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CISMO

COLETÂNEA DE POEMAS

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O POEMA EM MINHA VIDA

A arte de escrever entrou em minha vida no ano de 2014, quando em um

momento de inspiração escrevi o poema “Suposto tempo”. Dei voz aos

sentimentos ao passar para o papel a interrogação sobre o que é o tempo e se

ele existe realmente, indagando-me sobre as prisões da vida. Todavia, por um

longo período fiquei sem escrever poemas por achar que isso seria apenas uma

epifania, entretanto, em 2018, voltei a criar e a pensar neles; escrevi então

“Esperança”, cuja relevância se dá em meio às atribulações políticas pelas

quais o Brasil sofreu e continua sofrendo. Por fim, a escrita significa a vida

contada em versos poéticos, significa o mundo transcrito para o entendimento

pelas outras pessoas.

Esta breve coletânea de poemas tem como objetivo a demonstração de meus

textos àqueles que exibem a sensibilidade para experimentá-los, há nesta o

meu mundo particular apresentado em palavras, Desejo a todos que lerem

uma experiência agradável e estimulante.

Uma ótima leitura a todos.

O autor.

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Sumário

6 Todo poeta

7 Suposto tempo

8 Simples

9 Definição

10 Engendrando

11 Pão nosso de cada dia

12 Livrinho de poemas

13 O amor é como uma droga em comprimidos

14 À bandeira

15 Há um mundo

16 Se você não sabe amar

17 Pretérito do futuro

18 Sois um vento que passa

20 Sobretudo

21 Trânsito

22 Esqueça-te

23 O que queres de mim

24 Sejas como for

25 Renascer

26 Esperança

27 Dia

28 Potência, ato e egoísmo

29 Amor por decreto

30 Flor do desencanto

31 Adiante

32 Infinito amor

33 Tempo

34 Caminho

35 Um poeta

36 Poema sobre um velho bêbado

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TODO POETA

Todo poeta entra na lama do mundo

Subtrai os sinais da vida para si

Obtém de obscuros finais o dom da letra

O poeta nasce

Ali e acolá

Nasce em cada esquina

E ao redor de tudo.

Todo poeta entra no fim da história

Sem entender os meados

Daí

Percebe que não há fim em história alguma

E julga não ser o dono da verdade

Nem do que sente.

Todo poeta pensa não ser poeta

Até que surja na mente palavras

E aguça a arte como

Assim

Tanto sonha.

Todo poeta não entende o mundo

Mas busca entender a flor

Os automóveis

Os amores

As paisagens…

Todo poeta é

Por apenas existir

Parte necessária da vida

O poeta é o que dá texto aos sentimentos.

Todo poeta existe

Para que a vida seja menos cruel.

Posto isto

Todo poeta é fundamental para a existência.

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SUPOSTO TEMPO

Somos incalculáveis,

O tempo não existe,

É apenas mais uma forma de nos prender,

De nos viciar em ciclos.

O relógio sempre é o mesmo,

Não muda, não toma outras formas,

Sempre está ali,

Se não o mudar de lugar.

Queria eu

Que àquele relógio sobrasse tempo,

Veja, algo que nem ele tem

E, que criando pernas,

Saísse como numa valsa a andar pelo mundo.

Quem inventou a hora?

Quem disse: "É meia-noite e todos devem se ajustar a isso"?

Na verdade, somos sempre meia-noite

E o que passa é nossa mente.

Somos viciados em prisões,

O tempo é apenas mais uma delas.

O carrasco do mundo é o mundo.

Se o tempo passasse seríamos vida,

Mas o tempo não passa, ele não existe.

Os sinos das catedrais,

Os relógios das praças,

Dos pulsos dos homens apressados,

Estes são inúteis,

Inúteis como os que giram no entorno de si e,

Sempre terminam no mesmo lugar.

Não somos imutáveis,

Mas o que rege o mundo não é o tempo,

É a vida.

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SIMPLES

O rio que deságua em meu peito

É, ainda, o rio que desafoga o meu ser.

E me transformo em riacho

Em cachoeira…

Imensidão.

Sinto por mim um intenso desfazer

Que às vezes me tenho em mim.

Que vontade de ser o trem que passa às seis

Ou o ônibus que se perde num dia de chuva!

Mas

Sou ainda a gota

A simples gota ao descer de uma janela.

Simples

Como tudo que cheira e tem cor

Simples como a vasta dimensão da vida

Simples como um poeta amador.

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DEFINIÇÃO

Não te definas nunca por um outro

Defina-te

Apenas

Por quem és…

E ponto final.

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ENGENDRANDO

Telescópios

Multiversos

De sentimentos arraigados.

Dores

Escondidas

Entre os dias sem fim.

Vida

Para ser vivida

Sonhos sem conquistas.

Ser o que é

Não o que tem

Vida criada para ser vivida.

Cria-se

Enfim

Um ser

Misturando a felicidade

Na embriaguez do lúcido

Ao desespero dos inocentes.

Aos sonhos recorrentes

Deixo à porta o balanço da vida

O que serão deles sem ela?

Planos consumidos

Apenas lembranças não sentidas.

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PÃO NOSSO DE CADA DIA

Mamãe acorda cedo

Trigo

Fermento

Ovos, óleo, sal, açúcar.

Amassa a massa.

Descansa

Coloca a água pra ferver.

Café pronto (que cheiro mais gostoso!)

A neblina se forma na casa

Cheiro de café no ar

Despeja-o na garrafa.

A massa cresceu

Vai pro forno

Trinta minutos ainda hei de esperar.

Pronto! Pãozinho assado na hora

Sobe o cheiro de pão novo no ar.

Café posto: pão, café, leite e bolacha de maisena.

Provo o pão (que delícia!)

Vou aos céus,

Agradeço a Deus;

Volto de lá,

Agradeço à mãe

Pelo pão nosso de cada dia.

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LIVRINHO DE POEMAS

Quando eu era pequenino

Recebi um livrinho de poemas

Era Fernando Pessoa

Heterônimo Alberto Caeiro.

Ali se construiu o que escrevo hoje

Toda a vontade

A de expor a simplicidade do que penso.

O mundo daqueles poemas era um encanto

Ia para as madrugadas das vezes que relia;

Uma paixão sem fim.

O poema do menino Jesus

O guardador de rebanhos

Muito mais de que emoções.

O meu mundo imaginário

Dar formas aos sentimentos

Os textos como reflexos da alma

Dali começaram a surgir.

Surgia ali a minha pequena imaginação…

A imaginação do coração.

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O AMOR É COMO UMA DROGA EM COMPRIMIDOS

O amor é como uma droga em comprimidos.

Cada vez que se toma,

Mesmo em doses pequenas,

Acumula-se dentro do peito

Criando camadas

Inacessíveis.

O amor é tal qual uma febre

Dá calafrios, deixa doente e acamado.

Mas, se não morrer por ele, logo passa.

Ninguém morre por amor

Isso é apenas falácia de poeta.

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À BANDEIRA

À bandeira juro lealdade

Mesmo nos mais atrozes crimes

De corrupção.

À bandeira juro amor

Perante os deuses da hipocrisia

Os vermes do corpo putrefato

Que jaz ao solo com tanta agonia.

À bandeira acendo vela

Faço sentinela

Mas me ponho a chorar todos os dias.

Não somente à bandeira é que repito

Repito aos homens de branco:

Olhem pela bandeira, pela pátria que os pariu

-Uma mãe que se destruiu

Ao por um filho sem pai pelo mundo-.

Vai, bandeira, trêmula com os ventos

Os ventos que sopram só para ti

Sois livre ao sol e chuva

Que nas manhãs renasce e

Nas noites mais escuras encontra esperança.

Sente que na paz há mãos

Que te balançam sem ideologia.

Sente que nas lutas tuas mãos seguram esse povo

Sedentos de compaixão.

À bandeira sempre haverá outro dia…

Outros dias.

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HÁ UM MUNDO

Escrevo um poema sobre um livro não lido

Há um mundo ali esquecido

Há um mundo ali tão pobre, por enquanto

Quanto a minha rima.

Há um mundo dentro de todos nós

Há nós em nós

Perfeição nunca irão encontrar

Há sim, em mim, um mundo perdido.

Não se levante e abra a porta

Pensa primeiro no que está lá fora

Há um mundo.

Não tenha pressa em viver sem demora

O mundo acaba e nem se sabe a hora

Há um mundo, talvez não haja.

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SE VOCÊ NÃO SABE AMAR

Se você não sabe amar

Não vai entender o que passei

Amores que guardo em mim

Tantos amores eu deixei.

Se você não sabe amar

Quantas vezes eu beijei

Dos amores que ainda me lembro

Tenho a certeza que errei.

Porque amor não é assim tão esperto

Bate na porta, fica por perto

Mas ao menor passo na escada

Vai embora…

Deixa tudo incerto.

Que as escadas do meu coração

Sejam feitas uma canção

Que ainda passarão

Amores por ali.

Amores

Tamanhos amores

Que os arranco do peito.

Amores são

Enfim

Menores de que o que há dentro de mim

Menores de que o ácido refluxo do tempo.

Se você não sabe amar

Por favor

Ao menos tranque a porta

E me deixa sonhar com o que está lá fora.

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PRETÉRITO DO FUTURO

Tamanho sou

Daquilo que está por vir.

Amanhã…

Quando o sol raiar

Serei aquilo que está por vir.

Já não serei eu mesmo

Serei alguma forma

Outrora…

Desfigurada de mim.

Aos que me perguntam

Sou ainda o mesmo

Que não me esperem de manhã

Pois sou o que há agora e não depois.

Sou o vento e a chuva que passa

Os que sentem

Sabem…

Que a chuva e o vento que passam

São, por fim, passageiros.

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SOIS UM VENTO QUE PASSA

Não tinha voz o menino da rua

Andava pela praça

Com sua mãe quase desnuda.

A roupa lhe davam sempre

Não durava duas noites.

Homens

Que não com açoites

Mas um sem fim de hipocrisia

Bradavam-lhe vozes

Como se dirige a um cão.

Não se digere senão ao ouvir a voz da rua.

O menino que anda a vida pelos cantos de hotéis

Que pede esmola.

Não sabe, enfim, quando chegará sua hora.

Não conhece o tempo, apenas suas marcas.

O amor

Em tantos desesperos

Nunca o entendeu

Talvez isso fosse de santo,

Pois não podia ser ateu.

Conhecia a dor

Sussurrava ao pé do ouvido da mãe.

Perguntava a ela se iria conseguir dormir

Tanta dor,

Uma dor desgraçada, uma dor de dente.

Há quem se contente

Passe do lado e ri

Ri da dor de uma criança

Pra esse tipo de gente, no céu não há esperança.

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Sopas e pães e roupas

Vivia no ciclo da agonia

Não sabia para o que vivia.

Sois um vento que passa, menininho.

Não é um bicho

Está mais para um anjinho

Com tuas vestes sujas e os pés ardentes de asfalto.

Com as tantas repetidas vezes que dormia ao frio

O rapazinho foi aos poucos se entregando

Já não corria mais

Não sorria

Não entendia a vida.

Aos braços de sua mãe,

Numa noite de chuva de Belém

Deitados em um papelão

Deu boa noite a ela

Fechou os olhinhos

E foi a voar.

Passou pelas nuvens

O ar gélido não sentia mais.

Estava vivo

Vivo como nunca

E Alcançou os céus,

Sentou aos pés do criador.

E chorando pediu pela sua mãe

A única pessoa que o amou.

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SOBRETUDO

Sobre o homem deita-se o mundo

Não sabendo a quem recorrer

Luta contra si.

Em vão

[Muitas vezes].

Sobre o homem deita-se a vida

Não sabendo distinguir paz e amor

Destila a si em ódio

[Quase sempre].

Sobre o homem deita-se a vaidade

Enrugada e velha

Deformada

[Como a vida e o mundo].

Sobre o homem deita-se a ignorância

Oh doce vida

Docemente adocicada

Brinco de existir

Mesmo sem saber de nada

[Sempre].

Sobre o homem deita-se a verdade

Tão de longe se atém a poucos

Poucos os animais de pureza

Conhecem-na.

Deita-se o homem

Deita-se o mundo

Deita-se a vida

Deita-se a vaidade

A ignorância

A verdade.

[E o tempo passa sobre tudo como um trator].

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TRÂNSITO

Buzinas

Entre os carros apressados

Entre os homens desnorteados.

O trânsito flui devagar

Como um gel escorrendo do recipiente.

Pronto, bateu…

O cara no celular perdeu o tempo

O gel parou de escorrer.

Sai do carro

Do outro sai uma senhora

Pra lá de seus sessenta

E num ato quase de insanidade

O tal homem lhe pede desculpas e lhe dá cem reais.

Continua o trânsito parado

A vida parada

A mulher que quer chegar no trabalho

A menina que chegará tarde para a prova

E os rapazes dos sinais aproveitam e pedem

Pedem pelo não findar do trânsito lento.

A vida

Ela é como uma cena de trânsito

Para

Continua

Para novamente

Dobra

Segue reto

Mas em algum momento se chega no destino final.

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ESQUEÇA-TE

Esqueça-te dos homens sórdidos,

Esqueça-te dos malfeitores,

Dos estupradores, assassinos, ladrões, agiotas…

Lembra-te sempre [e apenas] das crianças;

Elas são o caminho, os outros passarão.

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O QUE QUERES DE MIM

O que queres de mim?

Toda coragem e lucidez?

Ora, se nem tu tens

Quem é totalmente lúcido nesse mundo?

O que queres de mim?

Que vença batalhas?

Só para alimentar Narciso

Ou alimentar minha esperança?

Nem tu sabes o que queres de ti

Não te conheces

E queres conhecer a mim?

Precisas primeiro adentrar no teu ser

Para que depois

Possas tentar vir a me conhecer.

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SEJAS COMO FOR

Sejas como for

Serias mais sereno à sombra de uma palmeira

Serias mais sereno ao som da natureza

Se não pensasses tanto na vida.

Sejas como for

Sejas

Imenso e eterno

Que lembres de ti como correnteza.

Sejas eterno no brilho

E no amar

Amar é onde nascem os seres.

Sejas como for

Mas sejas para sempre o teu amado

Para que não se sintas nunca aprisionado.

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RENASCER

Durante a hora da partida é que vos falo

Em desalinho

Em desencanto

Em descontrole

Em desagrado.

Deixo cair um copo de vidro

Sem querer penso em meu estado

A pior morte não é a física

É a de alma

É perder-se em si

Perder-se na confiança de sua própria pessoa

É sucumbir a elementos tóxicos que enfraquecem

É sucumbir ao que não se merece

Para ser algo que não se sonha ser.

É bisonho pensar assim:

É preciso morrer para se encontrar

Entender o que sou, não o que querem de mim.

Desço então da sacada

Como algo

Vou para o quarto

Amanhã estarei melhor, bem melhor.

Morri,

Mas renasci na mesma noite

Morri o que era antes

Nasci para o que sou agora

Não há razão senão no caminho em que se anda

[Sozinho.

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ESPERANÇA

Sobreviver a um mundo sem esperança

Gasolina: cinco o litro

Energia: nem me fale!

E um moleque na barriga.

Como esse moleque vai nascer?

De cesariana, caramba!

Vai nascer normal

Só pra dar trabalho?

Vejo que não falta apenas esperança

Ética, bom caráter e paciência

Também faltam.

A fome nunca para de existir

Assim como a corrupção

E o desemprego, que é como uma bala perdida.

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DIA

Quatro da manhã

Podre, irrisório dia já começa

Que besta eu sou!

Estúpido de todas as formas.

Cinco da manhã

Ainda acordado, com insônia

Deita, dorme, desgraçado!

Nem pra isso serve.

Seis da manhã

Já faço o café

É hora de me arrumar.

Sete da manhã

Dentro do ônibus

Mais um dia sem dormir.

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POTÊNCIA, ATO E EGOÍSMO

que o ser humano

Significa-se pelo ato.

O mesmo ser

Na verdade

Justifica-se pela potência

Na evolução da vida

Enquanto diminuição do caráter egoísta.

Assim sendo

A vaidade se apodera

Do ato mesquinho

Em prol do próprio benefício.

E quanto mais egoísmo

Mais se destaca a característica

Da estrutura mediana na qual se encontra.

Necessita-se entender

De fato

Tal diminuição.

Todo ser humano

É por clareza

Potência de não consumação do egoísmo.

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AMOR POR DECRETO

Percebo

Na dor do outro

Uma solidão em aberto.

Percebo

Na vida alheia

Um pueril estratosférico

De más recepções.

Grandes atuações

De atores elegantes

Entram

Saem

Do palco

Mudam de cor

Com o tempo

Como outrora uma flor de Aurora.

Penso

Rio

Imagino

O intenso medo de não ser

Aquilo que por fim se decreta:

O amor.

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FLOR DO DESENCANTO

Floresça a rosa

Que há no teu caminho.

Mesmo entre a flor que tem espinhos

E agrada aos homens medianos.

Floresça a linda flor.

Não tema pelos dias ruins

Nem pelo chão de asfalto coberto por desencanto.

O desencanto toma o mundo

Toma o mundo com exuberância.

Mas exuberante mesmo

É o teu arranjo de cores vitrais

Nas aventuras da vida

Crescendo nos dias mais canibais.

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ADIANTE

Não tenha pressa

Deixe que passem os dias e as noites

Deixe que passem os meses e os anos.

Não tenha pressa

De viver

Velar o túmulo antes do tempo.

Não tenha pressa de morrer.

Mesmo que inquieto e frágil

Quero viver

Sem cerimônias

Sem notícias

Sem motim.

Quero sentir os ventos

E escutar os sons

E ver o horizonte

E provar o sabor das manhãs.

Não tenha pressa

Antes que discorde de mim

Ainda assim

Não tenha medo

Pois

Enfim me basto.

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INFINITO AMOR

Quando não quiseres mais me amar

Voa

Que nem passarinho

Procura outros ninhos

Pousa em melhores galhos

Sentimentos.

Quando passares do tempo

E o tempo for para nós

Aquilo que nunca quisemos

Esqueça de mim.

Quando recomeçar

Não te lembres do instante

O mísero vento

Que te trouxe até mim.

Eu entendo

É que…

Quando não há mais amor

Passam as estações

E o amor também passa.

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CAMINHO

Sou como te encontro

Às vezes jogado aos cantos

Por vezes sentido nenhum.

Tudo o que tenho é saudade

Da rede na varanda

Das comidas de verdade.

Sozinho

É o mundo que se vive de coração apertado

De coisas raras e eternas

De ventos frios e marés altas

De tempos bons

De caminhadas na praia.

Tudo o que sou é desejo

Não sei se sou idealista

Apenas busco a verdade naquilo que me inspira.

Espero,

Sobretudo,

Um dia comigo ter um encontro

Do tempo que fui

E que assim possa seguir em frente

Tendo sempre em mente

Que a vida é um caminho

E nada mais.

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TEMPO

Vejo que o tempo não é o que me consome

Nem o que me deixa passar

É apenas

Contrário a tudo aquilo queremos que seja.

É o tempo que tem asas

Sobrevoa sobre a vida sem recuar

Fracassados são os que o combatem.

Combatentes frágeis e mesquinhos.

A vida é sob o tempo o tocar de sinos

Pela espera do dia findo

Que chegará a qualquer instante.

Seja breve,

Pois o tempo é sagaz

Atropela sem dó o teu coração.

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UM POETA

Um bom poeta não gosta de seus poemas

Sempre escreve além da conta

Sempre rabisca um ou outro

E os joga fora.

Um bom poeta

Quando escreve

Não pensa tão intensamente.

O poema dói na alma

Assim como dói na mão.

A dor de um poeta é perdida

Transpassada para a dor da escrita.

Sou

Desfigurado um poeta

Que nem tantos e nem outros se vangloriam.

Sou apenas um poeta não tentando ser.

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POEMA SOBRE UM VELHO BÊBADO

Ainda que andasse cambaleante

Sabia os passos largos

Um senhor de muita idade

Com certeza com feridas no caminho

Aquele homem me pus a observar.

Primeiro ele olhou o céu

Viu que as estrelas brilham para todos

Sorriu, bebeu, conseguiu se equilibrar.

Depois um pouco de mansinho

Foi se sentando

E então

Na calçada os prantos caíram.

Chorava o homem bêbado

Um velho que voltava a ser criança.

Aos poucos me aproximei

Perguntei o seu nome

Ele me olhou desconfiado

Mas disse "José"

E eu brinquei "homem de fé"

Ele sorriu entre vórtices de lágrimas em seu rosto.

Indaguei sobre a tristeza

Ele disse: "isso há de passar".

O velho me contou a razão do pesar

Aquele era o dia do casamento

O de sua filha.

Não fora convidado

Pois não era bem-vindo

O velho bêbado preferia ter morrido

Pois para ele não havia destino.

Page 37: GABRIEL MEIRA 1 · Que às vezes me tenho em mim. Que vontade de ser o trem que passa às seis Ou o ônibus que se perde num dia de chuva! Mas Sou ainda a gota A simples gota ao descer

GABRIEL MEIRA 37