A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
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ESPAÇO, CRIME E PERCEPÇÃO DA VIOLÊNCIA: UM ESTUDO DE CASO EM
BAIRROS DO RECIFE.
LUCIANA CRUZ1 Resumo
Embora não seja determinante, a dimensão espacial do crime é crucial para o seu entendimento e sua análise deve ir além da distribuição espacial das ocorrências criminais. Neste caso, a triangulação de métodos, ou seja, o uso conjunto de análises quantitativas e qualitativas, desponta como a melhor forma para tentar se aproximar da totalidade do fenômeno. Baseado em pressupostos da Criminologia Ambiental, acredita-se que características espaciais, além de intervirem no ato criminoso, intereferem também na sensação de segurança das pessoas. Contudo, foi observado que esta intervenção se dá de forma indireta e que a gestão da segurança aparece como prioridade na percepção de segurança do público pesquisado. Palavras-chave: Espaço, Crime, Percepção, Segurança, Recife. Abstract
Although it is not determinate, the spatial dimension of crime is crucial and its analysis should go beyond the simple spatial distribution of criminal occurrences. Thus, the triangulation method, that means, the joint use of quantitative and qualitative analysis, appears as the best way to try to approach the entire phenomenon. Based on assumptions of the Environmental Criminology, it is believed that spatial characteristics not only intervene in criminal act but also intervene at the feeling of safety. However it was observed that this intervention occurs indirectly and that the safety management appears as priority in the security perception of the surveyed public.
Key-words: Space, Crime, Perception, Security, Recife city.
1 – Introdução
O presente trabalho é resultado de uma pesquisa que teve início a partir das
seguintes indagações: Além das ocorrências, quais são os fatores que influenciam a
1 Doutora em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de
Pernambuco. E-mail de contato: [email protected]
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percepção das pessoas sobre a segurança do lugar? A dimensão espacial interfere
nesta percepção? O espaço geográfico interfere na gestão territorial da segurança?
Acredita-se no caráter ativo do espaço que ao mesmo tempo em que é usado e
transformado, atua como condicionante das ações humanas. A partir dessas
reflexões buscou-se compreender se (e como) o espaço geográfico interfere na
ocorrência do crime, na gestão territorial da segurança e na percepção das pessoas
sobre o assunto. A hipótese testada foi a de que características espaciais, relativas à
infraestrutura urbana interferem não apenas na ocorrência do crime, mas também,
na percepção espacial de segurança das pessoas. O objeto de estudo foram três
bairros do Recife, cidade que já liderou o ranking das cidades mais violentas do
país, e que tem a questão segurança uma das principais reivindicações da
população.
A base teórica utilizada na pesquisa foi amparada pelos pressupostos da
Criminologia Ambiental que assegura que a materialidade espacial é uma dimensão
cruscial no entendimento do crime. Utilizou-se ainda a percepção espacial como
forma complementar para captar e entender a opinião das pessoas sobre o
fenômeno.
A metodologia empregada na pesquisa foi a Triangulação, ou seja, o uso
conjunto de métodos qualitativos e quantitativos. No entanto, este trabalho
demonstrará apenas os resultados da segunda etapa da pesquisa, uma análise
qualitativa complementar e confirmatória viabilizada pelos resultados da primeira,
com o intuito de averiguar, por meio da percepção espacial das pessoas, se
características físicas do espaço intereferem na sensação de segurança das
pessoas e na gestão territorial da Segurança Pública.
1.1 - Criminologia Ambiental
O termo Criminologia Ambiental refere-se ao estudo de alguns aspectos
espaciais do crime, trazendo a tona questões como: onde, quando e como os crimes
acontecem? (BRANTINGHAM’s, 1981). A concepção de ambiente aqui empregada
corresponde as "condições circundantes" que influênciam determinados tipos de
crimes incluindo recursos naturais e objetos construídos, bem como especificidades
de uma dada localidade (design urbanístico, utilização e gestão do espaço, etc.).
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De acordo com os Brantingham’s (1981) a ocorrência de um crime
pressupõe a existência indissociada de quatro elementos (lei, infrator, vítima e
lugar), e esclarecem que os criminologistas ambientais:
[...] questionam sobre características físicas e sociais do local do crime. Eles questionam sobre os processos perceptivos que levam a seleção do local do crime e os processos sociais de rotulagem ecológica. Criminologistas ambientais também questionam sobre a distribuição espacial dos alvos e agressores em áreas urbanas, suburbanas e rurais. Finalmente, criminologistas ambientais questionam como a quarta dimensão do crime interage com as outras três dimensões para produzir eventos criminosos (BRANTINGHAM e BRANTINGHAM, 1981, p.61, tradução nossa).
O vínculo entre criminalidade e ambiente passou a influenciar não apenas os
criminologistas, mas também, planejadores urbanos, arquitetos, e outros
pesquisadores. Dentre as abordagens práticas que envolvem a criminologia
ambiental sobressai a Prevenção do Crime através do Desenho Ambiental (CPTED).
Um exemplo deste tipo de estudo é a Teoria das “Janelas Quebradas” (Broken
Windows), cuja hipótese é a de que áreas com sinais de vandalismo e desordem
são potencialmente precursoras de crimes mais graves como roubos e agressões
(ANSELIN et. al., 2000).
A arquiteta Macarena Rau (2008) assegura que a prevenção da delinquência
requer estratégias que busquem a redução imediata dos delitos e da percepção
sobre o medo através de ações preventivas, e esta forma de prevenção deve ser
executada através do manejo da arquitetura urbana que pode facilitar a ocorrência
dos delitos. Vieira (2002) afirma que algumas variáveis têm o potencial de tornar o
espaço construído mais vunerável ao crime. Dentre as variáveis mais mencionadas
nestes estudos estão:
ausência de luminosidade
a falta de clareza na definição de territórios;
a falta de visibilidade e conexões visuais e funcionais entre os espaços;
a existência de espaços de difícil acessibilidade, que impede o movimento
da vítima (saídas bloqueadas);
a falta de manutenção de áreas públicas, edificações, equipamentos
urbanos e das áreas livres (acúmulo de lixo, pichações, abandono, etc.);
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ausência de vigilância formal e de movimento de pedestres, que
possibilita uma vigilância natural dos espaços.
Assim, afirmam os defensores deste ramo (BRANTINGHAM e
BRANTINGHAM, 1981/2011; VIERA, 2002; RAU, 2008; WORTLEY e MAZEROLLE,
2011, entre outros) que esta gama de critérios do desenho urbano garantiria que a
concepção de melhoraria da segurança não viria em detrimento da concepção da
boa qualidade urbana em geral.
1.2 - A percepção do espaço geográfico e o crime
A percepção enquanto uma forma de conhecimento teve suas origens na
Psicologia. Contudo, como forma de percepção do ambiente adquirido na inter-
relação homem-mundo foi, inicialmente, destacada pela Geografia Francesa no
inicio do século XX, sendo depois retomada pelos geógrafos anglo-saxões
(CLAVAL, 1974).
Y-fu Tuan (1980) valoriza a percepção através da noção de topofilia que
significa "o elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou quadro físico" (TUAN, 1980, p.5).
Mesmo referindo-se ao “quadro físico natural” Tuan destaca a relevância da
materialidade do lugar e reforça essa ideia ao mencionar que “o meio ambiente
natural e a visão de mundo estão estreitamente ligados: a visão do mundo, se não é
derivada de uma cultura estranha, necessariamente é construída dos elementos
empíricos do ambiente social e físico de um povo”. (op. cit., p 91). Desta forma, a
noção de percepção passa a ser fundamental neste trabalho, pois é através dela
que se tentará apreender como os indivíduos elegem os espaços entre: seguros e
inseguros.
Segundo Tuan (1980) “a percepção é tanto a resposta dos sentidos aos
estímulos externos como a atividade proposital, na qual certos fenômenos são
claramente registrados, enquanto outros retrocedem para a sombra ou são
bloqueados” (TUAN, 1980, p.4). Assim, tentar entender como as pessoas percebem
os espaços é um meio de vislumbrar como são construídos seus mapas mentais
sobre a segurança nos lugares.
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Trabalhos que atentam para questões referentes à percepção do crime e da
violência pela população geralmente trabalham com a noção de risco de vitimização
(RODRIGUES e FERNANDES, 2005; FELIX, 2009) sem, contudo, contextualizar
espacialmente fatores que podem estar atrelados à sensação de (in)segurança. De
acordo com Santos (2008), ao mesmo tempo em que se instala uma “tecnoesfera”
que substitui o meio natural ou técnico que o procedeu, aderindo ao lugar como uma
“prótese”, cria-se uma “psicoesfera”, reino das ideias, crenças e paixões, que
também faz parte desse meio ambiente fornecendo regras à racionalidade ou
estimulando o imaginário. Em relação à violência, é notória a geração de uma
“psicoesfera do medo” que se materializa em forma de objetos técnicos de proteção
e segregação (MELGAÇO, 2007, P.214). Assim, entende-se que o material e o
imaterial são indissociáveis e, portanto, nenhuma dessas esferas pode ser
negligenciada no entendimento de um fenômeno socioespacial.
De acordo com Pyszczek (2012) a análise da percepção espacial da
insegurança causada pelo medo da violência se dá a partir de três instâncias
básicas: as sensações (que correspondem ao campo das experiências diretas
vividas pelo individuo) passando pela instância das percepções (que inclui a
formação de estruturas cognitivas que dão significado e ordem à vivência espacial).
Estas duas instâncias culminariam nas representações sociais que ao se
perpetuarem no tempo e no espaço assumem uma “identidade” inerentemente
reconhecida pelas pessoas e atribuídas aos espaços e seus moradores (imaginários
urbanos), e que no caso das áreas de violência, são denominados estigmas
espaciais2.
Logo, a intenção deste trabalho é observar se o componente espacial
incorpora-se a percepção de segurança das pessoas e de que forma isto se reflete
espacialmente.
2 - A palavra estigma, neste sentido, refere-se à analogia sobre uma apropriação imaterial do espaço, na qual,
certos setores urbanos são associados, verdadeiramente ou não, ao perigo (PYSZCZEK, 2012).
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2 - Metodologia e Resultados
A pesquisa teve seus procedimentos divididos em duas etapas: a primeira
correspodeu a fase das análises quantitativas que envolveu a criação do Índice das
Características do Entorno dos Domicílios (ICED) gerado via Análise Fatorial a partir
dos dados do Censo 2010, que apresentou informações relativas à existencia de
iluminação, pavimentação, calçada, esgoto a céu-aberto, lixo acumulado nos
logradouros, entre outros. Nesta etapa foi verificada correlações entre os dados
criminais e algumas destas características baseando-se em pressupostos da
Criminologia Ambiental (relação espaço/crime) 3. A partir das correlações foi possível
eleger os bairros que apresentaram os resultados mais expressivos a saber:
Bairro da Jaqueira - baixo índice criminal e alto índice de características
(positivas) do entorno.
Nova Descoberta - alto índice criminal e baixo índice de características
(positivas) do entorno.
Boa Viagem - alto índice criminal e alto índice de características (positivas) do
entorno.
Na segunda etapa buscou-se observar em campo algumas características
(iluminação, pavimentação, calçada, bueiro, esgoto a céu-aberto, lixo acumulado
nos logradouros) e outras como: movimentação de pessoas e veículos, presença de
vegetação, equipamentos de lazer, verticalização, entre outros. O propósito foi
investigar, através de entrevistas com a população (15 em Nova Descoberta, 26 em
Boa Viagem e 8 na Jaqueira)4, se estas características influenciam a percepção das
pessoas sobre a violência e sua consequente sensação de (in)segurança
(percepção da violência / espaço) e também, buscou-se averiguar, por meio de
entrevistas com profissionais da Segurança Pública (6), se e como estas
características interferem na Gestão Territorial da Segurança.
3 Sobre a construção do Índice e seus resultados ver: CRUZ, Luciana. Relações entre espaço, crime e percepção
da violência: um estudo de caso em bairros do Recife. Tese (Doutorado em Geografia) Universidade Federal de
Pernambuco, 2015. 4 O número de entrevistas foi determinado pelas oportunidades geradas no trabalho de campo tendo relação com
o tamanho populacional de cada um, embora não possuam representatividade sobre elas.
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2.1 – Resultados
Embora os bairros tenham sido selecionados por suas diferenças no resultado
do cruzamento entre as ocorrências criminais e as características do entorno dos
domicílios, o que impossibilita uma análise comparativa, no processo de apreensão
das percepções, algumas questões buscaram ressaltar a intersubjetividade
compartilhada dos entrevistados. Desta forma, pode-se dizer que das características
averiguadas a iluminação foi o fator predominante a interferir na sensação de
segurança de todos os entrevistados (moradores e não moradores).
Iluminação, pavimentação, movimentação (de pessoas e veículos) e áreas
de lazer funcionaram como características positivas dos espaços, ou seja, que
ajudam a proporcionar sensação de segurança. Esgoto a céu aberto, lixo, pichação
e vegetação como características negativas pela ausência do poder público e, no
caso da vegetação, por ajudar a ocultar atividades criminosas.
A verticalização e o comércio dividiram opiniões, pois áreas onde
predominam apartamentos são consideradas seguras pela presença dos porteiros e
inseguras pela falta de interação entre os moradores, o que compromete a vigilância
natural. As áreas comerciais são consideradas seguras pela movimentação de
pessoas e inseguras por atrair criminosos e pela falta de movimentação nos
períodos em que tais atividades não funcionam. No geral, o grau de relevância de
cada característica esteve relacionado aos elementos presentes nos próprios bairros
pesquisados. Embora possua a menor extensão territorial e populacional o bairro da
Jaqueira foi o local com maior número de equipamentos de segurança:
Figuras 1: Placa de Videomonitoramento / Figura 2: Posto Policial Fotos: Luciana Cruz
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Para os entrevistados no bairro de Nova Descoberta o comércio e a
verticalização foram fatores que se mostraram negativamente intervenientes, ao
contrário de Boa Viagem onde estas mesmas características exercem menos
influência, e o lazer e a movimentação adquire uma carga negativa ao funcionar
como atrativo para o ato criminoso.
Figura 3: Iluminação complementar em beco sem denominação / Figura 4: Lixo acumulado em área de lazer.
Foto: Luciana Cruz
Figura 5: Contraste visual em Boa Viagem / Canal com lixo entre o maior Shopping da Cidade (Recife) e comunidade carente (Entra Apulso)
Fotos: Luciana Cruz
De acordo com os profissionais da segurança pública sobre as
características mencionadas e sua influência na ocorrência criminal e no trabalho
policial foram mencionadas as seguintes justificativas:
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Iluminação
Visibilidade: Locais mal iluminados ou sem iluminação facilitam a ação de meliantes e dificultam a identificação deles (permitindo rápida evasão).
Pavimentação Locomoção: A falta de pavimentação dificulta as rondas policiais e a possibilidade de chegar ao local da ocorrência rapidamente, aumentando o tempo de resposta.
Área de lazer
Cidadania: Atividades físicas e de lazer diminuem o ociosidade das crianças e adolescentes e evita o envolvimento com atividades criminais. Todavia esses locais, hoje em dia, facilitam a prática de crime de venda de entorpecentes.
Área verde
Regiões com áreas verdes extensas próximas a núcleos urbanos possibilitam a evasão dos criminosos e tornam-se locais para esconder drogas e armas. Precisa haver manutenção e fiscalização.
Comercio Áreas comerciais possuem um fluxo maior de pessoas e mercadorias propiciando a pratica de alguns delitos relacionados a roubos e furtos.
Movimentação
Onde há aglomeração de pessoas é mais fácil praticar pequenos furtos. No caso dos veículos, é possível praticar roubos com mais facilidade em congestionamentos, principalmente quando a vítima é do sexo feminino.
Verticalização
Não é o número de residências que define se uma área será violenta ou não. A renda, educação, característica urbanística (área residencial proporcional à área comercial - exemplo Boa Viagem) influenciam mais. Mas a predominância de casas pode facilitar crimes contra o patrimônio como arrombamentos.
Quadro 1: Influência da infraestrutura urbana na segurança. Fonte: entrevistas com Profissionais da Segurança Pública no Recife.
A partir destas respostas percebe-se que todas as características
mencionadas interferem positivamente ou negativamente no trabalho policial.
Portanto, mesmo não sendo determinante a condição da infraestrutura dos espaços
públicos se torna relevante na prevenção ao crime.
Foi solicitado aos entrevistados que descrevessem características espaciais
de locais que eles considerassem seguros e inseguros. A presença da polícia
apareceu como fator mais relevante na caracterização de um ambiente considerado
seguro, principalmente, quando se tem uma instalação fixa (posto ou delegacia). A
oferta de serviços de educação e lazer aparece em segundo lugar como fatores que
proporcionam segurança e o uso e tráfico de drogas como fatores de insegurança de
um lugar.
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3 - Conclusão
Dentre as questões e suposições inicialmente apresentadas foi possível
entrever algumas respostas, embora não definitivas, que podem subsidiar a
construção de uma compreensão da dinâmica espacial do crime e da violência
nestes espaços por meio das análises realizadas e da percepção de seus atores.
Através dos dados coletados por meio das entrevistas nos bairros
selecionados, buscou-se apreender em que medida as pessoas associam
características espaciais a sua sensação de (in)segurança. Foi averiguado que nos
discursos abertos eram raras as menções a elementos espaciais. Estes só se
mostravam relevantes nas questões direcionadas, em que os elementos foram
destacados. Com isso, pode-se dizer que a influência que as características do
entorno exercem sobre os indivíduos no universo pesquisado se dá de forma
indireta. Dentre estas características a iluminação e movimentação nos espaços se
mostraram mais expressivas, sendo as únicas mencionadas nos depoimentos livres.
Sobre a gestão territorial da segurança, observa-se que a violência e a
criminalidade se manifestam nos lugares, mas seu enfrentamento se dá nos
territórios, nos espaços delimitados de ações da polícia e das políticas públicas.
Além disso, a configuração territorial de alguns lugares (como altos e becos de difícil
acesso) dificulta o trabalho da polícia o que, em alguns casos, as torna propícia ao
domínio do crime, o que não significa dizer que em todas elas há criminalidade.
Apesar desta evidência, o abandono dessas áreas é evidente quando comparado à
gestão territorial da segurança em outras áreas da cidade. Isso fez surgir uma nova
questão: qual seria a melhor forma de gerir os espaços que dificultam a ação do
poder público?
Mesmo sendo o policiamento o principal fator a interferir na sensação de
segurança das pessoas, o número do efetivo, por mais incrementado que venha ser,
não conseguirá resolver o problema da criminalidade sem o auxílio da população.
Logo, uma política contra o crime deve envolver não apenas pesquisadores e
planejadores, mas também as pessoas que usam e transformam esses territórios,
constroem seus mapas mentais sobre a cidade e têm a tarefa diária de lidar com os
problemas que ali ocorrem. É preciso estimular uma cultura de “identidade espacial”,
que significa sentir-se parte de um lugar e compartilhar a responsabilidade de torná-
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lo seguro. O espaço deve ser visto não apenas como local das ocorrência criminais,
mas como um local de cooperação entre o poder público e a comunidade. Porém,
para a realidade recifense, o que parece predominar é a cultura do medo e da busca
individual por segurança.
Apesar dos limites da abordagem espacial, a contribuição desta dimensão
no entendimento de uma porção de crimes e na gestão territorial da segurança é
inegável. Resta-nos refletir sobre como promover espaços seguros ao invés de
pensar apenas na segurança dos espaços.
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