GABRIEL MEIRA 1
GABRIEL MEIRA 2
CISMO
COLETÂNEA DE POEMAS
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O POEMA EM MINHA VIDA
A arte de escrever entrou em minha vida no ano de 2014, quando em um
momento de inspiração escrevi o poema “Suposto tempo”. Dei voz aos
sentimentos ao passar para o papel a interrogação sobre o que é o tempo e se
ele existe realmente, indagando-me sobre as prisões da vida. Todavia, por um
longo período fiquei sem escrever poemas por achar que isso seria apenas uma
epifania, entretanto, em 2018, voltei a criar e a pensar neles; escrevi então
“Esperança”, cuja relevância se dá em meio às atribulações políticas pelas
quais o Brasil sofreu e continua sofrendo. Por fim, a escrita significa a vida
contada em versos poéticos, significa o mundo transcrito para o entendimento
pelas outras pessoas.
Esta breve coletânea de poemas tem como objetivo a demonstração de meus
textos àqueles que exibem a sensibilidade para experimentá-los, há nesta o
meu mundo particular apresentado em palavras, Desejo a todos que lerem
uma experiência agradável e estimulante.
Uma ótima leitura a todos.
O autor.
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Sumário
6 Todo poeta
7 Suposto tempo
8 Simples
9 Definição
10 Engendrando
11 Pão nosso de cada dia
12 Livrinho de poemas
13 O amor é como uma droga em comprimidos
14 À bandeira
15 Há um mundo
16 Se você não sabe amar
17 Pretérito do futuro
18 Sois um vento que passa
20 Sobretudo
21 Trânsito
22 Esqueça-te
23 O que queres de mim
24 Sejas como for
25 Renascer
26 Esperança
27 Dia
28 Potência, ato e egoísmo
29 Amor por decreto
30 Flor do desencanto
31 Adiante
32 Infinito amor
33 Tempo
34 Caminho
35 Um poeta
36 Poema sobre um velho bêbado
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TODO POETA
Todo poeta entra na lama do mundo
Subtrai os sinais da vida para si
Obtém de obscuros finais o dom da letra
O poeta nasce
Ali e acolá
Nasce em cada esquina
E ao redor de tudo.
Todo poeta entra no fim da história
Sem entender os meados
Daí
Percebe que não há fim em história alguma
E julga não ser o dono da verdade
Nem do que sente.
Todo poeta pensa não ser poeta
Até que surja na mente palavras
E aguça a arte como
Assim
Tanto sonha.
Todo poeta não entende o mundo
Mas busca entender a flor
Os automóveis
Os amores
As paisagens…
Todo poeta é
Por apenas existir
Parte necessária da vida
O poeta é o que dá texto aos sentimentos.
Todo poeta existe
Para que a vida seja menos cruel.
Posto isto
Todo poeta é fundamental para a existência.
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SUPOSTO TEMPO
Somos incalculáveis,
O tempo não existe,
É apenas mais uma forma de nos prender,
De nos viciar em ciclos.
O relógio sempre é o mesmo,
Não muda, não toma outras formas,
Sempre está ali,
Se não o mudar de lugar.
Queria eu
Que àquele relógio sobrasse tempo,
Veja, algo que nem ele tem
E, que criando pernas,
Saísse como numa valsa a andar pelo mundo.
Quem inventou a hora?
Quem disse: "É meia-noite e todos devem se ajustar a isso"?
Na verdade, somos sempre meia-noite
E o que passa é nossa mente.
Somos viciados em prisões,
O tempo é apenas mais uma delas.
O carrasco do mundo é o mundo.
Se o tempo passasse seríamos vida,
Mas o tempo não passa, ele não existe.
Os sinos das catedrais,
Os relógios das praças,
Dos pulsos dos homens apressados,
Estes são inúteis,
Inúteis como os que giram no entorno de si e,
Sempre terminam no mesmo lugar.
Não somos imutáveis,
Mas o que rege o mundo não é o tempo,
É a vida.
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SIMPLES
O rio que deságua em meu peito
É, ainda, o rio que desafoga o meu ser.
E me transformo em riacho
Em cachoeira…
Imensidão.
Sinto por mim um intenso desfazer
Que às vezes me tenho em mim.
Que vontade de ser o trem que passa às seis
Ou o ônibus que se perde num dia de chuva!
Mas
Sou ainda a gota
A simples gota ao descer de uma janela.
Simples
Como tudo que cheira e tem cor
Simples como a vasta dimensão da vida
Simples como um poeta amador.
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DEFINIÇÃO
Não te definas nunca por um outro
Defina-te
Apenas
Por quem és…
E ponto final.
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ENGENDRANDO
Telescópios
Multiversos
De sentimentos arraigados.
Dores
Escondidas
Entre os dias sem fim.
Vida
Para ser vivida
Sonhos sem conquistas.
Ser o que é
Não o que tem
Vida criada para ser vivida.
Cria-se
Enfim
Um ser
Misturando a felicidade
Na embriaguez do lúcido
Ao desespero dos inocentes.
Aos sonhos recorrentes
Deixo à porta o balanço da vida
O que serão deles sem ela?
Planos consumidos
Apenas lembranças não sentidas.
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PÃO NOSSO DE CADA DIA
Mamãe acorda cedo
Trigo
Fermento
Ovos, óleo, sal, açúcar.
Amassa a massa.
Descansa
Coloca a água pra ferver.
Café pronto (que cheiro mais gostoso!)
A neblina se forma na casa
Cheiro de café no ar
Despeja-o na garrafa.
A massa cresceu
Vai pro forno
Trinta minutos ainda hei de esperar.
Pronto! Pãozinho assado na hora
Sobe o cheiro de pão novo no ar.
Café posto: pão, café, leite e bolacha de maisena.
Provo o pão (que delícia!)
Vou aos céus,
Agradeço a Deus;
Volto de lá,
Agradeço à mãe
Pelo pão nosso de cada dia.
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LIVRINHO DE POEMAS
Quando eu era pequenino
Recebi um livrinho de poemas
Era Fernando Pessoa
Heterônimo Alberto Caeiro.
Ali se construiu o que escrevo hoje
Toda a vontade
A de expor a simplicidade do que penso.
O mundo daqueles poemas era um encanto
Ia para as madrugadas das vezes que relia;
Uma paixão sem fim.
O poema do menino Jesus
O guardador de rebanhos
Muito mais de que emoções.
O meu mundo imaginário
Dar formas aos sentimentos
Os textos como reflexos da alma
Dali começaram a surgir.
Surgia ali a minha pequena imaginação…
A imaginação do coração.
GABRIEL MEIRA 13
O AMOR É COMO UMA DROGA EM COMPRIMIDOS
O amor é como uma droga em comprimidos.
Cada vez que se toma,
Mesmo em doses pequenas,
Acumula-se dentro do peito
Criando camadas
Inacessíveis.
O amor é tal qual uma febre
Dá calafrios, deixa doente e acamado.
Mas, se não morrer por ele, logo passa.
Ninguém morre por amor
Isso é apenas falácia de poeta.
GABRIEL MEIRA 14
À BANDEIRA
À bandeira juro lealdade
Mesmo nos mais atrozes crimes
De corrupção.
À bandeira juro amor
Perante os deuses da hipocrisia
Os vermes do corpo putrefato
Que jaz ao solo com tanta agonia.
À bandeira acendo vela
Faço sentinela
Mas me ponho a chorar todos os dias.
Não somente à bandeira é que repito
Repito aos homens de branco:
Olhem pela bandeira, pela pátria que os pariu
-Uma mãe que se destruiu
Ao por um filho sem pai pelo mundo-.
Vai, bandeira, trêmula com os ventos
Os ventos que sopram só para ti
Sois livre ao sol e chuva
Que nas manhãs renasce e
Nas noites mais escuras encontra esperança.
Sente que na paz há mãos
Que te balançam sem ideologia.
Sente que nas lutas tuas mãos seguram esse povo
Sedentos de compaixão.
À bandeira sempre haverá outro dia…
Outros dias.
GABRIEL MEIRA 15
HÁ UM MUNDO
Escrevo um poema sobre um livro não lido
Há um mundo ali esquecido
Há um mundo ali tão pobre, por enquanto
Quanto a minha rima.
Há um mundo dentro de todos nós
Há nós em nós
Perfeição nunca irão encontrar
Há sim, em mim, um mundo perdido.
Não se levante e abra a porta
Pensa primeiro no que está lá fora
Há um mundo.
Não tenha pressa em viver sem demora
O mundo acaba e nem se sabe a hora
Há um mundo, talvez não haja.
GABRIEL MEIRA 16
SE VOCÊ NÃO SABE AMAR
Se você não sabe amar
Não vai entender o que passei
Amores que guardo em mim
Tantos amores eu deixei.
Se você não sabe amar
Quantas vezes eu beijei
Dos amores que ainda me lembro
Tenho a certeza que errei.
Porque amor não é assim tão esperto
Bate na porta, fica por perto
Mas ao menor passo na escada
Vai embora…
Deixa tudo incerto.
Que as escadas do meu coração
Sejam feitas uma canção
Que ainda passarão
Amores por ali.
Amores
Tamanhos amores
Que os arranco do peito.
Amores são
Enfim
Menores de que o que há dentro de mim
Menores de que o ácido refluxo do tempo.
Se você não sabe amar
Por favor
Ao menos tranque a porta
E me deixa sonhar com o que está lá fora.
GABRIEL MEIRA 17
PRETÉRITO DO FUTURO
Tamanho sou
Daquilo que está por vir.
Amanhã…
Quando o sol raiar
Serei aquilo que está por vir.
Já não serei eu mesmo
Serei alguma forma
Outrora…
Desfigurada de mim.
Aos que me perguntam
Sou ainda o mesmo
Que não me esperem de manhã
Pois sou o que há agora e não depois.
Sou o vento e a chuva que passa
Os que sentem
Sabem…
Que a chuva e o vento que passam
São, por fim, passageiros.
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SOIS UM VENTO QUE PASSA
Não tinha voz o menino da rua
Andava pela praça
Com sua mãe quase desnuda.
A roupa lhe davam sempre
Não durava duas noites.
Homens
Que não com açoites
Mas um sem fim de hipocrisia
Bradavam-lhe vozes
Como se dirige a um cão.
Não se digere senão ao ouvir a voz da rua.
O menino que anda a vida pelos cantos de hotéis
Que pede esmola.
Não sabe, enfim, quando chegará sua hora.
Não conhece o tempo, apenas suas marcas.
O amor
Em tantos desesperos
Nunca o entendeu
Talvez isso fosse de santo,
Pois não podia ser ateu.
Conhecia a dor
Sussurrava ao pé do ouvido da mãe.
Perguntava a ela se iria conseguir dormir
Tanta dor,
Uma dor desgraçada, uma dor de dente.
Há quem se contente
Passe do lado e ri
Ri da dor de uma criança
Pra esse tipo de gente, no céu não há esperança.
GABRIEL MEIRA 19
Sopas e pães e roupas
Vivia no ciclo da agonia
Não sabia para o que vivia.
Sois um vento que passa, menininho.
Não é um bicho
Está mais para um anjinho
Com tuas vestes sujas e os pés ardentes de asfalto.
Com as tantas repetidas vezes que dormia ao frio
O rapazinho foi aos poucos se entregando
Já não corria mais
Não sorria
Não entendia a vida.
Aos braços de sua mãe,
Numa noite de chuva de Belém
Deitados em um papelão
Deu boa noite a ela
Fechou os olhinhos
E foi a voar.
Passou pelas nuvens
O ar gélido não sentia mais.
Estava vivo
Vivo como nunca
E Alcançou os céus,
Sentou aos pés do criador.
E chorando pediu pela sua mãe
A única pessoa que o amou.
GABRIEL MEIRA 20
SOBRETUDO
Sobre o homem deita-se o mundo
Não sabendo a quem recorrer
Luta contra si.
Em vão
[Muitas vezes].
Sobre o homem deita-se a vida
Não sabendo distinguir paz e amor
Destila a si em ódio
[Quase sempre].
Sobre o homem deita-se a vaidade
Enrugada e velha
Deformada
[Como a vida e o mundo].
Sobre o homem deita-se a ignorância
Oh doce vida
Docemente adocicada
Brinco de existir
Mesmo sem saber de nada
[Sempre].
Sobre o homem deita-se a verdade
Tão de longe se atém a poucos
Poucos os animais de pureza
Conhecem-na.
Deita-se o homem
Deita-se o mundo
Deita-se a vida
Deita-se a vaidade
A ignorância
A verdade.
[E o tempo passa sobre tudo como um trator].
GABRIEL MEIRA 21
TRÂNSITO
Buzinas
Entre os carros apressados
Entre os homens desnorteados.
O trânsito flui devagar
Como um gel escorrendo do recipiente.
Pronto, bateu…
O cara no celular perdeu o tempo
O gel parou de escorrer.
Sai do carro
Do outro sai uma senhora
Pra lá de seus sessenta
E num ato quase de insanidade
O tal homem lhe pede desculpas e lhe dá cem reais.
Continua o trânsito parado
A vida parada
A mulher que quer chegar no trabalho
A menina que chegará tarde para a prova
E os rapazes dos sinais aproveitam e pedem
Pedem pelo não findar do trânsito lento.
A vida
Ela é como uma cena de trânsito
Para
Continua
Para novamente
Dobra
Segue reto
Mas em algum momento se chega no destino final.
GABRIEL MEIRA 22
ESQUEÇA-TE
Esqueça-te dos homens sórdidos,
Esqueça-te dos malfeitores,
Dos estupradores, assassinos, ladrões, agiotas…
Lembra-te sempre [e apenas] das crianças;
Elas são o caminho, os outros passarão.
GABRIEL MEIRA 23
O QUE QUERES DE MIM
O que queres de mim?
Toda coragem e lucidez?
Ora, se nem tu tens
Quem é totalmente lúcido nesse mundo?
O que queres de mim?
Que vença batalhas?
Só para alimentar Narciso
Ou alimentar minha esperança?
Nem tu sabes o que queres de ti
Não te conheces
E queres conhecer a mim?
Precisas primeiro adentrar no teu ser
Para que depois
Possas tentar vir a me conhecer.
GABRIEL MEIRA 24
SEJAS COMO FOR
Sejas como for
Serias mais sereno à sombra de uma palmeira
Serias mais sereno ao som da natureza
Se não pensasses tanto na vida.
Sejas como for
Sejas
Imenso e eterno
Que lembres de ti como correnteza.
Sejas eterno no brilho
E no amar
Amar é onde nascem os seres.
Sejas como for
Mas sejas para sempre o teu amado
Para que não se sintas nunca aprisionado.
GABRIEL MEIRA 25
RENASCER
Durante a hora da partida é que vos falo
Em desalinho
Em desencanto
Em descontrole
Em desagrado.
Deixo cair um copo de vidro
Sem querer penso em meu estado
A pior morte não é a física
É a de alma
É perder-se em si
Perder-se na confiança de sua própria pessoa
É sucumbir a elementos tóxicos que enfraquecem
É sucumbir ao que não se merece
Para ser algo que não se sonha ser.
É bisonho pensar assim:
É preciso morrer para se encontrar
Entender o que sou, não o que querem de mim.
Desço então da sacada
Como algo
Vou para o quarto
Amanhã estarei melhor, bem melhor.
Morri,
Mas renasci na mesma noite
Morri o que era antes
Nasci para o que sou agora
Não há razão senão no caminho em que se anda
[Sozinho.
GABRIEL MEIRA 26
ESPERANÇA
Sobreviver a um mundo sem esperança
Gasolina: cinco o litro
Energia: nem me fale!
E um moleque na barriga.
Como esse moleque vai nascer?
De cesariana, caramba!
Vai nascer normal
Só pra dar trabalho?
Vejo que não falta apenas esperança
Ética, bom caráter e paciência
Também faltam.
A fome nunca para de existir
Assim como a corrupção
E o desemprego, que é como uma bala perdida.
GABRIEL MEIRA 27
DIA
Quatro da manhã
Podre, irrisório dia já começa
Que besta eu sou!
Estúpido de todas as formas.
Cinco da manhã
Ainda acordado, com insônia
Deita, dorme, desgraçado!
Nem pra isso serve.
Seis da manhã
Já faço o café
É hora de me arrumar.
Sete da manhã
Dentro do ônibus
Mais um dia sem dormir.
GABRIEL MEIRA 28
POTÊNCIA, ATO E EGOÍSMO
que o ser humano
Significa-se pelo ato.
O mesmo ser
Na verdade
Justifica-se pela potência
Na evolução da vida
Enquanto diminuição do caráter egoísta.
Assim sendo
A vaidade se apodera
Do ato mesquinho
Em prol do próprio benefício.
E quanto mais egoísmo
Mais se destaca a característica
Da estrutura mediana na qual se encontra.
Necessita-se entender
De fato
Tal diminuição.
Todo ser humano
É por clareza
Potência de não consumação do egoísmo.
GABRIEL MEIRA 29
AMOR POR DECRETO
Percebo
Na dor do outro
Uma solidão em aberto.
Percebo
Na vida alheia
Um pueril estratosférico
De más recepções.
Grandes atuações
De atores elegantes
Entram
Saem
Do palco
Mudam de cor
Com o tempo
Como outrora uma flor de Aurora.
Penso
Rio
Imagino
O intenso medo de não ser
Aquilo que por fim se decreta:
O amor.
GABRIEL MEIRA 30
FLOR DO DESENCANTO
Floresça a rosa
Que há no teu caminho.
Mesmo entre a flor que tem espinhos
E agrada aos homens medianos.
Floresça a linda flor.
Não tema pelos dias ruins
Nem pelo chão de asfalto coberto por desencanto.
O desencanto toma o mundo
Toma o mundo com exuberância.
Mas exuberante mesmo
É o teu arranjo de cores vitrais
Nas aventuras da vida
Crescendo nos dias mais canibais.
GABRIEL MEIRA 31
ADIANTE
Não tenha pressa
Deixe que passem os dias e as noites
Deixe que passem os meses e os anos.
Não tenha pressa
De viver
Velar o túmulo antes do tempo.
Não tenha pressa de morrer.
Mesmo que inquieto e frágil
Quero viver
Sem cerimônias
Sem notícias
Sem motim.
Quero sentir os ventos
E escutar os sons
E ver o horizonte
E provar o sabor das manhãs.
Não tenha pressa
Antes que discorde de mim
Ainda assim
Não tenha medo
Pois
Enfim me basto.
GABRIEL MEIRA 32
INFINITO AMOR
Quando não quiseres mais me amar
Voa
Que nem passarinho
Procura outros ninhos
Pousa em melhores galhos
Sentimentos.
Quando passares do tempo
E o tempo for para nós
Aquilo que nunca quisemos
Vá
Esqueça de mim.
Quando recomeçar
Não te lembres do instante
O mísero vento
Que te trouxe até mim.
Eu entendo
É que…
Quando não há mais amor
Passam as estações
E o amor também passa.
GABRIEL MEIRA 33
CAMINHO
Sou como te encontro
Às vezes jogado aos cantos
Por vezes sentido nenhum.
Tudo o que tenho é saudade
Da rede na varanda
Das comidas de verdade.
Sozinho
É o mundo que se vive de coração apertado
De coisas raras e eternas
De ventos frios e marés altas
De tempos bons
De caminhadas na praia.
Tudo o que sou é desejo
Não sei se sou idealista
Apenas busco a verdade naquilo que me inspira.
Espero,
Sobretudo,
Um dia comigo ter um encontro
Do tempo que fui
E que assim possa seguir em frente
Tendo sempre em mente
Que a vida é um caminho
E nada mais.
GABRIEL MEIRA 34
TEMPO
Vejo que o tempo não é o que me consome
Nem o que me deixa passar
É apenas
Contrário a tudo aquilo queremos que seja.
É o tempo que tem asas
Sobrevoa sobre a vida sem recuar
Fracassados são os que o combatem.
Combatentes frágeis e mesquinhos.
A vida é sob o tempo o tocar de sinos
Pela espera do dia findo
Que chegará a qualquer instante.
Seja breve,
Pois o tempo é sagaz
Atropela sem dó o teu coração.
GABRIEL MEIRA 35
UM POETA
Um bom poeta não gosta de seus poemas
Sempre escreve além da conta
Sempre rabisca um ou outro
E os joga fora.
Um bom poeta
Quando escreve
Não pensa tão intensamente.
O poema dói na alma
Assim como dói na mão.
A dor de um poeta é perdida
Transpassada para a dor da escrita.
Sou
Desfigurado um poeta
Que nem tantos e nem outros se vangloriam.
Sou apenas um poeta não tentando ser.
GABRIEL MEIRA 36
POEMA SOBRE UM VELHO BÊBADO
Ainda que andasse cambaleante
Sabia os passos largos
Um senhor de muita idade
Com certeza com feridas no caminho
Aquele homem me pus a observar.
Primeiro ele olhou o céu
Viu que as estrelas brilham para todos
Sorriu, bebeu, conseguiu se equilibrar.
Depois um pouco de mansinho
Foi se sentando
E então
Na calçada os prantos caíram.
Chorava o homem bêbado
Um velho que voltava a ser criança.
Aos poucos me aproximei
Perguntei o seu nome
Ele me olhou desconfiado
Mas disse "José"
E eu brinquei "homem de fé"
Ele sorriu entre vórtices de lágrimas em seu rosto.
Indaguei sobre a tristeza
Ele disse: "isso há de passar".
O velho me contou a razão do pesar
Aquele era o dia do casamento
O de sua filha.
Não fora convidado
Pois não era bem-vindo
O velho bêbado preferia ter morrido
Pois para ele não havia destino.
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