Grupo Dziga Vertov

120
 

description

Livro organizado a partir da mostra de filmes do Grupo Dziga Vertov que apresentou 7 filmes feitos nos anos 60 e 70 por Jean-Luc Godard e vários colaboradores em processo de produção coletiva. São filmes revolucionários, maoístas, experimentais. Também são chamados de “invisíveis” dada a dificuldade de serem exibidos e certamente de serem vistos, pois é exigido do espectador não apenas a disposição para o jogo de referências, mas também a afiliação às crenças revolucionárias. Antes de tudo, são filmes para serem ouvidos, pois são experiências valiosas a respeito do jogo dialético entre o som e a imagem.A mostra contou com a presença de Jean-Pierre Gorin, que dirigiu quatro dos filmes do Grupo Dziga Vertov e mais dois apenas com Godard: Tudo vai bem e Carta para Jane, ambos apresentados no evento. Gorin teve uma parceria efetiva com Godard e certamente foi a fonte intelectual de idéias contemporâneas do Grupo naquela época. A ele também é atribuído o fato de ter nomeado o Grupo como Dziga Vertov, como uma homenagem ao cineasta soviético. Até hoje para Gorin, e em sua prática cinematográfica mais recente, pois tem dirigido filmes extremamente sofisticados, trata-se de questionar as convenções por meio da gramática cinematográfica e não do idioma.Com exceção de Vento do Leste, todos os filmes eram até então inéditos no Brasil (2005). Com a proposta de fazer “politicamente o cinema político”, os filmes do Grupo Dziga Vertov são reação inequívoca ao americanismo. São peças cinematográficas, como disse Godard, “filmes dentro de filmes”, feitos com uma liberdade inspiradora. Eles trazem questões ainda abertas sobre o homem da segunda metade do século vinte, sobre seu mal-estar diante de sua imagem projetada e do aparato que o projeta. Mas, antes de tudo, são imagens feitas para mostrar o quanto cinema é som. (Jane de Almeida, organizadora)

Transcript of Grupo Dziga Vertov

Page 1: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 1/120

 

Page 2: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 2/120

Patrocínio e Realização

 Apoio Cultural

Page 3: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 3/120

Page 4: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 4/120

O Centro Cultural Banco do Brasil e x ib e o b ra s q u e , p o r s u a h e te ro g e n e id a d e ,

não só ab rem espaços p a ra a aná l ise da evo lução d a lingu agem c ine m atográ fica ,

como induzem à re f lexão h is tó r ica .

Os f i lmes que in tegram a Mos tra Grupo Dziga Ver tov resga tam uma produção

ra d ic a l d o s a n o s 19 6 0 e 19 7 0 d a q u a l p a r t ic ip a ra m Je a n -Lu c Go d a rd eJean-Pierre Gorin. No rescaldo das agitações polí t icas de maio de 1968, os

c in e a s ta s se u n iram a in te le c tu a is fr a n c e s e s e m to rn o d a s id é ia s d e Ma o

Tse-Tung para fo rmar o g rupo cu jo nome homenage ia o c ineas ta sov ié t ico

q u e re v o lu c io n o u a l in g u a g e m d o c in e m a n o s a n o s 19 2 0 . O Gru p o Dz ig a Ve r to v

ro m p e u d e fin it iv a m e n te c o m o c in e m a c o m e rcia l e , se g u n d o o p ró p rio Go d a rd ,

procurou es tabelecer uma nova unidade que produziria não fi lmes polít icos ,

mas "filmes políticos politicamente".

Des tas exper iênc ias co le t ivas pa r t ic ipa ram pensadores , a to res e ou tros c ineas tas ,en t re os qua is Danie l Cohn-Bendi t , Gian Maria Volon té , Yves Montand ,

J a n e F o n d a e a t é me s mo Gla u b e r Ro c h a . O p r in c ip a l p a rc e i ro d e Go d a rd ,

o a tivis ta polí t ico e c ineasta Jean-Pierre Gorin, na época editor do jornal

Le Monde , vem pe la p r imeira vez ao Bras i l apresen ta r os f i lmes rea l izados

pe lo Grupo . São obras ra ras , de d i f íc i l ex ib ição e a inda pouco conhec idas

do pú bl ico b ras ile i ro .

Vis tas em retrospecto, essas experiências são a inda hoje consideradas revolucionárias

em todos os sentidos . Acrescentaram inovações à l inguagem cinematográ-fica que, anos depois , viria a sofrer profundas mudanças a partir dos meios

e le t rôn icos . Ao ap resen ta r a ob ra com ple ta do Gru po Dziga Ver tov , o Banco d o

Bra s il p ro m o v e e e n r iq u e c e o d e b a te s o b re a m e m ó r ia e a h i s tó r ia d o c in e m a .

Centro Cultural Banco do Brasil 

Page 5: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 5/120

Abrindo latas de sopa Campbell’s 6Jan e d e Alm eida

O Grupo Dziga Vertov 14Colin MacCabe

 Jean-Pierre Gorin 36Erik Ulm an

O amigo de Glauber [e Godard] 50Jan e d e Alm eida

Vento do Leste o u G o d a r d e Ro c h a n a e n c ru z ilh a d a 58Jam es R oy M acBea n

Vento, barravento [G la u b e r e G o d a r d n a p o r ta d a u s in a Lu m iè r e ] 79Jo sé Carlos Avellar

Carta a Jean-Pierre e a Jean-Luc 89Ken t Jon es

Sinopses | Fichas técnicas 9 5

Bibliografia selecionada 116

Page 6: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 6/120

Page 7: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 7/120

Os filmes do Grupo Dziga Vertov e s t ã o s e n d oe xib idos pe la p r im eira vez n o Brasil. Devido a se uq u a se in e d i t i smo , su a c o mp le x id a d e e se u d e s lo -c a me n to t e mp o ra l , v á r i a s p e rg u n ta s f a z e m p a r t e

d e s s a p r o d u ç ã o d e s d e q u e a M o s t ra fo i co n c e b id a ,h á m a is d e d o i s a n o s .

Algumas de las : como mostra r um con jun to de f i lmes deex trema complex idade e que , de fo rma s impl is ta ,foram vistos como meros planfetos polí t icos pelacrítica cinematográfica, ou como extravagantes exer-cícios cinematográficos para o engajamento político?Com o introd uzir ao p úb lico brasile iro u m a e xpe riên -

c ia ún ica no c inema quan to ao desco lamento en t rea im agem e o som e o s e fe itos do p rocesso d ia lé t i-co p roduz ido pe la p roposta ( tendo e la s ido bems u c e d i d a o u n ã o ) , n u m m o m e n t o e m q u e s e d i s -cutem nacionalmente as polí t icas de financiamentod o c in e ma c o mo p a t r imô n io d o p o v o e o re to rn of inance i ro como resposta ao que se deve p roduz irco m o im a g e m ? Co m o fa la r d e u m a p ro p o s ta d e p ro -

dução coletiva contrária à assinatura autoral e quegera , como conseqüênc ia , uma sé r ie de mal-en ten-didos sobre a própria autoria dos fi lmes? Sem men-c ionar que um dos par t ic ipan tes é um dos maioresd ire to res da h is tó r ia d o c inem a e fo i e le m esm o u md o s re sp o n sá v e i s p e lo fe n ô me n o d o c in e ma d eautor. Por fim , com o aprese ntar film es fe itos há m aisde 30 anos sob uma in tensa po lêmica po l í t ica daqual os brasileiros foram forçados a se retirar?

São perguntas que pau tam essa pub l icação e às qua is e lacer tamente não conseguirá responder . Os a r t igosforam se lec ion ado s a p a r t ir de t rês ve r ten tes : o Gru-po Dziga Vertov e sua história , a re lação de Glaube rRocha com o Grupo e a p resença de Jean-Pie rreGo rin n a Mo stra . Espe ra-se q ue ela sirva de referên -cia inic ia l e de inspiração para novas questões quecertamente surgirão, a part ir de esclarecimentos e

mal-en tend idos abordados pe los au tores .

     6

    J   a   n   e

     d   e

    A     l   m

   e     i     d   a

     | 

   c   u   r   a

     d   o   r   a

A  b  r i   n  d   o 

l    a  t    a  s   d   e  s   o   p  a  C  a m

  p 

 b   e l   l   ’    s  

Page 8: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 8/120

Quando surge o Grupo Dziga Vertov , su rgem também outros g rupos, como o GrupoARC (Atelier d e re cherche ciné m atograph iqu e) e o grupo SLO N, de Chris Marker,a jud ado s pe las no vas tecno log ias de cap tação e m on tagem do s ciné-tracts —já qu eos pequenos f i lmes pod iam se r ed i tados na p rópr ia câmera , p romovendo a idé ia

da ausênc ia de au tor ia (ou de au tor ia ún ica ) em nome de um t raba lho co le t ivo .Assim, Um filme como os outros é o precursor da série , sem ainda ser creditadocom o p er tencen te ao g rup o Dziga Vertov1 . Só mais tarde, provavelmente depoisd e British Sounds , é que o grupo acaba se intitulando “Dziga Vertov”, por influên-cia de Jean-Pierre Gorin. Com Vento do Leste , o g rupo se es tabe lece , e Godardanu ncia q ue para o c ine asta soviético Vertov a d efinição de Kinoki não é “cineas-ta”, mas sim “operário do filme”, diferenciando moviemaker d e film worker 2 .

Ao lado d e Jean-Luc God ard e d e Jean-Pierre Gorin, a lgun s ou tros m em bros t iveram pa r-

t ic ipações mais freqüentes, como as de Jean-Henri Roger, responsável por British Sounds e Pravda , que escreveu roteiros e dirigiu com Godard; o fotógrafo PaulBurron ; Gé rard M artin , a lgum as vezes c itado com o co -diretor de Vento do Leste ; eAnne Wiazemsky, na época casada com Godard e a triz de vários dos fi lmes pro-duzidos pelo Dziga Vertov. Outros part ic ipantes estiveram ao redor desse movi-m en to e não se sabe qu a l fo i exa tam ente sua con tribu ição , o q ue , de ce r ta fo rm a ,refle te a proposta coletiva de fazer c inema. Ironicamente , a despeito do desejoco labora t ivo , os f i lmes são gera lmente comentados e ana l isados apenas como

parte da f i lmograf ia de Godard . Outra conseqüênc ia é que a té há pouco tempoe les p a recem te r ficado à de r iva n as d ist ribu ido ras , qu e n ão sab iam a q ue m ped iros d i re i tos de ex ib ição . Est ivemos por a lgum tempo sem nenhuma p is ta sobrecomo consegui-los, a té que, depois de um festival de fi lmes polí t icos em Nantes,e m 2 0 0 3 , a G a u m o n t n o s re s p o n d e u 3 . Um p ro b le m a p a re cid o su rg e n o m o m e n -to de c itar os créditos, pois às vezes toda a ficha técnica fica resumida ao GrupoDziga Vertov , com um ou ou tro nome agregado . Em casos ex t remos, como notexto de Jam es MacBean sobre Vento do Leste aqu i pu blicado , os film es são cred -itados apenas a Jean-Luc Godard.

Em vez de c red i ta r os f i lmes apenas ao “Grupo Dziga Vertov” , op tamos por pub l ica ru m g u ia d e c ré d i to s a p re se n ta n d o re fe rê n c ia s d e fo n te s d i fe re n te s . S e p o r u m

    7

[ 1 ] O próp r io G od ard ad m ite em en t rev is ta para Kent E . Car ro l, pub licada em “Film and revolu t ion : In te rv iew wi ththe Dziga Ver tov Group” , em Focus on Godard , Ne w Jersey, Pren tice-Hall, Inc, 1972 . p.53 , qu e Um filme como os 

outros é o pr imei ro da sé r ie de f i lmes revoluc ionár ios que hav ia fe i to .[ 2 ] Na mesma en t rev is ta a Car ro l concedida em ing lês em 1970 , p . 50 .[ 3 ] O s Cahiers du Cinéma comentam esse prob lema quando escrevem sobre o Fes t iva l de Nantes . Pa t r ice BLOUIN,

Mémoire. Où est le cinéma poli t ique?, Paris , abri l de 2003. pp. 10-12.

Page 9: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 9/120

lado isso parece contraditório com os propósitos do Grupo, por outro traz umpo uco da h is to r ic idad e d o p rocesso e de su a recepção , a lém de , de a lgum a form a ,elencar subjetivida de s e ab orda r que stões so bre o fazer coletivo. Ao se pe nsa r nocaminho traçado pelos fi lmes do Grupo, ta l in ic ia tiva parece a té coerente . Cada

film e ten ta respo nd er que stõe s pen den tes dos an te r io res e , quase no fim , em Tudo vai bem (q u e n ã o é m a is u m film e d o g ru p o , m a s d e Go d a rd e d e Go r in e a s simassinad o) , a conclusão sob re o coletivo, proven ien te de um a de cepção inicia l comas organizações de trabalhadores, é de que a grande história é construída pelahistória individual. De certa forma, esse é também o procedimento de Carta para Jane.Ho je , é m a is c o m u m p e n sa r q u e o Gru p o a co n te ce u p o r e s fo rço e d e se jo d eGodard e de Gorin . Ao pergunta rem a e le e a Godard quan tas pessoas faz iamparte do Grupo Dziga Vertov, Gorin respondeu, numa entrevista em 1970: “Neste

m o m e n to , d u a s , ma s n e m n ó s t e m o s c e rt e za . Exis te u m a a la d a e sq u e rd a e u m aala da dire ita . Às vezes, e le é a esq ue rda e e u so u a d ire ita , é u m a qu estão d e p rati-cidade”.4 Co m p le m e n ta n d o , Go d a rd n e ssa é p o c a d e c la ro u e m vá rio s m o m e n to squ e t raba lhar em grup o e ra um a form a d e d est ru ir a d i ta tu ra do d ire to r.

D e p o is d e m a is d e 3 5 a n o s d e s d e o s e u i n íc io , te n d o s id o im e d ia t am e n t e r e c e b id o sc o m c e r to fu ro r p e lo s p r im e iro s e sp e c ta d o re s e lo g o se n d o re le g a d o s a o lim b o ,qualificados como “extremistas” , “radicais” , “ inassist íveis” , demasiadamentep o l it iz a d o s p a r a o s a m a n t e s d o c in e m a e ta m b é m d e m a s ia d a m e n t e e s te t iz a n te s

pa ra o c ine m a po lít ico fe i to n a ép oca , e sses f ilm es re to rn am em con jun to — se jae m a p re se n ta çõ e s , se ja c o m o p a r t e d a c in e m a to g ra fia d e Je a n -Lu c Go d a rd , se jae m h o me n a g e n s q u e a p re se n ta m a f i lmo g ra f i a d e Je a n -P ie r re Go r in o u se j aa in d a d e n t ro d e u m a t e m á t ic a p o l ít ic a so b re o s a n o s 19 6 0 e 1 9 7 0 . S ã o p o u c a sa s v e ze s e m q u e a c o n te c e u m a m o s t ra d e film e s “ Gru p o Dz ig a Ve r to v ”, a p e n a s ,e , po r isso , o utra q ue stão s e faz nece ssária : o q ue sign ifica ho je a ssisti- los ? An tesd e t e n ta r e n q u a d rá - lo s e m u m a p e rsp e c tiva m a is te m p o ra l, q u e o b r ig a o re c e p -to r a t e n ta r e n te n d e r o o b je to d e f ru iç ã o p o r me io d o q u e e l e c a r re g a d o se ute m p o , e s t e s film e s sã o e x p e r iê n c ia s s in g u la re s so b re a s c o n se q ü ê n c ia s id e o ló g -

ic a s d a q u ilo q u e se e sc o lh e c o m o fo rm a . Le v a m Bre c h t p a ra a lé m d o d is t a n c i-a me n to e d o e s t ra n h a me n to , d a n d o c o n t in u id a d e à p ro p r i a l i ç ã o b re c h t i a n a d e

     8

[ 4 ] “For the moment two, bu t we a re no t even sure . There i s a l e f t wing and a r igh t wing . Somet imes he i s the le f tan d I am the r igh t , it is a q ue stion of practice.” Em Micha el GO O DW IN, Tom LUD DY e Na om i WISE. The Dziga Verto vfi lm group in America, Take One. The film magazine , vol . II , n.10. Canadá, março/abri l de 1970. pp. 8-27. Ou em TheDziga Vertov fi lm group, em “America: an interview with Jean-Luc Godard and Jean-Pierre Gorin”, Cinefiles .Versão na In te rne t : h t tp : / /www.m ip .berke ley.edu /cg i-b in /c ine_ do c_d eta i l.p l/c ine _ im g?11165?11165?1

Page 10: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 10/120

q u e o p ro b le m a d a fo rm a é e m s i o p ro b le m a d a p o lít ic a . E n is so t ra z e m o f re s -c o r d a lib e rd a d e c o m q u e fo ra m fe ito s , n o c o n t ra s te o u sa d o d a s c o re s d e q u e mfaz ia f i lmes para se rem v is tos e não para se rem l idos , como ins is te Gorin aoa rg u me n ta r c o n t ra r i a me n te so b re o p ro c la ma d o f im d a e sc r i t a 5 . Em to d o s o s

n o v e film e s , e m m a io r o u m e n o r in t e n s id a d e , o s o m e a im a g e m s ã o e le m e n -to s a u tô n o mo s q u e à s v e z e s d a n ç a m e à s v e z e s b r ig a m. Ne sse se n t id o , aacusação de verborrag ia panf le tá r ia é uma acusação pouco re f le t ida , de ump o n to d e vis ta a p re ssa d o , so b re a q u ilo q u e se a p re se n ta . Há u m a p r im e ira ca m a -d a c o m a p re se n ç a ma c iç a d e fa l a s , ma s a t é p e la c o mp le x id a d e d o q u e e l a sp ro p õ e m o e sp e c ta d o r f i c a n a p o s iç ã o d e a d mi t i r q u e h á o u t ra s c a ma d a s ase re m p e rce b id a s p o r c o n e xõ e s in e sp e ra d a s q u e lh e fo ra m d e sp e r t a d a s .

É mui to ra ro ver a lgum f i lme de ca rá te r po l í t ico que tenha levado tão longe sua p ro-

po sta , ta l com o f ize ram os f ilm es d o Grup o Dziga Vertov. É c la ro q ue de po is dafase polí t ica mais estudanti l , de prolongadas e arriscadas tentativas polí t icas ter-ro r is tas , do c resc imento das ideo log ias consumistas , do cu l t ivo de uma posiçãoin d e p e n d e n te c o m o id e a l su b je tivo , é d ifíc il p a ra o h o m e m c o m u m c o n te m p o râ -n e o se v e r n o g ru p o d o “ b u rg u ê s” o u d o “ t ra b a lh a d o r” , j á q u e e l e d e sd e se m-pre es teve em ambos. Mas desde en tão , os f i lmes mais po l í t icos , con trá r ios aop o d e r , t ê m s id o t ã o c o n te u d i s t a s , t ã o d e sp re o c u p a d o s n o p e n sa r a fo rma ( seq u ise rm o s , su b m e t id o s à q u ilo q u e Ho lly wo o d d e fin e c o m o fo rm a ) , co m le itu ra s

t ã o s im p lific a d a s d o p o d e r , q u e p a re c e t e rmo s p e rd id o o e lo e n t re o q u e a c o n -t e ce u n a é p o c a d o G r u p o e o q u e a co n t e ce h o je . Há n e s s e s e n t im e n t o d e p e r d ao d e s e jo d e u m a e v o lu ç ã o q u e n e m s e m p r e a c o n te c e . Co n t u d o , re v e r e r e p e n -sa r e s se s film e s p a ra a lé m d e u m se n t im e n to n o s tá lg ic o p o d e fa ze r m o v im e n ta rcade ias d e ligações não pe rceb idas , m as já consideradas es tabe lec idas , p r inc ipa l-m e n t e s o b r e o m u n d o q u e c o n s tru ím o s d e p o is d e m a io d e 19 6 8 .

O pr imeiro dos f i lmes, Um filme como os outros , m o s t ra u m a e xp lo s ã o d e im a g e n sd o s ciné-tracts d e m a io d e 19 6 8 e m p r e to - e -b r a n c o e n t r e co r ta n d o a d i sc u s sã oestud an t il sob re as lu tas de c lasse s . Ele é o p recursor d o f ilm ar co le t ivo na ob ra

d e Go d a rd e p a r t e d e d isc u ssõ e s p o lít ic a s e n t re Go d a rd e Go r in 6 . A con cep çãod e sse f i lma r q u e n ã o mo s t ra a s id e n t id a d e s , n a me d id a e m q u e p r iv i l e g ia a sfa la s e m d e t rim e n t o d o s r o s to s d o s p e r s o n a g e n s , já é e m s i u m p r o c e d im e n t od a f o rm a d e p e n s a r q u e t o m a r á co r p o n o s p r ó xim o s film e s . N o e n t a n t o , o c o n -

     9

[ 5 ] Gorin em en t rev is ta para Jump Cut : Christ ian Braad THOMSEN, Jean-Pierre Gorin interviewed. Filmmaking andHis tory , n . 3 , 1974 . pp . 17-19 . h t tp : / /ww w.e jum pcut .o rg /a rch ive / on line ssays / JC03fo lde r /Gor inIn tThom son .h tml[ 6 ] Afi rmação de Gor in em Jump Cut .

Page 11: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 11/120

t ra s t e e n t re a p a isa g e m p a s to r il c o lo r id a e c a lm a d o s d e b a te d o re s e a s im a g e n sd e b o mb a s e g re v e s d o s t r a b a lh a d o re s g e ra a p r in c íp io d u a s in t e rp re ta ç õ e s :u m a , a r e sp e i to d a s d ife re n ç a s e n t re a s p ró p r ia s c la sse s (o u se ja , u m a q u e p o sap a ra o film e ) , e o u t ra , q u e “ p o sa ” p a ra a lu t a . A se g u n d a a b re o p ro b le m a q u e

s e r á a d ia n t e q u e s t io n a d o p e lo G r u p o — c o m o e m Lutas na Itália — a respeitoda rea l idade da teor ia e da rea l idade da p rá t ica .

O p ró x imo f i lme , British Sounds , fo i fe i to n a In g la t e r ra lo g o a p ó s One Plus One ed e s d e o p r i n c í p i o d e c l a r o u - s e o d e s e j o d e f i l m a r e m c o n j u n t o . R o g e rt ra b a lh a c o m G o d a r d e o m a o ís m o d á o t o m m a is fo r t e d o e s q u e m a p o lít ic od a f i t a . A c o r d o f i l m e é v e r m e l h a e o s o m é o d a r e p e t i ç ã o . A s s e i ss e q ü ê n c i a s , m e s m o q u e d e c l a r a d a m e n t e p o l í t i c a s , n ã o d e i x a m d e s e r a p r e -s e n t a d a s c o m c e r t a ir o n i a e c e r to h u m o r n o jo g o c o m c lic h ê s r e v o lu c io n á r io s ,

c o m o a b a n d e i r a s e n d o r a s g a d a n a a b e r t u r a e a m ã o e n s a n g u e n t a d ae m b u s ca d a b a n d e i ra v e rm e lh a n o f im . A ir o n ia r e v e la e m s i o i n cô m o d o d ep a r t ic ip a r d e d u a s p o s iç õ e s , u m r e cu r s o u s a d o c o m fr e q ü ê n c ia p o r G o d a r d .A l i á s , o n ú c l e o d o f i l m e é c a r r e g a d o d e c e n a s i r ô n i c a s , c o m o a c e n a d ol o c u t o r d e t e l e v i s ã o q u e p a r t e d e u m a p o s i ç ã o l i b e r a l p a r a a n u n c i a r p r e c o n -c e i t o s e n t r e c o r t a d a p o r c e n a s d a r e a l i d a d e b r i t â n i c a q u e n ã o a c o m p a n h a ma f a l a d e s s e m e s m o l o c u t o r . P o r é m , s e p e n s a m o s n a s e r i e d a d e d o s o mr e v o l u c i o n á r i o c o m q u e o f i l m e t e r m i n a , e m s i n c r o n i a c o m a i m a g e m , s e u

c o n t r a s te c o m e s s a i ro n ia p a r e c e r e v e l a r u m a c e r t a h e s it a çã o e n t r e o G o d a r dd e Alphaville e o G o d a r d r e v o l u c io n á r io .Vento do Leste , d e p o is d e Pravda , é o p r ó xim o d a s é r ie . To d o e le é t o m a d o p e la v o z

d o g ê n io m a lig n o q u e , co m e xc e çã o d e Tudo vai bem , p e r m a n e c e rá a t é Aqui 

e acolá. N a r e a l i d a d e s ã o v o z e s ( n o c a s o d e Vento do Leste , f e min in a ) , ma su m a e m e s p e c i a l c u m p r e a f u n ç ã o d e a l t e r i d a d e d i a l é t i c a q u e , c o m o u m f i op r in c ip a l , g a ra n te a e s t ru tu ra d o s f i lme s . E g a ra n te t a mb é m a su a d e sc o n s -t ru ç ã o n o se n t id o ma i s fo rma l . Ao s p o u c o s , o d e sc o la me n to id e n t i f i c a tó r ioe n t re s o m e im a g e m t o m a o s film e s , e t a m b é m a o s p o u c o s o s s o n s g a n h a m

vida p rópr ia . Vento do Leste é u m f i l m e m a i s v i g o r o s o , c o m q u e s t õ e s e ma b e r t o . A v o z d o g ê n i o m a l i g n o r e s p o n d e a British Sounds s e m h e s it aç õ e s ea b r e t o d o u m c a m i n h o d e e x p e r i ê n c i a s — u m a d e l a s c o m a p a r t i c i p a ç ã o d eGla u b e r Ro c h a . Go r in e x p l i c a q u e , a o e l a b o ra r a c e n a c o m I sa b e l P o n s , ag a r o t a g rá v id a c o m a c â m e r a , tr a n s fo r m o u -a n a m e t á fo r a d a s d ific u ld a d e s ee s p e r a n ç a s d a é p o c a q u e e n c o n t r a n a e n c r u z i l h a d a a i m p o s s i b i l i d a d e d ac o n c i l i a ç ã o e n t re o s t ro p ic a l i s t a s d o Te rc e i ro Mu n d o e o s c o n c e i tu a l i s t a s d oP r i m e i r o q u a n t o à r e v o l u ç ã o d o m e i o . I m p o s s i b i l i d a d e m a r c a d a p e l o s t r ê s

p a s s o s h e s it a n t e s d a g r á v id a n a d ir e ç ã o in d ic a d a p o r G la u b e r e lo g o d e p o is o

     1     0

Page 12: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 12/120

s e u r e t o r n o d e s s e c a m i n h o 7 . A vo z d e G la u b e r ca n t a e in d i ca o c a m i n h o d o“c inema per igoso , d iv ino e marav i lhoso” . Daque la época .

O Bra s il e n t ra v a n a fa se m a is a t e r ro r iz a n te d a d it a d u ra p o lít ic a . No sso c in e m a é c e n -su ra d o , n o sso s p e n sa d o re s sã o p re so s , t o r tu ra d o s , v ã o p a ra o e x í l io — e o

Br a s il fic a s e m o d iá lo g o e n t re o d e n t r o e o fo r a q u e t in h a a c a b a d o d e r e t o m a rd a t r a d iç ã o mo d e rn i s t a . G la u b e r n ã o d e ix a d e f i lma r e se u f i lme Der leone 

have sept cabeças é c la ra m e n te u m a in f lu ê n c ia d o Gru p o Dz ig a Ve r to v , c o m on o ta Je a n -P ie r re Go r in e Jo sé Ca r lo s Av e l l a r , q u e , e m a r t ig o a q u i p u b l i c a d o ,t a m b é m s u g e r e u m a t r o c a m a i s a f i n a d a d e i n f l u ê n c i a s c o m s o l u ç õ e s d e s e n -c o n t r a d a s e n t r e a s c i n e m a t o g r a f i a s d e G l a u b e r e G o d a r d , d o P r i m e i r o e d oTe rc e iro Mu n d o s .

As s is tir a e s s e s film e s h o je é c o m o p o d e r ve r u m a p a r te p e r d id a d e u m a im p o r ta n t e

d is cu s s ã o q u e t a lve z p u d e s s e t e r a lim e n t a d o u m a lin h a d e c in e m a u m p o u c oa b a n d o n a d a p e l o s e s p e c t a d o r e s e p e l o s p r o d u t o r e s d e f i l m e s , c u j o p r o j e t oe s t é t ic o in c lu i a r e fle t iv id a d e d o a p a ra to e a e xp e r im e n ta çã o fo rm a l d o c in e m a .Uma l in h a q u e u n e Má r io P e ix o to a Jú l io Bre ssa n e e q u e , i ro n ic a me n te , n a d atem a ver com o chamado c inema “po l í t ico” . Ta l l inha inc lu i Glauber , masp a re c e q u e é o “ p o lít ic o ” d e G la u b e r , n a q u ilo q u e d iz r e sp e ito à in t e rp re ta ç ã om a is c o m e rc ia liz a d a d e su a e s t é t ic a d a fo m e , q u e t e m s id o c u lt iv a d o n o n o ssoc in e ma . Uma p e n a , p o i s i s so d imin u i a d iv e r s id a d e d e l e i tu ra s d a c o mp le x i -

d a d e d o m u n d o .Os f i lmes do Grupo Dziga Vertov , ho je menos importan tes po l i t icamente — no qued iz respe i to ao aspec to po l í t ico mais ev iden te , po is de ce r ta fo rma a esco lhaesté t ica é em s i um a to po l í t ico — e mais in te ressan tes exper imenta lmente , sãoa q u i lo q u e o c in e m a p o d e c o n s id e r a r co m o s it u a çã o l im ite , n a m e d id a e m q u ea inda são considerados f i lmes e se u t i l izam do apara to c inematográ f ico básico :pe l ícu la , p ro je to r , te la , cade i ra , sa la escura , b i lhe tes pa ra en t rada , tempo c ine-m a to g rá fic o t ra d icio n a l. No e n ta n to , o q u e se vê n a t e la é m u i to m a is p ró xim od a q u i l o q u e h o j e s e v ê c o m f r e q ü ê n c i a e m m u s e u s e m t e m p o r e d u z i d o : a s

c h a ma d a s in s t a l a ç õ e s , q u e fo ra m ma i s f r e q ü e n te s e m v íd e o e h o je sã o fe i t a s      1     1

[ 7 ] Correspondênc ia por e -mai l . “Foi a minha namorada da época , I sabe l Pons , que eu co loque i para encont ra r

Glaub er na e ncruz ilhad a e cu ja g rav ide z t ransformei num a m etáfora de nossas d ificu ldad es e espe ranças , m unindo -a

d e u m a c â m e r a ; G la u b e r e s t á n e s t a c e n a p o r q u e R ap h ä e l S o rin e e u fo m o s p r o c u r á -lo e m Ro m a , e o p r o ce d i m e n t o ,

o “ ro te i ro” qu e capac itou G laub er a im provisar suas fa las , a idé ia de tê -lo na encruz ilhad a im provisand o m us ica lm ente

em c im a d o “c inem a d o Terce iro Mun do ” é m inha ; e es ta imp oss ib i lidad e d e e ncont ro e n t re os t rop ica lis tas do Terce iro

Mund o e o s conce itua lis tas do Pr im ei ro em busca de u m a revolução do m eio , m arcada pe los três passos hes i tan tes de

Isabe l na d i reção ind icada po r Glaub er e o seu re torno a o cam inho pe lo q ua l e la ve io , eu q ue a r t icu le i… ”

Page 13: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 13/120

com mate r ia l d ig i ta l . São vár ios f i lmes den tro de cada f i lme , fe i tos com umad i sp o n ib i lid a d e d e m a te r ia l b a ra to , c ria n d o im a g e n s d e im a g e n s re c ic la d a s d e n -t ro d o s p ró p r io s f i lme s . Na d a ma i s “ p o p ” d o q u e a s imp re ssõ e s d a lu z d o so ln a t e l a e sc u ra , o s c a r t a z e s c o m e sq u e ma s e sc r i to s , o s q u a d ro s v e rme lh o s e a s

t i ras recor tadas de pe l ícu las em Vento do Leste . O s m o v i m e n t o s e c o n ô m i c o sma te r i a i s d o c in e ma e d a s a r t e s p l á s t i c a s sã o c o n t rá r io s . En q u a n to o c in e mac u s ta mu i to e é v e n d id o a p re ç o b a ix o , a s a r t e s p l á s t i c a s c u s ta m g e ra lme n temu i to p o u c o e sã o v e n d id a s a a l to p re ç o . Ne sse se n t id o , o s f i lme s d o Gru p oa c o m p a n h a m a a r t e co n te m p o râ n e a , a o u t iliz a r a o m á xim o o m a te r ia l c o t id i a n od a q u ilo q u e e s t a v a a li p re se n te , e m lu g a r d e p ro p o r o a ca b a m e n to cu id a d o q u eé e xig id o c a d a v e z m a is in t e n sa m e n te p e lo c in e m a . Ke n t Jo n e s , e m a r t ig o a q u ip u b l i c a d o , u sa a me tá fo ra d e Go r in d o “ a b r id o r d e l a t a s” (“ Nó s f i z e mo s e s t e

film e d a m e sm a m a n e ira q u e v o cê fa ria u m a b r id o r d e la t a s”) p a ra d e sc re ve r op ro c e sso a r t e sa n a l c o m q u e o s f i lme s fo ra m fe i to s . F a z e r u m f i lme c o mo u ma b r id o r d e la t a s é d o tá -lo d o p o d e r d e se rv ir d e fe r ra m e n ta p a ra a b r ir a q u i lo q u es e a p r e s e n t a h e r m e t i c a m e n t e f e c h a d o , c o m o a i m a g e m d e J a n e F o n d a n oVie tn ã . S e p e n sa d o s c o mo u m a r t e fa to “ p o p ” , o s f i lme s n ã o se c o n te n ta m e ma p re se n ta r a n o v a c u l tu ra o u re v e la r a r e a l id a d e d o c o n su mo . Me smo l a t a s d eso p a Ca m p b e ll’s d e v e m se r a b e r ta s .

Em e n t re v is ta s d a é p o c a c o m o Gru p o , g e ra lm e n te re p re se n ta d o p o r Go d a rd e Go r in ,

e ram fe i tas vá r ias pe rguntas a respe i to da aud iênc ia para a qua l aque les f i lmese ra m d ir ig id o s . A d u p la re a lm e n te se p re o c u p o u c o m e ssa q u e s tã o a o p ro d u z irTudo vai bem . Ap e sa r d a p re se n ç a d o s a to re s f a mo so s , d o c u id a d o c o m oa c a b a m e n to , n a é p o c a o film e n ã o fo i b e m -su c e d id o n e m p ú b l ic a , n e m c rit ic a -me n te . Ve n d o -o h o je , e s sa p re o c u p a ç ã o se to rn a se m se n t id o e a p re c ia mo s ofa to de e le te r s ido fe i to . Sem quere r d ize r que e le a f ina l tenha a lcançado suaa u d iê n c ia , o u q u e a s o b ra s d o G ru p o Dz ig a Ve r to v te n h a m a g o ra a t in g id o u mp ú b l i c o , a o se p e n sa r a s p o l í t i c a s d e a p o io e f in a n c ia me n to a o c in e ma se r i ab o m q u e fo s s e p o s s íve l a rg u m e n t a r ta m b é m n o s e n t id o d o e ixo p a r a d ig m á tic o ,

p e rg u n ta n d o : q u a n ta s g e ra çõ e s ve rã o e sse s film e s?      1     2

Page 14: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 14/120

Page 15: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 15/120

 Tanto o filmeOne Plus One co m o o One A.M . fo ramf in an c iad o s p a ra se rem ex ib id o s n o c in em a e ,ap esa r d a ex p er im en tação fo rm al e d o can sa t iv oc o n t e ú d o p o l ít ic o d o s m e s m o s , p o d e -s e im a g in á -

los como sendo f i lmes teat ra is . É imposs ível ,p o rém , im ag in a r o s c in co f i lm es seg u in tes d eG o d a r d f o r a d o â m b i t o d a s a l a d e a u l a o u d ar e u n i ã o p o l í t i c a , m a s t o d o s , c o m a p e n a s u m aexceção , fo ram fei tos para ex ib ição em te lev isão .

A h i s tó r i a d a p ro d u ção fo i sem elh an te em to d o s o scaso s . U m a em isso ra eu ro p é ia d e t e lev isão co m is -s io n a o g r a n d e c in e a s ta p a r a fa z e r u m d o c u m e n t á -

r io so b re a lg u m a a tu a lid a d e d a p o lít ica e d e p o is sen e g a a ve icu la r o film e p o r a lg u m m o t ivo t écn ico .T o d o s o s f i lm es , d e m an e i ra b em s im p les , s ão“ in ass is t ív e is” – a p rem issa d e cad a u m é a d e q u ea im a g e m n ã o c o n s e g u e fo r n e c e r o co n h e c im e n t oq u e o f i l m e p r o m e t e ; q u e a c â m e r a n ã o é u mm e i o d e c a p t a ç ã o n e u t r o d e r e a l i d a d e , m a s s i mu m e l e m e n t o e s s e n c i a l n a r e a l i d a d e q u e e s t á

s e n d o r e p r e s e n t a d a . Ele s d e m o n s t ra m a r e a lid a d ed a c â m e r a d e fo r m a c o n s t a n t e , p r in c ip a lm e n te p o rm e i o d a ê n f a s e d a d a a o s o m , q u e n ã o f u n c i o n am e r a m e n t e c o m o u m c o m p l e m e n t o i n v i s í v e l àim a g e m , m a s co m o e le m e n t o in d e p e n d e n t e .

Esses film es foram classificado s po r Jea n-Pierre Go rin co m oO VN Is, Ob je tos Visu ais Não Ide n tificad os , e tal de scri-ção n ão é de todo ruim . É difícil lem brar algum para-le lo na h is tó r ia do c inema. Nunca nenhum ou tro

diretor de f i lmes comuns decidiu usar cinco orça-mentos comerciais para fazer experiências com some im agem , e n unca n enh um d ire to r expe r im en tal fezcinco fi lmes que ainda são reconhecíveis dentro dogêne ro de docum en tários sob re “assun tos a tuais”. Opróprio Godard declara que eles não são ”fi lmes”, *

     1     4

     C   o     l     i   n    M   a   c     C   a     b   e

     ©

 O   G 

r  u   p  o 

D z 

i     g  a 

 V  e r  t    o 

 v 

E m

 G

 o d  ar  d :  A P 

 or  t r  ai  t   of   t h 

 eA r  t i  s  t   a

 t   S  ev 

 en

 t  y 

© 2003 po r MacCabe , Colin ,in: Godard: A Portrait of the Artist at Seventy. Reimpressocom a permissão de Wylie

Agen cy Inc.[ * ] Jogo fe ito com a p a lavra em inglês “m ovie” . (N. do T. )

Page 16: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 16/120

mas admite que e les con têm alguns ”movimentos” in teressan tes . Consideradosco m o d o cu m en tá r io s co n v en c io n a i s , s ão “ in ass i s t ív e i s” ; co n s id e rad o s co m oe xp e r iê n c ia s d e s o m e d e i m a g e m , e le s c o n t ê m liç õ e s q u e s ã o a in d a m a is r e le -va n t e s h o j e d o q u e q u a n d o fo r a m fe ito s .

O pr imeiro desses f i lmes fo i fe i to na Grã-Bretanha e sua p rogramação es té t ica fo id e c la rad a n a ca r t e la o n d e , ap ó s a p a lav ra British (b r itân icos) , a pa lavra Images ( im ag en s ) é r i scad a e su b s t i tu íd a p e la p a lav ra Sounds ( so n s ) . O f i lm e é co m -p o s t o p o r s e is lo n g a s s e q ü ê n c ia s : u m a lin h a d e p r o d u ç ã o d e a u t o m ó v e is ; u m am u lh e r n u a a n d a n d o p o r u m a c a s a ; u m a m a n ife s t a çã o d ir e it is ta d e n u n c ia n d o aim ig ração , u m g ru p o d e t r ab a lh ad o res f a l an d o so b re o cap i t a l i sm o ; u m g ru p od e es tu d an tes d e Essex, n a In g la t e r ra , ten tan d o esc rev er u m a l e t ra r ad ica l p a rau m a d a s m ú s ic a s d o s Be a t le s ; e u m a m ã o e n s a n g ü e n t a d a s e e s t ic a n d o p a r a a l-

c a n ça r u m a b a n d e ira ve r m e lh a . O s o m e a im a g e m n u n c a s e e n c o n t ra m n u m arelação convencional .E n q u an to seg u im o s p e la in t e rm in áv e l l i n h a d e p ro d u ção d e au to m ó v e i s , o u v im o s

seq ü ên c ias d e O Manifesto Comunista , m as es t a s são q u ase im p o ss ív e i s d e seo u v i r d ev id o ao b a ru lh o en su rd eced o r p ro d u z id o p e la l i n h a d e m o n tag em q u enão pára de t rabalhar . A mulher nua anda em to ta l s i lêncio pela casa , enquan toum dos p r imeiros tex tos b r i tân icos femin is tas , escr i to por Shei la Rowbotham, él id o n a t r i l h a so n o ra . D i fe ren tem en te d a p r im e i ra seq ü ên c ia , h á u m m o m en to

e m q u e o t e xto p o d e s e r e n t e n d id o c o m o d e s criç ã o d a im a g e m , m a s e n t ã o a m u -lh e r p eg a o t e l e fo n e e co m eça a r ep e t i r a lg u m as d as p a lav ras d e R o w b o th am ,n u m e s t r a n h o c o n t r a p o n t o c o m a v o z over . O o rador neofascis ta se d i r ige àcâm era n a fo rm a c lás s ica d e ab o rd ag em d ir e ta co m u m à t e lev isão , m as é im p o s -s ív e l f aze r u m a l e i tu ra d e so m e im ag em em co n ju n ção , em p ar t e p e lo ch o q u esen t id o ao o u v ir o r ac ism o sen d o a r ticu lad o d e u m a p o s ição d e a u to r id ad e lib e -ra l , e em p ar t e p o rq u e as im ag en s d a G rã -B re tan h a q u e p o n tu am seu d i scu r so ,no fo rmato c láss ico da repor tagem de no t íc ias , não fo rnecem uma ”i lus t ração”da qu ilo q ue e le e s tá d izen do . A conversa so bre a p o l ít ica en t re os funcion ár ios d e

u m a fáb r ica d e au to m ó v e is em C o w ley , p e r to d e O xfo rd , n u n ca co m b in a o so mco m a im ag em ; a câm era n ão fo ca liza a p esso a q u e e s tá fa lan d o , so m en te aq u e -l a s q u e es t ão o u v in d o . E n q u an to a seq ü ên c ia co m o s es tu d an tes d e E ssex n ãotem n en h u m a to m ad a d e p esso as f a l an d o in d iv id u a lm en te , a câm era f i lm a og ru p o n a su a p ro cu ra p e lo s so n s ce r to s q u e i r ão t r an s fo rm ar u m a m ú s ica d o sBeat les numa canção revo lucionár ia . Mas, mesmo ass im, o f i lme não fo rnece oco m eço o u o f im q u e co lo ca r ia o s e s fo rço s d e sses jo v en s d e n t ro d e u m co n texto”co m p reen s ív e l” . É so m en te a ú l t im a seq ü ên c ia q u e su g ere o casam en to

e n t re s o m e im a g e m , q u a n d o u m b r aç o e n s an g ü e n ta d o a va n ça le n t am e n t e

     1     5

Page 17: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 17/120

p e l a n e v e p a r a s e g u r a r u m a b a n d e i r a v e r m e l h a , e n q u a n t o u m a m i s t u r a d ecanções revo lucionár ias fo rma a t r i lha sonora .

Sons britânicos fo i p r o d u z id o p e la Ke s t re l Pr o d u c t io n s , u m a e m p r e s a fu n d a d a p o rT o n y G arn e t t e o u t ro s c in eas t as e sq u erd i s t a s p a ra ap ro v e i t a r o p ro cesso d e

reav a liação d e co n ce ssõ e s e n f ren tad o p e la t e l ev isão b r it ân ica . Mo Te i te lb au m ,esp o sa d e u m d o s só c io s , I rv in g T e i t e lb au m , t ev e a id é i a d e q u e a K es t r e ld e ve r ia j u n t a r s e is d ir e t o re s e u r o p e u s p a r a fa z e r d o c u m e n t á rio s s o b r e a G r ã -Br e ta n h a . M o c o n h e c ia G o d a r d d e s d e m a io d e 1 9 6 8 , q u a n d o G é r a r d Fr o m a n -g e r o s a p r e s e n t o u , e e le s s e e n c o n t ra r a m e m Lo n d r e s q u a n d o G o d a r d e s t a vaf i lm an d o One Plus One . Q u a n d o M o a p r e s e n t o u a i d é i a , G o d a r d c o n c o r d o us o b a c o n d i ç ã o d e q u e e l a f o s s e s u a a s s i s t e n t e , e t a m b é m q u e o f i l m e f o s s ep r o d u z i d o d e m o d o n ã o c o n v e n c i o n a l .

Assim, os Teitelbaum viram sua pequena casa, no bairro de St . John’s Wood, setr an s fo rm ar em sed e d e p ro d u ção e cen ár io p a ra d u as d as seq ü ên c ias ; e t am b ém ,sem qu erer , se v iram adm in is trando um ho tel para a revo lução 1 . Goda rd h avia le-vado jun to com ele um es tudan te maoís ta chamado Jean-Henr i Roger , para que,conform e e xp licou aos seus anf it riõe s , o film e pu de sse ser fe ito de fo rm a ”dem o-crática”. Mo Teitelbaum ficou impressionada ao ver o quanto Godard seesforçava p ara im prim ir suas crede nciais revolucion árias n esse jovem . Roge r ha viaprat icam en te ado tado Go dard e Wiazem sky de sde o s even tos de m aio , e is to nã o

agradava Ann e Wiazem sky – e la n ão ficou n ada sa t is fe ita em ser t ra tada com o m ãead o t iv a p o r u m a p esso a d a su a id ad e , t am p o u co em t e r R o g er co m o h ó sp ed ef req ü en te n o ap a r t am en to d e les 2 . Mas para ela, tudo isso fazia parte da grandenecess idade que Godard t inha de adu lar a juven tude.

A convivência durante a produção foi d if íci l . O operador de câmera, Charles Stewart ,usava um b igode do t ipo ”gu idão de b ic ic le ta” e envergava pale tós de tweed .Os Tei te lbaum acred i tam que Godard sen t ia-se quase que obr igado a p rovocard iscussões com uma pessoa de aparência tão burguesa . Além d isso , hav ia oprob lema de sempre: Godard era mui to pouco incl inado a exp l icar o que quer ia .

     1     6

[ 1 ] Além de God ard e Roge r , havia vár ios o ut ros v is itan tes de Par is , inc lu ind o Dan ie l Coh n-Bendi t e sua n am orad a .[ 2 ] O p r ó p r io R o g e r d i z q u e a s it u a ç ã o e r a b e m c o m p l ic a d a , e q u e e l e e W i a ze m s k y fr e q ü e n t e m e n t e f a zia m p i a d a s

à s c u s t a s d o “ P é p é ” ( Vo v ô ) G o d a r d . N ã o p o d e h a v e r d ú v id a s s o b r e a f o r ç a d a l ig a ç ã o e n t re o m a o í st a t u r b u le n t o e

o c ineas ta de meia- idade . Roger casou-se com Jul ie t Ber to , que v i r ia a morrer t rag icamente jovem, em 1990. Em

luto , Roger dec id iu abandonar tan to a França como o c inema e i r para as Índias Ocidenta i s . Godard l igou pra e le e

o con vido u p ara ir a Rol le , num esforço para d issuad i- lo . Roge r passou do is d ias na Suíça , durante o s qua is God ard

n ã o d i ss e u m a p a l a vr a . Q u a n d o G o d a r d f o i d e i xá - lo n a e s t a ç ã o d e t re m , d is s e a e l e : “S a b e – v o c ê n ã o p o d e i r p a ra

as Índias Ocidenta i s , porque i sso va i me de ixar sem ninguém para conversar” .

Page 18: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 18/120

N as p a lav ras d e I rv in g T e i t e lb au m , ” tu d o es t av a n a cab eça d e le , m as se v o cên ão es t av a d en t ro d a cab eça d e le , en tão a cu lp a e ra su a” . A lg u m as d i scu ssõ ese r a m m a is e n g r a ç a d a s . O s Te it e lb a u m s e r a m m e m b r o s d e u m g ru p o tr o ts kis ta ,e q u a n d o G o d a r d c o n h e c e u o l í d e r , G e r r y H e a l e y , e s t e o i n f o r m o u q u e e l e

es t av a ”n o n e g ó c io d e esm ag ar o s n eg ó c io s” . ”Ah ,“ d i sse G o d ard , ”en tão v o cêes t á n o m esm o ram o ” . I s so l ev o u a ap ro x im ação m ao í s t a / t ro t sk i s t a a u m aco n c lu são m u ito r áp id a .

P ara Mo T e i t e lb au m , a f i lm ag em fo i d o m in ad a p e la ” f ru s t r ação e p e lo d esesp ero d eq u e o s ig n i f i cad o d e 1 9 6 8 h o u v esse en f raq u ec id o n a F ran ça , e p o r u m d ese jod esen f read o d e r ec r i á - lo e r ed esco b r i - lo ” . Q u an d o e l es fo ram a té E ssex , q u en aq u e la ép o ca e ra t i d a co m o u m a u n iv e r s id ad e r ev o lu c io n ár i a , G o d ard f i co u”h o r ro r izad o ao ve r q u ã o co m p o r tad o s e ram o s e s tu d a n tes” . Alg u n s es tu d an tes

m a i s p o l i t i c a m e n t e a t i v o s f o r a m r a p i d a m e n t e r e u n i d o s , m a s a d e c e p ç ã o d eG o d ard e ra t ão g ran d e e t ão v is ív e l q u e Te i te lb au m a té co g i ta a p o ss ib ilid a d e d eq u e a l g u m a s d a s p e s s o a s f i l m a d a s a c a b a r a m p o r f u n d a r a a s s i m c h a m a d aAngry Br igade (Br igada Raivosa) , o ún ico g rupo ter ro r is ta da Grã-Bretanha,c u ja o r ig e m p o d e s e r ra s tr e a d a p e la s e m o ç õ e s d a q u e le d ia .

O film e c o n s e g u iu s e u s q u in z e m in u t o s d e fa m a d e vid o à lo n g a s e q ü ê n c ia e m q u eu m a m u lh e r n u a a n d a p e la s d e p e n d ê n c ia s d e u m a c a sa . Ap e s a r d e n ã o h a ve rn e n h u m co n teú d o e ró t ico o u p o rn o g rá fico n a cen a , a Lo n d o n Wee k en d Te lev i-

s ion , a través d a q ua l a Kest re l es tava fazen do o p rogram a, se recu sou a e xib i -lo .A id é ia d e G o d ard p a ra e s t a seq ü ên c ia v e io q u an d o Mo T e i t e lb au m m o s t ro u ae le u m a m a t é ria d e Ro w b o t h a m n a r e vis ta e s q u e r d is ta Black Dwarf . Este foi umd o s p r im e i ro s t e xto s so b re a lib e ração d a m u lh er n a In g la t e r ra , e G o d ard im e-d ia t am en te d ec id iu in c lu í - lo em seu f i lm e . S h e i l a R o w b o th am re l em b ra seue n c o n t ro c o m G o d a r d e m s u a s m e m ó r ia s s o b re o s a n o s 19 6 0 :

A idéia dele era me f i lmar sem roupa, reci tando palavras sobre ae m a n c ip a ç ã o , e n q u a n t o e u s u b ia e d e s c ia u m la n c e d e e s c a d a s – a s u p o -

s ição e ra q u e , d ep o is d e u m t em p o , a v o z ir ia se so b rep o r à s im ag en s d oco rp o . Is to m e d e ixo u d e sco n fo r t áve l p o r d o is m o t ivo s . Meu n ú m ero e ra3 6 e e u a c h a va m e u s s e io s flá c id o s d e m a is p a r a a m o d a d o s a n o s 19 6 0 .Ser fo to g ra fad a , d e it ad a e se m ro u p a , n ão e ra p ro b lem a , m as a id é ia d ef icar andando escada abaixo me deixava const rang ida. Além do mais ,e m b o r a e u n ã o c o n s id e r a s s e a n u d e z u m p r o b le m a e m s i, o s p r im e iro sg ru p o s d e m u lh eres e ram co n t ra o q u e ch am áv am o s d e ”o b je t i f i ca -ç ã o ”… P o r q u e d ia b o s a d a n a d a d a m e n t e m a s cu lin a p u la va t ã o ra p id a -

m e n t e d a c o n v e r sa s o b r e lib e r t a çã o p a ra a n u d e z , e u m e p e r gu n t a va … .

     1    7

Page 19: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 19/120

G o d a r d ve io a té H a ckn e y ( u m b a ir ro n a z o n a le s t e d e Lo n d r e s ) p a r a m eco n v en cer. Ele se se n to u n o ch ão d e m ad e ira lixad a d o m eu q u ar to , u mh o m e m f r a n z i n o e d e c o m p l e i ç ã o e s c u r a , s e u c o r p o r e t o r c i d o e m n ó sp e r su as ivo s . N em o h o m em G o d ard , e n em o G o d ard c riad o r m i to ló g ico

d e Acossado, fo ram fáce is d e co n ten ta r. Eu sen te i d e sco n fo r t ave lm en tea o p é d a m i n h a c a m a e d e c l a r e i : ” E u a c h o q u e s e t e m u m am u lh er sem ro u p a n a t e l a , n in g u ém v a i p res t a r a t en ção n as p a lav ras” ,a s s im su g er in d o q u e t a lv ez e l e p u d esse f i lm ar o s n o sso s ad es iv o s co mos d izeres “This Exp lo i ts Women” ( Is to Explora as Mulheres) no metrô .Godard me lançou um o lhar ter r ível , seus láb ios re to rc idos . ”Você achaq u e e u n ão co n s ig o d e ixa r u m a b o ce ta d es in te res san te?” , e l e exc lam o u 3 .N ó s e s t á v a m o s p r e s o s n u m m o m e n t o e t n o g r á f i c o e f ê m e r o .

N o f in a l , ch eg am o s a u m aco rd o . O E lec t ric Cin e m a t in h a acab ad o d e se rin au g u rad o n o b a i r ro d e N o t t in g H i l l e p rec i sav a d e d in h e i ro . U m a jo ve m ( co m s e io s p e q u e n o s ) d e lá co n co rd o u e m s u b ir ed esce r a e scad a , e eu f i z a lo cu ção . Q u an d o Sons britânicos foi exibidon a F ran ça… a p la té i a ap lau d iu q u an d o eu d e c la re i: “Eles n o s d izem oq u e n ó s s o m o s … Sim p le s m e n t e n ã o e xis te a c o n s c iê n c ia d e ‘h o m e n s ’q u e são au to res , d e ‘h o m en s ’ q u e são c in eas t as . E les são ap en as ‘ au to -

res’ , apenas’cineastas‘ . A imagem reflet ida para as mulheres, criada poreles , será absorv ida d i re tamente pelas p rópr ias mulheres . Es tas persona-g en s ‘são ’ m u lh eres .” Q u an to à in t en ção d e G o d ard d e to rn a r u m a b o ce tade s in teressan te , não po sso d izer nada, exceto que um am igo en vo lvido nos o c i a l i s m o i n t e r n a c i o n a l m e c o n t o u q u e s e u p r i m e i r o p e n s a m e n t ot in h a s id o ”m u lh er g o s to sa” – a t é p e rceb er q u e a to m ad a se r ep e t i a . . . es e r e p e t ia … e s e r e p e t ia ; e n tã o e le c o m e ç o u a e s cu t a r 4 .

A ú lt im a seq ü ên c ia d o film e , em q u e o d ese jo d e r evo lu ção t r iu n fa q u an d o u m b raço

en san g ü en tad o se a r ras ta p e lo ch ão co b er to d e n ev e p a ra a lcan çar u m a b an d e ir avermelha, fo i f i lmada no qu in ta l dos Tei te lbaum. Quando fo i suger ido queo b raço es t ivesse san g ran d o , Te it e lb au m se o fe receu p a ra d a r u m p u lo n a sed e d aKest re l, ond e hav ia u m frasco de sangu e ar t ific ia l. Goda rd d isse p ara n ão se p re-ocup ar com isso e cor tou o p róp r io b raço para fo rnecer a “cor” para a cen a f ina l.

     1     8

[ 3 ] G o d a r d d is s e q u e n ã o u s o u e s t a fr a s e .[ 4 ] She ila RO WBOTHAM. Promisse of a Dream: Remembering the Sixties . Lon do n, Pengu in , 2000 . pp . 220-221.

Page 20: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 20/120

G o d ard f ez seu f i lm e seg u in te n a an t ig a T ch eco s lo v áq u ia , q u ase q u e im ed ia t am en teap ó s d e ixa r a G rã -Bre tan h a . O p ed id o v e io d e u m a em isso ra d e t e lev isão d a Ale -m an h a O c id e n ta l, q u e so lic ito u u m d o cu m en tá rio so b re a Tch eco s lo váq u ia se i sm eses d ep o i s d a in v asão so v ié t i ca , em ag o s to d e 1 9 6 8 . Mai s u m a v ez , G o d ard

fo i a c o m p a n h a d o p o r Je a n -H e n r i Ro g e r , m a s a g o r a e le s e s ta va m ta m b é m c o mP au l B u r ro n , o o p erad o r d e câm era q u e G o d ard q u er i a u sa r p a ra f i lm ar Sons britânicos . O f ilm e se ch am a Pravda , q u e e m ru sso s ig n ifica ve rd ad e , e e ra t am -bém o nome do jo rnal o f ic ia l da União Sov iét ica . Es te f i lme é a té maisexplíci to que Sons britânicos e m s u a n e g a ç ã o d o s p a d r õ e s c o n ve n c io n a i s p a r ad o cu m en tá r io s e seu ce t i c i sm o so b re a p o ss ib i l i d ad e d e en co n t ra r a lg u m av e r d a d e n a i m a g e m . S e u a t a q u e a t o d a s a s i d e o l o g i a s d e v i s ã o é m u i t o m a i sex p l í c i to d o q u e n o f i lm e an te r io r d e G o d ard , em q u e as seq ü ên c ias lo n g as d e

fato levam a um considerável con teúdo de verdade. (Até não ser ia d i f íc i l imagi-n a r Sons britânicos c o m o s e n d o u m a re film a g e m m a is b e m s u ce d id a d e One 

Plus One .) Pravda é u m a n e g a ç ã o d e t a is lu xo s .A to m ad a in ic ia l d a Tch eco s lo v áq u ia é aco m p an h ad a p o r u m co m en tá rio sem i-irô n ico

q u e en fa t iza o ” rev is io n ism o ” d a so c ied ad e t ch e ca . O ”cin e m a d ir e to ” d e Sons 

britânicos fo i su b s titu íd o p o r u m fo rm ato d e d o cu m en tá rio co n v en c io n a l p a ra at e l e v i s ã o , c o m r e l a ç ã o d i r e t a e n t r e s o m e i m a g e m , m e s m o q u e e s s eso m – ”Mu i to s t rab a lh a d o res p re fe rem lav a r seu s ca rro s a co m er su as e sp o sas”

– s e e n c o n t re fo r a d a s n o r m a s d e t e le v is ã o . M a s e s s a s e ç ã o d e a b e r tu r a é lo g od e s ca r ta d a c o m o s e n d o u m a m e r a ” p ro je ç ã o c in e m a t o g rá fic a s o b r e a via g e m ”.O f i lm e en tão co m eça a d esen v o lv e r su a an á l i se r ac io n a l d a s i tu ação p o l í t i ca ,e n q u a n to , a o m e s m o t e m p o , d e s tr in c h a a s r e la ç õ e s n o r m a is e n t re s o m e im a -g e m q u e t ra n s m it e m a in fo r m a ç ã o n o s d o c u m e n t á r io s d e te le v is ã o .

C o n fo r m e a c â m e r a fo c a liz a n u m a c o n v e r s a e n t re t ra b a lh a d o r e s t ch e c o s , n o lu g a r d au s u a l lo c u ç ã o d u b la d a s o m o s in fo r m a d o s q u e , ”s e v o c ê n ã o f a la t c h e c o , é b o mq u e a p r e n d a r á p id o ” . D e fo r m a s e m e lh a n t e , u m a c o n v e rs a s o b r e o c a m p e s i-n a t o é a c o p la d a a u m a im a g e m d e c a m p o n e s e s ca r re g a n d o f e n o , e n q u a n t o a

c â m e ra fa z u m zoom in e u m zoom out . Em te rm o s co n v en c io n a is , e s se zoom 

s ig n i f i ca n o ssa ap ro x im ação d a r ea l id ad e , m as h á u m a to t a l d esco n ex ão en t r eo c o m e n t á rio e o zoom , d e m o d o q u e n ó s n o s to r n a m o s c ie n t e s d e s te c o m os e n d o u m a m e r a a l t e r a ç ã o d a d i s t â n c i a d o o b j e t o f i l m a d o , e a a l t e r a ç ã o n ã on o s f o rn e c e n e n h u m c o n h e c im e n t o r e a l.

E m ce r to n ív e l , o s p ro b lem as d o f i lm e são o s p ro b lem as d a d i s to rc id a co r ren tem ao í s t a n a T ch eco s lo v áq u ia , q u e fo i co n t r a a in v asão ru ssa , e m a i s co n t r aa in d a à lib e r a liz a ç ã o tc h e c a q u e a p r e c e d e u , s e n d o a m b o s e xe m p lo s d o p e c a -

d o m o r t a l d o ” r e v i s i o n i s m o ” . M a s s ã o e s t e s p r o b l e m a s q u e p e r m i t e m u m a

     1     9

Page 21: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 21/120

d esco n s t ru ção h i l a r i an te d as co n v en çõ es d o d o cu m en tá r io t e l ev i s iv o , u mataq u e f e ro z ao d o g m a d o “v er p a ra c re r” .

En q u an to ed it ava e s ses film es , G o d a rd p assav a b a s t an te t em p o d iscu t in d o a r e sp e itod o s m e s m o s c o m o u t ro jo v e m m a o ís ta , Je a n -P ie r re G o r in . G o r in n ã o a c o m p a -

n h a v a a s f i l m a g e n s e n e m f r e q ü e n t a v a a s s a l a s d e m o n t a g e m , p o i s e s t a v ah o s p i t a l i z a d o p o r t e r s o f r i d o u m g r a v e a c i d e n t e d e m o t o . M a s v i n h ac o n v e rs a n d o c o m G o d a r d s o b r e c in e m a h á m a is d e d o is a n o s . Ele s s e c o n h e -ce ram n u m jan ta r o fe rec id o p o r Yv o n n e Bab y , cr ít ica d e c in e m a d o Le Monde ,q u a n d o G o d a r d e s t a va film a n d o A chinesa . G o rin t in h a a c a b a d o d e c o m e ç a r at rab alhar co m o cr ít ico literár io no Le Monde . Ele e s t ava co m 2 3 an o s d e id ad ee , c o n f o r m e o s c o m e n t á r i o s , e r a t ã o b r i l h a n t e q u a n t o c h a r m o s o .Ap e sa r d e n ão t e r co n se g u id o u m a v ag a n a Eco le N o rm ale S u p é r ieu re , a s au las

p rep ara tó r i a s n a L o u i s l e G ran d f i ze ram co m q u e se en g a jas se p ro fu n d am en tec o m n o v a s c o r r e n t e s d e p e n s a m e n t o , f o s s e o m a r x i s m o a l t h u s s e r i a n o o u oestruturalismo l i terário .

Para God ard , e le ap aren tava ser “alguém m elho r do q ue e u em pe nsam en to e filosof ia” .Ao f in a l d a n o i te n a casa d e B ab y , G o d ard d i s se a G o r in q u e e l e s d e ver iam seen co n t ra r p a ra co n v er sa r o u t r a v ez . E les se en co n t ra ram d iv e r sas v ezes , e emu m a d e ssas o cas iõ e s , G o d ard d e ixo u G o r in a tô n i to ao m o s t ra r -lh e n ão so m en teDuas ou três coisas que eu sei dela co m o t am b é m u m trailer q u e e l e h av ia

ed it ad o p a ra o f ilm e Mouchette, a virgem possuída, d e B re s s o n , u m trailer q u es e g u n d o G o r in e r a a o m e s m o t e m p o ”p u r o G o d a r d e p u r o Bre s s o n ”.G o r in , c o m o t a n t o s j o ve n s e s q u e r d is ta s d a q u e l a é p o c a , t in h a u m a v e r d a d e ir a p a i xã o

p e lo c in e m a . A c in e filia d o s a n o s p ó s -g u e r r a a in d a e r a u m a r e a l id a d e ; o Q u a r -t i e r L a t in t i n h a v á r io s c in em as d e r ep e r tó r io e , a l ém d esses , t am b ém ex i s t i a anova rev is ta Cahiers, ed i tada por Rivet te . Para Gor in , a Cahiers r e p r e s e n t a v au m e lo e n t re a a lt a e a b a ixa c u lt u r a , ju n t a n d o a s d u a s d e fo r m a in o va d o r a –era o ”no vo p arad igm a”. A associação e n t re Gor in e God ard es t re itou-se qu and oe l e f o i d e s p e d i d o d o Le Monde , n o i n í c i o d e 1 9 6 8 , p o r q u e n ã o c o n s e g u i u

e s c r e v e r u m a m a t é r i a s o b r e C u b a , e p e d i u q u e G o d a r d l h e d e s s e e m p r e g o .N a q u e l a é p o c a , G o d a r d t r a b a l h a v a n u m p r o j e t o p a r a p r o d u z i r 2 4 h o r a s d ef i l m e s , d a s q u a i s d u a s e l e m e s m o p l a n e j a v a f i l m a r , e n q u a n t o a sres t an tes se r i am fe i t a s p o r t e r ce i ro s . G o d ard su g er iu q u e G o r in p o d er i a f aze ru m d o s film e s : “Eu t e p a g o p o r s e m a n a ”. G o r in f ic o u a t e r ro r iz a d o c o m o m o n -t a n t e d e d in h e i ro e n v o lvid o e d e u p a r a t rá s . Ao in v é s d e r e c e b e r s e m a n a lm e n -t e , e l e se r e t i ro u p a ra e sc rev er u m ro te i ro in t e i ro , m as q u an d o v o l to up a r a a p r e s e n t á -lo , d e s c o b riu q u e o p r o je t o h a v ia d e s m o r o n a d o e m m e io a u m

b o m b a r d e i o d e r e c r i m i n a ç õ e s .

     2     0

Page 22: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 22/120

A p esar d i s so , a s co n v er sas en t r e o s d o i s co n t in u av am , e q u an d o G o d ard es t av apre stes a ir à I tál ia p ara fazer se u pró xim o film e, Vento do Leste , es t re lando Ann eWiazem sk y e G ian Mar ia V o lo n té , e l e in s i s t iu q u e G o r in o aco m p an h asse . O sm éd ico s d i s se ram en fa t icam en te q u e G o r in t in h a d e fica r. A so lu ção en co n t ra -

d a p o r e l e fo i m an d ar R ap h äe l S o r in em seu lu g ar . S o r in e ra u m d o sam ig o s m ais ín t im o s d e G o r in ; e le s h av iam freq ü en tad o ju n to s a e sco la Lo u is leG ran d , o n d e o f a to d e o s d o i s t e r em m ães ju d ias r ep resen tav a u m l aço fo r t e ,e f a l av am em fu n d ar u m a p ro d u to ra co le t iv a d e f i lm es . A s r eco rd açõ es d eS o r in so b re a f i lm ag em d e Vento do Leste fa z e m c o m q u e e s t a p a r e ç a te r s id ou m p e s a d e lo c ô m ic o e m q u e t o d a s a s d e s ilu s õ e s c o le t iva s d e 19 6 8 fo r a m d e s -t ilad a s n a su a fo rm a m ais p u ra .

O d inh ei ro fo i fo rn ecido p or um m ilion ár io rad ical ita lian o e pa rece ter s ido de o r igem

d u v id o s a – S o r in le m b r a -s e d e t e r tr a n s p o r ta d o e n o r m e s v o lu m e s d e d in h e ir oda França para a I tá l ia . Ex is t iam mui tos rumores sobre o paradei ro f inal dod in h e iro q u e fin an c io u Vento do Leste – t a lvez o m a is en can tad o r se ja o q u e d izq u e o d in h e i ro fo i u sad o p a ra m o n ta r u m b ar p a ra t r av es t i s em Mi lão . U masp ec to a in d a m ai s d esas t ro so é q u e o f i lm e d ev er i a se r f e i to d e fo rm a ”d em o -crát ica” , ou se ja , a t ravés de reun iões co le t ivas (assemblée générale ) . Se haviau m tem a u n i f i cad o r d o m o v im en to es tu d an t i l n o f in a l d o s an o s 1 9 6 0 , e s se e raa d esco n f i an ça d e q u a lq u er t i p o d e ó rg ão r ep resen ta t iv o . O s lo g an d e L en in ,

”T o d o p o d er ao s so v ie t es” , fo i u sad o co m o m era es t r a t ég ia p a ra d es t ru i r a sin s t i t u i çõ es d e d em o crac ia r ep resen ta t iv a , m as d en t ro d o s m o v im en to s e s tu -d a n t is a p ó s 19 6 8 , u m a c r e n ç a n a d e m o c ra c ia d ir e ta d e t e r m in a v a q u e t o d a s a sd e c i s õ e s p r e c i s a v a m s e r t o m a d a s e m e n o r m e s e d e s e n g o n ç a d a s a s s e m b l é i a sco le t iv as . N o s p r im e i ro s m o m en to s d e ” l ib e rd ad e d e ex p ressão ” em B erk e ley ,o u n o s d i as d as b a r ricad as e m P ar is , a s a s se m b lé ias co le t ivas t a lv ez fo ssem u m ain o v a ç ã o e m p o l ga n t e e lib e r t a d o r a , m a s is s o r a p id a m e n t e s e t o r n o u u m fó r u mrep e t i t i v o e im p o ss ív e l d e co n t ro la r , ab e r to p a ra to d o t ip o d e o p o r tu n i sm o eu m a e t e r n a fo r m a d e c h a n ta g e m m o r a l b a s e a d a n a p r e m is s a ”e u s o u m a is d e

e s q u e r d a d o q u e v o c ê ” .Anne Wiazemsky , que sempre se mant inha cét ica peran te toda re tó r ica revo lucionár ia

m ai s d esen f read a , n ão ac red i t av a m u i to q u e o f i lm e p u d esse se r f e i to d essam an e i ra . A su cessão d e r eu n iõ es co lo co u o s an a rq u i s t a s , l i d e rad o s p o r C o h n -Ben d it , o ”g a ro to p ro p a g an d a ” d e 19 6 8 , co n t ra o s m ao í st a s . In d ep en d e n tem en -te de suas descrenças nas inst i tu ições da democracia representativa, os anarquistasn ão e ram co n t ra a r ep resen tação em s i ; e l e s q u er i am u m fa ro es t e d e esq u erd aq u e p u d esse r ep resen ta r a l u t a d e c l a s ses n o g ên ero m ai s p o p u la r p o ss ív e l . O s

m ao í s t a s , v e r sad o s em A l th u sse r e B rech t , n ão q u er i am n ad a d i s so . N as

     2     1

Page 23: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 23/120

pa lavras do film e Sons britânicos , ”se v o cê p ro d u z ir u m m ilh ão d e có p ias d e u mfilme marxista-leninista você chega a E o vento levou ”. Não pod ia haver ques t io -n am en to q u an to ao u so d a fo rm a p ad rão d e n a r ra t iv a , q u an to a p e rm i t i r q u es o m e i m a g e m s e t o r n a s s e m c o m p r e e n s í v e i s p a r a u m a p l a t é i a s e m e m b a s a -

m e n t o . Ele s s o m e n t e p o d ia m fa z e r u m film e m ilita n t e q u e a g is s e c o m o u m a“ lo u sa” p a ra u m a p la t é ia m ilit an te – u m p o n to d e p a r tid a p a ra o p en sam en to .

O im p a s s e fo i re s o lvid o q u a n d o G o d a r d in t im o u G o r in . Ele t e l e fo n o u p a r a o h o s p i-t a l e m P a r i s e d i s s e : “ O u v o c ê v e m f a z e r o f i l m e c o m i g o , o u e u e n c e r r o o st rab a lh o s . Tem u m a p a ssag em já p a g a esp e ran d o v o cê n a Alit a lia“ . O s m éd ico sd e G o r in t e n t a r a m im p e d i -lo d e p a r t ir , m a s e le c h e g o u à It á lia . Em Ro m a , e les e h o s p e d o u n o m e s m o h o t e l q u e G o d a r d e , p o r t a n t o , e n c o n t r a v a - s e n u m ap o s ição p r iv i l eg iad a d u ran te a s caó t i cas sem an as f in a i s d e f i lm ag em . F o i

n e s ta é p o c a q u e o r e la c io n a m e n t o e n t re G o d a r d e G o r in e n t ro u n a s u a fa s em a i s p r o d u t i v a e i n t e n s a , q u e d u r o u a t é 1 9 7 3 , e n a q u a l e l e s p r o d u z i r a mcinco f i lmes jun tos : Vento do Leste, Lutas na Itália, Vladimir e Rosa, Tudo vai bem e Carta para Jane .

Em Vento do Leste eles p revalecer iam jun tos , no que Wiazemsky chamou de putsch 5 ,ap ós o qu al o ce ticism o inicial de Wiazem sky se torno u a ind a m ais forte. Tud o q ueres tou do f i lme de faroes te de Cohn-Bendi t , que a lmejava a g reve dos mine-radores como seu foco narra t ivo , são a lguns f ragmentos de narração na t r i lha

so n o ra n o co m eço d o t r ech o d e ab e r tu ra . E m v ez d e r ep resen ta r u m a g rev eesp ecífica e m im agen s e spe cíficas , o film e pe rgun ta o qu e ser ia a represe n taçãode qualquer g reve. Talvez a seqüência chave se ja uma assembléia , não de mine-radores g rev is tas , mas da equ ipe de p rodução d iscu t indo a idéia de usar ou nãouma imagem de S ta l in no f i lme. A segunda voz na t r i lha sonora (em Vento do 

Leste o s o m é a i n d a m a i s d o m i n a n t e d o q u e e m Sons britânicos o u Pravda )a firm a q u e , a s s im co m o as a s sem b lé ias d e vem se r an a lisad as em t e rm o s d e su asci rcunstâncias especí f icas – de quem são a favor e de que são con tra – as ima-g e n s d e v e m s e r a n a l i s a d a s d a m e s m a m a n e i r a . A i m a g e m d e S t a l i n é

uti l izada pelos capital istas para representar a repressão, mas do ponto de vistarevo lucionár io , es ta é uma imagem repress iva que in ibe uma anál ise adequadade S ta l in como um fenômeno po l í t ico . Vento do Leste é o mais exper imental dasérie d e film es m ao ístas; é o m ais coe ren te na su a ap licação d a po lítica althusse rian a.

     2     2

[ 5 ] G o d a r d e G o r in d ã o u m a d e s c riç ã o s im ila r n u m a e n t re v is t a a m e r ic a n a . G o r in : “ O q u e a c o n t e c e u f o i q u e o s d o i s

m a r xis t a s q u e r e a l m e n t e e s t a v a m q u e r e n d o fa z e r o f ilm e t o m a r a m o p o d e r ”, e G o d a r d : “To d o s o s a n a r q u is t a s fo r a m

à p ra ia” . Michae l GOO DWIN; Tom LUDDY e N aom i WISE. op. cit .

Page 24: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 24/120

O s s e i s o u s e t e m e s e s s e g u in t e s , p r im e ir o e m Ro m a e d e p o is e m P a ris , r e p r e s e n -t a r a m u m i n t e n s o p e r í o d o d e d i s c u s s ã o e e x p e r i m e n t a ç ã o . P a r a G o r i n ,G o d a r d f u n c i o n a v a c o m o u m s i s m ó g r a f o ; e l e h a v i a p r e v i s t o o t e r r e m o t o d e1 9 6 8 , m a s a g o r a o t e r r e m o t o j á h a v i a p a s s a d o e e l e t i n h a d e s e r e i n v e n t a r .

C o m o c o n s e q ü ê n c i a , e s t a v a a b e r t o a i d é i a s e r e c e p t i v o a u m j o v e m c h e i o d ei d e a i s . A o f a l a r d e s u a c o l a b o r a ç ã o c o m G o r i n e o a m p l o d o m í n i o d e G o r i ns o b r e a t e o r ia c o n t e m p o r â n e a , G o d a r d f a la e m te r m o s d e s o m ( “Eu n ã o t in h ac o n h e c i m e n t o d a q u i l o q u e f o i g r a v a d o ” ) , p o i s é o s o m q u e e s t á n o c e n t r od e s te s film e s e xp e r im e n t a is . Pa r a G o r in , o fo c o n o s o m t in h a m u it o s fa t o r e sd e t e r m in a n t e s – e c o n ô m ic o s , p o lít ic o s e t e c n o l ó g ic o s .

O f in a l d o s an o s 1 9 6 0 fo i u m p e r ío d o em q u e a t ecn o lo g ia d o s eq u ip am en to s d e so mse d esen vo lveu r ap id am en te , e sp ec ia lm en te a cap ac id ad e d e m ixar m a is d e u m

canal numa fa ixa . Po l i t icamente , não ex is t ia nenhum desejo de rever ter od esd ém g en era l i zad o p e lo so m , u m d esd ém re f l e t id o n o f a to d e q u e oo p e ra d o r d e s o m d ire t o s e m p r e g a n h a v a m u ito m e n o s q u e o d ir e to r d e f o to g ra -fia . Tam bé m e xis t ia um verdade iro p razer pelo d idat ism o. Econo m icam en te , eram u ito m a is fác il e xp er im en ta r co m o so m d o q u e co m a im ag em . Tu d o is so v e iop ara co lo ca r ên fase so b re a ed ição e o so m , em vez d a f ilm ag em e d a im ag em ,ênfase que Godard manteve quando vo l tou a fazer f i lmes mais convencionais .P a r a G o d a r d , a d e s c o n f i a n ç a d a i m a g e m t i n h a u m c o m p o n e n t e m a i s

pessoal . Ele associa Vento do Leste co m o f in a l d e seu r e l ac io n am en to co mWiazem sky. A d i feren ça de idad e e o m esm o ciúm e 6 q u e in fe rn izo u seu casam en -to co m Kar in a fo ram fa to res im p o r t an tes , m as o p ro b lem a t am b é m e ra q u e am -b as a s m u lh eres h av iam ch eg ad o a e l e co m o im ag en s – e ram c r i açõ es d ate l a , e n ão m u lh eres d e v e rd ad e . D e f a to , G o d ard n ão se r e t i ro u d o ap ar t a -m en to n a R u e S a in t - Jacq u es (p a ra o q u a l e l e s t i n h am m u d ad o t r ê s d i as an tesd o p r im e iro d is tú rb io p ú b l ico d e m aio d e 1 9 6 8 ) a t é faze r a m o n tag em d e Jusqu’à 

la victoire (Até a vitó r ia) , m as a p rod ução de Vento do Leste p arece se r , co n se n -sualmente, uma l inha divisória.

G o d ard es t av a t ão en tu s i asm ad o co m a co lab o ração d e G o r in q u e e l e s r e so lv e ramassinar Vento do Leste com o nome co le t ivo de Grupo Dziga Ver tov . A pr i -meira vez que Gor in mencionou a idéia de um grupo co le t ivo Dziga Ver tovfo i p a ra R ap h aë l S o r in , n o co m eço d e 1 9 6 8 , q u an d o G o d ard p ed iu q u e e l ee s c r e v e s s e u m r o t e i r o p a r a o m a l f a d a d o p r o j e t o d e 2 4 h o r a s d efilm es . Dziga Ver tov fo i um cine as ta so v ié t ico d o p er íod o re vo lucioná r io , cu jo

     2     3

[ 6 ] P a r a W ia z e m s k y, o c iú m e o b s e s s iv o d e G o d a r d fo i a m a io r c a u s a d o fim d o c a s a m e n t o .

Page 25: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 25/120

t r ab a lh o en fa t i zav a t an to a m o n tag em co m o a im p o r t ân c ia d a lu t a d e c l a s sese m a n d a m e n t o 7 . Num cer to n ível , a esco lha de Ver tov fo i uma provocaçãod e l ib e rad a . N ão sab iam to d o s q u e E i sen s t e in e ra o g ran d e c in eas t a r ev o lu c io -ná r io? Em 196 9 , a p rovocação era fo r te ; Ver to v nã o e ra a figura can ôn ica qu e é

ho je . Mas t inham mot ivos tan to po l í t icos quan to es té t icos para esco lher Ver tov .Po l i t icamente , i s to poss ib i l i tava a condenação de E isenste in pela sua decisãoem 19 2 4 , d e faze r u m film e h is tó r ico so b re o Potemkin , ao in vés d e se co n cen -t rar na lu ta de c lasses . I sso se encaixava com a l inha a l thusser iana de d izer quea r e v o lu ç ã o s o v ié t ic a s ó c o m e ç o u a d e s a n d a r n o m e io d a d é c a d a d e 19 2 0 . M a isim p o r t an te e ra a d i s t in ção es t é t i ca en t r e a n o ção d e E i sen s t e in d e q u e a m o n -t a g e m e r a , p r i m e i r a m e n t e , u m p r o c e s s o d e e d i ç ã o , e a p r á t i c a d e G o d a r d eG o r in , p a r a q u e m a ju s t a p o s iç ã o d o s e le m e n to s d ife r e n t e s e r a n e c e s s á r ia e m

cad a f ase d a f i lm ag em , d esd e a e sco lh a d o m ate r i a l a se r f i lm ad o à p ró p r i afilm a g e m , b e m c o m o n a a s s im c h a m a d a e d iç ã o .A idéia de o rgan ização co le t iva não era incomum. O per íodo en t re o f inal dos anos

1960 e início dos anos 1970 testemunhou várias tentativas, em todo o Ocidente,e em todos os n íveis , do domést ico ao p rof iss ional , de es tabelecer fo rmas deorgan ização n ão base adas no ind ivídu o . O de sejo po r ta is o rgan izações e ra geral-m en te p o l í t i co , e r e su l t ad o d o d esg o s to p e lo in d iv id u a l i sm o o c id en ta l ;o seu fracasso geralmente catastrófico é um elemento crucial na atual inabil idade

de im agina r relações so ciais a nã o se r na su a form a h ipe rind ividu alizada . Q ua lqu erten ta tiva d e a nal isar es te de sejo ou es te f racasso vai m uito a lem do escopo de s tel ivro. Mas para Gorin a idéia de uma organização coletiva estava no ar desdeque adquirira consciência polí t ica; e o Slon, grupo de Chris Marker, bem como aco laboração en t re Deleuze e Guat tar i , o fereceram modelos con temporâneos .

Exis t ia tam bé m um a resson ân cia esp ecífica de n t ro do f ilm e – u m ataqu e à p rópr ia idé iad o a u t o r. Ao m e s m o te m p o e m q u e a Cahiers s e o c u p a va c o m a p r o m o ç ã o d aid é ia d e au to r , o e s t ru tu ra l i sm o a t acav a a m esm a , e em 1 9 6 7 t an to B ar th esco m o Fo u cau lt p u b l ica ram en sa io s fam o so s n a in t en ção d e d e s lo ca r a n o ção d e

au to r co m o u m a co n sc iên c ia in d iv id u a l au tô n o m a. B ar th es a rg u m en tav a q u eesse co n ce ito o b scu rec ia o s có d ig o s e a s lin g u ag e n s q u e u m esc r ito r u sava e q u enã o cr iara . Fou cau l t en fat izava qu e fa lar de um au to r im utável ob scurecia as p rá-t icas ( leg a is , co m erc ia is e t c .) q u e d e fin iam a n o ção d e m u d an ça d e u m au to r.

     2     4

[ 7 ] Vide Georges SADOUL. Prefácio de Jean Rouch. Dziga Vertov . Paris, Editions Champs Libres, 1971. Annete

MICHELSON (ed . ) Kino-eye: The Writings of Dziga Vertov. Berkeley e Los Ange les, Un iversity of California Press, 198 4.

Vlad a PETRIC. Constructivism in Film: The Man with a Movie Camera. Cambridge, Cambridge Universi ty Press, 1987.

Page 26: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 26/120

I n d e p e n d e n t e m e n t e d a a c u i d a d e d e s t e s a t a q u e s a o c o n c e i t o l i t e r á r i o d e a u t o r ,h e r d a d o d o s r o m â n t ic o s , u m a b o a p a r t e d a s u a fo r ça s e p e r d e u c o m a Cahiers .A Cahiers fo i a p r im e i ra r ev i s t a a p ro d u z i r u m a t eo r i a so b re o au to r d o p o n tod e v is t a d a p l a té i a e , co m o re su lt ad o , en fa t izo u o s có d ig o s esp ec ífico s d o c in e -

m a ( d e f a to , e r a a t ra v é s d o s c ó d ig o s q u e s e e n c o n t ra v a o a u t o r) e a s p r á t ic a sle g a is e c o m e r c ia is q u e p o s ic io n a v a m o s a u t o re s e m r e la ç ã o à s c o n d iç õ e s d ep ro d u ção e d i s t r ib u ição . P a r t in d o d e o u t r a p e r sp ec t iv a , a ên fase d ad a p e laCahiers ao au to r ch eg av a a g lo r ifica r o in d iv íd u o e m t e rm o s ro m ân t ico s t r ad i-c io n a i s , e se o s ro m ân t i co s g lo r i f i ca ram o au to r à s cu s t as d o l e i to r , aCahiers acrescen tava insu l to ao in jú r io , ao neg l igenciar todas as ou t ras pessoasq u e t r a b a l h a v a m n u m f i l m e .

A q u e s t ã o d e c o m o a s d e c i s õ e s s ã o t o m a d a s n o set e r a , s e g u n d o C l a u d e N e d j a r ,

u m a o b s e s s ã o d e G o d a rd d e s d e o m e io d a d é c a d a d e 19 6 0 . P a ra N e d ja r, a p a r -t e e x c i t a n t e d o g r u p o D z i g a V e r t o v e r a q u e , d e s t a v e z , a s d e c i s õ e s n ã of i c a r i a m c o m u m a p e s s o a s o m e n t e 8 . N u m a e n t r e v i s t a q u e d e u a M i k e D i b be m 1 9 6 8 , e n q u a n t o f i l m a v a a s e q ü ê n c i a d a “ E v e D e m o c r a c y ” p a r a One Plus 

One , G o d a r d d e ixo u c la r o o q u a n t o n ã o g o s ta v a q u e o d i re t o r to m a s s e t o d a sa s d e c i s õ e s d e m a n e i r a ” f a s c i s t a ” . O i d e a l u t ó p i c o e r a q u e t o d o s o s5 0 m e m b r o s d a e q u i p e d e v i a m p a r t i c i p a r . E s t e i d e a l u t ó p i c o n ã o f o ia b a n d o n a d o p o r Go d a r d a t é o c o m e ç o d a d é c a d a d e 1 9 8 0 e a s e xp e r iê n c ia s

d e Passion e Prénom Carmen . O q u e n u n c a f o i a b a n d o n a d o é o i d e a l d ec o l a b o r a ç ã o . E m r e t r o s p e c t o , p a r a G o d a r d , a c o l a b o r a ç ã o f o i a c h a v e p a r a aN o u ve l le Va g u e , e e m G o r in e le e n c o n t ro u a lg u é m c u ja v o n t a d e d e c o la b o r a rs e c o m p a r a va à s u a .

O g r a n d e p r o b l e m a q u e c o n f r o n t a v a a c o l a b o r a ç ã o , p r o b l e m a q u e G o r i nca racte r iza em t e rm o s d e ”an g ú s t ia” , e r a o d a p l a té i a . O e n o rm e p o n to fr aco d ap o s i ç ã o d o D z i g a V e r t o v e r a p r e s u m i r q u e a p o l í t i c a r e v o l u c i o n á r i aprover ia uma ou tra p la té ia . Pod ia-se cr i t icar a p la té ia de E o vento levou p o ra c e i t a r u m a f a l s a u n i ã o e n t r e s o m e i m a g e m , m a s e s s a c r í t i c a d e p e n d i a d a

p o ss ib i l i d ad e d e h av er u m a o u t r a p l a t é i a , u m a p la t é i a m i l i t an te , p a ra a q u a l ate la ser ia o quadro-negro e a t r i lha sonora , nada mais que o in íc io de umd iá lo g o . N a v e rd a d e , q u a n d o G o d a r d e G o r in fiz e ra m u m film e q u e r e a lm e n t et en tav a a t in g i r o s e s tu d an tes m i l i t an tes , a l ém d e a em isso ra q u e so l i c i to u ot r ab a lh o se r ecu sa r a ex ib i - lo ( so b o ag o ra p rev i s ív e l p re t ex to d e q u e n ão e ra

     2     5

[ 8 ] Chr is t ine Aya, que t raba lhou como montadora em todo o mater ia l do Grupo Dziga Ver tov , enfa t iza a na tureza

a legre do t raba lho colabo ra t ivo .

Page 27: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 27/120

su f i c i en tem en te p o l í t i co ) o f i lm e t am b ém n ão co n seg u iu co n q u i s t a r q u a lq u ert ip o d e p l a t é i a p o l i t i zad a . O n o m e Lutas na Itália p o d e e v o c a r i m a g e n s d ees tu d an tes e t r ab a lh ad o res em co n f ro n to co m a p o l í c i a , m as , p a ra o G ru p oD zig a V er to v , a l u t a fo i s em p re en t r e o so m e a im ag em . Mai s d e 3 0 an o s

d ep o i s , a in d a é m o t iv o d e r i so s p a ra G o r in o f a to d e o f i lm e t e r s id o f e i toq u a s e q u e i n t e i r a m e n t e e m P a r i s , p o r q u e t o d o o í m p e t o d e s u a a n á l i s ese en co n t ra n o f a to d e q u e é im p o ss ív e l “v e r” u m a s i tu ação so c ia l . S e a jo ve m e stu d a n te ita lia n a , p ro ta go n ista d o film e , se to rn a u m a re vo lu cio n á ria , éa t ra vé s d o e xa m e r e p e t it ivo d e u m a s é r ie m u ito p e q u e n a d e im a g e n s ; a tr a vé sd a r e fle x ã o a r e s p e it o d a s m e s m a s , e la e n t e n d e c o m o s u a p r ó p r ia s u b je t ivi-d a d e é c o n s t it u íd a p e l a lu t a d a s c la s s e s 9 .

O f ilm e é t ran q ü ilam en te o t rab a lh o m ais p o l ít ico e t eo r icam en te co e ren te d o G ru p o

D z ig a Ve r t o v. P e lo m e n o s e m p a r t e , p o r q u e é b a s e a d o q u a s e q u e in t e ir a m e n t e ,n a r eação d o p ró p r io A l th u sse r ao s ev en to s d e m aio d e 1 9 6 8 , d esc r i t a n o seue n s a i o Ideology and Ideological State Apparatuses ( Id eo lo g ia e ap a re lh o sideo lóg icos do Estado) 10 . Al thusser fo i jun to com a esposa ass is t i r ao f i lme nas a la d e m o n t a g e m , n a Ru e d e Re n n e s e , se g u n d o G o r in , c h o r o u .

A l th u sse r p o d e t e r se em o c io n ad o m u i to , m as n ão co n s t i tu í a u m a p la t é i a g ran d e .O ú n i c o l u g a r o n d e t a m a n h a p l a t é i a p o d i a s e r e n c o n t r a d a e r a n o s c a m p ia m e r ic a n o s . Q u a n d o G o d a r d fe z u m a t u rn ê c o m o film e A chinesa , em 19 6 8 , a

v iage m inclu iu um a m ost ra no Pacific Film Arch ive, on de o cu rado r Tom Lud dyorgan izara um a re t rosp ect iva to ta l. Lud dy fo i es tud an te d e Berkele y , o e p icen t rodo m ovim en to an t igue rra , e era f iliad o a o Ma ois t P rogress ive Lab ou r Par ty (Par-t ido Trabalh is ta Progress is ta Maoís ta) . E le acompanhou Godard a Los Angeles ,on de King Vido r , Jea n Ren oir e Fritz Lan g es t iveram pre sen tes nu m a e xib ição d eA chinesa e p a r tic ip a r a m d e u m a m a n ife s t a çã o p e la lib e r d a d e d e H u e y N e w to n ,n a c a d e ia d e O a k la n d 11 .

     2     6[ 9 ] P a r a u m a a n á l is e m a is e x te n s a d e Lutas na Itália e d e o ut ros f ilm es d o ( grupo ) Dziga Ver tov , vide Col in M ACCABE,

Godard: Images, Sounds, Politics . , cap ítulos 3-5.[ 10 ] Ide ology an d Ide ologica l Sta te Appara tuse s (No tes Towa rds an Inves t iga t ion ) . In : Lenin and Philosophy and 

Other Essays. Traduzido por Ben Brewster. London, New Left Books, 1971. pp. 121-173. O ensaio foi escri to no

c o m e ç o d e 1 9 6 9 e p u b l ic a d o p r im e i ra m e n t e n a F r a n ç a , e m a b r il d e 1 9 7 0 . G o r in o le u lo g o a p ó s t e r s id o e s c rit o e

antes d e f ilm ar Lutas na Itália , e m d e z e m b r o d e 19 6 9 . A m a io r p a r t e d o f ilm e f o i film a d a n o a p a r t a m e n t o d e G o d a r d

e W i a ze m s k y, n a Ru e S a in t -Ja c q u e s , e m b o r a t e n h a h a v id o a lg u m a s t o m a d a s e m Ro m a e M ilã o .[ 11 ] Godard f icou imedia tamente fasc inado pe los Black Panthers (Panteras Negras) . Quase todas as suas car tas e

t e le g r a m a s a L u d d y d u r a n t e o s d o i s a n o s s e g u in t e s in c lu í a m p e d id o s d e m a t e r ia l d o s P a n t h e r s e e s t e m a t e r ia l é im e -

d i a ta m e n t e r e fle t id o e m One Plus One .

Page 28: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 28/120

Lu d d y se to rn o u a co n e xão a m er ican a d e G o d a rd e fo i e le q u e m o rg an izo u a p r im e irade uma sér ie de tu rnês do Grupo Dziga Ver tov na p r imavera de 1970 . Hav iaum motivo financeiro para isso. As solici tações das emissoras de televisão erampouco lucrat ivas e o cachê de mi l dó lares para fa lar em cada even to que Luddy

arrumou foi uma adição significante aos fundos do Grupo Dziga Vertov. ParaGorin , pelo menos , i s to sa t i s fez a necess idade desesperada de uma p la té ia .De acordo com a le i tu ra d as h is tó rias a resp ei to d as v is itas de God ard e Gor in n aim p ren sa underground d a ép o ca , n ão se p o d e d ize r q u e a p l a t é i a fo i m u i torecep t iva , m as e ra en fim u m a p la t é ia – e u m a q u e ce r t am e n te se g ab av a d e u mrad icalism o com par t ilhad o .

O s Es tad o s U n id o s fo rn ece ram u m a resp o s ta p a rcia l ao p ro b lem a p la t é ia , m as u m a so -lução m ais sa t is fa tó r ia , de acordo com o e svaziam en to da m aré revo lucion ár ia n os

Estado s Unidos e na França, foi film ar um a revolução verdad eira. A gue rra d e 1967en tre á rabe s e israelen ses h avia radicalizad o o s palest ino s de form a violen ta. Apó sd u a s d écad as d e esp e ra p e la so lu ção d o s seu s p ro b lem as p o r p a r t e d o s Es tad o sá rab es , o s p a les tin o s se e n co n t ravam sem a m arg em esq u erd a d o r io Jo rd ão , q u eha via s ido o cupa do p elos is raelen ses . Um a grande qu an t idad e de facções revo lu -cion ár ias su rg iu n a Jo rdân ia e com eçou a cr iar um Estado d en tro d o Estado .

G o d a r d e G o r i n c o n c o r d a r a m c o m u m p e d i d o d a L i g a Á r a b e p a r a f a z e r u m f i l m eso b re a s i tu ação p a les t in a e , n o in í c io d e 1 9 7 0 , p assa ram b as t an te t em p o n a

Jo rd ân ia , co m G o d ard fr eq ü en tem en te vo lt an d o d e av ião p a ra a Fran ça p a ra ve rWiazem sk y . P a ra o G ru p o D z ig a V er to v n ão h av ia a q u es t ão d e s im p lesm en te“en co n t ra r im ag en s” , o e r ro d e Sons britânicos e Pravda ; o esforço crucial era“co n s t ru i r ” a s im ag en s , p ra t i ca r a m o n tag em an tes d a f i lm ag em . Mas es t e se s fo r ço s fo r a m a t ra p a lh a d o s p e lo f a to d e q u e n e m G o d a r d n e m G o r in f a la va márabe. E les se v i ram freqüen temente escu tando um d iscurso longo e compl icadosó p a ra d e p o is o u v ir o in té rp re t e t r ad u z i-lo em p o u cas p a lav ras : “N ó s lu t a rem o saté a vitória”.

No fina l, Jusqu’àla victoire s e to r n o u o n o m e d o f ilm e , m a s a n t e s q u e e le s p u d e s s e m

te rm in ar a m o n tag em , o d in h e iro fo rn e c id o p e la Lig a Árab e se e sg o to u . A sa íd afo i ace i t a r a o fe r t a d e u m a em isso ra a l em ã p a ra f aze r u m f i lm e so b re o ju lg a -m en to co n sp i r a tó r io em C h icag o , q u an d o , d ep o i s d o s d i s tú rb io s p ú b l i co s n aC o n v en ção D em o cra ta d e 19 6 8 , d ive r so s r ad ica is fo ram a ju lg am en to so b a cu -saçõ es f a l sas . E m en t r ev i s t a s n o s cam p i am er i can o s n aq u e la ép o ca , G o d ard eG o r in d e ix a ram c la ro q u e n ão t in h am m u i to in t e res se p o r Vladimir e Rosa ,c o m o e le s o c h a m a va m ; q u e e s t e e r a a p e n a s u m in s t ru m e n t o p a r a fin a n c ia r ofilm e p a les t in o , e t a l a t it u d e t ran sp arece n o q u e é c la ram en te a m en o s in t e res -

san te das exper iências do Grupo Dziga Ver tov .

     2    7

Page 29: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 29/120

M a s s e Vladimir e Rosa fo i u m a b a g u n ç a q u e p a s s o u p o r u m a a r ru m a ç ã o rá p id a , u md e s tin o m u ito p io r e sp e rava Jusqu’àla victoire . En q u an to G o d ard e G o r in film a-vam e m on tavam , a s ituação p o lít ica se to rnou cada vez m ais vo lá t il, com m uitasv o zes p a les t in as c lam an d o p o r u m a d e r ru b ad a r ev o lu c io n ár ia d o Re i Hu sse in e

a t o m a d a d o E s t a d o j o r d a n i a n o c o m o p r e l ú d i o d e u m a g u e r r a g e n e r a l i z a d acon tra Is rael . De fa to , a s i tuação es tava tão vo lá t i l que Godard ped iu que Clau-d e N e d j a r, q u e a g o r a tr a b a lh a v a co m o p r o d u to r d e t o d o s o s film e s d o G r u p oD zig a V er to v , p ro v id en c ias se u m a p o r t a b l in d ad a p a ra a sa l a d e m o n tag em .N es ta ép o ca , G o d ard já h av ia sa íd o d o ap ar t am en to n a Ru e S a in t -Jacq u es e d o r -m ia n a sa l a d e m o n tag em . E ssa co n ju n ção t ão im ed ia t a d e v id a e t r ab a lh o ,co m o m u i to s o u t ro s e l em en to s d o p e r ío d o D z ig a V er to v , t ro u x e seu s f ru to sm ais tarde . Em ret rospe cto , Godard v iu i sto com o se nd o u m a e spécie d e imi tação

d a c l ín i ca d e seu p a i1 2

. O s ev en to s n a Jo rd ân ia ev o lu í r am co m m u i t a r ap id ez .N o o u t o n o d a q u e l e a n o , H u s s e i n l a n ç o u u m a t a q u e c o n t r a a r e v o l u ç ã op a l e s t i n a e m u i t o s p a l e s t i n o s m o r r e r a m n u m m ê s q u e a i n d a l e v a o n o m e d eS e tem b ro N e g ro . A v itó r ia d a r ev o lu ção se to rn o u a m a is am arg a d as d e r ro tas .

A e s t a a l t u r a , b o a p a r t e d o e n t u s i a s m o i n i c i a l c o m Vento do Leste t i n h a s ed i ss ip a d o . Exis t ia u m d e s e jo p o r p a r te d a d u p l a G o d a r d e G o r in d e a u m e n t a ro g ru p o , e e s fo rço s fo ram fe i to s co m G éra rd Mar t in e N a th a l i e B ia rd ,e x - a m a n t e d e G o r i n , p a r a a u m e n t a r a p a r t i c i p a ç ã o a t i v a , m a s e s t e s n ã o

f o r a m b e m - s u c e d i d o s

1 3

. F in a lm en te , d es i lu d id o s , e l e s d ec id i r am faze r u mfilm e m ai s co m erc ia l.U m a d as m a io res ên fases d o G ru p o D z ig a V er to v e ra a p r im az ia d a p ro d u ção , m as

seus f i lmes não eram v is tos ; agora e les far iam um f i lme que ser ia d is t r ibu ído .N o s p r im e i ro s m ese s d e 19 71 , co m a a ju d a d o ca r ism át ico p ro d u to r Jean -P ie r r eRa s s a m , e le s m o n t a r a m u m film e , Tudo vai bem , fin an c iad o p e la G au m o n t , q u ee xam in av a a lu t a d e c la s ses n a F ran ça q u a t ro a n o s d e p o is d e 19 6 8 . Yves Mo n -tan d , u m d o s g ran d es a s t ro s d o c in e m a fr an cês , fo i co n v o cad o ju n to co m Jan eF o n d a , q u e n a q u e l a é p o c a e s t a v a n o a u g e d e s u a c a r r e i r a 1 4 . A m b o s e r a m c o -

n h e c i d o s a t i v i s t a s d e e s q u e r d a . T a l e r a o p o d e r d o n o m e d e G o d a r d e t ã o   2     8

[ 12 ] Entrevis ta , Jean-Luc Godard , dezembro de 1988.[ 13 ] O G r u p o D z i ga Ve r t o v n ã o e m it ia c a r te i rin h a s d e m e m b r o s , m a s o s n o m e s a s e g u ir fo r a m a s s o c ia d o s a e l e , p o r

a lgum tempo: Paul Bourron , Jean-Pier re Gor in , Armand Marco , Gérard Mar t in , I sabe l le Pons , Jean-Henr i Roger ,

R a p h ä e l S o rin , An n e W ia z e m s k y. Bo u r r o n e M a r co e r a m o p e r a d o r e s d e c â m e r a . Se a s m u l h e r e s p a r t ic ip a r a m d o

g r u p o , is s o é d i sc u t ív e l. Cla u d e N e d j a r s e m p r e a t u o u c o m o o p r o d u t o r.[

14]

Ela g a n h a r ia o O s c a r n o a n o s e g u i n te ( 1 9 7 2 ) p o r Klute, o passado condena (dir. Alan Pakula).

Page 30: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 30/120

a t r aen te a p o ss ib i l i d ad e d e f aze r u m f i lm e p o l í t i co co m erc ia l co m e le q u e o sd o i s c o n c o r d a ra m e m t ra b a lh a r s e m a d ia n t a m e n t o d e c a c h ê e s ó c o m a p a r t ic i-p ação n o s lu c ro s .

T a m b é m h a v i a u m a p a r t e a m e r i c a n a n o n e g ó c i o , e n o d i a 9 d e j u n h o d e 1 9 7 1 ,

G o d ard e G o r in e s t avam p res t es a p e g ar u m av ião p a ra N o v a Yo rk co m op ro p ó s ito d e as s in a r co n t ra to s co m Fran k Yab lan s , d a P a ram o u n t . Eles se en co n -t ra r a m n a Ru e d e Re n n e s , o n d e G o r in d e s c o b r iu q u e h a v ia d e ixa d o s e u p a s s a -p o r t e e m c a s a . C o n c o rd a r a m e m s e e n c o n t ra r n o a e r o p o r t o , m a s a n t e s G o d a r dq u er i a p assa r n u m a l iv ra r i a p a ra co m p ra r Meti – um tex to de Brech t . Chr is t ineA y a , a m o n tad o ra q u e t r ab a lh av a co m o s d o i s n a ép o ca , se o fe receu p a ralevar Godard na sua moto . “Não faça i sso ,” b r incou Gor in , “você vai so frer umac id en te . ” N o f in a l d a R u e d e R en n es , u m ô n ib u s q u e es t av a en t r an d o n a ru a

p r e n d e u a m o t o e G o d a r d d e b a ixo d a r o d a d ia n t e ir a . G o d a r d q u e b r o u a b a c ia ,f ra tu rou o crân io e so freu vár ias d i lacerações no corpo . Na p r imeira no i te nohosp i ta l , Gor in fo i in fo rmado que seu parcei ro cer tamente i r ia morrer . E le sórecu p e ro u a co n sc iên c ia d ep o is d e se is d ias e en t ro u e sa iu d o h o sp it a l d ive r sasve z e s d u r a n te m a is d e d o i s a n o s . A m o n t a d o r a t a m b é m s o fr e u le s õ e s g ra ve s .Para Godard, isso foi “o f inal lógico de 1968”.

Mas a in d a h av ia n eg ó c io s a se rem co n c lu íd o s . O m ai s im p o r t an te p a ra G o r in e ra aq u e s tã o d o s e g u r o m é d i co d e G o d a r d . Ra s s a m te le fo n a r a p a r a e le d iz e n d o q u e

Jan e Fo n d a es t av a sa in d o : “Ela e vo lu iu e n ã o q u e r tr ab a lh a r co m h o m en s .” Seela sa ísse , o f i lme ru i r ia , e Godard não ter ia cober tu ra . Gor in fo i v is i tá- la ec o n v e n c e u - a a p e r m a n e c e r n o film e . Em d e z e m b r o , a p e s a r d e a in d a e s t a r e mt ra t am en to , e co m a p e r sp ec t iv a d e m ai s in t e rn açõ es h o sp i t a l a res à su a f r en te ,G o d ard es t av a p ro n to p a ra in i c i a r a f i lm ag em . A t r am a d e Tudo vai bem és im p les : u m casa l – u m d i r e to r d e f i lm es e u m a rep ó r t e r d e r ád io – f az u m av i s i t a a u m a fáb r i ca p a ra q u e e l a f aça u m a m até r i a so b re a s i tu ação a tu a l d aFran ça . En q u an to es t ão lá , e le s se en vo lvem n a o cu p ação d a fáb r ica e sã o a p r i-s io n a d o s j u n t o c o m o p a t rã o e m s e u g a b in e t e . Ta is “s e q ü e s t ro s ” e r a m u m a d a s

t á t i cas e sq u erd i s t a s p re fe r id as ap ó s 1 9 6 8 . O e fe i to d a v i s i t a i n d u z o casa l ar e f l e t i r h i s to r i cam en te so b re su as p ró p r i as v id as , e o f i lm e t e rm in a co ma g e n e r a liz a ç ã o d e s u a d e s c o b e r t a p a r a t o d a a F ra n ç a .

A es t ru tu ra d o f i lm e é , d e a lg u m a m an e i ra , p a rec id a co m a d e Vento do Leste e d eLutas na Itália , mas o con teúdo é f ic t íc io , apesar de d is tanciado . Tudo vai bem fo i i n sp i r ad o n ão em A l th u sse r , m as s im em B rech t . F i cam o s c i en tes d a câm e-r a , s e m p r e f i x a o u d e l i b e r a d a m e n t e e m m o v i m e n t o , s e m p a n o r â m i c a s o uzooms ; f i cam o s c i en tes d o p a lco – a f áb r i ca p a rece u m cen ár io – , e f i cam o s

c ie n t e s d o s a t o re s , d e M o n t a n d e Fo n d a c o m o p e r so n a g e n s , m a s p e r s o n a g e n s

     2     9

Page 31: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 31/120

n ão m u i to d ife ren tes d e su as p e r so n a l id ad es p ú b licas . O f ilm e co n s tan tem en ted e m o n s t r a a s c o n d i ç õ e s d a s u a p r ó p r i a p r o d u ç ã o , e s p e c i a l m e n t e n a c e n a d ea b e r t u r a d o s c r é d i t o s , e m q u e o c u s t o d e c a d a i t e m é e s c r i t o n u m t a l ã od e ch eq u es q u e v a i f i can d o cad a v ez m ai s co m m en o s fo lh as . A d e te rm in ação

d o G ru p o D z ig a V er to v d e m o n ta r an tes d e f i lm ar f ez co m q u e o s t r ab a lh ad o -res d a f áb r i ca fo ssem jo v en s a to res d esem p reg ad o s . G o d ard e G o r in ach aramq u e se u sassem t rab a lh a d o res d e v e rd ad e , e s te s fica r iam t ão in t im id ad o s p e lo sas t ro s q u e o f i lm e n ão co n seg u i r i a r e t r a t a r n ad a d o a t r i t o p ro le t á r io /b u rg u ês ,n ecessá r io p a ra an im ar a cen a cen t r a l . Mas a to res d esco n h ec id o s co n t racen an -d o co m as t ro s e ra a lgo d ig n o d e se r film ad o .

Tr in t a an o s m a is t a rd e , o film e a in d a t em va lo r . O s m ecan ism o s b rech t ian o s r ea lm en -t e fu n c io n am – fo rn ecen d o t an to d i s t ân c ia co m o en g a jam en to – e o f i lm e

fo rn e ce u m re t ra to b as t an te f ie l d as in sa t is façõ e s d e t rab a lh o , tan to n a p ro d u -ção m ass ificad a co m o n a m íd ia au d io visu a l . O p ro b lem a , n o e n tan to , co n t in u as e n d o a p o lít ic a . O n d e a lu t a d e c la s s e s d o s m a o ís t a s e a id e o l o g ia a l th u s s e -r ian a f racassa ram , o film e o fe rece u m a seq ü ê n c ia fin a l em q u e o s e sq u erd i st a ss a q u e ia m u m s u p e r m e r ca d o ( o u t r a fa vo r ita , d e n t r e a s t á tic a s c o n te m p o r â n e a s ) .D e m u it a s m a n e ir a s, o film e f u n c io n a c o m o u m a e l e g ia a u m m o m e n to h is tó -r ico , m as fa lt a a co rag em d o s seu s p ró p r io s insights , que en vo lver ia u m a cr ít icam u ito m a is r ad ica l à p o lít ica d e esq u e rd a .

En t re a m o n t a g e m d o film e e a v e ic u la ç ã o d o m e s m o , u m jo v e m m ilit a n te m a o ís ta ,P ie r r e O v ern ey , fo i m o r to a t i ro s n o p o r t ão d e u m a fáb r i ca d a R en au l t . S euen te r ro se to rn o u a ú lt im a g ran d e m an i fes t ação d e m aio . G o d ard d is se a G o r inq u e e s t a e ra a p la t é ia p a ra seu film e , e le s só p rec isav am ach ar u m a m an e ira d ea lcan çá- la . Mas Alth u sse r co m en to u , ta lvez co m u m p o u co m ais d e p resc iên c ia ,q u e o s en lu tad o s es t av am a l i “p a ra en te r r a r o e sq u erd i sm o ” .1 5 Tudo vai bem 

nu nca con segu iu de fin i r se e xis t ia p ara e n te r rar o u e xal tar , e se u fina l g lo r ifica avio lê n c ia , q u e e r a u m d o s a s p e c to s m e n o s a t ra e n te s d o e s q u e r d is m o . D e fa t o ,m esm o em 1 9 8 0 , G o d ard d i s se : “P ara m im , a t é h o je o s t e r ro r i s t a s co n t in u am

s e n d o o s h e r d e ir o s .” 16

A f i l m a g e m d e Tudo vai bem fo i i n fe l i z e seu l an çam en to , u m d esas t r e c r í t i coe c o m e r c i a l . C o m o s e p a r a c o m p l e t a r u m c í r c u l o d e t r i s t e z a , o f i l m e

     3     0

[ 15 ] Lou is ALTHU SSER, L’Avenir dure longtemps . Paris . Stock/IMEC, 199 2. p . 225 . Em Le fond de l’air est rouge , Chris

Marker descreve o funera l de Overney como o “úl t imo cor te jo” .[ 16 ] Colin M ACCABE. op. cit ., p . 7 5 . Em b o r a n ã o e xis ta m r e g is tr o s d e G o d a r d o u G o r in a t iv a m e n t e a p o i a n d o o t e r-

r o r is m o , So r in c o n t a u m a e s t ó r ia h i la r ia n t e e a s s u s t a d o r a d e B o u r r o n q u e r e n d o fa z e r u m a b o m b a d u r a n t e a s f ilm a -

g e n s d e Vento do Leste . Sor in suge r iu qu e e le f izesse u m a “m ui to p eq ue na”; fo i o suf ic ien te para d es t ru i r o b anh ei ro

d o h o t e l o n d e e l e s e s ta v a m h o s p e d a d o s . G o d a r d s e r e fe r e à e s t ó r ia c o m o u m a le n d a .

Page 32: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 32/120

s e g u i n t e d e G o d a r d e G o r i n , Carta para Jane , f o i u m a t a q u e f e r o z à s u ae s t r e l a r e c e n t e . O f i l m e é c o m p o s t o d e u m a ú n i c a i m a g e m – u m a f o t o g r a f i ad e J a n e F o n d a n o V i e t n ã d o N o r t e . O c o m e n t á r i o , a “ C a r t a p a r a J a n e ” ,a n a l i s a a f o t o e m t e r m o s d a r e p r e s e n t a ç ã o d o m u n d o p o r p a r t e d a m í d i a

c o n t e m p o r â n e a . Ta m b é m a n a lis a a fo t o e m t e rm o s d a h is tó r ia d o c in e m a – am a n e i r a c o m o a e x p r e s s ã o n o r o s t o d e F o n d a , q u e é m u i t o p a r e c i d a c o m ad e s e u p a i H e n r y , é o e q u i v a l e n t e e m a t u a ç ã o d o N e w D e a l : p r e o c u p a ç ã olib e ra l b e n ig n a .

P a ra G o r in , o film e c o n tin u a s e n d o u m d o s r a r o s e xe m p lo s d e u m e s t u d o s o b r e ah i s tó r i a d a a tu ação c in em ato g rá f i ca , e e l e d e fen d e a in t e l ig ên c ia d a an á l i se .M a s n a é p o c a o film e fo i p e r ce b i d o c o m o u m a t a q u e f e ro z d e d o is h o m e n s au m a m u lh e r q u e n ã o t e v e a c h a n c e d e s e d e fe n d e r . Tr in t a a n o s d e p o is , e le p a -

r e c e c o n f ir m a r o q u e An n e W i a ze m s ky le m b r a c o m o a “ m is o g in ia ” d o G r u p oD z i g a V e r t o v . G o d a r d f a l o u d i r e t a m e n t e s o b r e a r e l a ç ã o d o g r u p o c o m a sm u lh e r e s n u m a e n t re v is ta a m e r ic a n a :

A b ase p a ra Lutas na Itália fo i a ten ta t iva de conci l iar nossas v idasp e s s o a is c o m a s n o s s a s e s p o s a s . Tín h a m o s p r o b le m a s c o m o in d i víd u o s ,m as es t e s e ram re l ac io n ad o s ao p ro b lem a g e ra l . E n tão esco lh em o s , d e l i -b e r a d a m e n t e , u m a s s u n t o q u e e r a f o r t e m e n t e r e l a c i o n a d o à n o s s a i d e o -

lo g ia , p o r q u e , a té q u a n d o fa la m o s c o m a m u lh e r p e la q u a l e s t a m o s a p a i-xo n ad o s , o u q u an d o e s sa m u lh e r fa la co n o sco , is to é id e o lo g ia .

N ó s t e n t a m o s , e f o i u m f r a c a s s o t o t a l , p o r q u e t e r m i n a m o s o f i l m es o z in h o s . N o s s a s e s p o s a s p e n s a ra m n a q u e l a é p o c a q u e a q u e l e e r a a p e -n a s n o s s o t r a b a l h o – a q u e l a c o i s a , “ e s s e é o s e u t r a b a l h o . E u t a m b é mt e n h o m e u t ra b a lh o , e e s t e é o s e u ” . Te n t a m o s fa z e r o film e p a r a e xp o ro p r o b le m a – n ã o p a r a r e s o lvê - lo , m a s a p e n a s p a r a e xp ô -lo – , p a r a d iz e r ,“ E s t e é o n o s s o t r a b a l h o d o p o n t o d e v i s t a t é c n i c o , s i m , m a s d e u m

p o n to d e v i s t a m a i s g en era l i zad o é a n o ssa v id a” . A t en ta t iv a d et r a b a l h a r j u n t a m e n t e c o m a s n o s s a s e s p o s a s n o s f i l m e s , q u a n d o e l a sn e m s e in t e r e s sa va m m u it o p o r film e s , e r a c o r re t a n a q u e le m o m e n to 17 .

A fotógrafa do retrato de Tudo vai bem era uma jovem suíça, Anne-Marie Miéville(cred i tada com seu nome de casada, Anne-Marie Michel ) , que Godard conheceuem 1970 . O re lacionamento hav ia se in tens i f icado duran te a época em que e le

     3     1

[ 17 ] Michae l GO O DWIN; Tom LUDDY e Nao m i WISE. , The Dziga Ver tov Grou p. In : “Am er ica : an In te rv iew wi th Jean -Luc Go dard and Jean -Pier re Go r in” , Take One , vol .2, n.10 (março-abril de 1970).

Page 33: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 33/120

en trava e sa ía do hosp i ta l depo is do aciden te de moto , e Godard agora quer iaen co n t ra r m an e i r as d e a l can çar a id é i a d e u m es tú d io d e v e rd ad e , u m q u eincluiria tanto Miévil le como Gorin . A revolução havia terminado e as discussõeseram sobre o t ipo de es t ru tu ra em presar ia l ne cessár ia pa ra e les p od erem realizar

suas a m bições c ine m atográficas . Gor in confessa qu e essas d iscussões d e ne gócioso en ted iavam, mas e las resu l taram na fundação de uma empresa , Tou t Va AssezBien (Tud o vai m ais ou m en os be m ), da q ual e le e ra o represen tan te legal.

A co m p an h ia t in h a d o i s p ro je to s in ic ia is , u m film e esc r ito p o r G o r in , co m o n o m e d eAilleurs immédiat  ( I m e d i a t a m e n t e e m o u t r o l u g a r ) , e u m e s c r i t o p o rG o d a r d , c h a m a d o Moi, je . A injunção final de Tudo vai bem e r a “ p e n s a r s o b r es i m esm o h i s to r i cam en te” , e am b o s o s f i lm es e ram t en ta t iv as d e f azê - lo , m asc o m q u e s tõ e s d e s u b je t ivid a d e e s e xu a lid a d e a g o r a m is tu r a d a s p r o fu n d a m e n t e

co m q u es tõ e s d e p o lít ica e h is tó r ia . O n o m e p a ra o f ilm e d e G o r in fo i t ir ad o d eG eo rg es B a ta i l l e , o g ran d e t eó r i co d o e ró t i co q u e m o r reu n o in í c io d o s an o s1 9 6 0 , m as cu jo s p en sam en to s fo ram c ru c ia i s p a ra F o u cau l t , D er r id a , B ar th ese para a rev is ta Tel Quel . Ailleurs immédiat foi o primeiro f i lme da TVAB ase r p ro d u z id o .

O s sets d o s film es e ram n o tó r io s p e lo seu cao s se xu a l . Ailleurs immédiat , c o m o e r o -t i sm o co m o seu as su n to cen t r a l , e co m G o r in n o p ap e l p r in c ip a l e co m odire to r , es tava des t inado a es tabelecer recordes de caos . A at r iz p r incipal , que

e s t a v a t e n d o u m c a s o c o m G o r i n , t r a n s f e r i u s u a s a t e n ç õ e s p a r a u m a o u t r aM u lh e r d o e le n c o , e q u a n d o a s d u a s m u lh e r e s d e c id ir a m q u e o d ir e to r e s t a vas e c o m p o r t a n d o d e m a n e ir a m a c h is ta , a film a g e m im p lo d i u 1 8 . Gorin foi para aC a l i fó rn ia , o n d e T o m L u d d y es t av a esp e ran d o p a ra cu id a r d e le e a r ru m ar - lh eu m em p reg o , e o G ru p o D z ig a Ver to v já e ra co isa d o p assa d o .

É difíci l encontrar um maoísta no século XXI. Depois da morte do Grande Timoneiro *,as terríveis realidades do Great Leap Forward ** e da Revolução Cul tu ra l começa-ram a ap a rece r. Q u an d o a C h in a e o Vie tn ã e n t ra ram em g u er ra n o fin a l d o s an o sseten ta , o marx ismo-len in ismo se to rnou um termo h is tó r ico . Para completar

es t e q u ad ro , o m éd ico d e Mao p u b l i co u su as m em ó r ias 1 9 , que deixaram mui toclara a verdade da f rase d i ta por Lorde Acton , “o poder tende a corromper , e op o d er ab so lu to co r ro m p e ab so lu tam en te” . Mas se p en sa rm o s n o g ran d e s lo g an

     3     2

[ 18 ] Isabe lle Po ns . Ent revis ta , março de 2002 .[ * ] Mao Tse-Tung.[ ** ] Per íodo de grande cresc imento econômico na China , en t re 1957 e 1961. (N. do T. )[ 19 ] Zhisu i LI. The Private Life of Chairman Mao (A Vida Privada do Camarada Mao). New York, Random House, 1996.

Page 34: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 34/120

d e Mao , q u e n ó s d ev em o s co n ta r co m n o ssas p ró p r ias fo rças , s e co n s id e ra rm o sa ê n fase m ao ís ta n a n eg ação d e u m a sep aração e n t re o t rab a lh o in t e lec tu a l e ot rabalho manual , ou sobre a necess idade de encon trar um equ i l íb r io d i feren teen t re o cam p o e a c id ad e , p o d e- se a rg u m en ta r q u e a v id a d e G o d a rd d esd e 1 9 6 8

d em o n s t r a q u e , i n d ep en d en tem en te d e q u ão p o u co s t ex to s d e Mao e l e t en h alido, ele os leu com muita atenção. Exist ia também um legado até mais duradouro.O maoísmo f rancês hav ia se au to def in ido como uma “Nova Resis tência” ,argum en tando qu e o país a ind a e s tava ocu pad o p elo cap ita l. Es ta é um a ide n t ifi-cação q u e G o d ard n u n ca ab an d o n o u . A id é ia d e q u e o c in e m a fo i vítim a d e u m ao cu p ação , u m a o cu p ação a q u e e le d ev e r es is tir , é u m d o s t em as m ais reco r ren -tes das e n t rev is tas de Go dard n as ú l tim as t rês d écad as .

Q u a n t o a o s f i l m e s d o G r u p o D z i g a V e r t o v , e l e s f o r a m f e i t o s p a r a u m a p l a t é i a

q u e n ã o e x i s t i a n a é p o c a , e é d i f í c i l i m a g i n á - l o s e n c o n t r a n d o u m av e r d a d e i r a a g o r a . S u a p o l í t i c a p a r e c e g r o t e s c a , s e n ã o o f e n s i v a , m a s éd i f í c i l i m a g i n a r u m a c r í t i c a m a i s a b r a n g e n t e d o m u n d o a u d i o v i s u a l d ein fo r m a ç ã o , u m m u n d o c u jo d o m ín io é m u it o m a io r h o je d o q u e q u a n d oo s f i l m e s f o r a m f e i t o s . G o d a r d d e s e n v o l v e u e s s a s t e s e s a o i n v é s d ea b a n d o n á - la s . A s e p a r a ç ã o q u e G o d a r d e fe t ivo u e m 19 6 8 n u n c a fo i r e n u n -c i a d a ; m a s s i m a m p l i a d a e i n t e n s i f i c a d a . S e u s f i l m e s n ã o g e r a m m u i t op r a z e r , m a s q u a l q u e r p e s s o a q u e q u e i r a f a z e r u m d o c u m e n t á r i o , c o n s c i -

e n t e m e n t e o u i n c o n s c ie n t e m e n t e , v a i u t iliz a r té c n ic a s , e s t r a t é g ia s e p r o c e -d i m e n t o s q u e f o r a m a n a l is a d o s b r ilh a n t e m e n t e n a s o b r a s d o G r u p o D z ig aV e r t o v . A c o l a b o r a ç ã o c o m G o r i n é r e c o n h e c i d a p e l o s d o i s c o m o u m ac o l a b o r a ç ã o r e a l . P a r a G o d a r d , G o r i n d a v a - l h e o i m p u l s o q u a n d o e l ee m p a c a v a : “ E r a u m a m a n e i r a d e c o n t i n u a r n o r a m o ” . D i s s e G o r i n s o b r eG o d a r d : “Eu lh e d a v a e s p e r a n ç a q u a n d o e le n ã o t in h a n e n h u m a ”.

Q u a n t o a m a i o d e 1 9 6 8 e m s i , q u e m s a b e o q u e a s g e r a ç õ e s f u t u r a s p o d e r ã oen co n t ra r n e s te m o m en to ext rao rd in á r io – d e n t ro d e q u a is lin h ag en s m ilen a rese l e a in d a p o d erá se r i n se r id o , d en t ro d e q u a l l ad a in h a b an a l d e id io t i sm o

t rág ico e l e a in d a p o d e rá d esa p arece r? G o d ard d i sse q u e n a r ea lid ad e a N o u v e lleV ag u e (N o v a O n d a) fo i a Ú l t im a O n d a , e 1 9 6 8 ce r t am en te p a rece t e r m a i s emc o m u m c o m u m p a s s a d o d e in s u r re iç õ e s ( h a v ia m e xis tid o b a r ric a d a s e m P a rise m q u a s e t o d a s a s d é c a d a s d e s d e 1 7 8 9 ) d o q u e c o m o f u t u r o d a m í d i a . P a r aRaphäel Sor in , agora d i re to r da ed i to ra Fayard , a sua geração deixou a desejar– na l i tera tu ra , na po l í t ica ou na f i losof ia . Cer tamente , se nós lembrarmos dom o m e n t o n a E c o l e N o r m a l e S u p é r i e u r e e m m e a d o s d o s a n o s 1 9 6 0 , q u a n d oRober t L inhar t p roduzia Cahiers Marxistes-Léninistes e Jacques-Alain Miller

p ro d u z ia Cahiers pour l’analyse ( s e n d o q u e o s d o is fo r a m c o le g a s d e c la s s e d e

     3     3

Page 35: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 35/120

Go rin e de Sor in n a Lou is le G rand ) , é d ifíc il acred itar qu e o luga r de Linh ar t no sl iv ro s d e h i s tó r i a se j a u m ro d ap é ao s ev en to s d e m aio 2 0 , e o de Miller ,u m ro d ap é n a h is tó r ia d a p s ican á lise 2 1 . P o ss ive lm en te , a t é a in d a m ais su rp ree n -d en te e m a i s d i f í c i l d e ex p l i ca r , é a m an e i r a co m o o s p en sad o res d aq u e la

ép o ca ( esp ec ia lm en te F o u cau l t e D er r id a ) se to rn a ram u m a o r to d o x ia acad ê-m ica p a ra lisan te n o s Es tad o s U n id o s .

T a l v e z o v e r d a d e i r o l e g a d o d e m a i o d e 1 9 6 8 s e j a u m c o n j u n t o d e p e r g u n t a s .N o s e u n í v e l m a i s i m p o r t a n t e , o m o v i m e n t o e s t u d a n t i l e r a a n t i a u t o r i t á r i o –u m a r e c u s a a o p o l i c i a m e n t o s e x u a l o u e s t é t i c o . D e m u i t a s f o r m a s , e l e f o im u it o b e m -s u c e d i d o , m a s is to e r a p o r q u e n a d a v a ju n t o c o m a c o rr e n t e z a d oc a p i t a l i s m o e n ã o c o n t r a . O s e v e n t o s d e m a i o f r a c a s s a r a m c o m p l e t a m e n t en a t e n t a t i v a d e p r o d u z i r e s t r u t u r a s a l t e r n a t i v a s . O f r a c a s s o d e s a s t r o s o d e

m i l h a r e s d e o r g a n i z a ç õ e s c o l e t i v a s e m t o d o o m u n d o o c i d e n t a l r e p r e s e n t au m t e s t e m u n h o e l o q ü e n t e à i n c a p a c i d a d e d e e n c o n t r a r n o v a s f o r m a s d ea u t o r i d a d e . S e t o d a a a u t o r i d a d e t i v e s s e s i d o r e m o v i d a , c o m o t e r i a s i d op o s s í v e l r e g u l a m e n t a r a f a l t a d e a c o r d o q u a n d o a r e t i d ã o r e v o l u c i o n á r i at o r n a v a a f a lt a d e a c o r d o im p o s s ív e l?

O aco rd o em p resa r i a l o r ig in a l en t r e G o d ard e G o r in e s t ip u lav a q u e o d in h e i ro se r i ad ivid id o m e io a m e io – a p ó s ( s e m s u r p re s a s a q u i) o s d e s c o n t o s p a r a p a g a r o si m p o s t o s a t r a s a d o s d e G o d a r d . Q u a n d o G o r i n f o i e m b o r a , d e i x o u a e m p r e s a

p ara t r á s . B em m ai s t a rd e , G o d ard l ig o u p a ra e l e em L o s A n g e les e d i s se q u eele p recisava vo l tar a Par is para t ra tar d isso . Para Gor in , as ques tões de a luguele sa l á r io n ão s ig n i f i cav am m u i to e d ev er i am se r t r a t ad as p o r G o d ard ; G o d ardd isse: “Algué m pre cisava lavar a lou ça, lim pa r os c inze iros . .. co isas qu e Go r in –co m o to d o s o s m ilit an tes q u e co n h e c i – n ão q u er ia faze r”.

A Tou t Va Assez Bie n fina lm en te faliu sob a b an de ira d e “inso lvência fraud ulen ta”, pa rausar o termo ju r íd ico f rancês , e Gor in fo i p ro ib ido de p rat icar qualquer t ipo dea t ivid a d e co m erc ia l d u ran te t rê s an o s . Alg u m tem p o d e p o is , G o r in , ag o ra lec io -n an d o n a C a lifó rn ia , fo i in fo rm a d o q u e Tudo vai bem hav ia s ido ex ib ido na te-

l ev i são f r an cesa . E le t e l e fo n o u p a ra G o d ard p ed in d o su a p a r t e d o d in h e i ro .O b a te -b o ca fo i tão fe ro z q u e G o r in d es lig o u o t e l e fo n e .

     3     4

[ 2 0 ] Linhar t sof reu um colapso em maio , incapaz de reconci l ia r a pr imazia teór ica da c lasse t raba lhadora com a

revolução es tud ant i l qu e oco r r ia nas rua s fora da Ecole . Gor in fo i ao e ncon t ro na Ecole ond e Linh ar t orden ou a su as

t ropas marxis tas - len in is tas que f icassem longe des ta ba ta lha enganadora . Gor in , como mui tos out ros , ignorou

Linha rt . Vide He rvé HAMON e Patrick ROTMAN. pp . 46 4-81.[ 21 ] M ille r c a s o u - s e c o m a f ilh a d e J a c q u e s L a ca n e s e t o r n o u u m “ g u a rd i ã o d a c h a m a ” d a h e r a n ç a l a ca n i a n a .

Page 36: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 36/120

Page 37: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 37/120

 Jean-Pierre Gorin conquistou destaque internacionalp e la p r im e i ra v ez co m o in t eg ran te d o G ru p oDziga Ver tov , por meio de suas co laboraçõescom Jean-Luc Godard. Esta parceria lhe trouxe

tan to fama quan to descaso : aqueles que admiramos filmes do “período Vertov” costumam atribuirsu as v i r tu d es a G o d ard , co m p o u ca o u n en h u m areferência a Gor in , enquan to mui tos dos que nãogostam dos f i lmes cos tumam considerar Gor in ocu lpad o po r desviar o m est re do cam inho en qua n topegava carona na sua fama. Esta controvérsia tendea obscurecer e ignorar o pequeno , porém impres-

sionante, conjunto da obra produzida por Gorinde sde qu e se sep arou de Go dard , em 1973 . De fa to ,as circunstâncias são tais que é fácil ignorar estesfi lmes: são apenas três longas-metragens e doist rabalhos em v ídeo , bem como uma sér ie de p ro je-tos abor tados ou nunca começados , desenvo lv idoscom intervalos d e ano s, d istribu ído s de form a incon-sistente, e de modéstia deliberada.

E s tes f i lm es so lo , en t r e t an to , p o d em se p ro v ar t ão im -p o r t a n t e s q u a n to a s c o la b o r a çõ e s c o m G o d a r d . Oq u e lh es f a l t a em p ro v o cação e r ad ica l i sm o lh ess o b ra e m c h a rm e e e m c o m p le xid a d e d e fo r m a en u an ce , e s t an d o e l es en t r e a s co n t r ib u içõ es m a i sin v en t iv as e p o ten c ia lm en te f é r t e i s d o g ên ero“f i lme-ensaio” . Caracter izados por uma f idel idaded e te rm in ad a ao s d e ta lh es lo ca i s , r ev e lad o s co mt e r n u r a e h u m o r , s ã o p e s s o a i s e c o m p r o m e t i d o s

d e f o r m a j a m a i s i m a g i n a d a n o s t r a b a l h o s d ope ríod o Verto v. O s três lon gas – Poto and Cabengo 

(1978), Routine Pleasures ( 19 8 6 ) e My Crasy Life 

(1 9 9 1 ) – m erecem se r v i s to s e d i scu t id o s m a i sa m p l a m e n t e ; e o s v í d e o s – Letter to Peter e u mreg is t ro aud iov isual da ópera St. François d’Assise ,d e M e s s i a e n ( a m b o s d e 1 9 9 2 ) – a b r e m n o v o sc a m i n h o s , q u e e s p e r a m o s G o r i n t e n h a a o p o r t u -

n id a d e d e e xp lo r a r m a is a m iú d e .

     3     6

 J   e  a n - P  i    e r r  e 

 G  o r i   n 

    E   r     i     k    U     l   m

   a   n

Page 38: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 38/120

Gorin nasceu em Par is , a 17 de abr i l de 1943 . Seus pais eram judeus esquerd is tas : op a i , u m m éd ico r esp e i t ad o ( e t ro t sk i s t a ) ; a m ãe , u m a m u lh er d e co n s id e ráv e lin te l igência e energ ia um tan to imprev is ível . Após uma juven tude tu rbu len ta ,p o rém ap l icad a , receb eu em 19 6 0 seu b ach are lad o em Filo so f ia . Em seg u id a , m a-

triculou -se n a Sorbo nn e, on de pa rt icipo u d os se m iná rios d e Lou is Althusse r ( inclu-indo aquele def in indo a teo r ia do aparato ideo lóg ico do Estado) , Jacques Lacane Michel Foucau l t . Além d isso , en t re 1965 e 1968 , Gor in t rabalhou como ed i to rn o Le Monde , t e n d o a j u d a d o a c r i a r o s u p l e m e n t o l i t e r á r i o s e m a n a lLe Monde des Livres . N esse p e r ío d o esc reveu d e zen as d e a r t ig o s , co n t rib u in d op ara o s d e b a tes p o lít ico s e e s t é t ico s q u e lev a r iam à r ev o lt a d e m a io d e 19 6 8 .

G o r in c o n h e c e u G o d a r d e m 19 6 7. N e s s a é p o c a , G o d a r d m o s t ra va u m in t e r e s se c re s -c e n t e p e l a g e r a ç ã o m a i s n o v a e , c o n s e q ü e n t e m e n t e , p o r u m a p o l í t i c a m a i s

rad ica l, co m o m o s t ra o film e Masculino feminino (19 6 6 ) . G o r in e ra u m co n ta top e r f e i t o , p o r s e r u m d o s m a i s a r t i c u l a d o s e e n g a j a d o s m e m b r o s d a N o v aE sq u erd a jo v em d a F ran ça . C in é f i lo d esd e a ju v en tu d e , t ev e o d ese jo d e f aze rf i lmes desper tado pelo r igor fo rmal e po l í t ico de Nicht Versöhnt (1 9 6 5 ) , d eJean-Marie S t raub e Dan ièle Hui l le t . Gor in e Godard to rnaram-se amigos: Gor ina j u d o u G o d a r d c o m o f i l m e A chinesa (1 9 6 7 ) , o fe recen d o su a ex p er i ên c iateór ica e p rá t ica , de p r im eira m ão , na m ilitância esq ue rd is ta em ergen te; e e s tevep r e s e n t e d u r a n te p a r te d a film a g e m d e Le gai savoir (1 9 6 8 ) .

Depo is do s acon tecim entos d e m aio d e 1968 , Godard de u a s cos tas à indúst ria d e film esconvenciona is e passou a fazer film es q ue refle t issem um novo com prom et im en topolí t ico e desenvolvessem uma nova prática, um método de “fazer f i lmes poli t ica-m en te”, film es qu e n ão s im plesm en te p rom ulgassem idé ias esqu erd is tas de n t ro d euma estética tradicional e, portanto, desacreditada. A exigência era “voltar à estacazero”, com o anu nciado e m Le gai savoir , “construir im agen s” do n ada , e “com ba tera t i ran ia da imagem sobre o som” 1. Com a assistência e spo rádica de vários a pren -dizes m ais joven s, incluindo Go rin e Jea n-Hen ri Roge r, Go da rd criou Um filme como 

os outros (1968), Sons britânicos (1968) e Pravda (1969) , obras de uma pobreza

técnica agressiva e estridência política. Estes filmes começaram a ser assinados pelo“Grupo Dziga Ver tov”, nom e esco lh ido com o hom en agem ao en tão neg ligenciadomestre do cinema soviético — à sua polí t ica radical , à sua exposição dos funda-m entos m ateria is e fo rm ais do film e, ao seu de sm antelam en to da ilusão d o c ine m a.

     3    7

[ 1 ] Vid e Ja m e s M O N AC O , The New Wave . New York, Oxford Universi ty Press, 1976 . p. 221. O cap ítulo d e M on aco

in t i tu lado “Godard: Theory and Prac t ice : The Dziga-Ver tov Per iod” provavelmente fornece a mais c la ra nar ra t iva

s o b r e e s t e g r u p o d e f ilm e s .

Page 39: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 39/120

Ap e sar d e o n o m e t e r ap a ren tem en te su rg id o co m G o r in , o s p r im e i ro s “ film es Ver to v ”e r a m , fu n d a m e n t a lm e n te , tr a b a lh o s d o p r ó p r io G o d a r d . Vento do Leste (1 9 6 9 ) ,n o en tan to , m arco u u m a m u d an ça . G o d ard fo i p a ra a I t á l i a f i lm ar u m fa ro es t ee m c o l a b o r a ç ã o c o m u m n ú m e r o d e e s q u e r d i s t a s p r o e m i n e n t e s , i n c l u i n d o o

d i re to r b ras i le i ro Glauber Rocha, o a t iv is ta Dan iel Cohn-Bendi t e o as t ro comu-n i s t a d o “ fa ro es t e e sp ag u e te” (spaghetti western ) Gian Maria Volonté. Estaco laboração rap idamente esvaiu -se dev ido à ind isc ip l ina geral ; e Godard conv i-d o u G o r in p a ra a ju d á- lo a sa lv a r o p ro je to . Es t e t rab a lh o in au g u ro u u m p e r ío d od e g e n u í n a c o -a u t o r ia q u e s e e s te n d e r ia p o r Lutas na Itália (1969) , Vladimir e Rosa (1971), Tudo vai bem (1972) , e Carta para Jane (1972); Aqui e acolá 

(19 7 5 ) p o d e se r co n s id e rad o u m ap ê n d ice a e s te co n ju n to d e t rab a lh o . At rib u irresp on sab ilida de s au to rais a e s tes f ilm es é d i fíc il, e po r cer to co n trár io à s in te n-

çõ es d o s d o i s : G o r in a f i rm o u q u e o s f i lm es su rg i r am d e u m a “ t ro ca co n s tan tede idé ias” que v isava um a fun da m en tal “ transfo rm ação d a p rát ica” , um a re je içãoa o “a u t o r is m o ” q u e G o d a r d a ju d o u a fo r m u la r 2 . Se ja c o m o fo r , p a r e ce q u e a om e n o s Lutas na Itália e Tudo vai bem s ã o m a is G o r in d o q u e G o d a r d , e q u e arespo nsab ilidad e cria t iva n os o u t ros fo i de am bo s, igualm en te 3. Os dois cineastast r ab a lh av am ju n to s d i a r i am en te , n ão ap en as n es t es f i lm es m aio res , m as emp ro je to s m en o res : “ r ep o r t ag en s d e n o t í c i a s” e ram ex ib id as d i a r i am en te emPar is , inclu indo en t rev is tas e esquetes (Ju l ie t Ber to numa banhei ra exp l icando a

G u e r r a d o V i e t n ã ) ; e t a m b é m p r o p o s t a s p a r a p r o p a g a n d a s ( d a s q u a i s p e l om e n o s u m a fo i r e a lm e n te film a d a ) , co m o fo r m a d e o b t e r re n d a .Apesar de continuar orgulhoso dos f i lmes Vertov, Gorin difici lmente atr ibui este fato à

sua pureza ideológica: neste sentido, os f i lmes, como ele já caracterizou os mili-t an tes d e A chinesa , s ão m arcad o s p o r u m a “se r i ed ad e es tú p id a”4 , todos e lesd e m as iad am en te p rem o n i tó r io s d o p u r it an ism o p o m p o so d e m u it as a rte s p o líti-cas subseqüen tes . Mais duráveis são sua beleza fo rmal5 , sua o usad ia , sua ê nfasen a t r i l h a so n o ra so b re a im ag em , su a acu id ad e co m o cáp su las d o t em p o , seu

     3     8[ 2 ] Es t e s co m e n t á r io s s ã o d e u m a e n t re v is t a e m v íd e o c o m G o r in , re a l iz a d a e m M e lb o u r n e n o a n o d e 1 9 8 7 ; d e s c o -

n h e ç o a id e n t id a d e d o e n t r e v is t a d o r.[ 3 ] G o r in c e r t a v e z a fir m o u , c o m m o d é s t ia , q u e “ b a s ic a m e n t e t u d o o q u e e u fiz ve m d o t ra b a l h o p r é v io d e J e a n -

Lu c ; é p o r is s o q u e a l g u n s d e n o s s o s ú l tim o s f ilm e s s ã o c o n s id e r a d o s a l ta m e n t e g o d a r d ia n o s , a p e s a r d e e u t ê -lo s

feito”. Citado em MONACO, p. 215.[ 4 ] Entrevis ta em Melbourne .[ 5 ] Já n e g a d a d e fo r m a v ig o r o s a : G o d a r d : “ s e Vento do Leste t e m a l g u m m é r i t o , é p o r n ã o t e r b e l e z a a l g u m a ” .

James Roy M ACBEAN , Godard and Rocha a t the Crossroads of Wind From the East , in: Film and Revolution .

Bloomington, Indiana Universi ty Press, 1975. p. 120.

Page 40: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 40/120

h u m o r ( evid en te p e lo m en o s a p a r t ir d e Vladimir e Rosa , e q u e fr e q ü e n t e m e n t ep a s s a d e s p e r ce b id o ) , e o q u e p o d e r ia s e r c h a m a d o d e s e u e s p írito p r o to p u n k d e“faça você mesmo”. Mui tas des tas caracter ís t icas fo ram, há mui to , removidasd o d iscu rso e p rá t ica acad ê m ico s q u e co n s t itu em o p r in c ip a l leg ad o d e s tas o b ras

e q u e n ão p a recem im p ress io n ar m u ito G o r in : p a ra e le , u m a le itu ra d es t es film esb a s e a d a e m s u a m e n s a g e m p o l í t i c a é d e p o u c o i n t e r e s s e , s e n d o a t é m e s m odispensável . Cer tamente é d i f íc i l acred i tar que o con teúdo po l í t ico de Vento do 

Leste , por exemplo , se ja i rôn ico ou inciden ta l , e que a ar rogância das personasp ú b l i cas d e G o r in e G o d ard n a ép o ca (v id e Godard in America , de RalphThanhauser [1970]) , não envelheceu bem. Mesmo ass im, os f i lmes Ver tovp e r m a n e c e m e xtre m a m e n t e re c o m p e n s a d o r e s e m e r e ce m re n o v a d a a te n ç ã o .

Precise i de a lgum tem po pa ra conse gu ir ass is t ir a Vento do Leste c o m u m a n o v a vis ã o :

m eu s en co n t ro s in ic ia is co m o f ilm e fo ram co m có p ias em víd e o d e q u a l id ad ed u v id o sa d e u m a ve r são am er ican a co m u m a vo z over tene brosa . Dada s a fe iú rae o ca rá t e r in d ec ifr áve l d o so m e d a im ag em , é ram o s o b r ig ad o s a n o s ap o ia r n al i s ta de d iá logos pub l icada e em ensaios famosos sobre o f i lme, escr i tos porau to res com o Peter Wol len , qu e p arecia celebrar o film e p or sup r ir o qu e Gi lbe r-to Perez chamou de “desagrado mi l i tan te” , uma negação in f lex ível de qualquervalo r es té t ico com o u m a sup ere s t ru tu ra ina dm iss ivelm en te ilusó r ia 6. Esta te n aci-d ad e im p lacave lm e n te id e o ló g ica é p a r t e d e Vento do Leste , m a s a p e n a s p a r te :

o q u e é m a is c ru c ia l n o film e , co m o p o d e se r vis to n o l an çam en to d o e xce len teDVD japo nê s , é su a ir reso lu ta d ia lé t ica e n t re a ide o log ia verbal e a be leza v isua l,em qu e u m a se firm a com o cr ít ica da ou t ra . Se a t rilha son ora d en un cia Gr iffith ,o imper ia l i s ta amer icano , o esp lendor natu ral luxur ian te dos p lanos quase es tá-t icos de aber tu ra remete à ú l t ima en t rev is ta do mesmo Gri f f i th :

O q u e fa lta n o s film e s m o d e r n o s é b e le z a – a b e le z a d o ve n to s e m o v e n -d o n a s á r vo r e s , o p e q u e n o m o v im e n to c o n t id o n a s o n d u la ç õ e s q u e o

v en to cau sa n as f lo res d as á rv o res . I s to e l e s e sq u eceram to t a lm en te . . .D o m e u p o n t o d e vis ta a r ro g a n t e , n ó s p e r d e m o s b e le z a 7.

     3     9

[ 6 ] Peter WO LLEN, God ard a nd Coun ter Cine m a: Ven t d’es t , in : Readings and Writings: Semiotic Counter-Strategies .

Lon do n, New Lef t Boo ks , 1982. p . 79-91 . Para o com en tár io d e Pe rez sob re o s f ilm es d o “Grup o D ziga Ver tov” , v ide

The Material Ghost. Balt im ore , John s Hop kins , 1998. p . 362 .[ 7 ] Ezra GO O DMAN,

The Fifty-Year Decline and Fall of Hollywood . New York, Sim on an d Sch uste r, 1961. p. 11.

Page 41: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 41/120

É fácil pe rcebe r qu e Vento do Leste é u m film e e xcep c io n a lm en te r ico , s e n o s co n cen -t r a rm o s em v ê- lo e o u v i - lo d e ix an d o d e l ad o a r e tó r i ca q u e o ro d e ia – co m oex ten são e su b v er são d o f a ro es t e , r ev e lan d o e in t e r ro g an d o su as id eo lo g iasim p l í c i t a s , co m o u m d o cu m en to d e p o ss ib i l i d ad es e p e r ig o s d o p ro je to r ev o -

lu c io n ár io ( co m o n a seq ü ên c ia a t e r r ad o ra so b re t e r ro r i sm o p e r to d o f im , n oq u a l o s t r ab a lh o s d e a r t e p o p d o f i lm e Duas ou três coisas que eu sei dela 

[196 6] se t ransfo rm am em d iagram as d e e xp los ivos caseiros) , e p elas in terseçõe sco m p lexas d a b e leza fo rm al co m o co n teú d o ca r reg ad o e r e fr a tá r io .

E n q u a n t o Vento do Leste t e m a m p l o a l c a n c e e h e t e r o g e n e i d a d e , Lutas na Itália éci rcunscr i to , d isc ip l inado , a té e legan te : Gor in descreveu sua es t ru tu ra como se-m elh an te a u m b ara lh o , co n s t ru íd o p o r ju s t ap o s içõ es e su b s t itu içõ es d e p a in é ism ais o u m en o s e s t á tico s p a ra a r t icu la r u m a an á lise “a lth u sse r ian a ” d as id e o lo -

g ias q u e su p o r t am a ex i s t ên c ia m i l i t an te d e u m jo v em i t a l i an o . E m co n t ras t e ,Vladimir e Rosa , u m a re fle xão so b re o ju lg am en to “C h icag o 8 ” co m o t ea t ro p o -lít ico , é o m a is se lv ag em e m ais m isc ig en ad o d o s film es Ver to v , co m u m a ab u n -d ân c ia d escu id ad a d e m ate r i a i s , e sq u e tes , i n s in u açõ es : d eso rd en ad o , m as ex u -b eran te , co n tém a lg u m as d as r e f l ex õ es m a i s s ig n i f i ca t iv as d e G o d ard e G o r ins o b r e a c o n s tr u çã o d e u m a n o v a lin g u a g e m c in e m a t o g rá fic a , fr e q ü e n t e m e n t efo rm u lad a e m u m ir res is tíve l fo rm ato cô m ico .

P ara m im , en t r e t an to , o s m e lh o res f i lm es q u e em erg i r am d a co lab o ração são o s t r ê s

ú l t imos: Tudo vai bem, Carta para Jane e Aqui e acolá.Tudo vai bem é, por motivos óbvios, o mais “profissional” dos f i lmes Vertov. Gorin eG o d a r d q u e r i a m t r a b a l h a r n o v a m e n t e n u m a e s c a l a m a i o r e m a i s “ p o p u l a r ” .P a ra is so , s e lec io n aram d u as es t r e la s d e esq u e rd a , Yv es Mo n tan d e Jan e Fo n d a ,t r aça ram u m a n a r ra t iv a e co n s t ru í r am u m cen ár io – u m a fáb r i ca d e sa l s i ch asd u ran te u m a g rev e . Ten d o a ce ito e s t a s co n cessõ e s , G o r in e G o d ard jo g am co melas d e m an e i ra h ab i l id o sa : n a m a io r p a r t e d o f i lm e , a s e s t r e l a s fu n c io n amco m o fig u ran tes , en q u an to o u t ras “n ã o -es t re l a s” a s su m em o cen t ro d o p a lco ; a“h is tó r ia d e am o r” d as e s tr e la s , q u an d o e m erg e , fixa so lid am en te o ro m an ce n o

co n tex to d e seu s em p reg o s ( co m o d i r e to r d e f i lm es e jo rn a l i s t a , r e sp ec t iv a -m en te ) , e , d es t a fo rm a , im erso n as h ip o cr is ia s d a cu ltu ra co m erc ia l; o cen ár io ,q u e é u m t r i b u t o a O terror das mulheres (1961) , de Jer ry Lewis , é um ata lhoq u e fu n c io n a c o m o u m o u t ro Verfremdungseffekt 8 brechtiano. Tais estratégiasp r o d u z e m u m film e c u ja c o m p le xid a d e f o rm a l e n c o n t ra u m a n o va v a rie d a d e d e

     4     0

[ 8 ] Term o cun had o p e lo escr itor Ber to l t Brecht q ue s igni fica , em te rm os ge ra is , “efe i to d e e s t ranh am en to” ou “dis -

tanciamento”. (N. do T.)

Page 42: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 42/120

discurso : aqu i , Gor in e God ard p erm item qu e o pat rão , o s ind icalis ta e o g rev is tarad ica l f a l em p o r s i m esm o s , g a ran t in d o ao esp ec tad o r u m a m aio r l i b e rd ad ep ara p esa r su as r e sp ec t iv as p o s i çõ es . T a l l i b e rd ad e é b em -v in d a , ap esa r d et am b ém in d ica r u m a p e rd a d e f e rv o r . C o m o G o r in d i s se , Tudo vai bem é u m

film e d e 19 7 2 , n ã o d e 19 6 8 ; e a d e s o la ç ã o d a t o m a d a fin a l co m a c â m e r a e mm o v im e n t o s u b lin h a a i n a d e q u a ç ã o d a s a ç õ e s r e vo lu c io n á r ia s q u e e le a p r e s e n -t a , a p a s s a g e m d o m o m e n to r e v o lu c io n á r io 9 .

U m ú lt im o so p ro d e d e n sa t eo r ia m ilit an te , Carta para Jane fo i par t icu larmente malreceb id o p e la c r ít ica , q u e o t axo u co m o “ in su p o r t áve l” e se m h u m o r 10 . Eu achoi s so en g raçad o e r ev e lad o r . O f i lm e é u m a re f l ex ão d e 5 0 m in u to s so b re u m aúnica fo tograf ia de Jane Fonda no Vietnã . Revezando a narração en t re e les , e ju sta p o n d o a im a ge m d e Fo n d a co m o u tra s fo to gra fia s, G o rin e G o d a rd re fle te m

so b re a fu n ção d e F o n d a e d e s ta im ag em d e n t ro d a r ep resen tação m id iá t ica o c i-d e n ta l d a lu t a v ie tn am ita p o r au to d e te rm in ação . Alg u n s d is se ram q u e o s c in e as -tas fo ram in jus tos e m isóg inos e m sua crít ica à an t iga co laborad ora; ao con trár io ,e l e s se e s fo rçam rep e t id am en te p a ra d is tin g u i r a p e sso a d e Jan e Fo n d a d o p ap e lso c ia l q u e c rit icam . Além d is so , o m o d o e xcess ivam en te p e d an te d e a rg u m en ta -ção (p assan d o , p o r ex em p lo , d e “E lem en to s d e E lem en to s” p a ra “E lem en to sEle m e n t a re s ”) z o m b a d e s e u p r ó p rio a b s o lu t is m o ( p o r é m p o u c o s , c o m o J a m e sMo n aco , p a recem p erceb er a i ro n ia ) 11 , em b o ra co n s t i tu a , s em d ú v id a , u m a

ten ta t iv a d e a rg u m en ta r d e m an e i ra ló g ica

12

. C ar t a p a ra Jan e p e rm an ece , n asp a lavras d e S u san So n tag , “u m a lição m o d e lo so b re co m o in te rp re t a r q u a lq u erfo to g ra fia , co m o d e c ifr a r a n a tu reza n ão in o cen te d e u m a co m p o s ição , ân g u loou foco ” , 1 3 a lém d is so , é ch e io d e insights provocat ivos , especia lmente den t roda h is tó r ia d a a tuação c ine m atográfica e do eclipse do “m ater ia lism o” s ilen ciosod o s a to res p o r u m es t i l o in ex p ress iv o d e “p en sam en to á rd u o ” , q u e G o r in eGo da rd ligam d i re tam en te a u m libe ralism o o cide n ta l ine ficaz .

Aqui e acolá , con cluído po r God ard e Ann e-Marie M iéville, talvez seja o m ais com plexode todos es tes t rabalhos , uma ref lexão admirável sobre a res is tência pales t ina ,

s o b r e a s d i m e n s õ e s p o l í t i c a s d o s o m e d a i m a g e m , e s o b r e o f r a c a s s o d o      4     1

[ 9 ] Para um a an á l ise m ais de ta lhad a de Tud o va i bem , vide David BO RDWELL e Kris t in THOM PSON. Film Art: An 

Introduction . New York, Knopf, 1986. 2 ed. pp. 335-42.[ 10 ] PEREZ, p. 362; Jonathan DAWSON, Letter to Jane, in Senses of Cinema . h t tp : / /www.sensesofc inema.com/  

contents /01/19/c teq/ le t te r .h tml[ 11 ] Vid e a i n te r e s s a n t e d i s cu s s ã o d e M o n a c o e m The New Wave , pp . 245-50.[ 12 ] Vid e a i n te r e s s a n t e d i s cu s s ã o d e M o n a c o e m The New Wave , pp . 245-50.[ 13 ] Susan SONTAG. On Photography . New York, Delta, 1977. p. 108.

Page 43: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 43/120

r ad ica l i sm o eu ro p eu d ep o i s d e 1 9 6 8 . E n car reg ad o s p e la L ig a Á rab e , em 1 9 7 0 ,de fazer um f i lme a ser in t i tu lado Jusqu’àla victoire , G o r in e G o d ard cap ta ramim ag en s d o A l -F a tah n a Jo rd ân ia . N aq u e le m esm o an o , a m a io r i a d as p esso asf i lm ad as , q u e o s h av ia r eceb id o co m o co n v id ad o s , fo i m o r t a p e lo ex é rc i to

 jo rd a n ia n o n o Se te m b ro N e gro , to rn a n d o o tít u lo g ro te sca m e n te irre le va n te em od ificand o com pletam en te o s ign ificado d as im agen s cap tadas . Poster io rm en te ,Go da rd , Gor in e Miév ille co m binaram es te m ater ia l com cr ít icas af iad as às e s t ra-tég ias tan to d os revo lucion ár ios com o d os c ine as tas , criand o u m a con e xão d ire tac o m u m a e s q u e r d a e u r o p é i a m a i s i n t e r e s s a d a e m l u t a s a l h e i a s d o q u e e ms u a s p r ó p r ia s , e c o m a n a t u re z a c o e r c iva e u b í q u a d a c o m u n i ca ç ã o d e m a s s a ,n a q u a l “cad e ias d e im ag en s q u e esc rav izam o u t ras im ag en s” v êm a co n d ic io -n a r e co n s t i tu i r a co n sc iên c ia h u m an a . Aqui e acolá é u m d o s m a i o r e s f i l m e s

p o lít ico s d e to d o s o s t em p o s , a lcan çan d o u m a d e n s id ad e fo rm a l e xt rao rd in á r iaco m su as im ag en s , so n s e h i s tó r ia s so b rep o s to s , a s sim co m o u m a lu c id e z p o lí-t ic a q u e p e r m a n e c e t o d a e la m u it o re le v a n t e a in d a n o s d ia s d e h o j e .

O p e r ío d o Ver to v h av ia s id o in t en sam en te p ro d u t iv o e e xc it an te ; m as G o r in t in h a d eseg u i r so z in h o . A lém d e a in d a es t a r m u i to à so m b ra d e G o d ard , e l e se sen t i asu fo cad o p e la p o l ít ica e p e la t eo r ia e q u er ia e xp lo ra r n o vas á rea s . N u m a e n t r e -v is ta com Mart in Wa lsh , Gor in ide n t ificou seu c ine as ta am er ican o favor ito com osen d o Ru ss Me y er e s in a lizo u : “N ão es to u m ais t en tan d o se r b rech t ian o . A p ró -

p r ia id é ia d e t e n t a r p e n s a r a t ra vé s d a s le n t e s d e u m c a ra q u e e s ta v a p e n s a n d on o s an o s 1 9 3 0 m e p a rece ag o ra ex t r ao rd in a r i am en te r e t ró g rad a . . . E u p ra t i ca -m e n t e n e m s o u m a is m a r xis ta , o q u e m e a b r e u m p o u c o a vis ã o ” . 14

O pr imeiro f i lme so lo de Gor in es tá agora perd ido . In t i tu lado L’Ailleurs immédiat , es-t a va q u a s e q u e t o t a lm e n t e c o n c lu íd o q u a n d o a p r is ã o p o r p o r te d e d r o g a s d aa t r i z p r in c ip a l p a ra l i so u a p ro d u ção . T en d o d e en f ren ta r u m a t r aso p o r t em p oin d e te rm in ad o , o s p ro d u to res d i sp l i cen tem en te d ec id i r am d er re t e r a p e l í cu lap o r su a p ra t a . E s t a d es t ru i ção d ev e se r im en sam en te l am en tad a : p r im e i ro ,p o rq u e p o d em o s im ag in a r co m o a ca r r e i r a d e G o r in t e r i a se d esen v o lv id o se o

lo n g a t iv esse s id o t e rm in ad o e lan çad o ; seg u n d o , p o rq u e o f ilm e e ra p ro v ave l -mente fascinan te . A alusão a Georges Bata i l le no t í tu lo ind ica a d i reção queG o r in e s tav a to m an d o . Seg u n d o e le , L’Ailleurs n ã o t in h a c o m p r o m is s o s e xu a l o upsico lóg ico , o que levou Godard a apel idá- lo de “O Ant i -Tango”, em con trapo-s ição ao con troverso m as com pa rat ivam en te segu ro film e d e Ber to lluci, O último 

tango em Paris (1972) . O p róp r io G or in fazia o pa pe l p r incipal ; sua s de scr içõe s

     4     2

[ 14 ] Martin WALSH. Godard and Me: Jean-Pierre Gorin Talks, in: Take One (Vol.5, n.1, 1976). pp. 14-15.

Page 44: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 44/120

d e a lg u n s t r ech o s d o f i lm e , em q u e e l e r ec i t a p assag en s d a Genealogia da

moral d e N ie t z sc h e e n q u a n t o é ta t u a d o , o u s e m a s tu r b a p e n d u r a d o d o la d o d efo ra d e u m a j an e la a l t a n u m a ru a d e P a r i s , t a lv ez d ê u m a id é ia d o ex t r em ism o(e da to l ice) do p ro je to . A con t ínua deter io ração do esp í r i to revo lucionár io de

1 9 6 8 co in c id ia co m es t e t r ab a lh o , e d e ce r t a fo rm a o m o t iv av a . G o r in f a lo us o b r e a n a t u r e za c a d a ve z m a is lo u c a e fr a gm e n ta d a d a e s q u e r d a m ilita n t e e d eseu d ese jo d e se d i s t an c ia r d e l a . L’Ailleurs immédiat ter ia s ido ta lvez a con tra-p a r t e d io n is íaca d a d is secação f ria e o b je t iva d as co n seq ü ê n c ias p ó s a n o s 19 6 0d e Jea n Eu s tach e n o f ilm e La maman et la putain (1973) .

E m t o d o c a s o , a p ó s o a b a n d o n o f o r ç a d o d e L’Ailleurs , Gor in deixou a Europa e , em19 7 5 , ace ito u o co n v it e d e Man n y Farb e r p a ra in g ressa r n a d o cên c ia d a U n iv e r -s ity o f C a lifo rn ia e m S an D ieg o , o n d e p e rm an e ce a t é h o je . C o m Farb e r , G o r in

d esen v o lv eu u m a am izad e fo r t e e d u rad o u ra : n as p a lav ras d e F a rb e r , e l e s set o rn a r a m “c é re b r o s g ê m e o s ” . Fa r b e r a t u a va já h á b a s ta n t e t e m p o c o m o p in t o re c o m o u m d o s m a is r e n o m a d o s c rít ic o s d e c in e m a d o s Es ta d o s U n i d o s , t e n d os id o u m d o s p r im e i ro s a ad v o g ar se r i am en te em fav o r d e “d i r e to res d e ação ”co m o Man n , F u l l e r e H aw k s . Mai s r ecen tem en te , t o rn o u - se u m o b se rv ad o rig u a lm en te a s tu to d e van g u ard is t a s co m o S n o w , S tr au b e H u ille t , Fassb in d er eG o d ard . O t r ab a lh o d e G o r in n a u n iv e r sid ad e e n v o lveu -o n u m d iá lo g o e n r iq u e-cedo r tan to com Farber qu an to com sua e sposa e co laborado ra , Patr ic ia Pat terson .

Além d is so , o am b ien te acad ê m ico ag rad av a a G o r in : ce r t am en te su as p a les t r a se a tu açõ e s co m o m en to r , b r ilh an tes e id io ss in c rá ticas , têm s id o in d isp e n sáv e isa v á ria s g e raçõ e s d e es tu d a n tes d e a r t e e c in e m a n a U C SD . To d av ia , é lam en tá -v e l q u e a v id a acad êm ica t en h a ab so rv id o t an ta en e rg ia q u e p o d er i a t e r s id outi l izada para fazer f i lmes.

As am b içõ es d e G o r in co m o d ir e to r d e c in e m a n ão fo ram so te r rad as p e la su a ca rre ir acom o pro fesso r. Ele q ue r ia en t rar em Hollywoo d e t rabalhou e m Apocalipse Now 

( em b o ra seu p ap e l n es t e p ro je to l en d ár io e caó t i co t en h a se r e su m id o p ra t i ca -mente a ins t ru i r F reder ic Forres t sobre as complex idades da cozinha f rancesa) .

Ainda ass im, Gor in esperava que Francis Ford Coppola pudesse apo iá- lo numpro je to seu . Ele h av ia o b t ido os d ire itos sob re um a sé r ie d e t rabalhos d o e scrito rde ficção c ien t ífica Ph ilip K. Dick, que em segu ida p rep arou pa ra Gor in um a a da p-t ação e xtr em am en te d e ta lh ad a d o seu ro m an ce Ubik . N em C o p p o la n em G eo rg eLu cas , en t r e tan to , d e ram su p o r t e ao p ro je to , e G o r in t ev e a am arg a e xp e r iên c iad e ve r s u a s e s p e r a n ç a s se d e s va n e c e r e m n e s t a e e m o u t ra s e m p r e ita d a s .

S e G o r in se se n t ia f ru s t rad o em re lação a H o l ly w o o d , fe l izm en te t ev e a o p o r tu n id ad ed e ex p lo ra r o g ên ero d o cu m en tá r io . P a t ro c in ad o p e la t e l ev i são d a A lem an h a

O cid en ta l , co m eço u o p r im e i ro f i lm e d o q u e v i r i a a se r u m a t r i l o g ia so b re

     4     3

Page 45: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 45/120

l i n g u a g e m , d e s e n v o l v i m e n t o r e p r i m i d o e d e s l o c a m e n t o c u l t u r a l n o s u l d aCalifórnia: Poto and Cabengo .

Poto a b o r d a o t e m a “c ria n ç a e l in g u a g e m ” p o r m e io d o c a s o d e d u a s jo v e n s g ê m e a sd e S an D ieg o , G rac ie e G in n y Ken n e d y , q u e p a rec iam t e r in v en tad o u m a lin g u a -

g e m p e s s o a l. N a v e r d a d e , e s ta lin g u a g e m e r a u m a fo r m a m o d i fic a d a d o a le m ã oe d o in g lês q u e e l a s e scu tav am n o seu r e l a t iv o i so l am en to d o m és t i co . G o r inras t r e i a e s t e a s su n to em to d as a s d i r eçõ es : a co b er tu ra d a im p ren sa so b re a sg ê m e a s , q u e d e s b o t o u d o s e n s a c i o n a l i s m o i m p r e c i s o p a r a o t o t a l d e s c a s o ;as op in iões o f ic ia is de ps icó logos in fan t is e l ingü is tas ; as ambições socia is dafamíl ia das gêmeas , de s i tuação in fe l iz e f inancei ramente p recár ia . Além d isso ,G o r in e vit a a p resu n ção d e a l te rn a t ivas r eco r ren tes em d o cu m en tá rio s , a rep o r -tagem neutra ou a onisciência “divina”: ao contrário , ele próprio entra na história

co m o u m in v es t ig ad o r d ec id id o e in ex p er i en te , u m P h i l ip Mar lo w e cô m ico ; eseu envo lv imento crescen te com as gêmeas , ap resen tando-as ao mundo , to rna-sem ai s u m f io d en t ro d a “n a r ra t iv a p lu ra l ” d o f i lm e . D es ta co m p lex a r ed e d efo r ça s , G o r in r e v e la m u it o s o b r e o e n c a n t a m e n to e a s p r e s s õ e s d e u m s o n h oam er ican o i lu só r io ; so b re a n a tu reza so c ia l d a l i n g u ag em ; so b re o l eg ad od es lo cad o d a em ig ração . E, ao m esm o t em p o em q u e m an tém es tes im p o r t an test ó p ic o s e m jo g o , G o rin n u n c a p e r d e d e v is ta a h u m a n id a d e d o s s e u s o b je t o s d ee s t u d o ( e l e n ã o é c o n d e s c e n d e n t e c o m o s p a i s p a t é t i c o s ) o u a c o m p l e x i d a d e

fo rm al d o f i lm e , q u e v a r i a co n s tan tem en te n as p e rm u taçõ es en t r e so m , t ex toesc r ito e im ag em — sem p re , co m o n o p e r ío d o Ver to v , p r ivileg ian d o o p r im e i ro .Fo rm al e t em at icam en te , o f ilm e é u m a p eça d e v ir tu o se p o l ifô n ica , a in d a m aism a r c a n t e p o r n u n c a p e r d e r s u a l e v e z a , m e s m o q u a n d o t o c a n a p r o f u n d i d a d ee n a t rag éd ia 15 .

Se Poto t r a t a d e c r i an ças e l i n g u ag em , Routine Pleasures faz da sua inves t igaçãos o b r e “ h o m e n s e i m a g i n a ç ã o ” n a A m é r i c a d a d é c a d a d e 1 9 8 0 “ u m é p i c o e mp eq u en a esca la” , n as p a lav ras d e G o r in , u m remake de Paraíso infernal 16 . Ot e m a p r in c ip a l d e G o r in é u m g ru p o d e fe r ro m o d e lis ta s q u e s e r e ú n e s e m a n a l-

m en te em D el Mar Fa irg ro u n d s , n o su l d a C a lifó rn ia . Su a s p a i sag en s e m m in ia -tu ra p rese rvam u m a Am ér ica p e rd id a , t a lv ez ilu só r ia , e su a s o b sessõ e s cu r io sa -m e n t e e n t r e la ç a m t ra b a lh o e i n fâ n c ia . G o rin t e c e e s s e t e m a c o m u m o u t r o : s e uam ig o e m en to r Man n y Farb e r . Fa rb e r n ão a p arece , e xce to em fo to g ra fia s ; m a s

     4     4

[ 15 ] Vide também Vivian SOBCHACK, “16 Ways to Pronounce Pota to” : Author i ty and Authorship in Poto and

C a b e n g o , in The Journal of Film and Video (edição XXXVI, outono de 1984). pp. 21-29.[

16]

Entrevis ta de Melbourne .

Page 46: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 46/120

ap arecem su as p in tu ras e p a lav ras ( e in q u ie t açõ es , co m o J im m y C ag n ey ) ; eG o r in , m a i s u m a v ez as su m in d o a p e r so n a d o in v es t ig ad o r p e rp lex o , m o v e- seen t re es tas l inhas com ingenu idade d isp l icen te . As narra t ivas in tersecionais dof i l m e f u n c i o n a m c o m o a s l i n h a s c r u z a d a s d a m a q u e t e d o t r e m , o u c o m o a s

l in h as d e fo rça d as p in tu ras d e F a rb e r , e s t ab e lecen d o p o n to s d e sem elh an ça eres so n ân c ia ; d u ran te to d o o t em p o , G o r in av a l i a a id en t id ad e am er i can a , su aexper iência com a geograf ia e as f ron te i ras , a mascu l in idade, a His tó r ia , suare lação co m o p esso a l e o co le t ivo . Co m o Poto, Routine Pleasures é n o t á ve l p o rsu a l ev eza e seu ch a rm e , ap esa r d e a p o l i fo n ia aq u i se r d e a lg u m a fo rm a m ai sin t r in cad a d o q u e n a o b ra an te r io r . É t am b ém d ig n a d e n o ta a ex ce len te fo to -g ra f i a d e B ab e t t e Man g o l t e , m arav i lh o sam en te n u an çad a t an to em p re to eb r a n c o c o m o e m c o r e s . P o r Routine Pleasures G o r i n g a n h o u o p r ê m i o d e

Melhor Documentár io Exper imental no Fes t ival de Popol i , em F lorença.Mai s u m a v ez as o b r ig açõ es acad êm icas fo ram a p r in c ip a l r azão p a ra o a t r a so d of i lme segu in te de Gor in . My Crasy Life (q u e g an h o u o P rêm io E sp ec ia l d o Jú r ino Fes t ival de Sund an ce, em 1992 ) com pleta sua t rilog ia califo rn iana an alisan doa v id a d e u m a g an g u e sam o an a em L o n g B each . E s t e t a lv ez se j a o m a i s d i f í c i ld o s f i lm es so lo d e G o r in , p o i s d e l ib e rad am en te in t e rv ém n a r ea l id ad e , a q u a le le d o c u m e n t a d e m a n e ir a m a is fr e q ü e n t e e e lu s iva q u e e m s e u s film e s a n t e ri-o res , ab d ican d o d a o r i en tação a t é ag o ra fo rn ec id a p e la t r ad ic io n a l p e r so n a d e

in v es t ig ad o r d e G o r in . A ss im co m o Jean R o u ch h av ia f e i to em Eu, um negro (19 5 8 ) , G o r in co n v id a se u s o b je to s d e es tu d o a co lab o ra r a t ivam en te n a r ep re -s e n t a ç ã o d e s i m e s m o s , t a n t o d e m a n e i r a m a i s e v i d e n t e ( e m a l g u m a s c e n a so b v ia m e n t e r e p r e s e n ta d a s ) , c o m o ta m b é m s u tilm e n t e ( e m m o n ó lo g o s a p a r e n -tem en te espo n tâne os , ma s na verdad e ro te ir izados) . Além d isso , am plia o escopod o m ero r eg i st ro d a v id a d i á ria e m Lo n g Bea ch : vá r io s g ân g s te res v ão a S am o ae en co n t ram su as o r ig en s cu ltu ra is , t an to em fam ília co m o n a fan tas ia . Até m es -m o a f i cção c i en t í f i ca in t e r f e re n as ru m in açõ es d e u m co m p u tad o r n u m ca r rod e p a t ru lh a d e u m p o lic ia l in d u lgen te ; e s ta s r e fle xõ e s t a lvez to m em o lu g ar d o

p e r s o n a g e m G o r i n a u s e n t e , m a s p e r t u r b a m o t o m d o f i l m e . A p e s a r d e s t e svôos , My Crasy Life r e s is te a to d o s e n s a c io n a l is m o : n ã o h á n e n h u m a c e n a d evio lê n c ia e s p e t a c u la r , n e n h u m a r o m a n t iz a çã o o u d e m o n i za ç ã o d e s e u s o b je t o s .E m v ez d i s so , f i cam o s to cad o s p e la cu r io sa in o cên c ia d o s g ân g s te res e p e lot éd io n o rm at iv o d e su as ex i s t ên c ias , d e o n d e G o r in co n seg u e in v en ta r u m atextu ra cu ja co m p lexid ad e se r ev e la ap en as p o r m e io d e e xib içõ e s r ep e t id as .

D e s d e My Crasy Life , G o r in t em , n as su as p a lav ras , “ fo cad o n a p o ss ib i l i d ad e d erepensar a narra t iva de c inema jun to com l inhas es t ru tu rais musicais” . A musi -

c a l i d a d e v e m s e n d o , h á t e m p o s e d e d i v e r s a s f o r m a s , u m a p r e o c u p a ç ã o s u a :

     4     5

Page 47: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 47/120

considere a esco lha in te l igen te das músicas para seus f i lmes (Erro l l Garner eMo zar t i n t e rp re t ad o s p o r G o u ld em Poto ; C o n l o n N a n c a r r o w e m Routine ; ap a r t it u ra in t e rm it en te p o rém e leg an te d e Jo j i Yu asa p a ra My Crasy Life ) , e , m aisimpor tan te , a ênfase na t r i lha sonora já caracter ís t ica nos f i lmes Ver tov e as

es t ru tu ras r í tmicas e po l i fôn icas dos seus t rabalhos so lo . Letter to Peter (1 9 9 2 ) ,u m lo n g a e m víd e o r e t ra t a n d o a a t u a çã o d e P e t te r Se lla r s n u m a m o n t a g e m d aó p e r a Saint-François d’Assise , d e M e s s ia e n , e m S a lz b u r g o , é u m t ip o d e e s t u d oq u e es t en d e e s in t e t i za e s t a s p reo cu p açõ es . N ão é , co n tu d o , t ão r i co q u an toseus f i lmes: ta lvez ref le t indo uma cer ta impaciência com Sel lars (ev idenciadap o r a c e l e r a ç õ e s b e m - v i n d a s , a i n d a q u e r u d e s , d u r a n t e a l g u n s d e s e u s d e p o i -m en to s ) , o v íd eo n ão in t eg ra co m p le tam en te su as v i sõ es g e ra lm en te in t e res -s a n t e s d o p r o c e s s o d e e n s a i o s c o m s u a s e s p e c u l a ç õ e s m a i s a m p l a s s o b r e

m ú s ica e c r iação . Mais b e m -su ced id o , a in d a q u e m en o s am b icio so , é o r eg is troau d io v isu a l d e G o r in d a ap re sen tação f e it a p a ra a Ö s te r r e ich isch er Ru n d fu n k 17 ,q u e f az co m q u e a e n cen ação d e S e lla r s (p a ra m im , q u es t io n áv e l) se ja t ão v ig o -ro sa q u an to o víd e o a o v iv o p o d e r eg is tr a r.

E m t o d o c a s o , e s t e s d o i s e n g a j a m e n t o s d i r e t o s c o m a m ú s i c a e m s i a g u ç a r a m oin te res se d e G o r in p e la m u s ica lid ad e c in e m ato g rá fica ; e en t re o s se u s p ro je to sa tu a i s e s t ão t r i l h as so n o ras co n s t ru íd as co m o u m a cam ad a p r im ár i a , à q u a l a sim ag en s são ad ic io n ad a s d e p o is , r ev e r ten d o a p rá t ica u su a l . G o r in t am b é m v em

escrevendo ro te i ros de c inema e h is tó r ias , e , em 2001 , d i r ig iu uma of ic ina noJap ão co m u m a sé r i e d e jo v en s a r t i s t a s j ap o n eses . E m co lab o ração co m o se s t u d a n t e s e c o m o p i n t o r /  videomaker R y u ta N ak a j im a , e l e cap to u im ag en sp ara o p ro je to d e u m t r ib u to em v íd eo v ia e -m ai l ao s seu s v e lh o s am ig o sG o d ard e C h r is Marker . N o s ú lt im o s m ese s , G o r in f in a lm en te co m eço u a e d it a res t a s im ag en s . A leg ra -n o s sab er q u e a t ro ca d e id é i as e en tu s i asm o co m es t an o v a g e ração e o c rescen te in t e res se in t e rn ac io n a l p e lo seu t r ab a lh o t en h amaju d ad o G o r in a r en o v ar su a p ró p r ia e n e rg ia c r ia t iva , e e sp e ram o s q u e o r itm oin te rm i t en te d e su a p ro d u ção se to rn e m ai s e s t áv e l .

Se G o d a r d m o d e lo u - s e co m o “ a im a g e m s u p r e m a d o f im d a Eu r o p a ” ( co m o C h a r le sO lso n u m a v ez esc rev eu so b re Ezra P o u n d ) , G o r in fo i m a is m o d es to . To d o s o sseu s f i lm es g i r am em v o l t a d e t em as r eco r ren tes – in fân c ia o u n o s t a lg i a d ain fância , l inguagem e ex í l io – com in tensa concen tração local . Se Sans soleil 

( 19 8 2 ) o u The Last Bolshevik ( 19 9 3 ) , d e M a r ke r , e xp a n d e m g ra n d e m e n t e s e u sassu ntos im ed iatos p ara a i lum ina ção d a História, Gorin , ao co ntrário , vasculha-os

     4     6

[ 17 ] Red e d e e m issoras d e te lev isão e rád io da Áus t r ia . (N. do T. )

Page 48: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 48/120

em suas local idades . Desde a re tó r ica general izan te do per íodo Ver tov , Gor int em ev it ad o a le rg icam en te “g ran d es d ec la raçõ es” : em vez d is so , seu t rab a lh o éd i r ig id o ao q u e é p eq u en o , t r a t ad o d e fo rm a t e rn a e in q u i s i t i v a , p reo cu p ad ocom o deta lhe ind iv idual izan te . É , nas palavras de Manny Farber , uma “ar te-

cu p im ” , “co m en d o su as p ró p r ias lim it açõ e s”, s em d e ixa r “n ad a em seu cam in h oa n ão se r o s s in a i s d e a t iv id ad e im p ac ien te , l ab o r io sa , ru d e” . 18 N es ta p ró p r i am o d és t i a , o t r ab a lh o d e G o r in t a lv ez t en h a esp ec ia l im p o r t ân c ia n u m a ép o cad o m i n a d a p e l o s e s p e t á c u l o s g r a n d i o s o s e s e m a l m a d e H o l l y w o o d e p e l oc in ism o e fa lt a d e sen t im en to d e t an to s film es “ in d ep en d e n tes” . Ao co n t rá rio , aex cen t r i c id ad e d o s f i lm es d e G o r in m e l em b ra o u t ro s ce r t am en te g ran d esco n tem p o rân eo s , co m o A b b as K ia ro s t am i o u Jo ão C ésa r Mo n te i ro , cu jasp a r t i cu la r id ad es a rd i lo sas p e rm i tem u m a lcan ce ex t r ao rd in á r io , en g en d ran d o

p r a z e re s p r o fu n d o s e a b u n d a n t e s .

Filmografia como diretor

Vento do Leste (19 6 9 ; co m Jea n -Lu c G o d ard )Lutas na Itália (19 6 9 ; co m Jea n -Lu c G o d ard )

Vladimir e Rosa (1971 ; com Jean-Luc Godard)Tudo vai bem (19 7 2 ; co m Jea n -Lu c G o d ard )Carta para Jane (19 7 2 ; co m Jea n -Lu c G o d ard )Aqui e acolá (1975 ; com Jea n-Luc G od ard e Ann e-Marie Miév ille)Poto and Cabengo (1978)Routine Pleasures (1 9 8 6 )My Crasy Life (1991)Letter to Peter (1992 ; víde o)St. François d’Assise (19 9 2 ; reg is t ro a u d io v isu a l d a e n cen ação d a ó p e ra

de Messiaen por Peter Sel lars)      4    7

[ 18 ] Manny FARBER, Negative Space . ed . am pl . New York , Da Ca po , 199 8. p . 135.

Page 49: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 49/120

Bibliografia selecionada

S o u im en sam en te g ra to a Jean -P ie r r e G o r in p o r m u i t as co n v er sas e m u i t a g en ero s i -

d ad e co m m ate r i a l e i n fo rm açõ es ; so u g ra to t am b ém a Mich ae l C h a ik en .

BORDWELL, David e THOMPSON, Kristin. Film Art: An Introduction . 2. ed. New York,Kno pf , 198 6 .

DAWSON, Jonathan . Let ter to Jane. Senses of Cinema , n º 19 , março /abr i l 2002 .h t tp :/ /w w w .sen seso fcin e m a .co m /co n ten t s /0 1/19 /c t eq / le t t e r.h tm l

FARBER, Manny. Negative Space . ed . am pl . Ne w York , Da Cap o , 199 8 .MACBEAN, James Roy. Film and Revolution . Bloomington, Indiana Universi ty Press,

1975 .MACCABE, Colin. Godard: A Portrait of the Artist at Seventy . New York, Farrar Straus& Girou x, 200 4.

MO N AC O , Jam es . The New Wave . New York, Oxford University Press, 1976.PEKLER, Michael (ed). Viennale ’04 . Viena, Viennale, 2004.PEREZ, Gilberto. The Material Ghost . Bal tim ore , Joh ns Hop kins , 1998 .SCHAFAFF, Jörn. Routine Pleasures or All About Eve or A Point in the Landscape. In

SCHAFAFF, Jörn e STEINER, Barbara. Jorge Pardo . Ostfi ldern-Ruit: Hatje Cantz

Verlag, 2000. pp. 45-60.SOBCHACK, Vivian. 16 Ways to Pronounce Potato: Authority and Authorship in Poto 

and Cabengo . The Journal of Film and Video , n. XXXVI, outono de 1984.SONTAG, Susan. On Photography . New York. Delta, 1977.WALSH, Martin . Godard and Me: Jean-Pierre Gorin Talks. Take One , vol . 5 # 1, 1976

( m a i s t a r d e r e l a n ç a d o e m The Brechtian Aspect of Radical Cinema , L o n d o n ,BFI, 1981).

WOLLEN, Peter. Readings and Writings: Semiotic Counter-Strategies . L o n d o n . N ewLe ft Boo ks, 198 2.

     4     8

Dire i tos au to ra is 20 05 po r Erik Ulm an

Tod os o s d i re itos reservado s .

Page 50: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 50/120

Page 51: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 51/120

O cineasta Jean-Pierre Gorin conta comoo diretor de Terra em transe virou atorde Vento do Leste , que será exibido noBrasil pela primeira vez nesta semana.

 Jean-Pierre Gorin é conhecido p e la su a p a rce r i aco m Jea n -Lu c G o d ard n o s an o s 1 9 6 0 e 19 7 0 . Elesd i r ig i ram jun tos se is f i lmes , quat ro deles com

v ário s e sq u e rd is t a s r ev o lu c io n ár io s d a ép o ca , emp r o p o s t a d e t ra b a lh o c o la b o r a tivo , s o b o n o m e d eG r u p o D z i g a V e r t o v , u m a h o m e n a g e m a o c i n e -as t a ru sso , p a ra f aze r o p o s ição n ão ap en as aH o lly w o o d , m as t am b é m à t rad ição d e E isen s t e in .O p r im e i ro film e d e ssa p a rce r ia é Vento do Leste 

( 1 9 6 9 ) , u m western fei to na I tál ia com as part ici-p açõ es d e G ian Mar ia V o lo n té , co m o a to r , e d e

D an ie l Co h n -Ben d i t, co m o ro te i ris t a , a lém d e u m aap a r ição d e G lau b er Ro ch a . P a r te d o film e m o s t r av á r i a s p esso as r eu n id as em lo ca l e rm o re f l e t in d os o b r e o q u e é f a ze r cin e m a e , c o m o e r a a p r e o c u -p a ç ã o d o g r u p o , s o b r e o q u e é f a z e r c i n e m ap o lit icam en te . E é G lau b e r q u e , em u m a e n cru z il-h a d a , m o s t r a o s v á r i o s c a m i n h o s d o c i n e m a ,i n c l u i n d o a q u e l e d o T e r c e i r o M u n d o , q u e é" p er ig o so , d ivin o e m arav ilh o so " .

O s o u t ro s tr ê s film es d o g ru p o são Lotte in Italia (1 9 6 9 ) ,Vladimir et Rosa (1971) e Jusqu'àla victoire 

(1 9 7 0 ) , q u e f i co u in acab ad o . N ão m ai s co m onome Dziga Ver tov , Godard e Gor in d i r ig i ram,em 1 9 7 2 , Tout va bien , co m Yves Mo n tan d e Jan eF o n d a , e Letter to Jane , uma cáust ica le i tu rad e u m a fo to d e Jan e F o n d a n o V ie tn ã . O f i lm em e r e c e u a a t e n ç ã o d e S u s a n S o n t a g e m s e u

f a m o s o e n s a i o Sobre a Fotografia  ( r eed i t ad o

     5     0

 O   a 

mi     g  o 

 d   e 

 G l    a  u  b   e r 

 [    e  G  o  d   a 

r  d   ]   

    J   a   n   e

     d   e

    A     l   m

   e     i     d   a

   e   s   p   e   c

     i   a     l   p   a   r   a   a   F  o

   l   h  a

   d  e

   S   ã  o

   P  a  u   l  o

Page 52: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 52/120

r e c e n t e m e n t e p e l a C o m p a n h i a d a s L e t r a s ) , a p r e s e n t a d o c o m o u m a l i ç ã o d ed e c ifr aç ã o d e u m e n q u a d r a m e n to a p a r e n te m e n t e in o c e n t e .

G o r in co n h eceu G o d ard p o r v o l t a d e 1 9 6 5 q u an d o e ra ed i to r d e l i t e r a tu ra d o Le 

Monde e u m d o s c ria d o r e s d o s u p le m e n t o Le Monde des Livres . Ele h avia e stu-

da do filoso fia e pa r t ic ipa do do s sem iná r ios d e Lou is Althu sser , de Jacqu es Lacane Mich e l Fo u cau lt . Era u m em in e n te p a r t ic ip an te d a n o v a g e ração d a e sq u erd af ran cesa q u e i r i a cu lm in ar n a r ev o lu ção d e m aio d e 1 9 6 8 e r ep resen tav a u m afo r ça in o v a d o r a p a r a o s p e n s a m e n to s d e G o d a r d n a é p o c a , t a n to q u e fo i u m d eseu s co n f id en tes e co n se lh e i ro s em A chinesa (1 9 6 7 ) e Le gai savoir (1 9 6 8 ) ,film es an ter io re s ao s d o Dziga Ver tov .

D e s d e 1 9 7 5 , J e a n - P i e r r e G o r i n é p r o f e s s o r d o d e p a r t a m e n t o d e a r t e s v i s u a i s d aU n iv er s id ad e d a C a l i fó rn ia , em S an D ieg o , sem d e ix a r d e d i r ig i r , e sc rev er e

p r o d u z i r f i l m e s . G o r i n s e d i s p ô s a r e s p o n d e r à s q u e s t õ e s r e p r o d u z i d a s as e g u i r e d is s e q u e e l a s lh e t ro u xe r a m b o a s r e c o r d a ç õ e s . D is s e a i n d a q u e , s ep u d e s s e , p e g a r ia u m a viã o i m e d ia t a m e n t e p a r a ve r a a p r e s e n t a çã o d e Vento 

do Leste no Brasil .

O papel de Glauber Rocha em Vento do Lesteépequeno, mas crucial, já que ele 

équem aponta os caminhos do cinema na encruzilhada. Como o senhor 

e Godard encontraram Glauber, e o que passava pela sua cabeça quando 

decidiu convidá-lo para aquele papel? 

G lau b er , G lau b er , G lau b er . S em p re n a en c ru z i lh ad a . E le ap a rece p e la p r im e i ra v ezn a m in h a vid a e m P a ris p o u c o s m e s e s d e p o is d e e u t e r vis to Terra em transe 

u m a s 3 0 v e z e s s e g u i d a s n o e s p a ç o d e d e z d i a s . N ó s n o s e n c o n t r a m o s p o r

in t e rm éd io d e R ap h äe l S o r in , a tu a l ed i to r d e [Mich e l ] H o u l l eb ecq , q u e es t a rálig ad o a Vento do Leste . U m a c o n e x ã o i m e d i a t a . I s s o s e t r a d u z e m u m v a g a ri n f i n i t o p e l a s r u a s d e P a r i s ( G l a u b e r s a b i a c o m o e s t i c a r a n o i t e ! ) e e m u mt r e s l o u c a d o c u r s o i n t e n s i v o d e 1 5 d i a s s o b r e o t r o p i c a l i s m o . E n t ã o , u m a n od e p o i s , q u a n d o Vento do Leste e s t a v a s e n d o r o d a d o , e l e e m e r g e d a n o i t e ,s e n t a à n o s s a m e s a n a q u e l a i m u n d a trattoria r o m a n a e a m a r r a a s p o n t a sd a n o s s a ú l t i m a c o n v e r s a , c o m o s e h o u v é s s e m o s n o s d e s p e d i d o n a n o i t ea n t e r i o r . L e m b r o - m e d e t ê - l o a p r e s e n t a d o a G o d a r d , m a s p o s s o e s t a r e r r a d o

a r e s p e i to d i ss o .

     5     1

Page 53: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 53/120

Eu s e i q u e p a r t iu d e m im a id é ia d e a r re g im e n t a r G la u b e r e o fe r e c e r -lh e o p a p e l d e lem e s m o , c o m o s i n a l f a l a n t e n a e n c r u z i l h a d a d a s v á r i a s f o r m a s d e c i n e m a . Oq u e m e p a s s a va p e la c a b e ç a ? É b e m ó b v io , n ã o ? As c o is a s e s t a va m s e d e s c o s -t u ra n d o . Er a co m o s e t u d o va le s s e e t u d o e s tive s s e s e n d o p o s t o s o b r e a m e s a

p a r a s e r e x a m i n a d o d e n o v o . A s f o r m a s d a s i m a g e n s e d o s s o n s e s t a v a ms e n d o q u e s t i o n a d a s p o r t o d o s o s l a d o s . D e c e r t a f o r m a , e s t á v a m o s t o d o s n ae n c ru z ilh a d a . A q u e s tã o n ã o e r a a b u s c a d e u m c a m in h o " v e r d a d e ir o " , m a s ot ip o d e d i á lo g o q u e p o d er ia se r am ar rad o a p a r t ir d e to d o e s se q u e s tio n am en tod i sp a ra t ad o q u e aco n tec ia .

N i n g u é m p o d i a s i m p l e s m e n t e s o n h a r e m a d o t a r n o a t a c a d o a e x p e r i m e n t a ç ã o d eo u t rem , p rec i sam en te p o rq u e es sas ex p er im en taçõ es r e f r a t av am a esp ec i f i c i -d ad e d a e xp e r iên c ia . Po r is so o s ca ras d o C in e m a N o v o fo ram t ão im p o r tan tes .

P e lo q u ão b ras ile i ro s e le s e s tav am d e te rm in ad o s a se r , p o r su a e sp e c ific id ad e ec o m o n o s f o r ç a r a m a n o s i n t e r r o g a r a n ó s m e s m o s , c o l o c a n d o - n o s e m u m ad ir e çã o q u e n ã o h a via s id o m a p e a d a .

A ap ar i ção d e G lau b er em Vento do Leste é a o m e s m o t e m p o u m a h o m e n a ge m a oC in em a N o v o e u m a p e ça a fe t iva d e u m t ea tro naïve , que ind ica qu e o s t raba lho sfe i to s n o B ras i l n o s o b r ig a ram a d esb as t a r n o sso cam in h o p a ra fo ra d a m a ta(Hol lywood , a nouvelle vague , a era g lacia l do c inema po l í t ico da Guerra Fr iae t c.) , ru m o à e s p e c ific id a d e d o n o s s o t e m p o e n o s s o e s p a ç o .

Após quase 40 anos, como o senhor vêas propostas e a produção do Grupo 

Dziga Vertov? 

E m 1 9 8 9 , n a ép o ca d o b icen ten ár io d a R ev o lu ção F ran cesa , u m jo rn a l en t r ev i s to uvár io s líd e res m u n d ia is em b u sca d e u m a av a liação so b re o leg ad o d a q u e le fa to .Deng Xiaop ing , en tão l íder da China, hes i tou um ins tan te e depo is respondeu :" É ced o d em ai s p a ra d i ze r ! " . D e ix an d o a b r in cad e i r a d e l ad o e co m a d ev id am o d é s tia , vo u u s a r a m e s m a r e s p o s ta .

Recen tem en te a s s is t i a Vento do Leste e en v ie i a seg u in te n o ta a u m am ig o : " L o n g oe-mai l de um cen tro cu l tu ra l b ras i le i ro que parece incl inado a ex ib i r Vento do Leste p e la p r im e i ra v ez n a t e r r a d e G lau b er R o ch a ( co n seg u i u m a ed ição ja p o n e sa e m D VD d a ve lh a b rin ca d e ira e fiq u e i su rp re so p e lo fa to d e e la a in d ap arece r t ão im p ress io n an tem en te l i n d a , s em fa l a r n o f a to d e q u e p a rec ia emvez d is so : a ) a ú n ica ve rd ad e i ra ad ap tação d a Ilíada [d e scu lp e , acab e i d e sa ir d eTróia e es tou bem i r r i tado com aqu i lo ! ] . . . Vejo Vento do Leste c o m o acu l tu ra d a g u er ra v i s t a p o r d u as C assan d ra ( s ) [d u as p e lo p reço d e u m a!

JL G /JP G ] ; b ) u m ép ico sh ak esp ear i an o em p eq u en a esca la [n in g u ém se

     5     2

Page 54: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 54/120

p re o c u p o u / s e p r e o c u p a e m le r o fin a l d a d é c a d a d e 19 6 0 c o m o u m a fa rr a d eRo s e n c r a n t z e G u i ld e n s t e r n , m a s e u o f iz / fa ç o a in d a m a is a g o r a … ]. M in h ag e r a ç ã o c o l o c o u o p o b r e Y [ t a m b é m c o n h e c i d o c o m o o m a r x i s m o e s e u sa v a t a r e s ] n a t u m b a . . . E l e j á e s t a v a m o r t o , m a s n ã o s a b i a . . . Q u a s e 3 0 a n o s

e s p e r a n d o q u e o f a n t a s m a s e d i s s i p a s s e n o v e n t o [ T i a n A n M e n + a q u e d ad o M u r o d e B e r lim ]; c) u m a d a s m e l h o r e s p e ç a s d e fic ç ã o c ie n t ífic a já e s c rit a s[ se 2001 é D u l la r d s n o E s p a ç o , Vento do Leste é D u lla r d s n o c a m p o r o m a n o ,o post-scriptum p a r a Bouvard e Pécuchet q u e Fla u b e r t n u n c a e s c re v e u d ir e -it o , n o q u a l p r e t e n d i a r e c o lh e r o s e s c rit o s d e s e u s d o i s id i o t a s ... U m p e r fe i toc o m p l e m e n t o p a r a A chinesa a e s s e r e s p e it o ]) " .

P o r ta n t o , " é c e d o d e m a is p a r a d iz e r " ... Te n h o c e r te z a d e q u e e m d e z a n o s e u ve r e iVento do Leste e o t ra b a l h o q u e e u f iz n a é p o c a c o m o u t ro s o l h o s . O a fe t o ,

a ir o n ia , a fú r ia q u e e le s g e r a r a m e m m im n a é p o c a e q u e g e r a m a g o r a a in d ap e r m a n e c e r ã o , m a s o s t r a b a lh o s vã o p a r e c e r s e d ir ig ir a u m o u t r o c o n ju n t od e p r e o c u p a ç õ e s . Há t ra b a l h o s q u e fa z e m is s o ; e le s p e r m a n e c e m m is te r io s a -m e n t e v i v o s e c a p a z e s d e s e d i r i g i r a o s t e m p o s a l é m d o s e u t e m p o . E u o sc h a m o d e " d e c e n te s " . Sã o t ra b a lh o s q u e d e m o n s t ra m a b a t a lh a d e u m d ir e to rc o m a t a r e f a à m ã o , m o s t r a m q u e e l e / e l a e s t á s u a n d o s o b r e o s d e t a l h e s , jo g a n d o vá ria s b o la s a o m e sm o te m p o , se m te r m e d o d e q u e a lg u m a s ca ia mn o c h ã o ( p o r i n c a p a c i d a d e e t a m b é m p o r e x i b i c i o n i s m o , s ó p a r a t e r a

a u d i ê n c ia d o s e u l a d o ) . En f im , fiz t ra b a lh o s " d e c e n t e s " .

O senhor acha que a metáfora da encruzilhada ainda éválida, depois que os

"ventos do leste" pararam de soprar com tanta força, e considerando

também que o cinema, hoje em dia, raramente questiona o próprio

cinema, como naquela época? 

P e ç o l ic e n ç a p a r a d is c o r d a r. As q u e s t õ e s e s t ã o a í. Po s s o o u v i- la s n o s f ilm e s d e La r svon Tr ier com o p osso ou v i- las no s film es d e Apicha tpon g Wee raseth aku l . Pos so

v ê - l a s s e r p e n t e a n d o e d a n d o f o r m a a o s f i l m e s d e A b b a s K i a r o s t a m i e n o sf i l m e s d e H o u H s h i a o H s h e n o u d e T s a i M i n g L i a n g . E , s e e u g o s t o o u n ã od e s s e s f i l m e s , é a l g o q u e a b s o l u t a m e n t e n ã o v e m a o c a s o . E u p o d e r i aa u m e n ta r a lis ta . N o m e s c o n h e c id o s e n o m e s a i n d a d e s co n h e c id o s . Te n d oa a c h a r q u e o s c i n e a s t a s s e e n q u a d r a m e m d o i s g r u p o s : a s p e s s o a s d oid i o m a e a s p e s s o a s d a g r a m á t ic a . As p e s s o a s d o id io m a t e n d e m a fu n c io n a rm e lh o r n a e s ta b i lid a d e d a s c o n v e n ç õ e s ; a s p e s s o a s d a g r a m á t ic a s ã o in c li-n a d a s a i n t e r r o g á - l a s .

     5     3

Page 55: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 55/120

D e v e z e m q u a n d o , o s m e m b r o s d e u m a t r i b o v a g a m ( m e s m o q u e s ó p o r u mmomento a ter ro r izado) no ter r i tó r io da ou t ra . E o f luxo e o ref luxo da h is tó r iat e n d e m a f a v o r e c e r a l t e r n a d a m e n t e u m a t r i b o s o b r e a o u t r a . C h e g a d ea n t r o p o l o g i a d e p o l t r o n a ! O f a t o é q u e u m m o n t e d e q u e s t i o n a m e n t o s e s t á

a c o n t e c e n d o . Se m p r e e s te v e a c o n te c e n d o . Se m p r e a c o n t e c e r á . Se m p r e ...A q u es t ão p o d e se r co lo cad a d e fo rm a m ais in c is iva a r e sp e ito d o s c rít ico s . O q u e o s

t o rn a t ã o p o u c o d is p o s t o s a a p a n h a r a s q u e s t õ e s q u e e s t ã o s e n d o le v a n t a d a s ,t ão in cap azes d e t r açá - l a s , am p l i f i cá - l a s? O q u e o s to rn a t ão d e te rm in ad o s are fo rça r a f a l t a d e sab o r d o status quo ? U m p o u c o m e n o s d e " p o l e g a r p a r ac im a/p o leg ar p a ra b a ix o " e u m p o u co m ai s d e r e f l ex ão a ju d ar i am .

A c h o q u e o s c i n e a s t a s d e v e r i a m a s s u m i r a p r o m e s s a d e p e g a r a c a n e t a e f a z e r oe s f o r ç o d e f a l a r d o s f i l m e s d o s o u t r o s ( o u d o s m o m e n t o s o u g e s t o s n e s s e s

film e s ) q u e o s to c a m e s t é tic a e e m o c io n a l m e n t e . U m p o u c o m e n o s d e in s u la -r i d a d e e u m p o u c o m a i s d e g e n e r o s i d a d e p o d e r i a m a j u d a r a r e t o m a r oter r itó r io q ue fo i pe rd ido com o co lap so d a cr ít ica .

O senhor acredita que ainda épossível experimentar com a própria

linguagem do cinema, como naquela época? Ainda épossível para o 

cinema se questionar? 

Sim, enfat icamente . Algumas ind icações sumár ias desconectadas . O d ig i ta l , emp r im ei ro lu g ar . O q u e e l e n o s t r az? Q u an d o v a i an d ar p o r s i , co m as p ro -p r i ed ad es d o d ig i t a l s en d o ex p lo rad as , e n ão s im p lesm en te co n s id e rad as co m ou m a fo rm a ex p ed i t a d e f i lm ar? Q u e es t é t i ca e l e t r az? C o m o essa e s t é t i ca v a ia fe t a r e t ran s fo rm a r n o sso se n t id o d a n a r ra t iv a?

Em segundo lugar , o sound design . Quando os cineastas vão reconhecer a sofist icaçãod o seu p ú b lico n o q u e d iz re sp e ito à e lab o ração d o so m ? Q u an d o vão co m p reen -d er a t ivam en te q u e o e sp ec tad o r m éd io ag o ra t em u m a fam ilia r id ad e co m as co m -p lexid ad e s d as cam ad as d e so m , d o s samplings , da mixagem, que é der ivada da

sua famil iar idade com a música popu lar? E quando essa compreensão vai setrad uzir em estratégias n arrativas no vas e d ifere ntes?

A d é cad a d e 1 9 6 0 fo i m arcad a p o r u m sa lto q u e lev o u o s c in e as t as a se a fas t a rem d o sm o d e lo s l i t e r á r io s (d a a l t a e d a b a ix a l i t e r a tu ra ) e en co n t ra rem seu p o n to d er e f e r ê n c i a n a p i n t u r a . O G o d a r d d o c o m e ç o é u m e x e m p l o b a s t a n t e b o m d oq u e i s so q u i s d i ze r : q u an tas v ezes e l e n o s o b r ig o u a l e r o q u ad ro co m o l em o su m a p in tu ra d e Mat i s se , co m á reas ch ap ad as d e co res p r im ár i as i l u m in ad asc o m o s e p e lo s o l d o m e io - d ia ? E q u a n t o d e s s a e s tr a té g ia s e p l a sm o u e m u m a

n o v a fo rm a d e n a r ra t iva? Pa rece in ev it áve l q u e a m ú s ica (o u , d ito d e fo rm a m aisapropr iada, o som) o fereça o p róx imo referencia l . Alelu ia .

     5     4

Page 56: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 56/120

A era d o f ilm e so n o ro é a n o ssa . O lh e , eu p o d e r ia co n t in u ar en file i ran d o o s s in a i s d eesp eran ça (o u se j a , a s vir ad as e m u d an ças q u e fo rçam o s c in e as t as a ab raça remseu t em p o ) . As v ir ad as n o s v en to s p o lít ico s fig u ra r iam d e fo rm a p ro em in e n te n al i s ta , mas i sso nos tomar ia mui tas no i tes em vo l ta da foguei ra .

O senhor fez seis filmes com Godard. Como era tê-lo como parceiro? Que carac- 

terísticas de Godard o senhor vêno seu trabalho depois de terem produzido 

tantos filmes juntos? 

D e s s a p e r gu n t a e u vo u fu g ir. C o m p r e e n d a q u e u m a d a s p r a g a s q u e m in h a ju v e n -t u d e m e im p ô s é q u e a s p e s s o a s s e d ir ig e m a m im c o m o s e e u t ive s s e s id o

a p a n h a d o n u m e t e r n o p r e s e n t e , c o m o u m c e r v o s o b a l a n t e r n a . S u s p e i t oq u e s e e u a ) fo s s e u m p o u c o m e n o s in g ê n u o o u b ) t ive s s e m e n o s c o lh õ e s ,e u t e ria u n id o fo r ç a s a a lg u é m q u e n ã o c o n c e n t ra r ia n a s u a c a b e ç a a m ís tic ad o a u t o r c o m " A" m a iú s c u lo . M a s , s e n d o a s s im , e u s e n t i q u e e le e r a a q u e lec u j a p r á t i c a p o d e r i a a c o m o d a r m i n h a s q u e s t õ e s . D i t o i s s o , é e l o g i o s o et a m b é m c a n s a t i v o s e r l e v a d o d e v o l t a à j u v e n t u d e d e a l g u é m c o m t a lc o n s i s t ê n c i a e n e r v a n t e .

Poucos anos depois de sua parceria com Godard, o senhor se mudou para os 

Estados Unidos e começou a lecionar em uma universidade. Ainda assim,

o senhor dirigiu quatro filmes ( Poto and Cabengo, Routine Pleasures, My

Crasy Life e Letter to Peter ) e também escreveu alguns roteiros. Como concilia sua vida acadêmica com a sua produção cinematográfica? 

D o m elh o r /p io r j e i to q u e eu co n s ig o . L ec io n ar é b as t an te s im p les . C o n s i s t e emp e r su a d i r a s p e s s o a s d e q u e e la s n ã o p r e c is a m d e vo c ê . Co m o t o d a s a s c o is a s

s im p les , exig e t em p o e e s fo rço p a ra co n se g u ir.Também v i i sso como um dever po l í t ico , já que sen t ia a necess idade de passar a lgo

ad ian te e m o s t ra r à g en te jo v em co m o " n u n ca su b es t im ar o p o d e r rev o lu c io n á r iodo passa do " , com o d isse Paso lin i cer ta vez . Além d isso , ma ntém os pé s e a cabe çabe m s in ton izado s , se fo r fe ito com paixão . Poucos o fazem , in fe lizm en te .

Q u a n t o a o s f i l m e s , f i q u e i m a i s d e m o r a d o p o r c a u s a d a i n c a p a c i d a d e d o s p r o d u -t o re s d e a s s u m ir e m r is c o s , d a a b s u r d a c e g u e i ra d o s c r ít ic o s , d o m e u d e s d é mq u a s e p a t o l ó g i c o p o r j o g a r o j o g o e ( s e j a m o s h o n e s t o s ) p o r m e u p r ó p r i o

 je ito p ro cra s tin a d o r.

     5     5

Page 57: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 57/120

Quais são seus trabalhos (ou projetos) mais recentes? 

Acab o d e t e rm in ar u m ro te iro , The Devil Dicks . É u m film e p u r a m e n t e d e g ê n e r o , q u eesc rev i co m m eu p a rce iro , P a tr ick Am o s , e q u e n ão p re t en d o d ir ig ir. Um a e sp é -

c ie d e Ghostbusters – Os Caça-Fantasmas m is tu r a d o c o m Salò, ou os 120 dias de Sodoma , c o m c a ra d e cartoon à e n é s i m a p o t ê n c i a . D á a s e n s a ç ã o d e q u ee s s e fo r m a t o é o m a is a d e q u a d o p a r a lid a r c o m e s t a n o s s a é p o c a .

Alguns autores o consideram uma espécie de resistência entre a monótona 

grandiloqüência dos filmes de Hollywood e o cinismo do cinema " indepen- 

dente" norte-americano. Como se sente a respeito? 

Ei, v o u a t é o n d e p o s s o ! O lh a , fa ç o e s s e t ip o d e film e p o r n e c e s s id a d e . P o r h á b it o ,s e r i a u m t e r m o m a i s a p r o p r i a d o . É m i n h a p a l e t a . É m i n h a v o z . M i n h am u s iq u in h a . N ã o p o s s o fa z e r n a d a a lé m d is s o . É t a n t o a m in h a g ló r ia q u a n t oa m in h a m a ld iç ã o . Um a f o rm a l im it a d a , e m b o r a a m b ic io s a , d e fu n c io n a r n om u n d o . E, a g o r a q u e j á re s p o n d i à s s u a s p e r gu n t a s , u m p e d id o . Ag ra d e ç a aCaetano Veloso , Tom Zé, Gi lber to Gi l e Jo rge Ben . Sem eles , ser ia mais d i f íc i lp e n s a r. E v is it e o t ú m u l o d e G la u b e r. N a ú lt im a v e z e m q u e c o n v e r s a m o s , e le

m e l i g o u a c o b r a r d u r a n t e d u a s h o r a s p a r a m e d i z e r : " N ó s e s t á v a m o sc e r t o s " . Ele n u n c a m e d a v a e s p a ç o p a r a r e s p o n d e r . E e u e s t a v a tã o f a lid o n aé p o c a q u e a ú n i c a c o i s a q u e e u c o n s e g u i a p e n s a r e r a e m c o m o f a z ê - l od e s l i g a r . A g o r a , e m r e t r o s p e c t o , a c h o q u e e l e f e z b e m e m l i g a r . N ã o e x a t a -m e n t e d a q u e le je it o , m a s q u e m s e im p o r t a ...

     5     6

Tradu ção de Rodr igo Lei te .

Page 58: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 58/120

Page 59: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 59/120

Próximo do meio deVento do Leste (Vent d’Est ) ,h á u m a seq ü ên c ia n a q u a l o c in eas t a b ras i l e i roG lau b er Ro ch a t em u m a p a r tic ip ação b rev e , p o rémde s imból ica impor tância . Enquan to Rocha es tá

p a r a d o e m u m a e n c r u z i l h a d a p o e i r e n t a , c o m o sb r a ço s a b e r t o s , u m a jo v e m m u lh e r e m e r ge d e u md o s cam in h o s , s eg u ran d o u m a film ad o ra ( e o fa tod e e la e s ta r ev id e n tem en te g ráv id a é , s em d ú vid a ,“fért i l” em significado). Ela se volta para Rocha ed iz , m u ito ed u cad a : “D escu lp e -m e p o r in t e r ro m p e rsu a lu t a d e c l a s ses , m as v o cê p o d er i a m e m o s t r a ro cam in h o q u e lev a ao c in e m a p o lít ico ?”

R o ch a ap o n ta p r im e i ro p a ra f r en te , d ep o i s p a ra t r á s , een tão p a ra a e sq u e rd a , e d iz : “Aq u e le é o cam in h od o c i n e m a d a a v e n t u r a e s t é t i c a e d e i n d a g a ç ã of i lo só f i ca , en q u an to es t e é o cam in h o d o c in em ad e Terce iro Mu n d o , u m c in e m a p e r ig o so , d ivin o em a r a v i l h o s o , e m q u e a s p e r g u n t a s s ã o d e c u n h oprát ico , como produção , d is t r ibu ição , t re inamentod e 3 0 0 c in eas t as p a ra f aze r 6 0 0 f i lm es p o r an o

s o m e n t e n o B r a s i l , a b a s t e c e r u m d o s m a i o r e sm e r ca d o s d o m u n d o . ”A m u lh er co m eça a t r aça r o cam in h o d o T erce i ro

M u n d o , q u a n d o o i n e x p l i c á v e l a p a r e c i m e n t o d eu m b a l ã o v e r m e l h o p a r e c e d e s e n c o r a j á - l a aco n t in u ar n essa d i r eção . E la ch u ta , s em m u i toe n t u s ia s m o , a b o la , q u e m e s m o a s s im vo lt a ro la n -d o p a ra o n d e e l a e s t á , co m o se in s i s t in d o ems e g u i-la – co m o o fa m o s o “b a lã o ve r m e lh o ” d e

L a m o r i s s e , c o m o q u a l g u a r d a a l g u m a s e m e -lh a n ç a – , e r e fa z s e u s p a s s o s a t é G la u b e r Ro c h a ,q u e c o n t i n u a p l a n t a d o n a e n c r u z i l h a d a c o m o sb r a ç o s a b e r t o s , c o m o u m e s p a n t a l h o o u u mCris to cruci f icado sem uma cruz. E la par te maisu m a v ez , d es t a v ez seg u in d o a t r i l h a d a av en tu raes té t ica e da indagação f i losóf ica .

D ec id i co m eçar m in h a an á l i se so b re Vento do Leste 

d e s c r e v e n d o e s t a b r e v e s e q ü ê n c i a e s u g e r i n d o

     5     8

 V  e n 

 t    o 

 d   o 

L   e 

 s   t    e 

 o  u G  o 

 d  a r  d  e R  o  c h  a 

n a  e n c r  uz i  l  h  a  d  a 

    J   a   m   e   s    R   o   y    M

   a   c    B   e   a   n

Page 60: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 60/120

a lg u n s d e seu s d iv e r t id o s s im b o l i sm o s p o r ac red i t a r q u e se j am d e v i t a li m p o r t â n c i a , n ã o a p e n a s p a r a o e n t e n d i m e n t o d o q u e G o d a r d e s t á t e n t a n d of a z e r n e s t e f i l m e , m a s t a m b é m p a r a a c o m p r e e n s ã o d a m a n e i r a c o m o c e r t a sq u e s t õ e s d e g r a n d e i m p o r t â n c i a e s t ã o t o m a n d o f o r m a n a v a n g u a r d a d o c i n e -

m a c o n t e m p o r â n e o . A p r e s e n ç a d e R o c h a n e s t a s e q ü ê n c i a é p a r t i c u l a r m e n t es ig n i f i ca t iv a , m as as q u es tõ es en v o lv id as ce r t am en te v ão a l ém d e G o d ard eRo ch a – e , em ú l tim a in s t ân c ia , é b em cap az q u e o p ró p r io c in e m a es t e j a ag o raem u m a e n cru z ilh ad a c r ít ica .

Para l idar com es tas ques tões e sondar com maior p ro fund idade a s ign i f icância daseq ü ên c ia d a en c ru z i lh ad a , ach o q u e o m e lh o r é p r im e i ro to m arm o s u m b rev ede svio , exp licando um po uco as c ircun stâncias q ue levaram a Vento do Leste e àassociação p rob lem át ica de Glaub er Rocha a e s te film e, em vár ios e s tág ios d e seu

de sen vo lvim en to . Logo apó s os levan tes es tuda n t is ocorr ido s na França em 196 8 ,God ard con ta tou um do s líde res m ilitan tes de sse m ovim en to , Dan iel Coh n-Ben dit ,e suger iu que os do is co laborassem no p ro je to de um f i lme que exp lorar ia ofunesto declínio ideológico, moral e social enraizado não apenas na polí t ica fran-cesa , m as n a s ituação p o lít ica do pó s-Guerra Fr ia d e fo rm a ge ral. Godard tam bé malud iu a seu desejo de fazer o f i lme de ta l fo rma que fossem cr iados parale losen tre a rep rese ntativida de de estruturas p olít icas trad icion ais e a rep rese ntativida dede estruturas tradicionais de f i lmes, em part icular aquelas de padrão ocidental .

C o h n -Ben d it co n co rd o u , e G o d ard co n ta to u o p ro d u to r it a lian o G ian n i Barce llo n i, q u e já h a via tr a b a lh a d o co m d ire to re s co m o Pa so lin i e G la u b e r Ro ch a , e o jo ve mcineas ta underground francês Phil ippe Garrel . Barcelloni convenceu a Cineriz alh e d a r u m a d ia n t a m e n t o d e c e m m il d ó l a re s p a r a “ u m fa r o e s te e m c o re s , a s e rro te i r izado por Dan iel Cohn-Bendi t , d i r ig ido por Jean-Luc Godard e es t re ladop o r G ian Mar ia V o lo n té” . A p aren tem en te , o q u e o p ro d u to r e o d i s t r ib u id o re s p e r a va m e r a a lg o n a lin h a d e u m “Cohn-Bendit le fou ”.

As f i lmagens fo ram conduzidas no in íc io do verão de 1969 , na I tá l ia . Godard , en tãoc o m p r o m e t i d o c o m a c r i a ç ã o c o l e t i v a , c o n g r e g o u o s t r ê s m e m b r o s d o s e u

G ru p o D z ig a Ver to v (q u e n a ép o ca e m q u e e s te t e xto fo i e sc rito e s t av a red u z i-d o a ap en as d o i s m em b ro s – G o d ard e Jean -P ie r r e G o r in ) , su a esp o sa , a a t r i zAnne Wiazemsky , d iversos a to res e técn icos i ta l ianos , e uma sér ie de mi l i tan tesf r an ceses e i t a l i an o s d e d iv e r sas in c l in açõ es e sq u erd i s t a s . C o h n -B en d i t ,q u e h av ia d i scu t id o a co n cep ção g e ra l d o f i lm e co m G o d ard , e s t ev e p resen tea p e n a s e m p a r t e d a s film a g e n s , a p a r e n t e m e n t e d is cu t iu c o m G o d a r d e G o r in ,e n ão ap arece n a v e r são f in a l d o f i lm e ( co m o G o d ard co lo co u em B erk e leyem ab r i l d o an o p assad o , “ to d o s o s an a rq u i s t a s fo ram p ara a p ra i a” ) . S a i

Coh n-Ben di t. En tra Glaub er Roch a.

     5     9

Page 61: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 61/120

E m R o m a p ara r eu n iõ es co m B arce l lo n i , R o ch a en co n t ro u G o d ard , q u e , s eg u n d oRo ch a , su g er iu q u e o s d o i s d ev er iam co o rd e n ar e s fo rço s “p a ra d e s t ru i r o c in e -m a ” – a o q u e R o ch a t e r ia r e s p o n d id o e s ta r e m u m c a m in h o b e m d ife r e n t e , q u eseu o b je t iv o e ra co n s t ru i r o c in em a n o B ras i l e n o r es to d o T erce i ro Mu n d o ,

lid an d o co m p ro b lem as p rá t ico s d e p ro d u ção , d i st rib u ição e t c.E s ta d iv e rg ên c ia p a rece t e r d ad o a G o d ard a id é i a d e f i lm ar u m a seq ü ên c ia co m

“Roch a n a e ncruzi lha da ”, pa ra inclu ir em Vento do Leste co m o u m a m a n e ira d ed e lin e a r d i fe ren tes e s t ra t ég ias r e vo lu c io n ár ia s . Ro ch a co n co rd o u em rep rese n -t a r o p a p e l, m a s n ão sem m o s t r a r r e lu t ân c ia e m “se ju n ta r à m ito lo g ia co le t iv ad a in e sq u ec ív e l G an g u e Fran cesa d e Ma io ” .

D e q u a lq u er m an e i ra , a seq ü ê n c ia fo i film ad a , e G o d ard e R o ch a se d e sp e d iram am i-g a ve lm e n t e , m a s , a o q u e p a r e c e , a m b o s c o m a s e n s a ç ã o d e q u e o o u t ro h a v ia

f a l h a d o e m e n t e n d e r s u a p o s i ç ã o . G o d a r d s e d e d i c o u à e d i ç ã o d e Vento do Leste , e co nclu iu o film e n o in íc io d o inverno . Por acaso , Roch a e s tava em Rom anovamente na época da p ré-ex ib ição par t icu lar , ass is t iu ao f i lme, e se v iu –c o m o a c o n t e c e u c o m to d o s o s p re s e n t e s – d e ta l fo r m a d e s n o r te a d o e c o n s t e r -n a d o c o m o c a m i n h o t o m a d o p o r G o d a r d , q u e d e c i d i u e s c r e v e r u m a r t i g osob re o film e pa ra a re v is ta b ras i le i ra Manchete 1 .

N o F es t iva l d e C an n es , em m aio d e 1 9 7 0 , Vento do Leste t ev e u m a ex ib ição à m e ia -n o i t e , d u ran te a Q u in zen a d o D i re to r . (G o d ard n ão q u er i a q u e o f i lm e fo sse

ap rese n tad o e m Cann es; a e xib ição fo i de to ta l respo nsa b i lida de do d is tr ibu ido r.)A lg u m as p o u cas p esso as ad m i ra ram o f i lm e ; a m a io r i a d e tes to u . Id em p ara aex ib ição de Vento do Leste n o N ew Y o rk F es t iv a l , em se t em b ro . O m esm o serep e t iu a lg u m as sem an a s m ais t a rd e em Berk e ley e S an Fran c isco . Es te t ip o d er e a çã o e r a m a is o u m e n o s e s p e r a d a s e m p r e q u e u m n o v o film e d e G o d a r d e ralan çad o . Fo ra d o co m u m e u m p o u co m ais co m p licad a fo i a co n t ro vér s ia so b rese Vento do Leste p o d er i a se r co n s id e rad o u m f i lm e “v i su a lm en te b e lo ” , e sees t a b e leza v i su a l se r i a u m a t r ib u to o u u m a d e f i c i ên c ia , co n s id e ran d o -se a s m e tas r ev o lu c io n ár i a s d e G o d ard .

Mui to da con trovérs ia sobre a qual idade v isual do f i lme pode ter resu l tado s imples-m e n t e d o f a t o d e q u e e s t a v a m s e n d o e x i b i d a s t a n t o v e r s õ e s e m 3 5 m m c o m oem 16 m m d o film e ; e q u e , em t e rm o s visu a is , e s t a s d u as v e r sõ es são b a s tan ted ife ren tes . Ap e sa r d e o f ilm e t e r s id o film ad o em 16 m m ( in t e ir am en te em á rease xternas) , a cóp ia em 35 m m é m ui to su pe r io r , com cores luxur ian tes (p r incipa l-m en te o s v e rd es d as b e las p a isag en s in t e r io ran as d a It á lia e o ve rm elh o in t en so

     6     0

[ 1 ] Vide Manchete nº 9 28 (31 d e jane i ro de 1970) , Rio d e Jane iro .

Page 62: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 62/120

d a p a red e d e u m a an t ig a m o rad a rú s t ica , p a rc ia lm en te em ru ín as ) . A có p ia e m16 m m é b as t an te e scu ra e so m b r ia , co m co res m u ito fa lsas e m e lan có l icas .

A c o n t r o v é r s i a r e a l m e n t e s e a d e n s a q u a n d o c o m e ç a o d e b a t e s o b r e o s m é r i t o s ed em ér i to s r e l a t iv o s à b e leza v i su a l (o u d e su a au sên c ia ) em Vento do Leste .

H o je , é a t é d i f í c i l d e t e rm in ar q u em d i s se o q u e e p o r q u ê – e a q u e có p ia sere fe r iam o s co m en tá rio s . Po r ex em p lo , q u an d o o film e e s tav a sen d o e xib id o emBerkeley e San Francisco, alguns crí t icos f izeram objeções ao “lixo visual”, men-c io n an d o q u e G lau b er R o ch a su p o s tam en te t e r i a c r i t i cad o o f i lm e p o r se r“d e m a s ia d a m e n t e b e lo ” , a s s im s e m a n t e n d o n o d o m ín io d a e s té t ic a , a o i n vé sd e fu n c io n ar co m o u m f i lm e p o l i t i cam en te m i l i t an te . O p ro b lem a é q u e ap o s iç ã o d e Ro c h a n u n c a fo i e s s a . Es ta lin h a d e p e n s a m e n to , e n q u a n to e r ro n e a -m en te a t r ib u íd a a R o ch a , a p r in c íp io é ace i t a p o r G o d ard , q u e , n o en tan to ,

r e b a t e a f i r m a n d o q u e “ s e Vento do Leste t e m a l g u m m é r i t o , é o d e n ã o s e r ,d e fo rm a a lg u m a, b e lo ”. Já Ro ch a , em seu a r t ig o n a Manchete , a taca Vento do Leste n ã o p o r q u e o f ilm e s e m a n t é m n o d o m ín io d a e s t é t ic a , m a s p o r a c re d i ta rq u e G o d ard e s t ivesse t en tan d o d es t ru ir a e s t é tica . Ro ch a e lo g ia o film e p o r su a“ b e l e z a d e s e s p e r a d a ” , m a s c e n s u r a G o d a r d p o r s e s e n t i r t ã o s e m e s p e r a n ç a sq u an to à u t i l i d ad e d a a r t e . R o ch a l am en ta q u e u m a r t i s t a t ão t a l en to so co m oG o d a r d ( q u e e l e c o m p a r a a B a c h e M i c h e l a n g e l o ) n ã o t e n h a m a i s f é n a a r t e ,p rocurando , em vez d isso , “des t ru í - la” .

Para Rocha, a p resen te cr ise in te lectual na Europa Ociden ta l sobre a u t i l idade da ar teé se m sen t id o e p o lit icam en te n e g a t iv a . Ele v ê o a r t is ta e u ro p eu – m elh o r exem -p l i f i c a d o p o r G o d a r d – c o m o t e n d o s e c o l o c a d o e m u m b e c o s e m s a í d a , eco n c lu i q u e , n o q u e d i z r e sp e ito ao c in e m a , o Terce iro Mu n d o p o d e se r o ú n icolu g ar o n d e u m a r t i s t a a in d a p o d e f aze r f i lm es d e fo rm a f ru t í f e ra . G o d ard , p o ro u t ro l ad o , cen su ra R o ch a p o r su a “m en ta l id ad e d e p ro d u to r” , p o r p en sa rd e m ais n o s ch am ad o s te rm o s p rá t ico s d e p ro d u ção , d is t rib u ição , m ercad o s e t c.,a s s im p e rp e tu an d o as e s t ru tu ras cap i ta lis ta s d o c in e m a , lev an d o -as ao Terce iroMu n d o – e n eg l ig en c ian d o , n o p ro cesso , q u es tõ es t eó r i cas u rg en tes q u e

p rec i sam se r co n s id e rad as se o c in em a d o T erce i ro Mu n d o p re t en d e ev i t a r as im p les r ep e t ição d o s e r ro s id e o ló g ico s d o c in e m a o c id e n ta l.

Q u e t i p o d e e r r o s i d e o l ó g i c o s G o d a r d p o d e r i a t e r e m m e n t e ? B e m , v o l t e m o s às e q ü ê n c i a d a e n c r u z i l h a d a e m Vento do Leste . S e a n o ssa a s so c iação d a b o lav erm elh a d e p l ás t i co co m o “b a lão v e rm elh o ” d e L am o r i s se e s t iv e r co r re t a ,e n t ã o e s t a s e q ü ê n c i a p o d e s e r l i d a a s s i m : o c i n e m a , e m u m e s t á g i o m u i t ofecun do de de sen vo lvim en to cr ia t ivo , se vo l ta p ara o Terceiro Mu nd o procurand oa c o n s e l h a m e n t o e d i r e c i o n a m e n t o q u a n t o à r e l a ç ã o a d e q u a d a e n t r e o c i n e m a

e a so c ied ad e ( “c in em a p o l í t i co ” ) . R eceb en d o u m a resp o s ta d e ce r t a fo rm a

     6     1

Page 63: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 63/120

eq u iv o cad a d e G lau b er R o ch a , m as su f i c i en tem en te im p ress io n ad o p e lo q u ee le co lo ca so b re o c in em a d o T erce i ro Mu n d o (e t a lv ez im p ress io n ad o p e lam a n e i r a c o m o e l e a r g u m e n t a – o u m e l h o r , c a n t a – e m P o r t u g u ê s ) , o c i n e m ato m a o cam in h o d o c in em a n o T erce i ro Mu n d o , p a ra d esco b r i r , a lg u n s p asso s

à fr e n t e , q u e o c in e m a d o Te r c e ir o M u n d o e s tá s e t ra n s fo r m a n d o e m u m a s é r iede imi tações tercei ro -mundis tas de O balão vermelho . D esen co ra jad o , o c in e m ar a p id a m e n te d e c id e q u e o v e r d a d e i ro a va n ç o n ã o e s tá n e s s a d ir e çã o , m a s s imem p ro sseg u ir p e lo cam in h o d e av en tu ra e s t é t ica e q u es t io n am en to filo só f ico –u m c a m in h o q u e a m u lh e r re s o lu t a m e n t e to m a .

A g o ra su rg e a p e rg u n ta : o q u e h á d e e r r ad o co m O balão vermelho ? Quais errosideo lóg icos , ineren tes ao c inema ociden ta l , se manifes tam neste f i lme? A quep o d er íam o s p o ss ive lm en te n o s co n t rap o r n a ch a rm o sa h i stó ria so b re u m m en in -

in h o fr an cês e u m b a lão v e rm elh o q u e o se g u e o n d e q u e r q u e e le v á , co m o u mcach o r r in h o b r in ca lh ão ? Po d e m o s t am b ém lem b ra r q u e An d ré Baz in d ed ico u u mde seu s en saios m ais im po r tan tes ( “Montagem inv is ível”, no vo lum e I de O que éo cinema? ) a O balão vermelho e a ou t ro cur ta popu lar de Lamorisse , Crin blanc . O a rg u m en to d e B az in , u m t r am p o l im p ara o d esen v o lv im en to d e su aes té t ica real i s ta , era que, mesmo em um f i lme de fan tas ia tão imaginat ivac o m o O balão vermelho , e ra essen cia l (on to log icam en te esse ncia l) m anter a fide -l idade cinematográfica à realidade, “o simples respeito fotográfico pela unidade

esp acia l” . O fa to d e ter s ido u sado um t ruq ue para pe rm it ir que o balão pa recesseseg u ir o m en in o n ão e ra d e im p o r t ân c ia p a ra B azin , d esd e q u e o t ru q u e n ão fo sseu m a t ru cag em – co m o e ra , n a su a o p in ião , a m o n tag em . O q u e im p o r t av a e ras implesmente que tudo o que fosse v is to na te la t ivesse s ido fo tografadoc o m o re a lm e n t e a c o n te c e u n o te m p o e e s p a ç o . O q u e n ã o p o d ía m o s ve r ( co m oum f io de nái lon impercep t ível a permit i r que Lamorisse con tro lasse os movi-m en to s d o b a lão ) n ão im p o r t av a p a ra B az in , d esd e q u e o q u e n ó s v í s sem o stivesse efetivamente acontecido, fosse pris sur le vif (cap tu rado ao v ivo) pelacâm era , n ão t en d o s id o ad u lt e rad o em lab o ra tó r io o u n a m o v io la .

E B az in n ão se im p o r t av a n em u m p o u co (n a v e rd ad e , o co n ce i to se en ca ix av ap e r f e i t a m e n t e e m s e u i d e a l i s m o h u m a n i s t a b u r g u ê s ) q u e s u a f i d e l i d a d e à“ rea lid a d e ” se rvis se co m o u m t ram p o lim p ara p re t en sõ es m e ta fís icas s im p l is t a se m o r a l i z a ç ã o s e n t i m e n t a l – c o m o , p o r e x e m p l o , e m O balão vermelho , e mq u e a lu t a e n t re o m e n in in h o e u m a g a n g u e d e r u a s im b o l iz a a lu t a e n t r e o B e me o M a l, c o m o M a l ve n c e n d o a q u i n a Te r ra e o b a lã o e s to u r a n d o , m a s o B e mve n c e n d o e m u m a o u t ra e s fe r a “ m a i s e le v a d a ” , c o m m ilh a r e s d e o u t r o s b a lõ e sm i r a c u l o s a m e n t e d e s c e n d e n d o d o f i r m a m e n t o , e r g u e n d o o m e n i n i n h o e o

c a rr e g a n d o p a r a o c é u .

     6     2

Page 64: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 64/120

Para Bazin , con form e revelado p or um a le i tu ra cu ida do sa, todo s os cam inh os levam aocéu . A termino log ia re l ig iosa que aparece repet idamente em seus escr i tos cer ta-m en te n ão t em n ad a d e co in c id ên c ia o u m esm o d e m eram en te m e ta fó r ica . To d oo s is tem a e s té t ico d e Bazin se base ia e m um a e s tru tu ra m ís t ica e re lig iosa (cató -

lica) d e t ran scend ên cia . A fie l " refle xão da realidad e" , na verdad e, nad a m ais é doq u e u m p ré -req u is ito – e em ú lt im a in s t ân c ia s im p lesm en te u m p re t exto – p a raen co n t ra r u m a “verd ad e tr an scen d en ta l” q u e su p o s tam en te e xis te n a r ea lid ad e eé “m iracu losa m en te” revelada p ela câm era . A realida de , se e s tudarm os Bazin comaten ção , rap id am en te se d esp e d e su a casca m ate ria l e é “e lev ad a” a u m a e s fe rapuramente metaf ís ica (que poder íamos jus t i f icadamente chamar de teo lóg ica) .

D a d a a m e n o r o p o r t u n id a d e ( co m o q u a n d o e s cre v e n d o s o b r e Journal d’un curéde campagne d e Bresso n ) , Baz in ch e g a a r ev e la r o se g red o – e seu ab u so flag ran te

d o t e r m o “ fe n o m e n o lo g ia ” a lc a n ç a u m p in á c u lo d e a b s u r d o e m “u m a fe n o m e -n o l o g ia d a g ra ç a d e D e u s ”. M a s m e s m o a o e s c re v e r s o b r e u m film e c o m o Terra 

sem pão , d e B u ñ u e l , q u e é u m a d o c u m e n t a ç ã o m o r d a z d a c o n d i ç ã o m a t e r i a ld e u m a p o p u la ç ã o e s p e c ífic a ( o s h a b it a n te s d o v a le d e La s H u r d e s ) e m u m p a ísesp ec ífico (E sp an h a) , so b u m a co lig ação esp ec ífica d e c la s ses p rev a len tes (d ab u rg u es i a e d a Ig re j a C a tó l i ca ) , t u d o i s so ap resen tad o co m am arg a ên fase n op ró p r io f i lm e , B az in a in d a co n seg u e v a r re r a p o e i r a m a te r i a l p a ra d eb a ix o d otap e te , t ão r ap id am en te q u e é d i f í c i l s ab e r o q u e fo i v i s to e e scap ar d e fo rm a

im ed ia t a p a ra a s p o e ir as m a is ed ifican tes d o p a ra íso .Fo i observado 2 q u e , e m s e u a r t ig o s o b r e Terra sem pão , Ba z in n e m s e q u e r m e n c io n aas palavras “classe”, “explorada”, “rico”, “capital ismo”, “propriedade”, “prole-tariado”, “burguesia”, “ordem”, “dinheiro”, “lucro” etc. E quais são as palavrasq u e en co n t ram o s em seu lu g ar? E x p ressõ es g ran d io sas , co n ce i to s ab ran g en -t e s e g e n e r o s o s q u e s ã o a m a t é ria -p r im a d e u m a e xt e n s a t ra d iç ã o d o id e a lis m ohu m an is ta bu rguê s – com o “con sciên cia” , “salvação”, “t ris teza” , “pu reza”, “in te -g r id ad e” , “c ru e ld ad e o b je t iv a d o m u n d o ” , “ve rd a d e t ran scen d e n ta l” , “c ru e ld ad eda con dição hu m an a”, “infelicida de ”, “a crue lda de na Criação ”, “de stino ”, “horror”,

“p iedade”, “Madona”, “misér ia humana”, “obscen idade c i rú rg ica” , “amor”,“d ia lé t ica pascal iana” ( t inha de ser pascal iana!) , “ toda beleza de uma Pietà 

esp an h o la” , “n o b reza e h a rm o n ia” , “p resen ça d o b e lo n o a t ro z” , “u m in fe rn a lpa raíso ter res t re” e tc . e tc .

E n ão se t r a ta d e u m caso ú n ico , se j a n as e sc rit a s d e B az in o u n a id e o lo g ia b u rg u e saem geral . Q ua n to m ais gen ero sos e gerais os con cei tos , m ais fácil é co br ir a fa l ta

     6     3

[ 2 ] Vide a in te rpre tação cr ít ica de Gerard G ozlan sob re Bazin e m Positif , n º s . 4 6 e 4 7 ( ju n h o e ju l h o d e 19 6 2 ) .

Page 65: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 65/120

d e u m a a n á lis e m a t e ria lis ta , vo lt a d a a o p r o c e s s o d a s o c ie d a d e h u m a n a e q u e ,caso o co r res se , r ev e la r i a a lg u n s f a to s d u ro s e d esag rad áv e i s q u e p o d er i amfaze r a s p esso as co m eçarem a se r eb e la r . E m resu m o , a id eo lo g ia é p e lom e n o s t ã o e f i c i e n t e n o q u e d e i x a d e d i z e r – n a q u i l o q u e m a n t é m o c u l t o –

q u a n t o n o q u e d iz .G o d a r d l a m e n t a a fo r m a c o m o o c in e m a , d e s d e s e u n a s cim e n t o , fo i d e s fig u r a d o p o r

u m a id eo lo g ia cap i t a l i s t a b u rg u esa q u e p e rm eia su as p ró p r i as fu n d açõ es t eó -r icas , s em jam ais t e r s id o co r re t am en te d iag n o s t icad a , e m u i to m en o s co r r ig id a .Em Vento do Leste , p o r t a n t o , e l e s i s t e m a t i c a m e n t e d e s m o n t a o s e l e m e n t o st rad icio n a is d o c in e m a b u rg u ê s – p r in c ip a lm en te co n fo rm e e xem p lificad o p e loO cid e n te – e r ev e la o ( p o r vezes o cu lto e p o r vezes e scan carad o ) ca rá t e r rep res -s iv o q u e o su s t en ta .

G o d a r d a c u s a o c i n e m a b u r g u ê s d e c o l o c a r d e m a s i a d a ê n f a s e n o s m e d o s e d e s e j o se m o c i o n a i s m a i s b á s i c o s d a a u d i ê n c i a , j o g a n d o c o m e s s e s m e d o s e d e s e j o s ,sacr i f icando a in te l igência cr í t ica do espectador . E Godard ten ta combater es tat irania das emoções, não porque seja “contra” emoções e “a favor” da racionali-d a d e , n e m ta m p o u c o p o r q u e s e o p o n h a a q u e a s a titu d e s e a ç õ e s d a s p e s so a ssejam in f lue nciadas p or su a e xpe r iên cia ar t ís t ica ; m ui to p elo con trár io . Mas p orac red i t a r fo r t em en te q u e a au d iên c ia n ão d ev e se d e ix a r ex p lo ra r , co m o aco n -t e c e n o c i n e m a b u r g u ê s , q u e n ã o d e v e s e r m a n i p u l a d a e m o c i o n a l m e n t e , m a s

d ev e , s im , se r t r a t ad a d e fo rm a d i r e t a e f r an ca , em u m d iá lo g o lú c id o q u ee v o q u e t o d a s a s su a s fa c u ld a d e s h u m a n a s .H o je , n o en tan to , cad a e l em en to d e u m f i lm e b u rg u ês é ca l cu lad o p a ra co n v id a r a

a u d iê n c ia a s e p e r d e r e m u m a e xp e r iê n c ia e m o c io n a l “vivid a ” d e u m a c h a m a -da “fa t ia de v ida”, em vez de assumir uma at i tude cr í t ica , anal í t ica , e , emú l t im a in s t ân c ia , p o l í t i ca em re l ação ao q u e se v ê e ao q u e se o u v e . A lg u émp o d er i a p e rg u n ta r : p o r q u e a a t i t u d e d e u m in d iv íd u o em re l ação a u m f i lm ed e ver ia se r p o l ít ica? A resp o s ta , o b v iam en te , é q u e o co n v it e p a ra se p e rd e r ememoções ao cus to da anál ise racional já const i tu i um ato po l í t ico – impl icando

em u m a a t it u d e p o lít ica p o r p a r te d o esp e c tad o r , s em q u e es t e e s t e ja n ecessa r ia -m en te c i en te d i s so .

D e f a to , ao se d e ixa r “to ca r” em o c io n a lm en te p e lo c in e m a – e a t é m esm o e xig ir q u eo c i n e m a s e j a e m o c i o n a l m e n t e t o c a n t e – o e s p e c t a d o r s e c o l o c a à m e r c ê d eq u a lq u e r u m q u e a p a r e ç a c o m d in h e ir o p a r a in v e s tir e q u e s e d ê a o t ra b a lh od e g a ran t ir q u e a au d iên c ia se s in t a “ to cad a ” . Mas as p esso a s q u e t êm d in h e i rosu f i c i en te p a ra in v es t i r t am b ém têm u m in te res se o cu l to em asseg u ra r q u e asau d iên c ias se j am to cad as n a d i r eção ce r t a , o u se j a : em u m a d i r eção q u e

perpetue a posição van ta josa do inves t idor , em um s is tema econômico que

     6     4

Page 66: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 66/120

p erm ita a ex is t ên c ia d e e n o rm es d e s ig u a ld ad e s n a d is t rib u ição d as r iq u ezas .Re s u m in d o , o c in e m a ( b e m c o m o a t e le v is ã o ) fu n c io n a c o m o u m a fe r ra m e n t ao u a rm a id eo ló g ica , u sad a p e la c l a s se p rev a len te -p ro p r i e t á r i a p a ra am p l i a r om e r ca d o p a r a o s s o n h o s b u r gu e s e s q u e ve n d e .

Além d is so , co m o G o d ard a f irm a em Vento do Leste , o c in e m a ten ta ven d e r o s so n h o sb u rg u ese s co m o rea lid ad e , in c lu s ive jo g an d o co m o s e fe ito s d e in t en s ificação een a l t ec im en to c in em ato g rá f i co s , n u m a t en ta t iv a d e n o s f aze r ac red i t a r q u e o ss o n h o s b u r g u e s e s q u e a p a r e ce m e m n o s s a s te la s d e c in e m a s ã o , d e a lg u m am an e i ra , f an tás t i co s , q u e são n ão ap en as “ rea i s” , m as , d e ce r t a fo rm a , “m ai srea i s q u e a r ea l id ad e” . N o c in em a b u rg u ês , t u d o co n sp i r a p a ra e s t e e fe i to :a l i n h a d e a tu ação é ao m esm o t em p o “ rea l i s t a” e f an tás t i ca ; o s cen ár io s são“rea l i s t a s” (o u , se f i lm ad o s em lo cação , s im p lesm en te r ea i s ) , m as t am b ém

são cu id ad o sam en te e sco lh id o s p o r su a b e leza e p o r seu asp e c to e xt rao rd in á r io .O m esm o v a le p a ra o s fig u r in o s , ro u p as , jó ia s e m aq u iag em u sa d o s p e lo s a to rese a t r i z e s , q u e t a m b é m s ã o c u i d a d o s a m e n t e e s c o l h i d o s p o r s u a b e l e z a e s e ua s p e c t o e x tr a o rd in á r io . Po r fim , a té m e s m o o s o m n o c in e m a b u r gu ê s é u s a d op a r a n o s p a s s a r a i l u s ã o d e e s t a r m o s e s c u t a n d o , à s e s c o n d i d a s , u m m o m e n t od e r e a lid a d e , e m q u e o s p e r so n a g e n s e s t ã o c e g o s à n o s s a p r e s e n ç a e s im p le s -m en te v iv en d o as em o çõ es d e su as “v id as r ea i s” .

D e s d e Weekend àfrancesa , Godard passou a re je i tar o d iá logo convencional do

cine m a, por achar qu e e le co n tr ibu i para e s ta ilusão m al-d i recion ada de realida de ,to rnand o a ind a m ais fácil pa ra a au d iência se im aginar a l i com as pe ssoas n a te la ,p rese n te po rém “a sa lvo”, em um a po sição pe rfe i ta (a de um b isb ilho te iro , de umvoyeur ) p a ra u m a p a r t i c ip ação v ica r i a l n a em o ção d o m o m en to . R esu m in d o , oc in em a b u rg u ês f in g e ig n o ra r a p resen ça d o esp ec tad o r , f i n g e q u e o q u e es t ásen do d i to e fe i to n a te la nã o é d i recion ad o p ara o e spe ctado r , finge qu e o c ine -m a é u m “re fle xo d a r ea lid ad e” ; e ao m esm o t em p o jo g a co n s tan tem en te co m asemoções da aud iência e cap i ta l iza seus mecan ismos de iden t i f icação-pro jeção , afim de ind uzi-la, de form a su til, insidios a, inco nsciente , a pa rt icipa r do s so nh os e

fan tas ias qu e sã o ven d ido s pe la so cied ade cap ita lis ta burgue sa .E x i s t e u m a seq ü ên c ia ex ce len te em Vento do Leste n a q u a l G o d a r d d e m o n s t r a e

d esm is t i f i ca o q u e aco n tece p o r t r á s d a f ach ad a d o c in em a b u rg u ês . A t r i l h aso n o ra ex p l i ca q u e “d en t ro d e a lg u n s seg u n d o s v o cê i r á v e r e o u v i r u m p er so -n ag em t íp i co d o c in em a b u rg u ês . E le e s t á em to d o s o s f i lm es e sem p re f az op a p e l d e u m D o n J u a n . E l e i r á d e s c r e v e r a s a l a e m q u e v o c ê e s t á s e n t a d o ” .Ve m o s e n tã o o close-up d e u m b e lís s im o jo vem a to r it a lian o p a rad o n a b e ir ad ad e u m r i a c h o b o r b u l h a n t e , o l h a n d o d i r e t a m e n t e p a r a a c â m e r a . A t r á s d e l e –

m as fo to g ra fad o d e m o d o q u e a p e rcep ção d e p ro fu n d id ad e se ja m u ito red u z id a

     6     5

Page 67: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 67/120

e a i m a g e m , c o m o u m t o d o , s e j a m a r c a d a m e n t e p l a n a – e r g u e - s e o t a l u d eg ra m a d o e ve r d e d a m a rg e m o p o s t a d o r io .

O jovem fala em ita liano , en qu an to vozes n a t rilha so no ra nos d ão a t radu ção tan to emfrancês com o e m inglês. A tradu ção, contudo , é e m voz ind ireta. A voz nos inform a:

“Ele d iz que a sa la es tá escura . Vê pessoas sen tadas na par te de baixo et am b ém em c im a , n o b a lcão . D iz q u e t em u m v e lh o f e io so a l i , t o d o en ca rq u i -lhad o ; e aco lá , e le d iz que vê u m a garo ta jovem e b ela . Diz que gostar ia de do rm ircom ela . Pede qu e e la sub a na te la com ele . Ele d iz que é l ind o lá e m cim a, como so l b r ilha nd o , árvores verde jan tes em todas a s pa r tes e vár ias p esso as fe l izes sed iver t ind o . Ele d iz que se você nã o acred i ta ne le , o lhe … ” Neste p on to a câm eram o v e-se su b it am e n te p a ra t rá s e p a ra cim a , m an ten d o o jo v em em fo co n o can tod i r e i to d o q u ad ro , en q u an to r ev e la n o l ad o esq u erd o – q u e p a rece es t a r q u ase

3 0 m e t r o s a b a i x o d o j o v e m – u m a c e n a d e b e l e z a e s t o n t e a n t e , m o s -t ran d o u m a cach o e ir a q u e d e ság u a n u m a p i sc in a n a tu ra l em u m va le e s tr e ito es o m b r e a d o , o n d e jo ve n s m e r gu lh a m e n a d a m n a á g u a lím p id a .

T r a t a - s e d e u m a t o m a d a m a g n í f i c a . A i m a g e m e m s i é d e e x t r e m a b e l e z a , e om a i s s u r p r e e n d e n t e é a c o m p l e x a r e e s t r u t u r a ç ã o d o e s p a ç o c o n s e g u i d aa t ra vé s d e u m s im p le s m o v im e n t o d a c â m e r a . M a s s e p a r a rm o s p a r a p e n s a rs o b r e e s t a s e q ü ê n c i a e s o b r e s e u d e s l u m b r a n t e d e s e n l a c e , p e r c e b e m o s q u et u d o n e l a é u m e n g o d o c a l c u l a d o , d i r e c i o n a d o a o s s o n h o s e f a n t a s i a s d a

a u d i ê n c i a . O h o m e m é j o v e m e b e l o . Q u a n d o f a l a , m e n o s p r e z a a i d a d e e afe iú ra , e g lo r i f ica a juven tude e o glamour . O q u e e l e q u e r é s e x o , o q u e e l eo fe rece é sex o . N a t e l a , e l e n o s g a ran te , t u d o é b e lo e a s p esso as são f e l i zes .

E es ta súb ita rees t ru tu ração d o e spaço no s conv ida, litera lm en te e po r s i só , para d en -tro d a im a g e m . Co m o a c o n te c e g e ra lm e n t e n o c in e m a b u r gu ê s , o m u n d oc a p ita lis ta b u r g u ê s é a p r e s e n t a d o c o m o s e n d o d e g r a n d e p r o fu n d id a d e , d euma r iqueza inexaur ível , e in f in i tamente conv idat ivo . E a p red i leção do c ine-m a b u r g u ê s p o r u m a f o t o g r a f i a c o m g r a n d e p r o f u n d i d a d e d e c a m p o ( v i d eB az in ) en fa t i za a i l u são d e q u e “v o cê es t á n a t e l a” , e p o r t an to m asca ra su a

p r ó p r i a p r e s e n ç a ( e o a t o d e a p r e s e n t a r e s t a i m a g e m ) a t r á s d e u m a f a l s a m od é s tia ca lcu lad a , q u e se o cu l ta p a ra faze r o c in e m a p a rece r se r o h u m ild e se rv od a r ea lid a d e , ao in vés d o q u e é n a r ea l id ad e : o c riad o b a ju lad o r e a r ro g an te d ac las se p rev a len te . O c in em a b u rg u ês f l e r t a co m o esp ec tad o r , ad u lad o r eliso n je iro , p a ra q u e e l e su b a à t e la e se ju n te à s “p esso as b e las” p a ra u m p o u cod e sex o e l aze r em u m lu g ar id í l i co . E o seu g ran d e t ru n fo é a e s to n tean tecap ac id ad e d e o fe rece r e m o çõ e s v isu a i s exc it an tes .

Is to m ais um a vez levan ta o p rob lem a da b eleza visual no c ine m a po lít ico ; m as tam bé m

d e m o n s t ra c o m o G o d a r d u s a e s ta b e l e za d e n o va s m a n e ir a s, q u e s e r ve m p a r a

     6     6

Page 68: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 68/120

d esm is t i f i ca r seu s u so s an t ig o s n o c in em a b u rg u ês ( e n o s to rn a r m en o sv u ln e ráv e i s a e l e s ) . A f in a l , s e a b e l eza ( co m o a l i n g u ag em ) é u m a d as a rm asq u e a c la s s e p r e v a le n t e u s a p a r a n o s a c a lm a r e n o s “m a n t e r e m n o s s o s d e vid o slugares” , en tão um a de no ssas tarefas ser ia vo ltar essa m esm a arm a con tra nossos

o p resso res . Um a fo rm a d e f aze r is so se r ia d esm is t ifica r a b e leza e m o s t r a r co m oe la é u sad a co n t ra n ó s ; o u t r a m an e i r a se r i a e fe t iv a r u m a “ t r an sv a lo ração d ev a lo res” , f azem o s d o co n ce i to b u rg u ês d e b e leza u m v íc io , ao m esm o t em p oto rn an d o u m co n ce ito d ife ren te d e b e leza em u m a v ir tu d e (p o r e xem p lo , “Blacki s b eau t i fu l ” ) q u e a b u rg u es i a se rá in cap az d e r eco n h ecer o u ace i t a r . E m seu sf i lm e d esd e Weekend àfrancesa , Godard u t i l iza ambas as tá t icas . Seus f i lmesa g o r a t ê m u m v i s u a l b a s t a n t e d i f e r e n t e , q u e m u i t o s n ã o c o n s e g u e mco n s id e ra r “b e lo ” , e sem p re ex i s t e a lg u m e lem en to c in em ato g rá f i co o u u m a

 ju s ta p o siçã o d e e le m e n to s q u e ch a m a a te n çã o p a ra co m o e s ta “b e le za ” é co n -s e g u id a e c o m o é u s a d a c o m o a r m a id e o ló g ic a .S e jam q u a i s fo rem o s p ró s e co n t r as n o q u e d i z r e sp e i to à “b e leza” em u m f i lm e

m i l i t an te , ce r t am en te n ão f az sen t id o c r i t i ca r o u so q u e G o d ard f az d a b e lezav isual em Vento do Leste s e m a n te s co m p r e e n d e r co m o e p o r q u e e le a u s a –o u , p io r a in d a , c r i t i cá - lo p o r t en ta r “ to ca r” a s p esso as em o c io n a lm en te , co m ofaz o c in e m a b u rg u ês , m as sem t e r su cesso n essa t en ta tiva , já q u e as su a s im a-g e n s s ã o d e u m a b e le z a e x tr e m a m e n t e fo r m a l e a u s te r a , p r o vo c a n d o d e a lg u -

m a fo r m a u m a s e n s a ç ã o d e d e s lig a m e n t o , e m ve z d e a t u a r co m o u m e s tim u -lan te . In ex p l i cav e lm en te , é ex a tam en te i s to q u e G lau b er R o ch a p a rece f aze rq u an d o , em seu a r tig o n a r e vis ta Manchete , crit ica a cen a do “oficial da cavalar-i a am er i can a” a t acan d o a g a ro ta m i l i t an te (A n n e Wiazem sk y ) p o r n ão se r , n av e r d a d e , n e m u m p o u c o a s s u s t a d o r a , m a s a p e n a s b e l a . O q u e R o c h a p a r e c en ã o p e r ce b e r é q u e G o d a r d n ã o q u e r q u e a c e n a s e ja a s s u s ta d o r a : e le a t o r n ab e la p rec i sam en te p a ra g a ran t i r q u e n ão se j a a s su s t ad o ra . E n q u an to o o f i c i a l(G ian Mar ia Vo lo n té ) t o rce o p e sco ço d a g a ro ta e g r it a co m e la , a lg u é m fo ra d ate l a a t i r a n e l es u m a esp essa t i n t a v e rm elh a q u e g ru d a n o s cab e lo s cas t an h o s

de la e resp inga na jaq ue ta azu l -m ar inh o d o o fic ia l . O efe i to v isua l, com sua r icain t e ração d e co res e t extu ras , é im p ress io n an te , e se rve p a ra n o s d i st an c ia r d aa ç ã o e d a e m o ç ã o q u e a c e n a d e o u t ra fo r m a p o d e r ia p r o vo c a r.

A lg u n s m o m en to s d ep o i s , G o d ard n o s m o s t r a o u t r a cen a s im i l a r , só q u e d es t a v ezt ra t ad a n o e s t ilo m a is em o t ivo d o c in e m a b u rg u ê s . Em vez d e f ilm ar p o r tr á s d oo m b ro d i r e i to d a g a ro ta , co m o n a cen a an te r io r d e “ to r tu ra” ( co m o to r tu rad oe a v ít im a face a face , m as ap en as o ros to do to r tu rado r vis ível pa ra a au d iência) ,G o d ard ag o ra p o s i cio n a o to r tu rad o r seg u ran d o a g a ro ta p o r t rá s . Ass im a cen a

p o d e s e r film a d a d e m o d o a r e ve la r o s ro s to s d e a m b o s e m u m close-up frontal ,

     6    7

Page 69: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 69/120

c o m e n q u a d r a m e n t o , c o m p o s i ç ã o e i l u m i n a ç ã o c h a m a n d o n o s s a a t e n ç ã o p a r -t i cu la rm en te p a ra a s ca re t as d e d o r d a m o ça . D es ta v ez , n o en tan to , n ão h án e n h u m a t in t a s e n d o j o ga d a e n e n h u m e le m e n t o a b e r t a m e n t e te a t ra l d e d is -t a n c i a m e n t o . O q u e t e m o s é a p e n a s u m a e x c e l e n t e a t u a ç ã o d e A n n e

W i a z e m s k y , q u e r e a l m e n t e p a r e c e e s t a r e s t r e m e c e n d o d e d o r . E m u m f i l m eb u r g u ê s , e s ta c e n a p o d e r ia s e r b a s ta n t e d o lo r o s a o u a s s u s ta d o r a p a r a a a u d iê n -c ia (p r in c ip a lm en te se a g a ro ta g rit a s se , co m o o c in e m a b u rg u ê s ad o ra r e tr a ta rsu as a t r i zes ) , m as n esse f i lm e , v in d o d ep o i s d a cen a an te r io r d e to r tu ra co m at in t a sen d o a t i r ad a , s eu e fe i to d o lo ro so o u as su s t ad o r é m in im izad o (o b se rv eq u e eu n ão d ig o q u e é e l im in ad o ) , e n o ssa in t e l ig ên c ia c r í t i ca é a l e r t ad a p a raan a lisa r a s d ife ren ças n o t r a tam en to d as d u as cen a s .

Mais ad ian te , n o ssas f acu ld a d e s c r ít icas são n o vam en te a l e r tad a s d e m an e ira s im ila r

e m u m a s e q ü ê n c ia e m q u e o o fic ia l d a c a va la r ia p a s s e ia e m s e u c a va lo , d a n d op o r re t ad a s n o s o b s t in ad o s p r is io n e i ro s – o u t r a cen a q u e Ro ch a ac red it a se r d ee xt rem a b e leza , m as c rit ica p o r acab ar n ão sen d o b ru ta l d a m an e ira q u e e l e ( em e s m o V e n t u r a , o e d i t o r d e s o m d e Vento do Leste ) acred i ta fosse a in tençãod o d i re to r . O q u e G o d ard f ez n e ssa se q ü ên c ia fo i u tiliza r a lg u m as d as t écn icase m p r e g a d a s c o m m u ita fr e q ü ê n c ia p e lo c in e m a b u r gu ê s p a r a e s te t ip o d e c e n ad e a ç ã o v i o l e n t a : a u m e n t a r b a s t a n t e o v o l u m e d o s o m e u s a r m o v i m e n t o sab ru p to s d a câm era co n t in u am en te . T a i s a r t i f í c io s n o rm alm en te r e su l t am em

u m a e l ev ad a in t en s id ad e em o c io n a l e u m a sen sação m u i to v i sce ra l d e v io l ên -c i a e c o n f u s ã o . ( L e m b r e - s e d o s e u u s o e m Tom Jones .) M a s G o d a r d fa z u m ai m p o r t a n t e a l t e r a ç ã o n e s t e s e l e m e n t o s q u e t r a n s f o r m a c o m p l e t a m e n t e n o s s ar e a ç ã o a e s ta s e q ü ê n c ia .

Su a c â m e r a r e a lm e n te f a z, c o n t in u a m e n te , m o v im e n t o s a b r u p t o s ; m a s t a m b é m tr a çau m p a d r ã o fo r m a l b a s t a n te p r e c is o – o s cila n d o a b r u p t a m e n t e c e r c a d e 3 5 g r a u spa ra a esq ue rda e en tão 35 g raus p ara a d ire ita , d iversas vezes , de po is osciland ocerca d e 3 5 g rau s p a ra c im a , d ep o i s 3 5 g rau s p a ra b a ix o , e a s s im p o r d i an te ,ex p lo ran d o d e m an e i ra b as t an te fo rm al o e sp aço f ech ad o d a lu x u r i an te r av in a

o n d e a a ç ã o o c o r r e . A q u a l i d a d e p u r a m e n t e f o r m a l d e s t e s m o v i m e n t o s d ac â m e r a ( a d m i r a d o , R o c h a o s p r o c l a m o u c o m o s e n d o “ s e m p r e c e d e n t e s e mto d a a h i s tó r i a d o c in em a”) é e f i caz em n o s d i s t an c ia r d a ação e n o s p rev en i rd e r eag ir em o c io n a lm en te a e la . Em resu m o , e s t a seq ü ên c ia n ã o fo i id e a lizad ap a r a s e r b ru t a l, e s im p a r a c h a m a r n o s s a a te n ç ã o p a r a a fo r m a c o m o o c in e m ab u rg u ês fa r ia co m q u e se to rn asse b ru ta l – d e s ta fo rm a , n o s b ru ta lizan d o .

C o m o n as cen as d e “ to r tu ra” , n o ssa in t e l ig ên c ia c r í t i ca é a l e r t ad a p a ra co m p ara r am a n e ir a co m o d ive r s o s e le m e n t o s c in e m a t o g rá fic o s s ã o n o r m a lm e n te u s a d o s e

o s e f e i t o s q u e p r o d u z e m c o m a m a n e i r a b a s t a n t e d i f e r e n t e c o m o s ã o u s a d o s

     6     8

Page 70: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 70/120

p o r G o d a r d e o s e fe ito s b a s t a n te d ife r e n t e s q u e p r o d u z e m e m Vento do Leste .O u , p e l o m e n o s , é i s s o q u e d e v e r i a a c o n t e c e r . M a s , s e m e s m o u m a p e s s o ac o m o G la u b e r Ro c h a n ã o c o n s e g u e v e r o q u e G o d a r d e s tá fa z e n d o e p o r q u ê ,e n t ã o h á a lg o d e e r r a d o e m a lg u m lu g a r. É c la r o q u e s e r ia c o n ve n ie n t e jo g a r

to d a a c u lp a e m G o d a r d , d iz e r q u e s e u s e xp e r im e n t o s c o m im a g e m e s o m s ã os im p le s m e n t e c o m p le xo s d e m a is o u o b s cu r o s d e m a is p a r a se r e m c o m p r e e n -d id o s . M a s a c re d it o q u e e s t e a r g u m e n t o é m a is u m a d e s c u lp a p a r a a p r e g u iç ain te l ec tu a l , q u e n ão ju s t i f i ca o d esm erec im en to d e G o d ard . S eu s ex p er im en to sc o m e le m e n t o s d o c in e m a n ã o s ã o d ifíc e is d e e n t e n d e r ; a fin a l , e le fa z q u e s t ã od e c r i t i c a m e n t e c h a m a r a a t e n ç ã o p a r a o q u e e s t á f a z e n d o . E t u d o o q u e e l ep e d e é q u e a a u d iê n c ia c o la b o r e c o m u m p o u c o d e p e n s a m e n t o c rític o p r ó p rio ,e m v e z d e s i m p l e s m e n t e s e n t a r e e s p e r a r q u e j o g u e m c o m s u a s e m o ç õ e s .

N ã o , o q u e e s t á e rra d o n ã o é o q u e G o d a r d fa z co m a im a g e m e o s o m ; m a ss im a fo r m a c o m o m e s m o a q u e le s q u e d e ve r ia m te r u m a m e lh o r co m p r e e n s ã od o t o d o o lh a m e e s c u ta m e s s a s im a g e n s e s o n s . O q u e e s t á e rra d o é o h á b it ot r e m e n d a m e n t e a r r a i g a d o q u e t e m o s d e v e r o s f i l m e s d e u m a m a n e i r a b u r -g u e s a . O q u e e s t á e r ra d o é q u e e s p e r a m o s q u e a t é f ilm e s p o lit ic a m e n t e m ili-t a n t e s e xp r e s s e m s u a m ilit â n c ia n a m e s m a lin g u a g e m q u e o s film e s b u r gu e s e su s a m p a r a in c u lc a r o s s o n h o s e fa n t a s ia s d o c a p it a lis m o b u r g u ê s . O q u e e s t áe r ra d o é q u e a té m e s m o d e n t re o s p r in c ip a is cin e a s t a s d o m u n d o – e m e s m o

d e n t re a q u e le s q u e b u s c a m u m a t ra n s fo r m a ç ã o r e v o lu c io n á r ia d a s o c ie d a d e –n ã o h á u m a r e f l e x ã o n e m d e p e r t o s u f i c i e n t e s o b r e a s q u e s t õ e s t e ó r i c a s d o su s o s e a b u s o s d a i m a g e m e d o s o m e s o b r e a s f o r m a s d e s ec o n s t ru ir n o v a s r e la ç õ e s e n t re e le s q u e n ã o m a is e xp lo r e m a a u d iê n c ia , m a s ,a o c o n t r á r i o p r e n d a m - n a d e f o r m a a b e r t a e d i r e t a e m u m d i á l o g o l ú c i d o , e mq u e a o u t ra p a r te d e v e s e r c a d a in d i víd u o .

Mas , d a fo rm a co m o as co i sas são h o je , o e sp e c tad o r r a ram en te p a rece ve r o cin e -m a c o m o u m d i á l o g o e n t r e e l e m e s m o e o f i l m e , e s t a n d o m a i s q u e p r o n t o aren u n c ia r à su a p ró p r i a p a r t e a t iv a n esse d i á lo g o , ced en d o a f e r r am en ta d e

in te r lo cu ção ex c lu s iv am en te p a ra a s p esso as n o f i lm e . E q u an to m ai s em o -c io n a lm en te ca rr eg ad o u m d iá lo g o n o film e , m a is a au d iên c ia se se n te “ to cad a”p o r e l e . E m Vento do Leste , n o en tan to , e s t a p ass iv id ad e h ab i tu a l é d esa f i ad ad e s d e o i n í c i o , q u a n d o G o d a r d n o s o f e r e c e u m a c e n a d e a b e r t u r a q u e i n c i t an o s s a c u r i o s i d a d e ( u m h o m e m e u m a m u l h e r j o v e n s s ã o v i s t o s d e i t a d o sim ó v e i s n o ch ão , o s b raço s a t ad o s p o r u m a p esad a co r ren te ) , m as s i s t em at i ca -m e n t e f ru s t ra n o s s a s e xp e c ta t iva s , s im p le s m e n t e m a n t e n d o a t o m a d a p o r q u a s eo i t o m i n u t o s s e m q u a l q u e r a ç ã o ( o h o m e m s e m e x e o s u f i c i e n t e p a r a g e n t i l -

m e n t e t o c a r a f a c e d a m u l h e r e m u m d a d o m o m e n t o ) o u d i á l o g o . D e f a t o ,

     6     9

Page 71: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 71/120

q u a n d o o “c o m e n t á r io ” e m vo z over fin a lm e n t e c o m e ç a ( s o b r e o s “ m u r m ú r io sd a f lo res t a” q u e o u v im o s) , o q u e t em o s n ão é u m d iá lo g o , m as u m a c r í t i cad e d iá lo g o .

O s ten s iv am en te fa lan d o so b re t á t icas d e g reve e m a lg u m a d isp u ta t r ab a lh is t a , a n a r -

r a d o r a a fir m a e m c e r to m o m e n to q u e é o d iá lo g o q u e é n e c e s s á rio , m a s e s ted iá lo g o n o rm alm en te é ced id o a u m “rep rese n tan te q u a l ificad o ” , q u e t rad u z asex ig ên c ias d o s t r ab a lh ad o res n a l i n g u ag em d o s ch e fes e , ao f aze r i s so , t r a i a sp e s s o a s q u e s u p o s t a m e n te r e p r e s e n t a . Es ta d is cu s s ã o e m vo z over s o b r e a d e r -ro t a d o d iá lo g o se r e fe re c l a ram en te ao s d i á lo g o s d e b a rg an h a q u e o co r remen t re a m ão -d e-o b ra e o cap i t a l , e a lg u n s m in u to s m a i s t a rd e , n a p ró x im as e q ü ê n c i a , o c o r r e u m a d e m o n s t r a ç ã o ( n o e s t i l o d e u m f a r o e s t e ) d a m a n e i r aco m o o “ rep resen tan te q u a l i f i cad o ” (o r ep resen tan te d o s in d ica to ) d i s to rce as

e xig ên c ias r ea is d o s t rab a lh ad o res ( p a ra a su b v er são r e vo lu c io n ár ia d o s is t em acap it a lis ta q u e o s e xp lo ra ) , t rad u z in d o t a is e xig ên c ias e m t e rm o s co m o s q u a iso s p a t rõ es co n s ig am l id a r ( sa l á r io s m a i s a l to s , m en o s h o ras , m e lh o resco n d içõ es d e t r ab a lh o e t c . ) . D e u m a m an e i ra e s t r an h a e c r i t e r io sa , n o en tan to ,es t a d i scu ssão d o f r acasso d o d iá lo g o n as m ão s d e u m “ rep resen tan te q u a l i f i -cad o ” t am b ém se r e fe re ao f r acasso d o d iá lo g o co n t id o n o “co n ce i to d e r ep re -s e n t a ç ã o b u r g u ê s ” d o c in e m a .

“O q u e p rec i sam o s é d e d i á lo g o ” – es t a d ec la ração n o “co m en tá r io ” em v o z over 

p a r e c e e c o a r n o s s o s p r ó p r io s p e n s a m e n to s c o n fo r m e a s s is tim o s e s s a c e n a d eex ten são ex asp eran te , e s t á t i ca e sem d iá lo g o . E s t am o s im p ac ien tes p a ra“co m eçar o f i lm e” , im p ac ien tes p a ra o d esen ro la r d o en red o . Im ag in am o s p o rq u e o j o v e m c a s a l e s t á d e i t a d o n o c h ã o e p o r q u e e s t ã o a c o r r e n t a d o s u m a oo u t r o . D e s e ja m o s q u e e le s a o m e n o s r e c o b r e m a c o n s c iê n c ia o s u fic ie n t e p a r ac o m e ç a r u m a c o n v e r s a , p a r a q u e p o s s a m o s d e s co b r ir , a t ra vé s d e s e u d iá lo g o ,o q u e e s t á a c o n t e c e n d o – o u s e j a , o q u e e s t á a c o n t e c e n d o c o m e l e s . C o m o én o r m a l, n o c in e m a n ã o n o s p e r g u n ta m o s o q u e e s tá a c o n t e c e n d o c o n o s co . N ã on o s p e r g u n t a m o s p o r q u e u m f i l m e n o s t r a t a d e u m a c e r t a m a n e i r a . N a v e r -

d a d e , ra r a m e n te p e n s a m o s q u e o film e s e d ir ija a n ó s , o u , n a v e r d a d e , a q u a l-q u e r p e s s o a . N ó s n o s s e n ta m o s e a c e it a m o s o a c o r d o t á cit o d e q u e u m film e éu m “ re f l ex o d a r ea l id ad e” , cap tu rad o n o esp e lh o d aq u e le m ág ico “o lh o d eD e u s ” q u e é a c â m e r a c i n e m a t o g r á f i c a . S e n t a m o - n o s p a s s i v a m e n t e e e s p e -ram o s q u e o f ilm e n o s lev e p e la m ão , o u , m a is lit e r a lm en te , p e lo co ração .

Ab r im o s m ão d o n o sso d iá lo g o co m o film e ; e q u an d o i s so aco n tece , o film e d e ixa d efa la r co n o sco , o u m esm o p ara n ó s , p assan d o a fa la r p o r n ó s , em n o sso lu g ar . Ena sociedade cap i ta l i s ta burguesa , os f i lmes (como a te lev isão) fa lam a l íngua

d a s g ra n d e s e m p r e s a s , q u e b u s c a m c o n s ta n t e m e n t e n o s fo r ça r m a is b e n s g o e la

    7     0

Page 72: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 72/120

ab a ix o , f azen d o co m q u e g o s t em o s d e se r a l im en tad o s à fo rça , f azen d o co mq u e d e s e j e m o s o p r ó p r i o e s t a d o q u e p e r p e t u a n o s s a c o n d i ç ã o e x p l o r a d a ea lien ad a . Ao d e ixa r u m film e fa la r p o r n ó s , p e rm it im o s q u e n o ssas n e cess id ad e sreais sejam distorcidas nas necessidades art if iciais que as grandes empresas

q u e r e m q u e t e n h a m o s . So m o s c ú m p lic e s e m n o s s a t ra iç ã o .O que deve ser fei to , então, para nos t irar desta si tuação deplorável? Como a narradora

e m vo z over c o lo c a e m Vento do Leste : “H o je a p e rg u n ta ‘o q u e se d ev e faze r?’é f e it a co m u rg ên c ia p a ra c in e as t as m ilit an tes . N ão se t r a ta m a is d a q u es t ão d eq u a l c a m in h o t o m a r ; é a q u e s t ã o d e o q u e d e ve m o s fa z e r e m t e rm o s p r á tic o sn u m cam in h o q u e a h i s tó r i a d e lu t as r ev o lu c io n ár i a s n o s a ju d o u a r eco n h ecer .Faze r u m film e , p o r ex em p lo , é p e rg u n ta r -se : ‘q u a l é a n o ssa p o s ição ?’. E o q u ees ta ques tão s ign i f ica para um cineas ta mi l i tan te? S ign i f ica , p r imeiro , mas não

ex c lu s iv am en te , ab r i r u m p arên tese n o q u a l n o s p e rg u n tam o s o q u e a h i s tó r i ad o c in em a rev o lu c io n ár io p o d e n o s en s in a r” .Se g u e e n t ã o u m b r e v e h is tó r ic o s o b r e a lg u n s d o s a lt o s e b a ixo s d o q u e p o d e r ía m o s

q u a l i f i c a r c o m o c i n e m a r e v o l u c i o n á r i o , c o m e ç a n d o c o m a a d m i r a ç ã o d o jo ve m Eis e n s te in p o r Intolerância , de D. W. Gri f f i th . Gr i f f i th cer tamente fo iu m a in f lu ên c ia d ec i s iv a p a ra E i sen s t e in e , a t r av és d e E i sen s t e in , p a ra op r im e i ro g r a n d e c a p ít u lo d o c in e m a r e v o lu c io n á r io : o f ilm e m u d o r u s s o . M a sa c o m e n t a r is ta e m Vento do Leste a f i r m a q u e , d e u m p o n t o d e v i s t a r e v o l u -

c i o n á r i o , e s t e e m p r é s t i m o d a t é c n i c a d o e x p r e s s i v o a r s e n a l d e u m “ i m p e r i a -lis ta n o r t e - a m e r ic a n o ” ( G r iffit h ) n o fim fe z m a is m a l d o q u e b e m , re p r e s e n -t a n d o u m a d e r ro t a n a h is tó r ia d o c in e m a r e v o lu c io n á r io . Co m o c o n s e q ü ê n c iad e s t e e r ro id e o ló g ico in i cia l , a f irm a , Eisen s t e in co n fu n d iu t a re fas p r im ár ias esecu nd ár ias e , em vez de g lo r ificar os co nf litos d o p re sen te , g lo r ificou a re vo ltah i s t ó r i c a d o s m a r i n h e i r o s d o e n c o u r a ç a d o Potemkin . C o m o u m a s e g u n d ac o n s e q ü ê n c ia , e m 19 2 9 , q u a n d o f e z A linha geral ( ta m b é m c o n h e c id o c o m oO velho e o novo ) , Eis e n s t e in c o n s e g u iu a c h a r n o v a s m a n e ir a s d e e xp r e s s a r ar e p r e s s ã o c z a r i s t a , m a s s o m e n t e a t r a v é s d a u t i l i z a ç ã o d a s m e s m a s v e l h a s

f o r m a s p a r a e x p r e s s a r o p r o c e s s o d e c o l e t i v i z a ç ã o e r e f o r m a a g r á r i a . N e s t ecaso , a f i rm a , em ú l t im a in s t ân c ia , o “v e lh o ” v en ceu o “n o v o ” – e , a s s im ,H o l l y w o o d n ã o t e v e p r o b l e m a s e m c o n t r a t a r E i s e n s t e i n p a r a f i l m a r a r e v o -lu ç ã o n o M é xic o , e n q u a n t o a o m e s m o t e m p o , e m Be r lim , o d o u t o r G o e b b e lsp ed ia q u e L en i R ie fen s t ah l f i zes se “u m Potemkin nazis ta” .

T u d o i s so p o d e so a r u m p o u co h e ré t i co e t a lv ez a rb i t r á r io , m as , n a v e rd ad e , t em o sa q u i u m a r g u m e n t o b a s t a n t e p e r c e p t i v o , s e a c o m p a n h a d o a t e n t a m e n t e . A sm esm as técn icas qu e G riffith uso u p ara g lo r ificar , em re t rospe cto , a an t iga cau sa

racis ta dos b rancos su l i s tas na Guerra Civ i l Americana fo ram retomadas e

    7     1

Page 73: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 73/120

de sen volv ida s po r Eisen ste in p ara g lo r ificar , em re t rospe cto , um ep isód io q ue jád a t a v a 2 0 a n o s ( o m o t i m n o e n c o u r a ç a d o Potemkin o c o rre u e m 19 0 5 ) e q u en e m s e q u e r e r a u m e p i s ó d i o p a r t i c u l a r m e n t e i m p o r t a n t e n a h i s t ó r i a d aR ev o lu ção R u ssa . Mai s t a rd e , q u an d o co n f ro n tad o co m a t a re fa d e l i d a r co m

q u es tõ es d e u rg ên c ia co n tem p o rân ea ( co le t iv i zação ) , E i sen s t e in so m en te fo icap az d e se va le r d as m esm as v e lh as t écn icas , en tão a in d a m ais v e lh as . E, m a isa d ia n t e , e s ta s m e s m a s t é c n ic a s s e m o s t ra r a m p e r fe ita m e n t e c o m p a t íve is c o m ap ro p ag an d a d o s n az i s t a s : o p ró p r io E i sen s t e in fo i co n s id e rad o , n ão d e fo rm ato ta lmente in jus t i f icada, como sendo “coop tável” por Hol lywood .

O prob lema é que as fo rmas c inematográf icas que E isenste in herdou de Gri f f i th een tão d esen v o lv eu n ão e ram su f i c i en tem en te f l ex ív e i s p a ra l i d a r co m as co m -p le xid a d e s d o s a c o n t e c im e n t o s d o p r e s e n t e , m a s e r a m b a s ta n t e a d e q u a d a s p a r a

do cum en tár ios e m ocion alís t icos e recon st itu ído s da h is tó r ia p assad a. Além d isso ,p recisam en te po r enfatizarem o aspe cto e m ocion al da h is tó r ia “vivida”, do t ipo“você e stava lá”, era m uito fácil us ar tais form as cine m atográ ficas pa ra incitar oen v o lv im en to em o c io n a l d as p esso as , a t é m esm o em d o u t r in as t ão ab e r ran tesco m o as d a “p u reza r acia l” e d a o b e d iên c ia ceg a ao Führer , de Hitler.

O p ró x im o a se r su b m et id o a u m esc ru t ín io c r í t i co é D z ig a V er to v , em cu jo n o m eGo da rd fun do u su a coo pe rat iva de c ine as tas m ilitan te s . Ver to v le va o créd ito dea lcan çar u m a v itó r ia p a ra o c in e m a re vo lu c io n ár io ao d e c la ra r q u e “n ão e xis te

u m c i n e m a q u e s e p o s i c i o n e a c i m a d a s c l a s s e s , u m c i n e m a q u e s e p o s i c i o n ea c im a d a lu t a d e c la s s e s ” e q u e “o c in e m a é a p e n a s u m a t a re fa s e c u n d á r ia n alu ta mundial pela l iberação revo lucionár ia” . Mas Ver tov fa lha por esquecer que,n as p a lavras d e Len in , “a p o l ít ica co m an d a a eco n o m ia” . C o m o resu lt ad o , seufi lme O décimo primeiro ano nã o e xal ta o s 11 an os d e só lida lide rança p o l ít ican as m ão s d a d i t ad u ra d o p ro le t a r i ad o , g lo r i f i can d o , em v ez d i s so , a eco n o m iae m e r g e n t e e a in d ú s tr ia e m r á p id o d e s e n v o lvim e n t o d a Rú s s ia , e xa t a m e n t e n o sm esm o s t e rm o s em o c io n a i s q u e a p ro p ag an d a cap i t a l i s t a u sa p a ra ac l am ar seup ró p r io c resc im en to eco n ô m ico . “Fo i n e sse m o m en to ”, a firm a a co m en tad o ra d eVento do Leste , “que o rev is ion ismo invad iu as te las de c inema sov ié t icasd e u m a ve z p o r to d a s ”.

Próx ima no resumo do c inema revo lucionár io es tá a “fa lsa v i tó r ia” do in íc io da déca-d a d e 1 9 6 0 , q u an d o g o v ern o s p ro g ress i s t a s a f r i can o s , t en d o co n seg u id o su arevo lução e expu lsado os imper ia l i s tas , “os deixam vo l tar , en t rando a t ravés da ja n e la d e u m a câ m e ra d e víd e o ”, e n tr e ga n d o a p ro d u çã o d e film e s p a ra a ve lh ain d ú s t r ia d e c in e m a eu ro p é ia e am er ican a – “ass im d an d o a c ris tão s b ran co s od i re i to d e fa la r em n o m e d e n eg ro s e á rab es” . Fin a lm en te , u m a v itó r ia p o d e se r

r e iv in d icad a p a ra o c in em a rev o lu c io n ár io n o r ecen te r e l a tó r io d a cam arad a

    7     2

Page 74: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 74/120

Kiang Tsing 3 ( e sp o sa d e Mao ) , n o q u a l fo i d en u n c iad a a t eo r i a d a “es t r ad a r ea ld o r ea lism o ” , ju n tam en te co m u m a d e n ú n c ia d a m a io r ia d o s cân o n e s d as an t ig asestét icas stal inistas do “realismo socialista”.

Por toda es ta b reve v isão geral do c inema revo lucionár io corre o f io un i f icador da

n e c e s s i d a d e d e s e p e n s a r d e f o r m a c o m p l e t a s o b r e a s f u n d a ç õ e s t e ó r i c a s d ap r á xis d o c in e m a . Se e xis te a l go q u e n ó s ( ju n t a m e n t e c o m G o d a r d ) p o d e m o sap reen d er co m a h i s tó r i a d o c in em a rev o lu c io n ár io , é q u e se u m c in eas t ap re t en d e ev i t a r f av o rece r in ad v er t id am en te o s o p resso res , u m a v ig i l ân c iaau to c r í t i ca co n s tan te é c l a ram en te n ecessá r i a . E se o co m p ro m isso d e u mcin eas t a co m a l i b e ração r ev o lu c io n ár i a é m a i s q u e u m a m era id en t i f i caçãoem o c io n a l co m o o p r im id o , en tão su a p rá tica c in e m ato g rá fica d e ve i r a lém d asem o çõ es e d o s m ecan i sm o s d e id en t i f i cação -p ro jeção d a au d iên c ia . A lém d o

m a i s , s e e l e e s t á f i r m e m e n t e c o n v e n c i d o ( c o m o é o c a s o d e G o d a r d ) q u e op ro cesso d e l i b e ração r ev o lu c io n ár i a en v o lv e m u i to m a i s q u e a s im p lesv in g an ça d o o p r im id o e o fe rece a p o ss ib i lid ad e co n cre t a d e co lo ca r u m fim emto d a p e r seg u ição ( em o u t ras p a lav ras , d e c r i a r u m a so c ied ad e m ai s ju s t a , n aq u a l o livre d ese n v o lv im en to d o in d ivíd u o t rab a lh a em p ro l ao in v és d e co n t rao livre d ese n v o lv im en to d o p ró xim o ) , en tão a t a re fa u rg en te d o c in e as t a é c ria rfo r m a s c in e m a t o g rá fic a s q u e t ra b a lh e m , e la s m e s m a s , e m p r o l e n ã o c o n t ra ol i v r e d e s e n v o l v i m e n t o d o e s p e c t a d o r , f o r m a s q u e n ã o m a n i p u l e m s u a s

e m o ç õ e s o u s e u i n co n s c ie n te , m a s q u e fo r n e ç a m u m a fe r ra m e n t a a n a lít ic a a s e ru t ilizad a p a ra lid a r co m a co m p lexid ad e d o p resen te .E a au to c r í t i ca é p a r t e in t eg ran te d o c in em a an a l í t i co d e G o d ard , co n fo rm e t e s t e -

m u n h a d o p e lo fa to d e a s e g u n d a m e t a d e d e Vento do Leste s e d e d ic a r a u m acr í t ica dos seus p rópr ios t rabalhos an ter io res . A pr imeira e mais sér ia cr í t icaap re sen tad a é so b re su a p ró p r ia f a lt a d e co n ta to an te r io r ( e p rese n te in su fic iên -c i a ) c o m a s m a s s a s . ( D e s d e q u e c o m e ç o u a t r a b a l h a r c o l e t i v a m e n t e c o m oG ru p o D z ig a Ver to v , d e p o is d e m a io d e 1 9 6 8 , G o d ard v in h a t en d o co n ta to cad av ez m ai s f r eq ü en te e p ro d u t iv o co m g ru p o s d e t r ab a lh ad o res m i l i t an tes , em

par t icu lar em Issy- les-Moul ineaux , nos ar redores de Par is . ) Em segundo lugar ,e le cr i t ica a abordagem de “socio log ia burguesa” no c inema, na qual o c ineas tam o s t ra a m isé r ia d a s m assas m as n ã o m o s t ra su a s lu t as . (En q u an to es t a c rít icaé f e i t a n o c o m e n t á r i o , v e m o s u m a s é r i e d e t o m a d a s d e c a s a s d e f a v e l a e

    7     3

[ 3 ] Vide “Summary of the Forum on the Work in Li te ra ture and Ar t on the Armed Forces wi th which Lin Piao

Ent rus ted Com rade Kiang Ts ing” (“Sum ár io d o fórum sob re o t raba lho e m Lite ra tura e Ar te nas Forças Arm ada s qu e

Lin Piao conf iou à cam arada Kiang Ts ing”) , Fore ign Langua ge Press , Peq uim , 196 8.

Page 75: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 75/120

m o d e r n o s p ré d io s a lto s d e a p a r ta m e n t o s, c o m o a q u e le s q u e G o d a rdfo to g ra fo u p a ra Duas ou três coisas que eu sei dela , film e ao qu al e le se refer iuc o m o s e n d o “ u m e n s a i o s o cio ló g ic o ”.) O p r o b le m a c o m e s t a a b o r d a g e m , b e mc o m o c o m o c i n e m a - v e r d a d e , a f i r m a , é q u e , a o n ã o m o s t r a r a s l u t a s d a s

m assas , a su a cap ac id ad e d e lu t a r en f raq u ece ; e a im p l i cação é q u e a im ag emd e s u a m i s é r i a n o c i n e m a s i m p l e s m e n t e r e f o r ç a s u a p r ó p r i a a u t o - i m a g e m d em isé r i a , en q u an to , p o r o u t ro l ad o , a im ag em d e su as lu t as n o c in em a re fo rçasu a cap ac id ad e d e co n t in u ar a lu t a r.

F in a lm en te , ap o n ta q u e o c in em a co n tem p o rân eo n a R ú ss i a ( “B rezh n ev -Mo sf i lm ”) ép e r fe i tam en te in t e rcam b iáve l co m o c in e m a co n tem p o rân eo n o s EU A (“N ixo n -P aram o u n t” ) ; e q u e o s d o i s j u n to s são p e r fe i t am en te in t e rcam b iáv e i s co m oq u e se p assa p o r cin e m a “p ro g ress iv o ” em fes t iva is d e film es d e v an g u ard a e m

toda Europa. Estes chamados f i lmes “ independen tes” , af i rma, são rev is ion is tasp o r q u e n ã o q u e s tio n a m a s re la ç õ e s e n tr e im a g e m e s o m n o c in e m a b u r g u ê s ,e p o r q u e , a p e s a r d e t e r e m q u e b r a d o o s v e l h o s t a b u s b u r g u e s e s d e s e x o ,d ro g as e p o e s ia ap o ca líp t ica , co n t in u am a su s t en ta r o m a is im p o r tan te d e to d o so s t a b u s b u r g u e s e s – a q u e l e q u e p r o í b e a r e p r e s e n t a ç ã o d a l u t a d e c l a s s e s .(A au tocr í t ica também es tá c laramente impl íc i ta nes ta declaração , já que am e s m a a b o r d a g e m p o d e r ia s e r u s a d a – e fo i, p e l o p r ó p r io G o d a r d – e m t o d o sos se us p ró pr ios film es inclus ive , Weekend àfrancesa .)

M a s a a u t o c rít ic a d e G o d a r d n ã o e m e r g e d e u m a a u t o d ú vid a m ó r b id a , d e d e r ro t is m o ,o u d e u m d e s e jo d e a u t o d e s tr u iç ã o , c o m o G la u b e r Ro c h a a r g u m e n t a d e f o rm ad e veras v in g a t iva e m seu a r t ig o so b re Vento do Leste . Pe lo con trário , a au tocrít i-c a te m u m p a p e l im p o r t a n t e n a a t u a l p rá t ic a d o c in e m a d e G o d a r d ( e , n a v e r -d a d e , s e m p r e t e v e – a o m e n o s d e f o r m a i m p l í c i t a ) , p e l a s i m p l e s r a z ã o q u eG o d ard , co m o Mao , co n s id e ra a au to c rít ica u m a a t ivid a d e co n s t ru tiva d a m aio rimpor tância . (E , no c inema, como já v imos, u rge es te t ipo de ver i f icação sobreo p o d er q u ase u n ila t e ra l e xe rc id o p e lo c in e as t a so b re su a a u d iên c ia . )

Os film es recen tes de God ard são cer tam en te po l it icam en te pen et ran tes ; m as ape sar do

“comentár io” verbal ser p roeminen te – se não p reeminen te – os f i lmes não sãoe xor ta tó r ios . Não h á nad a de de m agógico na ab ordagem de Goda rd , se ja do c ine -m a ou d a po lít ica . Em term os de m étodo c ine m atográfico , Vento do Leste é o p ó loo p o s to d e f i lm es co m o O triunfo da vontade, de Riefenstahl , ou Encouraçado 

Potemkin, de Eisenstein. E, de fato, Sons britânicos, Pravda , e Vento do Leste d eG o d ard são m u ito d is tan tes em te rm o s d e m éto d o c in em ato grá fico d e Deus e o 

Diabo na terra do sol, Terra em transe , e O dragão da maldade contra o santo 

guerreiro, de Glau be r Rocha . Existe um forte tom m essiânico no s film es d e Rocha,

que é bas tan te d iscrepan te da maneira de Godard const ru i r um f i lme. (É bem

    7     4

Page 76: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 76/120

claro , a liás , que os b raços a be r tos d e Rocha em Vento do Leste – suger indo umparale lo en t re Rocha e Cr is to – const i tuem um comentár io i rôn ico de Godardsobre os aspectos messiânicos do est i lo dos f i lmes de Rocha.)

E embora tanto Rocha como Godard estejam comprometidos com a luta global pela l ibe-

ração revo lucionár ia , suas d ivergências sobre como a revo lução pode se desen-vo lver e como o c inema pode con tr ibu i r para es te desenvo lv imento são c laras .R o ch a ad o ta a ab o rd ag em esp o n tân ea q u e d esco n s id e ra q u ase to t a lm en te aimpor tância de p reocupações teór icas , as quais e le concebe como meros “aux i-l iares” à energ ia espon tânea das massas . E le expressou sua crença de que “osverdadeiros revolucionários na América do Sul são indivíduos, personalidades emsofrim en to – não e nvo lv ido s em prob lem as teór icos… a p rovocação à v io lên cia ,o co n ta to co m a am arga r ea lid ad e q u e p o d e p ro d u z ir u m a m u d a n ça vio len ta n a

América do Su l , es te levan te apenas pode v i r de ind iv íduos que tenham passadop o r u m s o frim e n t o p e s s o a l, e te n h a m p e r ce b id o q u e a n e c e s sid a d e d e m u d a res tá p resen te – não por razões teó r icas , mas por ques tões de agon ia pessoal” . 4

E Rocha en fat iza sua crença d e q ue a verdade ira fo rça das m assas su l -am er icanases tá no m is t ic ism o, em “um com po rtam en to em ocion al, d ion is íaco”, qu e pa ra e lesurge d e um a m is tu ra d e cato l ic ism o e re lig iõe s afr icanas . A en erg ia q ue tem suafon te no mis t ic ismo, segundo Rocha, é o que, em ú l t ima ins tância , levará aspe ssoas a res is t ir à opressão – e é es ta en erg ia em ocion al qu e Rocha bu sca fazer

fluir em seus f i lmes.Godard , por ou t ro lado , re je i ta a abordagem emocional por e la favorecer o in imigo ebusca combater a mis t i f icação em qualquer fo rma, venha e la da d i re i ta ou daesquerda. Embora não haja ind icação de que Godard subest ime a impor tância daexper iência pessoal agon iada da opressão como um pon to de par t ida para odesenvo lv imento de uma conscien t ização revo lucionár ia , e le assume a posiçãoclara de que ex is te a necess idade p remente de uma organ ização f i rmementedesenvolvida sobre sólidas fundações teóricas, caso o movimento revolucionáriopretend a avançar a lém do es tág io d e levan tes a bor t ivos , de cur ta du ração , “espo n-

t ân eo s” ( co m o o s ev en to s d e m aio d e 1 9 6 8 n a F ran ça) .A o en fa t i za r a l u t a t eó r i ca , G o d ard seg u e n o cam in h o d e u m rev o lu c io n ár io n ad a

m e n o s p r á t i c o q u e o p r ó p r i o L e n i n , q u e , e m s e u p a n f l e t o i n t i t u l a d oQue fazer? ( d o q u a l a b u n d a m e c o s e m Vento do Leste ) , denuncia o “cu l to dae s p o n t a n e i d a d e ” e a p o n t a q u e “qualquer c u l t o à e s p o n t a n e i d a d e , q u a l q u e r

    7     5

[ 4 ] Gordo n H ITCHENS, The Way to Make a Future : A Con versa t ion wi th G laub er Rocha . Film Quarterly , o u to n o d e

1970.

Page 77: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 77/120

e n fr a q u e c im e n t o d o ' e le m e n t o d e c o n s c ie n tiz a çã o lú c id a ' … significa po r s i só– e o fato de se desejar que seja assim ou não ésecundário – um reforço da 

influência da ideologia burguesa ” (i tál icos do próprio Lenin).5 O u , co m o Len inco lo ca a lg u m as l in h as ad ian te , “o p ro b lem a se co lo ca n es t es t e rm o s e em

n e n h u m o u t ro : a id e o lo g ia b u rg u esa o u a id e o lo g ia so c ia lis ta . N ão h á u m m eiote rm o (p o i s a h u m an id ad e n u n ca e s tab e leceu u m a ‘t e rce i ra ’ id e o lo g ia ; d e q u a l-q u e r fo r m a , e m u m a s o c ie d a d e d ivid id a p o r u m a lu t a d e c la s s e s n u n c a p o d e r iah av er u m a id eo lo g ia ac im a e a l ém d as c l a s ses )” . E , m a i s t a rd e , “m as p o r q u e ,p e r gu n t a o le ito r , o m o v im e n to e s p o n t â n e o , q u e t e n d e n a d ir e ç ã o d o m ín im oes fo rço , l ev a ex a tam en te à d o m in ação p e la id eo lo g ia b u rg u esa? P e la s im p lesrazão q u e , c ro n o lo g icam en te , a i d eo lo g ia b u rg u esa é m u i to m a i s an t ig a q u e aid eo lo g ia so c ia l i s t a , é m u i to m a i s e l ab o rad a , p o ssu in d o u m n ú m ero in f in i t a -

m en te m a io r d e m e io s d e d ifu são ” . E, p o r fim : “Q u a n to m aio r o e sp ír it o e sp o n -t â n e o d a s m a s s a s , e q u a n t o m a is o m o v im e n t o s e e s p a lh a r , m a io r a u r g ê n c iad a n e c e s s id a d e d a m a is c o m p le t a lu c id e z e m n o s s o tr a b a lh o t e ó r ic o , e m n o s s ot rab a lh o p o lít ico e em n o ssa o rg an ização ” .6

P ara q u e n in g u ém se s in t a t en tad o , co n tu d o , a t i r a r co n c lu sõ es p rec ip i t ad as (q u eRo ch a p a rece en co ra ja r em seu a r tig o so b re Vento do Leste ) , co n s id e r a n d o q u eas d ife ren ças d e o p in ião so b re e s t r a tég ia r ev o lu c io n ár ia d e G o d ard e Ro ch a sãos im p lesm en te o r e su l t ad o d e d i f e ren ças cu l tu ra i s en t r e a s i tu ação eu ro p é ia e

a q u e l a d o T e r c e i r o M u n d o , d e v e m o s a p o n t a r q u e m e s m o n o c i n e m a d aAm é r ic a La t in a n ã o h á , e m p a r t e a lg u m a , su p o r te u n â n i m e p a r a a “ a b o r d a g e m ”esp o n tân ea . C in eas t as su l - am er i can o s es t ão cad a v ez m ai s seg u in d o o s p asso sd o c in e as t a a rgen t in o Fern an d o S o lan a s (La hora de los hornos) , c la m a n d o p o ruma in tens i f icação da lu ta teó r ica o rgan izada e lúcida em n ível ideo lóg ico .

D ev e se r en ten d id o , co n tu d o , q u e R o ch a t em u m d o m ín io l eg í t im o q u an d o r ec l am ad a in u n d a ç ã o d e im ita ç õ e s m o n s t ru o s a s d e G o d a r d , a p re s e n t a d a s p o r a lu n o s d ec in em a co m o d i s t a s n o T erce i ro Mu n d o e em o u t ras p a r t e s . Mas G o d ard n ãop o d e se r cu lp ad o p o r is so . (Alg u ém ac red it a , p o r u m ú n ico in s tan te , q u e es t e s

    7     6

[ 5 ] LENIN, Que faire? Edi tion s Socia les , Par is , 196 9. Tod as a s t raduçõ es d a e dição f rancesa foram fe i tas p e lo au tor .[ 6 ] Esta ú l t ima af i rmação se aproxima mais da qual i f icação pos ter ior de Lenin da pos ição adotada em Que fazer? 

– p o s iç ã o , co n f o r m e e l e in d i c o u , q u e r e p r e s e n t a u m a r e s p o s t a t á tic a e m e r g in d o d a a n á lis e c o n c r e t a d e u m a s it u a ç ã o

concre ta (as d i sputas de 1902 ent re d iversas facções esquerdis tas ) . Mais ta rde , quando os per igos potenc ia i s da

p o s i ç ã o e s p o n t â n e a n ã o r e p r e s e n t a v a m m a i s u m a a m e a ç a t ã o g r a n d e à r e v o l u ç ã o , L e n i n a b r a n d o u o s a t a q u e s à

e s p o n t a n e id a d e e p e d i u u m a a b o r d a g e m m a is d ia lé t ic a d a “e s p o n t a n e i d a d e o r g a n i za d a e o r g a n iz a ç ã o e s p o n t â n e a ” .

(Para maiores informações a es te respe i to , v ide a exce lente ed ição espec ia l sobre Lenin-Hegel de Radical America ,

s e t e m b r o - o u t u b r o d e 1 9 7 0 ) .

Page 78: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 78/120

m e s m o s a l u n o s n ã o e s t a r i a m c o m o d a m e n t e c r i a n d o m o n s t r u o s i d a d e s c a s oG o d ard n ão ex i s t i s se? ) A lém d o m ai s , s e ex i s t e a lg o q u e p o d e co m b a te r co mef icácia o t ip o d e co m o d ism o im p e n sad o q u e ca rac te r iza n ão ap e n as a m a io r iad o s film es d e es tu d an tes d e c in e m a , m as s im p lesm en te a m a io r ia d o s film es em

geral , cer tamente é a p ráx is teó r ica ex t remamente completa , reso lu ta e au tod is-c ip l ina da pe rson ificada pe los film es de Jea n-Luc G od ard .

U so a e xp ressão “p ráxis t eó r ica” d e fo rm a b as t an te p ro p o s it ad a , já q u e q u ero e n fa ti-za r q u e t eo r i a e p rá t i ca n ão são , d e fo rm a a lg u m a, m u tu am en te ex c lu s iv as . Afim d e ilu s t ra r o q u e e u q u e ro d ize r , v o lt em o s m ais u m a v ez p a ra a m e tá fo ra d ae n c ru z ilh a d a . O c a m in h o d e G o d a r d – q u e , c o m o e l e a p o n t a , n a d a m a is é d oq u e o c a m in h o q u e o e s tu d o d a h is tó r ia d o c in e m a r e v o lu c io n á r io o a ju d o u areco n h ecer – é o d a c r i ação d as fu n d açõ es t eó r i cas d o c in em a rev o lu c io n ár io

d en t ro d a p rá t i ca co t id i an a d e se f aze r f i lm es . O v e rd ad e i ro d i l em a p a ra o sc in eas t as d e h o je n ão é u m a esco lh a en t r e a t eo r i a e a p rá t i ca . O a to d e f aze ru m film e n e c e s s a r ia m e n te c o m b in a a m b o s – e i ss o é ve r d a d e ir o p a r a u m film en o Terce iro Mu n d o , n a R ú ss ia o u n o O c id e n te .

N a s e q ü ê n c i a d a e n c r u z i l h a d a e m Vento do Leste , t e m o s a t é u m a f o r t e s u g e s t ã ov i su a l d e q u e a in t e r secção d e t r ê s v i as é s im p lesm en te o p o n to o n d e d o i sc a m in h o s – a q u e le d o Te r ce ir o M u n d o e a q u e le q u e a m u lh e r e u r o p é ia t ra ç o ua t é a g o r a – c o n v e r g e m e s e u n e m n o q u e n ã o p a s s a d e u m g r a n d e

cam in h o co n t ín u o d e “av en tu ra e s t é t i ca e in d ag ação f i l o só f i ca” , q u e co m b in a ,n e cessa r iam en te , t an to a t eo r ia co m o a p rá tica .

    7    7

Artigo publicado na revista inglesa Sight and Sound , vol .40, n.3, verão de 1971.

Page 79: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 79/120

Page 80: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 80/120

O título do filme, ta l com o d esen had o n a te la , mis tu raital iano e francês: Vento Le Vent d’Est dell’Est .E sc rev er a s s im , u m a p a lav ra d ep o i s d a o u t r a , eto d as co m id ê n t ico t ra t am en to g rá fico , p o d e su g e-

r ir u m a d ificu ld ad e d e le i tu ra q u e n a r ea lid a d e n ãoe xiste no letreiro de apre sen tação de Vento do Leste .O cartão com o t í tu lo do fi lme privilegia o que estáesc r ito em fr an cês , n o ce n t ro d o q u ad ro em le t r a sg ra n d e s e ve r m e lh a s , e m o ld u r a d a s p e l a lin h a n oa l to d a t e l a em l e t r a s m en o res e p re t as , Vento , ep e lo q u e ve m n o p é d a t e la , ig u a lm e n t e e m le t ra sm e n o r e s e p r e t a s , dell’Est . N en h u m a d i f i cu ld ad e

de le i tu ra , mas es ta se recusa a reduzi r o t í tu loita lian o a um a legen da pa ra t radu zir o t ítu lo or ig ina ld e s te film e fr an co - it a lian o : é u m m o d o d e lev a r oesp ec tad o r a le r o s d o is s im u lt an ea m en te , it a lian oe fr a n c ê s , u m d e n tr o d o o u t r o .

O le t r e ir o c o m o t ít u lo f ic a p o u c o t e m p o n a t e la . Lo g os u r g e a p r im e ir a im a g e m d o film e p r o p r ia m e n t ed i t a , a c e n a q u e a b r e a n a r r a ç ã o , q u e s e g u e o

m esm o e s t ilo d e co m p o s ição d o l e t re i ro e so l ic it at a m b é m u m a l e i t u r a s i m u l t â n e a : a i m a g e mf a l a u m a l í n g u a , o s o m o u t r a . V e m o s u m c a s a ld e i t a d o n o c h ã o d e u m p a r q u e , o u v i m o s u m ad is c u s sã o s o b r e u m a g r e v e . C o m o n o l e tr e ir o d ea p r e s e n t a ç ã o , u m a d i s c u s s ã o e m f r a n c ê s ( “ L ag r e v e ” , d i z u m a v o z m a s c u l i n a ) , e e m i t a l i a n o( “ Sc io p e r o ” , d iz u m a v o z f e m in i n a ) .

O e s p e c t a d o r p o d e i m a g i n a r q u e a v o z q u e n o s f a l a

d a g r e v e é d a m u l h e r d e i t a d a n o p a r q u e , q u ees tar íamos ouv indo sua voz in ter io r — ela es tar iap e n s a n d o n o q u e o c o r r e r a a l i m e s m o , n a c a s ad e n t r o d o p a r q u e — o u e s t a r í a m o s o u v i n d o u m ac o n v e rs a , o s o m s e a n t e c ip a n d o à im a g e m , q u e s eesclarecer ia a d ian te .

Assim , a m ulhe r deitada no parque é q ue es taria con tandoa v iag em p ara a casa d a f am í l i a d o p a i , co m o d e

c o stu m e n o m ê s d e m a io ;

    7     9

    J   o   s

     é

     C   a   r     l   o

   s    A   v   e

     l     l   a   r

 V  e n 

 t    o  , b   a r r  a 

 v  e n  t    o 

 [   G l   a  u

 b  e r  e  G  o  d  a r  d 

n a  p o r t   a  d  a  u s i  n a L  umi   è r  e 

 ]  

Page 81: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 81/120

d iz e n d o q u e a c a s a e r a d is ta n t e d a c id a d e , n o m e io d e u m p a r q u e ;

q u e e l es j an tav am p o n tu a lm en te à s o i to h o ras ;

q u e n u m a se xta -fe i ra o t io n ão ve io ;

q u e e l es fica ram esp eran d o a n o it e in t e i ra ;

q u e n o s á b a d o p o r v o l t a d o m e i o - d i a f i c a r a m s a b e n d o q u e o t i o e s t a v a p r e s o n oescr i tó r io da fábr ica pelos operár ios em greve;

e q u e n a n o i t e d e s t e m e s m o s á b a d o e l a s u r p r e e n d e u u m a c o n v e r s a e n t r e o p a i

(dad , d iz e la) e seu ou t ro t io (uncle Sam , d iz e la) sob re a g re ve.

O e s p e c t a d o r p o d e i m a g i n a r u m a f u s ã o e n t r e a i m a g e m e o s o m , e s t a b e l e c e r u m ar e l a ç ã o i m e d i a t a e n t r e o q u e v ê ( u m c a s a l d e i t a d o n a r e l v a , n o q u a d r o d ec a b e ç a p a r a b a ixo ) e o q u e o u v e ( u m a v o z fe m in in a c o n t a n d o q u e o u v iu dad dizer para uncle Sam q u e o s t r a b a l h a d o r e s e s t a v a m e m g r e v e ) , c o m o s eim ag em e so m co rres sem t a l co m o d e h áb ito n o c in em a , lad o a lad o , avan çan d on a m e s m a d i r e ç ã o , s e g u i n d o o m e s m o c a m i n h o . M a s n ã o é p r o p r i a m e n t e

es t a r e l ação q u e Vento do Leste p r o p õ e : i m a g e m e s o m c o n t a m h i s t ó r i a sd i fe ren tes , fa lam lín g u as d ife ren tes , seg u em cam in h o s d ife ren tes ; o q u e o u vi-m o s n ã o é a v o z i n t e r i o r d a m u l h e r d e i t a d a a o l a d o d o h o m e m n o p a r q u e .V e m o s / o u v i m o s u m a i m a g e m s o m e n t e v o z . E l a n o s c o n t a q u e o t i o , n u m asex ta - fe i ra d e m a io , n ão ve io p a ra o jan ta r : fico u p reso p e lo s t r ab a lh ad o res e mg r e v e . V e m o s / o u v i m o s u m a i m a g e m s o m e n t e v i s u a l , s e m p a l a v r a s , s e m s o malg u m , q u e n o s f a l a d e u m casa l d e i t ad o n u m p arq u e as s im co m o u m a p in tu rao u fo to g ra fia co s tu m a co n ta r q u a lq u e r co isa . O f ilm e co n v id a a a co m p an h ar s i-m u l t an eam en te u m a h i s tó r i a e o u t r a : o casa l q u e se d e ix a f i ca r t r an q ü i lo n a

re lv a n ão t em lig ação a lgu m a co m a d i scu ssão so b re a g rev e .Q u e r d i z e r , n ã o é b e m a s s i m , e x i s t e u m a r e l a ç ã o : a s s i m c o m o a g r e v e m u d o u a

v i a g e m d e t o d o s o s a n o s n o m ê s d e m a i o e o j a n t a r d e t o d o d i a à s o i t o d an o i t e , a s s i m t a m b é m a g r e v e m u d o u a r e l a ç ã o e n t r e i m a g e m e s o m n e s t efilm e . U m a co i sa ap a rece em co n f lit o co m a o u t r a : ação n a fa ixa so n o ra , g rev en a im ag em ; f a l a r d e u m co n f l i t o p o r m e io d e u m co n f l i t o . O q u e se p ro cu rae n t ã o ( u s e m o s a s p a la vr a s d o C o r is co d e G l a u b e r e m Deus e o diabo na terra do sol ) é d e s a r r u m a r o a r ru m a d o , o u ( c o m o g r ita o P a u lo M a r t in s d e G la u b e r

     8     0

Page 82: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 82/120

e m Terra em transe ) d e ix a r o v ag ão co r re r so l to . Im ag em e so m em Vento do 

Leste se a r t i cu lam ass im co m o se a r t i cu lam t r ab a lh ad o res em g rev e .La grève : n a i m a g e m d o c a s a l n o p a r q u e t u d o e s tá p a r a d o — a p e n a s a v e g e t a çã o s e

m o v e s u a v e m e n te a o ve n to ( d o le s t e ?) .

Sciopero : a c o n v e r s a n a f a i x a s o n o r a p r o s s e g u e b e m v i v a e i n d e p e n d e n t e d o q u ea c o n t e c e n a im a g e m — m e s m o q u a n d o e la s e m o v e lig e ir a m e n t e .

O q u e o s o m n o s c o n t a c o m e ç a a s e r co n t a d o n o lo n g o p la n o d e a b e r t u r a , a t ra v e s sao q u a d r o s e g u i n t e , e m q u e u m h o m e m a r m a d o d e f u z i l p a s s a e m f r e n t ea u m a c a s a n o c a m p o , e c o n t in u a n o te r c e ir o p la n o , u m c o n t ra p la n o d o c a s a ld e i t a d o n o p a r q u e . I m a g e n s a b s o l u t a m e n t e f i x a s ; o q u e n e l a s s e m o v e d ev e r d a d e é o s o m , u m a d i s c u s s ã o s o b r e a c o n d i ç ã o d o s t r a b a l h a d o r e s ( m e n o sru im , j á co n seg u em co m er f r an g o to d o s o s f in s d e sem an a) , so b re o s s in d ica -

t o s , s o b r e o s r e p r e s e n t a n t e s d o s t ra b a lh a d o r e s , s o b r e r e p r e s e n t a çã o e s o b r e oc in e m a , q u e d e v er ia se g u ir o cam in h o q u e a h is tó ria d as lu t as r ev o lu c io n ár ia sen s in a a co n h ecer .

O q u e a i m a g e m n o s c o n t a p a r e c e m u i t a s v e z e s a l g o q u e o c o r r e a n t e s ( a t o r e s s em a q u ia n d o p a r a a ce n a ) o u d e p o i s d e u m film e ( u m a re fle xã o s o b r e o q u e é oc i n e m a e c o m o s e d e v e r e a l i z a r u m f i l m e ) : u m p e r s o n a g e m p i n t a o r o s t o d eco res b em viv as — am are lo , ve rd e , azu l , ve rm elh o ; a lg u é m fo ra d e q u ad ro jo g at in t a v e rm elh a so b re o s p e r so n ag en s ; l e t r e i ro s p e rg u n tam “o q u e f aze r?” o u

a d v e r t e m : “ e s t a n ã o é u m a i m a g e m j u s t a , m a s j u s t o u m a i m a g e m ” . V e m o sc a r t õ e s q u e n ã o d i z e m n a d a , s i m p l e s m e n t e c o b r e m a c e n a c o m u m m a n t op r e to o u ve r m e lh o , e im a g e n s q u e n ã o m o s tra m n e m d iz e m n a d a : o q u a d r o ér iscado e rab iscado , a palavra é cor tada ao m eio o u e ncobe r ta po r um a algazarra ,t o d o s g rit a m a o m e s m o t e m p o . N o lu g a r d e u m film e , a lg o p a r e c id o c o m u m aassem b lé ia d e t r ab a lh ad o res em g rev e , e e fe t iv am en te a ce r t a a l tu ra to d a ae q u ip e s e r e ú n e e m a s s e m b lé ia — a c â m e r a e o m ic ro fo n e a b e r to s a t o d o s o sin t eg ran tes d a eq u ip e in t e r ro m p e a n a r ra t iv a p a ra d i scu t i r d e q u e m o d o d ev e-r ia se r film ad a a se q ü ên c ia se g u in te .

Q u a s e a o m e s m o t e m p o , t a m b é m e m 1 6 m m ( m a s e m p r e t o - e - b r a n c o ) , G l a u b e rfilm a e m 19 6 8 u m film e n ão -co m erc ia l ( c in e m a e m g rev e?) : Câncer . “Não vouen v iá - lo a f e s t iv a i s n em v o u ex ib i - lo n o s c in em as” , d i s se , em d ep o im en to àrev is t a p e ru an a Hablemos de Cine ; “m e u p raze r fo i só f ilm á- lo e su p o n h o q u eta lvez o que es te ja lá não tem impor tância . Não o f iz para ser ex ib ido ; ta lvez oex ib a , m as a in d a n ão o t e rm in e i , f a l t a f aze r a m o n tag em ”. F a lan d o d e Câncer ( “ F o i f e i t o p a r a d e m o n s t r a r q u e e m c i n e m a n ã o h á u m s ó c a m i n h o . O c a m i -nh o do c ine m a são todo s os cam inh os”) , fa land o do film e q ue conclu iu som en te

e m 19 7 2 , G la u b e r p a r e c e e s t a r d e s c re v e n d o Vent d’Est d e G o d a r d : “ N ã o t e m

     8     1

Page 83: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 83/120

h i s tó r i a” ; e s tu d a “a r e s i s t ên c ia d e d u ração d o p lan o c in em ato g rá f i co ” ;e x p e r i m e n t a “ a q u a s e e l i m i n a ç ã o d a m o n t a g e m q u a n d o e x i s t e u m a a ç ã ov erb a l e p s i co ló g ica co n s tan te d en t ro d a m esm a to m ad a” .

U m film e e m g re v e c o n t ra o m o d e lo d e p r o d u ç ã o d a g r a n d e in d ú s tr ia .

A id é ia v em d e sd e Deus e o diabo na terra do sol , d e s d e a Estética da fome : o c ine -m a a se rv iço d as cau sas im p o r tan tes d e seu t em p o , o b r ig ad o a se m arg in a l iza rd a in d ú s t r ia , “p o rq u e o co m p ro m isso d o c in e m a in d u s t ria l é co m a m en t ir a e aexp loração”. Passa por Terra em transe , pe las ref lexões sobre “o cará ter de umverdad eiro d ire to r de c ine m a” (no se gund o cap í tu lo d e Cinema moderno, cinema novo , José Álvaro Ed i to r , R io de Janei ro , 1966) : o d i re to r de c inema “sem ed e , so b re tu d o , p e l a su a r e s i s t ên c ia d i an te d as t en ta t iv as d a in d ú s t r i a . N ems ó d e f i l m e v i v e u m d i r e t o r , m a s t a m b é m d o s s i l ê n c i o s a q u e s e i m p õ e p a r a

m an te r su a d ig n id ad e” . A id é ia se r ad ica l i za ad ian te , p o u co d ep o i s d e Derleone have sept cabeças e d e Cabezas cortadas , p o u c o a n t e s d e Claro :G lau b e r d iz q u e n o fu tu ro o c in e m a se rá lu z , so m , d e lír io ; q u e o e sp e c tad o r d e -ve r á v e r u m film e “ co m o s e e s t ive s s e n u m a c a m a , n u m a fe s t a , n u m a g r e ve o un u m a r e v o l u ç ã o ” , e s e d e c l a r a e m g r e v e “ c o m o u m t r a b a l h a d o r n a p o r t a d afábr ica” , lu tando pelo “d i re i to de fazer f i lmes po l í t icos , sem compromissosco m erc ia i s o u p ro f i s s io n a i s” . E m g rev e : “H á u m an o e m e io q u e n ão f i lm o ,e n t r e o u t r o s m o t i v o s p o r q u e o c i n e m a d e e s q u e r d a e s t á a t r a v e s s a n d o u m a

cr ise ter r ível e porque as re lações comercia is e f inancei ras que ex is tem nap ro d u ção c in em ato g rá f i ca se t r an s fo rm aram n u m a a rm ad i lh a” ( ju n h o d e 1 9 7 2 ,d e p o im e n t o p u b lic a d o e m Cuba internacional , e m Afrique-Asie e e m Écran ) .

O c in e m a e m g re v e : Vento do Leste n e m p a r e c e film e , e o q u e G o d a r d d e s e ja v a e raisso mesmo — jun tar -se aos t rabalhadores , sa i r da fábr ica de Lumière .

E m d e z e m b r o d e 1 9 7 0 ( e m d e p o i m e n t o p a r a a r e v i s t a Cinéma 70 ) , G o d ard co n tac o m o c o n h e c e u J e a n - P i e r r e G o r i n , d e p o i s d e m a i o d e 1 9 6 8 . “ D u a s p e s s o a s ,u m a v in d o d o c in e m a n o rm al, a o u t ra u m m ilit an te d e c id id o a faze r c in e m a co -m o u m a t a re fa p o lít ica . Ele q u e r ia t eo r iza r o q u e aco n tece u e m m aio e d a í p as -

sa r à p rá t i ca , e eu q u er i a m e l ig a r a a lg u ém q u e n ão v ies se d o c in em a . E mresu m o , u m d ese jav a f aze r c in em a , o o u t ro d ese jav a d e ix a r d e f aze r c in em a .T ra tav a - se d e co n s t ru i r u m a n o v a u n id ad e f e i t a d e d o i s co n t r á r io s , d e aco rd oco m o co n ce ito m arxis t a , e t en ta r en tão co n s t itu ir u m a n o v a cé lu la — n ã o p a rafazer c inema po l í t ico , mas para fazer c inema po l í t ico po l i t icamente , o que erab e m d i fe ren te d o q u e r ea lizavam en tão o s c in e as t as m ilit an tes”. Ass im se c rio uo G ru p o D z ig a Ver to v , q u e p ro d u z iu se is film es e n t r e 19 6 9 e 19 71 . O n o m e d eD zig a Ver to v fo i e sco lh id o n ã o p o rq u e p re t en d esse m ap l ica r seu p ro g ram a , m as

p o rq u e o g ru p o q u er i a to m á- lo “co m o p o r t a -b an d e i r a em re l ação a E i sen s t e in ,

     8     2

Page 84: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 84/120

que, em nossa anál ise , era um cineas ta rev is ion is ta” . Para Ver tov , o que sed e v e r i a f a z e r e r a “ s i m p l e s m e n t e a b r i r o s o l h o s e m o s t r a r o m u n d o e m n o m ed a d it ad u ra d o p ro le t a r iad o ” .

Cine m a p o l ít ico : Ven to ( Ver tov?)? Barraven to (Eisen ste in?)? Ou um a co isa e ou t ra?

N o e s p a ç o e n t re Terra em transe ( “N ã o m e in t e r e s s a m a s flo r e s d o e s t ilo / C o m o p o rd i a m i l n o t í c i a s a m a r g a s / Q u e d e f i n e m o m u n d o e m q u e v i v o ” ) e Der leonehave sept cabeças (“Abaixo o colonialismo! Abaixo o colonialismo! Abaixoo colonialismo!”),

d i a l o g a n d o c o m o q u e c o m e ç a a s e d e s e n h a r e m Deux ou trois choses que je sais d’elle ( “C o m o n o s r e d u z e m a z e r o é d e l á q u e p r e cis a m o s p a r t ir ”)

e e m La chinoise ( “C in q u e n t a a n o s d e p o is d a r e v o lu ç ã o d e o u t u b r o , o c in e m a a m e -r ican o r e in a so b re o c in e m a m u n d ia l. N ão h á m u i to a ac rescen ta r a e s t e e s t ad od e c o is a s . A n ã o s e r q u e e m n o s s a e s ca la m o d e s ta n ó s d e v e m o s c ria r d o is o ut r ês V ie tn am es n o m eio d o im en so im p ér io d e H o l ly w o o d -C in ec i t t a -Mo sf i lm -P in ew o o d -e tc . , e t an to eco n o m icam en te q u an to es t e t i cam en te , q u e r d i ze r ,lu tan do e m do is , c r iar cine m as na cion ais , liv res , irm ão s , cam arad as e am igos”) ,

d ia lo g a n d o t a m b é m c o m o t e m p o la t in o - a m e r ic a n o ( Fa n o n r e to m a d o p o r So la n a s e m

La hora de los hornos : “To d o e sp e c tad o r é u m co v ard e o u u m t ra id o r”) ,

p en san d o o p ap e l d o in t e l ec tu a l l a t in o -am er ican o ( “A p r im e i ra co i sa q u e e l e t em afaze r é n eg ar - se co m p le tam en te , é d esm is t i f i ca r - se co m p le tam en te , é sa i rd esse p ap e l d e in t é rp re t e , d e c r í t i co d a h i s tó r i a sem n en h u m a p a r t i c ip açãocon creta , po lít ica , na h is tó r ia . A ún ica fo rm a d e e le se revo lucion ar e se de sm is-t ifica r é f aze r d o p en sam en to e d a ação p o lít ica u m a co i sa in t eg rad a”) ,

G lau b er p ro p ô s u m c in em a p o l í t i co q u e “n ão p re t en d e in fo rm ar p e la ló g ica” ,

m arcad o p e la i r r ev e rên c ia p o é t i ca , “p e la in t ro d u ção d o p lan o an árq u ico ” , p o r“ im ag en s p ro ib id as n o co n te xto d a b u rg u es ia” , p a ra a n iq u ila r t u d o “aq u i lo q u eo esp ec tad o r ace i t a co m o n o rm al” .

C o m o faze r u m f i lm e p o l í t i co ? F i lm an d o p o l i t i cam en te , “ sem red u z i r o s h o m en s aesquemas sociopo l í t icos”:

Não bas ta reg is t rar “comícios , guerras , g reves , manifes tações , para fazer um f i lmepolí t ico. Isto é posit ivo e úti l . Tais f i lmes podem ser eficazes, tal como algumaso b ras l i t e r á r i a s p o d em se r p o l i t i cam en te e f i cazes . E m q u e m ed id a u m en sa io

p o l í t i co p u ro p u b l i cad o n u m a rev i s t a d e p eq u en a t i r ag em co n t r ib u i p a ra a

     8     3

Page 85: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 85/120

r ev o lu ção ? N ão se i . A im p o ss ib i l id ad e d e r e sp o n d er e s t a s q u es tõ es v em d aim p o ss ib i l id ad e d es t as q u es tõ es . A u t i l i d ad e d a a r t e é u m a q u es t ão an t ig a .Es ta d iscu ssão r esu lt a d e u m ce r to sen t im en to d e cu lp a t ip icam en te in t e lec tu a l,d o in t e l ec tu a l eu ro p eu e d o in t e l ec tu a l d o T erce i ro Mu n d o , u m sen t im en to d e

cu lp a m ais c ris t ão q u e m arxis t a . Em ce r to s m o m en to s h is tó r ico s u m film e p o d et e r va lo r c o m o a g it a çã o e p r o p a g a n d a , m a s s ó p o d e s e r e fic a z e m u m a d e t e r-m in ad a ép o ca e em c i r cu n s tân c ias m u i to e sp ec ia i s . P a ra o s c in é f i lo s e p a ra op ú b l i co d o c in em a , é so b re tu d o u m p ro v o cad o r o n í r i co : o p ú b l i co p ro cu ra n oc in em a u m a v i são o n í r i ca d a r ea l id ad e , m esm o n o s f i lm es m ai s r ea l i s t a s . Oin te l ec tu a l p ro cu ra a lg o q u e co r resp o n d a a su as o b sessõ es . O c in em a , n ofu n d o , é u m a m an i fes t ação lú d ica . E m te rm o s d e e f i các ia p o l í t i ca , d ev em o sd e s taca r G o d a rd e S tr au b , q u e fazem film es p o l ít ico s q u e n o p lan o im ed ia to são

in e f i cazes” p o rq u e p ro p õ em “u m a p o é t i ca r ev o lu c io n ár i a , a ú n ica q u e p o d em od ificar a con sciên cia” .P en sa r a rev o lu ção co m o u m a es t é t ica : a s s im co m o B u ñ u e l é e s sen c ia l p a ra o m u n d o

s u b d e s e n v o lvid o , “p a r a o m u n d o d e s e n vo lvid o é m a is d o q u e n e c e s s á r io u me s p ír it o a n a r c o c rít ic o c o m o o d e G o d a r d ”, q u e c o m e ç a s e u c in e m a “ n o p o n t oo n d e Jo yc e p a ro u c o m o r o m a n c e . O s m a io r e s m o m e n t o s d e Jo yc e te n d e m àim p o ss íve l fig u ração : o p asso a d ian te é d ad o p o r G o d ard ” . Ele e xp ressa “o m á-x i m o d e c o i s a s n o m í n i m o d e t e m p o ” , p r o p õ e u m a “ a ç ã o s i m u l t â n e a , c o m o

Jo y ce” e u m en co n t ro “d a so c io lo g ia co m a f icção , d a an t ro p o lo g ia co m a p o e -s ia , d e S h a ke s p e a r e c o m a science-fiction , da pintura com a fi losofia”. Fala deG o d ard “h u m ild e q u e n em S ão Fran c isco d e Ass is , co m v ergo n h a d a g en ia lid a -d e , p e d in d o d e s c u lp a a t o d o m u n d o ” e d iz q u e d ia n t e d e l e , “h o m e m m a g ro ec a lvo d e 4 0 a n o s , e u m e s in t o u m a t ia c a rin h o s a q u e t e m ve r g o n h a d e d a r u md o c e p a r a u m s o b r in h o tr is te . A im a g e m é b e s ta , m a s G o d a r d d e s p e r t a u m s e n -t im en to d e ca r in h o m u i to g ran d e . A g o ra , n ão é b es t e i r a : é a m esm a co i sa q u ev o cê v e r B ach o u o Mich e lân g e lo co m en d o spaghetti e n a m aio r fo ssa , ach an -do qu e n ão dá pé p in tar a Cap ela S is t ina ou com po r o ‘Actus Trag icus’” .

P a r a G l a u b e r , G o d a r d r e s u m i a e n t ã o , p o u c o d e p o i s d o m a i o d e 1 9 6 8 , “ t o d a s a sq u es tõ es d o in t e l ec tu a l eu ro p eu d e h o je em d ia : v a l e a p en a f aze r a r t e?A q u es t ão d a u t ilid ad e d a a r te é v e lh a , m as es t á n a m o d a . E n o c in e m a G o d ardé a p ró p r ia c r ise am b u lan te” .

En t re G la u b e r e G o d a r d s e e s ta b e le c e u m d iá lo g o / d e b a t e n ã o p la n e ja d o , o r g a n iz a n -d o d e m o d o e s p o n t â n e o , p a ra p e n s a r o c in e m a , a s sim c o m o e le c o m e ç a va ase r fe ito em to rn o d as id é ias d a Estética da fome , do Cine Im pe rfecto , do TercerC in e , d o C in e Ju n to a l P u eb lo , em to rn o d a id é i a d e u m a (o t í t u lo d a r ev i s t a

fra n c e s a re s u m e b e m ) Cinéthique .

     8     4

Page 86: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 86/120

G o d a r d , t o m a n d o V e r t o v c o m o b a n d e i r a e r e p e t i n d o q u e n ã o t i n h a s e n t i d o f a z e rc in e m a -e s p e t á cu lo o u c in e m a d e a u t o r :

“É p rec iso ab an d o n ar a id é ia d e f aze r film es e r eap re n d er a lin g u ag em . D u ran te a p ro -

 je çã o d e u m film e m ilita n te , a te la é s im p le sm e n te u m q u a d ro -n e gro o u a p a -r e d e d e u m a e s co la , q u e o fe r e c e a a n á lis e c o n c r e ta d e u m a s itu a ç ã o c o n c re t a .”

G lau b er , m a is p ró xim o d a t r ad ição d e Eisen s t e in e in s is t in d o q u e faze r a r t e t em sen -t id o em q u a lq u er p a í s d o Terce iro Mu n d o :

“P o b re d o p a í s su b d esen v o lv id o q u e n ão t iv e r u m a a r t e fo r t e e lo u cam en te n ac io n a lp o rq u e , sem su a a r t e , e le e s t á m a is fr aco (p a ra se r co lo n izad o n a cu ca ) , e e s sa

é a ex ten são m ai s p e r ig o sa d a co lo n ização eco n ô m ica . ”

Es te d iá lo g o / d e b a t e n ã o p la n e ja d o le v o u a o n a t u ra l e n c o n t ro d o d o is n u m a d o b r a d ae s t r a d a , e m Vento do Leste . G l a u b e r ( n u m a n o t a a o p é d e u m a e n t r e v i s t a a oCahiers du Cinéma e m j u l h o d e 1 9 6 9 ) r e s u m e o e n c o n t r o e a f i l m a g e m d op l a n o e m q u e G o d a r d “ p e r g u n t a q u a i s s ã o o s c a m i n h o s d o c i n e m a e e l em esm o in d ica a r e sp o s ta : p o r a li é o c in e m a d e sco n h e c id o d a av en tu ra e s t é ticae d a esp ecu lação filo só fica , p o r aq u i é o c in e m a d o t e rce i ro m u n d o ” . D iz :

“I tá l ia . Godard es tá f i lmando um western e m e p e r g u n t a a d i r e ç ã o d o c i n e m ap o l í t i co . N o p r im e i ro d i a eu f i co d i an te d a câm era co m o s b raço s ab e r to s ed e s e n h o u m a d ir e çã o r u m o a o d e s c o n h e c id o e à a ve n t u ra e m o s tro u m a o u t rad ir e çã o p a r a o c in e m a d o Te r c e ir o M u n d o , m a s c o m o G o d a r d q u e r ia r o d a r op la n o u m a s e g u n d a ve z , e u c a n te i q u e e r a p r e c is o e s ta r a te n t o e fo r te p o r q u en ó s n ã o t e m o s t e m p o d e t e m e r a m o r t e , e d e p o i s o p e r s o n a g e m q u e m ep erg u n to u a d i r eção d o c in em a p o l í t i co se d i r ig e p a ra o cam in h o d o T erce i roM u n d o , e m s e g u id a r e t o r n a a tr á s d e m im e v a i e m d ir e çã o a o d e s co n h e c id o eà av en tu ra , e eu n ão r ep e t i o d iscu r so d o p r im e i ro d ia d e film ag em , m as can te i

q u e tu d o é p e r ig o so , tu d o é d iv in o e m aravilh o so .”Ad ian te (n u m texto p a ra a r e vis t a Manchete , jan e iro d e 19 7 0 ) , co n ta m a is so b re su a

p a r tic ip ação n o “western em co res e sc rito p o r C o h n -Ben d i t e d i rig id o p o r Jea n -Luc Godard com in terp retação de Gian Maria Volon té”; con ta as fo focas queco r r i am em to rn o d o f i lm e , “en co n t re i u m rap az q u e m e d i s se : v o cê j á sab e?N o fa ro es t e d o G o d ard t em d o i s cav a lo s r ec i t an d o Mao !” ; d i z q u e G o d ardp ed iu “p a ra a ju d á- lo a d es t ru i r o c in em a , a í eu d ig o p a ra e l e q u e es to u emo u t ra , q u e m eu n eg ó c io é co n s t ru i r o c in em a n o B ras i l e n o T erce i ro Mu n d o ” ;

e q u e p e r gu n t o u s e e le q u e r ia film a r u m p la n o d e Vento do Leste — “eu, que

     8     5

Page 87: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 87/120

so u m alan d ro e t en h o d esco n f iô m et ro , d ig o p a ra m an e i ra r , p o i s e s to u a l ia p e n a s n a p a q u e r a ” ; p a r a a c e n a , c o n t a , “ e l e m e p e r g u n t a q u a i s s ã o o sc a m i n h o s d o c i n e m a e e l e m e s m o m e i n d i c a a r e s p o s t a : p o r a l i é o c i n e m ad e sco n h ec id o d a av en tu ra e s té t ica e d a esp ecu lação filo só f ica ( e e t c .) ; p o r aq u i

é o c in e m a d o Terce iro Mu n d o ”.A c e n a c o m e ç a c o m G l a u b e r , d e b r a ç o s a b e r t o s , n u m a d o b r a d o c a m i n h o ,p lan o f ixo , can tan d o em p o r tu g u ês :

“A ten ção : é p rec i so es t a r a t en to e fo r t e . N ão t em o s t em p o d e t em er a m o r te” .U m a v o z f em in in a d i z b a ix in h o , em f r an cês ( en q u an to G lau b er can ta d e n o v o e d e

n o v o q u e é p rec i so es t a r a t en to e fo r t e ) , q u e o c in em a d ev e seg u i r a e s t r ad aq u e a h i s tó r i a d as lu t as r ev o lu c io n ár i a s en s in o u a co n h ecer . P a ra sab er co me x a t i d ã o o n d e e s s a e s t r a d a s e e n c o n t r a , e l a d e c i d e p e r g u n t a r a o c i n e m a d o

Te r ce ir o M u n d o . D o fu n d o d o q u a d r o , s u r ge u m a m o ç a co m u m a c â m e r a q u ese d ir ig e a G lau b e r e p e rg u n ta em fr an cês : “D escu lp e in t e r ro m p e r a su a lu t a d ec las ses , m as é im p o r t an te : q u a l é o cam in h o d o c in em a p o l í t i co ?” . G lau b err e s p o n d e e m p o r t u g u ê s : a p o n t a u m a d i r e ç ã o e d i z q u e p a r a l á é o c i n e m a d od esco n h ec id o , o c in em a d a av en tu ra e s t é t i ca . A p o n ta o u t r a d i r eção e d i z q u ep o r a l i é o c in em a d o T erce i ro Mu n d o , u m c in em a p e r ig o so , d iv in o e m arav i -lh o so , v ít im a d a r ep ressão e d a o p ressão im p e r ia lis t a , c in e m a p e r ig o so , d iv in oe m arav i lh o so , q u e n o caso b ras i l e i ro p rec i sa fo rm ar 3 0 0 c in eas t as p a ra f aze r

6 0 0 f ilm es p o r an o .A questão — in formar o c inema pela po l í t ica , in fo rmar a po l í t ica pelo c inema, — nãos u r g i u n e s t e m o m e n t o , m a s e r a v i v a m e n t e d e b a t i d a n e s t e p i q u e t e d e g r e v e :Câncer e Vento do Leste na p or ta da us ina de sonh os . O in te lectual aban do nan doa sua posição p r iv i leg iada para se in tegrar no p rocesso po l í t ico , como quer iaG lau b er . O m i l i t an te in f lu en c ian d o o c in em a e sen d o in f lu en c iad o p o r e l e ,c o m o q u e r ia G o d a r d . A q u e s tã o e r a d e b a t id a b e m a s s im c o m o G o d a r d a re p r e -sen ta n a cen a e m qu e film ou Glaub er . Tratava-se de pe rgun tar ao Terceiro Mun doq u a l o cam in h o d o c in e m a p o lít ico ; t ra t ava - se d e av an çar s im u lt an ea m en te n as

d u as e s t r ad as : a d a av en tu ra e s t é t i ca e a d o d iv in o e m arav i lh o so c in em a d oTercei ro Mu nd o .

Q u a n d o G la u b e r , n a Estética da fome , fa la d a n ecess id ad e d e sep ara r a a r t e ú t il (ú t ilao a t iv i sm o p o l í t i co d e u m a a r t e r ev o lu c io n ár i a l an çad a n a ab e r tu ra d e n o v asd i scu ssõ es ) d a a r t e r ev o lu c io n ár i a , q u e p a ra e l e n ão só d ev er i a a tu a r d e m o d oim ed ia t am en te p o l í t i co co m o t am b ém p ro m o v er a e sp ecu lação f i l o só f i ca e se ru m a im p o s s ib ilid a d e d e c o m p r e e n s ã o p a r a a r a z ã o d o m in a d o r a ( d e t a l fo r m aq u e e la s e n e g u e e s e d e v o r e d ia n t e d e s u a im p o s s ib ilid a d e d e c o m p r e e n d e r ) ,

q u an d o d iz a s s im , G lau b er p a rece es t a r r ep e t in d o o q u e G o d ard d i z i a à f r en te

     8     6

Page 88: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 88/120

do Grupo Dziga Ver tov — ou v ice-versa , Godard parece repet i r Glauber quandod iz q u e o im p o r t an te é f aze r f i lm es p o l í t i co s (o q u e , co m m aio r o u m en o rc o n s c i ê n c i a , t o d o s f a z e m ) p o l i t i c a m e n t e ( o q u e p o u c o s c o n s e g u e m f a z e r ) :q u e m d i z n o v o s c o n t e ú d o s d e v e d i z e r f o r m a s n o v a s , q u e m d i z f o r m a s n o v a s

d e ve d ize r n o v as re l açõ e s en t re fo rm a e co n teú d o . Pa ra en co n t ra r n o v as r e sp o s -t a s d e ve m o s a p r e n d e r a p e r g u n t a r d e o u t ra m a n e ir a , s e n ã o , n o c in e m a , c o m oe m q u a lq u e r lu t a s o c ia l, co n t in u a r e m o s a r e s p o n d e r d e m a n e ir a a n t ig a a q u e s -t õ e s in t e ir a m e n t e n o va s . Es ta va m d iz e n d o o m e s m o , m e s m o q u a n d o p a r e cia mdizer o con trár io : des t ru i r o c inema, d iz um; const ru i r o c inema no Bras i l e noT erce i ro Mu n d o , d i z o u t ro . É co m o se e s t iv essem d izen d o q u e é p rec i so lu t a rem d u as f r en tes , c r i a r c in em as n ac io n a i s , l i v res , i rm ão s , cam arad as e am ig o s ;q u e o c a m in h o d o c in e m a s ã o t o d o s o s c a m in h o s . E q u e , m a is im p o r t a n t e q u e

tu d o , t r ab a lh ad o res d ec id id o s a p a r t i c ip a r d o p ro cesso p o l í t i co , m o n ta r u mp iq u e te n a p o r ta d a f áb r ica e g r it a r ao s q u a t ro ven to s : Greve! 

     8    7

Page 89: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 89/120

Page 90: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 90/120

Sa u d a ç õ e s a a m b o s d o a n o d e 2 0 0 4 , 3 2 a n o s a p ó s s u a

car ta à “a t r iz” e “mil i tante” conhecida como Jane

Fo n d a . Va m o s f a la r s o b r e s u a m e d it a çã o d e 5 2 m i-

n u to s – in fa m e , “a n o r m a l ” ( s e g u n d o Jo h n S im o n ,

q u e e x c l a m o u e s t e e p í t e t o q u a n d o s a i u f e i t o u mfuracã o d a co le t iva de im p ren sa d o N e w York Film

F es t iva l ) – sobre a cé l ebre fo to de “H ano i Jane”

d a n d o a ju d a e c o n fo r t o a o in im ig o .

Êxtase

“H á u m p o n to e m q u e , n u m c e rto e s ta d o m e n t a l, o e s p í-r i t o r ecupera a e sm agadora sensação da m a té r i a , ”

disse Jean-Pierre Gorin numa entrevista à revista

Jump Cut , em 1974 . “En tão você chega n um po n to

e m q u e n ã o e xis te c e r to o u e r ra d o , d e s e s p e r o o u

alegr ia . Você es tá a lém de s tas con trad içõe s e tud o é

uma exper iência completa e to ta l izante .” Nos anos

im ed ia t am en te segu in te s a Carta para Jane , q u a n -

do as pe ssoas já não m a is fa lavam n o f ilm e – o qu efoi raro – o êxtase do materialismo era a última coisa

qu e p assava p elas suas cabe ças . Os f ilm es d o Grupo

Dziga Verto v, em ge ral, e Carta para Jane , e m p a r -

t icular ( f i lmado, gravado, e mixado em tempo re-

c o r d e ) e r a m m e n c i o n a d o s c o m o o m á x i m o e m

“não -cinema”, “des -p raze r” , um pouco dem ai s a t é

pa ra o m ais r igoroso es te ta do cen t ro d e No va York.

Se por um lado os f i lmes eram mui to “pol í t icos”

pa ra a vangu arda , po r ou t ro e s t avam m uito d is tan -

tes da pol í t ica nua e crua – mui to “c inemát icos” –

pa ra o s en ga jado s p o lit icam en te .

“N ós fizem os e s t e film e d a m esm a m ane ira que se faz um

abridor de latas.”

Gorin d evia es tar fa lan do de a lgum ou tro f ilm e d o Grup o

V er tov , m as poder i a e s t a r desc revendo es t e aqu i

t am bém . U m f i lm e fe i to sem grandes am bições ,

com o um a fe r r am enta aud iov i sua l , um ad i t ivo

     8     9

 C  a r  t    a  a 

 J   e  a n 

- P  i    e r r  e 

 e 

 a 

 J   e  a n - 

L   u  c 

    K   e

   n    t    J   o   n   e   s

Page 91: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 91/120

cu l tu ra l , com o aque les com pos tos qu ím icos que r em ovem vá r i a s cam adas de

t in ta p ara che gar à m ad eira o r igina l qu e e s tá p or b aixo. Mas, 30 a no s de po is , é o

êx tase da em pre i t ada que pa rece m a i s su rp reenden te . G or in m ui t a s vezes

recorre à teorização “rizomática” de Gilles Deleuze, com sua falta de conclusão

m á xim a , s u a s u b s titu iç ã o d e u m “p o r t a n to ” re p r im id o p o r u m “e … e … e … ”eu fór ico. Enq ua nto Carta para Jane parece se de s tila r em um po n to f ina l con c lu -

s ivo – q ue qu a lqu e r a t iv idad e p a ra os o c ide n ta is qu e pe nsavam sobre o Vie tnã

e m 1 9 7 2 que não fos se o uv ir os v ie tnam ita s e en ten de r o t ipo de paz q ue eles 

quer i am e ra nada m a i s que um d i s fa rce , o f i lm e acaba sendo qua lque r co i sa

m enos um a apresen tação com um desenro la r l óg ico . E m vez de cava r cada vez

m ai s fundo , f i cam apenas acum ulando insights (o o lha r no ros to d e Jane Fon da

e c o a n d o o o lh a r co m p a s s ivo u s a d o p o r s e u p a i e m As vinhas da ira ) , reso lvend o

qu eb ra-cabe ças (po r que a a t r iz “em foco” é ide ologicam en te ind is tin ta , enq ua ntoo vietna m ita “fora d e foco” é, com o a d ireita am ericana , ide ologicam en te d efinido) ,

e desatando nós capi ta l i s tas (uma fotograf ia pode esconder mais do que

reve la r , de pe nd end o de com o é pu b licada e po s ic ion ada) . “Você n ão va i en ten der

M arx se nã o p e rceb e r qu e e s te ca ra desc revend o a m áqu ina cap ita lis ta e s t ava nu m

es tado con t ínu o de m as tu rbação m en ta l”, d is se G o r in na en t rev is ta d a Jump Cut .

“Ele ad orava co loca r tod os o s e lem en tos jun tos , e é m uito im po r tan te am ar o qu e

você es tá fazendo.” Tr inta e dois anos depois do fa to , você não sa i des te f i lme

sen t ind o q ue v iu u m a inq u is ição acadêm ica seca , m as um en ga jam en to e s t á ticoc o m o p r e s e n t e . D e v e s e r d i t o q u e o p r a z e r é q u a s e t o d o s e u , m a s q u e n ó s

g a n h a m o s n o s s o q u in h ã o ta m b é m .

Dois estrangeirosQ u a n d o e s cu t o a t rilh a s o n o r a d e Carta para Jane – e e s s e é u m film e q u e vo c ê

t e m d e e s c u t a r, a c im a d e q u a lq u e r o u t ra c o is a – e s to u c ie n te d e q u e e s t o u

o u v i n d o d o i s p a p é i s s e n d o e n c e n a d o s , i n t e r p r e t a d o s d i a n t e d o m i c r o f o n e

p a r a u m a o c a s i ã o e s p e c i a l : u m f i l m e f e i t o p a r a “ e x p l i c a r ” u m o u t r o f i l m e

(Tudo vai bem ) p a r a p l a t é i a s a m e r i c a n a s . Q u a i s p a p é i s v o c ê s d o i s e s t ã o

i n t e r p r e t a n d o ? D o i s i n t e l e c t u a i s “ m a r x i s t a s ” s e q u e i x a n d o ? D o i s e u r o p e u s

e n x e rg a n d o a v e rd a d e s o b re u m a a m e r ic a n a ? D o is h o m e n s n u m le n g a le n g a

s o b r e u m a m u l h e r ? To d a s a s c o is a s a c im a . P o d e -s e d iz e r ta m b é m : d o is ju í -

z e s n u m p r e v is ív e l t rib u n a l s ta lin i st a ( c o n f o r m e a p o n t o u J a m e s M o n a c o e m

The New Wave ) ; d o i s d e t e t i v e s n u m c o n f r o n t o v e r b a l c o m o c r i m i n o s o a n -

t e s d e c h a m a r a p o líc ia ; d o is e s p i õ e s c o m u n is t a s e n v ia d o s d o q u a r te l -g e n e r a l

     9     0

Page 92: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 92/120

p a r a e x o r t a r s e u s c a m a r a d a s m a i s c o n h e c i d o s , d i r e t o d a s p á g i n a s d o s u b -

v a l o r i z a d o r o m a n c e d e C h e s t e r H i m e , Lonely Crusade . E a i d é i a d e c o m o

u m a p la t é ia a m e r ic a n a d e ve s e r a b o rd a d a , o tip o d e c o n v e rs a “n a l a ta ” a o q u a l

e le s p o s s a m re s p o n d e r , a g o ra p a r e ce u m m e c a n is m o e x tre m a m e n t e a n t iq u a -

d o d o s Es ta d o s U n id o s d a e r a N ixo n . P o r e xe m p lo , o o lh a r d e c o m p a ixã ola n ç a d o p e la a t riz e n q u a n t o e la s u p o s t a m e n t e o u ve o s ca m p o n e s e s vie t n a -

m it a s fo i “t o m a d o e m p r e s t a d o , o p r in c ip a l e o s ju r o s , d o N e w D e a l” . C o m o

s e v o c ê s f o s s e m d o i s v e n d e d o r e s d e s e g u r o s q u e p a r a r a m p a r a t o m a r u m

tra g o n o b o t e c o d a e s q u in a d e p o is d e u m d ia d u ro d e t ra b a lh o e s tu d a n d o

a s t a b e la s a t u á r ia s m a is r e c e n t e s .

Uma mulher é uma mulheré uma mulher“ Po r q u e u m a c a r t a p a r a Ja n e ? ” Eu p e n s a v a e n q u a n t o a s s is t ia a o film e o u t r a ve z .

“ Po r q u e n ã o u m a c a r t a p a r a Yv e s ?” Aí, é c la r o , o film e – o u v o c ê s – m e d e r a m a

r e s p o s t a : p o r q u e Y v e s M o n t a n d n ã o f o i f o t o g r a f a d o q u a n d o f o i a o C h i l e .

P e lo m e n o s n ã o d e f o rm a s im b ó lic a . E vo c ê s a t é a b o r d a m a q u e s t ã o d e p o r

q u e d o i s c a r a s e s t ã o , m a i s u m a v e z , r e p r e e n d e n d o u m a m u l h e r . E m 1 9 7 2 ,t o d o s o s c a m i n h o s le v a va m a o Vie t n ã e a fo r m a s d e p r o m o v e r a ca u s a d o

p o vo v ie t n a m ita . M a is d o q u e q u a lq u e r u m , fo i Fo n d a q u e m d e u m o t ivo s ,

s e u s e n s o d e e s t ra t é g ia e o d e r ra d e ir o im p a c t o d e s e u g e s to f ic a ra m a b e r to s

a o t ip o d e in q u é r it o in s t a u r a d o a q u i p o r vo c ê s . M u it o ju s t o .

M a s a p e r g u n t a f i c a v a m e i n c o m o d a n d o d o m e s m o j e i t o . P o r q u e n ã o s i m p l e s -

m e n t e fa z e r u m a i n te r ro g a ç ã o s o b r e e s t a fo t o g r a fia , se m a a b o r d a g e m d ir e ta ?

O n í ve l d e m in ú c ia n a a n á lis e d a f o t o , t ir a d a p o r G e r a rd G u i lla u m e e p u b l i-

c a d a n o L’Express , p a r e c e s e r to t a lm e n t e im a t e r ia l p a r a u m d i á lo g o g e n u í n o

c o m a m u lh e r q u e a p a r e c e n e la . Tr in t a e d o is a n o s m a is ta r d e , p a r e c e q u e

Ja n e – “ H a n o i Ja n e ” , a s a n t a p a d r o e i ra d o e s q u e r d is m o m ilit a n t e a m e r ic a n o ;

Ja n e , a a n t ig a e s t re l a q u e q u a s e d e s is t iu d o film e d e v o c ê s ; Ja n e , n a “ fu n ç ã o

d e Ja n e ”, a in c o r p o r a ç ã o d o e s q u e r d is m o d e c e le b r id a d e s – f o i o q u e b o t o u

o m o t o r d e v o c ê s p r a f u n c i o n a r . O u t a l v e z o a t o d e dois caras se juntando 

para dar uns apertos numa moça te n h a s id o a p e n a s is s o , m a is u m a e n c e -

n a ç ã o . E u a c h o q u e e n t e n d o : a d i r e i t a a m e r i c a n a é “ n í t i d a ” e a e s q u e r d a

a m e r i c a n a é “ i m p r e c i s a ” , o q u e s i g n i f i c a q u e a d i r e i t a é “ m a s c u l i n a ” e d e c i -

d id a , e n q u a n t o a e s q u e r d a é “ fe m in in a ” e in c o n s ta n t e . U m t o q u e d e m e s t re ,

     9     1

Page 93: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 93/120

e n t ã o , c a p t a r n o r o s t o s e n s í v e l e t e r n o d a “ m u l h e r ” q u e e s t á n o

c o ra çã o d o e s q u e r d is m o to d a e m o ç ã o , e n a d a d e p e n s a m e n t o . D e p o is d e

fe i to s t o d o s o s c á lc u lo s c o n c e it u a is , p a r e c e s e r u m a ó t im a i d é ia .

E n tão , à segunda v i s t a , con t inua sendo do i s ca ras se jun tando pa ra da r uns ape r tos

n u m a m o ça .

Plus ça changeEntão, 32 anos depois , os EUA es tão, mais uma vez , em guerra por mot ivos duvidosos .

Mais um a vez o p aís es tá po lar izado . Mais um a vez , ta lvez com m ais força do qu e

e m 1 9 7 2 , a d i r e i t a a m e r i c a n a e s t á e m a s c e n s ã o . U m d e v o c ê s é

agora r e s iden te nos E s tados U nidos há m ui to t em po . O ou t ro e s t á en tocado naSu íça . Am bo s con t inu am send o g rand es c ine as ta s .

O f i lme “abr idor de la tas” de vocês agora foi f ixado no tempo. Ganhou o s ta tus de

“cur ios idade” – um a obra que é um “produ to de sua e ra” an tes de se r qua lque r

ou tra coisa . P ron to para se r encaixotad o e en fiad o n o fund o d o a rm ár io h is tór ico.

N ós t em os in f in i t a s m ane i ra s de nos i so l a r den t ro do nosso p rópr io p resen te ,

passando t an ta s dem ãos de ve rn iz que nem consegu im os toca r sua ve rdade i r a

super f í c i e . C om o fa lou um a vez o ve lho am igo e co lega de G or in , R aym ond

Du rgnat , o fa to d e a lgo f icar “an t iqu ad o” nã o o torna m ais in teressa nte? Por qu ede vem os r e je it a r o q ue e s tá p reso no tem po ?

Assist ind o a se u film e o utra vez, de po is de tan tos ano s, ago ra qu e o s estuda ntes inq uietos

qu e o ass is tiram em 1972 já es tão gr isa lho s , ago ra qu e McNam ara já foi im orta li-

zado por Errol Morr is , agora que Jane já passou de paci f i s ta mi l i tante

para esposa de pol í t ico l ibera l para melhor a t r iz de Hol lwood para Rainha da

Malhação para esposa de ar is tocra ta bi l ionár io para “superes t re la” dis tante de

a n o s p a s s a d o s , d e p o is q u e o s e n h o r G o r b a ch e v d e r ru b o u a q u e le m u r o , d e p o is

q u e Re a g a n in a u g u r o u o p ro c e s so q u e tra n s fo r m o u e s te p a ís n o q u e p a r e ce s e r

u m a fa n t a sia p e r m a n e n t e d e s i m e s m o , a go r a q u e p r a tic a m e n te t o d o s o s m e r -

cado s im ag iná ve is já e s t ão liv res , eu acho qu e o film e fa la d e fo rm a a inda m a is

p o d e r o s a através d a n a t u r e z a d o s e u p a s s a d o e d e s u a i d a d e d o q u e q u a n d o

e le tinh a acab ad o d e sa i r do lab ora tó r io .

O q u e h á d e t ã o e s p e c ia l n o s e u p e q u e n o a d e n d o a u m film e ? Se r á q u e é o fa to d e e le

ser tão “barato”, tão u m p r o d u to d a fo m e , n u m a é p o c a e m q u e to d a a ê n fa s e e

toda a e ne rgia do c ine m a es t ão sen do d ispen d idas n a c riação de um a sup er fíc ie

apresen táve l? S e rá que é o tom de l i c iosam ente im pen i t en te de do i s t r ibunos

marxis tas assumindo a responsabi l idade de ins t rui r uma pla té ia , sem humildade

     9     2

Page 94: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 94/120

ou autojus t i f icação? Será que é o fa to de vocês terem percebido a urgência

em ana l i sa r im agens e a m ane i ra com o são d i s sem inadas ( l evando a aná l i se

e l egan te d e Bar thes a a ltu ras ex tá t icas ) , t a lvez incon sc ien tem en te p re vend o o m ar

d e i n fo r m a ç ã o vis u a l e m q u e a g o r a n a d a m o s – o u n o s a fu n d a m o s ? Se r á q u e é o

fa to de vocês terem af i rmado a verdade concre ta do mundo pós-colonia l , aquelaq u e p a r e ce m o s e s t a r m a is u m a v e z ig n o r a n d o n o Ira q u e , q u e o s h a b ita n t e s d o

p a í s e m q u e s t ã o é q u e d e v e m s e r a q u e l e s a d e c i d i r s o b r e s e u f u t u r o

co le t ivo? S e rá que é o j e i to que vocês foca l i za ram aque le a r de com pa ixão

pa ten tead o , que no s ano s en t re lá e cá sa iu d os film es e a gora e s t á na t e lev isão

enfe i t ando sem blan tes t ão va r i ados com o os de D iane S aw yer , O prah W inf rey

e M ichae l M oore?

São todas essas coisas. E é sua vivaz avaliação da dignidade l iberal , que vocês caracteri-

zam ass im : “p rodu z um a bo a consc iênc ia pa ra nó s m esm os de m ane ira o rd iná r ia”.O que nós oc iden ta i s , de todas a s co r ren tes po l í t i cas , não pa recem os se r

capazes de pa ra r de f aze r , ou f aze r com que os ou t ros pa rem de f aze r por nós .

E q u e o m u n d o n ã o te m m a is co n d iç õ e s d e a g ü e n ta r.

Vejo vocês daq ui a 32 an os – qu and o es t iver na ho ra de abr ir m ais a lgum as la tas .

     9     3

Kent Jones é edi tor indepe nde nte d a revis ta Film Comment .

Texto pu blicado no Tout va bien DVD Booklet , Criterion Collection, 2005.

Page 95: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 95/120

Page 96: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 96/120

Geralmente, quando se recebem filmes d e um adis t r ibu idora , recebem-se também f ichas técn icascom créd i tos dos envo lv idos nos f i lmes . Opta-sepor segu i- los l i tera lmente ou recorrer a pesqu isas

em livros sobre os filmes. Claro, não se espera muitor igor no caso d e film es m ais an t igos , no e n tan to , aolo n g o d o t em p o , o s c réd i to s acab am se to rn an d oconsensuais e são mater ia l de c i tação e pesqu isa .A n ão se r q u e a lg u m p esq u i sad o r r ev e le u m ano vidad e sob re a lgum a par t ic ipa ção ine spe rada, osc réd i to s acab am p o r se r m an t id o s . N o caso d oG ru p o D z ig a V er to v , fo ram en co n t rad o s d o i s

p ro b lem as , p o i s a p ró p r i a G au m o n t , r e sp o n sáv e lpela distr ibuição e divulgação dos f i lmes, nãopo ssu i essas fichas . O pr im eiro es tá re lacion ado aotem p o d e o s film es se to rn a rem co n sen su a i s, p o i sa b ib l iografia sob re o Grupo é a ind a p ou co es távele s ó a g o r a , h á b e m p o u c o t e m p o , é q u e o s film e sp u d eram se r vis to s em co n ju n to . O seg u n d o t em aver co m a p ró p r ia n a tu reza d o G ru p o , p o is co m o a

prop osta e ra de t rab alho co le t ivo , m uitos do s film esnão são ass inados , sendo c i tados apenas em l iv roscom o p er tence n tes ao Grupo Dziga Ver tov.

Desmembrar a equ ipe, como fo i fe i to com as f ichastécn icas abaixo , pod e p arecer um a con trad ição co mo s p r o p ó s i t o s d o G r u p o . M a s e m p r i m e i r olugar era preciso decidir quais créditos seriampubl icados no mater ia l de d ivu lgação , que nãoo fe rece u m g ran d e esp aço . O s c réd i to s en co n t ra -

d o s em l iv ro s são ex t r em am en te d iv e rg en tes e oú n ico p o n to d e p a r t id a é o n o m e d e Jean -L u cG o d ard . S e fo ssem m an t id o s so b o n o m e co le -t ivo de Grupo Dziga Vertov, apenas, seria precisod izer quem foram os par t ic ipan tes , os quais nãot r a b a l h a r a m h o m o g e n e a m e n t e , à s v e z e s n e mterm inaram o f ilm e do qu al par t ic iparam . Por tan to ,decid iu -se pub l icar o que parecia mais coeren te

e mais recorren te no mater ia l de d ivu lgação , que

           9            5

 S  i   n  o 

  p  s   e  s  

 e  F  

i    c h   a  s  

 t    é    c 

n i    c  a  s  

Page 97: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 97/120

exig ia r e su m o . Co n tan d o co m es t e e sp aço m ais g en e ro so , o p to u - se p o r p u b lica ra p esq u isa fe i ta so bre os créd i tos e s ino pse s , a f im de de to rnar m ais c lara a h is-tó r ia do p rópr io Grupo , lembrando que os f i lmes fo ram fei tos num per íodo deq u a t ro a n o s – d e Um filme como os outros a Carta para Jane – e m u it as vezes

a o m e s m o t e m p o .As referências p r incipais para os créd i tos são apon tadas pelas in ic ia is dos nomes de

au to res d e l i v ro s q u e se d eb ru ça ram so b re a f i lm o g ra f i a d e G o d ard e t am b émsob re essa fase de seu s film es . Ape sar de Col in Ma cCabe h aver pub licado u m im -po r tan te l iv ro n o in ício d os an os 1980 sob re essa fase de God ard – Godard: Ima- 

ges, Sounds, Politics –, a f i lmografia publicada com detalhes técnicos é incipiente.Mas a f i lmografia publicada em seu l ivro mais recente – Godard: a Portrait of an 

Artist at Seventy – é b em m ais co n s is ten te e d e ta lh ad a e , a lém d is so , MacCab e é

um referen cia l sobre e sse p er íod o da film ografia d e God ard . Este livro d e 2003 fo ien tão usa do com o referência . Outras referências fo ram o gu ia d e Ju lia Lesa ge, queoferece de ta lhe s de créd itos e s ino pse s ; o catá logo d o Mo MA, qu e p rodu ziu u m amostra especia l sobre os f i lmes de Jean-Luc Godard nos anos 1990 ; e o l iv ro deD ixo n , u m p o u co m ais recen te , q u e ap resen ta d e ta lh e s n ão co m en tad o s n em p o rMacCabe, nem por Lesage. Algumas referências h is tó r icas fo ram buscadas emedições da revista Cahiers du Cinéma , no livro Film and Revolution , d e J a m e sMacBea n , no catá logo do DVD de Tudo vai bem e Carta para Jane , lan çado pe la

Criter ion Collect ion e n o In terne t Movie Da tabase (IMDb ).

Julia Le sag e , Jean-Luc Godard: A Guide to References and Resources = JLColin MacCab e, Godard: Portrait of an Artist at Seventy = CMCatálogo da most ra dos f i lmes de Jean-Luc Godard p roduzido pelo The Museum of

Mo de rn Art , Jean-Luc Godard: Son + Image = M o M AWh ee ler D ixon , The Films of Jean-Luc Godard = W DDVD de Tout va bien (Tudo vai bem) co n ten d o Letter to Jane (Carta para Jane) = DVDIn te rn e t Mo vie D a tab ase = IMD b

           9           6

Page 98: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 98/120

Um film e com o os o u trosUn film com m e les au tres

França , 196 8, 100 m in, 16 m m , P&B / Cor

Ciné-tracts film ad o s em P aris d u ran te m a io d e 1 9 6 8 p o rJean-Luc Godard . O grupo de jovens se encon tran u m g ram ad o e m Flin s em ju lh o e ag o s to d e 19 6 8

DireçãoGrupo Dziga Vertov (JL)Jean-Luc Godard e Grupo Dziga Vertov (MoMA)

Jea n-Luc Go dard co m o g rup o ARC e Jacqu esKéb ad ian (CM)Grupo Dziga Ver tov – God ard e Gor in ( WD)Jean-Luc Godard, Jean-Pierre Gorin , Grupo DzigaVertov (IMDb)

Roteiro

Jea n-Luc Go dard (CM)Jea n-Luc G od ard e Jean -P ier re G or in (WD)

Jean-Luc Godard e Grupo Dziga Vertov (MoMA)Jean-Luc Godard, Jean-Pierre Gorin , Grupo DzigaVertov (IMDb)

Fotografia

William Lubtchansky (CM)Jean-Luc Godard e Grupo Dziga Vertov (MoMA)Jea n-Luc Go dard ( IMDb )

MontagemChristine Aya ( CM)

Jean-Luc Godard e Grupo Dziga Vertov (MoMA,IMDb)

Elenco

Três es tudan tes de Nanter re , do is t rabalhadores daRen au l t e voz de God ard n a t r ilha sono ra (CM, WD)

           9           7

   G  r  u  p  o   D  z   i  g

  a   V  e  r   t  o  v

Page 99: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 99/120

Durante o ano de 1968, G o d ard p ro d u z iu u m a sé r i e d e ciné-tracts , p e q u e n o sd o cu m en tá rio s em p re to -b ran co d e t rê s m in u to s , em 16 m m , ed i tad o s n a p ró p r iacâmera . Além de Godard , c ineas tas como Alain Resnais e Chr is Marker tambémp ro d u z i r am ciné-tracts com a in tenção de t rabalho co le t ivo e sem a ass inatu ra do

diretor. Tratava-se de f i lmar assembléias, passeatas e discussões com propósitospo lít icos . Duran te o m ês d e m aio , espe cificam en te , God ard film ou es tuda n tes e mNan terre e t rab alhad ores d iscu t ind o a s i tua ção p o lít ica da ép oca.

Um filme como os outros faz uso d esse m ater ia l. O film e co lo r ido m ost ra u m a e xtensad i scu ssão p o l í t i ca d e u m g ru p o d e jo v en s sen tad o s em u m g ram ad o em lo ca lind is t in to . A câmera most ra o g rupo de cos tas , sem d is t ingu ir ros tos por umlongo tempo. Aos poucos o f i lme é en t recor tado pelos ciné-tracts – q u e G o d a rdmais tarde chamou de “f i lm-t racts” – most rando carros sendo queimados , g rupos

de manifes tan tes , po l ic ia is p rendendo pessoas em manifes tações , Dan iel Cohn-B e n d i t f a l a n d o e m a s s e m b l é i a d e e s t u d a n t e s , e s t u d a n t e s m i m e o g r a f a n d opanf le tos , a lém de t rabalhadores em greve.

A tr i lha sonora trabalha com fusões de sons locais, d iálogos e slogans em f ran cês eing lês e vai , se não in ic iar , pelo menos fo r ta lecer uma f reqüen te in tervençãod ialé t ica en t re imagem e som nos f i lmes poster io res do Grupo Dziga Ver tov .Aos poucos , o espectador iden t i f ica os personagens , mas o faz pela voz. E lesd iscu tem o papel do par t ido comunis ta , das o rgan izações de t rabalhadores e

t am b ém a so c ied ad e d o esp e tácu lo . N o en tan to , n ão co n co rd am em to d o s o sassun tos e nenhum ponto de v is ta é p r iv i leg iado . São duas fa las : a da d iscussãod o g ru p o e a o u t r a co m v o z over , e são duas imagens: uma co lo r ida , pas to ra l ,quieta, versus uma em preto -e-b ranco , em conf l i to e ag i tada.

Col in MacCabe não cred i ta Um filme como os outros ao Grupo Dziga Ver tov , mas aGod ard e o Grup o ARC (Atelier de recherche c iné m atograph ique ) , em seu ú lt im olivro Godard: Portrait of an Artist at Seventy . Mas em seu l ivro anterior, Godard: Images, Sounds, Politics , de 198 0, ele cred ita o f ilm e a o Gru po Dziga Vertov e a os“Eta ts G én érau x d u C in é m a” . O film e n ão fo i p ro d u z id o n em co m co m p o n en tes

d o G r u p o , n e m e x a t a m e n t e c o m a s p r o p o s t a s d o G r u p o D z i g a V e r t o v .N a r ea l id ad e , p o d e se r co n s id e rad o u m p recu r so r d o G ru p o , n a m ed id a em q u ese p ropôs a t rabalhar em con jun to sem au to r ia ún ica e com propósi tos exp l ic i ta-mente polí t ico-revolucionários.

Esse f ilm e-docu m en tário f icou fam oso po r Goda rd de ixar um recado para o projecion ista“t i rar a so r te na moeda” para def in i r qual dos ro los dever ia ser most radopr im eiro , dep o is de um a e xib ição n o Linco ln Cen ter em Nova York, em de zem brod e 19 6 8 , d a q u a l re s t a ram ap e n as cem p esso as d e u m a au d iên c ia in ic ia l d e m il.

           9           8

Page 100: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 100/120

Sons britânicosBritish Sou nd s (ou See you a t Mao)

França, 1969, 52 min, 16 mm, Cor

Film ado na Ing la ter ra em feverei ro o u m arço de 1969 . Prod uzido pe la Lon do n Wee ken dTelevision

Direção

Grup o Dziga Verto v (CM)Jean -Luc Go dard (WD)Jean-Luc Godard e Jean-Henri Roger (MoMA, IMDb)

Jean-Luc Godard com Jean-Henri Roger, em nome do Grupo Dziga Vertov (JL)Roteiro

Jea n-Luc Go da rd e Jea n-Hen ri Roge r (MoM A, CM, IMD b)Jea n-Luc G od ard (WD , JL)

Pesquisa

Mo Teitelbau m (JL)Fotografia

Charles Stewart (JL)

Som Fred Sharp (JL)Mixagem de Som

Anto ine Bon fan ti (CM)Montagem

Chris t ine Aya (CM) (MacCabe af i rma que Kozmian só tem s ido c i tada porqueGod ard p recisava da r créd itos à eq u ipe b r itân ica . Godard , p. 413, nº 36)

Elizab e th Kozm ian (Mo MA, WD, JL)Elenco

Es tu d an tes d e O xfo rd , e s tu d a n tes d e Essex, g ru p o d e t rab a lh ad o res m ilit an tesd a r e g iã o d e D a g e n h a m e t r a b a lh a d o r e s d a G M ; vo z d e G o d a r d n a t r ilh as o n o r a

           9           9

Page 101: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 101/120

British Sounds foi reivindicado como real ização do Grupo Dziga Ver tov apenasem retrospecto, daí ser considerado o primeiro f i lme da série. Feito na Inglaterra,o f ilm e con sis te de se is lon gas seq üê ncias : a p rod ução em sér ie n um a fáb r ica deca rro s ; u m a m u lh e r n u a e m su a casa ; o d iscu r so d e u m jo v em n a t e lev isão , en -

t recor tado por cenas s i lenciosas e co lo r idas de t rabalhadores ; t rabalhadores emum apa r tam en to d iscu t ind o sua s cond içõe s de t rabalho ; es tud an tes u n ivers itáriosfazen d o p ô s te res e can çõ es r ev o lu c io n ár ia s ; e , p o r f im , u m a m ão en san g ü en tad adesl izando como uma serpen te na d i reção da bandei ra vermelha. A t r i lha sonoramescla os sons repet i t ivos da fábr ica de montagem e tex tos em voz over p ararefle t ir sob re a a lien ação d os t rab alhad ores d en t ro d o p rocesso de reprod ução .

A pr incíp io , a ba nd ei ra sen do rasgad a de de n t ro , os s igno s da revo lução ( com o m ão e mp u n h o san g ran d o em d ir eção à b an d e ir a ve rm elh a ) , e o s e s tu d an tes fazen d o can -

ções revo lucionár ias parecem por demais panf le tár ios aos o lhos a tuais . Ao mes-m o t e m p o , p o d e - s e p e r c e b e r o d i s t a n c i a m e n t o d o o l h a r d a c â m e r a q u e e s t ád e n t ro e fo r a a o m e s m o t e m p o , a lg o q u e c a d a film e d o G r u p o D z ig aVer tov i rá persegu ir , crescendo em in tens idade. A seqüência em que um locu to rna te lev isão apa rece com o a voz da “d ire ita” é um a p aród ia d iver tida do jo rnal is -mo te lev is ivo . Com a ass inatu ra de Godard , a câmera joga com os nossos o lhosn a se q ü ê n c ia q u e m o s t ra u m g ru p o d e tr ab a lh ad o res tro tskis ta s ao r ed o r d e u m am esa fa lan do sob re as con d içõe s de t raba lho . Ao n ão revelar as faces d os in ter lo -

cu to res e só m ost rá- las no final , de po is de suger ir e n os f rus t rar com o m om en tod a r ev e lação , n o s d am o s co n ta d e t e rm o s s id o m an ip u lad o s p e la e sco lh a d a im a-gem e d o d iscurso c ine m atográfico .

A s cen as se p ro p õ em a r e f l e t i r so b re v á r i a s o u t r as q u es tõ es , co m o a m an u ten ção d op ro cesso h i e rá rq u ico m ascu l in o p e la r ep ro d u ção d o f em in in o co m o im ag emsed u to ra o u o s m e io s q u e r ep ro d u zem a im ag em , co m o o c in em a e a t e l ev i são ,m as p r in c ip a lm en te aq u ilo q u e n ão se o u v e q u an d o se é sed u z id o p e la im ag em .

Esse f i lme fo i p roduzido a ped ido da London Weekend Telev is ion , em 1968 , mas nãofoi exibido integralmente na televisão. Algumas de suas partes foram exibidas e

a n a l i s a d a s n e g a t i v a m e n t e e m u m p r o g r a m a c h a m a d o Aquarius , da p rópr iaLondon Weekend , no in íc io dos anos 1970 . Conta-se que Godard ter ia , e lem esm o , se co r tad o p a ra faze r o b raço co m m ão e m p u n h o san g ran d o d es lizan d on a n ev e (MacC ab e , Godard , p . 220).

           1           0

           0

Page 102: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 102/120

PravdaPravda

França, 1969, 58 min, 16 mm, Cor

F i l m a d o c l a n d e s t i n a m e n t e n a a n t i g a T c h e c o s l o v á q u i a e m j u n h o ( m a r ç o ,s e g u n d o L e s a g e ) d e 1 9 6 9 . E d i t a d o m e s e s d e p o i s c o m a l g u m a s i m a g e n sd a t e l e v i s ã o t c h e c a

DireçãoGrup o D ziga Verto v (CM)Grupo Dziga Vertov (Jean-Luc Godard, Jean-Henri Roger, Paul Burron) –

(WD , MoMA, IMDb )G ru p o D z ig a V er to v ( Jean -L u c G o d ard , Jean -H en r i R o g er , P au l B u r ro n ,Jean-Pierre Gorin) – (JL)

RoteiroJea n-Luc G od ard (JL)Grupo Dziga Vertov (Jean-Luc Godard, Jean-Henri Roger, Paul Burron) –

(WD , MoMA, IMDb )Fotografia

Paul Burron (CM)Grupo Dziga Vertov (Jean-luc Godard, Jean-Henri Roger, Paul Burron) –(WD, MoMA)

Montagem

Christine Aya (CM. Ape sar de no ta de roda pé qu e n ão e xplica a o rigem do créd ito)Jea n-Luc G od ard (JL)Grupo Dziga Vertov (Jean-Luc Godard, Jean-Henri Roger, Paul Burron) –

(WD , MoMA, IMDb )Produção

Claude Nedjar (JL, WD, CM, MoMA, IMDb)Elenco

Jean-Pierre Gorin (Vladimir Lenin) em voz over e v o z d e m u lh er co m o R o saLuxem bu rgo. Voz over em ing lês . MacCabe afirm a qu e Lesa ge (segu ida p orDixon ) a t ribu i er rone am en te a voz de Len in a Go dard

           1           0

           1

Page 103: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 103/120

Filmado clandestinamente na an t iga Tchecoslováqu ia em março de 1969 , logoapós as ag i tações da Pr imavera de Praga e da invasão russa . Vár ias imagens doco t id iano da Tchecoslováqu ia são acompanhadas pelas vozes over de Vladimir eRosa, qu e a nal isam os p arado xos d a s ituação p o l ít ica do pa ís e o s no vos se n t ido s

d o ve rm elh o ( co m u n i sm o ) t ch eco . Verm elh o q u e se rvir á ao film e n ão a p en as p o rs u a a m b ig ü id a d e c o m o s a n g u e , m a s ta m b é m c o m o re fle xã o s o b r e o d e s b o t a -mento das imagens do mundo . Neste sen t ido , os comentár ios in ic ia is a respei todo rev is ion ism o d o so cia lism o tcheco são sa rcás t icos . A im agem de um a rosa ver-melha aparece em d iversas c i rcunstâncias como metáfora mais d i re ta à del icade-za da s p rop ostas revo lucion ár ias . Ao f inal , as vozes pe rgun tam com o se de ve che-g a r a u m a t eo r ia ad e q u a d a seg u in d o as id é ias d e Mao e e la s m esm as resp o n d e m ,afirm and o q ue a teo r ia d e ve vir jun to com a p rática socia l, com a lu ta d e c lasses

e pe la p rodu ção , a lém da e xpe r im en tação c ien t ífica .O f i lm e r ep en sa o f aze r d o cu m en ta l q u e d i f i c i lm en te p e rceb e so m e im ag em co m omater ia is d is t in tos , e repensa também as re lações en t re concei to e imagem.Pravda faz uma crí t ica radical à prática documental , revisi tando os propósitos deDziga Vertov, daí ser considerado o “mais vertoviano” dos f i lmes do grupo.O f i lme fo i fe i to com mater ia l Agfa , cu jo logo t ipo é most rado jun tamente comtodo o imaginário do capital ismo ocidental . Outra referência metalingüíst ica é aimagem do c inegraf is ta com uma câmera vermelha f i lmando o p rópr io f i lme.

O f i lme fo i encomendado pela West German Telev is ion . Em seu quar to de ho te l , Pau lBurron f ilm ou e fo tografou im agen s d i re tam en te da te le visão tche ca. Jea n-Henr iR o g er n ão aco m p an h o u a m o n tag em d o f i lm e a t é o f im . N esse p e r ío d o ,Jean-Pierre Gorin inicia com Godard uma parceria que influenciará o f i lmepoli t icamente e irá se efetivar em Vento do Leste . Os d iá logos do f i lme fo rampubl icados na Cahiers du Cinéma , n .240 , ju lho /agosto de 1972 cred i tados aGodard e Roger .

           1           0

           2

Page 104: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 104/120

Ve nto do Le steVent d’Est

França, Itália, Alemanha, 1969-1970, 100 min, 16 mm, Cor

Film ado em locaçõe s na Itá lia e em es túd ios d a Elios S tud ios , ond e hav ia u m a cidad e-faroe s te com o cen ár io , en t re 16 de jun ho e 16 de ju lho de 196 9

Direção

Gru po Dziga Ve rtov (JL, CM)Grup o Dziga Verto v (Je an -Luc Go da rd, Jea n-Pierre G orin , Gé rard Ma rtin) – (W D,

MoMA, IMDB)

RoteiroJean-Luc Godard, Daniel Cohn-Bendit, Jean-Pierre Gorin, Gianni Barcelloni, Sergio

Bazzini (JL)Jean-Luc Godard, Daniel Cohn-Bendit, Sergio Bazzini (WD, CM, MoMA, IMDB)

Fotografia

Mario Vulpiani (JL, MoMA, IMDB)Mario Vulpiani, Mario Bagnato, Paul Bourron (CM)

Som

An ton io Ve n tura, Ca rlo Diotalevi (CM, JL, WD, M o MA)MontagemChristin e Aya (CM )Jean-Pierre Gorin, Enzo Micarelli (JL)Jea n-Luc G od ard e Jea n-Pierre G orin (WD , MoMA, IMD B)

Elenco

Gian Maria Volon té (h om em da cavalar ia) , Ann e Wiazem sky (m ulhe r de casa co) ,Mar ie Ded ieu , Glauber Rocha (como ele mesmo) , José Varela , George Götz ,Fab io Garr iba , Jean-Luc Godard e a equ ipe de f i lmagem (como eles mesmos) ,

Alle n M idge tte ( índ io) , Marco Ferreri, Pao lo Po zzesi (rep rese ntan te d o sind icato),Van e ssa Red g rave (m u lh e r co m a câm era d e c in e m a) , D an ie l Co h n -Ben d it ( co m oele mesmo) , F ranco Buccer i , Marco Verg ine (c i tados dessa fo rma por Lesagee MacC ab e)

           1           0

           3

Page 105: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 105/120

Faroeste revolucionário q u e u sa s im b o l icam en te o s p e r so n a g en s fan tas iad o s p a rarepresen tar tea t ra lmente as h ierarqu ias socia is . O argumento fo i suger ido porD an ie l C o h n -B en d i t , q u e p ro p u n h a d o cu m en ta r u m a g rev e d e m in e i ro s co m op o n to d e p a r t id a p a ra Vento do Leste . O f i lm e ap resen ta u m g ru p o d e jo v en s

de itados e m local erm o e a voz over d iscu t ind o p o l ít ica , m as tam bé m vozes fem i-n inas con tando h is tó r ias do pon to de v is ta femin ino . En trecor tando imagens depe rsonage ns tea t ra is , fo tos d e Len in e S ta lin , car tazes com frases q ue se referema concei tos a serem d iscu t idos , imagens de uma fábr ica . No que se refere a lu taarmada, são dadas ins t ruções sobre como fazer bombas e exp lod ir o in imigo .

O film e , an tes d e tu d o , tr a ta d e q u e s tõ es so b re a id e o lo g ia d as co m p o s içõ es d o c in e m aq u e são an tec ip ad am en te co n s id e rad as “n a tu ra is”, co m o a ju n ção d a im ag em ed o s o m , p o r m e io d e u m g ru p o d e p e s s o a s q u e s u p o s ta m e n t e fa rã o u m film e .

A id é ia p a r te d aq u ilo q u e G o d a rd ch am a d e “co n ce ito b u rg u ês d e r ep resen tação ”,qu e n as ar tes v isuais pode ser re lacion ado à p erspe ctiva cen t ra l, m as cu jo tom daiden t i f icação en t re f i lme e espectador ser ia dado , no c inema, pelo som. GlauberRocha p ar t ic ipa d e u m a seq üê ncia pe qu en a, m as crucia l. Ele se e ncon tra em um aen cru zilh ad a , p a rad o e m p é , co m o s b raço s ab e r to s , can tan d o , q u an d o é ab o rd a-d o p o r u m a m u lh er g ráv id a q u e p e rg u n ta : “D escu lp e -m e p o r in t e r ro m p er su alu ta d e c l a s ses , m as v o cê p o d er i a m e m o s t r a r o cam in h o q u e l ev a ao c in em ap o l ítico ?”. E en tão G lau b er m o s t ra o cam in h o d o “cin e m a p e r ig o so , d ivin o e

m aravilho so”, o c ine m a d o Terceiro Mun do .Gianni Barcelloni, da produtora de cinema Cineriz, teria investido 1 milhão de dólaresn o film e , p ag o s an tec ip ad am en te . Co n ta -se t am b é m q u e o f ilm e cau so u tu m u ltoao se r ex ib id o em C an n es em 1 9 7 0 , co m p ro jeção p ro m o v id a à r ev e l i a d e G o -dard . Os d iá logos do f i lme fo ram pub l icados na Cahiers du Cinéma , n . 240, de ju lh o / ago sto d e 197 2 , cr e d ita d o s a G o d a rd e d e G o rin . Esse film e é o p rim e iro aoficial izar a responsabil idade do Grupo Dziga Vertov na direção e produção,inclusive mostrando um livro com foto do cineasta russo. Embora oficial ize ogrupo , res t r inge-o à dup la Godard-Gorin , que t rabalhará cada vez com mais

proximidade. Allen Midgette, que faz o papel de índio, trabalhou em váriosf i lmes de Andy Warho l e f icou conhecido ao se fazer passar pelo p rópr ioWarh o l . F o i f e i t a u m a có p ia em 3 5 m m d a có p ia d e 1 6 m m , q u e , seg u n d oMacBean , no ar t igo p ub licado ne s te catá logo , reprodu z com m ais in tens idade osverdes do in ter io r da Itá lia e os verm elhos da s ru ínas . O DVD de Vento do Leste 

fo i rece n tem en te lançad o p ela d is t ribu ido ra Nipp on Colum bia no Japão .

           1           0

           4

Page 106: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 106/120

Lutas na ItáliaLotte in Italia

Fran ça, Itália, 1970, 76 m in, Co r, 16 m m

Prat icamente f i lmado no apar tamento de Godard e Wiazemsky na Rue Sain t -Jacques ,em Par is , em dezembro de 1969 . Algumas poucas par tes em fábr ica na I tá l ia ,segundo Lesage, e em Roma e Milão , segundo MacCabe. Há uma versão i ta l ianac o m 5 5 m in u t o s

Direção

Grupo Dziga Vertov (Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin) – (JL, WD, MOMA,

IMDB)Grup o Dziga Verto v (CM)Roteiro

Grup o Dziga Verto v (CM)Grup o D ziga Verto v (Jea n-Luc Go da rd e Jea n-Pierre G orin) – (W D, MO MA, IMD B)“Provavelmente Jean-Pierre Gorin , primeiramente” (JL)

MontagemJea n-Pierre Go rin e Jea n-Luc G od ard (JL)

Christin e Aya (CM )Grup o D ziga Verto v – Jea n-Luc Go da rd, Jea n-Pierre G orin ( IMD b)Fotografia

Armand Marco (CM)Mixagem de som

Anto ine Bon fan ti (CM)Elenco

Comentários falados por Christina Tullio Altan (Paola Taviani), Anne Wiazemsky(balcon is ta) , Jérôme Hinst in (homem jovem), Pao lo Pozzes i (narrador , i ta l iano)

(Jl, CM)Produtor

Gianni Barcelloni (CM)

           1           0

           4

Page 107: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 107/120

No lugar de apresentar imagens de t rabalhadores ou es tudan tes mi l i tan tes , of i lme apresen ta uma personagem, a jovem Pao la , es tudan te un ivers i tár ia quet rabalha para a Lo t ta Cont inua, uma organ ização comunis ta da esquerda dopa r tido com un is ta ita liano . Ela é ap resen tada po r voz over a o m e s m o t e m p o e m

que fa la . Es tas vozes con t inuam ao longo do f i lme em francês , mas uma vozmascu l ina apresen ta e comenta seções como “un ivers idade”, “mi l i tan t ismo”,“ ide n t ida de ”, en qu an to Pao la repre sen ta em ita lian o . Divid ido e m qu at ro se ções ,o f i lme repete e reaval ia cenas an ter io res para most rar d i feren tes faces ideo ló -g icas do d iscurso mi l i tan te . Antes de tudo , t ra ta-se de apresen tar o p rocesso deconscien t ização de uma jovem que se vê como an t icap i ta l i s ta , mas começaao s p o u co s a p e rceb er su as co n t rad içõ es n u m m u n d o b u rg u ês . A ss im , o f i lm etrab alha com a p ropo sta d ia lé t ica en t re conce ito e p rá t ica .

O roteiro foi baseado no conceito de “ideologia” de Louis Althusser a part ir do l ivroLenin et la Philosophie (P a r is , Masp ero , 19 6 9 ) e seu s d i á lo g o s fo ram p u b licad o sn a re vista Cahiers du Cinéma, n º 2 3 8 -2 3 9 , d e m a io / ju n h o d e 1 9 7 2 . Lutas

na Itália tem s ido considerado o mais coeren te , po l í t ica e teo r icamente , dost rab alho s do Grupo Dziga Ver tov. Segu nd o Gor in , c itado po r MacCabe em ar t igopublicado neste l ivro, Althusser teria se emocionado ao ver o f i lme ainda na salad e m o n t a g e m . Q u a n d o G o d a r d e G o r i n e s t i v e r a m n o s E s t a d o s U n i d o sd an d o en t rev is ta s , G o d a rd a firm o u n ão t e r d in h e iro p a ra a leg en d ag em em in g lês ,

m as q u e r ia p ro v id e n c ia r u m a có p ia em Su p e r -8 co m u m a v e rsão d u b lad a n es t eid ioma. Disse também que se não fosse tão caro ter ia fe i to o f i lme em v ídeo 1 .N a m esm a é p o ca , Cacá D ieg u e s , em en t rev is ta p a ra a Cahiers du Cinéma ( n º 2 2 5d e n o v e m b r o / d e z e m b r o d e 19 70 ) , d is se q u e Lutas na Itália talvez fosse “o m aisdialético dos filmes políticos” já feitos na Europa.

           1           0

           6

[ 1 ] Michae l GOO DWIN, T. LUDD Y e N . WISE. The Dziga Verto v Film Gro up in Am erica. Take One: The Film Maga- 

zine , m a r ç o d e 19 7 0 .

Page 108: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 108/120

Vladimir e Ros aVladimir et Rosa

França, 1971, 103 min, 16 mm, Cor

Film ado no ou tono d e 1970 , em Par is

Direção

Grupo Dziga Vertov (Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin) – (JL, WD, MoMA,IMDb)

Grup o Dziga Verto v (CM)Roteiro

Grup o D ziga Verto v (Jea n-Luc Go da rd e Jea n-Pierre G orin) – (Mo MA, IMDb )Montagem

Christ ine Aya e Chantal Colomer (CM)Fotografia

Arm and Marco e Gé rard Mart in (CM)Grupo Dziga Vertov (Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin) – (MoMA)

Mixagem de somAnto ine Bon fan ti (CM)

ElencoJe an -Luc Go da rd (Vlad im ir Le nin), Je an -Pierre Go rin ( Karl Ros a e de po is Ros a d eLuxemburgo) , Anne Wiazemsky (Ann , mi l i tan te da l iber tação femin is ta) ,Juliet Berto (Juliet , mulher do tempo e hippie), Ernest Menzer (Juiz JuliusHoffman, segundo Dixon. Ator ci tado por MacCabe), Yves Afonso (Yves, estu-dan te revo lucionár io de Berkeley) , Larry Mart in (c i tado apenas por MacCabe) ,Claude Nejar (Dave Del l inger , segundo Dixon) , voz over e m f r a n c ê s d e J e a n -P ie r r e G o r in e Jean -L u c G o d ard ( e l en co b asead o em L esag e . D ix o n ap resen taG o d ard co m o “R o sa” )

ProdutorClaud e Ned jar (CM)

           1           0

           7

Page 109: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 109/120

Este filme foi an te r io rm en te in t it u lad o Sexo e revolução . Go da rd faz o p ap el de Vla-d im i r Len in e G o r in , d e Ro sa Lu xem b u rg o . O film e p e rg u n ta co m o o s film es d e -ver iam ser fe i tos , inclus ive o p rópr io f i lme que o espectador vê , e anuncia quees te f i lme fo i fe i to para f inanciar ou t ro que es tá sendo rodado na Pales t ina ,

Jusqu’àla victoire . P a ra r e f l e t i r so b re q u es tõ es p o l í t i cas , co m o a n o ção d e“ ru p tu ra” d e A l th u sse r , G o d ard e G o r in co n v er sam co m m ic ro fo n e , fo n e d eo u v id o e g ra va d o r , a m b o s g a g u e j a n d o , e m u m a q u a d r a d e tê n is c o m a p a r t id aem jo g o . Esse “g ag u e ja r” p e rm ite u m a sé r ie d e p iad a s p e la r ep e t ição d e s ílab a so u p a lavras d it a s co m d i fe ren tes so n s . O g ru p o r ep rese n ta , d e fo rm a e s tilizad a ,o ju lgam en to d e m ilit an tes r ad ica is acu sa d o s d e in c it a r a r ev o lt a n a C o n v en çãoN ac io n a l d e 1 9 6 8 , co n h ec id o s co m o o s “C h icag o 8 ” , i n s in u an d o q u e o ju lga m e n to te ria s id o a rm a d o p e la p ró p ria p o lícia . O film e a p re se n ta a se n te n ça

d o ju lg am en to a t r av és d e m o n i to res d e t e l ev i são , co m p er so n ag en s v es t in d oc a m is e t a d a r e d e C BS. Q u e m ta m b é m e s t á e m ju lg a m e n to é o p r ó p r io e le n c oc u jo s n o m e s d e s e u s in t e g ra n t e s s ã o m a n t id o s , d e fo r m a q u e a t e a t ra lid a d e d of i lm e r e f l e t e a t ea t r a l id ad e d o ju lg am en to . A o b ra q u es t io n a o co n ce i to d e ju s tiç a e n tr e a te o ria e a p rá tic a , m a s co m u m a b o a d o se d e h u m o r e iro n ia .

É in t e res san te v e r G o d ard e G o r in co m o p er so n ag en s d e seu s f i lm es , p r in c ip a lm en ten e s s e , q u e p a r e c e u m a g r a n d e b r i n c a d e i r a , s e m c o m p r o m i s s o c o m o a t o d ef i lm ar . G o r in , v es t id o co m u m a cap a v e rm elh a e p re t a , r e t i r a u m p ro je to r

de de n t ro da rou pa. God ard , fan tas iad o d e p o lic ia l, re t ira um bastão d e d en t ro d esu as ca l ças . Mai s t a rd e , v es t id o s co m ro u p as co lo r id as – n esse m o m en toG o d a r d v e s t e c a m i s e t a c o m o n o m e “ R o s a ” – c o m e ç a m a b r i n c a r n o m e i o d eu m a rep resen tação d e u m a co le t iva d e im p ren sa , co m u m a b o la e u m a vasso u ra ,in t e r f e r in d o co m o d o i s cô m ico s n a su p o s ta se r i ed ad e d o m o m en to . A in sp i r a -ç ã o p o d e t e r vin d o ta n t o d a commedia dell’arte it a lian a co m o d a comédie fran- çaise o u d o s irm ão s Marx.

G o d a r d e G o r in s e c o m p r o m e t e r a m c o m a G r o ve P r e s s n a p r o d u ç ã o d e v á rio s film e s ,m as ap en as e s se , co -p ro d u z id o p e la t e l ev isão a lem ã Te le -P o o l , fo i te rm in ad o .

           1           0

           8

Page 110: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 110/120

Aqui e acoláIci et ailleurs

França, 1976 (1974 , segu nd o catá logo do MoMA), 50 m in , 16 m m e v íde o , Cor

Fi lmado na Pales t ina em 1969 e 1970 , e em Par is nos anos 1970 ; montado mais tardepor Godard e Miévil le. O fi lme incorporou material do fi lme inacabado Jusqu’a la 

victoire (ou Méthode de pensée et travail de la revolution palestinienne ) , qu e fo id i r ig ido por Godard e Gor in como Grupo Dziga Ver tov e fo tografado porArm a n d Marco ( seg u n d o MacC ab e)

Direção

Jea n-Luc Go da rd e Ann e-Marie Miéville (CM, Mo MA)Jea n-Luc G od ard, Ann e-Marie Miéville e Jea n-Pierre Go rin (WD )Jea n-Luc Go da rd, Je an -Pierre Go rin, Gru po Dziga Ve rtov, Ann e -Marie Mié ville (IMDb )

MontagemAnne-Marie Miéville (CM, WD, IMDb)

Roteiro

Jean -Luc G od ard , Ann e-Marie Miév ille e Jean -P ier re G or in (WD)Jea n-Luc Go da rd e Ann e-Marie Miéville (Mo MA)

Jea n-Luc Go da rd, Jea n-Pierre Go rin, Gru po Dziga Verto v, Ann e -Marie Miéville (IMDb)FotografiaArm an d Marco, William Lub tchan sky (CM)William Lubtchansky (WD, MoMA, IMDb)

VídeoGérard Teissèdre (CM)

Elenco

Comentários de Jean-Luc Godard e Anne-Marie Miévil le (CM)Produtores

Jean-Pierre Rassam, Anne-Marie Miéville, Jean-Luc Godard (JL, CM, IMDb)Música original

Jean Schwa rz ( IMDb )

           1           0

           9

Page 111: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 111/120

Em 1970, Godard e Gorin aceitam a proposta do grupo mi l i tan te pales t inoAl-Fatah para fazer um fi lme sobre a si tuação polí t ica do Líbano e da Jordânia.E les v ão ao O r ien te Méd io e f i lm am im ag en s co m o o s cam p o s d e t r e in am en topa les t ino s , locais de gue rrilha , ho m en s e m ulheres a t irando , adu l tos e crianças se

ex erc i t an d o . D ep o i s d e u m ce r to t em p o , co m o d in h e i ro acab an d o , o s d o i st iveram de vo ltar para casa e a ceitar as p rop ostas da te lev isão a lem ã e da GroveFilm s, pa ra arrecad ar m ais fun do s e term ina r o film e. Daí a referên cia, no início d eVladimir e Rosa, ao p ro p ó s ito d aq u e le film e co m o se n d o fe ito ap e n as se te rm i-na r o ou t ro . Mui to ap ropr iada m en te , e le se cham aria Jusqu’àla victoire (“Até a vi-tó r ia”) , m as nã o fo i levado ad ian te . Nesse po n to , tam bé m o Grup o Dziga Ver tovse d e sm an ch a . D ep o is d o m assac re d e Am ã, co n h e c id o co m o “Se tem b ro N eg ro ”,Godard tem d i f icu ldade em f inal izá- lo . Num le t re i ro em néon , af i rma que quase

todos os a to res es tar iam mortos .Mais tarde , God ard e Miév ille ree d i tar iam esse m ater ia l, jun tam en te com um ou tro n o-vo, discutind o justam en te os p rop ósitos d o Gru po Dziga Verto v. O n ovo film e ale-ga que o “som” da guerr i lha , dos d iscursos po l í t icos in f lamados , era mui toal to para que se pudesse ver as imagens . Este f i lme in ic ia um processo dee xten s ivo u so d o víd e o n a o b ra d e G o d a rd , q u e t am b ém u sa fo to s d e jo rn a l, im a-g en s co n h ec id as d a t e lev isão , im ag en s d o h o lo cau s to . O film e é t am b ém u m a re -fle xão d e Go da rd sob re os p ropó sitos do Grupo Dziga Ver tov , po r m eio das im a-

gens da Jo rdân ia . As ref lexões p rogress ivamente se es tendem para os lugares deonde se f i lma, de onde se p ro je ta e de onde se vê o f i lme: aqu i , na te lev isão dafam ília fran cesa, e lá, na revolução pa lest ina . Para God ard, o lugar d o cine m a (m aisp rec isam en te , d a im ag em ) es t á n o et (e) qu e liga ici (aqu i) a ailleurs (acolá).

No d ia da p r imeira ex ib ição do f i lme em Par is , em setembro de 1976 , uma bomba fo ien con trada n a sa la Q uin te t te e o f ilm e fo i re t irado d e e xib ição , send o m an t idoap en as em o u t ra sa l a . A s i tu ação n a ép o ca d a m o n tag em d e Jusqu’àla victoire 

es t av a t ão co m p l i cad a q u e G o d ard ch eg o u a p ed i r ao seu p ro d u to r p ro teçãoespecia l para a por ta da sa la de ed ição , local onde também v iv ia na época.

Ju lia Lesag e , em seu g u ia so b re a o b ra d e G o d ard , rep ro d u z a m a io r p a r t e d o sd iá logos de Aqui e acolá .

           1           1

           0

Page 112: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 112/120

Tudo vai be mTo u t va b ie n

França, 1972, 95 min, 35 mm, Cor

Film ado no es túd io Ep ina y de 1 º a 23 d e fevereiro de 1972e nas redondezas de Par is , nos per íodos de 17 a 31d e j an e i ro d e 1 9 7 2 e d e 2 4 a 6 d e m arço d e 1 9 7 2 .M o n ó l o g o s b a s e a d o s e m Viva a sociedade de

consumo, de Jean Saint-Goeurs, na revista CGT , n omonólogo oficial do sindicato A Vida Trabalhadora,na revista Maoist e n o m o n ó lo g o d o t r ab a lh ad o r d e

e s q u e r d a A causa do povo 

Direção

Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin (CM, JL, WD,Mo MA, IMD b, D VD)

Roteiro

Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin (CM, JL, WD,Mo MA, IMD b, D VD)

MontagemKe n ou t Peltie r, Clau d ine Me rlin (CM , JL, DVD)Kenout Peltier (MoMA, WD)

Fotografia

Arm an d Marco, Yves Agostini , Edo ua rd Burge ss (CM )Armand Marco (WD, JL, MoMA, DVD)

Operadores de câmera

Yves Agostini, Éd ou ard Burge ss ( DVD)Assistentes de direção

Isabe lle Pons , Jea n-Hughe s Ne lkene (CM)Direção de arte

Jacques Dugied, Olivier Girard, Jean-Luc Dugied (JL)Jacqu es Du gied (DVD, com o cen ógrafo)

Efeitos especiaisJean-Claude Dolbert , Paul Triel l i , Roger Jumeau,Marcel Van tiegh em (JL)Jean-Claude Dolbert, Paul Trielle (DVD)

           1           1

           1

   G  o   d  a  r   d

  e   G  o  r   i  n

Page 113: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 113/120

SomBernard O rthion , Gilles O rthion (CM, JL)Bernard O rthion , Arm an d Bonfati (Mo MA, DVD)

Música

Eric Cha rde n, Tho m as Rivat , Paul Beusch er ( CM, MoMA)Canção

“Il y a d u so le il su r la Fran ce”Mixagem de som

An toine Bon fan ti (CM, JL)Still

Alain Miéville e Anne-Marie Michel (Miéville) – (JL, DVD)Produção

Allain Coffier (JL, DVD chama de “administração”)Alain Coiffie r, J.P.Rass am , Je an -Luc Go d ard (W D)Produção executiva

Jean-Pierre Rassam (JL, CM, DVD chama de “produção representativa”)Elenco

Yves Mo n tan d ( Jacq u es o u e le m esm o , seg u n d o Lesag e) , Jan e Fo n d a (S u zan n e) ,Vittorio Cap rioli (che fe da fáb rica), Jea n Pigno l (ate nd en te d a CGT), Pierre O ud ry(F réd ér i c ) , E l i sab e th C h au v in (G en ev ièv e) , A n n e Wiazem sk y (m u lh er

esquerd is ta) , Marcel Gassouk (segundo a tenden te da CGT), Did ier Gaudron(Germain) , Michel Maro t ( represen tan te do Par t ido Comunis ta) , Huguet teMiévil le (Georgette) , Luce Marnaux (Armande), Natalie Simon (Jeanne), EricChartier (Lucien ), Buge tte (Ge orge ), Castel Casti (Jacqu es) , Jea n-Ren é De fleu rieu(e squ erd ista) , Lou ise Rioton (Lyse), Ibrah im Seck

           1           1

           2

Page 114: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 114/120

O filme conta a história de um casal in te lectual da m íd ia . Suzanne (Jane Fon da ) éuma amer icana que t rabalha como jo rnal is ta para uma rád io , e Jacques (YvesMo n tan d ) é u m d ir e to r d e film es d a Nouvelle Vague qu e se radicalizou po lit ica-mente em 1968 , mas des is t iu de suas posições e agora faz f i lmes pub l ic i tár ios .

Am bo s vão ao fr igor ífico Salum i, que es tá em greve, e acabam send o apr is ion ado spelos t rabalhadores no mesmo escr i tó r io que o d i re to r da empresa .

Em um cenár io aber to de onde se pode ver vár ios compar t imentos do ed i f íc io e quepe rm ite a visão da s histórias ind ividu ais sem privilegiar ape na s um po nto d e vista,os t rabalhadores , o d i re to r e o casal são most rados ao mesmo tempo. Logo noinício , esse che fe faz um lon go m on ólogo so bre a si tua ção p olít ica atual , argum en -tando qu e a s lu tas m arxis tas já nã o fazem sen t ido e o s s ind icatos nã o p ro tege m ost rabalhadores . Uma cena engraçada em nome da v ingança das c lasses desfavore-

cidas é quando o chefe ten ta i r ao banhei ro , mas o seu es tá ocupado , e le en tãoten ta i r ao banhei ro su jo do andar de baixo , mas é obr igado a segu ir a regracom um aos t rabalhad ores , de só u sá-lo po r três m inu tos . Ele vo lta corren do parasua sa la e em desespero quebra a janela de v id ro e u r ina para fo ra do p réd io .Como a inspiração do fi lme é Bertolt Brecht, cenas com certo tom humoríst icofazem par te do en redo . Aos p oucos , as p reocup ações ind ividu ais vão se to rnand om ais im po r tan tes q ue a lu ta em favor dos op r im ido s , e o film e term ina conclu in -do qu e é a h istória individu al que faz a grand e história. A refle xão se dirige pa ra a

co n scien t ização d a a lien ação d e cad a u m , n a m ed id a e m q u e o s p e r so n ag en s r eca -p i tu lam maio de 1968 em relação aos novos tempos po l í t icos e consumis tas . Ofilm e não de ixa n un ca de se refer ir a s i m esm o e logo no in íc io m ost ra closes d eu m a m ão as s in an d o ch eq u es , m o s tr an d o o s g as to s d a su a p ró p r ia p ro d u ção . N ofim , um a car te la final d iz : “Esta é um a con ta pa ra aque les q ue não têm ne nh um a.”

O film e , q u e cu s to u , seg u n d o Lesa g e , 1,2 m ilh ão d e d ó la res , fo i em p ar t e f in an c iad op e l a G a u m o n t , r e s p o n s á v e l p e l o p a g a m e n t o d o s a t o r e s J a n e F o n d a e Y v e sMo n tan d . A P aram o u n t t am b ém es t ev e in t e res sad a n o f i lm e . Y v es Mo n tan dp a r e c e t e r s e m p r e d e s e j a d o t r a b a l h a r c o m G o d a r d . J a n e F o n d a , n a é p o c a

recém -sep arad a d e R o g er V ad im , a p r in c íp io n ão ace i to u a p ro p o s ta , p o i s n ãoq u er i a t r ab a lh a r co m d o i s h o m en s , m as v o l to u a t r á s d ep o i s d e se r co n v en c id apor Gor in . Ao f inal , o f i lme fo i um fracasso comercia l e de cr í t ica , segundoMacC ab e . U m ex em p lo in t e res san te d a c r í t i ca d a ép o ca é o a r t ig o d e P ie r r eBaudry, “La cri t ique et Tout va bien ” , e m Cahiers du Cinéma , n . 240 , de ju lh o / a go sto 19 7 2 , n o q u a l e le a n a lis a a re ce p çã o a n a lític a n ã o só d o film e , m a sd a i d é i a d e e s q u e r d a , d o t r a b a l h o c o l e t i v o e d a d u p l a G o d a r d - G o r i n .U m D VD d a C rit e r io n C o llec t io n fo i lan çad o n o s Es tad o s U n id o s e m 2 0 0 5 co m

os f i lmes Tout va bien e Letter to Jane , a l é m d e u m p e q u e n o c a t á l o g o c o mart igos sob re o s film es .

           1           1

           3

Page 115: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 115/120

Carta pa ra Jan eLe tte r to Jan e (An in vestigatio n ab o u t a st ill)

EUA, 52 m in, 1972, 16 m m , Cor

Film ad o em Fran kfu r t em 6 d e n o v em b ro d e 19 74 e n a Aven u e d u Main e , em P aris

Direção

Jea n-Luc G od ard e Jea n-Pierre Go rin (CM, WD, DVD, MoM A, IMDb )Jea n-Luc G od ard (JL)

Roteiro

Jea n-Luc G od ard e Jea n-Pierre Go rin (CM, WD, DVD, MoM A, IMDb )Jea n-Luc G od ard (JL)Elenco

Jean -Luc Go dard e Jean -P ier re Go r in fazem com en tários em voz over analisandoa fotografia de John Kraft que apareceu na revista L’Express (31 de ju lho – 6 deagosto de 1972) most rando Jane Fonda em sua v iagem ao Vietnã do Nor te

ProduçãoJean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin (CM, MoMA)

           1           1

           4

Page 116: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 116/120

Godard e Gorin desconstroem a fotografia d e Jo h n K ra f t q u e ap a receu n arevista L’Express em ju lh o / ag o s to d e 1 9 7 2 , m o s t ran d o Jan e Fo n d a n o Vie tn ã d oNorte . Na época, Jane Fonda era conhecida pelo apel ido Hanoi Jane e t inha ido

ao Vietn ã co m pro pó sitos p acifistas. O film e foi le vado a N ova York pa ra se r ap re-sen tad o ju n to co m Tudo vai bem. S eg u n d o MacB ean (Film and Revolution , p .167) , nessa ocas ião Godard e Gor in af i rmaram que o f i lme fo i fe i to em poucassemanas , com 300 dó lares , com o p ropósi to de d iscu t i r Tudo vai bem .

A anál ise par te da con trad ição en t re a legenda da rev is ta “Jane Fonda quest ions thecit izens o f Hano i ab ou t Am erican b om bings” (Jan e Fond a q ue st ion a o s c idad ão sd e H an ó i so b re o s b o m b ard e io s am er ican o s ) e a fo to , q u e m o s tr a Fo n d a o u vin d o ,m ai s q u e p e rg u n tan d o , d e u m v ie tn am i ta an ô n im o , d e co s t as p a ra a câm era .

A at r iz es tá em foco , enquan to um v ie tnamita ao fundo es tá desfocado . Alémdisso , o ângu lo da câmera posic ionada abaixo dos fo tografados faz parecê- losm aio res d o q u e são . P a ra a d u p la , n ad a d i s so é ac id en ta l , m as s im u m a fo rm aimperial ista de ser pacifista. O rosto de Fonda, em expressão trágica na foto ,é comparado com ou tros d iversos momentos da a t r iz , em vár ios ou t ros f i lmes ,inclusive em Tudo vai bem , e co m o d e seu p a i H en ry F o n d a , ev id en c ian d o as im ila r id ad e d e exp ressão em m o m en to s em o c io n a is co m p le tam en te d ife ren tes .O f i lme ref le te sobre o s ta tus da imagem e o papel do in te lectual de fo rma

minimalista e cri t ica ironicamente a iconografia e o star system hol lywoodiano .Trata-se de uma ref lexão sobre a represen tação na míd ia con temporânea.O própr io fa to de a fo to ter s ido pub l icada pela L’Express é, para os diretores,u m s in to m a d e q u e a r ev o lu ção é t r a t ad a ap en as d e fo rm a s im p l i f i cad a , semn en h u m a co n t rad ição e sem ap resen ta r m in im am en te a d i a l é t i ca d o s p o d eres .D e ce r t a fo rm a , v i s to d e h o je , o f i lm e so a m esm o co m o u m a le r t a ao q u e osistema estaria fazendo aos movimentos revolucionários, simplif icando e “fagoci-ta n d o ” a s id é ia s e m n o m e d e s i m e s m o .

O f i lm e fo i co n s id e rad o u m a l i ção d e l e i tu ra d e im ag em p o r S u san S o n tag em seu

livro Sobre a fotografia , m a s t a m b é m f o i c o n s i d e r a d o u m e s t u p r o d e d o i sh o m e n s a u m a m u lh e r , u m a c a d a ve z , c o m o c o n t a G o r in s o b r e o c o m e n t á r iodo d i re to r iugoslavo Makavejev depo is de ass is t i - lo (MacBean , Film and 

Revolution , p. 176).

           1           1

            5

Page 117: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 117/120

            1            1

            6

ALMEIDA, Jan e d e. El am igo d e G laub er

( y d e Go d a r d ) . Miradas. Revista del audiovisu- 

al , n. 7. San Antonio de Los Baños, EICTV, 2004.

http:/ /www.miradas.eictv.co.cu/ 

content .php?id_ar t icu lo=255

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ . O a m ig o d e G la u b e r [e G o d a rd ].

Caderno Mais! d e Folha de São Paulo ,

2 0 / 0 6 / 2 0 0 4 .

h t tp : / /www1. fo lha .uol . com.br / fsp /mais / f s20062

0 0 4 0 4 % 2 e h t m

AUMONT, Jacques; DE GREGORIO, Eduardo e PIERRE,

Sylvie. Entretien a vec Carlos D ieg ue s. Cahiers 

du Cinéma . P a r is , n o v e m b r o / d e z e m b r o d e

1970. pp . 44-55.

BAUDRY, Pierre. La critique et Tout va bien. In: seção

“Ciné m a e lu t tes de c lasses en France ” ,

Cahiers du Cinéma . Par is , ju lho/ agos to de

1972. pp . 10-18.

BLOUIN, Patrice. Mémoire. Où est le cinéma polit ique?.

Cahiers du Cinéma . Paris, abril de 200 3.

pp. 10-12.

BON ITZER, Pascal. Fétichism e d e la te chn ique : la

no t ion de ‘p lan . Cahiers du Cinéma . Paris,

novembro de 1971. pp . 4-10 .

BORDW ELL, David e THOM PSO N, Kristin. Film Art: An 

Introduction . 2. ed. Ne w York, Kno pf, 198 6.

CARRO L, Kent. E. Film a n d Re volution : Inte rview w ith

the Dziga Vertov Group. Focus on Godard .

Coleção Film Focus, volume editado por Royal

S. Brown . Lon do n, Pren tice-Hall Inc. e Ne w

Jersey, Englewood Cliffs, 1972. pp. 50-64.

DAWSON , Jon athan . Let te r to Jane . Senses of Cinema.

h t t p : / / www. s e n s e s o f c i n e ma . c o m/  

contents /c teq/01/19/ le t te r .h tml

DIXO N, Wh ee ler. The films of Jean-Luc Godard. N e wYork, SUNY Press, 1997.

DONIOL-VALCROZE, Jacques; KAST, Pierre e RIVETTE,

Jacqu es . Le “Grou pe Dziga Ver tov (1)” e Deu x

film s : Coup pour coup , Tout va bien. In: seção

“Ciné m a e t lu t tes de c lasses” , Cahiers du 

Cinéma . Par is , maio/ junh o d e 1972. pp . 5-39 .

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ . Le “ Gr o u p Dz ig a Ve r t o v ”. In : s e ç ã o

“Ciné m a e lu t tes de c lasses en France ” ,

Cahiers du Cinéma . Par is , ju lho/ agos to de

1972. pp . 4-9 .

DUBO IS, Phi lipp e . Vide o th inks what c inem a crea te s .

Notes o n Jean -Luc Go dard ’s works in v ideo

and television. In: BELLOUR, R. e BANDYEM,

M. L. (ed.) Jean-Luc Godard. Son + Image.

New York, The Muse um of Mod ern Ar t , 1992.

pp.169-186.

FARBER, Manny. Negative Space . ed. am pl. New York,

Da Ca p o , 19 9 8 .

GO DARD, Jean -Luc, ROG ER J.-H. e Grup o D ziga

Vertov. Pravda. Bandes paroles. In: seção

“Ciné m a e lu t tes de c lasses en France” ,

Cahiers du Cinéma . Paris, julho/agosto de

1972. pp. 19-30.

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ , G O RIN , Je a n - Pie r re e G r u p o D zig a

Verto v. Ven t d ’Est. Band es pa roles. In: seção

“Ciné m a e lu t tes de c lasses en France” ,

Cahiers du Cinéma . Paris, julho/agosto de

1972. pp . 31-50.

GO O DW IN, Michae l, LUDD Y, Tom e W ISE, Nao m i.

The D ziga Verto v film g rou p in Am erica. Take 

One. The film magazine . Vol. II, n .10. Can ad á,

m arço/ab r il de 1970. pp . 8-27.

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ . T h e Dz i g a Ve r t o v f i l m g r o u p . I n :

“America: an interview with Jean Luc Godard

and Jean Pier re Gor in” , Cinefiles .

h t tp : / /www.mip.berke ley .edu/cgi -b in /  

cine_doc_detail .pl/cine_img?11165?11165?

GORIN, Jean-Pierre e Grupo Dziga Vertov. Bande

paroles de “Luttes en Italie”. In: seção “Cinéma

et luttes de classes”, Cahiers du Cinéma . Paris,

maio/ junho de 1972. pp .40-57.

GREEN, Ron . Dziga Verto v. Thre e rece nt f ilms: Pravda .

Take One. The film magazine . Vol. II, n. 11.

Ca n a d á , m a io / j u n h o 19 7 0 e p u b l ic a d a e m

 ju n h o d e 19 71. p p .13 -14 .HO BERMAN, J. Tout va Bien revisited. Tout va Bien 

DVD Booklet . New York, Criterion Collection,

2 0 0 5 .

In terne t Movie Database / IMDb:

ht tp : / /www. imdb.com

JONES, Kent. Letter to Jean-Pierre and Jean-Luc. Tout 

va Bien DVD Booklet . Ne w Yo rk, Criterion

Collection, 2005.

LEBENSOLD, Peter (ed.) . Dziga Vertov Notebook. Take 

One. The film magazine . Vol. II, n0

11.

Page 118: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 118/120

Ca n a d á , m a io / j u n h o 19 7 0 e p u b l ic a d a e m

 ju n h o d e 19 71. p p .7 -9 .

LESAGE, Julia. Jean-Luc Godard: A guide to references 

and resources . Lon do n, Geo rge Pr ior Ass .

Pub lishe rs e Boston , G. K. Hall & Co, 1997.

LUD DY, To m . Dziga Ver tov. Th ree rece nt film s: British Sounds . Take One. The film magazine. Vo l. II,

n . 11. Canadá , maio/ junho 1970 e

publ icada em junho de 1971. pp . 12-13.

MACBEAN, Jam e s Roy. Film and Revolution.

Bloomington, Indiana University Press, 1975.

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ . Vent d'Est , o r Go d a r d a n d

Rocha a t the Crossroad s . Sight and Sound. Vol.

40, N. 3, verão 1971. Editor: Penelope Houston.

MACCABE, Colin. Godard: A Portrait of the Artist at 

Seventy . New York, Farrar, Strau s an d Giroux,2 0 0 3 .

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ . Je a n - Lu c G o d a r d : A life i n s e v e n

ep isode s (to da te). In: BELLO UR, R. e BANDY,

M. L. (ed.) Jean-Luc Godard. Son + Image .

Ne w York, The Muse um of Mod ern Ar t , 1992.

pp.13-21.

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ . Godard: Images, Sounds, Politics .

Bloo m ingto n, Indiana Univers ity Press , 198 0.

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ . Po s ts cr ip t to M a y 19 6 8 . Tout va 

Bien DVD Booklet . Ne w York, CriterionCollection, 2005.

MELLEN, Joan . Vladim ir and Rosa. Cinéaste . Vol IV,

n. 3. Ne w York, inve rno 1970/71. p. 39.

RAMONE, François. Jean-Luc contre Godard.

Cahiers du Cinéma . Paris, abril de 20 03.

pp. 18-19.

RICE, Sus an . “Dziga Ver tov. Th ree rece nt film s. Vladim ir

& Rosa” em Take One. The film magazine .

Vol. II, n 0 11. Canadá , maio/ junho 1970 e

publ icada em junho de 1971. p . 14 .

SIMMO NS, Steven. Tout va bien. In: Film Comment .

Vo l.X, n 0 3. New York, ma io/ jun ho 1974.

p p . 5 4 - 5 9 .

SON TAG, Susa n. On Photography . New York, De lta,

1977.

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ . Sobre a Fotografia . São Paulo ,

Co m p a n h ia d a s Le t r a s, 2 0 0 4 .

THIRARD, Paul-Lou is. De ux films “Mao istes” ( Le pe u-

ple et ses fusils , Pravda). Positif . n. 14. Paris,

m arço de 1970. pp . 1-7.

THOMSEN, Christian Braad. Jean-Pierre Gorin

in terv iewe d. Film m aking and His tory.

Jump Cut, n . 3, 1974. pp. 17-19.

h t tp : / /www.ejumpcut .org /archive /onl inessays /  

JC03folder /Gor inIntThomson.h tml

ULMAN, Erik. Jean-Pierre Gorin” (versão empo rtugu ês) . Trad . : Priscila Ada chi.

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ . Je a n - Pie r re G o r in . Senses of 

Cinema . h t tp : / /www.sensesofc inema.com/  

contents /d i rec tors /03/gor in .h tml

WALSH, Martin. Godard and Me: Jean-Pierre Gorin

Talks. The Brechtian Aspect of Radical Cinema .

Lon do n, BFI, 1981.

WOLLEN, Peter. Readings and Writings: Semiotic 

Counter-Strategies . Lon do n, Ne w Left Books ,

1 9 8 2 .

            1            1

           7

Page 119: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 119/120

 Jane de Almeida é p rofessora da PUC/SP e do Programa de Pós-graduação emEducação, Arte e História da Cultura da Universidade Mackenzie. Foi professoraconv idad a da Univers idad e Harvard (20 05) . É curadora ind ep en de n te d e m ost rasde f i lmes e ar tes como Metacinemas, Est ra tég ias da Imagem e Ordenação e

Vertigem. José Carlos Avellar é c r í t i co d e c in em a e in t eg ran te d o co n se lh o d e r ed ação d a

revista Cinemais . Dirige a distr ibuidora de f i lmes Martim 21 e foi d iretor daRiofi lme de 1993-2000. Co-autor de trabalhos sobre o cinema brasileiro e lat ino-am er icano — en tre e les Le cinéma brésilien (Cen tre Pom pidou , Par is ) e Hojas de cine (Univers idad Autonoma Metropo l i tana, México) e também de vár ios l iv ros ,en t r e e l e s Deus e o diabo na terra do sol (ed . Rocco) e A ponte clandestina 

(Edusp) .

Kent Jones é cr í t ico de c inema da rev is ta Film Comment e d ir e to r d e p r o g ra m a ç ã odo Wal ter Read e The ater / Film Socie ty o f Linco ln Cen ter. É au to r de L’argent (BFIMod ern Class ics) .

 James Roy MacBean, c r í t ico de c inema, é au to r do l iv ro Film and Revolution 

( Ind iana Univers i ty Press) e de ar t igos pub l icados nas rev is tas Film Quarterly eSight and Sound.

Colin MacCabe é p ro fesso r d a U n iv e r s id ad e d e P i t t sb u rg h . MacC ab e esc rev euvár io s t r ab a lh o s so b re G o d a rd , co m o o a r t ig o “Jea n -Lu c G o d a rd : S o n + Im ag e”

(Catálogo do Museu o f Modern Art — MoMA) e os l iv ros Godard: Images,Sounds, Politics (Ma cMillan ) e Godard: a Portrait of the Artist at Seventy (Farrar,Strau s & Giro ux).

Erik Ulman é a u to r d e a r t ig o s so b re m ú s ica , c in e m a e lit e r tu ra p a ra r ev is ta s co m oPerspectives o f New Music e Senses of Cinema , ass im como para o l iv ro Sound 

as Sense . O rg an izo u co m Marc ia S co t t o p r im e i ro e o seg u n d o P o to F es t iv a l(20 04 -2005) , en con tro co m ar t is tas de vár ias m íd ias em Grass Val le y , Califo rn ia .

Page 120: Grupo Dziga Vertov

7/17/2019 Grupo Dziga Vertov

http://slidepdf.com/reader/full/grupo-dziga-vertov 120/120

   S   ã  o   P  a  u   l  o   1   6  a   2   1   d  e  a  g  o  s   t  o   d  e   2   0   0   5

   R   i  o   d  e   J  a  n  e   i  r  o   2   3  a   2   8   d  e  a  g  o  s   t  o   d  e   2   0   0   5

   B  r  a  s   í   l   i  a   3   0   d  e  a  g  o  s   t  o  a   4

   d  e  s  e   t  e  m   b  r  o   d  e   2   0   0   5

Banco do Brasil apresenta

a mostra de cinema  p  r  o   j  e   t  o  g  r   á   f   i  c  o  :  e  s   t  a  ç   ã  o