ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR
IMIGRANTES
JUNHO DE 2015
R u a S . J o ã o d e B r i t o , 6 2 1 L 3 2 , 4 1 0 0 - 4 5 5 P O R T O e-mail: g e r a l @ e r s . p t • telef.: 222 092 350 • fax: 222 092 351 • w w w . e r s . p t
Índice
Sumário Executivo ........................................................................................................ 1
1. Introdução ................................................................................................................. 4
2. Enquadramento ........................................................................................................ 7
2.1. O fenómeno da imigração .................................................................................. 7
2.2 Políticas de saúde pública e barreiras ao acesso a cuidados de saúde pelos
imigrantes ............................................................................................................... 13
3. Saúde como um direito do indivíduo ....................................................................... 23
3.1. Fontes internacionais de direito ........................................................................ 23
3.2. Fontes nacionais de direito ............................................................................... 26
3.3. Direito à proteção da saúde do cidadão estrangeiro: o caso especial do
imigrante ................................................................................................................. 33
3.3.1. Acesso dos cidadãos nacionais de um EM da UE, do EEE ou da Suíça, e
dos trabalhadores das instituições europeias ...................................................... 35
3.3.2. Acesso dos cidadãos nacionais de países terceiros abrangidos por acordos
bilaterais .............................................................................................................. 44
3.3.3. Acesso dos cidadãos nacionais de países terceiros não abrangidos por
acordos bilaterais ................................................................................................. 46
3.3.4. Acesso de cidadãos nacionais de países terceiros com estatuto de
refugiado ou direito de asilo ................................................................................. 55
4. Acesso a cuidados de saúde por cidadãos estrangeiros em Portugal ..................... 57
4.1. Os procedimentos de acesso ........................................................................... 57
4.2. Análise crítica ................................................................................................... 66
5. Conclusões ............................................................................................................. 69
Anexo I – Informações recolhidas junto das ARS, da ACSS e do ACM ...................... 71
Índice de Abreviaturas
ACSS – Administração Central do Sistema de Saúde, IP
ACM – Alto Comissariado para as Migrações, I.P.
ACN – Active Citizenship Network
ARS – Administração Regional de Saúde
CDHB – Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina
CESD – Cartão Europeu de Seguro de Doença
CNAI – Centro Nacional de Apoio ao Imigrante
CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
CPS – Certificado Provisório de Substituição
CRP – Constituição da República Portuguesa
CSE – Carta Social Europeia
CTH – Consulta a Tempo e Horas
DGS – Direção Geral de Saúde
DUDH – Declaração Universal dos Direitos do Homem
EEE – Espaço Económico Europeu
EM – Estado Membro
ERS – Entidade Reguladora da Saúde
LBS – Lei de Bases da Saúde
MCDT – Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica
OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico
OIM – Organização Internacional para as Migrações
OMS – Organização Mundial da Saúde
PALOP – Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa
PEM – Plano Estratégico para as Migrações
PIDESC – Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais
RAER – Regulamento da Assistência Espiritual e Religiosa no Serviço Nacional de
Saúde
RNU – Registo Nacional de Utentes
RRH – Redes de Referenciação Hospitalar
RSI – Rendimento Social de Inserção
SEF – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras
SNS – Serviço Nacional de Saúde
SSS – Serviços de Segurança Social
TMRG – Tempos Máximos de Resposta Garantidos
UE – União Europeia
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 1
Sumário Executivo
A realização do presente estudo pela Entidade Reguladora da Saúde (ERS), no qual
se analisa o acesso a cuidados de saúde por imigrantes em Portugal, afigurou-se
oportuna ao abrigo das suas atribuições e incumbências estabelecidas nos n.os 2 e 3
do artigo 5.º dos seus Estatutos aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de
agosto.
O estudo é constituído por cinco capítulos. Após um primeiro capítulo introdutório no
qual é realçado o desiderato do presente estudo, o segundo capítulo dedica-se ao
cenário atual da imigração na Europa, bem como à evolução do saldo migratório
português. Ali é descrita a procura de cuidados de saúde por parte da população de
imigrantes recorrendo a informação de organizações internacionais como a
Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização Internacional para as
Migrações (OIM) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico
(OCDE), entre outras, e de artigos académicos que aplicaram, na sua maioria,
inquéritos por questionário para caracterizar a procura de cuidados de saúde, bem
como as possíveis barreiras existentes ao acesso a cuidados de saúde pela população
imigrante.
Constatou-se que ainda persiste a falta de dados sobre a acessibilidade e utilização
dos serviços de saúde por parte de imigrantes, o que limita o conhecimento sobre os
múltiplos determinantes da utilização dos serviços de saúde, e as barreiras no acesso
a estes serviços. Mais se concluiu pela necessidade de serem especialmente
considerados os imigrantes recém-chegados e em situação irregular, por serem estes
os subgrupos da população imigrante mais afetados pelas dificuldades e falta de
informação para aceder a cuidados de saúde. Além disso, importa identificar
claramente as barreiras do lado da procura e da oferta com o intuito de melhor serem
combatidas as desigualdades no acesso e utilização dos serviços na população de
imigrantes, e dar especial atenção ao atual contexto socioeconómico, aos fatores
culturais e às desigualdades de género, na medida em que afetam o estado de saúde
dessa população. E, por último, deve-se promover a informação junto da população de
imigrantes sobre os direitos à saúde e os requisitos para usar os serviços de saúde.
O capítulo 3 é dedicado às diferentes fontes, de âmbito internacional e nacional, que
enunciam a universalidade do direito à proteção da saúde e que permitem enquadrar o
acesso aos cuidados de saúde por parte dos cidadãos estrangeiros. As diferentes
2 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
nacionalidades e circunstâncias de quem decide deixar o seu país de origem
circunscrevem diferentes enquadramentos jurídicos e fáticos do direito à proteção da
saúde atribuído aos cidadãos estrangeiros. Por isso, a discussão ali apresentada foi
alargada, também, às pessoas que, apesar de serem cidadãos estrangeiros, não são
enquadráveis (apenas) no âmbito subjetivo considerado pela Lei n.º 23/2007, de 4 de
julho, mas na delimitação de titular do direito à proteção da saúde e do dever de a
defender e promover, e na de beneficiário do Serviço Nacional de Saúde, tal como
consignadas na Constituição da República Portuguesa e na Lei de Bases da Saúde,
respetivamente. Posto isto, apresentam-se de forma distinta quatro realidades, a
saber, a do cidadão europeu de um Estado Membro da União Europeia, do Espaço
Económico Europeu (EEE) e da Suíça (que decide residir de forma permanente ou
temporária em Portugal) bem como do trabalhador das instituições europeias, a do
cidadão nacional de um país terceiro com quem Portugal outorgou um acordo bilateral
(aqui também consideradas as deslocações motivadas por formação e educação), a
do cidadão nacional de um outro país com o qual não existe qualquer acordo bilateral,
que também pode estar em Portugal em situação irregular, e finalmente, a do cidadão
nacional de país terceiro com estatuto de refugiado ou direito de asilo.
O quarto capítulo serve, num primeiro momento, à esquematização do enquadramento
legal e normativo antecedente e à descrição e realce da realidade conhecida pelas
estruturas do sistema de saúde, aqui as Administrações Regionais de Saúde (ARS) e
a Administração Central do Sistema de Saúde, IP (ACSS), bem como do Alto
Comissariado para as Migrações, IP (ACM). O capítulo é finalizado com uma análise
crítica aos procedimentos que concretizam aquele quadro legal e normativo. Com
efeito, do confronto entre o entendimento legislativo e a realidade verificada junto das
ARS competentes, da ACSS e do ACM, resulta que se mantêm barreiras no acesso
aos cuidados de saúde por parte do cidadão estrangeiro que, desde logo, se prendem
com dificuldades linguísticas, diferenças culturais, problemas e dificuldades
socioeconómicas, mas também com barreiras assentes em constrangimentos
informáticos e de procedimentos instalados na referenciação destes utentes e na
prescrição de medicamentos pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS). Especialmente
no caso dos imigrantes em situação irregular, identificaram-se questões relevantes no
atendimento e acesso a cuidados de saúde que não raras vezes decorrem do facto de
os sistemas informáticos não permitirem, por exemplo, a referenciação para cuidados
diferenciados ou, ainda, a prescrição de meios complementares de diagnóstico e
terapêutica (MCDT) e de medicamentos. Por outro lado, percebe-se que as instituições
não têm logrado acompanhar devidamente esta realidade, não obstante a vontade
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 3
governamental plasmada nos textos legais. Com efeito, as entidades prestadoras de
cuidados de saúde, cada uma das ARS e a própria ACSS, não têm dado cumprimento
à obrigação que sobre cada uma impende de registar, tratar e monitorizar informação
sobre todos os cidadãos estrangeiros que acedem aos cuidados de saúde no SNS.
Tanto decorre quer da insuficiente informação recolhida pelos prestadores (que, na
maioria das situações, não lograram dar cumprimento à obrigação de reportar
devidamente a cada uma das ARS), quer ainda, da incapacidade do sistema
informático para recolher tal informação ou mesmo da omissão no tratamento e não
existência de procedimentos de monitorização da realidade, por parte da ACSS.
O quinto e último capítulo é dedicado às principais conclusões das análises
empreendidas no estudo. Conforme visto, hoje não há ainda um efetivo conhecimento
da realidade relativamente aos utentes cidadãos estrangeiros, seja no que respeita à
sua identidade, à sua nacionalidade e sua origem, seja ainda relativamente aos
cuidados que são prestados e aos valores que lhes são efetivamente cobrados. E,
naturalmente, esta falta de conhecimento limita a capacidade de se desenhar políticas
que promovam um melhor acesso pelos imigrantes a cuidados de saúde que lhes
estão legalmente salvaguardados.
4 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
1. Introdução
A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) em cumprimento das atribuições e
incumbências tal como definidas nos n.os 2 e 3 do artigo 5.º dos seus Estatutos,
aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto, e do por si proposto no
Plano de Atividades de 2015, decidiu estudar o tema do direito à proteção da saúde
dos imigrantes, em concreto delimitando o enquadramento legal do acesso aos
cuidados de saúde e analisando a concretização desse acesso por parte da população
imigrante.
Neste contexto, foram considerados os objetivos regulatórios estabelecidos no artigo
10.º dos Estatutos da ERS, mormente os atinentes ao cumprimento dos critérios de
acesso aos cuidados de saúde, nos termos da Constituição e da lei, à garantia dos
direitos e interesses legítimos dos utentes e à prestação de cuidados de saúde de
qualidade, todos melhor delimitados nas alíneas b), c) e d), respetivamente, daquela
mesma disposição. Foram igualmente consideradas as incumbências definidas no
artigo 12.º dos Estatutos desta entidade reguladora, que visam assegurar o direito
universal e equitativo à prestação de cuidados de saúde nos serviços e
estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde (SNS), nos estabelecimentos
publicamente financiados e nos demais contratados para a prestação de cuidados de
saúde aos utentes do SNS, prevenir e punir as práticas de rejeição e discriminação
infundada dos utentes do SNS e da rede nacional de prestação de cuidados de saúde
e zelar pelo exercício da liberdade de escolha nos estabelecimentos prestadores de
cuidados de saúde, aqui incluído o direito à informação.
O movimento migratório é decididamente um fenómeno nacional e internacional e é
julgado como um dos desafios da saúde pública a enfrentar pelos governos e pelas
sociedades, na medida em que obriga a uma acentuada preocupação na formulação
de políticas e programas que considerem e acautelem o acesso aos cuidados de
saúde, com particular atenção à redução das desigualdades a esse mesmo acesso e à
eliminação de barreiras a tais cuidados. Tanto impõe uma reconhecida necessidade
de se compreender a movimentação da população e do seu impacto na saúde para os
países de acolhimento. Sabe-se que os grupos de população de imigrantes e, em
geral, de cidadãos estrangeiros, são muito heterógenos, na medida em que incluem
trabalhadores, estudantes, não ativos, refugiados e apátridas e, ainda, imigrantes em
situação regular e não regular, entre outros, detentores de diferentes estados de
saúde e de distintas necessidades de cuidados de saúde. Tal heterogeneidade
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 5
representa um desafio para cada um dos países de acolhimento, na medida em que a
estes importa gerir as relações, os problemas e os riscos que surgem sempre que
alguém reside (por vezes, mesmo de forma clandestina) num país do qual não é
oriundo. Neste âmbito, revela-se (também) como um desafio, aos países de
acolhimento, determinar, afinal, que cuidados de saúde e em que termos devem ser
prestados a quem não é seu nacional.
Pelo referido, a análise do acesso aos cuidados de saúde e da equidade nesse acesso
por parte dos imigrantes revela-se crucial e, no caso português, deve importar um
entendimento claro e cabal das atribuições do nosso sistema de saúde na garantia do
direito à saúde a todos, em respeito pelo artigo 64.º do Constituição da República da
Portuguesa (CRP).
Importa anotar preliminarmente que não obstante a intenção primeira de apresentar
uma reflexão sobre o acesso por parte dos imigrantes, as diferentes realidades
vivenciadas pelas pessoas que decidem permanecer e residir em Portugal permitiram
concluir que é relevante perceber as circunstâncias em que tal acontece e,
naturalmente, analisar os diferentes enquadramentos jurídicos e fáticos do direito à
saúde. E, por esse motivo, a discussão é alargada, também, às situações específicas
de quem, não sendo nacional, não é enquadrado apenas no âmbito subjetivo definido
na Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, mas é já considerado o titular do direito e do dever
consignados na CRP e o beneficiário do SNS tal como definido na Lei de Bases da
Saúde (LBS). Por isso, o capítulo dedicado ao enquadramento legal considera os
cidadãos dos países da União Europeia (UE), do Espaço Económico Europeu (EEE) e
da Suíça, (e, ainda, os trabalhadores de instituições europeias), os cidadãos nacionais
de países com os quais Portugal celebrou acordos bilaterais, os cidadãos nacionais de
países com quem Portugal não detém um qualquer acordo bilateral (e aqui, os que
permanecem no nosso país, mesmo que em situação não regular) e, finalmente, os
cidadãos nacionais de países terceiros com estatuto de refugiado ou direito de asilo.
O presente estudo está dividido em cinco capítulos, sendo o segundo e o terceiro
dedicados ao enquadramento do movimento migratório e ao enquadramento legal e
normativo, respetivamente. O quarto capítulo serve, num primeiro momento, à
esquematização do enquadramento legal e normativo antecedente e à descrição e
realce da realidade conhecida pelas estruturas do sistema de saúde, aqui as
Administrações Regionais de Saúde (ARS) e a Administração Central do Sistema de
Saúde, IP (ACSS), bem como do Alto Comissariado para as Migrações (ACM), para
finalizar com a uma análise crítica aos procedimentos que concretizam aquele quadro
6 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
legal e normativo. Finalmente, o quinto e último capítulo é dedicado às principais
conclusões do estudo que ora se apresenta.
Numa nota final deste capítulo introdutório, a ERS pretende agradecer a colaboração
de diversas instituições no âmbito do estudo que se apresenta, realçando-se em
particular o contributo do Senhor Alto Comissário para as Migrações, Dr. Pedro
Calado. Adicionalmente, impõe-se um agradecimento à Professora Doutora Sónia
Dias, do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa,
que, a convite da ERS enviou comentários e sugestões que muito enriqueceram este
trabalho.
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 7
2. Enquadramento
De acordo com a Organização Internacional para as Migrações (OIM), vive-se hoje na
era de maior mobilidade humana registada na história. Há mais pessoas em
movimento do que nunca, com o número total de migrantes internacionais atualmente
estimado em 214 milhões, dos quais a maioria se desloca intra-regionalmente (OIM,
2013)1. Assumindo que a migração é reconhecida internacionalmente como um dos
desafios para a saúde pública, alguns governos e instituições governamentais e não-
governamentais têm mostrado uma preocupação crescente com a necessidade de
formular políticas e programas que abordem as desigualdades de acesso a cuidados
de saúde e que eliminem barreiras de acesso a tais cuidados (OIM, 2013). Apesar
destes esforços, os imigrantes continuam a ser negligenciados em muitos países,
onde o acesso aos cuidados de saúde, muitas vezes, ainda é limitado e condicional.
Isto é particularmente relevante em tempos de crise económica, em que a escassez
de recursos financeiros exerce pressões sobre os sistemas de saúde e sobre os
decisores de políticas de saúde.
No presente capítulo pretende-se caracterizar o cenário atual da imigração na Europa,
bem como a evolução do saldo migratório português. De seguida, descreve-se a
procura de cuidados de saúde por parte da população de imigrantes recorrendo a
informação de organizações internacionais como a Organização Mundial da Saúde
(OMS), a OIM e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico
(OCDE), entre outras, e de artigos académicos que aplicaram, na sua maioria,
inquéritos por questionário para caracterizar a procura de cuidados de saúde, bem
como as possíveis barreiras existentes ao acesso a cuidados de saúde pela população
imigrante.
2.1. O fenómeno da imigração
De acordo com a OIM, existe uma variedade de razões apontadas para os fluxos
migratórios que incluem conflitos, desastres naturais ou degradação ambiental,
perseguição política, pobreza, discriminação e falta de acesso a serviços básicos e a
procura de novas oportunidades, nomeadamente em termos de trabalho e/ou
educação (OIM, 2013).
1 Organização Internacional para a Migração, (2013) “International Migration, Health and Human Rights”, disponível em www.iom.int.
8 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
O mapa 1 espelha a imigração de longa duração na Europa no ano de 2013,
constatando-se que em cinco países, o número de novos imigrantes registados (nesse
ano) ficou compreendido no intervalo de 696 a 8.4282. No intervalo seguinte, entre
8.428 e 21.098, estão seis países3, incluído Portugal, e em cada um dos intervalos
seguintes4 estão igualmente seis países, com exceção do intervalo entre 129.428 e
692.7135 que abrange oito países, e cinco países não tinham dados disponíveis.
Mapa 1 – Número de novos imigrantes de longa duração na Europa, 2013
Fonte: Eurostat.
Na União Europeia dos 27 países (UE27), o número total de novos imigrantes de
longa duração, em 2013, foi de 3.378.912. Deste grupo de países, destaca-se a
Alemanha que exibiu um maior número de novos imigrantes de longa duração, nesse
ano, com 692.713 (representando 20,5% do total de imigrantes da UE27), seguida da
Inglaterra com 526.046 (15,6% do total), da França com 332.640 (9,8% do total) e da
Itália com 307.454 (9,1% do total).
2 Os cinco países incluídos no intervalo entre 696 e 8.428 de imigrantes são: Eslováquia, Estónia, Islândia, Letónia e Liechtenstein. 3 Os seis países incluídos no intervalo entre 8.428 e 21.098 de imigrantes são: Bulgária, Chipre, Croácia, Eslovénia, Malta e Portugal. 4 Os seis países incluídos no intervalo entre 21.098 e 59.294 de imigrantes são: Finlândia, Grécia, Hungria, Lituânia, Luxemburgo e República Checa. Os seis países incluídos no intervalo entre 59.294 e 129.428 de imigrantes são: Áustria, Bélgica Dinamarca, Irlanda, Noruega e Suécia. 5 Os oito países incluídos no intervalo entre 129.428 a 692.713 de imigrantes são: Espanha, França, Holanda, Itália, Polónia, Reino Unido, Roménia, e Suíça.
Legenda: 671 a 14.606 14.606 a 91.557 91.557 a 592.175 Dados não disponíveis.
Legenda: 696 a 8.428 8.428 a 21.098 21.098 a 59.294 59.294 a 129.428 129.428 a 692.713 Dados não disponíveis.
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 9
Tendo por base a análise da taxa de crescimento anual média, entre 2009 e 2013,
constata-se um crescimento do número de novos imigrantes de longa duração nos
países que integram a UE27. No entanto, esta realidade é mais acentuada em países
como a Lituânia (28%), a Letónia (18%) e a Alemanha (15%). Em tendência contrária,
destacam-se os países com dois dígitos de decréscimo anual como a Grécia (21%),
Eslováquia (20%), República Checa (17%), Eslovénia (14%) e Portugal (11%).
Tabela 1 – Evolução do número de novos imigrantes de longa duração, em
Portugal e UE27, 2009-2013
Taxa de variação no período
Taxa de crescimento anual médio no período
Portugal -36% -11%
UE27 3% 1% Fonte: Eurostat.
No caso português, e considerando o horizonte temporal entre 2009 e 2013, verificou-
se um decréscimo na população de imigrantes até 2012, sendo este mais acentuado
entre 2010 e 2011, e um crescimento de 20% entre 2012 e 2013 (ver gráfico 1).
Gráfico 1 – Total de novos imigrantes de longa duração e taxa de variação anual
em Portugal, 2009-2013
Fonte: Eurostat.
Em 2014, o Continente Europeu era a região com maior representatividade em termos
de população estrangeira com estatuto legal de residente em Portugal (39,5% do
total), seguido dos continentes Africano (25,4%) e Americano (24,2%), e por último, do
Continente Asiático, com 11,0%. Verifica-se, também, que no grupo de países do
Continente Europeu predominava a população estrangeira com estatuto legal de
-15%
-29% -26%
20%
-40%
-30%
-20%
-10%
0%
10%
20%
30%
0
5 000
10 000
15 000
20 000
25 000
30 000
35 000
2009 2010 2011 2012 2013
Nr.º de imigrantes Taxa de variação
10 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
residente vinda da Ucrânia e da Roménia, no Continente Africano, destaca-se a
população de Cabo Verde, e o Brasil e a China nos Continentes América do Sul e
Ásia, respetivamente.
A população estrangeira com estatuto legal de residente em Portugal diminuiu, entre
2009 e 2014, a uma taxa de crescimento anual média de -2,4%, verificando-se um
decréscimo mais acentuado de oriundos de alguns países, nomeadamente da
Moldávia, Ucrânia, Angola, Guiné-Bissau e Brasil.
Tabela 2 – População estrangeira com estatuto legal de residente, total e por
nacionalidades, em Portugal, 2009-2014
Continente/País Imigrantes em 2014
% Taxa de crescimento
médio 2009-2014
Europa 153.937 39,5% -2,1%
Moldávia 8.458 5,5% -13,9%
Reino Unido 16.560 10,8% 0,2%
Roménia 31.505 20,5% -0,5%
Ucrânia 37.809 24,6% -5,2%
Outro 59.605 38,7% 1,0%
África 98.948 25,4% -3,2%
Angola 19.478 19,7% -4,9%
Cabo Verde 40.563 41,0% -2,9%
Guiné-Bissau 17.728 17,9% -3,8%
Moçambique 2.813 2,8% -2,7%
S. Tomé e Príncipe 10.028 10,1% -1,7%
Outro 8.338 8,4% -0,9%
América 94.392 24,2% -4,5%
Brasil 85.288 90,4% -5,0%
Outro 9.104 9,6% 0,6%
Ásia 42.837 11,0% 5,9%
China 21.042 49,1% 6,6%
Outro 21.795 50,9% 4,3%
Total 390.114 100,0% -2,4% Fonte: PORDATA.
Quanto a distribuição geográfica, a população estrangeira residente concentra-se
especialmente no litoral, sendo certo que os dados de 2014 revelam que cerca de
69,3% estão registados nos distritos de Lisboa (176.927), Faro (57.212) e Setúbal
(39.763).6
6 Relatório de “Imigração, Fronteiras e Asilo”, 2014, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Disponível em: http://sefstat.sef.pt/relatorios.aspx.
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 11
Ainda no caso português, verifica-se paridade no género dos imigrantes, com o sexo
feminino a representar 51% e o masculino 49% do total de imigrantes. De acordo com
o “Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo”, de 2014, do Serviço de Estrangeiros e
Fronteiras (SEF), quanto à distribuição por género, atenta a origem geográfica,
verifica-se maior predominância do sexo feminino nos provenientes da América, outros
da Europa e África, aspeto que já se verificava no ano de 2013. Como fatores
explicativos enunciam-se o reagrupamento familiar e a redução do quantitativo de
residentes do sexo masculino. E, no mesmo relatório, destaca-se que cerca de 83,5%
dos cidadãos estrangeiros residentes fazem parte da população potencialmente ativa
(330.107), sendo de evidenciar a preponderância do grupo etário dos 20-39 anos
(173.114). Este grupo populacional tem uma composição por género com maior
preponderância feminina (53%).
Gráfico 2 – População estrangeira com estatuto legal de residente, por género,
Portugal, 2014
Fonte: PORDATA.
Ainda de acordo com dados do SEF, em 2014 foram identificados 2.393 cidadãos
estrangeiros em situação irregular, representando 6,2% do total de estrangeiros
identificados. Importa realçar que o número de estrangeiros nesta situação aumentou
42,3% de 2013 para 2014. Em 2013 e 2014, Brasil e Cabo Verde foram os principais
países de origem dos estrangeiros identificados em situação irregular.
Masculino49%Femnino
51%
12 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
Tabela 3 – Estrangeiros identificados em situação irregular, 2013 e 20147
2013 2014
Taxa de variação
Total de estrangeiros identificados 38.152 38.843 1,8%
Estrangeiros identificados em situação irregular 1.682 2.393 42,3%
Estrangeiros identificados em situação irregular (em %) 4,4% 6,2% 1,8 p.p.
Fonte: SEF, 2014 e 2013.
O saldo migratório em Portugal apresentou valores positivos na década passada, mas
entre 2011 e 2014 registou valores negativos. Esta realidade associada a saldos
naturais cada vez mais negativos conduz a que Portugal assista a saldos
populacionais totais negativos (ver gráfico 3). Em suma, conclui-se que a partir de
2011 o saldo migratório em Portugal deixou de conseguir compensar os valores
negativos do saldo natural.
Gráfico 3 – Saldos populacionais anuais, total, natural e migratório, em milhares
de indivíduos, 2009-2014
Fonte: PORDATA.
Importa realçar que a tendência decrescente da imigração em Portugal é também
descrita no Plano Estratégico para as Migrações 2015-2020 (PEM), aprovado pela
Resolução de Conselho de Ministros n.º 12-B/2015, de 20 de março, onde é
evidenciado que, desde o início do século XXI, assistiu-se a um decréscimo da
7 Os “Relatórios de Imigração, Fronteiras e Asilo” de 2013 e de 2014 publicados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras encontram-se disponíveis em: http://sefstat.sef.pt/relatorios.aspx.
10,5
-0,8
-30,3
-55,1-60,0
-52,5
-4,9 -4,6 -6,0
-17,8-23,8 -22,4
15,4
3,8
-24,3
-37,3 -36,2-30,1
2009 2010 2011 2012 2013 2014
Saldo total Saldo natural Saldo migratório
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 13
população imigrante, numa tendência que se confirmou igualmente no ano de 20148.
No mesmo documento destaca-se que foi verificada uma subida do número de
descendentes de imigrantes nascidos em Portugal que, por via das alterações à Lei n.º
37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade), introduzidas pela Lei Orgânica n.º
2/2006, de 17 de abril, adquiriram a nacionalidade portuguesa, sendo hoje novos
cidadãos nacionais.
Com efeito, no relatório International Migration Outlook 2014 da OCDE, aponta-se
que a recessão económica e a naturalização são as principais razões para a
diminuição do número de imigrantes em Portugal.
Importa referir que compete ao SEF a atribuição e a aquisição da nacionalidade
portuguesa, bem como a emissão de parecer no que refere à certificação do tempo de
residência no território português. Em 2014, foram formulados 32.349 pedidos de
atribuição e aquisição da nacionalidade portuguesa (correspondendo a um aumento
de 7,4% face a 2013). O SEF emitiu 20.521 pareceres, dos quais 20.115 foram
positivos. Os 406 pareceres negativos emitidos foram fundamentados com base em
razões de segurança interna, existência de medidas cautelares nacionais e
internacionais ou por não habilitação com título de residência.9
Para fazer face à atual situação da imigração, o PEM definiu cinco eixos prioritários de
ação que se encontram melhor definidos, de seguida, no capítulo dedicado à
descrição do direito à saúde dos cidadãos.
2.2 Políticas de saúde pública e barreiras ao acesso a
cuidados de saúde pelos imigrantes
A migração é reconhecida internacionalmente como um desafio de saúde pública.
Com efeito, nesta vertente, identifica-se a necessidade de compreensão da
8 De acordo com o PEM, o perfil migratório português alterou-se desde os anos 60 do século passado. De um país fortemente marcado pela emigração, Portugal transformou-se, na década de 90 do mesmo século, num país muito procurado por imigrantes para viverem e trabalharem. Desde o início do século XXI tem-se assistido a uma nova alteração do perfil migratório do país, com o decréscimo da população imigrante, numa tendência que se confirma igualmente no ano de 2014. 9 “Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo”, 2014, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Disponível em: http://sefstat.sef.pt/relatorios.aspx.
14 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
movimentação da população e do seu impacto na saúde, quer para os países de
acolhimento, trânsito e origem, quer para as populações, migrantes e autóctones10.
Sabe-se que os grupos de população de imigrantes são muito heterógenos, incluindo
trabalhadores, refugiados, estudantes e imigrantes não regulares, entre outros, com
diferentes estados de saúde e necessidades de cuidados de saúde. O acesso a
cuidados de saúde por parte dos imigrantes regulares e irregulares é considerado um
desafio crucial de saúde pública enfrentado pelos governos e sociedades. A OMS
(2010) identifica quatro princípios que a saúde pública deverá considerar na promoção
da saúde dos migrantes e da população de acolhimento (ver figura infra)11:
i. evitar disparidades no estado de saúde e no acesso aos cuidados de saúde
entre os migrantes e a população de acolhimento;
ii. garantir o direito à saúde dos migrantes; tal direito implica reduzir a
discriminação e a possibilidade de impedimento no acesso dos migrantes às
intervenções preventivas e curativas, que são os direitos básicos de saúde da
população de acolhimento;
iii. reduzir a mortalidade e morbilidade das populações migrantes; isto é de
particular relevância em situações de migração forçada resultante de
catástrofes ou conflitos;
iv. minimizar o impacto negativo do processo de migração; a migração geralmente
torna os migrantes mais vulneráveis aos riscos de saúde decorrentes da
mudança e adaptação a novos ambientes.
10 Dias, Sónia e Aldina Gonçalves, 2007, “Migrações e Saúde”, Observatório de Imigração, ACIDI IP. 11 World Health Organization, 2010, “Health of migrants: the way forward - report of a global consultation”, Madrid, Spain, 3-5 March.
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 15
Figura 1 – Princípios para a promoção de saúde pública na população de
migrantes
Fonte: OMS (2010).
A OMS (2010) destacou também que deve ser envolvido um conjunto de stakeholders
– profissionais de saúde, empregadores, organizações nacionais e internacionais,
organizações não-governamentais, entre outros – nos planos de ação relativamente
ao estado de saúde dos migrantes.
Apesar da investigação crescente neste campo, ainda persiste a falta de dados sobre
a acessibilidade, a utilização e a adequação dos serviços de saúde, bem como sobre a
satisfação por parte da população de imigrantes nos serviços de saúde e sobre
possíveis problemas no sistema de saúde.
Como evidenciado por vários autores, apesar da escassez de informação, a
investigação e os indicadores de saúde disponíveis parecem apontar para que os
migrantes apresentem uma maior vulnerabilidade a doenças ou a outros problemas de
saúde12. Destacam-se as doenças cardiovasculares, de saúde mental, problemas de
12 Nielsen S.S. e Krasnik A., 2010, “Poorer self-perceived health among migrants and ethnic minorities versus the majority population in Europe: a systematic review”. Int. J. Public Health 55: 357–371.
Garantir o direito à saúde
Evitar disparidades no estado de saúde e no
acesso aos cuidados de saúde
Minimizar o impacto negativo do processo de
migração
Princípios
Reduzir a mortalidade e morbilidade
16 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
saúde materno-infantil, diabetes, cancro e outros fatores de risco associados, bem
como as doenças transmissíveis como a infeção VIH/SIDA, entre outras13 14.
Comprova-se, também, que as populações de imigrantes apresentam uma maior taxa
de prevalência destas doenças que as populações autóctones. Há, no entanto,
situações em que alguns imigrantes são mais saudáveis do que as populações
autóctones e do que as populações da mesma origem, que já nasceram nos países de
acolhimento15. A título exemplificativo, no estudo desenvolvido por Dias et. al. (2013)16,
no qual foi analisada uma amostra de 1.375 imigrantes (51,1% do género feminino),
66,7% dos homens e 56,6% das mulheres reportaram “bom” estado de saúde. Note-se
também que tanto nos homens como nas mulheres, o “bom” estado de saúde foi
associado à idade mais jovem, à nacionalidade dos imigrantes de origem africana e
brasileira (em comparação com os imigrantes provenientes da Europa de Leste), à
mais elevada escolaridade, à ausência de doença crónica, e, ainda, à maior
preocupação com os hábitos alimentares. Entre as mulheres, o “bom” estado de saúde
foi ainda associado à maior perceção de que o rendimento é suficiente para garantir as
necessidades, à ausência de doença mental, e à prática regular de exercício físico. A
título comparativo, diga-se que no Inquérito Nacional de Saúde 2005/2006 (INS
2005/2006)17, foi possível concluir que a proporção de homens que avaliaram o seu
estado de saúde como “muito bom” ou “bom” foi de 59,6%, superior em 12 pontos
percentuais à proporção de mulheres com opinião idêntica (47,6%). Apesar do
desfasamento temporal do INS 2005/2006 e da diferença na escala de avaliação
relativamente ao estudo por Dias et. al. (2013), certo é que, em ambos os estudos, os
homens reportaram um estado de saúde melhor relativamente ao das mulheres, e
comparando os dois estudos, os imigrantes percecionaram um estado de saúde
melhor relativamente aos cidadãos nacionais.
Assim, o impacto da migração na saúde e os determinantes presentes em cada fase
do processo migratório variam com o tipo de migração (regular/irregular,
voluntária/forçada), o ambiente global dos países de origem, trânsito e acolhimento, as 13 Harding, S., Paula Santana, J. Kennedy Cruickshank e Massoud Boroujerdi, 2006, “Birth Weights of Black African Babies of Migrant and Nonmigrant Mothers Compared With Those of Babies of European Mothers in Portugal”, Annals of Epidemiology, 16, pp. 572-579. 14 Dias, S., Adilson Marques, Ana Gama e Maria O. Martins, 2014, “HIV Risky Sexual Behaviors and HIV Infection Among Immigrants: A Cross-Sectional Study in Lisbon, Portugal”, Int. J. Environ. Res. Public Health, 11, pp. 8552-8566. 15 Barros, P. P., & Pereira, I. M., 2010. “Health care and health outcomes of immigrants: Evidence from Portugal”. CEFAGE-UAE Working Papers 2010/04, Évora, Portugal. 16 Dias, S., Ana Gama e Maria Oliveira Martins, 2013, “Health status and preventative behaviors of immigrants by gender and origin: A Portuguese cross-sectional study”, Nursing and Health Sciences, 15, pp. 309-317. 17 INE, I.P. / INSA,I.P., Inquérito Nacional de Saúde 2005/2006, 2009, Lisboa-Portugal.
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 17
políticas de imigração adotadas no país de chegada, as condições de acolhimento ou
o contacto mantido com o país de origem.18
Embora estando prevista a garantia do direito universal de acesso aos cuidados de
saúde, em alguns países, por vezes, verificam-se barreiras que podem limitar o
acesso aos cuidados de saúde, principalmente pelos imigrantes em situação irregular.
Para melhor compreensão das possíveis barreiras de acesso por parte dos imigrantes,
estas podem ser divididas entre o lado da oferta dos cuidados de saúde dos países de
acolhimento e o lado da procura por parte do imigrante (ver figura infra).
Figura 2 – Possíveis barreiras ao acesso aos cuidados de saúde por parte da
população imigrante
Fonte: Elaboração própria.
Do lado da oferta, podem existir barreiras legislativas, nas quais se destacam, por um
lado, a limitação de situações em concreto para a prestação de cuidados de saúde e,
por outro lado, a possibilidade dos profissionais de saúde e do pessoal administrativo
apresentarem um conhecimento limitado da legislação e/ou da sua aplicabilidade.
Além disso, os profissionais de saúde e o pessoal administrativo muitas vezes também
se deparam com barreiras linguísticas e culturais que podem também condicionar o
acesso à informação e à utilização dos serviços de saúde.19 20 Outros fatores
18 Dias, Sónia e Aldina Gonçalves, 2007, “Migrações e Saúde”, Observatório de Imigração, ACIDI I.P. e referências bibliográficas descritas no artigo. 19 Dias, S., Gama, A., Silva, A., Cargaleiro, H., Martins, M.O., 2011, “Barreiras no acesso e utilização dos serviços de saúde pelos imigrantes: A perspectiva dos profissionais de saúde”, Acta Médica Portuguesa, 24:511-516. 20 Dias, S., Gama, A., Cargaleiro, H. & Martins, M.O., 2012, “Health workers’ attitudes toward immigrant patients: A cross-sectional survey in primary health care services”. Human Resources for Health, 10(1):14.
Lado da oferta • Legislativas • Económicas • Estruturais • Organizativas • Culturais • Linguísticas
Barreiras
Lado da procura • Proteção social • Financeiras • Desconhecimento
legislativo • Culturais • Linguísticas
18 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
relevantes são os constrangimentos económicos e financeiros e a falta de outros
recursos na área da saúde, bem como uma deficiente estrutura organizativa em
alguns países de acolhimento que pode condicionar a adequação e/ou eficácia das
respostas às necessidades de saúde das populações imigrantes.
Do lado da procura, surgem barreiras à utilização dos serviços de saúde por parte das
populações imigrantes, de entre as quais se destacam a situação laboral instável e
precária dos imigrantes, a dificuldade em obter proteção social e o custo associado
aos cuidados de saúde. Os obstáculos linguísticos e culturais também podem ser um
entrave à procura dos cuidados de saúde necessários por parte do imigrante. Outros
problemas podem ser aqui considerados, como sejam níveis socioeconómicos mais
baixos, deficientes condições de habitação, rendimentos reduzidos, empregos
precários, stress psicológico associado à exclusão social e à ausência de redes de
apoio, todos relacionados com a saúde, contribuindo para a situação desfavorável
deste grupo populacional.21
Num estudo empírico22 com uma amostra de 1.513 imigrantes inquiridos no Centro
Nacional de Apoio ao Imigrante23, em Lisboa, concluiu-se que, de entre os obstáculos
a um acesso aos cuidados de saúde adequado e oportuno, constam os tempos de
espera (50,2%), as atitudes dos prestadores (17,9%), o custo (3,4%), a distância e os
meios de transporte (2,2%), e o idioma (1,3%).
Como referido anteriormente, apesar de um crescente esforço, ainda persiste a falta
de dados sobre a utilização dos serviços de saúde por parte da população de
imigrantes, o que limita o conhecimento sobre os determinantes da utilização dos
serviços de saúde. Ainda referindo o mesmo estudo, 3,6% dos inquiridos afirmaram
não saber onde recorrer em caso de um problema de saúde. Cerca de 20% dos
inquiridos evidenciaram que nunca tinham recorrido ao SNS, mais homens do que
mulheres (24,9% versus 17,5%, respetivamente). E dos que já tinham recorrido ao
SNS, 35,6% foram atendidos nos centros de saúde, 12% no hospital, e 54,4%
beneficiaram dos dois tipos de cuidados. Relativamente ao grau de satisfação destes
tipos de cuidados de saúde, 22,4% evidenciaram estar insatisfeitos ou muito
21 Scheppers, E., Els van Dongen, Jos Dekker, Jan Geertzen e Joost Dekker, 2006, “Potential barriers to the use of health services among ethnic minorities: a review”, Family Practice, 23, pp. 325-348. 22 Dias, S., Milton Severo e Henrique Barros, 2008, “Determinants of health care utilization by immigrants in Portugal”, BMC Health Services Research, 8, pp. 1-8. 23 Os Centros Nacionais de Apoio ao Imigrante pertencem atualmente ao ACM. Note-se que o Decreto-Lei n.º 31/2014, de 27 de fevereiro, veio estabelecer o Alto Comissariado para as Migrações, IP, que sucedeu ao Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural, IP, entretanto extinto.
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 19
insatisfeitos. Relativamente à utilização de diferentes serviços de saúde, conclusões
semelhantes foram retiradas de outro estudo24, em que numa amostra de 1.375
imigrantes a maioria (77%) recorreu aos serviços de saúde públicos e, destes, metade
aos cuidados de saúde primários e um terço a cuidados de saúde de emergência.
No estudo de Dias et al. (2008) foi também referido que a utilização de serviços de
saúde por parte das mulheres imigrantes estará significativamente associada à
duração da estadia e ao país de origem. Entre os homens imigrantes, para além
destes fatores, a utilização surge também significativamente associada ao estatuto
legal. De facto, em Dias et. al. (2011) evidenciou-se que o estatuto de imigração
desempenha um papel importante para explicar os padrões de utilização dos serviços
de saúde públicos. No referido estudo, revela-se que os imigrantes em situação
irregular têm uma menor propensão a recorrer o SNS pois frequentemente não têm
conhecimento dos seus direitos e, muitas vezes, temem que os serviços os venham a
denunciar às autoridades, levando à expatriação. Também o tempo de estadia pode
constituir uma justificação para o facto de os imigrantes serem mais propensos a usar
os serviços de emergência do que serviços de cuidados de saúde primários; além
disso, o padrão de utilização do estado “nunca usei” prevalece mais entre os recém-
chegados e a “utilização regular” é mais comum nos imigrantes que estiveram no país
há mais tempo.
A principal diferença na utilização dos cuidados de saúde associada ao género, tem
sido descrita25 no sentido de que os homens exibem uma menor utilização dos
serviços relativamente às mulheres. Várias hipóteses podem ser formuladas para
explicar este comportamento, uma delas sendo a de que as mulheres imigrantes, na
sua maioria, são jovens e mais propensas a usar serviços relacionados com a saúde
sexual e reprodutiva, como o pré-natal e a saúde materno-infantil. No entanto, num
estudo realizado por Dias et al. (2010)26, no qual foi avaliado o acesso e utilização dos
serviços de saúde por mulheres imigrantes africanas e brasileiras em Portugal,
descreve-se que a maioria das participantes apontou várias barreiras ao acesso e à
utilização de serviços relativas a questões legais, às restrições económicas ou atitudes
dos profissionais de saúde. Principalmente as mulheres imigrantes brasileiras
consideradas no estudo, descreveram que o acesso aos serviços de saúde era
24 Dias, S. Ana Gama, Maria Cortes e Bruno de Sousa, 2011, “Healthcare-seeking patterns among immigrants in Portugal”, Health and Social Care in the Community, 19(5), pp. 514-521. 25 Idem. 26 Dias, S., Ana Gama e Cristianne Rocha, 2010, “Immigrant women’s perceptions and experiences of health care services: Insights from a focus group study”, J Public Health, 18, pp. 489-496.
20 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
restringido com frequência quando se encontravam em situação irregular no país. Ao
contrário, a maioria das mulheres africanas destacaram que não houve dificuldades no
acesso aos serviços de cuidados de saúde em Portugal, independentemente do
estatuto de imigração. As autoras referiram que as diferentes opiniões sobre esta
questão podem dever-se, em parte, ao facto de na amostra recolhida para o estudo as
mulheres africanas estarem, em média, há mais tempo em Portugal do que as
mulheres brasileiras. Dias et al. (2010) também evidenciaram que o tempo de
residência em Portugal encontrava-se positivamente associado à integração no país
de acolhimento e, especificamente, ao conhecimento sobre o sistema de saúde e
utilização dos serviços de saúde.
Sabe-se que, nos últimos anos, a imigração tornou-se num dos principais fenómenos
que coloca mais desafios aos sistemas de saúde dos Estados Membros da UE.27
Neste contexto, a OMS (2008)28 evidencia a exclusão social como sendo a principal
causa das desigualdades em saúde entre os migrantes e minorias étnicas. Importa
notar que nas desigualdades em saúde inclui-se questões relacionadas com o acesso
aos cuidados de saúde, a prevenção de doenças, a promoção da saúde e a área da
saúde em sentido lato – incluindo nutrição, atividades físicas, álcool e tabaco – assim
como outras áreas de políticas públicas – ou seja, emprego, habitação e ambiente.29
Um caso que tem merecido a atenção das instituições europeias é o da comunidade
cigana imigrante. A população cigana na Europa é frequentemente vítima de exclusão
social, de discriminação e, consequentemente, enfrenta barreiras ao acesso a
alojamento de boa qualidade, a cuidados de saúde e a educação. Dados de 2004 e
2011 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, relativamente à
comunidade cigana, destacam que30:
• “Um terço dos inquiridos da comunidade cigana com idades entre 35 e 54 anos
descreveram problemas de saúde que limitavam as suas atividades diárias
(2011);
• Cerca de 20% dos inquiridos da comunidade cigana não estavam cobertos por
um seguro médico ou não sabiam se estavam cobertos (2011);
27 Fonseca, Maria Lucinda, Alina Esteves, Jennifer McGarrigle e Sandra Silva (2007), “Saúde e integração dos imigrantes em Portugal: uma perspetiva geográfica e política”, Observatório de Imigração, ACIDI IP. 28 WHO Regional Office for Europe (2008). The Tallinn Charter “Health Systems for Health and Wealth”. Copenhagen, WHO Regional Office for Europe. 29 Idem. 30 União Europeia, 2014, Roma Health Report - “Health status of the Roma population Data collection in the Member States of the European Union”.
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 21
• 66% da população cigana disse que não podia pagar medicamentos prescritos,
em comparação com 29% da maioria da população (2004);
• 15% das crianças ciganas com idade inferior a 14 anos não são vacinadas, em
comparação com 25% das crianças de famílias não-ciganas (2004).”
Estima-se que existam no mundo 12 milhões de ciganos e que dois terços destes
vivam na Europa.31 Em Portugal, estima-se que vivam à volta de 33.338 indivíduos de
etnia cigana.32 Segundo o ACM, ainda persistem múltiplas dificuldades de acesso aos
cuidados de saúde pela comunidade cigana, sobretudo em termos de comunicação e
de literacia, e que são transversais a outras áreas como o emprego, o Rendimento
Social de Inserção (RSI), autarquias, escolas e tribunais, ou seja, há dificuldades
manifestas em entender linguagens técnicas e burocráticas das diferentes
instituições.33 Verifica-se também uma grande resistência dos elementos da
comunidade cigana em recorrer a cuidados de saúde, quer pela dificuldade em
cumprir o horário das consultas, por exemplo, quer porque, ao nível da envolvente
familiar, revela-se difícil justificar o recurso a determinados cuidados de especialidade,
como de psicologia ou consultas de planeamento familiar.34
Nesse sentido, tem-se verificado que algumas instituições levam a cabo diversas
ações de sensibilização para tentar que os elementos da comunidade cigana usufruam
de cuidados de saúde de qualidade, mas também no que se refere ao nível dos
cuidados preventivos. Essas ações remetem também para a promoção da vacinação,
a contraceção, a importância do planeamento familiar e acompanhamento médico
durante a gravidez e cuidados de higiene, entre outros. Segundo o ACM (2014),
embora estando-se perante ações parcelares, estas têm tido impactos positivos, não
apenas na área da saúde, mas também nas restantes áreas.
31 ACM, (2014), “Estudo Nacional sobre as Comunidades Ciganas”. 32 EFXINI POLI – Local Authorities for Social, Cultural, Tourist, Environmental and Agricultural Development. Greece. FSG – Fundación Secretariado Gitano. Spain. OFFICE OF THE COUNCIL FOR ROMA COMMUNITY AFFAIRS. Czech Republic. PDCS – Partners for Democratic Change Slovakia. REAPN – Rede Europeia Anti-Pobreza/Portugal. ROMANI CRISS – Roma Center for Social Interventions and Studies. Romania. THRPF – The Health of Romany People Foundation. Bulgaria,2009, “Health and the Roma Community, analysis of the situation in Europe Bulgaria, Czech Republic, Greece, Portugal, Romania, Slovakia, Spain”. 33 ACM, (2014), “Estudo Nacional sobre as Comunidades Ciganas”. 34 Importa referir que de acordo com o “Estudo Nacional sobre as Comunidades Ciganas”, do ACM, “a esmagadora maioria dos inquiridos e elementos dos agregados são de nacionalidade portuguesa. No entanto, surgem indicados 0,7% de membros com nacionalidade estrangeira” (p.171). O referido estudo incluiu uma amostra estatisticamente não representativa mas relativamente heterogénea e de grande dimensão (dados recolhidos sobre um total de 6.809 pessoas de etnia cigana). As conclusões do estudo deverão, assim, ser interpretadas considerando a reduzida percentagem de cidadãos estrangeiros nos elementos da comunidade cigana.
22 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
Em síntese, constatou-se que ainda persiste falta de dados sobre a acessibilidade e
utilização dos serviços de saúde por parte de imigrantes, o que limita o conhecimento
sobre os múltiplos determinantes da utilização dos serviços de saúde, e as barreiras
no acesso a estes serviços. Há uma clara necessidade de entender melhor como
garantir o acesso aos cuidados de saúde no SNS e oferecer um atendimento
adequado aos imigrantes. Não obstante, com base na evidência revelada na literatura
analisada, crê-se que devem ser especialmente considerados os imigrantes recém-
chegados e em situação irregular, por serem estes os subgrupos da população
imigrante mais afetados pelas dificuldades e falta de informação para aceder a
cuidados de saúde.
Para se promover o acesso aos cuidados de saúde, e implementar programas de
prevenção, as barreiras do lado da procura e da oferta devem ser claramente
identificadas. Acresce que os resultados dos estudos anteriormente descritos reforçam
a noção de que, ao tentar desenvolver programas e políticas de saúde para melhorar a
saúde das populações imigrantes, devem ser combatidas as desigualdades de género
existentes na população de migrantes, e dada especial atenção ao atual contexto
socioeconómico e aos fatores culturais, na medida em que afetam o estado de saúde
dessa população. E, por último, deve promover-se a informação junto da população de
imigrantes sobre os direitos à saúde e os requisitos para usar os serviços de saúde.
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 23
3. Saúde como um direito do indivíduo
A presente seção é dedicada às diferentes fontes, de âmbito internacional e nacional,
que enunciam a universalidade do direito à saúde, e que permitem enquadrar o
acesso aos cuidados de saúde por parte dos imigrantes, de que se ocupa o presente
estudo.
3.1. Fontes internacionais de direito
A Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), de 1948, veio assegurar
“[…] o respeito universal e efetivo dos direitos do homem e das liberdades
fundamentais”, e, proclamar, entre outros, os direitos económicos, sociais e culturais –
artigos 22.º a 27.º da DUDH. Ali se refere que “[…] toda a pessoa tem direito a um
nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar,
principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência
médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários […]” – n.º 1 do seu artigo 25.º.
Posteriormente, no ano de 1966, o Pacto Internacional sobre os Direitos
Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC) veio fazer referência ao direito à
proteção da saúde no seu artigo 12.º, no qual é referido que “[…] os Estados Partes no
presente pacto reconhecem o direito de todas as pessoas de gozar do melhor estado
de saúde física e mental possível de atingir”.
A Convenção dos Direitos da Criança, adotada em 1989, estabelece no seu artigo
24.º, o direito das crianças à proteção da saúde e, para tanto, vincula os Estados
Partes a reconhecerem o direito que lhes é atribuído a gozar do melhor estado de
saúde possível e a beneficiar de serviços médicos e de educação, sendo certo que
nenhuma criança deve ser privada do direito de acesso a tais serviços de saúde.
Também o Conselho da Europa, no ano de 1961, aprovou a Carta Social Europeia
(CSE) que promove especificamente a proteção internacional dos direitos económicos
e sociais. No seu artigo 11.º defende um direito à proteção da saúde e, para tanto,
impõe aos Estados Contratantes a adoção, em cooperação com outras organizações,
das premissas que se mostrem necessárias a eliminar as causas de uma saúde
deficiente – n.º 1 –, a estabelecer serviços de consulta e de educação com vista à
melhoria da saúde e ao desenvolvimento do sentido de responsabilidade individual em
24 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
matéria de saúde – n.º 2 –, e ainda prevenir as doenças epidémicas, endémicas e
outras, assim como os acidentes – n.º 3. O artigo 13.º da CSE, sob a epígrafe “direito
à assistência social e médica”, prevê a necessidade dos Estados Partes assegurarem
o exercício efetivo do direito à assistência médica. Nesse sentido, devem assegurar
que qualquer pessoa, independentemente da sua condição económica ou social,
possa obter, em caso de doença, os cuidados necessários ao seu estado de saúde.
A Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de todos os
Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias35, alerta para a
relevância e a extensão do fenómeno da migração, e revela-se consciente do seu
efeito nas populações migrantes e de destino, atenta a vulnerabilidade daquelas, por
força das dificuldades sentidas na integração e no reconhecimento dos direitos dos
trabalhadores migrantes e das suas famílias. Acrescenta, na sua nota preambular, que
os problemas humanos decorrentes das migrações são ainda mais graves no caso da
migração irregular e, por isso, importa adotar medidas adequadas a fim de prevenir e
eliminar os movimentos clandestinos e o tráfico de trabalhadores migrantes,
assegurando ao mesmo tempo a proteção dos direitos humanos fundamentais destes
trabalhadores, tanto mais que estes são frequentemente empregados em condições
de trabalho menos favoráveis que outros trabalhadores. Nesse sentido, no seu artigo
28º vem determinar que aos trabalhadores migrantes e aos membros das suas
famílias é atribuído o direito de receber os cuidados médicos urgentes que sejam
necessários para preservar a sua vida ou para evitar danos irreparáveis à sua saúde,
em pé de igualdade com os nacionais do Estado de destino. Ali mais se defende que
os cuidados médicos urgentes não podem ser-lhes recusados por motivo de
irregularidade em matéria de permanência ou de emprego. Também o artigo 43.º vem
referir que os trabalhadores migrantes beneficiam de tratamento igual ao que é
concedido aos nacionais do Estado de emprego em matéria de acesso aos serviços
sociais e de saúde, desde que se verifiquem os requisitos do direito de beneficiar dos
diversos programas.36
A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE) é fonte de direitos
civis e políticos, bem como de direitos económicos e sociais dos cidadãos da UE,
derivados dos Tratados. Sob a epígrafe “Solidariedade” inclui o direito à proteção da 35 Foi adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua Resolução 45/158, de 18 de dezembro de 1990, e entrou em vigor na ordem internacional em 1 de julho de 2003. 36 Acrescente-se que também o artigo 70.º da Convenção vem impor aos Estados Partes que adotem medidas não menos favoráveis do que as aplicadas aos seus nacionais para garantir que as condições de vida e de trabalho dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias em situação regular sejam conformes às normas de saúde, de segurança e de higiene e aos princípios inerentes à dignidade humana.
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 25
saúde no seu artigo 35.º e aqui refere que todos aqueles cidadãos têm direito a aceder
à prevenção em matéria de saúde e de beneficiar dos cuidados médicos, de acordo
com as legislações e práticas nacionais. Enuncia igualmente, no seu artigo 1.º, a
inviolabilidade da dignidade da pessoa humana, no artigo 3.º o respeito pela
integridade física e moral, nos artigos 7.º e 8.º a necessária proteção dos dados de
carácter pessoal, onde se inclui a proteção jurídica dos dados médicos relativos aos
pacientes, ainda, no artigo 10.º o direito à liberdade religiosa e, finalmente, no seu
artigo 26.º os direitos à integração e autonomia das pessoas com deficiência.37
Mais recentemente, no ano de 2011, foi aprovada a Diretiva 2011/24/UE do
Parlamento Europeu e do Conselho38 a aplicar à prestação de cuidados de saúde
aos doentes em matéria de cuidados transfronteiriços, independentemente da forma
como sejam organizados, prestados ou financiados – n.º 2 do artigo 1.º. Esta diretiva
estabelece um quadro claro e harmonizado para os cuidados de saúde
transfronteiriços, com especial atenção e exigência de que os doentes devem receber
cuidados de saúde seguros e de elevada qualidade. Compete ao Estado Membro (EM)
de tratamento39, nos termos do artigo 4.º, a garantia de que os cuidados de saúde
37 Além das fontes mencionadas, outras de natureza internacional fazem expressa referência aos direitos do doente. A Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina (CDHB), aprovada em 1997, determina no artigo 3.º que os Estados “[…] tendo em consideração as necessidades de saúde e os recursos disponíveis, adotam as medidas apropriadas com vista a assegurar, dentro da sua esfera de jurisdição, um acesso equitativo aos cuidados de saúde de qualidade”. Também a Carta dos Direitos das Pessoas Doentes, anexa à Declaração sobre a Promoção dos Direitos dos Doentes na Europa, resultante da Conferência Europeia sobre os Direitos dos Pacientes, em 1994, continha princípios relativos aos direitos dos doentes na Europa. O ano de 2002 conheceu a Carta Europeia dos Direitos do Paciente que resultou de uma avaliação realizada pela Active Citizenship Network (ACN) a diversas instituições de saúde localizadas nos doze mais antigos membros da União Europeia, e pretendeu verificar o respeito pelos direitos dos doentes nesses mesmos Estados. Ali são proclamados 14 direitos que foram reconhecidos pelo Comité Económico e Social Europeu (CESE), dos quais se destaca o direito de acesso aos serviços de saúde, sem discriminação relativa a recursos financeiros, local de residência, tipo de doença ou hora a que se acede aos serviços, à informação sobre o estado de saúde e sobre os serviços de saúde existentes; ao consentimento livre e esclarecido e à livre escolha dos tratamentos e estabelecimentos prestadores com base em informação adequada, finalmente, o direito ao respeito pelo tempo do paciente, em todas as fases do tratamento (a ser tratado em tempo útil face à sua necessidade). O mesmo Comité (CESE) adotou um parecer sobre “os direitos do paciente”, publicado no JOUE, em 15 de janeiro de 2008, que presta especial atenção ao direito à informação, ao direito ao consentimento livre e esclarecido e ao direito à dignidade. Refira-se ainda que o parecer do CESE sobre “os direitos dos pacientes” faz também referência ao “direito ao acesso generalizado à assistência médica” e ao “direito à qualidade da assistência médica”, o qual inclui “[…] igualmente o direito a exames médicos preventivos e à educação terapêutica, o que exige investimentos em meios e em recursos financeiros, e pressupõe a existência de um número suficiente de profissionais de saúde com formação adequada.”. 38 Publicada no JOUE de 4 de abril de 2011. 39 Nos termos do disposto na alínea d) do artigo 3.º da Diretiva, este Estado é “[…] o Estado Membro em cujo território os cuidados de saúde são efetivamente prestados ao doente. No
26 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
sejam prestados ao utente em respeito pelos princípios da universalidade, da
equidade e da solidariedade, considerados ainda os termos da legislação desse
mesmo Estado em matéria de qualidade e segurança.
3.2. Fontes nacionais de direito
O Estatuto Hospitalar foi aprovado pelo Decreto n.º 48357, de 27 de abril de 1968,
que além da regulação da organização hospitalar, veio definir outras orientações
relativas à proteção dos direitos e interesses dos doentes. No seu Capítulo VII sob a
epígrafe “Da prestação da assistência”, foram reconhecidos aos doentes: (i) o direito
de acesso universal e em condições de igualdade material aos estabelecimentos e
serviços da organização hospitalar, (ii) o direito aos cuidados apropriados ao seu
estado de saúde, (iii) o direito ao encaminhamento para os estabelecimentos
adequados à sua situação clínica, (iv) o direito a um tratamento com delicadeza e
urbanidade, (v) o direito à recusa da assistência ou tratamento, (vi) o direito ao
consentimento informado e (vii) o direito à assistência religiosa – cfr. artigos 77.º a 83.º
do estatuto.
A atual Constituição da República Portuguesa (CRP) assumiu a positivação da
passagem do Estado de Direito Democrático para o Estado Social, através do princípio
da socialidade e do reconhecimento de um catálogo de direitos sociais fundamentais.
Estes assumem-se como verdadeiros direitos que, por isso, não são meras diretivas,
ou normas programáticas de alcance político ou, ainda, meras garantias institucionais.
A propósito da temática de que se ocupa o presente estudo, refira-se, ainda que
sumariamente, que o texto constitucional, no seu artigo 64.º40, tem vindo, no decurso
caso da telemedicina, considera-se que os cuidados de saúde são prestados no EM em que o prestador dos cuidados de saúde está estabelecido.”. 40 Conforme decorre do atual artigo 64.º sob a epígrafe “Saúde”
“[…] 1. Todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover. 2. O direito à proteção da saúde é realizado:
a) Através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito; b) Pela criação de condições económicas, sociais, culturais e ambientais que garantam, designadamente, a proteção da infância, da juventude e da velhice, e pela melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho, bem como pela promoção da cultura física e desportiva, escolar e popular, e ainda pelo desenvolvimento da educação sanitária do povo e de práticas de vida saudável.
3. Para assegurar o direito à proteção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado:
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 27
das suas revisões, a defender o direito social à proteção da saúde dos cidadãos. Ali é
imposto que o acesso aos cuidados de saúde num serviço nacional de saúde seja
universal, geral e, (tendencialmente) gratuito. Trata-se de um direito atribuído a
“todos”41, pelo que compete ao Estado garantir o acesso de todos os cidadãos,
independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina
preventiva, curativa e de reabilitação, numa perspetiva racional e de eficiente
cobertura de todo o país em recursos humanos e unidades de saúde – alínea b) do n.º
3 do artigo 64.º da CRP.
Foi assim que a Lei do Serviço Nacional de Saúde, aprovada pela Lei n.º 56/79, de
15 de setembro, veio instituir o SNS, em regulamentação do referido dever de
assegurar o direito fundamental à proteção da saúde assegurado pelo artigo 64.º da
CRP. O diploma assumiu o princípio geral da garantia de acesso de todos os
cidadãos, independentemente da sua condição económica e social – artigo 4.º –, a
todas as prestações abrangidas pelo SNS, apenas com as restrições impostas pelo
limite de recursos humanos, técnicos e financeiros disponíveis – n.º 1 do artigo 6.º. No
seu Título II sob a epígrafe “Dos utentes”, veio estabelecer um conjunto de direitos a
serem reconhecidos e garantidos pelos estabelecimentos prestadores de cuidados de
saúde integrados no SNS, nomeadamente:
(i) a liberdade de escolha do prestador de cuidados de saúde, ainda que
limitada pelas restrições impostas pelos recursos humanos, técnicos e
financeiros disponíveis – artigo 8.º e n.º 1 do artigo 6.º in fine –, e pelas
normas de distribuição racional e regional dos serviços – artigo 8.º;
(ii) o respeito pela dignidade dos utentes e preservação da intimidade da
sua vida privada nas relações com o SNS – artigo 9.º;
a) Garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação; b) Garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o país em recursos humanos e unidades de saúde; c) Orientar a sua ação para a socialização dos custos dos cuidados médicos e medicamentosos; d) Disciplinar e fiscalizar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o serviço nacional de saúde, por forma a assegurar, nas instituições de saúde públicas e privadas, adequados padrões de eficiência e de qualidade; e) Disciplinar e controlar a produção, a distribuição, a comercialização e o uso dos produtos químicos, biológicos e farmacêuticos e outros meios de tratamento e diagnóstico; f) Estabelecer políticas de prevenção e tratamento da toxicodependência.
4. O serviço nacional de saúde tem gestão descentralizada e participada. […]”. 41 A propósito da expressão “todos”, importa referir que deve a mesma ser interpretada à luz do consignado no artigo 15.º da CRP, conforme melhor se verá na secção 3.3. do presente estudo.
28 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
(iii) o direito ao sigilo por parte do pessoal do SNS – artigo 10.º;
(iv) o direito a indemnização por danos causados, em sede de
responsabilidade civil extracontratual do Estado, por atos de gestão pública –
artigo 12.º; e
(v) o direito a apresentar reclamações, petições, sugestões ou queixas –
artigo 13.º.
No artigo 14.º, sob a epígrafe “Dos cuidados de saúde”, são determinadas as
prestações de saúde a que os utentes do SNS têm direito e que passam,
designadamente, pelos (i) cuidados de promoção e vigilância da saúde e de
prevenção da doença; (ii) cuidados médicos de clínica geral e de especialidade; (iii)
cuidados de enfermagem (alínea c)), (iv) internamento hospitalar; (v) transporte de
doentes quando medicamente indicado; (vi) elementos complementares de
diagnóstico e tratamentos especializados; (vii) medicamentos e produtos
medicamentosos, próteses, ortóteses e outros aparelhos complementares
terapêuticos; ainda, pelo (viii) apoio social, em articulação com os serviços de
segurança social.
Por seu lado, a Lei n.º 48/90, de 24 de agosto, que aprovou a Lei de Bases da
Saúde (LBS)42, estabeleceu uma distinção entre os direitos dos cidadãos à saúde,
previstos na Base V, e os direitos dos utentes do sistema de saúde, previstos na Base
XIV. Com efeito, no n.º 2 da Base V é reconhecido o direito dos cidadãos a que os
serviços públicos de saúde se constituam e funcionem de acordo com os seus
legítimos interesses, e no n.º 5 estabelece-se o direito à liberdade de escolha no
acesso à rede nacional de prestação de cuidados de saúde, no limite dos recursos
disponíveis e da organização dos serviços.
Recorde-se que de entre os direitos dos utentes do sistema de saúde, o n.º 1 da Base
XIV da LBS consagra: (i) o direito à liberdade de escolha do serviço e agentes
prestadores, no âmbito do sistema de saúde, na medida dos recursos existentes e de
acordo com as regras relativas à organização; (ii) o direito a consentir ou recusar a
prestação de cuidados que lhes é proposta; (iii) o direito a ser tratado pelos meios
adequados, com humanidade, prontidão, correção técnica, privacidade e respeito; (iv)
42 O Estatuto do Serviço Nacional de Saúde foi publicado pelo Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de janeiro, com vista à regulamentação da LBS. Ali é feita apenas referência ao direito à assistência religiosa, no n.º 1 do seu artigo 39.º, sendo garantido aos utentes do SNS de qualquer confissão, o acesso dos respetivos ministros às instituições e serviços onde estejam a receber cuidados para aí lhes prestarem assistência religiosa.
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 29
o direito ao respeito pela confidencialidade dos seus dados pessoais revelados; (v) o
direito a ser informados sobre a sua situação clínica; (vi) o direito à assistência
religiosa; (vii) o direito a apresentar queixas e reclamações e a ser indemnizados por
prejuízos sofridos; e, ainda, (viii) o direito a constituir entidades que representem e
defendam os seus direitos e interesses e entidades que colaborem com o Sistema de
Saúde na promoção e defesa da saúde.43
43 Outros direitos dos utentes são reconhecidos em vasta legislação e outros diplomas dispersos. Neste âmbito, veja-se designada mas não limitadamente:
(i) o Regulamento da Assistência Espiritual e Religiosa no Serviço Nacional de Saúde (RAER) que tem por objeto assegurar a prestação de tal assistência aos utentes internados em estabelecimentos de saúde do SNS, e consequentemente regulamenta o direito dos doentes ao acompanhamento espiritual e religioso; (ii) a Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, assume o escopo de prevenir, proibir e punir a discriminação em razão de deficiência e da existência de risco agravado de saúde, vinculando todas as pessoas singulares e coletivas, públicas e privadas, sendo portanto aplicável igualmente a todos os serviços de saúde. Concretamente, o diploma visa as práticas de discriminação contra pessoas com deficiência, entre as quais “a recusa ou limitação de acesso aos cuidados de saúde prestados em estabelecimentos de saúde públicos ou privados”; (iii) a Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes elaborada pela DGS, destituída de consagração legal, refere que o doente é detentor de distintos direitos que se fundamentam, designadamente, no respeito pela dignidade humana (artigo 1.º); no respeito pelas suas convicções culturais, filosóficas e religiosas (artigo 2.º); no direito aos cuidados apropriados ao seu estado de saúde, (artigo 3.º); na informação sobre os serviços de saúde existentes, suas competências e níveis de cuidados (artigo 5.º) e sobre a sua situação de saúde (artigo 6.º); na obtenção de uma segunda opinião sobre a sua situação de saúde (artigo 7.º); na confidencialidade de toda a informação clínica e elementos identificativos que lhe respeitam (artigo 9.º); na privacidade na prestação de todo e qualquer ato médico (artigo 11.º); e ainda, no direito a dar sugestões e reclamações (artigo 12.º); (iv) por sua vez, a Carta dos Direitos do Doente Internado constitui uma especificação da Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes da DGS, e agrupa direitos consagrados em diversos textos legais, nomeadamente na CRP, na LBS, na Convenção dos Direitos do Homem e da Biomedicina e na CDFUE. Refira-se, a título de exemplo, que ao doente internado é garantido o direito a ser tratado no respeito pela dignidade humana (artigo 1.º), independentemente das suas convicções culturais, filosóficas e religiosas (artigo 2.º); a receber os cuidados apropriados ao seu estado de saúde (artigo 3.º); a ser informado acerca dos serviços de saúde existentes, suas competências e níveis de cuidados (artigo 5.º); a ser informado sobre a sua situação de saúde (artigo 6.º); e ainda, à visita dos seus familiares e amigos, e à liberdade individual (artigo 13.º); (v) mais recentemente, em março de 2014, foi aprovada a Lei n.º 15/2014, de 21 de março, que, conforme indicado no seu artigo 1.º, consolida a legislação em matéria de direitos e deveres do utente dos serviços de saúde, com salvaguarda pelas especificidades do SNS. Este diploma apresenta de forma clara e integrada os direitos e deveres do utente dos serviços de saúde e, para tanto, incorpora as normas e princípios constantes de outros diplomas em matéria do direito ao acompanhamento (especificamente consagrado na Lei n.º 14/85, de 6 de julho, na Lei n.º 33/2009, de 14 de julho, e na Lei n.º 106/2009, de 14 de setembro) e da Carta dos direitos de acesso aos cuidados de saúde pelos utentes do SNS (publicada pela Lei n.º 41/2007, de 24 de agosto). No entanto, ali não são introduzidas quaisquer alterações de substância e faz-se notar que “não se trata de legislação aplicável apenas no âmbito do Serviço Nacional de Saúde (SNS)”, e mantém-se, “por razões de harmonização, sempre que possível, o termo utente dos serviços de saúde, acompanhando a LBS ainda que alguns dos direitos e deveres se revelem próprios dos utentes do SNS e não já, dos utentes do sistema de saúde português.”.
30 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
Direito social à proteção da saúde
Como visto, o direito consagrado constitucionalmente assume-se como um direito à
proteção à saúde assente no respeito pelos princípios fundamentais da universalidade,
generalidade e gratuitidade tendencial e impõe-se a toda a rede nacional de prestação
de cuidados de saúde44. Adicionalmente, deve o SNS garantir “a equidade no acesso
dos utentes, com o objetivo de atenuar os efeitos das desigualdades económicas,
geográficas e quaisquer outras no acesso aos cuidados” – Base XXIV alínea d) da
LBS. Isto significa que nos estabelecimentos integrados no SNS, os utentes em
situação clínica idêntica devem receber tratamento semelhante e os utentes em
situação distinta devem receber tratamento distinto, de modo a que todos os cidadãos,
aqui utentes, sem exceção, possam usufruir, em iguais circunstâncias e em função
das necessidades, da mesma quantidade e qualidade de cuidados de saúde.
Percebe-se que a universalidade assenta na atribuição a “todos” do direito à proteção
da saúde e, nessa medida, deve ser assegurado a todos os cidadãos o direito de
acesso aos serviços de saúde integrados no SNS “[…] independentemente da sua
condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação”.
Isto significa que todos os cidadãos estão abrangidos pelas políticas de promoção e
proteção da saúde e podem aceder aos serviços prestadores de cuidados de saúde.
Na definição de cidadãos como beneficiários do SNS enquadram-se indubitavelmente
os portugueses residentes em Portugal ou no estrangeiro, mas também os “[…]
cidadãos nacionais de Estados membros das Comunidades Europeias, nos termos
das normas comunitárias aplicáveis”, os “[…] cidadãos estrangeiros residentes em
Portugal” e os “[…] cidadãos apátridas residentes em Portugal” – Base XXV da LBS45.
44 Conforme o disposto no n.º 4 da Base XIII da LBS, a rede nacional de prestação de cuidados de saúde abrange o SNS, os estabelecimentos privados, bem com os profissionais liberais com quem o Estado tenha celebrado contratos de prestação de cuidados aos utentes do SNS. Além do mais, conforme o disposto na Base XXIV da LBS, o SNS deve “[…]
a) Ser universal quanto à população abrangida; b) Prestar integradamente cuidados globais ou garantir a sua prestação; c) Ser tendencialmente gratuito para os utentes, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos”, d) Garantir a equidade no acesso dos utentes, com o objetivo de atenuar os efeitos das desigualdades económicas, geográficas e quaisquer outras no acesso aos cuidados […]”.
45 Não seriam considerados beneficiários do SNS, grosso modo, os cidadãos estrangeiros e apátridas que se encontrem em situação irregular, em concreto que não tenham residência no território nacional. Não obstante o ali referido, certo é que tal entendimento, como aliás será objeto de análise minuciosa no presente estudo, foi já temperado pelo Despacho do Ministro da Saúde n.º 25 360/2001, de 16 de novembro de 2001 e por outras circulares sucessivamente publicadas, designadamente, pela Circular Informativa da Direcção-Geral da Saúde n.º 12/DQS/DMD, de 07 de maio de 2009.
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 31
Numa perspetiva objetiva, a caraterística da generalidade impõe que o SNS garanta,
com maior ou menor grau, uma prestação integrada de cuidados globais de saúde aos
seus beneficiários. Este princípio aponta para o direito dos cidadãos a obter todo o tipo
de cuidados de saúde, pelo que o Estado, com o intuito de assegurar a realização do
direito à proteção da saúde, deverá “garantir uma racional e eficiente cobertura de
todo o país em recursos humanos e unidades de saúde” – alínea b) do n.º 3 do artigo
64.º da CRP. A este respeito, revela a alínea b) da Base XXIV da LBS que o cidadão
tem direito a que lhe sejam prestados de forma integrada todos os cuidados de saúde,
sejam primários, secundários, continuados ou paliativos, de onde resulta que o SNS
assume regras (desde logo, de referenciação) que garantam que um qualquer utente
obterá, junto do SNS e em qualquer situação, os cuidados de saúde que efetivamente
necessite. Neste sentido, o SNS deverá “abranger todos os serviços públicos de saúde
e todos os domínios e prestações médicas”, traduzindo, assim, o princípio da
generalidade, a “necessidade de integração de todos os serviços e prestações de
saúde”. Desta forma, o sistema de saúde português apresenta-se estratificado, onde
os serviços e as unidades de saúde se devem estruturar, funcionar e articular entre si,
em favor dos interesses dos utentes que devem, em condições de igualdade, aceder
aos cuidados de saúde.
Diretamente relacionada com a caraterística da generalidade está necessariamente o
acesso em tempo útil aos cuidados de saúde, que foi concretizado, num primeiro
momento, pela Lei n.º 41/2007, de 24 de agosto (entretanto revogada pela Lei n.º
15/2014, de 21 de março), que aprovou “[…] os termos a que deve obedecer a
redação e publicação pelo Ministério da Saúde da Carta dos Direitos de Acesso aos
Cuidados de Saúde pelos utentes do Serviço Nacional de Saúde […]”, e pretendeu
“[…] garantir a prestação dos cuidados de saúde pelo Serviço Nacional de Saúde e
pelas entidades convencionadas em tempo considerado clinicamente aceitável para a
condição de saúde de cada utente […]” – artigo 1.º e n.º 1 do artigo 2.º. Foi assim
prevista a definição e determinação dos Tempos Máximos de Resposta Garantidos
(TMRG), bem como o reconhecimento do direito dos utentes à informação sobre esses
tempos – n.º 2 do artigo 2.º. Posteriormente, foi publicada a Portaria n.º 615/2008, de
11 de julho e, no ano de 2013, a Portaria n.º 95/2013, de 4 de março, que
aprovaram o Regulamento do Sistema Integrado de Referenciação e de Gestão do
Acesso à Primeira Consulta de Especialidade Hospitalar nas Instituições do SNS,
designado por Consulta a Tempo e Horas (CTH). Mais tarde, a Portaria n.º
1529/2008, de 26 de dezembro e depois a Portaria n.º 87/2015, de 23 de março,
32 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
vieram definir os TMRG para os estabelecimentos do SNS e para os prestadores
privados convencionados com o SNS.46
Assim, como visto, hoje deve considerar-se o “Regulamento do Sistema Integrado de
Referenciação e de Gestão do Acesso à Primeira Consulta de Especialidade
Hospitalar nas instituições do Serviço Nacional de Saúde”, designado por CTH,
aprovado pela Portaria n.º 95/2013, de 4 de março e a Carta dos Direitos e Deveres
dos Utentes, bem como a definição de novos TMRG, tudo publicado pela Portaria n.º
87/2015, de 23 de março.
Finalmente, a característica da gratuitidade tendencial47 determina que a prestação de
cuidados de saúde no âmbito do SNS tende a ser gratuita e, por isso, será admissível
a cobrança de determinados valores que possuam uma função de moderação do
consumo de cuidados de saúde – taxas moderadoras –, e desde que não seja vedado
o acesso aos cuidados de saúde, por razões económicas. Constitui uma diretriz da
política de saúde o objetivo fundamental de “[…] obter a igualdade dos cidadãos no
acesso aos cuidados de saúde, seja qual for a sua condição económica e onde quer
que vivam, bem como garantir a equidade na distribuição de recursos e na utilização
de serviços” – alínea) b) do n.º 1 da Base II LBS.
46 É igualmente assegurado, através de regras concretas e dirigidas ao acesso aos cuidados de saúde, designadamente, e no que importa considerar para os estabelecimentos de nível hospitalar do SNS, o direito e o concomitante dever sobre os estabelecimentos, ao registo imediato em sistema de informação do pedido de consulta, exame médico ou tratamento; o direito e o concomitante dever sobre os estabelecimentos ao agendamento, no prazo máximo de três dias úteis contados da receção do pedido de primeira consulta de especialidade hospitalar, da prestação de cuidados de acordo com a prioridade; o direito e o concomitante dever sobre os estabelecimentos de prestação de cuidados em tempo considerado clinicamente aceitável para a sua condição de saúde, que no caso significa o cumprimento dos TMRG definidos para primeira consulta de especialidade hospitalar referenciada pelos Centros de Saúde (30, 60 ou 150 dias seguidos consoante o tipo de prioridade atribuído à necessidade de consulta); ainda, o direito e o concomitante dever sobre todos os estabelecimentos de informação sobre a posição relativa na lista de inscritos para os cuidados de saúde em espera; o direito e concomitante dever sobre todos os estabelecimentos (aqui também os de nível primário) de informação através da afixação em locais de fácil acesso e consulta, pela Internet ou outros meios, sobre os TMRG a nível nacional e sobre os tempos de resposta garantidos de cada instituição prestadora de cuidados de saúde e de informação quando uma instituição prestadora de cuidados não tenha capacidade para dar resposta dentro do TMRG aplicáveis; e na impossibilidade técnica e física, o direito e concomitante dever sobre os estabelecimentos hospitalares de ser assegurado serviço alternativo de qualidade comparável e no prazo adequado, através da referenciação para outra entidade do SNS ou para uma entidade do sector privado convencionado quando se verifique falta de capacidade para dar resposta dentro dos TMRG aplicáveis. 47 A tendencial gratuitidade surge com a Lei Constitucional n.º 1/89 que alterou a redação do n.º 2 artigo 64.º da CRP, passando a prever na sua alínea a) que a realização do direito à proteção da saúde é feita “através de um serviço nacional de saúde universal, geral e, tendo em conta a condição económica e social dos cidadãos, tendencialmente gratuito”.
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 33
O regime das taxas moderadoras foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de
novembro48 que, conforme referido no seu artigo 1.º, veio regular o acesso às
prestações do SNS por parte dos utentes no que respeita ao regime das taxas
moderadoras e à aplicação de regimes especiais de benefícios, tendo por base a
definição das situações determinantes de isenção de pagamento ou de
comparticipação, como situações clínicas relevantes de maior risco de saúde ou
situações de insuficiência económica.
Note-se que o direito de acesso dos utentes beneficiários do SNS aos cuidados de
saúde existe de igual forma nos prestadores do setor privado ou social com os quais
tenham sido celebradas convenções ou acordos para prestação de serviços no âmbito
do SNS.
3.3. Direito à proteção da saúde do cidadão
estrangeiro: o caso especial do imigrante
De uma análise conjunta do artigo 64.º da CRP com a Base XXV da LBS, e do
confronto destas disposições legais com as diferentes realidades e os movimentos
migratórios que acontecem em território nacional, resulta claro que o sistema de saúde
português assume a proteção à saúde de todos os cidadãos que, como tal, são
considerados (i) os cidadãos nacionais dos EM da UE, do EEE e Suíça que sejam
abrangidos pelos regimes de coordenação dos regimes de segurança social, (ii) os
cidadãos nacionais de países abrangidos por acordo celebrado entre estes e Portugal;
(iii) os cidadãos nacionais de países terceiros não abrangidos por acordo bilateral
celebrados por Portugal e (iv) os cidadãos nacionais de países terceiros com estatuto
de refugiados ou com direito de asilo em Portugal.
Por outro lado, o artigo 15.º do texto constitucional sob a epígrafe “Estrangeiros,
apátridas, cidadãos europeus” determina que todos os cidadãos que “[…] se
encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do
cidadão português”, salvo “[…] os direitos políticos, o exercício das funções públicas
que não tenham carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres
reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses.”.
Além disso, também aos cidadãos dos Estados de língua portuguesa com residência
48 Republicado pelo Decreto-Lei n.º 117/2014, de 5 de agosto, e mais recentemente alterado pelo Decreto-Lei n.º 61/2015, de 22 de abril.
34 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
permanente no nosso país, são “[…] reconhecidos, nos termos da lei e em condições
de reciprocidade, direitos não conferidos a estrangeiros […]”.
Como se verá, são distintas as situações que serão aqui explanadas, porque são
igualmente distintos os seus âmbitos subjetivos e as circunstâncias que podem
justificar a sua implementação. Assim, nas seções que se seguem serão
apresentadas, ainda que sumariamente, as disposições legalmente aplicáveis às
pessoas que não sendo enquadradas (apenas) na definição de imigrantes para efeitos
da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho49, são já consideradas no âmbito subjetivo do direito à
saúde tal como consignado na CRP e na LBS50. Por isso, ainda que se tenha optado
por enunciar o enquadramento do direito à saúde dos cidadãos nacionais de EM da
UE, do EEE e da Suíça, serão também explorados, com evidente relevância, os
percursos dentro do sistema de saúde português a respeitar pelos cidadãos nacionais
de países terceiros com os quais Portugal celebrou acordos bilaterais, pelos cidadãos
nacionais de países com quem Portugal não detém qualquer acordo bilateral, pelos
asilados e refugiados, e, finalmente, pelos cidadãos estrangeiros, ainda que em
situação irregular.
49 A Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, no seu artigo 4.º, determina a sua aplicabilidade aos cidadãos estrangeiros e apátridas e exclui, por isso, ainda que sem prejuízo da sua aplicação subsidiária e de referência expressa em contrário, os nacionais de um Estado membro da União Europeia, de um Estado Parte do Espaço Económico Europeu ou de um Estado terceiro com o qual a Comunidade Europeia tenha concluído um acordo de livre circulação de pessoas, os nacionais de Estados terceiros que residam em território nacional na qualidade de refugiados, beneficiários de proteção subsidiária ao abrigo das disposições reguladoras do asilo ou beneficiários de proteção temporária e, ainda, os nacionais de Estados terceiros membros da família de cidadão português ou de cidadão estrangeiro abrangido pelas alíneas anteriores. Refira-se ainda que a Lei n.º 23/2007 foi republicada pela Lei n.º 29/2012, de 9 de agosto. 50 Por seu lado, a LBS considera que são cidadãos estrangeiros: (i) os cidadãos nacionais dos EM da UE, do EEE e Suíça que sejam abrangidos pelos regimes de segurança social; (ii) cidadãos nacionais de países abrangidos por acordo celebrado entre estes e Portugal; (iii) cidadãos nacionais de países terceiros não abrangidos por acordo bilateral celebrado por Portugal; e (iv) cidadãos nacionais de países terceiros com estatuto de refugiado ou com direito de asilo em Portugal.
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 35
3.3.1. Acesso dos cidadãos nacionais de um EM da UE,
do EEE ou da Suíça, e dos trabalhadores das
instituições europeias
Prestação de cuidados de saúde não programados em situação de estadias
temporárias noutros Estados-Membros: Cartão Europeu de Seguro de Saúde51 e
o European Institutions Health Insurance Card
O Cartão Europeu de Seguro de Doença (CESD) foi criado na sequência do Conselho
Europeu de Barcelona em 2002, tendo sido formalizado na Decisão 2003/751/CE, e
substitui, desde junho de 2004, os até então vigentes formulários europeus de saúde52.
O CESD53 visa certificar, perante os prestadores de cuidados de saúde (ou perante os
organismos que financiem a prestação de cuidados de saúde) sitos no EM de estada
temporária, e apenas no contexto de um episódio súbito de doença, que o beneficiário
se encontra efetivamente segurado no seu Estado de origem. Note-se que o CESD
(ou o CPS) não serve às situações de deslocação a outro EM com o propósito
específico de aí obter cuidados de saúde. Além do mais, o CESD permite o acesso
aos tratamentos necessários54, irrelevantemente de um qualquer carácter de urgência,
por acidente, doença ou maternidade, nas mesmas condições dos cidadãos do EM de
destino. A prestação dos cuidados deverá ser efetuada em idênticos moldes em que o
é aos cidadãos nacionais desse Estado, pelo que tendo-se por base a prestação em
estabelecimentos públicos, o cidadão da UE terá direito a cuidados gratuitos, ou
mediante o pagamento das taxas moderadoras que legalmente sejam admissíveis.
Mas tendo o CESD sido emitido no âmbito e para aplicação do Regulamento n.º
1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de
segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados
51 Ou o certificado provisório de substituição (CPS) que pode ser emitido – a título provisório e em substituição do CESD – pela entidade responsável pelo CESD, sempre que este último é requerido. Note-se que o CPS do CESD deve ser obrigatoriamente aceite por todos os prestadores de cuidados de saúde, desde que a validade do mesmo permita o exercício do direito de acesso. 52 Em concreto, os formulários E111 e E111b destinados a turistas (em vigor até dezembro de 2005); o formulário E110 direcionado aos trabalhadores de empresas de transportes internacionais; o formulário E128 dirigido a trabalhadores e estudantes que trabalham e estudam noutro EM; e o formulário E119 utilizado pelos cidadãos desempregados à procura de emprego num outro EM. 53 O CESD tem aplicação ao Espaço Económico Europeu (EEE). 54 O CEDS garante igualmente o acesso a determinados tratamentos necessários e vitais que estejam disponíveis em unidades de cuidados especializados, nomeadamente, tratamentos de diálise renal, oxigenoterapia e quimioterapia, nas mesmas condições dos cidadãos nacionais.
36 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
e aos membros da sua família que se deslocam no interior da UE, este cartão tem a
sua aplicação limitada “aos nacionais de um Estado-Membro, aos apátridas e
refugiados residentes num Estado-Membro que estejam ou tenham estado sujeitos à
legislação de um ou mais Estados-Membros, bem como aos seus familiares e
sobreviventes”, bem como “aos sobreviventes das pessoas que tenham estado
sujeitas à legislação de um ou mais Estados-Membros, independentemente da
nacionalidade dessas pessoas, sempre que os seus sobreviventes sejam nacionais de
um Estado-Membro, ou apátridas ou refugiados residentes num dos Estados-
Membros” – n.os 1 e 2 do artigo 2.º do referido Regulamento n.º 883/2004, na sua
redação atual. Do CESD beneficia igualmente qualquer trabalhador de outro EM
destacado em Portugal, ainda que não residente no nosso país, sendo certo que o
período máximo de destacamento é de 24 meses.
Importa ainda referir que os cidadãos da UE que sejam simultaneamente profissionais
das instituições da UE gozam de um seguro especial de saúde que é regulamentado
não por uma qualquer norma comunitária na área da segurança social mas por um
regime designado por Joint Sickness Insurance Scheme. Estes utentes devem ser
portadores de um cartão de saúde, o EIHIC – European Institutions Health Insurance
Card, que identifica o seu titular, o regime, bem como os contactos que permitem
aceder online ao serviço que o emite. Em Portugal, de acordo com as orientações da
Circular Normativa n.º 3/2009, de 5 de fevereiro, estes utentes, quando detentores do
referido cartão, têm acesso aos cuidados de saúde no SNS, nas mesmas condições
que os utentes que sejam detentores do CESD (ou do CPS), sendo que os cuidados
que lhes forem prestados serão cobrados pela ACSS ao referido seguro.
Prestação de cuidados de saúde programados noutros Estados-Membros
O regime consagrado no Decreto-Lei n.º 177/92, de 13 de agosto
Em Portugal, na sequência da LBS, o Decreto-Lei n.º 177/92, de 13 de agosto55, veio
estabelecer e regulamentar um primeiro regime de prestação de assistência médica no
estrangeiro aos beneficiários do SNS, ao determinar, em suma, que:
55 Importa referir, ainda que sumariamente, que este diploma foi já analisado pelo TJUE, em sede de apreciação de ação por incumprimento intentada pela Comissão Europeia contra a República Portuguesa, por alegado incumprimento derivado de uma restrição injustificada à livre prestação de serviços, por ali não estar prevista a possibilidade do reembolso de despesas médicas não hospitalares efetuadas noutro EM, a não ser nas circunstâncias do Regulamento
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 37
“1 ‑ A assistência médica de grande especialização no estrangeiro que, por
falta de meios técnicos ou humanos, não possa ser prestada no país é
regulada pelo presente diploma.
2 ‑ São abrangidos os beneficiários do Serviço Nacional de Saúde.
3 ‑ Excluem‑se do âmbito do presente diploma as propostas de deslocação ao
estrangeiro que provenham de instituições privadas.” (artigo 1.º);
São condições essenciais para a atribuição dos benefícios previstos no artigo 6.° de tal
Decreto-Lei, isto é, de assunção pelo SNS das despesas incorridas com tratamentos
médicos realizados no estrangeiro:
“a) A existência de um relatório médico hospitalar favorável, a elaborar
circunstanciadamente pelo médico que tenha acompanhado a assistência ao
doente, confirmado pelo respetivo diretor de serviço;
b) A confirmação de tal relatório por parte do diretor clínico da unidade
hospitalar onde o doente foi assistido;
c) A decisão favorável do diretor-geral [da saúde], mediante parecer da
assessoria técnica.” (artigo 2.º).
Este regime é aplicável ao cidadão nacional, utente do SNS, que sob fundamento
clínico é submetido a cuidados de saúde fora do nosso país. Diferente é já o regime
recentemente aprovado pela UE e transposto para a ordem jurídica nacional que
regulamenta o acesso do cidadão nacional de um dos países da UE, do EEE e da
Suíça, aos cuidados programados num outro EM da UE.
O regime previsto na Diretiva 2011/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho,
de 9 de março de 201156 e a transposição para a Lei n.º 52/2014, de 25 de agosto
(CEE) n.° 1408/71, ou por subordinar a possibilidade de reembolso de despesas médicas não hospitalares à concessão de uma autorização prévia. Conforme se retira do acórdão proferido, Portugal incumpre com as obrigações consignadas no artigo 49.º do CE que se aplica à situação de um doente que recebe prestações médicas, mediante remuneração, num EM diferente do Estado da sua residência – cfr. Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção), de 27 de outubro de 2011 e também as conclusões da Advogada-Geral do TJUE, de 14 de Abril de 2011, no processo C - 255/09, Comissão Europeia c. República Portuguesa. 56 A ERS publicou já no seu website um estudo dedicado à Diretiva, para o qual se remete na íntegra.
38 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
Em março de 2011, a Diretiva 2011/24/UE estabeleceu o regime de visitas
programadas a outros EM pelos cidadãos europeus, e mereceu já a sua transposição
pela Assembleia da República para o ordenamento português, pela Lei n.º 52/2014, de
25 de agosto.57
Refira-se que a Diretiva visa estabelecer regras para facilitar o acesso a cuidados de
saúde transfronteiriços seguros e de elevada qualidade na UE, para assegurar a
mobilidade dos doentes de acordo com os princípios estabelecidos pelo TJUE58 e para
promover a cooperação em matéria de cuidados de saúde entre os EM, sempre no
pleno respeito das competências nacionais em matéria de organização e prestação de
cuidados de saúde – cfr. o n.º 1 do artigo 1.º e o considerando 10.
A Diretiva tem a sua base legal no artigo 114.º do Tratado, relativo à politica de
harmonização das legislações, porquanto “[…] visa melhorar o funcionamento do
mercado interno e a livre circulação de mercadorias, de pessoas e de serviços […]”,
sendo este objetivo consonante com as medidas que podem ser adotadas com base
nesta política de harmonização.
57 A Lei n.º 52/2014, de 25 agosto, transpôs para a ordem jurídica portuguesa o entendimento comunitário e, nesse sentido, estabeleceu as normas de acesso a cuidados de saúde transfronteiriços com o intuito de promover a cooperação em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços, conforme se lê no seu artigo 1.º. Mais ali se lê que o assim disposto não prejudica a aplicação: (i) do Regulamento (CE) n.º 883/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social e do Regulamento (CE) n.º 987/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009; (ii) da legislação em vigor relativa à organização e ao financiamento dos cuidados de saúde, em situações não relacionadas com os cuidados de saúde transfronteiriços; e (iii) da legislação aplicável aos subsistemas de saúde. Ademais, ali se refere que nenhuma disposição da presente lei obriga a reembolsar os beneficiários das despesas decorrentes da prestação de cuidados de saúde efetuada por prestadores de cuidados de saúde estabelecidos no território nacional, que não se encontrem integrados ou contratados com o SNS ou com os Serviços Regionais de Saúde (SRS). Conforme definido no seu artigo 3.º são beneficiários do SNS e dos SRS, nomeadamente, os cidadãos de nacionalidade portuguesa, as pessoas, incluindo os membros da sua família e os seus sobreviventes, abrangidos no capítulo I do título III do Regulamento (CE) n.º 883/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, e relativamente aos quais o Estado Português seja tido como Estado competente, nos termos dos regulamentos comunitários aplicáveis e da lei, os nacionais de países terceiros residentes em Portugal abrangidos pelo Regulamento (CE) n.º 859/2003, do Conselho, de 14 de maio de 2003, ou pelo Regulamento (UE) n.º 1231/2010, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, ou nos termos da lei. 58 Conforme declara no seu considerando 8, a Diretiva procura “assegurar uma aplicação mais geral e eficaz dos princípios estabelecidos pelo TJUE de forma avulsa.”.
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 39
A Diretiva aplica-se à prestação de cuidados de saúde aos doentes,
independentemente da forma como sejam organizados, prestados ou financiados – o
n.º 2 do artigo 1.º59.
Importa frisar que a Diretiva não afeta o poder dos EM de conformação da
organização e do financiamento dos cuidados de saúde em situações não
relacionadas com os cuidados de saúde transfronteiriços. Em concreto, nenhuma
disposição da Diretiva obriga o Estado a reembolsar os custos dos cuidados de saúde
ministrados por prestadores de cuidados de saúde estabelecidos no seu território se
esses prestadores não estiverem integrados no regime de segurança social ou no
sistema de saúde público desse EM - n.º 4 do artigo 1.º.
A propósito das obrigações dos EM de tratamento, compete-lhes, no respeito pelos
princípios da universalidade, do acesso a cuidados de saúde de boa qualidade, da
59 A UE considera como prestação de cuidados de saúde os “[…] serviços de saúde prestados por profissionais de saúde aos doentes com o objetivo de avaliar, manter ou reabilitar o seu estado de saúde, incluindo a prescrição, a dispensa e o fornecimento de medicamentos e dispositivos médicos” – cfr. alínea a) do artigo 3.º. Por “cuidados de saúde transfronteiriços” entendem-se “[…] os cuidados de saúde prestados ou prescritos num Estado-Membro diferente do Estado-Membro de afiliação […]” – cfr. alínea e) do artigo 3.º. Nesse sentido, e para efeitos de reembolso dos custos dos cuidados de saúde transfronteiriços, a Diretiva deverá abranger as situações em que o doente recebe cuidados de saúde num EM diferente do EM de afiliação, bem como as situações de prescrição, de dispensa e de fornecimento de medicamentos e de dispositivos médicos caso estes sejam fornecidos no âmbito de um serviço de saúde (podendo o doente adquiri-los quer num EM distinto do EM de afiliação, quer num EM diferente daquele em que a receita foi emitida) – cfr. o § 16. Por outro lado, por doente a Diretiva entende “[…] uma pessoa singular que procure receber ou receba cuidados de saúde num Estado-Membro” – cfr. alínea h) do artigo 3.º. Além disso, com o quadro de coordenação dos regimes de segurança social já existente [Regulamento n.º 883/2004], a Diretiva considera ainda como “pessoa segurada” as pessoas, incluindo os membros da sua família e os seus sobreviventes, abrangidas pelo artigo 2.º do Regulamento (CE) n.º 883/2004 e que sejam pessoas seguradas na aceção da alínea c) do artigo 1.º do mesmo regulamento e os nacionais de um país terceiro abrangidos pelo Regulamento (CE) n.º 859/2003 ou pelo Regulamento (UE) n.º 1231/2010, ou que satisfaçam as condições estabelecidas na legislação do EM de afiliação relativa ao direito às prestações. O conceito de doente é pois mais amplo, na medida em que um doente poderá ver preenchidos os requisitos para ter direito a cuidados de saúde transfronteiriços, quer nos termos da Diretiva, quer nos termos dos regulamentos relativos à coordenação dos regimes de segurança social (podendo depois optar pela aplicação de um ou outro sistema). A Diretiva não pretende, porém, conferir qualquer direito de entrar, permanecer ou residir num EM, a fim de aí receber cuidados de saúde. Conforme clarifica no § 18, caso a estadia de uma pessoa no território de um EM não esteja em conformidade com a [respetiva] legislação relativa ao direito à entrada ou à estadia no seu território, essa pessoa não deverá ser considerada uma pessoa segurada de acordo com a Diretiva. Ainda, a definição de cuidados de saúde independentemente da forma como sejam organizados, prestados ou financiados, significa, que devem ser incluídos todos os prestadores de cuidados de saúde (públicos e não públicos). Com efeito, consigna-se no § 11 da Diretiva que “nem a sua natureza especial nem a forma como estão organizados ou são financiados podem excluir os cuidados de saúde do âmbito de aplicação do princípio fundamental da livre prestação de serviços.”.
40 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
equidade e da solidariedade, garantir que os cuidados transfronteiriços são prestados
nos termos da sua legislação e de acordo com as normas e orientações em matéria de
qualidade e segurança estabelecidas pelo próprio, bem como nos termos da legislação
da União relativa às normas de segurança – n.º 1 do artigo 4.º. As normas aplicáveis à
prestação dos cuidados serão, assim, aquelas previstas no ordenamento do EM de
tratamento, em consonância aliás com o já citado princípio de que a organização e
prestação de serviços de saúde e de cuidados médicos é da responsabilidade de cada
um dos EM. Nesta senda, a Diretiva refere que respeita e não prejudica a liberdade de
cada EM de decidir que tipo de cuidados de saúde considera adequado, de modo a
que as opções éticas fundamentais de cada EM não sejam postas em causa – § 7 da
Diretiva.
Importa referir aqui, também, o princípio do tratamento nacional e não discriminatório.
O princípio da não discriminação por razões de nacionalidade é, assim, aplicável aos
doentes dos outros EM – n.º 3 do artigo 4.º. Aliás, salienta a Diretiva no § 21, que o
respeito pelos princípios supra deve ser assegurado relativamente a doentes de outros
EM, devendo os mesmos ser tratados “[…] de forma equitativa, na base das suas
necessidades em termos de cuidados de saúde, e não na base do seu Estado-
Membro de afiliação.”. Contudo, e segundo se prossegue no mesmo §, a Diretiva “[…]
não deverá obrigar os prestadores de cuidados de saúde a aceitar doentes de outros
Estados-Membros para tratamentos planeados ou a dar a estes doentes prioridade em
detrimento de outros doentes, por exemplo, aumentando o tempo de espera para
tratamento de outros doentes.”.
Relevante nesta temática, é a criação de pontos de contacto nacionais, aos quais
compete60, sumaria e designadamente (i) facilitar o intercâmbio de informações e
cooperar com a Comissão e com os pontos de contacto nacionais dos outros EM; (ii)
fornecer aos doentes, a seu pedido, os dados dos pontos de contacto nacionais dos
outros EM; e (iii) quando na veste de ponto de contacto nacional no EM de tratamento,
facultar informações sobre os prestadores de cuidados de saúde incluindo, a pedido,
informações sobre o direito de um prestador específico prestar serviços ou sobre
eventuais restrições à sua prática, as normas e orientações em matéria de qualidade e
segurança estabelecidas no seu território, incluindo disposições relativas à supervisão
e à avaliação dos prestadores de cuidados de saúde, bem como informação sobre os
60 Devendo comunicar os seus nomes e contactos à Comissão (n.º 1 do artigo 6.º), sendo que posteriormente, a Comissão e os EM tornarão pública esta informação.
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 41
prestadores de cuidados de saúde sujeitos a essas normas, e orientação e informação
sobre a acessibilidade dos hospitais para pessoas com deficiência.
Por outro lado, e conforme visto, a Diretiva visa igualmente clarificar a sua articulação
com o quadro de coordenação dos regimes de segurança social já existente
(Regulamento n.º 883/2004) com vista à aplicação dos direitos dos doentes. Em
primeiro lugar, a Diretiva não afetará os direitos das pessoas seguradas quanto à
assunção das despesas com cuidados de saúde prestados, seja durante a estadia
temporária noutro EM, em conformidade com o citado Regulamento n.º 883/2004, seja
no âmbito de um pedido de autorização para tratamento programado noutro EM,
desde que igualmente preenchidas as condições previstas no mesmo Regulamento n.º
883/2004.
Por outro lado, uma vez verificadas as respetivas condições, “[…] o doente não deverá
ser privado da aplicação dos direitos mais favoráveis garantidos pelos [referidos]
regulamentos da União […]”, pelo que ao doente deverá ser concedida autorização
para receber o tratamento em causa, caso o mesmo “[…] esteja previsto nas
prestações concedidas pela legislação do Estado-Membro em que o doente reside e
caso o doente não possa receber esse tratamento num prazo razoável do ponto de
vista médico, tendo em conta o seu estado de saúde e a evolução provável da sua
condição.” – § 31.
Refira-se que o atual sistema de acesso derivado (gatekeeping) aos cuidados
secundários (referenciação dos cuidados primários para os cuidados hospitalares)
será, assim e à partida, compatível com a Diretiva por ser não discriminatório e, nessa
medida, aplicável indiscriminadamente às situações internas e transfronteiriças.
Não obstante, diga-se que excecionalmente deve ser requerida autorização prévia em
situações que devem ser claramente designadas e nas condições estipuladas pelos
EM. Com efeito, a este propósito, a Diretiva prevê que o EM de afiliação possa decidir
sujeitar o reembolso dos custos de cuidados de saúde transfronteiriços a um
procedimento de autorização prévia – cfr. artigo 8.º.
A Diretiva determina ainda que cada EM de afiliação tem de tornar pública a lista dos
cuidados de saúde sujeitos a autorização prévia, bem como todas as informações
relevantes sobre o sistema de autorização prévia. Além disso, resulta do § 34 que se a
lista das prestações não indicar especificamente o método de tratamento aplicado,
mas definir tipos de tratamento, o EM de afiliação “não deverá recusar a autorização
prévia ou o reembolso baseando-se no facto de o método de tratamento não estar
42 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
disponível no seu território, mas sim verificar se o tratamento fronteiriço pretendido ou
recebido corresponde às prestações previstas na sua legislação”.
Coordenação dos regimes da segurança social na prestação de cuidados de
saúde urgente (não programada) ou programada
Recorde-se que a respeito do reembolso dos cuidados de saúde por parte do EM de
afiliação do seu beneficiário, a diretiva dos cuidados de saúde transfronteiriços
assume a necessária articulação com o quadro de coordenação dos regimes de
segurança social já existente (Regulamento n.º 883/2004) com vista à aplicação dos
direitos dos doentes. Conforme ali mencionado, a Diretiva não afetará os direitos das
pessoas seguradas quanto à assunção das despesas com cuidados de saúde
prestados, seja durante a estadia temporária noutro EM, em conformidade com o
citado Regulamento n.º 883/2004, seja no âmbito de um pedido de autorização para
tratamento programado noutro EM, desde que igualmente preenchidas as condições
previstas no mesmo Regulamento n.º 883/2004. Nesse sentido, o seu § 30
expressamente refere que “[…] os dois sistemas deverão ser coerentes: ou é aplicável
a [Diretiva] ou são aplicáveis os regulamentos da União relativos à coordenação dos
regimes de segurança social.”. E, nessa medida, não têm direito ao reembolso, os
beneficiários que, nos termos dos Regulamentos n.º 883/2004 e n.º 987/2009, se
encontrem abrangidos pelo sistema de segurança social de outro EM. Também, como
visto, o legislador nacional reconheceu que a Lei n.º 52/2014 não prejudica a aplicação
do mesmo Regulamento (CE) n.º 883/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho,
de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social e do
Regulamento (CE) n.º 987/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de
setembro de 2009.
Aqueles regulamentos aplicam-se aos EM da UE, ao EEE e à Suíça. Ali são
abrangidos, genericamente, todos os trabalhadores nacionais dos EM e familiares, os
pensionistas nacionais de um EM e os seus familiares, as pessoas não ativas que são
consideradas seguradas de um EM, os apátridas e refugiados residentes num EM,
sujeitos à legislação de um ou mais EM, bem como os seus familiares e sobreviventes;
ainda, os nacionais de outros países residentes legais num EM desde que não tenham
provindo diretamente de um terceiro país e se encontrem em situação transfronteiriça.
Assim, em concreto, poder-se-á estar perante um cidadão europeu pensionista ou
ativo, inscrito num regime de segurança social, e respetivo agregado familiar ou
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 43
perante a situação de um cidadão europeu com residência permanente em Portugal
(desde que nacional de um dos EM, do EEE ou da Suíça), sem qualquer inscrição
num qualquer sistema de segurança social da UE mas que cá fixa a sua residência.
Ora, no capítulo relativo à proteção na doença, os regulamentos em análise procuram
estabelecer um conjunto de regras relativas ao acesso a cuidados de saúde e a
determinadas prestações pelos dependentes, e outras regras relativas aos reembolsos
e pagamentos dos respetivos custos. Genericamente, um cidadão europeu, nacional
de um EM distinto do EM da sua residência, tem direito aos cuidados de saúde
concedidos nos termos da legislação deste último EM e em igualdade de tratamentos
dos seus cidadãos nacionais.
Com efeito, os cidadãos nacionais de um EM e que sejam segurados num sistema de
segurança social, passam a ser beneficiários do SNS português e aos mesmos é
atribuído um número de beneficiário do SNS. Se o cidadão for já beneficiário de um
sistema de segurança social distinto do português, ainda que cá exerça a sua
atividade profissional, então o Regulamento n.º 883/2004 determina que deve este, e
seus familiares dependentes, adquirir um atestado (formulário S1) que deverá ser
entregue junto dos nossos serviços da segurança social da área de residência. Depois
da competente validação, pode o mesmo documento ser apresentado junto da
unidade de cuidados primários respetiva que, por sua vez, poderá emitir um número
do SNS para cada uma das pessoas em causa61.
Numa outra categoria estão os cidadãos não ativos, nacionais de outros EM e
residentes em Portugal, que passam a ter direitos de acesso aos cuidados de saúde
no nosso país por aqui residirem62. Na prática, o acesso por estes beneficiários aos
cuidados de saúde em Portugal depende da apresentação na unidade de cuidados
primários da área de residência de um certificado de registo de residência em território
nacional junto da Câmara Municipal que servirá para inscrição dos interessados no
Registo Nacional de Utentes (RNU) e obtenção de um número de beneficiário do SNS.
61 Compete à unidade de cuidados primários em causa inscrever as pessoas seguradas no Registo Nacional de Utentes, com base no referido atestado de direitos como residente “Migrante Português/Estrangeiro residente Seg. Estrangeiro”. 62 Nos termos da Lei 37/2006, de 9 de agosto, os cidadãos da UE têm o direito de residência em território nacional por período de três meses sem qualquer formalidade específica, além da titularidade de documento de identificação ou por período superior a três meses desde que disponham de recursos suficientes para si próprios e para os seus familiares, ainda um seguro de saúde, se exigido ao cidadão português no EM.
44 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
Além do mais, têm estes direito ao CESD63 a emitir pelos serviços de segurança social
portugueses.
Assim, conforme se retira da leitura do Regulamento (UE) 883/2004, veio o mesmo
aplicar-se – artigo 2.º sob a epígrafe “Âmbito de aplicação pessoal” – aos nacionais de
um EM, aos apátridas e refugiados residentes num EM que estejam ou tenham estado
sujeitos à legislação de um ou mais EM, bem como aos seus familiares e
sobreviventes e, ainda, aos sobreviventes das pessoas que tenham estado sujeitas à
legislação de um ou mais EM, independentemente da nacionalidade dessas pessoas,
sempre que os seus sobreviventes sejam nacionais de um EM, ou apátridas ou
refugiados residentes num dos EM. Por outro lado – artigo 3.º do mesmo Regulamento
–, o presente regulamento aplica-se a todas as legislações relativas aos ramos da
segurança social que digam respeito, designadamente, a prestações por doença.
3.3.2. Acesso dos cidadãos nacionais de países
terceiros abrangidos por acordos bilaterais
Atualmente encontram-se em vigor distintos acordos bilaterais sobre acesso a
cuidados de saúde que se aplicam a cidadãos nacionais de países terceiros com
estada/residência temporária em Portugal, nomeadamente, os celebrados no âmbito
da proteção de doença e maternidade com Andorra64, Brasil65, Cabo Verde, Quebec,
Marrocos, Tunísia e Reino Unido.
63 Com efeito, conforme concluído na Circular de Informação Técnica n.º 7, de 11 de maio de 2012, emitida pela DGSS, “[…] tendo em conta que, de acordo com o citado artigo 11.°, n.º 3, alínea d), a legislação aplicável a estas pessoas é a legislação do EM da residência, Portugal é o EM competente para a emissão do Cartão Europeu de Seguro de Doença (CESD), ao abrigo do artigo 19.0 do Regulamento (CE) n.º 883/2004 e do artigo 25.° do respetivo Regulamento de aplicação (Regulamento (CE) n.º 987/2009, de 16/9/2009).”. 64 Decreto n.º 12/90, de 2 de maio que aprova, para ratificação, a Convenção sobre Segurança Social entre a República Portuguesa e o Principado de Andorra, bem como o Acordo Administrativo relativo às modalidades da respetiva aplicação, que iniciou a sua vigência em 2 de maio de 1990. Conforme consta do predito diploma, a convenção aplica-se, no caso de Portugal, à legislação sobre o regime geral da segurança social relativo à doença e, em Andorra, à legislação do regime de segurança social sobre doença (regime geral e complementar) – artigo 2.º. 65 Decreto do Presidente da República n.º 67/94, de 27 de agosto, que ratifica o Acordo de Segurança Social ou Seguridade Social entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, bem como o respetivo Ajuste Administrativo, que iniciou a sua vigência em 1 de setembro de 1994. A Resolução da Assembleia da República n.º 6/2009 veio aprovar o Acordo sobre a segurança social ou seguridade social entre aqueles dois governos, assinado em Brasília, em 9 de agosto de 2006.
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 45
Através destes acordos, em regra, os trabalhadores (e respetivos agregados
familiares) que exerçam a sua atividade laboral no nosso país e que possuam
inscrição no nosso sistema de segurança social são naturalmente detentores de um
NISS (número de identificação da Segurança Social) e, nessa sequência, são
registados como utentes do SNS, com gozo das condições idênticas aos cidadãos
nacionais residentes em Portugal.
Além do mais, todos os cidadãos com autorização de permanência ou residência, e
que estejam abrangidos por um sistema de segurança social de um outro país com o
qual Portugal detenha um acordo, podem aceder aos cuidados de saúde prestados no
SNS desde que apresentem um atestado de direito. Note-se que a autorização de
permanência permite o acesso aos cuidados no âmbito do SNS sem que, no entanto,
seja feita a inscrição como utente do SNS.
Existem outros acordos de cooperação dirigidos à proteção da saúde celebrados entre
Portugal e os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP)66, pelos quais
se pretende assegurar a assistência médica de doentes originários de qualquer um
daqueles Estados, com o intuito de lhes serem prestados os cuidados de saúde de
nível hospitalar e em regime de ambulatório no SNS, e desde que aqueles Estados
não detenham a competência técnica e humana para esse efeito. Note-se que estes
cidadãos não estão sujeitos aos mesmos procedimentos que os demais cidadãos
estrangeiros. Por outro lado, a responsabilidade do Estado Português no domínio da
saúde para com estes cidadãos reflete-se na assistência hospitalar (internamento
hospitalar e ambulatório), meios complementares de diagnóstico e terapêutica (MCDT)
quando efetuados em estabelecimentos hospitalares oficiais e suas dependências, e
transporte em ambulância do aeroporto ao hospital quando clinicamente exigido. Por
seu lado, é da responsabilidade de cada um dos PALOP o transporte de vinda e
regresso ao país de origem, a deslocação do aeroporto ao local de destino, alojamento
a doentes não internados ou em regime de internamento e ambulatório, alojamento
após a alta clínica, medicamentos e produtos farmacêuticos prescritos em ambulatório,
atribuição de próteses e funeral ou repatriamento.
Além de tudo o referido, devem ser ainda considerados os acordos de cooperação e
convenções celebrados pelo Estado Português no âmbito do ensino e formação
profissional. Nestes casos, os cidadãos estrangeiros que sejam beneficiários de uma
bolsa têm direito à assistência médica e medicamentosa nas mesmas condições que
66 Aqui considerados, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, e, mais recentemente, Guiné Equatorial.
46 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
os nacionais portugueses. A este respeito, e a título exemplificativo, vejam-se os
acordos com Cabo Verde67 e Angola68.
3.3.3. Acesso dos cidadãos nacionais de países
terceiros não abrangidos por acordos bilaterais
Os programas dos governos constitucionais
No âmbito de uma política de plena integração dos imigrantes e das minorias étnicas,
o Programa do XIV Governo Constitucional (1999-2002) propunha um conjunto de
medidas atinentes à proteção e à igualdade dos imigrantes e respetivas famílias.
Nesse sentido, ali se previa, designadamente, a necessidade de ser respeitada a vida
privada e familiar do imigrante, com o intuito de poder este assumir plenamente os
encargos e as responsabilidades na criação dos seus filhos; o acesso dos que residem
e/ou trabalhem em Portugal ao atendimento médico e à prestação de cuidados de
saúde em geral, quando deles ainda não beneficiam; a simplificação dos
procedimentos adotados pelos serviços e organismos públicos; a igualdade de
tratamento dos jovens filhos de imigrantes em matéria de acesso aos meios
disponíveis para os estudantes portugueses carenciados, a nível do ensino superior; o
aperfeiçoamento da legislação sobre a nacionalidade; e finalmente, a harmonização
de legislação em matéria de imigração ao nível da UE que salvaguarde os acordos,
estabelecidos ou a estabelecer, com os países da Comunidade de Países de Língua
Portuguesa (CPLP), e defenda os standards de direitos dos estrangeiros já
consagrados nas convenções internacionais.
É assim que o III Capítulo do documento em análise, sob o título “Uma nova geração
de políticas sociais” e com o objetivo nacional de “Modernidade e coesão: gerar
emprego, valorizar as pessoas, apoiar as famílias, prevenir e diminuir fraturas sociais”,
assume a promoção de uma sociedade para todos, aqui incluídas as minorias étnicas
67 Decreto 23/77, de 22 de março, que aprova o Acordo de Cooperação nos Domínios do Ensino e da Formação Profissional entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República de Cabo Verde. De acordo com o n.º 2 do artigo 11.º, os bolseiros gozarão, designadamente, de assistência médica e medicamentosa, quando estas forem concedidas pelo Estado Português aos seus nacionais. 68 Decreto n.º 29/91, publicado em Diário da República n.º 91/1991, Série I-A, que aprova o Acordo de Cooperação nos Domínios da Educação, do Ensino, da Investigação Científica e da Formação de Quadros e respetivo Protocolo Adicional entre a República Portuguesa e a República Popular de Angola. Conforme consta do n.º 3 do artigo 15.º, os bolseiros angolanos gozarão de assistência médica e medicamentosa, quando concedida aos nacionais.
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 47
e os imigrantes, com a garantia dos direitos sociais. Com efeito, o XIV Governo
Constitucional declarava-se convicto da bondade do desenvolvimento de uma
sociedade geradora de oportunidades, que promove efetivas políticas ativas de
inserção social e de acesso à cidadania; ainda, de uma sociedade inclusiva que
permite uma maior igualdade de oportunidades, diferenciadas em contextos
estimulados pelo Estado e pelo sector da solidariedade para os grupos mais
desfavorecidos, em contraponto a uma visão puramente redistributiva das funções
sociais do Estado.
No âmbito da saúde, o programa definia sob o tema “A saúde, a nova prioridade da
política social” que o acesso deveria ocorrer em condições de equidade social, de
eficiência na gestão e com garantia de qualidade. Ali se percebe o compromisso
assumido de um sistema de saúde com uma gestão mais eficiente que preste
melhores serviços aos cidadãos em condições de equidade social e com garantia de
qualidade. A política de saúde é parte de uma política social que beneficia e contribui
para uma sociedade livre, inclusiva e solidária.
Posteriormente, o Programa do XVIII Governo Constitucional (2009-2011), numa
abordagem mais ampla e não dedicada apenas ao tema da saúde, aposta na
integração dos imigrantes e numa orientação responsável e realista na gestão dos
fluxos migratórios, com pleno empenho no combate à imigração ilegal e ao tráfico de
seres humanos, bem como na cooperação europeia e internacional. Nesta matéria, é
feita referência à lei da nacionalidade, à lei de estrangeiros, à promoção do
reagrupamento familiar, ao Plano para a Integração dos Imigrantes, ao trabalho do
Alto Comissariado para a Imigração e o Diálogo Intercultural, ao reforço do Programa
Escolhas, ao aumento do apoio às associações de imigrantes, ao Programa Português
para Todos, na medida em que se designam como “marcas de uma política de
imigração internacionalmente reconhecida e que se afirmou como parte integrante de
uma nova geração de políticas sociais.”. Ainda, é proposto no mesmo programa,
designadamente, reforçar as medidas de apoio à formação profissional e ao
empreendedorismo dos imigrantes; garantir o pleno acesso dos imigrantes aos direitos
sociais; combater o abandono e o insucesso escolar entre os descendentes de
imigrantes; apoiar a formação de professores para a resposta aos problemas das
comunidades imigrantes e aos desafios da multiculturalidade no espaço escolar e
social; e aprofundar o combate à discriminação dos imigrantes e das minorias étnicas.
O mais recente programa de governo – Programa do XIX Governo Constitucional
(2011-2015) –, em sede de políticas públicas para a saúde reconhece a relevância de
48 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
se aprofundar a cooperação no domínio da saúde, com a CPLP, em concreto, facilitar
a transferência de conhecimentos e a criação de uma agenda de cooperação em
saúde nos domínios técnico e científico, bem como promover o intercâmbio de
profissionais do SNS com os serviços de saúde da CPLP. Ali é reconhecido que a
população imigrante é igualmente uma preocupação na área da Segurança Social e
Solidariedade e, a título de medidas e estratégias a adotar, refere a necessária coesão
e integração sociais das populações não autóctones. Além disso, assume que o
desenvolvimento social em Portugal enfrenta poderosos constrangimentos, entre os
quais se destacam, além do comportamento medíocre da economia portuguesa na
última década, a fraca evolução demográfica, o isolamento dos mais velhos, a pobreza
persistente, o desemprego, a injustiça no mercado de trabalho, o aumento das
desigualdades sociais, a dificuldade em assegurar a sustentabilidade do sistema de
pensões e, o florescimento duma cultura de dependência em que cada vez menos se
reconhece o mérito e o valor do trabalho e do esforço. Também é destacado o papel
positivo que os imigrantes têm no combate à diminuição da taxa de natalidade e
assume como prioritária a execução de medidas que tenham como finalidade a
solidária inclusão da população imigrante e nómada, quanto a direitos e a deveres de
cidadania, fundamentalmente nas áreas da educação, do emprego, da qualificação
profissional e da habitação, sem esquecer o papel primordial do desporto. Ainda, em
execução do Eixo I – Políticas de integração de imigrantes do PEM, o Governo
assume que contará com os contributos da sociedade civil, privilegiando como
parceiros estratégicos as organizações não-governamentais (ONG) e as associações
de imigrantes e de populações nómadas.
A propósito do Plano Estratégico para as Migrações (PEM) (que, recorde-se, foi
publicado para 2015-2020), refira-se que o mesmo serviu à definição de cinco eixos
prioritários na área das migrações: Eixo I – Políticas de integração de imigrantes, Eixo
II – Políticas de promoção da inclusão dos novos portugueses, Eixo III – Políticas de
coordenação dos fluxos migratórios, Eixo IV – Políticas de reforço da legalidade
migratória e da qualidade dos serviços migratórios e Eixo V – Políticas de incentivo,
acompanhamento e apoio ao regresso dos cidadãos nacionais emigrantes.
No âmbito do sector da saúde, destacam-se as medidas 26 a 31, que ora se
transcrevem:
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 49
EIXO I - Políticas de integração de imigrantes N.º Medida Ação Indicador SMART Interveniente Calendarização
26
Clarificação da aplicação do
quadro normativo relativo ao acesso de imigrantes, em
situação documental irregular, ao
Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Elaborar despacho ministerial que clarifique
a situação.
Publicação de despacho ministerial.
MS/DGS-ACSS, I.P.;
MADR/ACM, I.P.
2015 - 2017
27
Implementação e monitorização do
Manual de Acolhimento no
Sistema de Saúde de Cidadãos Estrangeiros.
Assegurar a implementação do
Manual de Acolhimento no Sistema de Saúde de Cidadãos Estrangeiros
junto dos serviços e dos imigrantes.
Implementação do Manual de
Acolhimento no Sistema de Saúde
de Cidadãos Estrangeiros.
MS/DGS-ACSS, I.P.;
MADR/ACM, I.P.; PCM/CIG.
2015-2020
28
Incremento da monitorização da
saúde em populações vulneráveis,
nomeadamente imigrantes.
Elaborar um estudo transversal.
Apresentação de estudo em 2015. MS/DGS. 2015-2020
29
Criação de informação
acessível sobre o sistema de saúde.
Criar brochuras de informação e
disponibilizar informação na página eletrónica da Direção Geral de Saúde
(DGS) e Portal da Saúde, em vários idiomas, sobre o
sistema de saúde e em matéria de direitos de cidadania e saúde nos
diferentes países.
Publicação da informação.
MS/DGS; MADR/ACM,
I.P. 2015-2020
Divulgar, através da rede consular
portuguesa, informação sobre os direitos dos
migrantes aos serviços de saúde locais e ao
sistema nacional português, através de
brochuras de informação
disponibilizadas na página eletrónica da
DGS e Portal da Saúde, em vários idiomas.
Publicação da informação.
MS/DGS; MNE/DGACCP;
MADR/ACM, I.P.
2015-2020
30
Celebração de protocolos para a
mediação intercultural no
âmbito do acesso dos imigrantes ao
SNS.
Celebrar protocolos com Organizações Não
Governamentais (ONG), Instituições Particulares
de Responsabilidade Social (IPSS),
municípios, ACM, I.P.
N.º de mediadores colocados.
MS/DGS; MADR/ACM,
I.P. 2015-2020
50 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
EIXO I - Políticas de integração de imigrantes N.º Medida Ação Indicador SMART Interveniente Calendarização
31
Promoção de formação a
profissionais de saúde acerca das necessidades dos migrantes na área
da saúde.
Realizar ações de formação específicas.
N.º de ações de formação.
MS/DGS-ARS; PCM/ CIG. 2015-2020
Fonte: PEM 2015-2020.
O enquadramento legal aplicável
O Despacho n.º 25 360/2001 assinado pelo Ministro da Saúde reconhece que o país
tem como desafio o fluxo migratório verificado na última década e, nessa medida, “[…]
urge pugnar por uma política que conduza à plena integração dos imigrantes nas
sociedades onde se encontram.”. Ali se reconhece que, desde 1995, o Governo tem
agido de forma a assegurar tal integração “[…] ao corporizar os princípios
constitucionais da igualdade, da não discriminação e da equiparação de direitos e
deveres entre nacionais e estrangeiros, salvas as exceções constitucionalmente
legitimadas, e ainda o direito, também constitucionalmente consagrado, que todos têm
à proteção da saúde, [sendo] relevante que os meios de saúde existentes sejam
disponibilizados a todos os que deles necessitam, na exata medida das suas
necessidades subjetivamente concretizadas, independentemente das suas condições
económicas, sociais e culturais.” Além destas, outras preocupações de saúde pública
impõem um especial cuidado com o tratamento a dar a este tipo de situações. Assim,
ali são determinadas as orientações que servem ao esclarecimento de quaisquer
dúvidas no relacionamento entre os cidadãos de países estrangeiros e o SNS.
Conforme definido, e sob a alçada dos preceitos constitucionais já vistos, todos os
cidadãos estrangeiros residentes legalmente em Portugal devem poder aceder, em
igualdade de tratamento com os beneficiários do SNS, aos cuidados de saúde e de
assistência medicamentosa prestados pelas instituições e serviços que constituem o
SNS. Para tanto, importa que sejam portadores de um cartão de utente, sendo certo
que os pagamentos de cuidados de saúde prestados, pelas instituições e serviços que
constituem o SNS, aos cidadãos estrangeiros, referidos no número anterior, que
efetuem descontos para a segurança social, e respetivo agregado familiar, é
assegurado nos termos gerais.
Diferente situação, também aqui prevista, ocorrerá nos casos dos cidadãos
estrangeiros que estejam em Portugal há mais de 90 dias e que não sejam detentores
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 51
de um documento comprovativo de autorização de permanência ou de residência, ou
visto de trabalho em território nacional. Neste caso, o acesso aos serviços e
estabelecimentos do SNS fundamenta-se na apresentação, junto dos serviços de
saúde da sua área de residência, do mencionado documento comprovativo (atestado),
emitido pelas juntas de freguesia. Certo é que a estes cidadãos poderão ser cobrados
valores distintos das taxas moderadoras, a título de preço dos cuidados de saúde,
excetuando a prestação de cuidados de saúde em situações que ponham em perigo a
saúde pública, atentas as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente no que
concerne à situação económica e social da pessoa, a aferir pelos serviços de
segurança social.
À data foi ainda determinado que as instituições e serviços que constituem o SNS que
prestem cuidados de saúde, ao abrigo deste despacho, deverão elaborar relatórios de
onde constem o número, a nacionalidade, a profissão, a residência, a idade e o sexo
do cidadão estrangeiro, bem como o número e a natureza dos atos médicos
praticados e a faturação respetiva. Os referidos relatórios são enviados mensalmente
para as ARS, que devem remetê-los à ACSS para efeitos de tratamento estatístico.69
O Decreto-Lei 67/2004, de 25 de março, determina a criação de um registo nacional
de menores estrangeiros que se encontrem em situação irregular em Portugal, com o
intuito de assegurar o seu acesso ao benefício dos cuidados de saúde e à educação
pré-escolar e escolar – artigos 1.º e n.º 1 do artigo 2.º. Com efeito, conforme dito no
preâmbulo do diploma, percebe-se que estes cidadãos, porque “[…] limitados na
capacidade de exercício por força da menoridade e na capacidade de gozo por força
da sua condição de imigrantes ilegais, encontram-se num vazio jurídico impeditivo do
acesso aos benefícios elementares que a sociedade e o Estado destinam a todos os
cidadãos sejam nacionais ou estrangeiros.”. Além disso, mais se refere que as
informações recolhidas para esse efeito poderão “[…] servir de fundamento ou meio
de prova para qualquer procedimento, administrativo ou judicial, contra qualquer
cidadão ou cidadãos estrangeiros que exerçam o poder paternal do menor registado,
salvo na medida do necessário para a proteção dos direitos deste.”. Mas, por outro
lado, os mesmos elementos não poderão […]” servir de base à legalização do menor
registado ou do cidadão ou cidadãos estrangeiros que, sobre este, exerçam o poder
paternal. A competência para o registo compete a qualquer serviço da Administração
Pública, oficiosamente ou por requerimento de quem exerça o poder paternal, e os
dados assim recolhidos, devem ser tratados e mantidos pelo atual ACM a recolha, o 69 Note-se que foi precisamente ao abrigo desta determinação que foram encetadas diligências junto das ARS e da ACSS, conforme melhor se verá no presente estudo.
52 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
tratamento e a manutenção, a quem compete igualmente, “[…] em articulação
transversal com os serviços competentes da Administração Pública e da administração
regional autónoma, garantir que os menores registados acedam ao exercício dos
mesmos direitos que a lei atribui aos menores em situação regular no território
nacional.”.
A Circular Informativa da Direção Geral da Saúde (DGS), n.º 65/DSPCS, de 26 de
novembro de 2004, dedica-se aos imigrantes menores. Nesse sentido, esclarece que
o Decreto-Lei nº 67/2004 veio criar um “[…] registo dos cidadãos estrangeiros
menores cuja situação seja ilegal em face do regime jurídico da entrada, permanência,
saída e afastamento de estrangeiros do território nacional […]”. Assim, esclarece que
todas as crianças menores de 16 anos têm acesso aos cuidados de saúde prestados
pelo SNS “[…] independentemente do seu estatuto jurídico face ao regime jurídico da
entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional”.
Posteriormente, no ano de 2009, a Circular Informativa da Direcção-Geral da Saúde
n.º 12/DQS/DMD, de 07 de maio de 2009, veio dar resposta às dúvidas quanto ao
enquadramento e procedimentos em matéria de acesso dos imigrantes aos cuidados
de saúde. Com efeito, conforme ali é referido, são designados por imigrantes, “[…] os
cidadãos estrangeiros, nacionais de um país terceiro não pertencente ao espaço da
União Europeia ou Espaço Económico Europeu e Suíça que residam no território
nacional, nos termos regulados na legislação da imigração.”. Ali mais é reiterado o
entendimento do Despacho de 2001, já visto supra, relativamente aos imigrantes
titulares de autorização de residência em Portugal e aos imigrantes que se encontrem
numa situação irregular face à legislação da imigração em vigor. Em ambas as
situações, é permitido o acesso aos cuidados prestados no SNS desde que seja
apresentado o cartão de utente ou o documento da junta de freguesia da área de
residência que certifique que se encontram a residir em Portugal há mais de 90 dias70,
respetivamente. Nas demais situações – em que o imigrante irregular também não é
titular de documento que ateste que se encontra a residir em Portugal há mais de 90
dias –, devem ser prestados os cuidados de saúde necessários e os serviços do SNS
devem encaminhá-lo para “[…] um Centro Nacional de Apoio ao Imigrante ou para um
Centro Local de Apoio à Integração dos Imigrantes mais próximo, a fim destas
estruturas de apoio ao imigrante, em articulação com outras entidades oficiais
competentes para o efeito, procedam à regularização da sua situação.”.
70 Conforme o disposto no artigo 34.º do Decreto-Lei nº 135/99, de 22 de abril.
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 53
A referida Circular reforça ainda que, de entre os cuidados a prestar aos imigrantes
titulares de um atestado de residência, e que implicam o pagamento da taxa
moderadora, constam os cuidados de saúde urgentes e vitais, os cuidados
relacionados com as doenças transmissíveis que representem perigo ou ameaça para
a saúde pública (tuberculose ou sida, por exemplo), os cuidados no âmbito da saúde
materno-infantil e saúde reprodutiva (nomeadamente acesso a consultas de
planeamento familiar, interrupção voluntária da gravidez, acompanhamento e
vigilância da mulher durante a gravidez, parto e puerpério e cuidados de saúde
prestados aos recém nascidos) e cuidados de saúde e vacinação a menores que se
encontram a residir em Portugal. Além destas restrições ao nível do tipo de cuidados
abrangidos, o acesso aos cuidados de saúde do SNS também se faz em iguais
condições de tratamento aos beneficiários do SNS, quando em causa estejam
cidadãos estrangeiros em situação de reagrupamento familiar, quando alguém do seu
agregado familiar efetua descontos para a Segurança Social devidamente
comprovados e quando estamos perante cidadãos em situação de exclusão social ou
em situação de carência económica comprovada pelos Serviços da Segurança Social.
No caso de cidadãos irregulares que não sejam titulares de documento comprovativo
que autorize ou ateste a residência, também as unidades prestadoras de cuidados de
saúde poderão exigir a cobrança do preço, segundo as normas e tabelas em vigor,
dos cuidados de saúde que lhes forem prestados, excetuando nas prestações já
mencionadas supra nas quais apenas serão cobrados os valores das taxas
moderadoras.
São excluídos destes procedimentos os cidadãos estrangeiros evacuados a coberto
dos Acordos de Cooperação Internacional celebrados entre Portugal e os Países
Africanos de Língua Oficial Portuguesa.
Com a entrada em vigor desta Circular foram revogadas as Circulares Informativas
emitidas pela Direcção-Geral da Saúde n.º 14/DSPCS, de 02 de abril de 2002 e n.º
48/DSPCS, de 30 de outubro de 2002.
No que concretamente respeita às obrigações já mencionadas e definidas pelo
Despacho de 12 de dezembro de 2001, para cada uma das Administrações Regionais
de Saúde e das estruturas das regiões autónomas, a Circular Informativa da ACSS n.º
001/2010/AICSTF, de 14 de setembro de 2010 realça a necessidade imperiosa de
uma identificação cabal de todos os cidadãos imigrantes em Portugal, que sejam
oriundos de países distintos dos inseridos no EEE e da Suíça, que sejam residentes e
54 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
que se encontrem em situação legal e também que descontem para a Segurança
Social, porquanto são estes beneficiários das mesmas condições de igualdade e
tendencial gratuitidade no acesso aos cuidados de saúde do SNS, nos mesmos
termos dos cidadãos nacionais. Com esse intuito é ali reiterada a obrigação que cabe
a cada uma das ARS de transmitir toda a informação melhor descrita no Despacho
25360/2001, que deve ser “[…] pautada por critérios de rigor e uniformidade […]” com
o objetivo de ser garantido um tratamento estatístico dos dados que possibilite a
obtenção de informação fiável e robusta para sustentar futuras decisões neste
domínio.”. A este propósito acresce um outro de natureza financeira e que se prende
com o cumprimento dos termos de acordos celebrados entre Portugal e outros países
terceiros para pagamento dos cuidados prestados e que “[…] exige a correta
identificação e codificação do doente.”. O documento ora em análise, distingue uma
primeira situação respeitante a todos os imigrantes titulares de um cartão do SNS e
que efetuam descontos para a Segurança Social, de uma outra situação respeitante
aos imigrantes que não sendo titulares de uma qualquer autorização de permanência,
residência ou visto de trabalho, são responsáveis pelo pagamento dos cuidados de
saúde que lhe forem prestados no SNS, com as exceções respeitantes à saúde
pública e à situação económica a aferir pelos serviços da segurança social, e, ainda,
de uma última situação atinente aos cidadãos imigrantes abrangidos por acordos ou
instrumentos de cooperação internacional.
Em 2 de dezembro de 2013, foi aprovada a Circular Informativa Conjunta n.º 03/2013,
pela ACSS e pela DGS e dirigida às instituições do SNS, relativa ao Manual de
acolhimento dos cidadãos estrangeiros, no acesso aos SNS e que veio definir e
normalizar os procedimentos a aplicar pelas instituições “[…] no âmbito do
enquadramento, identificação e condições de elegibilidade do acesso dos cidadãos
estrangeiros ao SNS.”. Aqui são estabelecidos, designadamente, códigos de
identificação dos imigrantes, atentas as necessidades de estabelecer as entidades
responsáveis pelos pagamentos dos valores em dívida pelos cuidados de saúde
prestados.
O Manual de acolhimento no acesso aos sistemas de saúde de cidadãos
estrangeiros71 tem como objetivo geral “[…] disponibilizar um conjunto de orientações
que assegurem a identificação e os procedimentos necessários à inscrição e acesso
71 Foi elaborado pela ACSS e pela DGS em colaboração com a Direção Geral da Segurança Social, o atual ACM, a ARS do Norte IP e a ARS do Algarve IP. Foi aprovado pelo Secretário de Estado da Saúde e determina a sua aplicação obrigatória a todas as unidades de saúde. Entrou em vigor em 1 janeiro de 2014.
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 55
de cidadãos estrangeiros ao sistema de saúde português.”. Além do mais, refere que
os mesmos procedimentos a observar pelas “[…] unidades públicas prestadoras de
cuidados de saúde e as unidades provadas prestadoras de cuidados de saúde com
convenção com o SNS.” devem ser alargados aos cidadãos nacionais segurados
noutro país ou com direitos prioritários num outro país por força de acordos
internacionais celebrados por Portugal. Como objetivos específicos são salientados,
entre outros, a necessidade de clarificar os procedimentos necessários de inscrição
dos cidadãos estrangeiros e nacionais com direitos prioritários em país terceiro,
através do cartão de utente do SNS ou outro meio de identificação aceite, e, ainda, a
necessidade de determinar a entidade responsável pelo pagamento dos cuidados de
saúde prestados no SNS.
3.3.4. Acesso de cidadãos nacionais de países
terceiros com estatuto de refugiado ou direito de asilo
A estes cidadãos é reconhecido o direito de acesso ao SNS nas mesmas condições
dos cidadãos nacionais. Com efeito, a Lei n.º 27/2008, de 30 de junho72, no seu artigo
52.º sob a epígrafe “Assistência médica e medicamentosa”, reconhece aos
requerentes de asilo ou de proteção subsidiária e respetivos membros da família o
acesso ao SNS, nos termos a definir por portaria conjunta73 dos membros do Governo
responsáveis pelas áreas da administração interna e da saúde. Para tanto, importa
que o cidadão esteja munido de documento comprovativo da apresentação do pedido
72 Esta lei veio estabelecer as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, transpondo para a ordem jurídica interna as Diretivas n.os 2004/83/CE, do Conselho, de 29 de Abril, e 2005/85/CE, do Conselho, de 1 de dezembro. Foi posteriormente atualizada pela Lei n.º 26/2014, de 5 de maio. 73 Atualmente, a Portaria n.º 30/2001, de 17 de janeiro, e a Portaria n.º 1042/2008, de 15 de setembro. A primeira entrou em vigor a 22 de janeiro de 2001 e foi aprovada ao abrigo da anterior Lei n.º 15/98, de 30 de junho, tendo estabelecido as modalidades específicas de assistência médica e medicamentosa a prestar nas diferentes fases do procedimento de concessão do direito de asilo, desde a apresentação do respetivo pedido até à decisão final que recair sobre o mesmo. A segunda veio manter o conjunto de mecanismos que continuam a garantir, na íntegra, o direito à proteção da saúde dos requerentes da proteção internacional do Estado Português e veio definir, ademais, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 52.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, que os termos e as garantias do acesso dos requerentes de asilo e respetivos membros da família ao SNS, nas modalidades específicas de assistência médica e medicamentosa a prestar nas diferentes fases do procedimento de concessão do direito de asilo são os definidos pela Portaria n.º 30/2001, sendo que tanto é igualmente aplicável aos requerentes de proteção subsidiária e respetivos membros da família.
56 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
de asilo ou de proteção subsidiária74. Além disso, para os efeitos do presente artigo, as
autoridades sanitárias podem exigir, por razões de saúde pública, que os requerentes
sejam submetidos a um exame médico, a fim de que seja atestado que não sofrem de
nenhuma das doenças definidas nos instrumentos aplicáveis da OMS ou em outras
doenças infeciosas ou parasitárias contagiosas objeto de medidas de proteção em
território nacional, cujos resultados são confidenciais e não afetam o procedimento de
asilo. Aos requerentes “[…] particularmente vulneráveis é prestada assistência médica
ou outra que se revele necessária […]”.
74 De acordo com o artigo 14.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, respeitante ao comprovativo de apresentação do pedido “[…] 1 - Até três dias após registo, é entregue ao requerente declaração comprovativa de apresentação do pedido de proteção internacional que, simultaneamente, atesta que o seu titular está autorizado a permanecer em território nacional enquanto o mesmo estiver pendente. 2 - Ao requerente de proteção internacional é dado conhecimento dos seus direitos e deveres numa língua que este compreenda ou seja razoável presumir que compreenda.”.
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 57
4. Acesso a cuidados de saúde por cidadãos
estrangeiros em Portugal
4.1. Os procedimentos de acesso
O presente capítulo servirá à esquematização de todo o enquadramento jurídico
apresentado supra e pretende, de forma clara, responder a questões práticas como
quem acede a cuidados de saúde, leva o quê e vai onde, como acede, a que tipo de
cuidados e quanto paga, para uma melhor compreensão do percurso a seguir por
cada um dos utentes, no sistema de saúde português. Optou-se por dividir, em três
esquemas distintos, as realidades que se podem verificar e, por isso, foi considerado
um esquema para o cidadão da UE, do EEE e da Suíça (e os trabalhadores de
instituições europeias), um outro para o cidadão nacional de país terceiro com acordo
bilateral, no âmbito da saúde e da formação e educação, e, ainda, um terceiro
esquema para o cidadão nacional de país terceiro sem acordo bilateral.
58 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
Esquema 1 – Acesso aos cuidados de saúde por parte do cidadão de EM da EU,
EEE e Suíça (e trabalhadores das instituições da UE)
Cidadão de EM da UE, EEE e Suíça (e trabalhadores das instituições europeias)
CESD ou CPS EIHIC
Documentos a emitir pelo país de
origem e de destino
Inscrição no RNU/Cartão de Utente
Todos os cuidados de saúde nas mesmas condições do
cidadão nacional
Cuidados programados
Taxas moderadoras de acordo com o regime legal português
Todos os cuidados de saúde nas mesmas condições do cidadão nacional
Cuidados de saúde
programados
CESD ou CPS emitido pelo EM da UE, EEE e Suíça a
apresentar nos estabelecimentos de cuidados
de saúde EIHIC emitido pela instituição
europeia
Documentos a emitir pelo país de origem ao abrigo
da Diretiva 2011/24/UE e respetivas leis
nacionais
De acordo com as regras de acesso implementadas no sistema de saúde português
Trabalhadores destacados
por um período não superior a 2
anos
Quanto paga?
Residência permanente
Inscritos no SSS
português
Inscritos no SSS de EM ou
Suíça
Não inscritos num SSS do EM ou Suíça
Certif icado de registo de residência
pela Câmara Municipal a entregar no centro de
saúde
Validação do Formulário S1 pelo CDSS a entregar no centro de
saúde
Quem?
Leva o quê? Vai
onde?
Como acede ao SNS e à
rede nacional?
Que tipo de
cuidados de
saúde?
Comprovativo do NISS
emitido pelo SSS
português a entregar no centro de
saúde
Estada/residência temporária
Cidadãos portadores de CESD ou CPS. Trabalhadores portadores de
EIHIC
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 59
Esquema 2 – Acesso aos cuidados de saúde por parte do cidadão nacional de
país terceiro abrangido por acordo bilateral
Ensino e formação profissional
Com inscrição no SSS
português
Com inscrição num outro
SSS
Quanto paga?
Leva o quê? Vai
onde?
Como acede ao SNS e à
rede nacional?
Que tipo de
cuidados de
saúde?
De acordo com as regras de acesso implementadas no sistema de saúde português
Comprovativo do NISS
emitido pelo SSS
português a entregar no centro de
saúde
Taxas moderadoras de acordo com o regime legal português
Inscrição no RNU/Cartão de Utente
Certif icado do SSS
Documento emitido pela DGS que estabelece a
ligação com o SNS
Documento de apresentação ou comprovativo de
estatuto de asilo/refugiado ou
autorização de residência provisória
Saúde e Segurança Social
Quem?
Cidadão nacional de país terceiro abrangido por acordo bilateral
Cidadãos de países terceiros (Principado de Andorra,
Brasil, Cabo Verde, Quebec, Marrocos, Tunísia)
Assistência médica desde que
comprovada a incapacidade
técnica e humana do país de origem
Cuidados de urgência,
incluindo MCDT, e alguns cuidados
de saúde primários, bem
como assistência medicamentosa
Todos os cuidados de saúde nas
mesmas condições do cidadão nacional
Comprovativo do estatuto de bolseiros ou equiparados pelo
país de origem
Pedido formal pelos serviços
competentes/ embaixada à DGS
Comprovativo de apresentação do
pedido ao SEF
Cidadãos de países terceiros
(Cabo Verde e Angola)
Asilo ou com estatuto de refugiado
PALOP
Todos os cuidados de saúde nas mesmas condições do
cidadão nacional
Certif icado a emitir pelo
próprio SSS a entregar no centro de
saúde
Declaração emitida pela embaixada
60 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
Esquema 3 – Acesso aos cuidados de saúde por parte do cidadão nacional de
país terceiro não abrangido por acordo bilateral
Ainda no decurso da elaboração do presente estudo, atenta a necessidade de uma
análise crítica factualmente fundamentada sobre a atual resposta do SNS aos
cidadãos estrangeiros, imigrantes regulares ou irregulares, foi decidido confrontar as
Cidadão nacional de país terceiro não abrangido por acordo bilateral
Como acede ao SNS e à
rede nacional?
Documento comprovativo de registo no ACM
Que tipo de
cuidados de
saúde?
Menor em situação irregular
Leva o quê? Vai
onde?
Autorização a emitir pelo SEF e a entregar no centro
de saúde
Atestado de residência emitido pela Junta de
Freguesia a entregar no centro de saúde. Devem
ser reencaminhados para o CNAI ou outro centro local
de apoio
Comprovativo de registo no ACM a
entregar no centro de saúde
Situação irregular
Atestado de residênciaNão há qualquer
documento
Inscrição no RNU/Cartão de
Utente
Quem?
Quanto paga?
Taxas moderadoras de
acordo com o regime legal português
Autorização de residência/
permanência ou com visto de trabalho em
Portugal
Sem qualquer documento, mas
devem ser reencaminhados para o CNAI ou outro centro
local de apoio
Taxas moderadoras de
acordo com o regime legal português
Todos os cuidados de saúde nas mesmas condições do cidadão nacional
Totalidade do preço dos cuidados de saúde ou as taxas moderadoras - nas mesmas condições dos utentes do SNS - quando se trata de cuidados de saúde urgentes e vitais, materno infantis, saúde reprodutiva, vacinação, entre outros, e ainda em
situações de reagrupamento familiar, comprovada situação de
exclusão social e/ou carência económica
Totalidade do preço dos cuidados de
saúde
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 61
instituições competentes com o enquadramento legislativo atualmente em vigor e
solicitar elementos enunciativos da realidade verificada diariamente no atendimento e
na prestação de cuidados.
Assim, foi remetido um pedido de informação a todas as ARS e à ACSS (cfr. pedidos
em anexo ao presente estudo) no âmbito do qual foram solicitados distintos
elementos, fatuais e documentais, atento, mormente, o teor dos n.os 6 e 7 do
Despacho n.º 25 360/2001, de 12 de dezembro. Foi igualmente solicitada a
colaboração do ACM, em face da missão que lhe foi atribuída na integração e
orientação das populações imigrantes. As respostas e informações remetidas à ERS,
por cada uma das entidades interpeladas, são sumariamente descritas em anexo I,
individualmente, para cada questão/alínea formulada nos pedidos. Na presente secção
são evidenciadas as informações mais relevantes tal como enunciadas por cada uma
das ARS, pela ACSS e pelo ACM, bem como as dificuldades sentidas, entre os anos
de 2009 e 2014, na observação do cumprimento do Despacho n.º 25 360/2001, de 12
de dezembro, em concreto, na análise dos dados e envio dos documentos à ACSS e
na elaboração do relatório de monitorização por parte desta última.
Por outro lado, as ARS confirmaram que existem dificuldades ou outras situações
reveladoras de uma limitação ao acesso dos imigrantes aos cuidados de saúde do
SNS, as quais são sentidas por parte de imigrantes sem autorização de residência que
necessitam de assistência médica e medicamentosa. Em concreto, e a título
exemplificativo, a ARS Lisboa e Vale do Tejo evidenciou a dificuldade da inscrição e
da prescrição eletrónica no SNS de imigrantes em situação irregular e requerentes de
asilo, uma vez que os mesmos não têm número de utente. Com efeito, a não
atribuição de um número de utente do SNS impede a possibilidade de, através das
diferentes plataformas informáticas, registar alguns direitos no acesso à saúde
previstos na legislação em vigor. Esta realidade implica a impossibilidade de (i)
emissão de cheques dentista e de inscrição no programa de saúde oral, na plataforma
CISO a crianças e grávidas; de (ii) isentar da taxa moderadora do ato de enfermagem
da vacinação no caso das vacinas que constam do Plano Nacional de Vacinação; a
(iii) recusa dos convencionados em aceitar a referência ao Despacho n.º 25 360/2001
no campo “entidade financeira responsável” nas credenciais para meios
complementares de diagnóstico prescritos que obriga ao pagamento do valor total dos
exames, o que não é suportável do ponto de vista económico para a maioria destas
pessoas; ainda, a impossibilidade de (iv) isentar do pagamento de taxas moderadoras
pessoas em situação de exclusão social e carência económica, dado que a mesma é
hoje solicitada no portal da saúde, obrigando ao preenchimento do campo referente ao
62 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
número do SNS; de (v) emitir cheques dentista aos portadores de VIH na plataforma
Sistema de Apoio ao Médico; (vi) de referenciação para a Rede de Cuidados
Continuados Integrados; a (vii) impossibilidade de referenciar para consultas
hospitalares via ALERT; de (viii) acesso a medicamentos com comparticipação e/ou
gratuitamente, pelo facto do receituário não ter número do SNS; de (ix) atribuir médico
de família a estes utentes com diagnóstico de tuberculose, também por não ter
número de utente; de (x) aplicar taxa moderadora ou isenção da mesma, nos cuidados
domiciliários, dado que o sistema de faturação MARTA exige número de utente – cfr.
resposta da ARS Lisboa e Vale do Tejo no anexo I.
Importa também realçar a dificuldade descrita pela ARS Alentejo relativamente ao
encaminhamento dos imigrantes em situação irregular, no pós-internamento
hospitalar, quando estão indocumentados ou não detêm um qualquer contacto de
familiares. A título de exemplo, é denunciada a situação de três doentes estrangeiros
que persistem internados no Centro Hospitalar do Algarve, EPE, e cujo
encaminhamento para outros níveis e prestadores do SNS se encontra bastante
dificultado, apesar dos contatos já efetuados com as Embaixadas e a Segurança
Social, precisamente porque não são estes detentores de n.º de utente do SNS. – cfr.
resposta da ARS Alentejo no anexo I.
Ainda no que respeita às barreiras ao acesso a cuidados de saúde por parte dos
imigrantes, o ACM tem verificado, através dos Centros Nacionais de Apoio ao
Imigrante (CNAI), a existência de constrangimentos relativamente a cidadãos que se
encontram em situação irregular que, em grande parte, se prendem com questões
informáticas, na medida em que algumas plataformas informáticas não estão ainda
parametrizadas “[…] de acordo com a legislação em vigor e com o definido no Manual
de acesso dos cidadãos estrangeiros ao SNS […]”, que visa definir e harmonizar
procedimentos relativamente ao acesso à saúde dos cidadãos estrangeiros. Em
concreto, o sistema nem sempre permite às entidades convencionadas a indicação do
Despacho n.º 25360/2001 na prescrição de credenciais para meios complementares
de diagnóstico, em situações do § 7 da Circular n.° 12 de 7 de maio de 2009. Outra
das situações verificadas prende-se com “[…] a impossibilidade de solicitar o pedido
de isenção do pagamento de taxas moderadoras a pessoas que se encontram em
situação de exclusão social e carência económica, dado o pedido ter de ser efetuado
no portal da saúde, com preenchimento obrigatório do campo referente ao número do
SNS.”. Ainda, é relatada a dificuldade de referenciação destes imigrantes para a Rede
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 63
de Cuidados Continuados Integrados e a impossibilidade de prescrição de medicação
quando comparticipada, por não atribuição de um número do SNS.
Com o intuito de melhor ultrapassar as diferenças culturais, linguísticas, de
organização e de sistema legislativo, os CNAI reúnem vários serviços de apoio ao
imigrante, como sejam o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a Autoridade para as
Condições de Trabalho, e os Ministérios da Educação e da Saúde.
Importa realçar, todavia, que as dificuldades descritas supra não se revelam patentes
nas reclamações formuladas e registadas em livro de reclamações ou qualquer outro
suporte, na medida em que, da análise das respostas das cinco ARS relativas às
reclamações feitas por imigrantes, entre 2009 e 2014, constatou-se que as mesmas
resultaram de situações muito pontuais e o seu número foi muito reduzido em cada
região de saúde.
Assim, do lado da oferta da prestação dos cuidados de saúde, no âmbito das
possíveis barreiras ao acesso aos cuidados de saúde, as ARS evidenciam a ausência
do conhecimento e da aplicabilidade da legislação em vigor por parte do pessoal
administrativo e por vezes, por parte dos profissionais de saúde. Foram também
evidenciados problemas atinentes a barreiras linguísticas e culturais de onde resultam,
por vezes, desentendimentos entre o utente imigrante e os profissionais de saúde ou o
pessoal administrativo. Outros problemas evidenciados prendem-se com as estruturas
organizativas com elevada burocracia condicionando assim o acolhimento e a
prestação dos cuidados de saúde ao imigrante, também limitando a eficácia da
resposta.
Do lado da procura dos cuidados de saúde, destaca-se uma ausência ou informação
incompleta por parte da população de imigrantes quanto aos seus direitos e deveres,
ainda obstáculos linguísticos e culturais que dificulta a comunicação entre o imigrante
e os profissionais administrativos ou os profissionais de saúde.
Relativamente às estruturas humanas ou institucionais implementadas pelas ARS ou
por qualquer uma das instituições e serviços do SNS da área de influência de cada
região de saúde, verifica-se que todas as regiões de saúde, com a exceção da ARS
Norte, mencionaram que os gabinetes de utente apoiam e esclarecem as dúvidas
colocadas pelas unidades de cuidados de saúde e têm como função prestar
informações sobre o funcionamento dos serviços, agilizar a resolução de dificuldades
que possam surgir à população em geral, o que inclui, a comunidade imigrante. – cfr.
respostas das ARS em anexo I.
64 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
Importa aqui também evidenciar algumas das iniciativas descritas pelas ARS,
nomeadamente pela ARS Centro, onde o ACES Baixo Vouga criou um setor integrado
na área financeira da unidade de apoio à gestão que “presta informações a utentes e
colegas nos centros de saúde de acordo com o estabelecido nos regulamentos
comunitários ou acordos bilaterais”. Por outro lado, o ACES Baixo Mondego
desenvolveu uma parceria com a organização Graal – Projeto Saudar+, para
disponibilizar informação a utentes em vários idiomas e o ACES Pinhal Interior Norte é
“[…] parceiro de vários projetos e integra grupos de trabalho desenvolvidos pelas
Câmaras Municipais, no âmbito da integração das populações imigrantes”. – cfr.
respostas das ARS Centro em anexo I.
Por seu lado, o ACM, no âmbito das suas competências de promover o acesso aos
cuidados de saúde e utilização destes serviços pela população de imigrantes,
mencionou a existência e o papel dos CNAI e enumerou algumas diligências que têm
sido por si promovidas atento, mormente, o conteúdo do II Plano de Integração dos
Imigrantes (PII) aprovado para o triénio 2010-2013 – cfr. resposta da ACM em anexo I.
Acrescentou também que, atualmente, existem equipas municipais de mediação
intercultural que têm desenvolvido a sua atividade também na área da saúde e, nesse
âmbito, têm “[…] prestado apoio aos profissionais e instituições no esclarecimento de
códigos culturais relevantes, tradução linguística, esclarecimentos sobre a legislação
de imigração e do acesso dos nacionais de países terceiros a vários serviços e
instituições. Têm efetuado também alguns acompanhamentos a cidadãos nacionais de
países terceiros no acesso à saúde e organizado e promovido várias ações de
sensibilização/formação em alguns ACES, dirigidos a vários profissionais de saúde,
em articulação com o Gabinete da Saúde do CNAI”.
Na perspetiva de garantir uma melhor gestão do processo de assistência médica a
doentes evacuados dos PALOP, o ACM e o Instituto de Segurança Social, IP (ISS)
promoveram conjuntamente o Programa de Apoio ao Doente Estrangeiro (PADE) que
se focalizou no apoio social de doentes estrangeiros e dos seus acompanhantes “[…]
que necessitassem de tratamento em Portugal, devidamente atestados por junta
médica, tendo sido constituída uma rede de 6 casas de acolhimento.”.
Também na área de promoção da saúde mental dos imigrantes, o ACM indica ter sido
promovido um seminário dedicado à “Saúde Mental e Pessoa Sem Abrigo: Onde,
Como e Porquê?” que permitiu divulgar o trabalho desenvolvido “[…] pelas diversas
instituições públicas e sociais que prestam cuidados de saúde mental junto das
pessoas sem-abrigo, a nível nacional, e promover o debate sobre a articulação
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 65
existente entre a saúde mental e o sector social.”. Ainda nesta área, foram ministradas
ações de formação subordinadas ao tema "Referenciação para a Saúde Mental e
acesso à saúde dos imigrantes", em parceira entre a ARS Lisboa e Vale do Tejo e o
Programa Nacional para a Saúde Mental (PNSM).
Além destas informações, o ACM realçou a relevância (e o teor) do II PII, do Manual
de Acolhimento no Acesso ao Sistema de Saúde aos cidadãos estrangeiros, da
Circular Informativa n.º 006/2011, de 22 de fevereiro, emitida pela DGS e, igualmente,
do PEM.
Relativamente à informação disponibilizada aos utentes imigrantes a ARS Alentejo
destacou que a mesma se encontra na página institucional na internet,
designadamente a legislação e folhetos informativos em parceria com o ACM, o Alto
Comissariado para a Imigração e o Diálogo Intercultural (ACIDI), o SEF e o ISS.
Destaca-se aqui a ação da ARS Alentejo, em 2014, onde foram executadas seis ações
de formação e acompanhamento nos ACES sobre a aplicação e implementação do
“Manual de Acolhimento no acesso ao sistema de saúde de Cidadãos Estrangeiros”, e
várias sessões de esclarecimento (como ocorreu no Consulado Britânico de Portimão)
e de outras iniciativas como a implementação do Conselho Municipal para a
Integração dos Imigrantes (GU Portimão) no Centro de Saúde de Portimão. Por último,
a ARS Algarve também evidenciou que o Núcleo do Cidadão e Documentação
contactou as várias Associações de Imigrantes da região, com o intuito de melhor
divulgar a legislação e informação pertinente e diretamente ligada ao acesso dos
imigrantes ao SNS, nomeadamente sobre taxas moderadoras, requisitos para a
isenção do seu pagamento, sobre o direito de acompanhamento dos utentes nos
serviços de urgência do SNS e sobre os encargos suportados pelo SNS com o
transporte de doentes.
Ainda, no que respeita ao cumprimento do Despacho n.º 25 360/2001, constatou-se
que, de acordo com a resposta da ACSS, a ARS Norte, a ARS Lisboa e Vale do Tejo e
a ARS Alentejo, foi apresentada a informação referente aos campos indicados no
ponto n.° 6 do mencionado Despacho, para o período entre 2009 e 2014, para os
cuidados de saúde primários mas que, até à data da resposta, ainda não tinha sido
objeto de análise nem do respetivo tratamento estatístico – cfr. resposta da ACSS em
Anexo I.
Na realidade, foi pela mesma ACSS evidenciado que para cumprimento do n.os 6 e 7
do predito Despacho e, em conjunto com a DGS, seria ainda implementado um
66 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
procedimento adequado à recolha de informação a nível hospitalar e de cuidados de
saúde primários, através do sistema SIARS, bem como a respetiva análise por parte
das ARS a remeter em relatório estandardizado e subsequente tratamento estatístico
da informação por parte da ACSS e DGS. Sendo mais referido que daquele
procedimento seria dado conhecimento à ERS aquando da sua implementação.
Finalmente, quanto a documentos legais e regulamentares atualmente implementados
na área geográfica de atuação de cada uma das ARS, atinentes ao acesso pelos
imigrantes aos cuidados de saúde no SNS, a ARS Norte referiu que em todas as
unidades de Saúde encontra-se afixada a Carta de Direitos e Deveres dos Utentes
que utilizam o SNS. A ARS Centro esclareceu que divulga junto de todos os ACES as
orientações emanadas pelas entidades com competência nesta área, nomeadamente
ACSS, DGS, IGAS e da Segurança Social. Neste aspeto, fez clara menção ao Manual
de Acolhimento no acesso ao sistema de saúde de cidadãos estrangeiros, e aos
esclarecimentos prestados pela IGAS acerca da utilização do CESD que, conforme
decorre do ofício junto pela respondente anota que deverão ser assegurados nas
mesmas circunstâncias em que são os nacionais, os cuidados de saúde necessários a
todos os cidadãos da UE, titulares do predito cartão. A ARS Alentejo enumerou
distintos documentos, legislativos e normativos, atinentes à temática da prestação de
cuidados de saúde aos imigrantes e que foram já considerados no presente estudo.
4.2. Análise crítica
O direito à saúde consagrado na CRP assume-se como um direito universal, e, por
isso, um direito atribuído a todos, aqui também considerados, de entre os cidadãos
estrangeiros, os imigrantes, em situação regular e irregular. Para tanto, o sistema de
saúde organiza-se, ou tende a organizar-se, para melhor garantir o acesso aos
cuidados de saúde de quem decide deslocar-se e/ou permanecer em Portugal, através
da estruturação e monitorização das suas entidades de cuidados primários e
hospitalares, da informação e formação dos seus recursos humanos e com a
disponibilização da sua capacidade de resposta.
Ainda assim, o legislador reconheceu existirem diferentes realidades entre os cidadãos
estrangeiros, mormente resultantes da sua origem e da motivação da sua deslocação,
pelo que, também como visto, procurou definir e enquadrar distintos direitos e deveres
daqueloutros e das instituições que integram o sistema de saúde.
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 67
Ocorre que muitos fatores devem ser tidos em consideração sempre que se lida com
estas realidades e populações não nacionais, especialmente quando se é defrontado
com populações em situação irregular, porque frequentemente subsiste um receio
vivenciado por muitas destas pessoas, de serem obrigadas a regressar às suas pátrias
e, que, por isso, evitarão deslocar-se a um serviço público para a obtenção de um
documento legal ou mesmo para a prestação de cuidados de saúde. A este propósito,
foram criadas estruturas humanas de apoio, algumas voluntárias (não integradas, por
exemplo, no SEF), e o legislador cuidou em defender que as informações obtidas no
âmbito da prestação de cuidados ou registo destes imigrantes por parte dos
profissionais de saúde ou dos grupos de apoio não podem servir para denunciar as
situações concretas junto das polícias competentes.
Além disso, embora se verifique uma imposição universal do acesso aos cuidados de
saúde no nosso país, hoje mantêm-se barreiras que podem limitar esse acesso e que
são sentidas, especialmente, pelos imigrantes em situação irregular.
Num primeiro plano, surgem desde logo barreiras no procedimento do registo e
prestação dos cuidados de saúde clinicamente necessários e úteis, porque àqueles
cidadãos em situação irregular, e também aos asilados, não é atribuído um número de
utente do SNS. Tanto implica, desde logo, que os menores e as mulheres grávidas
não possam, por exemplo, beneficiar de cheques dentista ou não possam ser inscritos
no programa de saúde oral, na plataforma CISO; ainda, que não seja possível registar
a isenção de uma qualquer taxa moderadora do ato de enfermagem da vacinação no
caso das vacinas que constam do PNV ou em qualquer outra situação por exclusão
social ou carência económica. Além do mais, sem o número de utente do SNS, há
impossibilidade de referenciar o cidadão estrangeiros em situação irregular para a
Rede de Cuidados Continuados Integrados, ou mesmo para as consultas hospitalares
via ALERT, ou ainda de prescrever a realização de MCDT numa entidade
convencionada com o SNS, o mesmo ocorrendo com a impossibilidade de prescrever
medicamentos com comparticipação e/ou gratuitamente.
Além desta barreira, outras existem ainda que são sentidas, agora, também por todos
os cidadãos estrangeiros, e que assentam, essencialmente, nas dificuldades de
comunicação com e pelos profissionais administrativos e de saúde. Desde logo,
barreiras linguísticas e culturais que condicionam o acesso à informação e à utilização
dos serviços porque, além da habitual assimetria de informação entre utentes e
profissionais de saúde, também surgem dificuldades no entendimento claro e completo
sobre a sua situação de doença e, por exemplo, sobre a prescrição de medicamentos
ou exames complementares. É certo que no caso dos cidadãos estrangeiros as
68 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
dificuldades surgem ainda a jusante do acesso, porque, na realidade, muitos não
entendem o que devem e podem fazer para regularizar a sua situação e junto de que
entidades – o que dificulta, como visto, o acesso aos cuidados no SNS.
Ainda do lado de quem procura, ou seja, do lado dos cidadãos imigrantes, as barreiras
também se verificam na situação laboral instável e precária, na dificuldade em obter
proteção social e no custo associado aos cuidados de saúde. Além disso, também as
deficientes condições de habitação, os rendimentos reduzidos, o stress psicológico
associado à exclusão social e à ausência de redes de apoio, contribuem para a
situação desfavorável deste grupo.
Por outro lado, percebe-se que as instituições do sector da saúde não têm logrado
monitorizar esta realidade. As entidades prestadoras de cuidados de saúde, cada uma
das ARS e a própria ACSS, não têm dado cumprimento à obrigação que sobre cada
uma impende de registar, tratar e monitorizar informação sobre todos os cidadãos
estrangeiros que acedem aos cuidados de saúde no SNS. Tanto decorre, como visto,
da insuficiência da informação prestada e da inércia por parte dos prestadores, no
cumprimento da obrigação que sobre si impende relativamente a cada uma das ARS
competentes, e ainda, da incapacidade do sistema informático para recolher tal
informação ou mesmo, da omissão no tratamento e não existência de procedimentos
de monitorização por parte da ACSS.
É, pois, certo que hoje não há um efetivo conhecimento da realidade dos utentes
cidadãos estrangeiros, seja relativamente à sua identidade, à sua nacionalidade e à
sua origem, seja ainda relativamente aos cuidados que são prestados. Também não
são suficientes as informações sobre todas as dificuldades sentidas, o que limita a
capacidade de se desenhar políticas que promovam um melhor acesso pelos
imigrantes a cuidados de saúde.
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 69
5. Conclusões
O presente estudo teve como objetivo essencial avaliar a resposta do sistema de
saúde português aos imigrantes que decidem deslocar-se e permanecer em Portugal,
e permitiu concluir o seguinte:
1. Entre 2009 e 2013 verificou-se um aumento da taxa de crescimento anual
média do número de novos imigrantes de longa duração nos países que
integravam a UE27. Esta realidade é mais acentuada em países como a
Lituânia (28%), a Letónia (18%) e a Alemanha (15%). Em tendência contrária,
destacam-se os países com dois dígitos de decréscimo anual como a Grécia
(21%), Eslováquia (20%), República Checa (17%), Eslovénia (14%) e Portugal
(11%).
2. Em 2014, o Continente Europeu representava a mais relevante origem de
população estrangeira com estatuto legal de residente em Portugal (39,5% do
total), seguido pelos continentes Africano (25,4%) e Americano (24,2%), e por
último, pelo Continente Asiático, com 11,0%.
3. O direito à proteção da saúde assume-se como um direito universal e, por isso,
é garantido também a todos os cidadãos estrangeiros, mesmo que em situação
irregular, que chegam a Portugal e que aqui decidem permanecer ou residir.
4. As diferentes nacionalidades e circunstâncias de quem decide deixar o seu
país de origem circunscrevem diferentes enquadramentos jurídicos e fáticos do
direito à saúde atribuído aos cidadãos estrangeiros.
5. Por isso, a discussão apresentada no presente estudo foi alargada, também,
às situações específicas de quem, não sendo nacional, não é enquadrado
(apenas) no âmbito subjetivo do regime da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, mas
é considerado titular do direito à proteção da saúde e do dever de a defender e
promover, e beneficiário do SNS, tal como assumidos pela CRP e pela LBS,
respetivamente.
6. Assim, podem considerar-se quatro realidades, a saber, a do cidadão europeu
de um EM da UE, do EEE e da Suíça (que decide residir de formar permanente
ou temporária em Portugal) e do trabalhador das instituições europeias, a do
cidadão nacional de um país terceiro com o qual Portugal outorgou um acordo
bilateral (aqui também consideradas as deslocações motivadas por formação e
educação), a do cidadão nacional de um país terceiro com o qual não existe
um qualquer acordo bilateral que também se encontre em situação irregular no
70 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
nosso país e, finalmente, a do cidadão nacional de país terceiro com estatuto
de refugiado ou direito de asilo.
7. Da análise da informação recolhida junto das ARS, da ACSS e do ACM, resulta
que se mantêm barreiras no acesso aos cuidados de saúde por parte do
cidadão estrangeiro que, desde logo, se prendem com dificuldades linguísticas,
diferenças culturais, problemas e dificuldades socioeconómicas, mas também
com barreiras assentes em constrangimentos informáticos e de procedimentos
instalados na referenciação destes utentes e na prescrição de medicamentos
pelo SNS.
8. Especialmente no caso dos imigrantes em situação irregular, identificaram-se
questões relevantes no atendimento e acesso a cuidados de saúde que não
raras vezes decorrem do facto de os sistemas informáticos não permitirem, por
exemplo, a referenciação para cuidados diferenciados ou, ainda, a prescrição
de MCDT e de medicamentos.
9. Certo é que estes limites fundamentam desigualdades, podendo, portanto,
resultar em situações divergentes das caraterísticas da universalidade,
equidade e generalidade no acesso dos utentes aos cuidados de saúde.
10. Por outro lado, as instituições não têm logrado acompanhar devidamente esta
realidade, não obstante a vontade plasmada nos textos legais e orientações
normativas. Com efeito, as entidades prestadoras de cuidados de saúde, cada
uma da ARS e a própria ACSS, não têm dado cumprimento à obrigação que
sobre cada uma impende de registar, tratar e monitorizar informação sobre
todos os cidadãos estrangeiros que acedem aos cuidados de saúde no SNS.
11. Tanto decorre, como visto, quer da informação insuficientemente transmitida,
quer da inércia, por parte dos próprios prestadores que não lograram dar
cumprimento à obrigação que sobre si impende de enviar a informação devida
a cada uma das ARS, quer ainda, da incapacidade do sistema informático para
recolher tal informação ou mesmo da omissão no tratamento e não existência
de procedimentos de monitorização da realidade, por parte da ACSS.
12. É, pois, certo que hoje não há um efetivo conhecimento da realidade
relativamente aos utentes, cidadãos estrangeiros, seja no que respeita à sua
identidade, à sua nacionalidade e sua origem, seja ainda relativamente aos
cuidados que são prestados e aos valores que lhes são efetivamente cobrados.
13. E naturalmente, esta falta de conhecimento limita a capacidade de desenhar
políticas que promovam um melhor e mais adequado acesso pelos imigrantes
aos cuidados de saúde que lhes são legalmente salvaguardados.
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 71
Anexo I – Informações recolhidas junto das ARS, da
ACSS e do ACM
As respostas e informações remetidas à ERS, por cada uma das entidades
interpeladas serão sumariamente consideradas em infra, individualmente, para cada
questão /alínea formulada nos pedidos.
- Informações recolhidas junto das ARS
Por ofício de 23 de março de 2015, foi solicitado a cada uma das ARS, ao abrigo do
disposto no artigo 31.º dos Estatutos da ERS, o seguinte:
a) Identificação, por designação, de todas as instituições e serviços
do SNS que, entre os anos de 2009 e 2014, deram cumprimento ao
indicado no predito Despacho [Despacho n.º 25 360/2001, de 12 de
dezembro]; e
b) Envio dos documentos finais que terão sido motivados pela
análise de cada um dos relatórios e que tenham sido eventualmente
remetidos, à ACSS, entre os anos de 2009 e 2014, em cumprimento do
indicado no predito Despacho.
- A ARS Norte anotou que rececionou os relatórios do ACES Alto Tâmega e
Barroso, do Vale do Sousa Norte e do Vale do Sousa Sul, Guimarães e
Centro Hospitalar do Nordeste. Mais acrescentou que a ferramenta SIARS
serviu à extração direta de informação necessária e, desde então, foi possível
remeter, à ACSS, os mapas mensais com o movimento assistencial aos
cidadãos estrangeiros registados nos sistemas de informação locais. Certo é
que com as mudanças na gestão daquele sistema, alguns mapas deixaram
de ser extraídos.
- A ARS Centro referiu que não rececionou um “[…] qualquer relatório
elaborado pelas unidades de saúde da [sua] área de influência, relativo a
cuidados de saúde prestados a cidadãos estrangeiros.”.
- A ARS Lisboa e Vale do Tejo mencionou que “[…] Todos os cidadãos
imigrantes, que se dirigem às equipas de saúde das Unidades de Saúde da
72 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
ARS Lisboa e Vale do Tejo, são atendidos, não obstante a sua situação
formal (regular ou irregular).”.
No caso concreto de imigrantes irregulares, os técnicos do DICAD “[…]
desenvolvem diligências para os ajudar a regularizar a sua situação através
do seu encaminhamento e/ou acompanhamento para serviços,
nomeadamente, SEF e IPSS especializadas nesses casos, entre outros.
Quando necessário, é realizada a articulação com outros serviços de saúde,
quer para a prestação de cuidados, quer para a realização de MCDT. No ano
de 2014, o DICAD apurou um número total de 682 imigrantes inscritos nas
equipas de Tratamento da DICAD da ARS Lisboa e Vale do Tejo provenientes
de 59 países.”.
A faturação é gerada quando há prestação de cuidados a utentes que se
encontram em estadas temporárias ao abrigo do CESD ou do CPS e/ou
trabalhadores destacados que apresentam o formulário S2, mas tanto não
ocorre relativamente aos cidadãos referidos no Despacho.
- A ARS Alentejo referiu que entre os anos de 2009 e 2011, rececionaram os
relatórios das unidades de cuidados primários integrados na ULSBA de entre
as quais constam as unidades de Almodôvar, Beja, Cuba, Moura, Ourique, e
outras integradas no ACES de entre as quais constam as unidades de Borba,
Extremoz, Évora e Reguengos de Monsaraz, ao abrigo do Despacho n.º
25360/2001, de 12 de dezembro.
Também foi referido que “[…] nos anos de 2009 a 2011, a informação era
recolhida junto de todos os Centros de Saúde, sendo elaborado manualmente
um relatório consolidado na ARS Alentejo.”. No ano de 2012, os relatórios
passaram a ser emitidos pelo SIARS (Sistema de Informação da ARS) e na
sequência de um contacto para a ACSS terá esta informado “[…]
telefonicamente de que os dados enviados pelas ARS não estavam a ser
trabalhados pela ACSS, pelo que foi suspenso o envio dos mesmos, até
instrução em contrário.”.
Com efeito, foram informados que a ACSS não está a conseguir processar
todos os elementos, atento o elevado volume de papel que esse reporte
implica. Ainda assim, com a divulgação do Manual de Acolhimento no acesso
ao sistema de saúde de cidadãos estrangeiros, foram implementados nos
diversos sistemas informáticos os novos códigos de Entidade Financeira
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 73
Responsável (EFR) que permitem identificar, se corretamente aplicados, o
fluxo de doentes e o corresponde valor da despesa. E por isso, entendeu-se
não ser necessário, até informação em contrário, a apresentação mensal
referida no Despacho, uma vez que em caso de necessidade de tratamento
estatístico desta informação, a partir de 2014 já é possível obtê-la através da
consulta dos códigos EFR.
Foram ainda remetidos os dados entretanto retirados do SIARS. De entre os
ali registados, destacam-se os do ano 2014 que, por mês, identificam o ato
clínico prestado, a nacionalidade, idade, concelho de residência, n.º de utente
do SNS, n.º e valor da taxa moderadora liquidada pelo imigrante, por ULS e
pelo ACES Alentejo Central.
Além do mais, a ARS trouxe ao conhecimento da ERS, os dados que entre
2009 e 2011 foram enviados à ACSS para efeitos de cumprimento das
obrigações decorrentes do Despacho n.º 25360/2011. Conforme decorre do
anexo correspondente, importa realçar que os relatórios elaborados
consideraram o ato clínico praticado, o n.º de utente do SNS (quando
existente), a nacionalidade, a morada e a idade, ainda o valor faturado pelo
SNS.
Acresce que também a ULSBA, EPE logrou remeter à ERS, informação
complementar sobre o pretendido pela ERS. Nesse seguimento, e no
respeitante às alíneas a) e b), foi possível averiguar que este concreto
prestador não dá cumprimento ao estipulado no Despacho e na obrigação de
envio do relatório para a ACSS.
- A ARS Algarve destacou que o Gabinete Jurídico e do Cidadão, bem como
o Departamento de Gestão e Administração Geral e do Departamento de
Saúde Pública e Planeamento, localizaram os relatórios enviados pelo
Hospital de Faro em 2008 e 2009, e que foram remetidos para a ACSS.
Dos dados trazidos ao conhecimento da ERS, resulta que é possível
perceber, designadamente, qual a nacionalidade, número de utente do SNS
(quando existente), ato clínico praticado e importância faturada.
74 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
c) Indicação sobre se é essa ARS conhecedora de dificuldades ou de
quaisquer outras situações reveladoras de uma limitação ao acesso dos
imigrantes aos cuidados de saúde do SNS e, no caso afirmativo,
explicitação dos procedimentos que tenham sido entretanto adotados
com vista à resolução daqueloutras;
- A ARS Norte referiu que entre “[…] os anos de 2009 e 2014, foram
reportadas a esta ARS algumas situações pontuais passíveis de poderem ser
consideradas como representativas de limitações ao acesso de imigrantes
aos cuidados de saúde do SNS, principalmente pelas dúvidas que as
mesmas suscitavam.”. Em concreto, são referidas as situações de cidadãos
brasileiros sem autorização de residência que necessitam de assistência
médica e medicamentosa e os diversos pedidos de informação, também do
próprio SEF, relativamente a cidadãos imigrantes que pretendem ser inscritos
num Médico de Família ou num centro de saúde.
- A ARS Centro informou que “[…] todas as dificuldades sinalizadas por
cidadãos imigrantes, por profissionais de saúde, por outras instituições, e até
por unidades consulares, têm sido solucionadas e, dependendo dos
problemas existentes, corrigidos procedimentos junto das unidades de
saúde.”.
- A ARS Lisboa e Vale do Tejo descreveu que em outubro de 2012, enviou à
ACSS um ofício a solicitar orientações para “[…] a inscrição e prescrição
eletrónica no SNS de imigrantes em situação irregular e requerentes de asilo
uma vez que os mesmos não têm número de utente […]”. Com efeito, a não
atribuição de número de utente impede a possibilidade de atribuir, nas várias
plataformas informáticas, alguns direitos no acesso à saúde previstos na
legislação em vigor, como sejam a (i) impossibilidade de emissão de cheques
dentista e de inscrição no programa de saúde oral, na plataforma CISO a
crianças e grávidas; a (ii) impossibilidade de isentar da taxa moderadora do
ato de enfermagem da vacinação no caso das vacinas que constam do PNV;
a (iii) recusa dos convencionados em aceitar a referência ao Despacho
25360/2001 no campo "entidade financeira responsável" nas credenciais para
meios complementares de diagnóstico prescritos que obriga ao pagamento do
valor total dos exames, o que não é suportável do ponto de vista económico
para a maioria destas pessoas; a (iv) impossibilidade de isentar do
pagamento de taxas moderadoras pessoas em situação de exclusão social e
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 75
carência económica, dado que a mesma é hoje solicitada no portal da saúde,
obrigando ao preenchimento do campo referente ao número do SNS; a (v)
impossibilidade de emitir cheques dentista aos portadores de HIV na
plataforma SAM; a (vi) impossibilidade de referenciação para a Rede de
Cuidados Continuados Integrados; a (vii) impossibilidade de referenciar para
consultas hospitalares via ALERT; a (viii) impossibilidade de acesso a
medicamentos com comparticipação e/ou gratuitamente, pelo facto do
receituário não ter número do SNS; a (ix) impossibilidade de atribuir médico
de família a estes utentes com diagnóstico de tuberculose, também por não
ter número de utente; a (x) impossibilidade de aplicar taxa moderadora ou
isenção da mesma, nos cuidados domiciliários, dado que o sistema de
faturação MARTA exige número de utente.
Ademais, refere a mesma ARS que tem um elemento que colabora e participa
nas atividades do Gabinete de Saúde no Centro Nacional de Apoio ao
Imigrante (CNAI), em Lisboa, onde é desenvolvido um trabalho de mediação
com as instituições de saúde envolvidas em cada processo, onde é dada
informação sobre a legislação em vigor e se pretende ultrapassar os
constrangimentos que se coloquem aos imigrantes que ali se deslocam.
- A ARS Alentejo mencionou que o “[…] Serviço de Relações Internacionais
recebe regular e telefonicamente pedidos de informação/orientações de
diversa matéria, quer das Instituições de Saúde da Região, quer de
particulares, cuja resolução tem sido acautelada caso a caso, pela mesma
via.”.
Por seu lado, a ULSBA realça a dificuldade ao nível do envio das faturas aos
utentes, porquanto são estas muitas vezes devolvidas por erro na indicação
da morada ou qualquer outro elemento identificativo, tornando a dívida
incobrável.
- A ARS Algarve destacou que “[…] para além de alguns constrangimentos
que possam surgir ao nível dos cuidados de saúde primários e hospitalares e
que, no primeiro caso, estarão vertidos nas reclamações [enviadas …]”, não é
conhecedora de uma qualquer situação ou caso concreto que denuncie uma
clara limitação de acesso dos imigrantes aos cuidados de saúde.
Ainda assim, é por si realça a dificuldade de encaminhamento dos mesmos
utentes imigrantes, no pós-internamento hospitalar, quando estão
76 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
indocumentados ou não detêm um qualquer contacto de familiares. A título de
exemplo, é denunciada a situação de três doentes estrangeiros que persistem
internados no Centro Hospitalar do Algarve, EPE, e cujo encaminhamento
para outros níveis e prestadores do SNS, se encontra bastante dificultado,
apesar dos contatos já efetuados com as Embaixadas e a Segurança Social,
precisamente porque não são estes detentores de n.º de utente do SNS.
d) Envio de todas as reclamações que possam ter sido formuladas e
registadas em livro de reclamações ou qualquer outro suporte, das
respetivas respostas/informações atinentes à temática em estudo, bem
como de quaisquer outros elementos que repute como relevantes e que
auxiliem na averiguação de todas as situações/procedimentos/práticas
passíveis de violar o direito de acesso dos imigrantes aos cuidados de
saúde do SNS;
Na análise das respostas das cinco ARS relativas às reclamações existentes,
entre 2009 e 2014, constatou-se que as mesmas resultaram de situações
muito pontuais na medida que o número foi muito reduzido por cada região de
saúde. Nesse sentido, as respostas ao pedido de informação realizado pela
ERS, foram analisadas no conjunto das respostas das cinco ARS.
Do lado da oferta da prestação dos cuidados de saúde, no âmbito das
possíveis barreiras ao acesso aos cuidados de saúde, evidencia-se a
ausência do conhecimento e da aplicabilidade da legislação em vigor por
parte do pessoal administrativo e por vezes, por parte dos profissionais de
saúde. Barreiras linguísticas e culturais surgindo por vezes maus
entendimentos entre o imigrante e os profissionais de saúde ou o pessoal
administrativo. Estruturas organizativas com elevada burocracia
condicionando assim o acolhimento e a prestação dos cuidados de saúde ao
imigrante e também limita a eficácia da resposta.
Do lado da procura dos cuidados de saúde, destaca-se uma ausência ou
informação incompleta por parte da população de imigrantes quanto aos seus
direitos e deveres. Obstáculos linguísticos e culturais que dificulta a
comunicação entre o imigrante e os administrativos ou os profissionais de
saúde.
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 77
e) Enumeração de todas as estruturas – humanas ou institucionais –
eventualmente implementadas, seja nessa ARS, seja em qualquer uma
das instituições e serviços do SNS da área de influência, bem como
indicação de todos os procedimentos (com indicação, designadamente,
do suporte de comunicação utilizado e dos colaboradores
responsáveis), para contacto e informação aos utentes imigrantes;
- A ARS Norte referiu que a não existência de “[…] estruturas implementadas
na região que tenham como destinatários os utentes imigrantes.”.
- Quanto à ARS Centro, veio esta referir que em todos os ACES funciona
“[…]o Gabinete do Cidadão que tem, também, como função prestar
informações sobre o funcionamento dos serviços, agilizar a resolução de
dificuldades que possam surgir à população em geral, o que inclui, como é
óbvio, a comunidade imigrante.”. Além do mais relata que a especificidade do
ACES Baixo Vouga no qual existe um “[…] setor de migrantes, integrado na
área financeira da unidade de apoio à gestão que "presta informações a
utentes e colegas nos centros de saúde de acordo com o estabelecido nos
regulamentos comunitários ou acordos bilaterais".
Por outro lado, o ACES Baixo Mondego desenvolveu uma parceria com a
organização Graal – projeto saudar+, para disponibilizar informação a utentes
em vários idiomas e o ACES Pinhal Interior Norte é “[…] parceiro de vários
projetos e integra grupos de trabalho desenvolvidos pelas Câmaras
Municipais, no âmbito da integração das populações imigrantes”.
- A ARS Lisboa e Vale do Tejo75 salientou que dos planos de atividade dos
Gabinetes do Cidadão dos ACES consta a formação nesta área, como ocorre,
por exemplo, no ACES Arrábida que promoveu uma ação de formação interna
dirigida a profissionais com funções de front office nas unidades funcionais e
profissionais da unidade de apoio à gestão e gabinete do cidadão. Também
através do Gabinete do Cidadão da ARS foi divulgado a toda a rede o Manual
de Acolhimento no Acesso ao Sistema De Saúde de Cidadãos Estrangeiros.
É competência do Gabinete do Cidadão da ARS Lisboa e Vale do Tejo apoiar
e esclarecer as dúvidas colocadas pelas unidades de cuidados de saúde
75 A ARS Lisboa e Vale do Tejo respondeu conjuntamente às alíneas e) e f) do pedido de informação realizado pela ERS.
78 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
sobre esta temática. Além disso, com vista a facilitar e normalizar o registo
dos utentes migrantes/estrangeiros, o sistema de informação dos cuidados de
saúde primários, foi desenvolvido fluxograma com as indicações de
procedimento de registo no SINUS, disponível a todos os profissionais na
intranet da ARS Lisboa e Vale do Tejo.
Conforme resulta do predito fluxograma em anexo, percebe-se que ali são
estabelecidas as distintas possibilidades de tratamento de cada um dos
migrantes/estrangeiros que recorrem aos cuidados primários, sendo certo que
ali é concluído que, em suma, estes utentes são sempre inscritos como
esporádicos quando é estrangeiro não residente e se abrangidos pela nossa
segurança social devem liquidar (apenas) a taxa moderadora.
- A ARS Alentejo mencionou que dispõe um serviço de Relações
Internacionais que auxilia no esclarecimento sobre todos os assuntos
atinentes a esta temática.
- A ARS Algarve destacou que tem disponibilizado informação pertinente na
sua página institucional, sobre a legislação e folhetos informativos em
parceria com o ACM, o Diálogo Intercultural (ACIDI), o Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e o Instituto de Segurança Social (ISS).
No ano de 2009, foi realizada uma reunião com todas as Associações de
Imigrantes no Algarve e a ARS, na qua foram denunciada “[…] as "queixas"
relacionadas com o acesso aos serviços de saúde e onde foi possível emanar
algumas orientações no sentido de minimizar as dificuldades sentidas pelos
imigrantes, tendo sido também atualizada a base de dados de todas as
Associações presentes.”.
Além do mais, é anunciada a elaboração do Plano Regional de Ação para a
inclusão do Algarve – PRAIA 2007-2009 que é junto em anexo. Daqui resulta
que é este um projeto cuja conceção e elaboração foi efetuada em parceria,
com entidades regionais dedicadas à saúde e à educação e outras entidades
nacionais. Um dos objetivos do referido projeto prende-se com a melhoria do
acesso dos cidadãos imigrantes aos direitos e serviços, assim como a
melhoria da qualidade prestada.
Conforme ali é realçado, o Algarve “[…] é uma das regiões do País com maior
expressão de cidadãos estrangeiros residentes, oriundos de várias
nacionalidades. As vulnerabilidades com que estes cidadãos são
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 79
confrontados, tendo por referência a terceira prioridade do Plano Nacional de
Ação para a inclusão 2006-2008 e as orientações do Plano para a Integração
dos Imigrantes 2007-2009, justificou, nesta fase, a focalização do Plano
Regional no combate às situações de discriminação, exclusão social e
pobreza nestes cidadãos.”.
Também os trabalhos sobre a Rede de Pontos Focais de acompanhamento
do II Plano para a Integração dos Imigrantes iniciaram-se em 2010, no CNAI
em Lisboa. Foram também criados dois grupos de trabalho denominados por
"Task Force" e "RNU" com o intuito de reduzir desigualdades em saúde,
englobando as colegas de serviço social afetas aos Gabinetes do Cidadão
dos três ACES e do Centro Hospitalar do Algarve, EPE.
Mais recentemente, em 2014, foram executadas seis ações de formação e
acompanhamento nos ACES sobre a aplicação e implementação do "Manual
de Acolhimento no acesso ao sistema de saúde de Cidadãos Estrangeiros", e
várias sessões de esclarecimento (como ocorreu no Consulado Britânico de
Portimão) e de outras iniciativas como a implementação do Conselho
Municipal para a Integração dos Imigrantes (GU Portimão) no Centro de
Saúde de Portimão.
Compete Gabinetes do Cidadão prestar qualquer esclarecimento aos utentes
imigrantes relativamente à acessibilidade aos cuidados de saúde.
Por último, a ARS Algarve acrescenta que o Núcleo do Cidadão e
Documentação contactou as várias Associações de Imigrantes da região, com
o intuito de melhor divulgar a legislação e informação pertinente e diretamente
ligada ao acesso dos imigrantes ao SNS, nomeadamente sobre taxas
moderadoras, requisitos para a isenção do seu pagamento, sobre o direito de
acompanhamento dos utentes nos serviços de urgência do SNS e sobre os
encargos suportados pelo SNS com o transporte de doentes.
f) Finalmente, indicação de todos os documentos legais e
regulamentares atualmente implementados na área geográfica de
atuação dessa ARS, todos atinentes ao acesso pelos imigrantes aos
cuidados de saúde no SNS.
- Na resposta a esta alínea, a ARS Norte referiu que está “[…] difundido e
afixado em todas as unidades de Saúde a Carta de Direitos e Deveres dos
Utentes que utilizam o SNS.”.
80 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
- A ARS Centro esclareceu “[…] que é prática desta ARS divulgar junto de
todos os serviços (ACES) as orientações emanadas pelas entidades com
competência nesta área, nomeadamente ACSS, DGS, IGAS e da Segurança
Social (relações internacionais).”. Neste aspeto, fez clara menção ao Manual
de Acolhimento no acesso ao sistema de saúde de cidadãos estrangeiros, e
aos esclarecimentos prestados pela IGAS acerca da utilização do CESD que,
conforme decorre do ofício junto pela respondente anota que deverão ser
assegurados nas mesmas circunstâncias em que são os nacionais, os
cuidados de saúde necessários, a todos os cidadãos da União Europeia,
titulares do predito cartão.
Salienta, adicionalmente, que “[…] as dificuldades sentidas pelos imigrantes
quer no acesso, quer na prestação de cuidados de saúde primários ou na
organização dos mesmos, são as mesmas dos cidadãos portugueses.”
- A ARS Alentejo enumerou distintos documentos, legislativos e normativos,
atinentes à temática da prestação de cuidados de saúde aos imigrantes e que
foram já considerados no presente estudo.
- Informações recolhidas junto da ACSS
Por ofício de 23 de março de 2015, foi solicitado à ACSS, ao abrigo do disposto no
artigo 32.º dos Estatutos da ERS, o seguinte:
a) Identificação, por designação, de todas as instituições e serviços do
SNS que, entre os anos de 2009 e 2014, deram cumprimento ao indicado no
predito Despacho;
b) Envio de informação estatística sobre o número, a nacionalidade, a
profissão, a residência, a idade e o sexo dos cidadãos estrangeiros, bem
como o número e a natureza dos atos médicos praticados e a faturação
respetiva, que tenha sido elaborada pela ACSS, entre os anos de 2009 e
2014, em cumprimento do indicado no predito Despacho;
A ACSS informou que as ARS Norte, a ARS Lisboa e Vale do Tejo e a ARS
Alentejo apresentaram informação referente aos campos indicados no ponto n.°
6 do citado despacho, para o período entre 2009 e 2014, para os cuidados de
saúde primários mas que, até à data da resposta, não tinha sido ainda objeto de
análise nem do respetivo tratamento estatístico.
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 81
A ACSS também evidenciou que para “[…] se proceder à correta identificação
dos cidadãos estrangeiros no acesso ao SNS, foi elaborado o Manual de
Acolhimento no acesso ao Sistema de Saúde de cidadãos estrangeiros,
implementado em Janeiro de 2014 e que identifica os diversos fluxos de acesso
e respetivos códigos de Entidade Financeira Responsável.”
E, por último, acrescentou que “[…] para cumprimento do n.os 6 e 7 do Despacho
n.° 25360/2001, a ACSS em conjunto com a Direção-Geral de Saúde, irá definir
o procedimento adequado, que permite assegurar a recolha de informação a
nível hospitalar e de cuidados de saúde primários, através do sistema SIARS,
respetiva análise por parte das ARS a remeter em relatório estandardizado e
subsequente tratamento estatístico da informação por parte da ACSS e DGS.”.
Sendo mais referido que do referido procedimento será dado conhecimento à
ERS aquando da sua implementação.
d) Indicação sobre se é a ACSS conhecedora de dificuldades ou de
quaisquer outras situações reveladoras de uma limitação ao acesso dos
imigrantes aos cuidados de saúde do SNS e, no caso afirmativo,
explicitação dos procedimentos que tenham sido entretanto adotados com
vista à resolução daqueloutras.
A ACSS nada referiu neste ponto.
c) Finalmente, indicação de todos os documentos legais e regulamentares
atualmente implementados, todos atinentes ao acesso pelos imigrantes
aos cuidados de saúde no SNS.
A ACSS mencionou somente o Manual de Acolhimento e o seu objetivo já
descrito anteriormente.
- Informações recolhidas junto do ACM
A ERS solicitou igualmente a colaboração do ACM, considerada a sua missão de
colaborar na definição, execução e avaliação das políticas públicas, transversais e
setoriais em matéria de migrações, relevantes para a atração dos migrantes, para a
integração dos imigrantes e grupos étnicos, e para a gestão e valorização da
diversidade entre culturas, etnias e religiões. Nesse seguimento, foi solicitado o
seguinte:
82 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
a) Descrição de possíveis barreiras ao acesso a cuidados de saúde
por parte dos imigrantes, que sejam do conhecimento do ACM;
Em 2004, foram criados os Centros Nacionais de Apoio ao Imigrante (CNAI)
que no mesmo espaço, reúnem vários serviços de apoio ao imigrante no
sentido de melhor ultrapassarem as “[…] diferenças culturais, de língua, de
organização, de sistema legislativo, tipo e quantidade de diferentes serviços
[…]”, como sejam o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a Autoridade para
as Condições de Trabalho, ainda, os Ministérios da Educação e da Saúde.
No que diz respeita à área da saúde, o ACM em parceria com o
Departamento de Saúde Pública da ARS de Lisboa e Vale do Tejo, tem
desenvolvido “[…] um importante trabalho de resolução de questões e
bloqueios no relacionamento do cidadão imigrante com os serviços de saúde,
ao nível do acesso e pagamento de cuidados de saúde, bem como na
resolução das situações em conformidade com a legislação em vigor.”.
Certo é que, diariamente, no atendimento aos imigrantes, têm sido “[…]
percecionados e reportados alguns constrangimentos relativamente a
cidadãos que se encontram em situação irregular […]” que, em grande parte,
se prendem questões informáticas, na medida em que algumas plataformas
informáticas não estão ainda parametrizadas “[…] de acordo com a legislação
em vigor e com o definido no Manual de acesso dos cidadãos estrangeiros ao
SNS […]”, que visa definir e harmonizar procedimentos relativamente ao
acesso à saúde dos cidadãos estrangeiros.
Em concreto, o Gabinete percebeu que o sistema nem sempre permite às
entidades convencionadas a indicação do Despacho n.º 25360/2001, na
prescrição de credenciais para meios complementares de diagnóstico, em
situações do § 7 da Circular n.° 12 de 7 de maio de 2009.
Outra das situações verificadas prende-se com “[…] a impossibilidade de
solicitar o pedido de isenção do pagamento de taxas moderadoras a pessoas
que se encontram em situação de exclusão social e carência económica,
dado o pedido ter de ser efetuado no portal da saúde, com preenchimento
obrigatório do campo referente ao número do SNS.”.
Ainda, é relatada a dificuldade de referenciação destes imigrantes para a
Rede de Cuidados Continuados Integrados e a impossibilidade de prescrição
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 83
de medicação quando comparticipada, por não atribuição de um número do
SNS.
b) Indicação das diligências encetadas com vista à promoção do
acesso aos cuidados de saúde e utilização destes serviços pela
população de imigrantes no âmbito das competências do ACM;
Além do já mencionado Gabinete, o ACM enumera, em resposta ao
solicitado, algumas diligências que têm sido por si promovidas atento,
mormente, o conteúdo do II Plano de Integração dos Imigrantes (PII)
aprovado o triénio de 2010-2013.
Com efeito, em concretização das medidas ali enunciadas na área da saúde,
foi criado um grupo de trabalho entre a ACM, a DGS e o Gabinete da Saúde
da ARS Lisboa e Vale do Tejo, com o “[…] propósito de analisar questões
relacionadas com o acesso dos imigrantes ao SNS e para trabalhar
conteúdos informativos que visavam clarificar o acesso e o pagamento dos
serviços de saúde.”. No fundo, foi julgado necessário monitorizar a aplicação
da Circular 12/DSQ/DMD, tendo em vista evitar recusas no acesso à saúde
de pessoas imigrantes.
Além disso, foram também realizadas várias iniciativas de divulgação dos
diferentes enquadramentos jurídicos que regulam o acesso dos imigrantes ao
SNS, junto de diferentes entidades como Associações Imigrantes,
Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) na área de Lisboa.
Foi feita uma aposta na formação dos profissionais que atendem os
imigrantes em diferentes estruturas do SNS e, para tanto, relativamente ao
Plano de formação para a interculturalidade de profissionais do SNS
(inicialmente, implementado na ARS Lisboa e Vale do Tejo), foi alargado às
restantes ARS com o intuito de dotar os técnicos de toda a informação
relevante sobre os serviços de apoio ao acolhimento e integração e também,
sobre o enquadramento legal do acesso à saúde por parte dos imigrantes.
Na perspetiva de fomentar uma estratégia de mediação intercultural nos
serviços públicos, entre 2010 e 2011, o ACM, a ARS Lisboa e Vale do Tejo,
IP em parceria com a Associação de Intervenção Comunitária,
Desenvolvimento Social e de Saúde (AJPAS), constituiu uma equipa de 14
mediadores “[…] com o objetivo facilitar o acesso, divulgar informação,
84 ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES
promover e facilitar a mediação intercultural junto dos profissionais e dos
imigrantes nos serviços de saúde.”.
Atualmente, existem equipas municipais de Mediação Intercultural que têm
desenvolvido a sua atividade também na área da saúde e, nesse âmbito, têm
“[…] prestado apoio aos profissionais e instituições no esclarecimento de
códigos culturais relevantes, tradução linguística, esclarecimentos sobre a
legislação de imigração e do acesso dos nacionais de países terceiros a
vários serviços e instituições. Têm efetuado também alguns
acompanhamentos a cidadãos nacionais de países terceiros no acesso à
saúde e ainda, organizado e promovido várias ações de
sensibilização/formação em alguns ACES, dirigidos a vários profissionais de
saúde, em articulação com o Gabinete da Saúde do CNAI.”.
Na perspetiva de garantir uma melhor gestão do processo de assistência
médica a doentes evacuados dos PALOP, o ACM e o Instituto de Segurança
Social, IP (ISS) promoveram conjuntamente o Programa de Apoio ao Doente
Estrangeiro (PADE) que se focalizou no apoio social de doentes estrangeiros
e dos seus acompanhantes “[…] que necessitassem de tratamento em
Portugal, devidamente atestados por junta médica, tendo sido constituída
uma rede de 6 casas de acolhimento.”.
Também na área de promoção da Saúde Mental dos imigrantes, a ACM
indica ter sido promovido um seminário dedicado à "Saúde Mental e Pessoa
Sem Abrigo: Onde, Como e Porquê?" que permitiu divulgar o trabalho
desenvolvido “[…] pelas diversas instituições públicas e sociais que prestam
cuidados de saúde mental junto das pessoas sem-abrigo, a nível nacional, e
promover o debate sobre a articulação existente entre a saúde mental e o
sector social.”. Ainda nesta área, foram ministradas ações de formação
subordinadas ao tema "Referenciação para a Saúde Mental e acesso à saúde
dos imigrantes", em parceira entre a ARS Lisboa e Vale do Tejo, I.P-DSP e o
Programa Nacional para a Saúde Mental (PNSM).
Além destas informações, o ACM realçou a relevância (e o teor) do II PII, do
Manual de Acolhimento no Acesso ao Sistema de Saúde aos cidadãos
estrangeiros, da Circular Informativa n.º 006/2011, de 22 de fevereiro, emitida
pela DGS e, igualmente, do Plano Estratégico para as Migrações (PEM).
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE POR IMIGRANTES 85
c) Envio das informações estatísticas sobre o acesso e a utilização de
cuidados de saúde, bem como sobre a incidência de doenças e outros
problemas de saúde na população de imigrantes.
A este propósito, foi a ERS informada de que, na realidade, a ACM não
dispõe de uma qualquer base estatística, ainda que receba “[…] de várias
fontes estatísticas e administrativas informação sobre diversas dimensões
[…]” que, depois de tratadas e compiladas têm sido disponibilizadas no seu
website.
ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE
R u a S . J o ã o d e B r i t o , 6 2 1 L 3 2 , 4 1 0 0 - 4 5 5 P O R T O e-mail: g e r a l @ e r s . p t • telef.: 222 092 350 • fax: 222 092 351 • w w w . e r s . p t
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