t re imagem e som nos f i lmes poster io res do Grupo Dziga Ver tov .Aos poucos , o espectador iden t i f ica os personagens , mas o faz pela voz. E lesd iscu tem o papel do par t ido comunis ta , das o rgan izações de t rabalhadores e

t am b ém a so c ied ad e d o esp e tácu lo . N o en tan to , n ão co n co rd am em to d o s o sassun tos e nenhum ponto de v is ta é p r iv i leg iado . São duas fa las : a da d iscussãod o g ru p o e a o u t r a co m v o z over , e são duas imagens: uma co lo r ida , pas to ra l ,quieta, versus uma em preto -e-b ranco , em conf l i to e ag i tada.

Col in MacCabe não cred i ta Um filme como os outros ao Grupo Dziga Ver tov , mas aGod ard e o Grup o ARC (Atelier de recherche c iné m atograph ique ) , em seu ú lt im olivro Godard: Portrait of an Artist at Seventy . Mas em seu l ivro anterior, Godard: Images, Sounds, Politics , de 198 0, ele cred ita o f ilm e a o Gru po Dziga Vertov e a os“Eta ts G én érau x d u C in é m a” . O film e n ão fo i p ro d u z id o n em co m co m p o n en tes

d o G r u p o , n e m e x a t a m e n t e c o m a s p r o p o s t a s d o G r u p o D z i g a V e r t o v .N a r ea l id ad e , p o d e se r co n s id e rad o u m p recu r so r d o G ru p o , n a m ed id a em q u ese p ropôs a t rabalhar em con jun to sem au to r ia ún ica e com propósi tos exp l ic i ta-mente polí t ico-revolucionários.

Esse f ilm e-docu m en tário f icou fam oso po r Goda rd de ixar um recado para o projecion ista“t i rar a so r te na moeda” para def in i r qual dos ro los dever ia ser most radopr im eiro , dep o is de um a e xib ição n o Linco ln Cen ter em Nova York, em de zem brod e 19 6 8 , d a q u a l re s t a ram ap e n as cem p esso as d e u m a au d iên c ia in ic ia l d e m il.

           9           8

Page 100: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 100/120

Sons britânicosBritish Sou nd s (ou See you a t Mao)

França, 1969, 52 min, 16 mm, Cor

Film ado na Ing la ter ra em feverei ro o u m arço de 1969 . Prod uzido pe la Lon do n Wee ken dTelevision

Direção

Grup o Dziga Verto v (CM)Jean -Luc Go dard (WD)Jean-Luc Godard e Jean-Henri Roger (MoMA, IMDb)

Jean-Luc Godard com Jean-Henri Roger, em nome do Grupo Dziga Vertov (JL)Roteiro

Jea n-Luc Go da rd e Jea n-Hen ri Roge r (MoM A, CM, IMD b)Jea n-Luc G od ard (WD , JL)

Pesquisa

Mo Teitelbau m (JL)Fotografia

Charles Stewart (JL)

Som Fred Sharp (JL)Mixagem de Som

Anto ine Bon fan ti (CM)Montagem

Chris t ine Aya (CM) (MacCabe af i rma que Kozmian só tem s ido c i tada porqueGod ard p recisava da r créd itos à eq u ipe b r itân ica . Godard , p. 413, nº 36)

Elizab e th Kozm ian (Mo MA, WD, JL)Elenco

Es tu d an tes d e O xfo rd , e s tu d a n tes d e Essex, g ru p o d e t rab a lh ad o res m ilit an tesd a r e g iã o d e D a g e n h a m e t r a b a lh a d o r e s d a G M ; vo z d e G o d a r d n a t r ilh as o n o r a

           9           9

Page 101: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 101/120

British Sounds foi reivindicado como real ização do Grupo Dziga Ver tov apenasem retrospecto, daí ser considerado o primeiro f i lme da série. Feito na Inglaterra,o f ilm e con sis te de se is lon gas seq üê ncias : a p rod ução em sér ie n um a fáb r ica deca rro s ; u m a m u lh e r n u a e m su a casa ; o d iscu r so d e u m jo v em n a t e lev isão , en -

t recor tado por cenas s i lenciosas e co lo r idas de t rabalhadores ; t rabalhadores emum apa r tam en to d iscu t ind o sua s cond içõe s de t rabalho ; es tud an tes u n ivers itáriosfazen d o p ô s te res e can çõ es r ev o lu c io n ár ia s ; e , p o r f im , u m a m ão en san g ü en tad adesl izando como uma serpen te na d i reção da bandei ra vermelha. A t r i lha sonoramescla os sons repet i t ivos da fábr ica de montagem e tex tos em voz over p ararefle t ir sob re a a lien ação d os t rab alhad ores d en t ro d o p rocesso de reprod ução .

A pr incíp io , a ba nd ei ra sen do rasgad a de de n t ro , os s igno s da revo lução ( com o m ão e mp u n h o san g ran d o em d ir eção à b an d e ir a ve rm elh a ) , e o s e s tu d an tes fazen d o can -

ções revo lucionár ias parecem por demais panf le tár ios aos o lhos a tuais . Ao mes-m o t e m p o , p o d e - s e p e r c e b e r o d i s t a n c i a m e n t o d o o l h a r d a c â m e r a q u e e s t ád e n t ro e fo r a a o m e s m o t e m p o , a lg o q u e c a d a film e d o G r u p o D z ig aVer tov i rá persegu ir , crescendo em in tens idade. A seqüência em que um locu to rna te lev isão apa rece com o a voz da “d ire ita” é um a p aród ia d iver tida do jo rnal is -mo te lev is ivo . Com a ass inatu ra de Godard , a câmera joga com os nossos o lhosn a se q ü ê n c ia q u e m o s t ra u m g ru p o d e tr ab a lh ad o res tro tskis ta s ao r ed o r d e u m am esa fa lan do sob re as con d içõe s de t raba lho . Ao n ão revelar as faces d os in ter lo -

cu to res e só m ost rá- las no final , de po is de suger ir e n os f rus t rar com o m om en tod a r ev e lação , n o s d am o s co n ta d e t e rm o s s id o m an ip u lad o s p e la e sco lh a d a im a-gem e d o d iscurso c ine m atográfico .

A s cen as se p ro p õ em a r e f l e t i r so b re v á r i a s o u t r as q u es tõ es , co m o a m an u ten ção d op ro cesso h i e rá rq u ico m ascu l in o p e la r ep ro d u ção d o f em in in o co m o im ag emsed u to ra o u o s m e io s q u e r ep ro d u zem a im ag em , co m o o c in em a e a t e l ev i são ,m as p r in c ip a lm en te aq u ilo q u e n ão se o u v e q u an d o se é sed u z id o p e la im ag em .

Esse f i lme fo i p roduzido a ped ido da London Weekend Telev is ion , em 1968 , mas nãofoi exibido integralmente na televisão. Algumas de suas partes foram exibidas e

a n a l i s a d a s n e g a t i v a m e n t e e m u m p r o g r a m a c h a m a d o Aquarius , da p rópr iaLondon Weekend , no in íc io dos anos 1970 . Conta-se que Godard ter ia , e lem esm o , se co r tad o p a ra faze r o b raço co m m ão e m p u n h o san g ran d o d es lizan d on a n ev e (MacC ab e , Godard , p . 220).

           1           0

           0

Page 102: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 102/120

PravdaPravda

França, 1969, 58 min, 16 mm, Cor

F i l m a d o c l a n d e s t i n a m e n t e n a a n t i g a T c h e c o s l o v á q u i a e m j u n h o ( m a r ç o ,s e g u n d o L e s a g e ) d e 1 9 6 9 . E d i t a d o m e s e s d e p o i s c o m a l g u m a s i m a g e n sd a t e l e v i s ã o t c h e c a

DireçãoGrup o D ziga Verto v (CM)Grupo Dziga Vertov (Jean-Luc Godard, Jean-Henri Roger, Paul Burron) –

(WD , MoMA, IMDb )G ru p o D z ig a V er to v ( Jean -L u c G o d ard , Jean -H en r i R o g er , P au l B u r ro n ,Jean-Pierre Gorin) – (JL)

RoteiroJea n-Luc G od ard (JL)Grupo Dziga Vertov (Jean-Luc Godard, Jean-Henri Roger, Paul Burron) –

(WD , MoMA, IMDb )Fotografia

Paul Burron (CM)Grupo Dziga Vertov (Jean-luc Godard, Jean-Henri Roger, Paul Burron) –(WD, MoMA)

Montagem

Christine Aya (CM. Ape sar de no ta de roda pé qu e n ão e xplica a o rigem do créd ito)Jea n-Luc G od ard (JL)Grupo Dziga Vertov (Jean-Luc Godard, Jean-Henri Roger, Paul Burron) –

(WD , MoMA, IMDb )Produção

Claude Nedjar (JL, WD, CM, MoMA, IMDb)Elenco

Jean-Pierre Gorin (Vladimir Lenin) em voz over e v o z d e m u lh er co m o R o saLuxem bu rgo. Voz over em ing lês . MacCabe afirm a qu e Lesa ge (segu ida p orDixon ) a t ribu i er rone am en te a voz de Len in a Go dard

           1           0

           1

Page 103: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 103/120

Filmado clandestinamente na an t iga Tchecoslováqu ia em março de 1969 , logoapós as ag i tações da Pr imavera de Praga e da invasão russa . Vár ias imagens doco t id iano da Tchecoslováqu ia são acompanhadas pelas vozes over de Vladimir eRosa, qu e a nal isam os p arado xos d a s ituação p o l ít ica do pa ís e o s no vos se n t ido s

d o ve rm elh o ( co m u n i sm o ) t ch eco . Verm elh o q u e se rvir á ao film e n ão a p en as p o rs u a a m b ig ü id a d e c o m o s a n g u e , m a s ta m b é m c o m o re fle xã o s o b r e o d e s b o t a -mento das imagens do mundo . Neste sen t ido , os comentár ios in ic ia is a respei todo rev is ion ism o d o so cia lism o tcheco são sa rcás t icos . A im agem de um a rosa ver-melha aparece em d iversas c i rcunstâncias como metáfora mais d i re ta à del icade-za da s p rop ostas revo lucion ár ias . Ao f inal , as vozes pe rgun tam com o se de ve che-g a r a u m a t eo r ia ad e q u a d a seg u in d o as id é ias d e Mao e e la s m esm as resp o n d e m ,afirm and o q ue a teo r ia d e ve vir jun to com a p rática socia l, com a lu ta d e c lasses

e pe la p rodu ção , a lém da e xpe r im en tação c ien t ífica .O f i lm e r ep en sa o f aze r d o cu m en ta l q u e d i f i c i lm en te p e rceb e so m e im ag em co m omater ia is d is t in tos , e repensa também as re lações en t re concei to e imagem.Pravda faz uma crí t ica radical à prática documental , revisi tando os propósitos deDziga Vertov, daí ser considerado o “mais vertoviano” dos f i lmes do grupo.O f i lme fo i fe i to com mater ia l Agfa , cu jo logo t ipo é most rado jun tamente comtodo o imaginário do capital ismo ocidental . Outra referência metalingüíst ica é aimagem do c inegraf is ta com uma câmera vermelha f i lmando o p rópr io f i lme.

O f i lme fo i encomendado pela West German Telev is ion . Em seu quar to de ho te l , Pau lBurron f ilm ou e fo tografou im agen s d i re tam en te da te le visão tche ca. Jea n-Henr iR o g er n ão aco m p an h o u a m o n tag em d o f i lm e a t é o f im . N esse p e r ío d o ,Jean-Pierre Gorin inicia com Godard uma parceria que influenciará o f i lmepoli t icamente e irá se efetivar em Vento do Leste . Os d iá logos do f i lme fo rampubl icados na Cahiers du Cinéma , n .240 , ju lho /agosto de 1972 cred i tados aGodard e Roger .

           1           0

           2

Page 104: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 104/120

Ve nto do Le steVent d’Est

França, Itália, Alemanha, 1969-1970, 100 min, 16 mm, Cor

Film ado em locaçõe s na Itá lia e em es túd ios d a Elios S tud ios , ond e hav ia u m a cidad e-faroe s te com o cen ár io , en t re 16 de jun ho e 16 de ju lho de 196 9

Direção

Gru po Dziga Ve rtov (JL, CM)Grup o Dziga Verto v (Je an -Luc Go da rd, Jea n-Pierre G orin , Gé rard Ma rtin) – (W D,

MoMA, IMDB)

RoteiroJean-Luc Godard, Daniel Cohn-Bendit, Jean-Pierre Gorin, Gianni Barcelloni, Sergio

Bazzini (JL)Jean-Luc Godard, Daniel Cohn-Bendit, Sergio Bazzini (WD, CM, MoMA, IMDB)

Fotografia

Mario Vulpiani (JL, MoMA, IMDB)Mario Vulpiani, Mario Bagnato, Paul Bourron (CM)

Som

An ton io Ve n tura, Ca rlo Diotalevi (CM, JL, WD, M o MA)MontagemChristin e Aya (CM )Jean-Pierre Gorin, Enzo Micarelli (JL)Jea n-Luc G od ard e Jea n-Pierre G orin (WD , MoMA, IMD B)

Elenco

Gian Maria Volon té (h om em da cavalar ia) , Ann e Wiazem sky (m ulhe r de casa co) ,Mar ie Ded ieu , Glauber Rocha (como ele mesmo) , José Varela , George Götz ,Fab io Garr iba , Jean-Luc Godard e a equ ipe de f i lmagem (como eles mesmos) ,

Alle n M idge tte ( índ io) , Marco Ferreri, Pao lo Po zzesi (rep rese ntan te d o sind icato),Van e ssa Red g rave (m u lh e r co m a câm era d e c in e m a) , D an ie l Co h n -Ben d it ( co m oele mesmo) , F ranco Buccer i , Marco Verg ine (c i tados dessa fo rma por Lesagee MacC ab e)

           1           0

           3

Page 105: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 105/120

Faroeste revolucionário q u e u sa s im b o l icam en te o s p e r so n a g en s fan tas iad o s p a rarepresen tar tea t ra lmente as h ierarqu ias socia is . O argumento fo i suger ido porD an ie l C o h n -B en d i t , q u e p ro p u n h a d o cu m en ta r u m a g rev e d e m in e i ro s co m op o n to d e p a r t id a p a ra Vento do Leste . O f i lm e ap resen ta u m g ru p o d e jo v en s

de itados e m local erm o e a voz over d iscu t ind o p o l ít ica , m as tam bé m vozes fem i-n inas con tando h is tó r ias do pon to de v is ta femin ino . En trecor tando imagens depe rsonage ns tea t ra is , fo tos d e Len in e S ta lin , car tazes com frases q ue se referema concei tos a serem d iscu t idos , imagens de uma fábr ica . No que se refere a lu taarmada, são dadas ins t ruções sobre como fazer bombas e exp lod ir o in imigo .

O film e , an tes d e tu d o , tr a ta d e q u e s tõ es so b re a id e o lo g ia d as co m p o s içõ es d o c in e m aq u e são an tec ip ad am en te co n s id e rad as “n a tu ra is”, co m o a ju n ção d a im ag em ed o s o m , p o r m e io d e u m g ru p o d e p e s s o a s q u e s u p o s ta m e n t e fa rã o u m film e .

A id é ia p a r te d aq u ilo q u e G o d a rd ch am a d e “co n ce ito b u rg u ês d e r ep resen tação ”,qu e n as ar tes v isuais pode ser re lacion ado à p erspe ctiva cen t ra l, m as cu jo tom daiden t i f icação en t re f i lme e espectador ser ia dado , no c inema, pelo som. GlauberRocha p ar t ic ipa d e u m a seq üê ncia pe qu en a, m as crucia l. Ele se e ncon tra em um aen cru zilh ad a , p a rad o e m p é , co m o s b raço s ab e r to s , can tan d o , q u an d o é ab o rd a-d o p o r u m a m u lh er g ráv id a q u e p e rg u n ta : “D escu lp e -m e p o r in t e r ro m p er su alu ta d e c l a s ses , m as v o cê p o d er i a m e m o s t r a r o cam in h o q u e l ev a ao c in em ap o l ítico ?”. E en tão G lau b er m o s t ra o cam in h o d o “cin e m a p e r ig o so , d ivin o e

m aravilho so”, o c ine m a d o Terceiro Mun do .Gianni Barcelloni, da produtora de cinema Cineriz, teria investido 1 milhão de dólaresn o film e , p ag o s an tec ip ad am en te . Co n ta -se t am b é m q u e o f ilm e cau so u tu m u ltoao se r ex ib id o em C an n es em 1 9 7 0 , co m p ro jeção p ro m o v id a à r ev e l i a d e G o -dard . Os d iá logos do f i lme fo ram pub l icados na Cahiers du Cinéma , n . 240, de ju lh o / ago sto d e 197 2 , cr e d ita d o s a G o d a rd e d e G o rin . Esse film e é o p rim e iro aoficial izar a responsabil idade do Grupo Dziga Vertov na direção e produção,inclusive mostrando um livro com foto do cineasta russo. Embora oficial ize ogrupo , res t r inge-o à dup la Godard-Gorin , que t rabalhará cada vez com mais

proximidade. Allen Midgette, que faz o papel de índio, trabalhou em váriosf i lmes de Andy Warho l e f icou conhecido ao se fazer passar pelo p rópr ioWarh o l . F o i f e i t a u m a có p ia em 3 5 m m d a có p ia d e 1 6 m m , q u e , seg u n d oMacBean , no ar t igo p ub licado ne s te catá logo , reprodu z com m ais in tens idade osverdes do in ter io r da Itá lia e os verm elhos da s ru ínas . O DVD de Vento do Leste 

fo i rece n tem en te lançad o p ela d is t ribu ido ra Nipp on Colum bia no Japão .

           1           0

           4

Page 106: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 106/120

Lutas na ItáliaLotte in Italia

Fran ça, Itália, 1970, 76 m in, Co r, 16 m m

Prat icamente f i lmado no apar tamento de Godard e Wiazemsky na Rue Sain t -Jacques ,em Par is , em dezembro de 1969 . Algumas poucas par tes em fábr ica na I tá l ia ,segundo Lesage, e em Roma e Milão , segundo MacCabe. Há uma versão i ta l ianac o m 5 5 m in u t o s

Direção

Grupo Dziga Vertov (Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin) – (JL, WD, MOMA,

IMDB)Grup o Dziga Verto v (CM)Roteiro

Grup o Dziga Verto v (CM)Grup o D ziga Verto v (Jea n-Luc Go da rd e Jea n-Pierre G orin) – (W D, MO MA, IMD B)“Provavelmente Jean-Pierre Gorin , primeiramente” (JL)

MontagemJea n-Pierre Go rin e Jea n-Luc G od ard (JL)

Christin e Aya (CM )Grup o D ziga Verto v – Jea n-Luc Go da rd, Jea n-Pierre G orin ( IMD b)Fotografia

Armand Marco (CM)Mixagem de som

Anto ine Bon fan ti (CM)Elenco

Comentários falados por Christina Tullio Altan (Paola Taviani), Anne Wiazemsky(balcon is ta) , Jérôme Hinst in (homem jovem), Pao lo Pozzes i (narrador , i ta l iano)

(Jl, CM)Produtor

Gianni Barcelloni (CM)

           1           0

           4

Page 107: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 107/120

No lugar de apresentar imagens de t rabalhadores ou es tudan tes mi l i tan tes , of i lme apresen ta uma personagem, a jovem Pao la , es tudan te un ivers i tár ia quet rabalha para a Lo t ta Cont inua, uma organ ização comunis ta da esquerda dopa r tido com un is ta ita liano . Ela é ap resen tada po r voz over a o m e s m o t e m p o e m

que fa la . Es tas vozes con t inuam ao longo do f i lme em francês , mas uma vozmascu l ina apresen ta e comenta seções como “un ivers idade”, “mi l i tan t ismo”,“ ide n t ida de ”, en qu an to Pao la repre sen ta em ita lian o . Divid ido e m qu at ro se ções ,o f i lme repete e reaval ia cenas an ter io res para most rar d i feren tes faces ideo ló -g icas do d iscurso mi l i tan te . Antes de tudo , t ra ta-se de apresen tar o p rocesso deconscien t ização de uma jovem que se vê como an t icap i ta l i s ta , mas começaao s p o u co s a p e rceb er su as co n t rad içõ es n u m m u n d o b u rg u ês . A ss im , o f i lm etrab alha com a p ropo sta d ia lé t ica en t re conce ito e p rá t ica .

O roteiro foi baseado no conceito de “ideologia” de Louis Althusser a part ir do l ivroLenin et la Philosophie (P a r is , Masp ero , 19 6 9 ) e seu s d i á lo g o s fo ram p u b licad o sn a re vista Cahiers du Cinéma, n º 2 3 8 -2 3 9 , d e m a io / ju n h o d e 1 9 7 2 . Lutas

na Itália tem s ido considerado o mais coeren te , po l í t ica e teo r icamente , dost rab alho s do Grupo Dziga Ver tov. Segu nd o Gor in , c itado po r MacCabe em ar t igopublicado neste l ivro, Althusser teria se emocionado ao ver o f i lme ainda na salad e m o n t a g e m . Q u a n d o G o d a r d e G o r i n e s t i v e r a m n o s E s t a d o s U n i d o sd an d o en t rev is ta s , G o d a rd a firm o u n ão t e r d in h e iro p a ra a leg en d ag em em in g lês ,

m as q u e r ia p ro v id e n c ia r u m a có p ia em Su p e r -8 co m u m a v e rsão d u b lad a n es t eid ioma. Disse também que se não fosse tão caro ter ia fe i to o f i lme em v ídeo 1 .N a m esm a é p o ca , Cacá D ieg u e s , em en t rev is ta p a ra a Cahiers du Cinéma ( n º 2 2 5d e n o v e m b r o / d e z e m b r o d e 19 70 ) , d is se q u e Lutas na Itália talvez fosse “o m aisdialético dos filmes políticos” já feitos na Europa.

           1           0

           6

[ 1 ] Michae l GOO DWIN, T. LUDD Y e N . WISE. The Dziga Verto v Film Gro up in Am erica. Take One: The Film Maga- 

zine , m a r ç o d e 19 7 0 .

Page 108: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 108/120

Vladimir e Ros aVladimir et Rosa

França, 1971, 103 min, 16 mm, Cor

Film ado no ou tono d e 1970 , em Par is

Direção

Grupo Dziga Vertov (Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin) – (JL, WD, MoMA,IMDb)

Grup o Dziga Verto v (CM)Roteiro

Grup o D ziga Verto v (Jea n-Luc Go da rd e Jea n-Pierre G orin) – (Mo MA, IMDb )Montagem

Christ ine Aya e Chantal Colomer (CM)Fotografia

Arm and Marco e Gé rard Mart in (CM)Grupo Dziga Vertov (Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin) – (MoMA)

Mixagem de somAnto ine Bon fan ti (CM)

ElencoJe an -Luc Go da rd (Vlad im ir Le nin), Je an -Pierre Go rin ( Karl Ros a e de po is Ros a d eLuxemburgo) , Anne Wiazemsky (Ann , mi l i tan te da l iber tação femin is ta) ,Juliet Berto (Juliet , mulher do tempo e hippie), Ernest Menzer (Juiz JuliusHoffman, segundo Dixon. Ator ci tado por MacCabe), Yves Afonso (Yves, estu-dan te revo lucionár io de Berkeley) , Larry Mart in (c i tado apenas por MacCabe) ,Claude Nejar (Dave Del l inger , segundo Dixon) , voz over e m f r a n c ê s d e J e a n -P ie r r e G o r in e Jean -L u c G o d ard ( e l en co b asead o em L esag e . D ix o n ap resen taG o d ard co m o “R o sa” )

ProdutorClaud e Ned jar (CM)

           1           0

           7

Page 109: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 109/120

Este filme foi an te r io rm en te in t it u lad o Sexo e revolução . Go da rd faz o p ap el de Vla-d im i r Len in e G o r in , d e Ro sa Lu xem b u rg o . O film e p e rg u n ta co m o o s film es d e -ver iam ser fe i tos , inclus ive o p rópr io f i lme que o espectador vê , e anuncia quees te f i lme fo i fe i to para f inanciar ou t ro que es tá sendo rodado na Pales t ina ,

Jusqu’àla victoire . P a ra r e f l e t i r so b re q u es tõ es p o l í t i cas , co m o a n o ção d e“ ru p tu ra” d e A l th u sse r , G o d ard e G o r in co n v er sam co m m ic ro fo n e , fo n e d eo u v id o e g ra va d o r , a m b o s g a g u e j a n d o , e m u m a q u a d r a d e tê n is c o m a p a r t id aem jo g o . Esse “g ag u e ja r” p e rm ite u m a sé r ie d e p iad a s p e la r ep e t ição d e s ílab a so u p a lavras d it a s co m d i fe ren tes so n s . O g ru p o r ep rese n ta , d e fo rm a e s tilizad a ,o ju lgam en to d e m ilit an tes r ad ica is acu sa d o s d e in c it a r a r ev o lt a n a C o n v en çãoN ac io n a l d e 1 9 6 8 , co n h ec id o s co m o o s “C h icag o 8 ” , i n s in u an d o q u e o ju lga m e n to te ria s id o a rm a d o p e la p ró p ria p o lícia . O film e a p re se n ta a se n te n ça

d o ju lg am en to a t r av és d e m o n i to res d e t e l ev i são , co m p er so n ag en s v es t in d oc a m is e t a d a r e d e C BS. Q u e m ta m b é m e s t á e m ju lg a m e n to é o p r ó p r io e le n c oc u jo s n o m e s d e s e u s in t e g ra n t e s s ã o m a n t id o s , d e fo r m a q u e a t e a t ra lid a d e d of i lm e r e f l e t e a t ea t r a l id ad e d o ju lg am en to . A o b ra q u es t io n a o co n ce i to d e ju s tiç a e n tr e a te o ria e a p rá tic a , m a s co m u m a b o a d o se d e h u m o r e iro n ia .

É in t e res san te v e r G o d ard e G o r in co m o p er so n ag en s d e seu s f i lm es , p r in c ip a lm en ten e s s e , q u e p a r e c e u m a g r a n d e b r i n c a d e i r a , s e m c o m p r o m i s s o c o m o a t o d ef i lm ar . G o r in , v es t id o co m u m a cap a v e rm elh a e p re t a , r e t i r a u m p ro je to r

de de n t ro da rou pa. God ard , fan tas iad o d e p o lic ia l, re t ira um bastão d e d en t ro d esu as ca l ças . Mai s t a rd e , v es t id o s co m ro u p as co lo r id as – n esse m o m en toG o d a r d v e s t e c a m i s e t a c o m o n o m e “ R o s a ” – c o m e ç a m a b r i n c a r n o m e i o d eu m a rep resen tação d e u m a co le t iva d e im p ren sa , co m u m a b o la e u m a vasso u ra ,in t e r f e r in d o co m o d o i s cô m ico s n a su p o s ta se r i ed ad e d o m o m en to . A in sp i r a -ç ã o p o d e t e r vin d o ta n t o d a commedia dell’arte it a lian a co m o d a comédie fran- çaise o u d o s irm ão s Marx.

G o d a r d e G o r in s e c o m p r o m e t e r a m c o m a G r o ve P r e s s n a p r o d u ç ã o d e v á rio s film e s ,m as ap en as e s se , co -p ro d u z id o p e la t e l ev isão a lem ã Te le -P o o l , fo i te rm in ad o .

           1           0

           8

Page 110: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 110/120

Aqui e acoláIci et ailleurs

França, 1976 (1974 , segu nd o catá logo do MoMA), 50 m in , 16 m m e v íde o , Cor

Fi lmado na Pales t ina em 1969 e 1970 , e em Par is nos anos 1970 ; montado mais tardepor Godard e Miévil le. O fi lme incorporou material do fi lme inacabado Jusqu’a la 

victoire (ou Méthode de pensée et travail de la revolution palestinienne ) , qu e fo id i r ig ido por Godard e Gor in como Grupo Dziga Ver tov e fo tografado porArm a n d Marco ( seg u n d o MacC ab e)

Direção

Jea n-Luc Go da rd e Ann e-Marie Miéville (CM, Mo MA)Jea n-Luc G od ard, Ann e-Marie Miéville e Jea n-Pierre Go rin (WD )Jea n-Luc Go da rd, Je an -Pierre Go rin, Gru po Dziga Ve rtov, Ann e -Marie Mié ville (IMDb )

MontagemAnne-Marie Miéville (CM, WD, IMDb)

Roteiro

Jean -Luc G od ard , Ann e-Marie Miév ille e Jean -P ier re G or in (WD)Jea n-Luc Go da rd e Ann e-Marie Miéville (Mo MA)

Jea n-Luc Go da rd, Jea n-Pierre Go rin, Gru po Dziga Verto v, Ann e -Marie Miéville (IMDb)FotografiaArm an d Marco, William Lub tchan sky (CM)William Lubtchansky (WD, MoMA, IMDb)

VídeoGérard Teissèdre (CM)

Elenco

Comentários de Jean-Luc Godard e Anne-Marie Miévil le (CM)Produtores

Jean-Pierre Rassam, Anne-Marie Miéville, Jean-Luc Godard (JL, CM, IMDb)Música original

Jean Schwa rz ( IMDb )

           1           0

           9

Page 111: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 111/120

Em 1970, Godard e Gorin aceitam a proposta do grupo mi l i tan te pales t inoAl-Fatah para fazer um fi lme sobre a si tuação polí t ica do Líbano e da Jordânia.E les v ão ao O r ien te Méd io e f i lm am im ag en s co m o o s cam p o s d e t r e in am en topa les t ino s , locais de gue rrilha , ho m en s e m ulheres a t irando , adu l tos e crianças se

ex erc i t an d o . D ep o i s d e u m ce r to t em p o , co m o d in h e i ro acab an d o , o s d o i st iveram de vo ltar para casa e a ceitar as p rop ostas da te lev isão a lem ã e da GroveFilm s, pa ra arrecad ar m ais fun do s e term ina r o film e. Daí a referên cia, no início d eVladimir e Rosa, ao p ro p ó s ito d aq u e le film e co m o se n d o fe ito ap e n as se te rm i-na r o ou t ro . Mui to ap ropr iada m en te , e le se cham aria Jusqu’àla victoire (“Até a vi-tó r ia”) , m as nã o fo i levado ad ian te . Nesse po n to , tam bé m o Grup o Dziga Ver tovse d e sm an ch a . D ep o is d o m assac re d e Am ã, co n h e c id o co m o “Se tem b ro N eg ro ”,Godard tem d i f icu ldade em f inal izá- lo . Num le t re i ro em néon , af i rma que quase

todos os a to res es tar iam mortos .Mais tarde , God ard e Miév ille ree d i tar iam esse m ater ia l, jun tam en te com um ou tro n o-vo, discutind o justam en te os p rop ósitos d o Gru po Dziga Verto v. O n ovo film e ale-ga que o “som” da guerr i lha , dos d iscursos po l í t icos in f lamados , era mui toal to para que se pudesse ver as imagens . Este f i lme in ic ia um processo dee xten s ivo u so d o víd e o n a o b ra d e G o d a rd , q u e t am b ém u sa fo to s d e jo rn a l, im a-g en s co n h ec id as d a t e lev isão , im ag en s d o h o lo cau s to . O film e é t am b ém u m a re -fle xão d e Go da rd sob re os p ropó sitos do Grupo Dziga Ver tov , po r m eio das im a-

gens da Jo rdân ia . As ref lexões p rogress ivamente se es tendem para os lugares deonde se f i lma, de onde se p ro je ta e de onde se vê o f i lme: aqu i , na te lev isão dafam ília fran cesa, e lá, na revolução pa lest ina . Para God ard, o lugar d o cine m a (m aisp rec isam en te , d a im ag em ) es t á n o et (e) qu e liga ici (aqu i) a ailleurs (acolá).

No d ia da p r imeira ex ib ição do f i lme em Par is , em setembro de 1976 , uma bomba fo ien con trada n a sa la Q uin te t te e o f ilm e fo i re t irado d e e xib ição , send o m an t idoap en as em o u t ra sa l a . A s i tu ação n a ép o ca d a m o n tag em d e Jusqu’àla victoire 

es t av a t ão co m p l i cad a q u e G o d ard ch eg o u a p ed i r ao seu p ro d u to r p ro teçãoespecia l para a por ta da sa la de ed ição , local onde também v iv ia na época.

Ju lia Lesag e , em seu g u ia so b re a o b ra d e G o d ard , rep ro d u z a m a io r p a r t e d o sd iá logos de Aqui e acolá .

           1           1

           0

Page 112: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 112/120

Tudo vai be mTo u t va b ie n

França, 1972, 95 min, 35 mm, Cor

Film ado no es túd io Ep ina y de 1 º a 23 d e fevereiro de 1972e nas redondezas de Par is , nos per íodos de 17 a 31d e j an e i ro d e 1 9 7 2 e d e 2 4 a 6 d e m arço d e 1 9 7 2 .M o n ó l o g o s b a s e a d o s e m Viva a sociedade de

consumo, de Jean Saint-Goeurs, na revista CGT , n omonólogo oficial do sindicato A Vida Trabalhadora,na revista Maoist e n o m o n ó lo g o d o t r ab a lh ad o r d e

e s q u e r d a A causa do povo 

Direção

Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin (CM, JL, WD,Mo MA, IMD b, D VD)

Roteiro

Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin (CM, JL, WD,Mo MA, IMD b, D VD)

MontagemKe n ou t Peltie r, Clau d ine Me rlin (CM , JL, DVD)Kenout Peltier (MoMA, WD)

Fotografia

Arm an d Marco, Yves Agostini , Edo ua rd Burge ss (CM )Armand Marco (WD, JL, MoMA, DVD)

Operadores de câmera

Yves Agostini, Éd ou ard Burge ss ( DVD)Assistentes de direção

Isabe lle Pons , Jea n-Hughe s Ne lkene (CM)Direção de arte

Jacques Dugied, Olivier Girard, Jean-Luc Dugied (JL)Jacqu es Du gied (DVD, com o cen ógrafo)

Efeitos especiaisJean-Claude Dolbert , Paul Triel l i , Roger Jumeau,Marcel Van tiegh em (JL)Jean-Claude Dolbert, Paul Trielle (DVD)

           1           1

           1

   G  o   d  a  r   d

  e   G  o  r   i  n

Page 113: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 113/120

SomBernard O rthion , Gilles O rthion (CM, JL)Bernard O rthion , Arm an d Bonfati (Mo MA, DVD)

Música

Eric Cha rde n, Tho m as Rivat , Paul Beusch er ( CM, MoMA)Canção

“Il y a d u so le il su r la Fran ce”Mixagem de som

An toine Bon fan ti (CM, JL)Still

Alain Miéville e Anne-Marie Michel (Miéville) – (JL, DVD)Produção

Allain Coffier (JL, DVD chama de “administração”)Alain Coiffie r, J.P.Rass am , Je an -Luc Go d ard (W D)Produção executiva

Jean-Pierre Rassam (JL, CM, DVD chama de “produção representativa”)Elenco

Yves Mo n tan d ( Jacq u es o u e le m esm o , seg u n d o Lesag e) , Jan e Fo n d a (S u zan n e) ,Vittorio Cap rioli (che fe da fáb rica), Jea n Pigno l (ate nd en te d a CGT), Pierre O ud ry(F réd ér i c ) , E l i sab e th C h au v in (G en ev ièv e) , A n n e Wiazem sk y (m u lh er

esquerd is ta) , Marcel Gassouk (segundo a tenden te da CGT), Did ier Gaudron(Germain) , Michel Maro t ( represen tan te do Par t ido Comunis ta) , Huguet teMiévil le (Georgette) , Luce Marnaux (Armande), Natalie Simon (Jeanne), EricChartier (Lucien ), Buge tte (Ge orge ), Castel Casti (Jacqu es) , Jea n-Ren é De fleu rieu(e squ erd ista) , Lou ise Rioton (Lyse), Ibrah im Seck

           1           1

           2

Page 114: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 114/120

O filme conta a história de um casal in te lectual da m íd ia . Suzanne (Jane Fon da ) éuma amer icana que t rabalha como jo rnal is ta para uma rád io , e Jacques (YvesMo n tan d ) é u m d ir e to r d e film es d a Nouvelle Vague qu e se radicalizou po lit ica-mente em 1968 , mas des is t iu de suas posições e agora faz f i lmes pub l ic i tár ios .

Am bo s vão ao fr igor ífico Salum i, que es tá em greve, e acabam send o apr is ion ado spelos t rabalhadores no mesmo escr i tó r io que o d i re to r da empresa .

Em um cenár io aber to de onde se pode ver vár ios compar t imentos do ed i f íc io e quepe rm ite a visão da s histórias ind ividu ais sem privilegiar ape na s um po nto d e vista,os t rabalhadores , o d i re to r e o casal são most rados ao mesmo tempo. Logo noinício , esse che fe faz um lon go m on ólogo so bre a si tua ção p olít ica atual , argum en -tando qu e a s lu tas m arxis tas já nã o fazem sen t ido e o s s ind icatos nã o p ro tege m ost rabalhadores . Uma cena engraçada em nome da v ingança das c lasses desfavore-

cidas é quando o chefe ten ta i r ao banhei ro , mas o seu es tá ocupado , e le en tãoten ta i r ao banhei ro su jo do andar de baixo , mas é obr igado a segu ir a regracom um aos t rabalhad ores , de só u sá-lo po r três m inu tos . Ele vo lta corren do parasua sa la e em desespero quebra a janela de v id ro e u r ina para fo ra do p réd io .Como a inspiração do fi lme é Bertolt Brecht, cenas com certo tom humoríst icofazem par te do en redo . Aos p oucos , as p reocup ações ind ividu ais vão se to rnand om ais im po r tan tes q ue a lu ta em favor dos op r im ido s , e o film e term ina conclu in -do qu e é a h istória individu al que faz a grand e história. A refle xão se dirige pa ra a

co n scien t ização d a a lien ação d e cad a u m , n a m ed id a e m q u e o s p e r so n ag en s r eca -p i tu lam maio de 1968 em relação aos novos tempos po l í t icos e consumis tas . Ofilm e não de ixa n un ca de se refer ir a s i m esm o e logo no in íc io m ost ra closes d eu m a m ão as s in an d o ch eq u es , m o s tr an d o o s g as to s d a su a p ró p r ia p ro d u ção . N ofim , um a car te la final d iz : “Esta é um a con ta pa ra aque les q ue não têm ne nh um a.”

O film e , q u e cu s to u , seg u n d o Lesa g e , 1,2 m ilh ão d e d ó la res , fo i em p ar t e f in an c iad op e l a G a u m o n t , r e s p o n s á v e l p e l o p a g a m e n t o d o s a t o r e s J a n e F o n d a e Y v e sMo n tan d . A P aram o u n t t am b ém es t ev e in t e res sad a n o f i lm e . Y v es Mo n tan dp a r e c e t e r s e m p r e d e s e j a d o t r a b a l h a r c o m G o d a r d . J a n e F o n d a , n a é p o c a

recém -sep arad a d e R o g er V ad im , a p r in c íp io n ão ace i to u a p ro p o s ta , p o i s n ãoq u er i a t r ab a lh a r co m d o i s h o m en s , m as v o l to u a t r á s d ep o i s d e se r co n v en c id apor Gor in . Ao f inal , o f i lme fo i um fracasso comercia l e de cr í t ica , segundoMacC ab e . U m ex em p lo in t e res san te d a c r í t i ca d a ép o ca é o a r t ig o d e P ie r r eBaudry, “La cri t ique et Tout va bien ” , e m Cahiers du Cinéma , n . 240 , de ju lh o / a go sto 19 7 2 , n o q u a l e le a n a lis a a re ce p çã o a n a lític a n ã o só d o film e , m a sd a i d é i a d e e s q u e r d a , d o t r a b a l h o c o l e t i v o e d a d u p l a G o d a r d - G o r i n .U m D VD d a C rit e r io n C o llec t io n fo i lan çad o n o s Es tad o s U n id o s e m 2 0 0 5 co m

os f i lmes Tout va bien e Letter to Jane , a l é m d e u m p e q u e n o c a t á l o g o c o mart igos sob re o s film es .

           1           1

           3

Page 115: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 115/120

Carta pa ra Jan eLe tte r to Jan e (An in vestigatio n ab o u t a st ill)

EUA, 52 m in, 1972, 16 m m , Cor

Film ad o em Fran kfu r t em 6 d e n o v em b ro d e 19 74 e n a Aven u e d u Main e , em P aris

Direção

Jea n-Luc G od ard e Jea n-Pierre Go rin (CM, WD, DVD, MoM A, IMDb )Jea n-Luc G od ard (JL)

Roteiro

Jea n-Luc G od ard e Jea n-Pierre Go rin (CM, WD, DVD, MoM A, IMDb )Jea n-Luc G od ard (JL)Elenco

Jean -Luc Go dard e Jean -P ier re Go r in fazem com en tários em voz over analisandoa fotografia de John Kraft que apareceu na revista L’Express (31 de ju lho – 6 deagosto de 1972) most rando Jane Fonda em sua v iagem ao Vietnã do Nor te

ProduçãoJean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin (CM, MoMA)

           1           1

           4

Page 116: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 116/120

Godard e Gorin desconstroem a fotografia d e Jo h n K ra f t q u e ap a receu n arevista L’Express em ju lh o / ag o s to d e 1 9 7 2 , m o s t ran d o Jan e Fo n d a n o Vie tn ã d oNorte . Na época, Jane Fonda era conhecida pelo apel ido Hanoi Jane e t inha ido

ao Vietn ã co m pro pó sitos p acifistas. O film e foi le vado a N ova York pa ra se r ap re-sen tad o ju n to co m Tudo vai bem. S eg u n d o MacB ean (Film and Revolution , p .167) , nessa ocas ião Godard e Gor in af i rmaram que o f i lme fo i fe i to em poucassemanas , com 300 dó lares , com o p ropósi to de d iscu t i r Tudo vai bem .

A anál ise par te da con trad ição en t re a legenda da rev is ta “Jane Fonda quest ions thecit izens o f Hano i ab ou t Am erican b om bings” (Jan e Fond a q ue st ion a o s c idad ão sd e H an ó i so b re o s b o m b ard e io s am er ican o s ) e a fo to , q u e m o s tr a Fo n d a o u vin d o ,m ai s q u e p e rg u n tan d o , d e u m v ie tn am i ta an ô n im o , d e co s t as p a ra a câm era .

A at r iz es tá em foco , enquan to um v ie tnamita ao fundo es tá desfocado . Alémdisso , o ângu lo da câmera posic ionada abaixo dos fo tografados faz parecê- losm aio res d o q u e são . P a ra a d u p la , n ad a d i s so é ac id en ta l , m as s im u m a fo rm aimperial ista de ser pacifista. O rosto de Fonda, em expressão trágica na foto ,é comparado com ou tros d iversos momentos da a t r iz , em vár ios ou t ros f i lmes ,inclusive em Tudo vai bem , e co m o d e seu p a i H en ry F o n d a , ev id en c ian d o as im ila r id ad e d e exp ressão em m o m en to s em o c io n a is co m p le tam en te d ife ren tes .O f i lme ref le te sobre o s ta tus da imagem e o papel do in te lectual de fo rma

minimalista e cri t ica ironicamente a iconografia e o star system hol lywoodiano .Trata-se de uma ref lexão sobre a represen tação na míd ia con temporânea.O própr io fa to de a fo to ter s ido pub l icada pela L’Express é, para os diretores,u m s in to m a d e q u e a r ev o lu ção é t r a t ad a ap en as d e fo rm a s im p l i f i cad a , semn en h u m a co n t rad ição e sem ap resen ta r m in im am en te a d i a l é t i ca d o s p o d eres .D e ce r t a fo rm a , v i s to d e h o je , o f i lm e so a m esm o co m o u m a le r t a ao q u e osistema estaria fazendo aos movimentos revolucionários, simplif icando e “fagoci-ta n d o ” a s id é ia s e m n o m e d e s i m e s m o .

O f i lm e fo i co n s id e rad o u m a l i ção d e l e i tu ra d e im ag em p o r S u san S o n tag em seu

livro Sobre a fotografia , m a s t a m b é m f o i c o n s i d e r a d o u m e s t u p r o d e d o i sh o m e n s a u m a m u lh e r , u m a c a d a ve z , c o m o c o n t a G o r in s o b r e o c o m e n t á r iodo d i re to r iugoslavo Makavejev depo is de ass is t i - lo (MacBean , Film and 

Revolution , p. 176).

           1           1

            5

Page 117: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 117/120

            1            1

            6

ALMEIDA, Jan e d e. El am igo d e G laub er

( y d e Go d a r d ) . Miradas. Revista del audiovisu- 

al , n. 7. San Antonio de Los Baños, EICTV, 2004.

http:/ /www.miradas.eictv.co.cu/ 

content .php?id_ar t icu lo=255

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ . O a m ig o d e G la u b e r [e G o d a rd ].

Caderno Mais! d e Folha de São Paulo ,

2 0 / 0 6 / 2 0 0 4 .

h t tp : / /www1. fo lha .uol . com.br / fsp /mais / f s20062

0 0 4 0 4 % 2 e h t m

AUMONT, Jacques; DE GREGORIO, Eduardo e PIERRE,

Sylvie. Entretien a vec Carlos D ieg ue s. Cahiers 

du Cinéma . P a r is , n o v e m b r o / d e z e m b r o d e

1970. pp . 44-55.

BAUDRY, Pierre. La critique et Tout va bien. In: seção

“Ciné m a e lu t tes de c lasses en France ” ,

Cahiers du Cinéma . Par is , ju lho/ agos to de

1972. pp . 10-18.

BLOUIN, Patrice. Mémoire. Où est le cinéma polit ique?.

Cahiers du Cinéma . Paris, abril de 200 3.

pp. 10-12.

BON ITZER, Pascal. Fétichism e d e la te chn ique : la

no t ion de ‘p lan . Cahiers du Cinéma . Paris,

novembro de 1971. pp . 4-10 .

BORDW ELL, David e THOM PSO N, Kristin. Film Art: An 

Introduction . 2. ed. Ne w York, Kno pf, 198 6.

CARRO L, Kent. E. Film a n d Re volution : Inte rview w ith

the Dziga Vertov Group. Focus on Godard .

Coleção Film Focus, volume editado por Royal

S. Brown . Lon do n, Pren tice-Hall Inc. e Ne w

Jersey, Englewood Cliffs, 1972. pp. 50-64.

DAWSON , Jon athan . Let te r to Jane . Senses of Cinema.

h t t p : / / www. s e n s e s o f c i n e ma . c o m/  

contents /c teq/01/19/ le t te r .h tml

DIXO N, Wh ee ler. The films of Jean-Luc Godard. N e wYork, SUNY Press, 1997.

DONIOL-VALCROZE, Jacques; KAST, Pierre e RIVETTE,

Jacqu es . Le “Grou pe Dziga Ver tov (1)” e Deu x

film s : Coup pour coup , Tout va bien. In: seção

“Ciné m a e t lu t tes de c lasses” , Cahiers du 

Cinéma . Par is , maio/ junh o d e 1972. pp . 5-39 .

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ . Le “ Gr o u p Dz ig a Ve r t o v ”. In : s e ç ã o

“Ciné m a e lu t tes de c lasses en France ” ,

Cahiers du Cinéma . Par is , ju lho/ agos to de

1972. pp . 4-9 .

DUBO IS, Phi lipp e . Vide o th inks what c inem a crea te s .

Notes o n Jean -Luc Go dard ’s works in v ideo

and television. In: BELLOUR, R. e BANDYEM,

M. L. (ed.) Jean-Luc Godard. Son + Image.

New York, The Muse um of Mod ern Ar t , 1992.

pp.169-186.

FARBER, Manny. Negative Space . ed. am pl. New York,

Da Ca p o , 19 9 8 .

GO DARD, Jean -Luc, ROG ER J.-H. e Grup o D ziga

Vertov. Pravda. Bandes paroles. In: seção

“Ciné m a e lu t tes de c lasses en France” ,

Cahiers du Cinéma . Paris, julho/agosto de

1972. pp. 19-30.

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ , G O RIN , Je a n - Pie r re e G r u p o D zig a

Verto v. Ven t d ’Est. Band es pa roles. In: seção

“Ciné m a e lu t tes de c lasses en France” ,

Cahiers du Cinéma . Paris, julho/agosto de

1972. pp . 31-50.

GO O DW IN, Michae l, LUDD Y, Tom e W ISE, Nao m i.

The D ziga Verto v film g rou p in Am erica. Take 

One. The film magazine . Vol. II, n .10. Can ad á,

m arço/ab r il de 1970. pp . 8-27.

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ . T h e Dz i g a Ve r t o v f i l m g r o u p . I n :

“America: an interview with Jean Luc Godard

and Jean Pier re Gor in” , Cinefiles .

h t tp : / /www.mip.berke ley .edu/cgi -b in /  

cine_doc_detail .pl/cine_img?11165?11165?

GORIN, Jean-Pierre e Grupo Dziga Vertov. Bande

paroles de “Luttes en Italie”. In: seção “Cinéma

et luttes de classes”, Cahiers du Cinéma . Paris,

maio/ junho de 1972. pp .40-57.

GREEN, Ron . Dziga Verto v. Thre e rece nt f ilms: Pravda .

Take One. The film magazine . Vol. II, n. 11.

Ca n a d á , m a io / j u n h o 19 7 0 e p u b l ic a d a e m

 ju n h o d e 19 71. p p .13 -14 .HO BERMAN, J. Tout va Bien revisited. Tout va Bien 

DVD Booklet . New York, Criterion Collection,

2 0 0 5 .

In terne t Movie Database / IMDb:

ht tp : / /www. imdb.com

JONES, Kent. Letter to Jean-Pierre and Jean-Luc. Tout 

va Bien DVD Booklet . Ne w Yo rk, Criterion

Collection, 2005.

LEBENSOLD, Peter (ed.) . Dziga Vertov Notebook. Take 

One. The film magazine . Vol. II, n0

11.

Page 118: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 118/120

Ca n a d á , m a io / j u n h o 19 7 0 e p u b l ic a d a e m

 ju n h o d e 19 71. p p .7 -9 .

LESAGE, Julia. Jean-Luc Godard: A guide to references 

and resources . Lon do n, Geo rge Pr ior Ass .

Pub lishe rs e Boston , G. K. Hall & Co, 1997.

LUD DY, To m . Dziga Ver tov. Th ree rece nt film s: British Sounds . Take One. The film magazine. Vo l. II,

n . 11. Canadá , maio/ junho 1970 e

publ icada em junho de 1971. pp . 12-13.

MACBEAN, Jam e s Roy. Film and Revolution.

Bloomington, Indiana University Press, 1975.

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ . Vent d'Est , o r Go d a r d a n d

Rocha a t the Crossroad s . Sight and Sound. Vol.

40, N. 3, verão 1971. Editor: Penelope Houston.

MACCABE, Colin. Godard: A Portrait of the Artist at 

Seventy . New York, Farrar, Strau s an d Giroux,2 0 0 3 .

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ . Je a n - Lu c G o d a r d : A life i n s e v e n

ep isode s (to da te). In: BELLO UR, R. e BANDY,

M. L. (ed.) Jean-Luc Godard. Son + Image .

Ne w York, The Muse um of Mod ern Ar t , 1992.

pp.13-21.

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ . Godard: Images, Sounds, Politics .

Bloo m ingto n, Indiana Univers ity Press , 198 0.

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ . Po s ts cr ip t to M a y 19 6 8 . Tout va 

Bien DVD Booklet . Ne w York, CriterionCollection, 2005.

MELLEN, Joan . Vladim ir and Rosa. Cinéaste . Vol IV,

n. 3. Ne w York, inve rno 1970/71. p. 39.

RAMONE, François. Jean-Luc contre Godard.

Cahiers du Cinéma . Paris, abril de 20 03.

pp. 18-19.

RICE, Sus an . “Dziga Ver tov. Th ree rece nt film s. Vladim ir

& Rosa” em Take One. The film magazine .

Vol. II, n 0 11. Canadá , maio/ junho 1970 e

publ icada em junho de 1971. p . 14 .

SIMMO NS, Steven. Tout va bien. In: Film Comment .

Vo l.X, n 0 3. New York, ma io/ jun ho 1974.

p p . 5 4 - 5 9 .

SON TAG, Susa n. On Photography . New York, De lta,

1977.

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ . Sobre a Fotografia . São Paulo ,

Co m p a n h ia d a s Le t r a s, 2 0 0 4 .

THIRARD, Paul-Lou is. De ux films “Mao istes” ( Le pe u-

ple et ses fusils , Pravda). Positif . n. 14. Paris,

m arço de 1970. pp . 1-7.

THOMSEN, Christian Braad. Jean-Pierre Gorin

in terv iewe d. Film m aking and His tory.

Jump Cut, n . 3, 1974. pp. 17-19.

h t tp : / /www.ejumpcut .org /archive /onl inessays /  

JC03folder /Gor inIntThomson.h tml

ULMAN, Erik. Jean-Pierre Gorin” (versão empo rtugu ês) . Trad . : Priscila Ada chi.

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ . Je a n - Pie r re G o r in . Senses of 

Cinema . h t tp : / /www.sensesofc inema.com/  

contents /d i rec tors /03/gor in .h tml

WALSH, Martin. Godard and Me: Jean-Pierre Gorin

Talks. The Brechtian Aspect of Radical Cinema .

Lon do n, BFI, 1981.

WOLLEN, Peter. Readings and Writings: Semiotic 

Counter-Strategies . Lon do n, Ne w Left Books ,

1 9 8 2 .

            1            1

           7

Page 119: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 119/120

 Jane de Almeida é p rofessora da PUC/SP e do Programa de Pós-graduação emEducação, Arte e História da Cultura da Universidade Mackenzie. Foi professoraconv idad a da Univers idad e Harvard (20 05) . É curadora ind ep en de n te d e m ost rasde f i lmes e ar tes como Metacinemas, Est ra tég ias da Imagem e Ordenação e

Vertigem. José Carlos Avellar é c r í t i co d e c in em a e in t eg ran te d o co n se lh o d e r ed ação d a

revista Cinemais . Dirige a distr ibuidora de f i lmes Martim 21 e foi d iretor daRiofi lme de 1993-2000. Co-autor de trabalhos sobre o cinema brasileiro e lat ino-am er icano — en tre e les Le cinéma brésilien (Cen tre Pom pidou , Par is ) e Hojas de cine (Univers idad Autonoma Metropo l i tana, México) e também de vár ios l iv ros ,en t r e e l e s Deus e o diabo na terra do sol (ed . Rocco) e A ponte clandestina 

(Edusp) .

Kent Jones é cr í t ico de c inema da rev is ta Film Comment e d ir e to r d e p r o g ra m a ç ã odo Wal ter Read e The ater / Film Socie ty o f Linco ln Cen ter. É au to r de L’argent (BFIMod ern Class ics) .

 James Roy MacBean, c r í t ico de c inema, é au to r do l iv ro Film and Revolution 

( Ind iana Univers i ty Press) e de ar t igos pub l icados nas rev is tas Film Quarterly eSight and Sound.

Colin MacCabe é p ro fesso r d a U n iv e r s id ad e d e P i t t sb u rg h . MacC ab e esc rev euvár io s t r ab a lh o s so b re G o d a rd , co m o o a r t ig o “Jea n -Lu c G o d a rd : S o n + Im ag e”

(Catálogo do Museu o f Modern Art — MoMA) e os l iv ros Godard: Images,Sounds, Politics (Ma cMillan ) e Godard: a Portrait of the Artist at Seventy (Farrar,Strau s & Giro ux).

Erik Ulman é a u to r d e a r t ig o s so b re m ú s ica , c in e m a e lit e r tu ra p a ra r ev is ta s co m oPerspectives o f New Music e Senses of Cinema , ass im como para o l iv ro Sound 

as Sense . O rg an izo u co m Marc ia S co t t o p r im e i ro e o seg u n d o P o to F es t iv a l(20 04 -2005) , en con tro co m ar t is tas de vár ias m íd ias em Grass Val le y , Califo rn ia .

Page 120: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 120/120

   S   ã  o   P  a  u   l  o   1   6  a   2   1   d  e  a  g  o  s   t  o   d  e   2   0   0   5

   R   i  o   d  e   J  a  n  e   i  r  o   2   3  a   2   8   d  e  a  g  o  s   t  o   d  e   2   0   0   5

   B  r  a  s   í   l   i  a   3   0   d  e  a  g  o  s   t  o  a   4

   d  e  s  e   t  e  m   b  r  o   d  e   2   0   0   5

Banco do Brasil apresenta

a mostra de cinema  p  r  o   j  e   t  o  g  r   á   f   i  c  o  :  e  s   t  a  ç   ã  o