CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO
UNISAL – CAMPUS MARIA AUXILIADORA
Kátia Regina Zanardo
EMPATIA E ALTERIDADE NO PROCESSO DE ENSINAR E
APRENDER
Um diálogo com alunos do Ensino Fundamental II de uma Escola Pública
AMERICANA, SP
2017
Kátia Regina Zanardo
EMPATIA E ALTERIDADE NO PROCESSO DE ENSINAR E
APRENDER
Um diálogo com alunos do Ensino Fundamental II de uma Escola Pública
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora do Programa de Pós-
Graduação em Educação da UNISAL
como exigência parcial para a obtenção
do título de Mestre em Educação,
Orientador: Prof. Dr. Severino Antônio
Moreira Barbosa.
AMERICANA, SP
2017
Kátia Regina Zanardo
EMPATIA E ALTERIDADE NO PROCESSO DE ENSINAR E APRENDER. Um
diálogo com alunos do Ensino Fundamental II de uma Escola Pública.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu do Centro Universitário Salesiano de São Paulo, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Educação – área de concentração: Educação Sociocomunitária. Linha de pesquisa: A intervenção educativa sociocomunitária: linguagem, intersubjetividade e práxis. Orientador: Prof. Dr. Severino Antônio Moreira Barbosa
Dissertação defendida e aprovada 30 de março de 2017, pela comissão julgadora: __________________________________________ Profa. Dra. Regiane Aparecida Rossi Hilkner – Membro Externo
Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL
__________________________________________
Prof. Dr. Renato Kraide Soffner – Membro Interno Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL __________________________________________ Prof. Dr. Severino Antônio Moreira Barbosa – Orientador Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL
AGRADECIMENTOS
A Deus que me ouvia em todas as viagens à Americana. Meu companheiro,
sem Ele nada seria realizado.
Aos meus pais, Luiz Carlos e Cidinha, que, com muita paciência, aguentaram-
me nestes vinte e quatro meses, apoiando a todo o momento.
A todos os professores do Mestrado que contribuíram para o meu
enriquecimento ao longo destes dois anos: Renato, Miranda, Renata, Malú, Sueli,
Fabiana e Severino.
Em especial ao meu orientador, professor Severino Antônio. Com ele, não
levei somente conhecimentos para a minha dissertação; levei conhecimento para a
vida. Agradeço o seu apoio, suas colocações, o compartilhar de uma sabedoria
encantadora.
Não posso deixar de agradecer, também, o coordenador Renato Soffner; uma
pessoa que realmente sabe o que é estar no lugar do outro, que ao me aconselhar,
fortaleceu ainda mais a continuar.
A professora Regiane Rossi, integrante da comissão julgadora, que contribuiu
de forma maravilhosa em suas pontuações.
A Vaníria Felippe, uma pessoa singular, que esteve sempre pronta em que foi
necessário.
Enfim, às pessoas que sempre me deram força, apoiando ou perguntando
sobre essa etapa a qual encerrei com enorme alegria e satisfação.
O pássaro não põe uma coisa qualquer no ninho, para chocar,
mas um objeto do qual possa nascer um passarinho, ou seja,
um ovo. Se junto dele alguém puser seixo ou qualquer outra
coisa, ele o rejeitará como inútil. E, chocando, mantém quente
a matéria que está encerrado no ovo, revirando-a e formando-a
até que esteja pronta para sair.
(João Amós Comênio)
RESUMO
Este trabalho tem como tema a empatia e alteridade na relação entre professor e aluno no contexto do Ensino Fundamental II. De início apresentamos um breve olhar sobre concepções de educação desde o fim do século XV até os dias atuais destacando o olhar empático do professor com seu aluno. Desenvolvemos algumas reflexões no campo da filosofia e da pedagogia que nos auxiliam a trabalhar de forma empática através dos estudos de João Amós Comênio, Johann Heinrich Pestalozzi, Janusz Korczak, Henri Wallon, entre outros, fundamentadas na concepção da educação sociocomunitária, objetivamos: dar importância à afetividade, levar o aluno a colocar-se na posição do outro, o professor observar os sentimentos e afetos que ali subsistem com seu alunado, como um dos caminhos para o autoconhecimento, para criar vínculos e para facilitar o acesso à aprendizagem. Utilizamos, na pesquisa de campo, o Projeto Diário, Projeto Eu e Projeto Memórias realizados em uma escola de Ensino Fundamental II localizada em bairro periférico da cidade de Laranjal Paulista, interior de São Paulo, nos anos de 2014 e 2015, e em entrevista realizada no ano de 2016 com os alunos participantes nos referidos projetos. Cada projeto cumpriu seus objetivos, pois ofereceu a possibilidade do aluno conhecer sua própria história, refletir sobre suas atitudes, como também relacionar-se com a família e sociedade, em um sentido de pertencimento sociocomunitário.
Palavras-chave: Educação Sociocomunitária. Empatia. Alteridade. Aluno. Professor.
ABSTRACT
The purpose of this study is to discuss about the emphaty and otherness in teachers and students relationship, in the Elementary School context, from sixth to ninth grades. First of all, we present a brief look about education conceptions, from the end of the 15th century until now, emphasizing teacher’s empathic look with their students. We have developed some reflections on philosophy and pedagogy areas, that help us to work emphatically through studies of João Amós Comênio, Johann Heinrich Pestalozzi, Janusz Korczack, Henri Wallon, among other authors. Based on the conception of community partnership education, this study aims: to give importance to affectivity, to take the students to put themselves in other people’s place, and also, the teacher to observe the feelings and affectives in the classroom environment, in order to developing affective bonds and then, facilitate the learning process. We used, as field research, three different projects: Project “Diário”, Project “Eu” and Project “Memórias”, all of them accomplished in a Elementary School, located in Laranjal Paulista City, State of São Paulo, in the years of 2014 and 2015, and through an interview in the year 2016 with the students who participated of these projects. Each project achieved its goal, since it offered the possibility of the students know their own life stories, reflect on their attitudes and also, interact with their families and society on community partnership education sphere.
Keywords: Community Partnership Education. Emphaty. Otherness. Student. Teacher.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 8
1 SIGNIFICADO - OLHARES DOCENTES .............................................................. 10
1.1 O olhar do mestre – concepções de educação, do fim do século XV à
modernidade .......................................................................................................... 11
1.1.1 Pedagogia Renascentista .......................................................................... 12
1.1.2 Olhar e ver: Pedagogia Realista ................................................................ 12
1.1.3 O olhar ético: Pedagogia Iluminista ........................................................... 15
1.1.4 O olhar democrático: Pedagogia Socialista ............................................... 18
1.1.5 O olhar entrelaçado: Pedagogia Existencialista e Fenomenológica .......... 19
1.1.6 O olhar de conhecimento: Pedagogia Antiautoritária ................................. 20
1.1.7 O olhar norteador: Pedagogia Brasileira .................................................... 21
1.2 O olhar Sociocomunitário ................................................................................. 23
2 O ENCONTRO: EMPATIA E ALTERIDADE - PREMISSAS DO TRABALHO
DOCENTE ................................................................................................................. 28
2.1 Etimologia da palavra ....................................................................................... 28
2.1.1 Empatia ...................................................................................................... 28
2.1.2 Alteridade ................................................................................................... 29
2.2 Segundo a filosofia ........................................................................................... 29
2.3 Empatia e Alteridade na pedagogia ................................................................. 31
3 PROJETOS DIÁRIO, EU E MEMÓRIAS: RECORTES DE PERCURSOS
SINGULARES E COMPARTILHADOS .................................................................... 38
3.1 Caracterização da escola ................................................................................. 39
3.2 Projeto Diário ................................................................................................... 39
3.2 Projeto Eu ........................................................................................................ 44
3.3 Projeto Memórias ............................................................................................. 48
3.4 As vozes .......................................................................................................... 53
A ESCOLA E VÁRIAS VOZES - CONSIDERAÇÕES SOBRE A DIVERSIDADE ... 58
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 61
ANEXOS ................................................................................................................... 63
Anexo A – Carta de Apresentação de Pesquisa .................................................... 63
Anexo B – Autorização para pesquisa e uso de voz e imagem ............................. 64
Anexo C – Exemplo de Autorização para pesquisa e uso de voz e imagem ......... 65
8
INTRODUÇÃO
O presente trabalho, assumindo a centralidade das relações de empatia e
alteridade, discute a participação de outros sujeitos na constituição docente e da
sensibilidade do olhar de professor no Ensino Fundamental II.
A empatia, como um resultado multidimensional, incluindo os componentes
afetivo, cognitivo e comportamental, tem sido considerada uma característica
necessária aos profissionais de educação no processo de ensinar e aprender. A
partir dela surge a alteridade, do momento que formamos alguma ideia do que se
passa na mente do outro ou, podemos, ainda, nos colocarmos no lugar do outro
alterando nosso modo de agir ou de pensar. E é a partir deste fenômeno que
podemos ter uma relação mais humana e dialógica como nossos alunos, como
pensa a educação sociocomunitária na sala de aula ou fora dela.
Estudos, no campo da pedagogia, através dos últimos cinco séculos, nos
certificam de que muitas vezes o educador buscou estar no lugar do outro, ou
apenas pensou primeiramente em seu aluno antes de elaborar uma aula ou criar um
novo método.
A relação empática leva os profissionais da educação a refletirem-na como
processo metodológico na aprendizagem, uma vez que a interação afetiva entre
professor e aluno pode instigar a curiosidade do discente e melhorar o seu
desempenho no processo de aprender, e a presença do fenômeno da empatia
colabora para o sucesso desse processo.
No primeiro capítulo, apresentamos ideias pedagógicas desde o final do
século XV, na relação do professor com seu aluno enfatizando as relações afetivas e
dialógicas. Mais proeminente no século XVII, o pedagogo João Amós Comênio
anseia tornar a aprendizagem mais atraente. Logo após, o afeto teve um papel
fundamental nas obras de Johann Heinrich Pestalozzi. Não somente eles, mas
também John Locke, Jean-Jacques Rousseau, Janusz Korczak, assim como no
Brasil Paulo Freire e Rubem Alves trazem pensamentos pedagógicos os quais
valorizam o afeto, a imaginação, o centrar-se no prazer da convivência com o outro,
em suma, na percepção do outro.
No segundo capítulo, analisamos a palavra empatia, sua etimologia, com
estudos na filosofia e na pedagogia na qual destacamos, de modo singular, João
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Amós Comênio, Johann Heinrich Pestalozzi, Janusz Korczak e brevemente uma
contribuição da psicologia de Henri Wallon.
Para que este estudo tenha uma completude e compreensão do trabalho do
professor, que buscou e ainda busca a importância da empatia e alteridade em sua
relação com o aluno, apresentamos, no capítulo três, a pesquisa de campo, de
natureza qualitativa, com pesquisa participante, em que foram desenvolvidos
durante três anos – Diário, Eu e Memórias - com objetivos gerais, em comum, que
levam ao autoconhecimento, ao vínculo emocional, à imaginação, à troca de
saberes e o principal, a projeção afetiva - a empatia, com memórias familiares e
comunitárias.
A partir dos relatos dos alunos envolvidos nos projetos podemos notar que há
a presença empática já no processo de elaboração dos trabalhos, bem como no
resultado deles. Cada projeto levou seus objetivos, os quais resultaram além do
esperado. Encontramos, no decorrer, alunos que não se viam, ou seja, não se
conheciam; outros que sequer sabiam como os outros os viam. Os projetos
auxiliaram não somente nesta compreensão, mas também na relação com a família
e sociedade, em um sentido de pertencimento sociocomunitário.
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1 SIGNIFICADO - OLHARES DOCENTES
“Aprenda-se a fazer fazendo. Os mecânicos não detêm os aprendizes das suas artes com especulações teóricas, mas põem-nos imediatamente a trabalhar, para que aprendam a fabricar fabricando, a esculpir esculpindo, a pintar pintando, a dançar dançando, etc. Portanto, também nas escolas deve aprender-se a escrever escrevendo, a falar falando, a cantar cantando, a raciocinar raciocinando, etc., para que as escolas não sejam oficinas onde se trabalha fervidamente. Assim, finalmente, pelos bons resultados da prática, todos experimentarão a verdade do provérbio: fazendo aprendemos a fazer (Fabricando fabricamur) Mostre-se o uso dos instrumentos, mais com a prática, que com as palavras, isto é, mais com exemplos que com regras.”
(Comênio) “Educar é formação humana. Interação humana. Encontro humano. Desde as raízes etimológicas, educar é conduzir para a vida, para a sociedade, para a cultura, para a história. É também extrair, desenvolver, despertar, cultivar potencialidades humanas. Nesses dois sentidos, que se interpenetram e se complementam, o aluno deve se reconhecer e ser reconhecido como sujeito entre os sujeitos, como autor entre autores.”
(Severino Antônio)
Apresentamos neste capítulo alguns estudos que demonstram a necessidade
do professor olhar para os seus alunos com um olhar mais humano, mais afetuoso
em um sentido de compreendê-lo, de ouvir suas vozes e histórias.
O vínculo professor – aluno faz parte da história da educação há séculos. No
entanto, o professor observar se o seu aluno precisa de sua atenção, não deve ser
só ao mediar os conhecimentos linguísticos ou matemáticos, mas precisa colocar-se
no lugar de seu aluno, compreende e, assim, reestrutura sua didática; ou ao menos
que pergunte ao seu educando se este está bem para que possa continuar sua aula.
Entendemos como prática empática um gesto do professor estar atento aos
seus alunos e aos acontecimentos em seu entorno, para dar continuidade ou início a
sua aula, pois o aluno ser pertencente ao momento da aprendizagem é algo que
acontece na maioria das vezes, mas ele sentir-se atuante na vida escolar do
professor e dos seus colegas é algo que ainda não encontramos comumente.
11
Esta atitude de pôr-se na posição do outro, de encarar o mundo através dos olhos do estudante, é quase inaudita na sala de aula. Pode-se escutar milhares de interações comuns de sala de aula sem que se encontre um só exemplo de compreensão claramente comunicada, sensitivamente precisa, empática. Mas, quando ocorre, ela tem um efeito enormemente libertador (ROGERS apud ZIMRING, 2010, p. 50).
Acreditamos que a educação parte da compreensão, do afeto e é dele que as
aulas passam a ter vida, diálogo e interação.
1.1 O olhar do mestre – concepções de educação, do fim do século XV à
modernidade
Nesta dissertação destacamos alguns dos autores que, no processo de
conceber a educação, trouxeram em seus estudos a importância da relação
professor – aluno, com proeminência de uma relação afetiva e, o que trata a
temática deste trabalho, uma relação empática.
Assim, faz-se necessário apresentar brevemente alguns estudiosos que se
destacaram, ao longo dos últimos cinco séculos. Iniciarei do século XV e, a partir
daí, apresentarei algumas ideias educacionais que se desenvolveram na
modernidade. Poderíamos iniciar esta compreensão de educação no século XIII,
momento em que surgiram dizeres moralistas contra a paparicação das crianças,
embora os significados sejam contrários aos apresentamos neste estudo.
Na Idade Média ainda prevalece o conceito de família extensa: “É preciso imaginar o que era então a casa de um cavalheiro, reunindo num mesmo domínio, numa mesma ‘corte’ dez, vinte senhores, dois ou três casais com filhos, os irmãos e as irmãs solteiras e o tio cônego, que aparecia de tempos em tempos e preparava a carreira de um ou outro sobrinho”. Em tal ambiente não existe lugar para o sentimento da infância. Isso não são significa que as crianças não são amadas ou atendidas nas suas necessidades, mas que elas não vivem em um mundo à parte, separado do mundo adulto (ARANHA,1996, p.58).
Todavia, o que nos envolve é a partir do período em que a infância é vista
como uma categoria autônoma e diferenciada, separada do mundo adulto, momento
pensado na educação para crianças como tais são; na educação formal, por
exemplo, em salas separadas dos adultos. Esta categoria, que ocorreu nos séculos
XV a XVII, é estabelecida de valores morais com expectativa de uma nova conduta
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para aquela pessoa que busca um ambiente da educação. A partir daí que os
cuidados específicos começaram a ser tomados. (ARANHA, 1989)
Citamos, nesse caso, o espanhol Juan Luís Vives que, de acordo com Gadotti
(2006), propôs uma educação alegre e integral, em meio a grandes lutas políticas,
religiosas e científicas. Vives já teve a consciência da importância do brinquedo
infantil.
Uma nova mentalidade veio, portanto, influenciar a educação tornando-a mais
prática, por métodos mais agradáveis.
1.1.1 Pedagogia Renascentista
A pedagogia renascentista foi muito influenciada pelo pensamento greco-
romano, onde se tinha uma ideia de educação completa, tanto no físico como no
intelectual. Segundo Gadotti (2006), o pensamento pedagógico renascentista
influenciou a educação tornando-a mais prática, substituindo processos mecânicos
por processos mais agradáveis. Valorizavam-se, nesta época, as humanidades que
formariam e desenvolveriam o homem, respeitando, assim, sua personalidade. Em
François Rabelais apud Gadotti (2006) encontramos traços importantes para a
preocupação com o outro. Para o médico e frade franciscano, o importante não eram
os livros, mas a natureza; “A educação precisava primeiro cuidar do corpo, da
higiene, da limpeza, da vida ao ar livre [...] Ela deve ser alegre e integral”
(RABELAIS apud GADOTTI, 2006, p.63).
Na Renascença, de acordo com Aranha (1989), surgiram críticas ao
monopólio religioso no ensino por parte dos jesuítas. Os membros da Companhia de
Jesus eram considerados autoritários e excessivamente dogmáticos. Para a autora,
este ensino por parte dos jesuítas distancia os alunos do mundo por ser muito formal
e “ineficaz para a prática”. No entanto, os alunos tinham seu espaço físico, apesar
de passivos no que se referia à educação.
1.1.2 Olhar e ver: Pedagogia Realista
É na Pedagogia Realista, séculos XVII e XVIII, que deparamos vestígios
crescentes de uma preocupação por parte de alguns de seus representantes.
Podemos iniciar com o pedagogo e educador João Amós Comênio, aquele que
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reformulou a educação no século XVII. O pedagogo, em um de seus livros, Didática
magna, anseia tornar a aprendizagem atraente e, assim, eficaz. O próprio autor
elaborou manuais atendendo gradações das dificuldades dos alunos e em um ritmo
adequado à capacidade de assimilação (ARANHA, 1989).
Notamos, nas poucas referências de Comênio, que há um pensamento
inovador, uma preocupação diferenciada e, que nos interessa, um olhar voltado ao
aluno. Acredito que um pedagogo, ao elaborar manuais de acordo com a
capacidade e assimilação do aluno, tenha observado o alunado e, desta forma,
compreendido melhor sua necessidade na educação. “Na prática de ensino,
Comênio foi o pioneiro na aplicação de métodos que despertassem o crescente
interesse do aluno” (GADOTTI, 2006, p. 80). “... pois a verdadeira educação deve
levar o aluno a ser capaz de pensar por si mesmo, não ser ‘simples espectador, mas
ator’” (ARANHA, 1989, p.138).
Para Comênio, as escolas deveriam ser articuladas, ou seja, o sistema
educacional corresponderia a quatro tipos de escola: a escola materna (0 aos 06
anos de idade), a qual cultivaria os sentidos e ensinaria a criança a falar; a escola
elementar ou vernácula (06 aos 12 idade) na qual a criança desenvolveria a língua
materna, a leitura e a escrita, incentivando a imaginação e a memória; a escola
latina ou ginasial (dos 12 aos 18), a qual era destinada aos estudos das ciências; e a
academia ou universidade (dos 18 aos 24 anos de idade) (GADOTTI, 2006). Dentro
dessa reformulação o pedagogo Comênio elaborou seus manuais, atendendo às
necessidades dos alunos; dentre eles podemos encontrar Os nove princípios.
Na leitura do texto Os nove princípios, ficamos seduzidos já ao primeiro. Nele
o pedagogo demonstra um comportamento de estar no lugar do outro para, assim,
compreendê-lo. O que encanta ainda mais é a escrita com sentido conotativo.
1º A natureza observa um ritmo adequado. Por exemplo: um pássaro que deseje multiplicar sua espécie não o faz no inverno, quando tudo está rígido de frio, nem no verão, quando tudo está queimado e murcho pelo calor; também não escolhe o outono, quando a força vital de todas as criaturas declina com os raios sempre mais fracos do Sol e um novo inverno de aparência hostil se aproxima, mas escolhe a primavera, quando o Sol devolve vida e força para todos. Aqui, também, o processo consiste em vários estágios. Enquanto ainda faz frio, o pássaro forma os ovos e os aquece em seu corpo, onde estão protegidos do frio; quando o ar fica mais quente, ele os põe no ninho, mas não os termina de chocar até chegar a estação quente, para que os pássaros novos possam acostumar-se à luz e ao calor gradualmente (COMENIO apud GADOTTI, 2006, p. 81).
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Vemos uma concepção de educação voltada ao aluno, uma educação na qual
o educando tem a sua vez, ou seja, é visto como um ser humano com suas
características e necessidades. Para aquela época, foi uma forma de tratar e ver a
educação de modo diferente; foi uma mudança realizada a partir de um olhar
direcionado, quando ainda ninguém na prática de ensino havia concebido métodos
que despertassem o interesse do aluno, o seu desejo de aprender.
Outro representante da Pedagogia Realista, em que podemos nos deparar
com a concepção de educação, partindo de uma preocupação com vida educacional
do aluno, é o filósofo inglês John Locke. Segundo Aranha (1989), Locke exerceu
muita influência nos séculos seguintes em que viveu, pois o filósofo em seus
conceitos criticou as ideias inatas de Descartes. Para ele, há duas fontes aceitáveis
para nossas ideias: a sensação e a reflexão. O vocábulo sensação aqui nos remete
a sentir para educar, e reflexão remete a pensarmos, analisarmos sobre a educação.
Estes pressupostos nos levam a acreditar que era destacada a compreensão das
necessidades do educando. Locke, por exemplo, propõe o estudo de história,
geografia, geometria e ciências naturais, pois, em sua concepção, era excessiva a
preocupação com o latim; era necessária uma preparação mais ampla para a vida
prática do aluno, como o estudo da contabilidade e até mesmo a educação física,
como ampliação de resistência e autodomínio.
As crianças sabem raciocinar desde quando começam a falar e, se bem observei, gostam de ser tratadas como criaturas racionais, muito antes do que se imagina. Esta é uma ambição que se deve ser cultivada nelas, para tornar-se tanto quanto impossível, o instrumento mais válido de sua educação (LOCKE apud CAMBI, 1999, p.319).
É constante no curriculum de Locke o apelo à curiosidade e à atividade das
crianças, bem como a leitura e escrita ensinadas em contato com livros simples e
agradáveis, como fábulas (CAMBI, 1999).
O que destacamos das ideias do filósofo sobre a educação é que, para ele, a
educação deve ser alegre e o educador nada deve impor.
No entanto, não podemos ocultar que Locke encarnou momentos de
conservadorismo: o filósofo se contradiz ao expor que a criança deve se submeter à
vontade dos adultos. Esse dualismo de ideias de Locke não o retira daqueles que
conceituam a educação como algo que parta do interesse do aluno (GADOTTI,
2006).
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De acordo com Aranha (1989), a pedagogia lockiana difere-se da pedagogia
de Comênio no que se refere à universalização da educação. Para Comênio, todos
teriam direito à educação; já para Locke, como um bom representante dos
interesses burgueses, a educação deve ser diferenciada para aqueles que irão
governar e para aqueles que serão governados, o que não o torna contra a
educação do povo.
1.1.3 O olhar ético: Pedagogia Iluminista
Além de Locke, encontramos ainda nessa transição de século XVII e XVIII,
porém já na era Iluminista, um novo período na história da educação pelo filósofo e
escritor Jean-Jacques Rousseau.
Foi a partir de Rousseau que a criança não foi mais considerada um adulto
em miniatura. Para o filósofo, a criança vive em um mundo próprio que é preciso
compreender. O ato de compreensão já fora citado anteriormente por Comênio;
desta maneira, Rosseau compartilha da ideia de o professor deixar a natureza da
criança desabrochar.
Cambi destaca três significados diferentes que “natureza” (grifo do autor)
assume nos textos de Rousseau:
1. como oposição àquilo que é social; 2. como valorização das necessidades espontâneas da criança e dos processos livres de crescimento; 3. como exigência de um contínuo contanto com o ambiente físico não-urbano por isso considerado mais genuíno (CAMBI, 1999, p. 346).
A educação, por esta visão de Rousseau, deve ocorrer de modo natural, sem
as influências do mundo social e que o professor oriente o processo formativo de
seu aluno, este que venha a refletir as exigências da própria natureza.
Para Rosseau, de acordo com Aranha (1993, p. 226), a educação principia
pelo desenvolvimento dos sentimentos e das sensações; “É preciso não abafar os
instintos, os sentidos, as emoções, os sentimentos que são anteriores ao próprio
pensamento elaborado”.
A pedagogia de Rousseau valoriza, dessa maneira, a espontaneidade da
criança não havendo a necessidade de castigos, isto é, o que a criança traz como
experiência através de sua percepção é que a faz a aprender a pensar por si
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própria. Para ele, não se educa a criança nem para Deus, nem para a vida em
sociedade, mas sim para si mesma: "Viver é o que eu desejo ensinar-lhe. Quando
sair das minhas mãos, ele não será magistrado, soldado ou sacerdote, ele será,
antes de tudo, um homem” (ROSSEAU apud ARANHA, 1996, p. 226).
Encontramos, portanto, mais um momento em que estudiosos e
pesquisadores propuseram um olhar diferenciado à criança. Rosseau, por exemplo,
sustentou que os instintos e os interesses naturais da criança são o que deveriam
direcionar a educação. Compreendemos que o professor, nesta situação, deve ter
um olhar compreensivo com relação ao seu aluno. E, esse olhar é que
desencadeado pela empatia.
Não podemos esquecer que Rousseau é o precursor da escola nova, que,
segundo Gadotti (2006), iniciou-se no século XIX, teve grande êxito no início do
século XX e, atualmente, continua com muita vitalidade.
Rousseau, em sua obra Emílio ou da Educação, traz um manifesto do novo
pensamento pedagógico. Foi nela que o filósofo pregou que o desenvolvimento da
criança é a partir de um desenvolvimento espontâneo e livre.
Não se pensa senão em conservar a criança; não basta; deve-se-lhe ensinar a conservar-se em sendo homem, a suportar os golpes da sorte, a enfrentar a opulência e a miséria, [...].Viver não é respirar, é agir; é fazer uso de nossos órgãos, de nossos sentidos, de nossas faculdades, de todas as partes de nós mesmos que nos dão o sentimento de nossa existência. O homem que mais vive não é aquele que conta maior número de anos e sim o que mais sente a vida (ROUSSEAU apud GADOTTI, 2006, p. 97).
Grandes pedagogos seguiram as ideias de Rousseau; um deles foi Johann
Heinrich Pestalozzi que se destacou por adotar métodos pedagógicos em que o
professor imita a natureza do aluno. Para o pedagogo suíço, imitar a natureza é
colocar-se no lugar do aluno pelas próprias investigações do professor, “não por
falações intermináveis sobre os resultados da arte e da ciência” (PESTALOZZI apud
GADOTTI, 2006, p. 98).
A educação para Pestalozzi consistia no desenvolvimento moral, mental e
físico da natureza da criança, independente de sua condição social.
O método de toda educação consiste em um princípio muito simples: seguir a natureza. O professor é um jardineiro, cuja tarefa consiste em providenciar as condições para que a planta se desenvolva, pois o princípio de seu crescimento está dentro dela mesma (SOËTARD, 2010, p. 39 e 40).
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O método é, sem dúvida, uma ferramenta importante, no entanto, investigar a
natureza da criança para tirar dela meios favoráveis para o seu desenvolvimento
trata-se da extração de leis próprias para o desenvolvimento da criança.
O menino aprende, conhece, nomeia, quer saber mais coisas ainda, quer conhecer outras palavras, assim incita sua mãe a aprender com ele. Ela aprende com ele e ambos crescem cada dia em luzes, forças e amor (PESTALOZZI apud SOËTARD, 2010, p. 31).
Para Pestalozzi que passou toda a vida junto a crianças pobres e deserdadas,
toda mãe é a primeira educadora, entretanto, àqueles que não tinham mães que os
amparassem, na educação encontravam nos pedagogos o mesmo desígnio
materno. Esta educação, como queria Pestalozzi, dependia muito da capacidade
dos educadores e do grau da lucidez desse amor, sentimento este base do
desenvolvimento integral.
Depende de uma espécie de clima espiritual positivo, manifestado de forma de benevolência, entusiasmo e compreensão, que, circundando a criança, faça vir à tona sentimentos de reciprocidade e ao mesmo tempo incite o seu potencial de desenvolvimento moral e intelectual. Apenas quando a criança encontra no outro (na mãe, no educador) um espelho em que você reflita sua imagem verdadeira em que identifica uma força propulsora de aperfeiçoamento, ancorando-se num sólido e saudável vínculo afetivo, é que seu desenvolvimento será equilibrado e seguro (INCONTRI, 2006, p. 97).
Mencionar o pedagogo suíço sem ressaltar a sua escrita com sentido
conotativo com relação à educação é quase impraticável, pois a analogia que
Pestalozzi atribui à educação com a natureza “mundo natural” e a natureza
“disposição inata” é de se encantar. Na obra Como Gertrudes instrui seus filhos,
Pestalozzi escreveu diversas cartas destinadas ao seu amigo e editor Gessner,
dentre elas há uma passagem, entre outras, que confirmam a analogia.
Uma educação perfeita é para mim simbolizada por uma árvore plantada perto de águas fertilizantes. Uma pequena semente que contém germe da árvore, sua forma e suas propriedades é colocada no solo. A árvore inteira é uma cadeia ininterrupta de partes orgânicas, cujo plano existia na semente e na raiz. O homem é como a árvore (PESTALOZZI apud GADOTTI, 2006, p. 98).
O método de pestalozziano foi adotado por educadores do mundo todo,
difundindo suas ideias na Europa e na América.
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1.1.4 O olhar democrático: Pedagogia Socialista
A Pedagogia Socialista veio para se opor à concepção burguesa, isto é, veio
pela democratização do ensino; todavia, por não atender aos anseios da classe
dominante, suas ideias na educação foram por muitas vezes legadas em um plano
inferior.
Alguns intelectuais comprometidos com a causa popular se agregaram ao
pensamento de uma escola igual para todos. Podemos aludir ao pedagogo soviético
Anton Semionovich Makarenko que sofreu influências do movimento Escola Nova de
Rousseau.
De acordo com Gadotti (2006, p. 128), Makarenko descreve mais o processo
educacional do que o processo de ensino. Para o pedagogo, o professor educa:
- pelo exemplo no trabalho, fazendo as mesmas coisas que os educandos; - pela capacidade profissional, por exemplo: como agrônomo, enfermeiro, cozinheiro, etc; - pela simplicidade e verdade nas relações humanas (não aceita fanfarronismo); - pela capacidade de evitar emocionalidades nas horas de conflitos, levando os mesmos a serem vividos intensamente, mas com reflexão e não com paixão; - pela empatia e aceitação dos limites do educando.
Na pedagogia de Makarenko, ser educador é questão de personalidade e
caráter, não de teoria, estudo e aprendizagem. Para ele, o processo educativo se faz
pelo próprio coletivo e não pelo indivíduo que se chama educador.
Cada pessoa por nós educada constitui o resultado da nossa produção pedagógica. Tanto nós quanto a sociedade devemos examinar nosso produto minuciosa e detalhadamente, até à mínima peça. Como em toda produção, o resultado da nossa pode ser estupendo, satisfatório, aceitável, parcialmente defeituoso ou completamente defeituoso. O êxito do nosso trabalho depende de uma quantidade infinita de circunstâncias: da técnica pedagógica, dos conteúdos, da qualidade do material. O nosso material básico, as crianças, é imensamente variado (MAKARENKO apud FILONOV, 2010, p. 47).
Notamos, portanto, que a compreensão por parte do educador é fundamental
nesse processo. Mesmo ele não acentuando sentimentos como estudiosos
anteriores, Makarenko preocupa-se com a relação do educador com o educando.
19
1.1.5 O olhar entrelaçado: Pedagogia Existencialista e Fenomenológica
Na síntese de Gadotti (2006, p.159), Émile Durkheim criticava as concepções
de educação baseadas em uma concepção ideal de ser humano - a pedagogia da
essência. Para ele, a educação “deveria se moldar às necessidades da sociedade
em que está inserida”. Logo, a pedagogia da essência se estendeu em duas
vertentes da pedagogia da existência: a primeira priorizando as necessidades da
criança e a outra, as do grupo social, ambas preocupadas em atender as precisões
do outro.
A filosofia existencialista, segundo Gadotti (2006, p. 160), provocou grande
movimento de renovação na educação: “ A existência do ser humano não é igual à
de outra coisa qualquer. Sua existência está sempre sendo, se formando; não é
estática. O homem precisa decidir-se, comprometer-se, escolher; precisa encontrar-
se com o outro.” Deste modo, a pedagogia existencialista teve sua importância e
influência no que se refere a relação empática do professor com seu aluno.
No entanto, o que mais contribuiu para esta dissertação foi a pedagogia
fenomenológica. O método fenomenológico procura interpretar os fenômenos e as
coisas pelo que eles são, ou seja, a interpretação é uma acepção que nos leva a
priori a analisar, observar para depois executar.
Se examinarmos o conceito de fenômeno, em grego significa “o que parece” podemos compreender melhor que a fenomenologia aborda os objetos do conhecimento tais como aparecem, isto é, como se apresentam à consciência. A consciência é doadora de sentido, fonte de significado para o mundo. No entanto, é bom lembrar que a consciência que o homem tem do mundo é mais ampla que o mero conhecimento intelectual, pois ela é fonte de intencionalidades não só cognitivas como afetivas e práticas. O olhar do homem sobre o mundo é o ato pelo qual experiência o mundo, percebendo, imaginando, julgando, amando, temendo etc (ARANHA, 1989, p.220).
Destaca-se, neste tópico do capítulo, o professor e médico polonês Janusz
Korczak, cuja sua história de vida foi dedicada à luta pela justiça e direitos da
criança, como também contribuiu nos estudos que se referem a relações afetivas e
dialógicas.
Korczak, de acordo com Gadotti (2006, p. 165), tornou-se um mito por sua
dedicação às crianças.
20
Em 1942, os nazistas, ocupantes da Polônia, lhe ordenaram que conduzisse seus pequenos para a morte, prometendo-lhe um salvo-conduto após a “tarefa”. Ele recusou e, amparado nos braços de dois meninos, acompanhou seus duzentos “filhos” até as câmaras de gás do campo de extermínio Treblinka, onde todos morreram.
Segundo Gomes (1999), os observadores de Korczak o consideravam um
educador que tinha facilidade de colocar-se no lugar da criança, mesmo dizendo ser
uma tarefa difícil. “O educador não deve se abaixar até a criança, mas elevar-se a
ela, e a seu modo de ver e compreender as coisas” (KORCZAK apud GOMES, 1999
p. 53).
1.1.6 O olhar de conhecimento: Pedagogia Antiautoritária
A Escola Nova e a Pedagogia Existencialista culminaram com a Pedagogia
Antiautoritária. De acordo com a síntese de Gadotti (2006), Sigmund Freud foi um
dos inspiradores do movimento antiautoritário que descobriu o fenômeno da
transferência, importante na relação do professor com seu aluno. Essa transferência
é um fenômeno que ocorre na relação entre eles, quando o desejo do aluno irá se
apresentar para o professor através de sentimentos, desejos, impressões etc.
Destacamos neste tópico o educador e psicólogo Carl Rogers que apresentou
em sua teoria o fenômeno da transferência com significados de autenticidade e a
empatia.
Para Rogers, a autenticidade é um facilitador da aprendizagem, pois,
Quando o facilitador é uma pessoa real, ingressando num relacionamento com o estudante sem apresentar-lhe uma máscara ou fachada, ela tem muito mais probabilidade de ser eficiente. Isto significa que os sentimentos que está experimentando estão disponíveis para ela, disponíveis à sua consciência, que ela é capaz de viver sentimentos, sê-los, e é capaz de comunicá-los, se for apropriado. Significa que ela se encontra direta e pessoalmente com o estudante, encontrando-o numa base de pessoa para pessoa (ROGERS apud ZIMRING, 2010, p. 44).
Compreendemos que eficiência nesta citação refere-se aos resultados
adquiridos em uma relação harmoniosa e autêntica entre o professor e seus alunos.
Como também, a autenticidade leva a disponibilizar uma relação empática, já que
nela vive os sentimentos entre os envolvidos e comunica-os.
21
Um facilitador da aprendizagem é a empatia, pois, segundo Rogers (apud
GADOTTI, 2006, p.176), o professor ou facilitador de aprendizagem (grifo do autor)
deveria “criar um clima inicial, comunicar confiança, esclarecer, motivar”. Estas
ações foram denominadas por Rogers de compreensão empática.
A compreensão empática advém
Quando o professor tem capacidade de compreender internamente as reações do estudante, tem uma consciência sensível da maneira pela qual o processo de educação e aprendizagem se apresenta ao estudante, então, mais uma vez, aumentam as probabilidades de uma aprendizagem significativa (ROGERS apud ZIMRING, 2010, p. 50).
Enfim, Rogers nos estimula a termos atitudes facilitadoras de aprendizagem a
partir do conhecimento de si mesmo, ou seja, o professor apresentar-se como
realmente ele é, como também o conhecimento do outro, partindo da atitude de pôr-
se na posição do aluno.
1.1.7 O olhar norteador: Pedagogia Brasileira
De acordo com Gadotti (2006), o pensamento pedagógico brasileiro começou
a ter autonomia com o desenvolvimento das teorias da Escola Nova. Destacamos
neste tópico dois educadores: Paulo Freire e Rubem Alves, os quais destacaram a
relação professor – aluno como um dos eixos norteadores da educação.
Principiamos com o educador e filósofo Paulo Freire que, em sua teoria,
apresenta a relação dialógica como um dos instrumentos metodológicos da
educação. Em destaque, ele apresenta o diálogo com as pessoas simples em uma
maneira de ser democrático, diferenciando-se, de certa forma, dos intelectuais
tradicionais da educação.
O diálogo é o encontro entre os homens, mediatizados pelo mundo, para designá-lo. Se ao dizer suas palavras, ao chamar ao mundo, os homens o transformam, o diálogo impõe-se como o caminho pelo qual os homens encontram seu significado enquanto homens; o diálogo é, pois, uma necessidade existencial (FREIRE, 1980, p. 82 e 83).
A relação dialógica é essencial, embora esta relação não deva ser apenas um
“intercâmbio de ideias” ou “reduzir-se a depositar ideias em outros” (id, p.83). Para
Freire, a relação dialógica não pode existir sem a relação afetiva.
22
O diálogo não pode existir sem o profundo amor pelo mundo e pelos homens. Designar o mundo, que é ato de criação e de recriação, não é possível sem estar impregnado de amor. O amor é ao mesmo tempo o fundamento do diálogo e o próprio diálogo. (id)
Este amor que inspira a criação e a recriação, segundo o autor, é aquele olhar
do professor para o seu aluno sucedido de um ato de confiança entre os sujeitos. O
que mais nos cativa, é a fala de Freire (1987, p. 81): “Sem esta fé nos homens o
diálogo é uma farsa”, isto é, a relação do indivíduo só será verdadeira a partir que
haja a crença e confiança dos sujeitos.
Continuando com Freire (1980), descobrimos a empatia e a alteridade em um
de seus enunciados “Eva viu a uva”. Ao analisarmos a explicação do pedagogo com
relação o aprendizado da leitura, notamos que há um fenômeno empático entre o
aluno e o contexto do enunciado. Segundo Freire, não basta o educando ler
mecanicamente que “Eva viu a uva”, ele precisa “compreender qual posição que Eva
ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir as uvas e quem lucra
com esse trabalho” (FREIRE apud GADOTTI, 2006, p. 255). Portanto, o professor ao
dialogar com seus alunos sobre a leitura do contexto social acaba os levando a
estarem no lugar do outro; neste caso, no lugar da Eva. E, compreendendo a
situação da Eva, coloca-se no lugar dela.
Freire, em sua obra Pedagogia da Autonomia, delega aos professores a
serem parte da vida da criança, e na relação, ambos construírem conhecimento e,
assim, aprenderem.
[ …] saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção. Quando entro em uma sala de aula devo estar sendo um ser aberto às indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, às suas inibições: um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que tenho – a de ensinar, não de transferir conhecimento (FREIRE, 1996, p. 47).
Compreendemos que os alunos de diferentes meios sociais chegam até a
escola trazendo características culturais e pessoais que influenciam diretamente na
sua relação pedagógica, com o conhecimento e, consequentemente, no processo
ensino-aprendizagem. Desta forma, essas características serão instrumentos
facilitadores da aprendizagem.
23
No que se refere ao educador Rubem Alves, Gadotti (2006, p.236) menciona-
o como “um educador de grande influência sobre jovens educadores brasileiros”,
pois, para Alves, o educador necessita descobrir-se como um ser vivo, amoroso e
criativo.
Em sua obra Conversas com quem gosta de ensinar, encontramos categorias
de suas teorias pedagógicas como a fala, a linguagem, o despertar e o agir; ações
comuns para uma relação apontada como empática, uma vez que o processo de
colocar-se no lugar do outro nasce da linguagem, isto é, parte do ouvir as vozes de
seu corpo discente e interatuar com e ele.
Encontramos, também, em Rubem Alves a constituição como o outro, isto é, a
alteridade.
Pois o que vocês ensinam não é um deleite para a alma? Se não fosse, vocês não deveriam ensinar. E se é, então é preciso que aqueles que recebem, os seus alunos, sintam prazer igual ao que vocês sentem. Se isso não acontecer, vocês terão fracassado na sua missão, como a cozinheira que queria oferecer prazer, mas a comida saiu salgada e queimada... (ALVES, 1994, p. 10).
Notamos que as ações do professor são ajustadas de acordo com aquilo que
lhe é ofertado pelo aluno. De acordo com Alves (1994), o aluno pede, através de
diferentes manifestações, diversas formas de compreendê-lo; estas que o próprio
professor poderá provocá-las ou simplesmente ter um olhar singular para, assim,
conhecê-lo.
Vai aqui este pedido aos professores, pedido de alguém que sofre ao ver o rosto aflito das crianças, dos adolescentes: lembrem-se de que vocês são pastores da alegria, e que a sua responsabilidade primeira é definida por um rosto que lhes faz um pedido: “Por favor, me ajude a ser feliz...” (id, p.15).
A citação de Alves nos confirma a importância do professor olhar para seu
aluno, e, neste olhar, encontrar os pedidos do iniciar de uma relação dialógica entre
eles.
1.2 O olhar Sociocomunitário
De acordo com Soffner et al. (2013), a educação sociocomunitária discorre da
práxis social e comunitária, da práxis educativa, do educador como articulador
24
comunitário e social, das intervenções educativas formais, não formais e sociais, da
autonomia, cidadania, da participação e intervenção social, da ação de sujeitos
comunitários e sociais.
Descobrimos nela o processo de socialização, isto é, a interação entre
pessoas de diversos contextos na busca de mudanças significativas na sociedade.
Em leitura ao artigo de Paulo de Tarso Gomes (2008), encontramos:
A Educação Sócio-comunitária é, assim, numa primeira visão, o estudo de uma tática pela qual a comunidade intencionalmente busca mudar algo na sociedade por meio de processos educativos. Nessa primeira visão, ao buscar essa tática a comunidade concretiza sua autonomia. Buscar mudar a sociedade significa romper com a heteronímia, com ser comunidade perenemente determinada pela sociedade. Porém, [...] é admitir outra visão, que é aquela que nos leva a incluir no âmbito da Educação Sócio-comunitária os casos em que a comunidade é articulada para mudanças na sociedade. Nesse caso, é preciso admitir que uma entidade ou instituição externa, provoque, fortaleça e ofereça um projeto à comunidade, para que ela faça o trabalho final de efetivar mudanças (GOMES, 2008, p.7).
O professor, por sua vez, tem o papel de formar o cidadão em todos os seus
saberes, entretanto, nada o impede de educar o aluno para que ele “possa ter uma
determinada atuação em determinada sociedade” (GOMES apud GROPPO, 2013, p.
79).
A relação dialógica: professor – aluno – comunidade – sociedade provoca
mudanças nos relacionamentos familiares, escolares e sociais dos alunos, devido a
todos serem atores de suas histórias e levarem situações de aprendizagem em suas
relações. É neste momento em que as vozes dos alunos podem ser ouvidas e
compartilhadas junto ao professor, à família, à comunidade e a sociedade. “[...]
alunos, jovens e crianças não são apenas objeto passivo da socialização, mas
atores vitais e legítimos desta, em seu diálogo-confronto com educadores, adultos e
outros jovens e crianças” (GROPPO, 2013, p. 67).
A educação sociocomunitária participa em qualquer sociedade no processo
de socialização, no qual molda as pessoas para serem integrantes daquele grupo, e
ao mesmo tempo aquelas pessoas nas suas inter-relações socioeducativas,
tornarão possível a continuidade do grupo que, no decorrer, receberá novos
membros. No entanto, educação é “ ‘[...] uma fração da experiência endoculturativa’,
na qual se dá a aquisição, pelos homens e mulheres, do acervo da cultura do grupo
de que fazem parte.” (BRANDÃO apud GROPPO, 2013, p. 62).
25
Como já visto, a aprendizagem acontece em diversos ambientes nos mais
diversos contextos. O pesquisador Luis Antonio Groppo nos traz em seu texto A
Educação para além da escola, publicado no livro Sociologia da Educação
Sociocomunitária a passagem da educação para a aprendizagem:
A ideia de uma educação – que implica a transmissão estruturada do conhecimento dentro de uma instituição formal – vem dando passagem a uma noção mais ampla de “aprendizado” que ocorre em uma diversidade de ambientes. O deslocamento da “educação” para o “aprendizado” não é irrelevante. Os aprendizes são atores sociais curiosos, ativos que podem extrair insights de uma multiplicidade de fontes, não apenas dentro de um cenário institucional. A ênfase sobre o aprendizado reconhece que as habilidades e o conhecimento podem ser adquiridos por meio de todos os tipos de contato – com amigos e vizinhos, em seminários e museus, em conversas no bar da esquina, através da internet e outros meios de comunicação, e assim por diante (GIDDENS apud GROPPO, 2013, p. 78).
Groppo (2013) aponta duas correntes educacionais o que Tarso (2008)
delimitou de Educação Sociocomunitária: educação social e educação não formal.
Levando em conta que a educação social está presente em vários momentos,
principalmente na educação formal (informação oral)1. Como ainda, se partirmos
pela ideia que a pessoa humana é formada pela sociedade, chegamos à conclusão
de que o professor faz parte dela. “O professor é uma espécie de ‘voz da sociedade’,
o intérprete das grandes ideias morais de seu tempo, e que vai procurar fazer com
que o aluno sintonize em seu interior essa voz, via a moralização” (GROPPO, 2013,
p. 48).
Uma das intervenções sociais na educação social é a Animação Sociocultural
que, segundo Sueli Caro (2012), tenta atender às necessidades da sociedade para
assim transformar a realidade. De acordo com a psicóloga,
A animação se concebe como um meio de potenciar o desenvolvimento das comunidades e aposta pela democracia cultural. Como consequência, é preciso reafirmar a importância da educação e as práticas socioculturais na promoção de um desenvolvimento pessoal e coletivo congruente com os desafios que tal convivência comporta (CARO, 2012, p. 64).
Para melhor compreendermos a relação da Animação Sociocultural com a
educação, temos a seguinte explanação:
1 Citação fornecida por Sueli Maria Pessagno Caro na aula de Educação Social – Mestrado em
Educação – UNISAL em 11/05/2016.
26
A Revista de Educação Social (2008), em seu prefácio, apresenta a seguinte definição: a animação sociocultural é parte essencial da educação social, faz parte do que a educação social é; se encontra na educação social de maneira permanente e invariável; constitui a natureza própria da educação social. Sem a Animação Sociocultural, a educação social não existiria como a conhecemos atualmente (id, 2012, p.64).
As manifestações de educação social acontecem objetivando um trabalho
com dimensões históricas, políticas e culturais, pois utiliza os sentidos, a cultura e a
arte nas diversas expressividades. As intervenções ocorrem a partir da animação
sociocultural que, neste caso, ocorrem em diversos locais, públicos ou privados.
Assim, cabe ao professor garantir a formação do indivíduo, este ciente de sua
posição particular e de sua função social. De acordo com Groppo (2013, p.46),
O caráter social da educação é reforçado pelo fato de que, para Durkheim, a própria pessoa humana é formada pela sociedade, nos processos de socialização. Deste modo, a sociedade, por sobre o ser natural, constitui o ser social. O ser social não apenas reprime paixões e pulsões socialmente indesejadas, mas também forma boa parte do que somos: linguagem, razão, reflexão, arte, valores e, enfim, projetos de vida que moderam os desejos e os anseios.
Partindo desse pressuposto, a relação entre o professor e seus alunos
acontece em um processo permanente de socialização.
Já a educação não-formal, segundo Groppo (2013), caracteriza situações de
ensino-aprendizagem antes termo “não-formal” ter aparecido em estudos. Para ele a
educação não-formal visa “[...] à formação integral do ser humano, para além da
mera aquisição de dados conhecimentos e competências específicos”.
Para Gomes (2008), no termo educação não-formal existe mais educação
intencional e planejada que a forma escolar.
No entanto, a educação não-formal pode ser encontrada nos contextos
escolares, em seu currículo oculto. Currículo oculto é definido por “ [...] aspectos do
ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial, contribuem de forma
implícita para a aprendizagem” (BERNSTEIN apud SOUZA et. al. apud GROPPO,
2013, p. 82). Por isso, podemos considerar esse fenômeno educacional não-formal
centrado nas relações de ensino–aprendizagem escolar.
A educação não-formal não é contrária a educação formal, ela atua em
campo conceitual independente ao da educação formal. Em Garcia, encontramos
27
apontamentos da educação não-formal e educação formal como conceitos
autônomos:
O conceito de educação-não formal não está no conceito de educação formal, apesar de possuir alguns entrelaçamentos com esse, mas é um outro conceito. A educação-não formal, não tem, necessariamente, uma relação direta e dependência com a educação formal. É um acontecimento que tem sua origem em diferentes preocupações com a formação integral do ser humano, no sentido de considerar contribuições vindas de experiências que não são priorizadas na educação formal (GARCIA 2005 apud Park 2007, p.132).
Deste modo, a educação sociocomunitária auxilia uma relação mais
compreensiva, mais dialógica do professor com seu aluno, pois são nas
aprendizagens adquiridas por meio de todos os tipos de contato, seja com a família,
com a comunidade ou com a sociedade, que o professor acaba estando mais
próximo ao contexto social dos seus alunos.
28
2 O ENCONTRO: EMPATIA E ALTERIDADE - PREMISSAS DO TRABALHO
DOCENTE
“Empatia: sentir com o outro, sentir como o outro, reconhecer-se no outro, fazer ao outro o que gostaríamos de que nos fosse feito.”
(Severino Antônio)
Neste capítulo, apresentamos, inicialmente, a etimologia de uma das
palavras-chave deste trabalho: empatia, o que não deve ser confundido com
simpatia. Não encontramos outra acepção que conceda o que trazemos nesta
dissertação: a relação do professor com o seu aluno. O comportamento empático
está presente nas relações que envolvem emoções e a participação afetiva no
convívio de pessoas, sejam em duas ou até mesmo em uma comunidade de
maneira que se deparem com a harmonia da convivência em sociedade.
Posteriormente, também podemos encontrar a etimologia de outra palavra-chave, a
alteridade. A alteridade está presente, na maioria das vezes, na relação empática;
ela é o agente modificador do professor ou do aluno nas relações às quais ambos
constroem uma afinidade.
2.1 Etimologia da palavra
2.1.1 Empatia
Empatia2 é uma palavra originada do grego EMPATHEIA que significa paixão,
estado de emoção. Sua formação se dá a partir do prefixo grego em- modificando o
sentido do seu morfema com a significação de “posição interior ou movimento para
dentro”, mais seu radical pathos. Pathos, também de origem grega, significa
“emoção” e ou “sentimento”, o que nos leva a entender que empatia significa estar
“dentro” de um sentimento. No entanto, a palavra simpatia3, mencionada acima, é
originada do latim SYMPATHIA, derivada do grego SYMPÁTHEIA: “tendência ou
inclinação que reúne duas ou mais pessoas”, formada por syn-, “junto”, mais pathos,
“sentimento”. Entre as palavras empatia e simpatia temos algumas semelhanças
indicadas já no radical pathos; uma delas é ambas carregarem em sua formação
2 Segundo o Dicionário Etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa p.293
3 Segundo o Dicionário Etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa p.723
29
signigicados que levam a emoção, ou seja, aos sentimentos de outrem. Todavia,
destaco que neste estudo apresentarei a empatia como termo principal.
2.1.2 Alteridade
Alteridade4 é uma palavra originada do latim ALTERITAS que significa ser
outro, colocar-se ou constituir-se como outro. Assimilamos, portanto, que alteridade
“é uma transformação da qualidade atual de uma coisa” (CUNHA,1997, p.28) isto é,
passar a viver não a partir de si mesmo, mas a partir “do outro”.
2.2 Segundo a filosofia
Dentro dos estudos filosóficos, a definição da palavra empatia começou ser
utilizada pelo termo endopatia, que traduz o vocábulo alemão Einfühlung. Este
desde sua origem teve inúmeras interpretações como empatia, endopatia e simpatia.
De acordo com o Dicionário de Filosofia de Terricabras,
Endopatia. Utiliza-se frequentemente o termo “endopatia” para traduzir o vocábulo alemão Einfühlung. Outros termos utilizados são: empatia (utilizado com bastante frequência), “projeção afetiva” e “projeção sentimental” (poucos comuns ou com uma significação mais específica) e “intoafeição” (pouco comum). (TERRICABRAS, 2001, p.827)
A definição de endopatia, conforme apresenta o dicionário, é “uma
participação afetiva, e comumente emotiva, de um sujeito humano em uma realidade
alheia ao sujeito”.
De acordo com a acepção exposta, o sujeito pode participar das emoções
alheias, assim consegue vivenciar o que o outro está sentindo.
O primeiro a utilizar o termo Einfühlung foi o filósofo da arte Robert Vischer.
Ele empregou Einfühlung em várias de suas obras, para entender como a beleza da
natureza é entendida pelo ser humano; para Vischer, é uma “vivificação da
imaginação” (TERRICABRAS, 2001, p. 827).
De acordo com o filósofo e economista Adam Smith, estar adentro aos
sentimentos de uma pessoa decorre de um trabalho imaginativo.
4 Segundo o Dicionário de Filosofia p.34 e 35.
30
Como não temos experiência imediata do que outros homens sentem, somente podemos formar uma ideia da maneira como são afetados se imaginarmos o que nós mesmos sentiríamos numa situação semelhante (SMITH, 1999, p.5 e 6).
Acreditamos que a ação de imaginarmos no lugar do outro em situação
semelhante, é no sentido de analisar, criar, idealizar situações da pessoa pela qual
venha a empatizar5. A empatia surge a partir do momento que formamos alguma
ideia do que se passa na mente do outro ou, podemos, ainda, nos colocarmos no
lugar do outro. Portanto, para esse exercício, Smith escreveu que é por meio da
imaginação que nos é possível idealizar quais são as verdadeiras sensações. Só a
partir deste exercício podemos formar alguma ideia do que se passa na mente do
outro, ou seja, só por meio da imaginação nos é possível conceber quais são as
suas possíveis sensações.
Em 1759, Smith publicou sua primeira obra com base numa série de palestras
ministradas na cátedra de filosofia moral na Universidade de Glasgow, a Teoria dos
Sentimentos Morais (TSM).
A Teoria dos Sentimentos Morais é uma teoria das “paixões”, “sentimentos”
ou “emoções”, as quais aparecem de forma intercambiável. A partir dos termos
destacados, é possível entender a escolha feita pelo autor através da citação a
seguir:
[...] o grande prazer do convívio e da sociedade surge de certa correspondência entre sentimentos e opiniões, de certa harmonia entre espíritos [...]. Por isso, todos desejamos sentir como o outro é afetado, penetrar no peito do outro, e observar os sentimentos e afetos que realmente ali subsistem (SMITH, 1999, p. 422).
Para Smith (1999), imaginar-se no lugar do outro e vivenciar uma situação
sentindo uma circunstância equivalente é o ponto de partida da nossa sensibilidade
moral, originando, desta forma, uma “troca de lugar com o sofredor na imaginação”.
Constatamos, deste modo, a alteridade.
Nas palavras do autor:
Por intermédio da imaginação podemos nos colocar no lugar do outro, concebemo-nos sofrendo os mesmos tormentos, é como se entrássemos no corpo dele e de certa forma nos tornássemos a mesma pessoa, formando,
5 Os principais dicionários brasileiros não registram o verbo “empatizar”, encontramos apenas no
“Dicionário de Usos do Português do Brasil” de Francisco S. Borba.
31
assim, alguma ideia das duas sensações, e até sentindo algo que, embora em menor grau, não é inteiramente diferente delas (id, p.6).
A experiência da imaginação na situação do outro é de um espectador
imparcial, pois imaginar-se na situação alheia permite que a pessoa participe de
alguma forma dos mesmos sentimentos. A partir disso resulta-se uma reciprocidade
dos sentimentos alheios com os nossos.
2.3 Empatia e Alteridade na pedagogia
“Educar não se reduz à transmissão de informações nem a elaboração de conhecimento. Educar é a criação de sentido, formação humana.”
(Severino Antônio; Kátia Tavares)
A empatia tem profunda convergência com o conceito amorevolezza, que é
um dos fundamentos da pedagogia salesiana. Conforme o modelo pedagógico e
educativo proposto pelo sacerdote católico italiano Dom Bosco, os sistemas
educativos podem ser do tipo repressivo ou preventivo. O último refere-se ao
educador ser um guia junto ao educando, dando conselhos e correções com
bondade, por isso o componente amorevolezza – carinho. Verificamos no artigo
publicado por Roffner et al. (2013), que Dom Bosco constituiu com os jovens de sua
comunidade um binômio essencial, baseado no tripé razão-religião-afeto.
Em ligação com as possíveis reflexões, pode-se dizer que, para Dom Bosco, é impossível uma educação apenas com uma visão unidimensional. Ele não simplifica a educação porque vê o jovem em suas diversas dimensões. De forma resumida, podemos dizer que ele é uma cabeça (razão), um coração (amorevolezza - afeto) e um joelho (religião) a serem educados (SOFFNER et al., 2013, p. 55 a 59).
Recorrendo a fontes do pensamento pedagógico pudemos encontrar, de
modo singular, nos estudos da teoria educacional, outros teóricos que suscitam a
relação do professor com seu aluno de forma mais afetiva: Johann Heinrich
Pestalozzi, João Amós Comênio, Janusz Koczak e Henri Wallon que, embora da
psicologia, contribuiu na pedagogia.
Iniciaremos com o suíço Johann Heinrich Pestalozzi, um dos pedagogos que
se importou com a relação afetiva e dialógica com seu aluno. A partir de diversas
32
leituras, notamos que seus métodos compadeciam da presença da mãe ou do
professor em uma relação de afeto e diálogo.
Dora Incontri (2006), uma das poucas estudiosas de Pestalozzi no Brasil, diz
que a criança, na visão do autor, se desenvolve de dentro para fora. Para o
pensador suíço, parte de uma missão maior do educador é a de saber ler e imitar a
natureza; podemos entender que esta missão - para ler e imitar a natureza da
criança, ou seja, do educando – devemos compreendê-lo, devemos fazer parte do
meio dele.
De acordo com Pestalozzi, a consequência mais importante da reflexão, que
chega a seu ponto culminante nas Investigações, de 1797, é o fato de que o
pedagogo se coloca em uma posição tal que pode compreender a criança e sua
realidade por acontecer. (SOËTARD, 2010)
Em Carta de Stans, encontramos um dos objetivos do pedagogo com relação
à interação das crianças: “Minha meta principal direcionou-se, antes de mais nada, a
tornar as crianças irmãs, cultivando os primeiros sentimentos de vida em comum e
desenvolvendo suas primeiras faculdades nesses sentido” (PESTALOZZI apud
INCONTRI, 2006, p.150).
Ao referir-se ao comportamento fraterno, Pestalozzi nos leva a acreditar no
sentido de comunidade, que suscita diversos tipos de sentimentos, principalmente,
segundo o pedagogo, o de justiça e moralidade.
O pedagogo importava-se com o envolvimento entre as crianças, buscava
levar a elas um olhar para o autoconhecimento, a liberdade e a importância da
reciprocidade.
Compreendamos, enfim, que todos os alunos, exercitados ao mesmo tempo a formar-se e a instruir-se mutuamente, desenvolvem-se em liberdade, com a compreensão clara de seus progressos e a consciência real de suas forças; que todos os instantes se empregam com proveito; [...] que as relações de uns com os outros se embelezam de confiança e amizade, e os trabalhos se transformam em prazer e as fisionomias respiram contentamento e felicidade (PESTALOZZI apud INCONTRI, 2006, p.166).
É vívido o comportamento empático de Pestalozzi com as crianças. Sua
preocupação com o bem-estar delas é visível em suas obras; a afetividade é
presente a cada ação direcionada a elas de modo que elas reproduzam com
aqueles em seu meio.
33
Em suas cartas escritas ao seu colega Gessner e posteriormente publicadas
no livro Como Gertrudes instrui seus filhos, Pestalozzi emerge a quase todo
momento situações de colocar-se no lugar do outro.
Eu me coloquei como me era possível em todos, não obstante o abandono no qual eles tinham sido deixados, encontrei um grau altamente superior dado à inconcebível falta de qualquer método e ação educativa, eu teria considerado possível (PESTALOZZI apud SOËTARD, 2010, p. 59).
No entanto, essa interação com as crianças exige, de acordo com Pestalozzi,
a percepção e a linguagem. A percepção, como apreensão imediata dos objetos
exteriores e ao mesmo tempo da interioridade do sujeito. Já a linguagem, é a face
coletiva e indispensável, uma conquista da cultura. O pedagogo nessa interação
evita que a linguagem chegue à criança como um “instrumento destituído de
significados para ela” (INCONTRI, 2006).
Por isso, colocar-se no lugar do outro no campo pedagógico, segundo
Pestalozzi, é levar o seu aluno a conquistar o conhecimento através da assimilação,
da compreensão e da linguagem, esta em consequência da percepção.
Não somente Pestalozzi contribuiu com pensamento que reconhece a função
primordial do afeto, da empatia e da alteridade, mas também o pedagogo João
Amós Comênio que, antes de Pestalozzi, foi considerado o primeiro teórico a
respeitar a inteligência e os sentimentos da criança.
No século XVII, Comênio traz um novo processo de ensino e aprendizagem,
uma “didática magna”. Didática magna é, de acordo com o pedagogo,
[...] arte universal de ensinar tudo a todos: de ensinar de modo certo, para obter resultados; de ensinar de modo fácil, portanto sem que docentes e discentes se molestem ou enfadem, mas ao contrário, tenham grande alegria; de ensinar de modo sólido, não superficialmente, de qualquer maneira, mas para conduzir à verdadeira cultura, aos bons costumes, a uma piedade mais profunda (COMÊNIO apud PIAGET, 2010, p. 46).
Segundo Cambi (1999, p.292), quando se trata da formação humana, esta
que está na base da educação universal, coloca em destaque “além do problema
saber e do ensino, também o das escolas”. Comênio observa que para o problema
do saber “o método deve ser completo e utilizar maneira orgânica os momentos de
análise, da síntese e da síncrise, a fim de aumentar o conhecimento e permitir ao
34
sujeito compreender “a harmonia das coisas e sua relação com o todo” (COMÊNIO
apud CAMBI, 1999, p. 292).
A ação de compreensão permitida na pedagogia de Comênio implica em
ações de um olhar voltado ao outro, voltado a todas as coisas.
Comênio (2001, p.47) revela em seus princípios de Utilidade da Arte Didática:
Aos professores, a maior parte dos quais ignorava completamente a arte de ensinar; e por isso, querendo cumprir o seu dever, gastavam-se e, à força de trabalhar diligentemente, esgotavam as forças; ou então mudavam de método, tentando, ora com este ora com aquele, obter um bom sucesso, não sem um enfadonho dispêndio de tempo e de fadiga.
Diante disso, Comênio situa que a profissão do professor deve possuir
características próprias, como ser uma pessoa escolhida, de exímia inteligência e
integridade moral, dedicado exclusivamente ao ensino.
Para Gadotti (2006), Comênio é considerado o grande educador e pedagogo
moderno, pois foi o primeiro a propor um sistema articulado de ensino no qual
reconhecia o direito de todos ao saber.
Aqueles que, alguma vez, deverão ser postos à cabeça dos outros, como reis, os príncipes, os magistrados, os párocos e os doutores da Igreja devem embeber-se de sabedoria tão necessariamente como o guia dos viajantes deve ter olhos, o intérprete ter língua, a trombeta, som e a espada, gume. De modo semelhante, também os súditos devem ser esclarecidos, para que saibam obedecer prudentemente àqueles que governam sabiamente: não coagidamente, com sujeição asinina, mas voluntariamente, por amor da ordem (COMÊNIO, 2001, p. 109).
Em Comênio, encontramos regras, princípios, alegorias, todos estes
relacionados aos sentidos. O pedagogo, em suas palavras, sempre destaca ora de
modo explícito ora de modo implícito as percepções sensoriais na didática, ou seja,
arte de transmitir conhecimentos.
[...] a regra áurea dos que ensinam deve ser: todas as coisas, na medida do possível devem ser postas diante dos sentidos. As visíveis ao alcance dos olhos; as sonoras, dos ouvidos; as que têm cheiro, do olfato; as sápidas, do paladar; as tangíveis, do tato. E se alguma houver que possa, ao mesmo tempo, ser percebida por vários sentidos, deverá ser posta simultaneamente ao alcance dos vários sentidos (COMÊNIO apud PIAGET, 2010, p. 80).
Observamos um comportamento empático em Comênio no que se diz
respeito àqueles que tinham o direito de saber a partir do instante em que o
35
pedagogo organizou um sistema de ensino que atenderia os anseios de todos, que
despertasse o desejo de aprender.
Apresentamos também neste tópico um seguidor de Pestalozzi: Janusz
Korczak, professor e médico polonês que dedicou sua vida e obra para e sobre a
criança.
De acordo com Gomes (1999), Korczak dá tamanha importância à
necessidade do afeto nas relações com a criança, que desenvolveu orientações
para as mães. O que mais nos chamou a atenção foi a importância do diálogo com a
criança.
A obra Como amar uma criança, tem o objetivo de mostrar que “a criança
estava sendo ignorada em seus sentimentos, que não tinham condições físicas nem
psíquicas de corresponderem às expectativas ‘engessadas’ dos adultos e da
sociedade” (GOMES, 1999, p. 31). Notamos, também, no título desta obra, de forma
explícita, o comportamento afetivo como um elemento do processo empático.
Ele acreditava na importância de o adulto colocar-se no lugar da criança no momento do diálogo com ela, tanto em situações positivas quanto negativas. Este tipo de postura, direcionado por regras sociais e claras, seria um instrumento eficiente na sala de aula, auxiliando o professor na busca de soluções dos problemas inerentes à escola (GOMES, 1999, p.4).
O princípio básico de toda atividade pedagógica de Korczak era o adulto
conhecer bem os sentimentos da criança, ou seja, o adulto colocar-se no lugar dela,
logo, notamos a alteridade.
O que é uma criança quando a observamos na sua estrutura espiritual que é diferente da nossa? Quais são seus traços principais, suas necessidades, suas possibilidades escondidas? O que é essa metade da humanidade que, vivendo ao lado de adultos, está ao mesmo tempo tão separada deles? (KORCZAK, 1983, p. 96).
A metodologia de Korczak partia da preocupação que o professor deveria ter,
em se colocar como a criança em cada situação, seja para transmitir conteúdos ou
apenas um momento de lazer.
Conforme Gadotti (2006), a práxis educacional de Korczak iniciou-se em uma
revisão de métodos, relação professor – aluno e pais – filhos. Observamos a
confirmação da afirmação de Gadotti no início do livro Como amar uma criança:
“pedir a alguém respostas já prontas seria o mesmo que uma mulher pedir a uma
36
desconhecida que desse à luz em seu lugar” (KORCZAK, 1983, p. 30). Korczak
acredita que tanto a mãe quanto o professor, isto é, todos que lidam com a criança
tenham uma observação atenta, afetuosa.
Na pedagogia temos contribuições significantes da psicologia por meio do
psicólogo e filósofo Henri Wallon. Para ele, quando se estabelece um contato
emotivo há uma consequência que não é a simpatia, mas sim a participação.
Compreendemos que Wallon (2007) considera importante a interação dos
indivíduos; e esta influência mútua é o meio pelo qual a criança se desenvolve. A
relação, portanto, entre o um aluno e seu professor no conceito de Wallon, é
compreendida de forma que ambos se conheçam, como também participem de suas
experiências.
Em Gadotti (2006, p.178) encontramos,
Wallon outorga uma importância fundamental à formação do professor. Desde o momento em que deve adaptar-se à natureza e ao desenvolvimento da criança, o ensino se converte em psicologia, o que implica necessidade de dar ao professor uma ampla cultura psicológica e uma atitude experimental que lhe permitam tirar lições das experiências pedagógicas que ele mesmo realize.
O professor ao adaptar-se à natureza de seu aluno, ele estará participando de
forma empática do desenvolvimento do discente. Não só deparamos com a empatia
como parte do processo, como ainda com a alteridade; pois, para Wallon, o
professor constitui-se como o outro.
Uma vez que os professores tendem a julgar as manifestações infantis pela
ótica esperada dos comportamentos adultos, essa atitude levará a interpretações
enviezadas e redutoras da expressividade infantil.
Sendo estas (crianças) seres essencialmente emotivos, trazendo a sua emoção a tendência forte, porque funcional, a se propagar, resulta daí que os adultos, no convívio com elas, estão permanentemente expostos ao contágio emocional. [...] A ansiedade infantil, por exemplo, pode produzir no adulto próximo também angústia ou irritação. Resistir a esta forte tendência implica conhecê-la, isto é corticalizá-la, condição essencial para reverter o processo (LA TAILLE, 1951, p.88).
Desta maneira, o desenvolvimento da pessoa, neste caso do aluno, é
constituído a partir do seu meio, das suas emoções, e compete ao professor estar
37
atento às mudanças e aos comportamentos desses seus alunos; inicialmente pela
observação e posteriormente pela participação.
O conhecimento de mundo, dos outros e de nós mesmos, segundo Antônio e
Tavares (2013), não se reduz ao intelectivo. Ele é movido pela emoção, esta que
move a inteligência, isto é, “o emotivo move o cognitivo [...] Não há conhecimento
sem emoção” (ANTÔNIO; TAVARES, 2013, p. 27).
O desenvolvimento da aprendizagem é conduzido pelos envolvidos em seus
diferentes contextos. Devemos observar que o aluno leva para a sala de aula suas
experiências emocionais. Caso o professor não disponha em atender as
necessidades do aluno, quer dizer, refletir sobre sua metodologia a partir do que o
aluno traz para, assim, conduzir sua prática pedagógica, logo não decorrerá uma
aprendizagem significativa.
38
3 PROJETOS DIÁRIO, EU E MEMÓRIAS: RECORTES DE PERCURSOS
SINGULARES E COMPARTILHADOS
“Quem tenta ajudar uma borboleta a sair do casulo a mata. Quem tenta ajudar um broto a sair da semente o destrói. Há certas coisas que não podem ser ajudadas. Tem que acontecer de dentro para fora.”
(Rubem Alves)
Neste capítulo podemos compreender a razão pela qual a empatia e
alteridade são termos chave desta dissertação. Há anos temos trabalhado com os
alunos de maneira que nos relacionemos empaticamente. Esta compreensão vale-
se desde o primeiro momento que cada um socialmente dentro da escola tenha a
sua função6.
Encontramos neste capítulo a pesquisa de campo, com projetos que
trouxeram experiências de autoconhecimento, de faz de conta e de troca de papéis
durante três anos, com duas turmas do Ensino Fundamental II na escola municipal
Domingos Fuglini na cidade de Laranjal Paulista, estado de São Paulo, na qual
foram desenvolvidos os projetos Diário, Eu e Memórias.
Em consonância com os objetivos gerais da disciplina de Língua Portuguesa,
localizados no Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola, demos seguimento à
elaboração dos projetos.
Conhecer os grupos de alunos para definir com clareza as melhores estratégias de ensino-aprendizagem específicas de cada grupo, sempre com base na proposta pedagógica da escola;
Fortalecer os vínculos familiares e os laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social;
Reconhecer a linguagem como expressão do mundo interior e exterior do aluno;
Levar o aluno a expressar oralmente através de textos e atividades relacionadas com a sua vida social e histórica. (PPP, 2016, p. 34)
Os projetos primeiramente foram direcionados à coordenação pedagógica da
escola para ciência e deferimento e, posteriormente, para a Secretaria Municipal de
Educação para acompanhamento da supervisora do Ensino Fundamental II.
Após o protocolo, os projetos saíram do papel.
6 Neste caso: Professor e aluno.
39
3.1 Caracterização da escola
De acordo com o Projeto Político Pedagógico, a escola municipal Domingos
Fuglini situa-se no Jardim Panorama, bairro periférico da cidade. A escola foi criada
através do decreto nº 2.417, de 15 de setembro de 2008. Foi inaugurada no dia 16
de dezembro de 2008. Entretanto, a escola só iniciou suas atividades no ano de
2010.
Segundo o PPP, a clientela da escola é composta em 2016 de 398 alunos do
Município de Laranjal Paulista, compreendendo o Jardim Itaporanga, bairros
vizinhos e bairros rurais.
Em pesquisa realizada pela comunidade escolar no ano de 2015, percebeu-
se que a maioria dos alunos vem de classe média baixa, e são filhos de operários
trabalhadores das fábricas de brinquedos do município. Uma minoria são filhos de
comerciantes, funcionários públicos, pequenos empresários e produtores agrícolas.
Algumas famílias declaram que os pais estão desempregados.
Trazendo ainda os resultados dessa pesquisa, aproximadamente 72% dos
alunos moram com os pais e irmãos, 17% somente com a mãe e irmãos, 2% com o
pai e irmãos e 9% com avós.
Entre as escolas municipais, encontra-se com o maior desempenho no Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica, 5,2, passando a meta em 0,1.
Ressaltando que a escola participou em seu primeiro ano, em 2013 com o resultado
de 4,3.
3.2 Projeto Diário
Primeiramente, apresentamos o Projeto Diário que foi realizado no ano de
2014, com duas turmas de sétimos anos do Ensino Fundamental II.
Trata-se de um projeto de enriquecimento curricular, social e psicológico,
desenvolvido diariamente nos últimos dez minutos de cada aula de Língua
Portuguesa. Através dele, o aluno tem um rico processo de aprendizagem social, no
que se refere à sua formação no exercício do autoconhecimento, autovaloração
através da produção de um texto íntimo com um tom confessional.
40
A produção do diário também leva a um estreitamento do vínculo entre o
aluno e o professor, já que todos podem revelar alguns segredos e compartilhar
histórias engraçadas, curiosas e até mesmo imaginárias.
De acordo com o Plano Político Pedagógico da escola, temos seis aulas
semanais de Língua Portuguesa, nas quais, de acordo com o currículo, devemos
trabalhar Gramática, Interpretação de Textos, Ortografia, Produção de Textos e
Leitura. Todavia, sem postergar o currículo escolar o projeto foi realizado nos últimos
dez minutos de cada aula que é composta por cinquenta minutos.
Com o projeto Diário, pretendemos que o aluno:
1. Identificasse o diário como gênero da ordem do relatar, pertencente ao
domínio social da memorização e documentação das experiências
humanas, situando-as no tempo;
2. Identificasse as características estruturais e funcionais do gênero diário;
3. Produzisse uma página de diário, levando em conta as características do
gênero e as condições de produção.
4. Compartilhasse sentimentos e reflexões com uma linguagem semiformal,
marcada pela pessoalidade e pela franqueza;
5. Promovesse novas descobertas longe da rotina escolar.
Primeiramente, para que os alunos compreendessem a finalidade da escrita
do diário, principalmente os meninos, foi necessária a leitura do livro “Diário de um
Banana” do autor e ilustrador Jeff Kinney. Seu personagem principal é Greg Heffley,
ele tem 13 anos de idade e escreve tudo o que acontece com ele em um diário de
forma natural e engraçada. Meus alunos, na época, tinham entre 11 e 13 anos e a
leitura do livro foi um ponto a mais.
Foi pedido a eles, então, que comprassem um caderno e o decorassem da
forma que lhes conviesse. Aos poucos os cadernos foram chegando; quando todos
estavam munidos do material, começaram a fazer seus registros.
41
Imagem 1 – Capa do diário (2014)
Fonte: Acervo da pesquisadora
Como as aulas eram no período da manhã, eles relatavam suas experiências
do dia anterior. Para dar início às anotações eles se indagavam como foi o dia, o
que havia acontecido, como agiram perante situações, entre outras coisas. Os dez
minutos eram minutos de reflexão sobre eles, sobre suas atitudes, suas relações
familiares, até sobre seu pertencimento na comunidade e na sociedade.
Assim sendo, com os relatos diários, podemos ressaltar que, de acordo com
Pestalozzi, carecemos de levar os alunos a reconhecerem suas relações, seu meio.
[...] amarra-as no cotidiano das cenas e do ambiente doméstico, e faze com que elas se enraízem totalmente aí, para tornar claro às tuas crianças o que se passa dentro e à volta delas, para que obtenham uma visão reta e moral de suas vidas e de suas relações (PESTALOZZI apud INCONTRI, 2006, p. 150).
Em vários momentos, durante os meses em que escreveram o diário, era
solicitada a eles uma escrita que os levasse a uma descoberta além de sua rotina
como: “Seu eu fosse um botão”, “Um dia especial”, “Minha grande mentira”, “Eu e
meu pet”. São experiências de imaginação em que
[...] somos capazes de nos imaginar nas mais variadas situações e a assumir o mais variados papéis (podemos nos imaginar como personagens históricos ou mesmo fictícios, podemos nos imaginar como animais e objetos inanimados) e a vivenciá-los de forma representada (SMITH apud MÜLLER, 2016, p.55).
42
Os itens 1, 2 e 3 do projeto são objetivos característicos da produção escrita,
no entanto, os itens 4 e 5 são aqueles que especificamente tratam o fenômeno
empatia.
Com referência ao item 1, o relato é um gênero textual que nos leva a deixar
marcas pessoais na sua escrita, portanto a escolha do gênero deu-se de forma a
que o aluno viesse a documentar de forma pessoal (uma forma mais íntima) suas
experiências, sua vivência, situando-as no tempo.
Imagem 2 – Página do diário (2014)
Fonte: Acervo da pesquisadora
Em decorrência do trabalho descrito anteriormente, o aluno conseguirá
identificar as estruturas funcionais do diário, suas características e condições de
produção, nos itens 2 e 3. A leitura do livro “Diário de um Banana” e o conhecimento
de “mão em mão” da obra, também acrescentou neste processo.
No item 4, temos a ação de compartilhar sentimentos e reflexões, na qual o
aluno divide com seu diário o que sente naquela ocasião; que ele, desta maneira,
observe e reflita a respeito de suas ações e emoções.
Boa tarde, hoje na escola a Maria Júlia entregou uma carta para mim que ela havia feito desejando parabéns. Em casa, estou escrevendo meu diário e fazendo a tarefa de Artes, um desenho sobre o Carnaval. Aqui embaixo uma parte da carta da Maria: “Miga, feliz aniversário atrasado. E, se você tá brava comigo, desculpe. Você é uma ‘professora’ sem paciência, mesmo assim, obrigada por sempre me ensinar...” Gosto muitão dela; minha amigona (Dália
7, 26/02/2014).
7 Os nomes dos alunos participantes dos projetos foram preservados. Os nomes reais foram
substituídos por nomes fictícios, nomes de flores.
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Nossa, hoje eu briguei com meu irmão só porque eu não queria ir na padaria para ele; mas, à tarde, ele me pediu desculpas e eu aceitei. É claro! Somos irmãos né? (Frésia, 14/03/2014).
Não caberiam aqui, dentre os mais de sessenta diários que foram escritos,
todos os exemplos com relação ao observar, conhecer e, assim, partilhar o que
sente.
O item 5, no qual pretende-se que o aluno promova novas descobertas longe
da rotina escolar, tem como finalidade o trabalho com a imaginação, com o faz de
conta.
Houve um dia em que os alunos foram levados a se imaginar no lugar do
outro, outro totalmente imaginário; um ser inanimado, um botão de roupa.
Se eu fosse um botão, gostaria de estar numa roupa de um paraquedista, para sentir a adrenalina, voando... vendo uma grande parte do mundo. E, enquanto estiver quase no chão, quero cair em uma praia, ver o pôr do sol e tomar um banho de água salgada (Tulipa, 26/02/2014). Se eu fosse um botão, gostaria de ser aquele que está na roupa da Emília, porque ser usada em uma roupa de boneca, principalmente de uma tão engraçada. Eu acho que se não fosse na roupa da Emília, gostaria de ser de uma jaqueta de lã branca bem peluda; assim, as pessoas usariam a jaqueta quando sentiriam frio e na boneca quando as crianças brincassem iriam ficar felizes e me sentiria muito feliz também (Dália, 26/02/2014). Se eu fosse um botão, seria muito legal. Eu iria pular de alegria, mas eu não sou. Mas, se eu o fosse, seria do Tony Stark, Wolverine, Peter Paker e seria muito legal! Imagine! Mas como eu não sou, não vou imaginar. Queria ser um botão, mas como não sou, tanto faz, nada muda minha vida que é ótima como humano. (Girassol, 27/02/2014).
Outro momento em que podemos destacar foi o dia em que os alunos
relataram “Um dia especial”. Foi pedido que criassem a partir da imaginação esse
dia, seja ele real ou não. A maioria das produções mais parecia contos de fadas,
cheias de sonhos e conquistas principalmente materiais. Porém, uma delas,
chamou-me a atenção pela sua pessoalidade e franqueza:
Um dia especial para mim seria ver meu pai e minha mãe juntos novamente. Nós sairíamos tomar sorvete e ficaríamos como uma família. Meu pai morar com a gente iria ser também um dia especial para mim (Frésia, 28/05/2014).
Durante o projeto Diário observamos que os alunos, na maioria dos dias,
esperavam mais pelos dez minutos do que pelos outros quarenta. A escrita
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espontânea advinda de reflexões, situações de imaginação resultou em uma
calmaria com relação à disciplina dos alunos. Eles, na pré-adolescência, ávidos
pelos bate-papos em sala de aula, encontraram um instrumento diferente para trocar
experiências vividas na escola, na família, na comunidade e na sociedade.
3.2 Projeto Eu
O projeto Eu foi elaborado pensando nos alunos que sentem dificuldades em
compreender seus colegas, seus professores e principalmente a si próprios. Este
projeto aconteceu concomitante ao projeto Diário, uma vez que, foi uma união que
deu judiciosa.
Trata-se de um Projeto de Enriquecimento Curricular, Social e Psicológico
para ser desenvolvido durante um bimestre do ano letivo.
Com esse trabalho, o aluno vivencia um rico processo de aprendizagem
social, especialmente, no que se refere à sua formação no exercício do
autoconhecimento, autovaloração, como também, o processo empático através da
escrita de suas características e de reconhecimento das características de seus
colegas.
Os objetivos desse projeto foram:
1. Apropriar-se de sua identidade;
2. Desenvolver a atenção para suas características físicas e psicológicas;
3. Refletir sobre a consciência moral e a conduta na sociedade;
4. Adquirir novas formas de autoconhecimento.
Uma das particularidades do projeto é o autoconhecimento, isto é, o
conhecimento de si mesmo, das próprias características e sentimentos. Para o
pedagogo Pestalozzi,
O conhecimento de si mesmo é, portanto, o ponto central do qual deve partir o ser da instrução humana completa. [...] é conhecimento de minha natureza física; é conhecimento de minha personalidade, interior, consciência de minha vontade de fomentar em meu próprio bem e ser fiel a meu dever e às minhas ideias. (PESTALOZZI apud SÖETARD, 2010, p.87)
Desta maneira, o autoconhecimento foi uma das palavras-chave do projeto
Eu, pois a partir dele o aluno tem consciência de suas atitudes e conhecimento de
45
suas características de personalidade que levaram a promover a formação do seu
eu.
O desenvolvimento do projeto aconteceu em etapas. Primeiramente os alunos
necessitaram identificar-se, ou seja, apresentar-se: nome completo, pais/
responsáveis, idade, interesses, etnia, altura, nome da escola.
Após sua identificação, os alunos reconheceram em si próprios, e
escreveram, suas características, sendo vinte favoráveis, denominadas como
qualidades, e quinze desfavoráveis, como defeitos. A maioria dos alunos selecionou
as suas características a partir da opinião de seus colegas. Em seguida, escolheram
algumas das características (favoráveis ou não) para representá-las em fotos que
foram tiradas fora da escola.
Imagem 3 – Página do Projeto Eu (2014)
Fonte: Acervo da pesquisadora
A ação de aprovação dos amigos mais próximos, em vários momentos, foi
necessária.
Aprovar as opiniões de outro homem é adotar essas opiniões, e adotá-las é aprová-las. [...] Portanto, todos admitem que aprovar ou desaprovar sua concordância ou discordância com nossas próprias. Contudo, o mesmo caso ocorre com a relação a nossa aprovação ou desaprovação dos sentimentos ou paixões dos outros (SMITH, 1999, p. 16).
Muitos não sabiam como “ver-se” e, em forma de recorrer àquela pessoa mais
próxima que está consigo todos os dias, conseguiu encontrar suas qualidades e
seus defeitos. O que podemos destacar neste momento é que a ação de adotar
as opiniões não foi para colher os defeitos, como comumente pensamos serem os
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mais fáceis de identificar. Os alunos buscaram suas qualidades, e a cada adjetivo
ouvido pelo seu amigo um abraço, um grito ou “Você acha que eu sou amoroso,
professora?”, surgia ora em forma de confirmação ora em forma de descobrimento.
Os alunos trouxeram, em outra etapa do projeto, os seus prediletos, ou seja, o
que mais eles apreciavam e, também, coisas ou situações aquilo que eles “não
chegariam perto”. Houve o registro escrito e fotográfico.
Para findar o projeto, o aluno escreveu sobre seu “eu”, sobre tudo o que ele é
e o que ele gostaria de ser. Neste, o aluno representou através de um desenho. Ao
socializarem os desenhos com os colegas era comum ouvir: “Nossa! Você é melhor
assim agora”, “Não gostei desse cabelo que você deseja ter, o seu é tão bonito”,
“Mano, ficou estranho isso que você fez em você, na real você é mais da hora” entre
outros comentários na desaprovação do desejo de mudança ou de ser outro. Os
comentários foram alentos para o ego e autoestima, que, na maioria das vezes é
vazio e duvidoso em relação à aparência, estilos etc.
Imagem 4 – Meu eu físico (2014) Imagem 5 – Meu eu físico (2014)
Fonte: Acervo da pesquisadora Fonte: Acervo da pesquisadora
No projeto Eu, além das descrições, os alunos escreveram agradecimento,
dedicatória, introdução e considerações finais.
Nos itens 1 e 2 do projeto, quando abordamos em apropriar-se de sua
identidade e desenvolver a atenção para suas características físicas e psicológicas,
temos a finalidade de auxiliar, nas ações acima, os pré-adolescentes e adolescentes
que estão em conflito com si próprios. Reforçando que os alunos que participaram
deste projeto tinham entre 11 e 13 anos.
47
Conforme as contribuições de Wallon para a compreensão do
desenvolvimento psicológico do indivíduo, entendemos o estágio da puberdade.
Quando a amizade e as rivalidades cessam de se fundar na comunidade ou no antagonismo das tarefas empreendidas ou por empreender, quando tentam justificar-se por afinidades ou repulsão morais, quando parecem interessar mais a intimidade do ser do que colaborações ou conflitos efetivos, esse é o anúncio de que a infância já foi minada pela puberdade. [...] Um mesmo sentimento de desacordo e de inquietude surge nos domínios da ação, da pessoa e do conhecimento, em cada um são mistérios a desvendar e é uma mesma necessidade de posse de certa forma essencial que a posse atual não satisfaz e que busca para si perspectivas indefinidas (WALLON apud GRATIOT -ALFANDÉRY, 2010, p. 101 e 102).
O item 3, refletir sobre a consciência moral e a conduta na sociedade,
podemos encontrar na maioria dos trabalhos. Aqui selecionamos dois:
Simpática: Sou simpática e converso “de boa” com os outros, sem ser agressiva se a pessoa não me entender (Margarida, “Minhas qualidades”). Brava: Quando erro algo importante fico brava e começo a xingar (Margarida, “Meus defeitos”). Não chego perto de pessoas egoístas porque não quero me tornar egoísta (Margarida, “Não chego perto”). Humilde: Sou humilde pelas minhas atitudes, por eu ser aquela menina que tem a chance de ter o que quer, mas não se acha, sempre na humildade. Não ser perfeita: Só quero ser feliz e aproveitar a cada segundo (Tulipa, “Minhas Qualidades”). Dificuldade de aceitar a realidade: Dificuldade em aceitar certas coisas que acontecem hoje em dia (Tulipa, “Meus defeitos”). Não chego perto de brigas, pois para mim tudo se resolve numa boa conversa; nada de brigas e muita paciência (Tulipa, “Não chego perto”).
Houve uma troca de eletivas experiências com os alunos, nas quais se
estabeleceu um diálogo empático entre eles, como um eixo facilitador na observação
de suas características físicas e psicológicas.
Podemos localizar, já nas dedicatórias e introduções dos trabalhos o
resultado do projeto Eu, nas quais o aluno é capaz de desenvolver novas formas de
autoconhecimento, como descreve o item 4 desse projeto,
Dedico este trabalho a minha professora, sem ela o trabalho nem existiria. Gostei muito, aprendi bastante [...] este trabalho é super bacana, bem criativo (Tulipa). Tem alguns amigos que quero agradecer. Uma que me ajudou foi a Dália, ela me guiou no meu trabalho. Quero agradecê-la muito (Margarida).
48
Como também nas considerações finais,
Concluo este trabalho dizendo que foi legal; que aprendi muitas coisas sobre mim; que refleti; achei divertido e também que gostei de contar sobre mim (Margarida). Terminei este trabalho feliz, através dele me reconheci melhor. Daqui anos vou rever tudo, ver se eu mudei, as diferenças que ocorreram com o passar do tempo (Tulipa).
As experiências vividas com seus familiares, amigos e colegas, com todos
que o cercam ocasionaram situações de autoconhecimento, reflexão sobre suas
atitudes e sobre o seu “eu”.
3.3 Projeto Memórias
O projeto Memórias ocorreu no ano de 2015, seguinte aos projetos Diário e
Eu com as mesmas turmas, no oitavo ano do Ensino Fundamental II.
A elaboração deu-se a partir do projeto Eu, pois nele reconhecemos a
necessidade do aluno conhecer-se e compreender-se. A ação de conhecer-se na
atualidade requereu sua história para melhor compreensão.
Houve uma preocupação na elaboração do projeto com relação aos alunos
tornar pública a sua história. Desta forma, o projeto foi apresentado previamente aos
responsáveis pelos alunos e aceito por todos.
Os objetivos do projeto foram:
1. Planejar, produzir textos a partir de informações coletadas, reescrever,
revisar e publicar suas memórias;
2. Investigar fatos/situações que contribuíram para a sua formação como
indivíduo através de depoimentos de familiares;
3. Vislumbrar as mudanças que ocorreram no lugar onde vivem e até
mesmo na cabeça das pessoas mais velhas e por outro lado, envolveria a
comunidade nesse mesmo processo;
4. Fortalecer o vínculo entre eles e os pais ou responsáveis;
5. Ter a capacidade de ouvir;
6. Analisar fotografias pessoais comparando o ontem e o hoje.
49
Os alunos foram orientados, em sua pesquisa com seus familiares, sobre a
sua história, nas seguintes etapas:
A. Desde sua concepção até os 04 anos;
B. Dos 05 anos aos 08 anos;
C. Dos 08 anos até hoje;
D. Os planos para o futuro;
E. Memórias fotográficas
F. Depoimentos de familiares e amigos.
Em cada uma das etapas, em especial A, B e C, o aluno buscou “os porquês”,
os momentos engraçados, os momentos tristes e as pessoas que ali estavam
presentes.
A etapa A foi aquela que as descobertas emergiram com relação ao
nascimento deles.
Segundo minha mãe, eu nasci no dia cinco de agosto com quarenta e sete centímetros e 3,180 kg. Nasci às seis horas de parto normal. Eu não fui planejado, mas falaram que eu vim com muito amor (Cravo). Conforme minha mãe disse, a minha gestação foi ótima, ela não teve enjoos, nada de ruim. [...] Quando meus pais ficaram sabendo que era menina, ficaram muito felizes. Então, começou a disputa dos nomes, meu pai queria Letícia e minha mãe queria Ana Júlia (Palma). Segundo minha mãe, a minha gravidez não foi planejada. Foi realmente uma surpresa. No primeiro momento, disse ela, que ficou nervosa porque tinha o meu irmão que era muito pequeno (Iris).
Semanalmente, em uma aula agendada, eles traziam as falas dos pais ou
responsáveis sobre a sua história. Eram aulas em que todos participavam, até
mesmo aqueles mais tímidos, pois compartilhavam com seus colegas as situações
vividas por eles em cada etapa. Havia ali a discussão e socialização dos resultados
obtidos durante as entrevistas com os familiares.
Após a socialização, eles passavam no papel, reorganizando o texto sem
perder a sua essência. O mesmo aconteceu em todas as etapas do projeto.
Nas etapas B e C, os alunos sentiram mais segurança na escrita, pois a
maioria das lembranças era a eles pertencente. No entanto, mesmo trazendo
lembranças particulares, era necessária a conversa com os pais ou responsáveis,
para o conhecimento de situações com caráter inédito.
50
Quando fiz cinco aninhos era muito esperta, queria muito ir à escola.[...] Ficava muito ansiosa com as minhas coisas de escola e não gostava de faltar. [...] Quando fiz sete aninhos já era independente com as minhas obrigações da escola; guardava meus brinquedos todos no lugar quando acabava de brincar. Andava de bicicleta sem rodinhas, eu era muito inteligente (Gérbera).
Gostaríamos de chamar a atenção ao título da etapa B do projeto Eu da aluna
Rosa: Azarada vida de Rosa. O corpo do texto confere ao título.
Segundo minha mãe, quando eu tinha quatro anos ela se separou de meu pai, na parte familiar não foi fácil, pois minha mãe entrou em depressão e só chorava. Na escolhinha eu tinha uma amiguinha que se chamava Mariana, mas ela não era uma boa amiga, ela mordia minha mão todos os dias. [...] Com seis anos vim morar na cidade de Laranjal, na casa que estou até hoje. Afastei-me um pouco do meu pai, pois ele ficou na cidade de Cerquilho. [...] Já no meu primeiro dia de aula na escola Mônica, em Laranjal, me empurraram, eu caí e quebrei um dos dentes da frente.
Notamos que a aluna relatou somente momentos doloridos da então fase de
sua vida. Em conversa, ela relatou que foi uma época em que nada parecia dar certo
porque, sua mãe estava triste, depressiva. Entendemos, então, que o sentimento da
mãe projetou-se ao da filha, e ela, não encontrou motivos para escrever ou buscar
lembranças boas daquele período.
Na etapa C, a aluna Frésia relata implicitamente o comportamento empático
dos professores com relação à passagem de um momento difícil:
Quando eu estava com meus dozes anos, minha mãe descobriu que estava com câncer. Foi muito difícil para mim e para meu irmão, mas graças a Deus, está tudo bem. Minhas professoras me ajudaram bastante nesse tempo, sempre me colocando para cima, não me dando uma mão e sim duas.
Nessa etapa do projeto observamos uma familiaridade dos alunos com a sua
própria história. Eles escreveram notoriamente sobre suas paqueras, grupos,
confidentes.
Uma menina mudou na rua de casa, eu prefiro não falar o nome dela, mas a primeira letra é “M” e hoje eu gosto muito desta menina (Cravo). Em 2015, fiz 13 anos, minha prima nasceu! Estou no oitavo ano D, amo minha família (todos eles), amo minhas amigas. Vou levar tudo isso que eu contei para sempre em meu coração (Iris).
51
Aos 12 anos eu senti mais coragem de contar as coisas para minha mãe, depois que eu me soltei com ela, ela confia muito mais em mim. Em 2013 eu tive muitos paqueras, eu sempre fui de abraçar todo mundo, ainda mais os meninos. Daí então todos já falavam que eu estava namorando ou gostando do menino que eu abraçava (Tulipa).
Não só de lembranças o projeto foi organizado, mas também houve outra
etapa, a D, em que os alunos escreveram sobre seus desejos futuros relacionados à
família, aos amigos, ao pertencimento comunitário e social e a si próprios.
Eu penso muito no que quero exercer profissionalmente. Eu tenho dois planos em mente: ser advogada, pois sou boa em argumentos ou ser arquiteta, pois desenho muito bem. [...] No futuro quero ser uma pessoa melhor, uma pessoa que as outras olhem e não me vejam como uma ameaça, quero servir de exemplo para algo (Rosa). Eu pretendo ajudar o asilo, porque eu tenho pena dos idosos que estão lá e seus familiares nem vão lá visitar ou ligar para eles [...]. Só a Deus pertence o resto, só sei que quero ser feliz (Gérbera). Ainda uma dúvida existe em relação a profissão, pois sempre quis ser médica, porém tenho muita vontade de ser pedagoga. [...] Sobre a sociedade, ainda não pretendo fazer nada, pelo menos agora não (Frésia). [...] quero terminar meus estudos, fazer uma faculdade boa, pensar em casar, ter filhos, formar uma família boa. Desejo para a minha família uma vida melhor para eles, que eles consigam aposentar no tempo certo, que eles tenham saúde. Por eles eu ajudaria no que for preciso, pois eles cuidaram de mim até hoje e eu vou cuidar deles quando precisarem de mim (Palma).
A relação com o planejamento futuro não foi fácil assim para eles, logo
podemos verificar que ainda carregam os sonhos de infância no que se refere à
profissão. Na primeira citação, da aluna Rosa, encontramos uma adolescente que se
descobriu e que quer ser exemplo para os demais. Já na última citação, da aluna
Palma, encontramos um comportamento afetivo – empatia e alteridade - quando ela
reconhece ser bem cuidada e que fará o mesmo futuramente aos pais.
No final do projeto, etapa E, no momento da escolha das fotos que fariam
parte da etapa “Memórias fotográficas”, foi uma das datas mais esperadas por eles,
na qual todos trouxeram seus álbuns de fotos desde bebês para, em círculo,
socializar com seus colegas na sala de aula.
Outro momento que faz hoje parte da memória deles são os depoimentos,
etapa F e última. Escolheram pessoas especiais da família, da comunidade ou até
mesmo da escola para que escrevessem sobre eles em forma de depoimentos.
52
A Iris é a minha netinha caçula das meninas, amo muito ela porque para mim ela é muito especial, educada, carinhosa, estudiosa e amorosa. Ela tem tudo que existe de bom. Eu moro em Itapeva e ela gosta muito de vir aqui na casa da vovó. Ela gosta do pão que eu faço e também do frango com batata (Iris, depoimento de sua avó). Desde pequena sempre muito próxima de mim, me abraçando, me beijando... quase que me sufoca! Filha, é por você que muitas vezes pedi para Deus me deixar um pouco mais, para te abraçar, te aconselhar quando você precisar de um abraço de mãe, colo de mãe, ouvido de mãe... (Frésia, depoimento de sua mãe).
O projeto aproximou inclusive aqueles que são ausentes na vida do aluno.
Com o trabalho o aluno veio a conhecer outros modos de viver, outras formas de se
comportar. As histórias passadas uniram mais os alunos, quando as compartilharam
e, assim, possibilitaram que cada um se sentisse parte de uma mesma comunidade.
Antes de começar, eu já vou avisando que eu não sei o que dizer, mas vamos lá. Eu não sou muito próximo dela e nem melhor amigo, mas o pouco que a conheço eu sei que é uma pessoa bem legal. (Rosa, depoimento do colega de sala Girassol) Ana, não te conheço muito, mas te acho legal e muito amiga. Lembra no sétimo ano que falaram que a gente ia se casar? (Gérbera, depoimento do colega de sala Gerânio)
Para que pudéssemos alcançar o objetivo 1 desse projeto: Planejar, produzir
textos a partir de informações coletadas, reescrever, revisar e publicar suas
memórias, primeiramente foi trabalho o gênero memórias com os alunos. Temos o
conhecimento de que memórias são textos produzidos para rememorar o passado e,
para tanto, os alunos tomaram ciência principalmente dos critérios estéticos que
envolvem esse tipo de narrativa.
O objetivo 2: Investigar fatos/situações que contribuíram para a sua formação
como indivíduo através de depoimentos de familiares, foi alcançado em sua
totalidade ao final do projeto, quando o aluno notou que, todo percurso do trabalho,
levava principalmente a sua formação como indivíduo.
Concluo este projeto extremamente feliz porque para mim não tem coisa melhor do que relembrar de grandes momentos que vivi nestes anos. Principalmente nas fotos, percebi que nada é como queremos ou que não é tudo que permanece. Como diz aquela frase: “Nada é para sempre”. As pessoas mudam, o tempo muda, perdemos ou nos distanciamos de amigos e familiares que mais amamos que se tornam especiais pelo jeitinho de ser e se tornam importantes só pelo fato de existirem!
53
Aprendi que devemos dar valor enquanto temos, porque não vai ser a saudade que vai trazer de volta. Valorizar quem está ao seu lado. Eu sou muito grata por ter meus pais comigo, pois sem eles a vida ficaria sem sentido (Considerações finais da aluna Tulipa).
O projeto me proporcionou ver como evolui, como emagreci, parei de sorrir e como cresci, não só de tamanho, mas sim de “cabeça” (Considerações finais da aluna Rosa).
Encontramos, nas considerações finais de forma implícita, enunciados que
demonstram o reconhecimento da aprendizagem e as situações que colaboraram
para sua formação.
O objetivo 3: Vislumbrar as mudanças que ocorreram no lugar onde vivem e
até mesmo na cabeça das pessoas mais velhas e por outro lado, envolver a
comunidade nesse mesmo processo, trouxe relatos de nostalgia. Os alunos
puderam conhecer mais sua história através de provocações que fizeram sobre suas
ações quando pequenos em lugares onde viveram como também, com pessoas que
conviveram.
No 1º ano (ensino fundamental) confesso que eu era muito briguenta, a “tia” tinha que dar a atenção toda para mim, porque eu era muito ciumenta. Eu lembro-me que de tanto ciúmes eu peguei um lápis, apontei ele e deixei bem afiado e finquei no braço da coleguinha. Os tempos foram passando e eu fui me acostumando a não ter a professora só para mim (Palma). Segundo minhas lembranças, dos meus oito anos até agora (14), muita coisa mudou, muitas coisas aconteceram. Uma delas foi mudar para Laranjal Paulista porque meu pai comprou um Pesqueiro. Foi difícil me convencer a deixar Jumirim; sempre bate aquela saudade (Tulipa).
Percebemos que os alunos ao conjecturar as mudanças do lugar onde vivem
ou viveram, trouxeram relações de empatia e alteridade com aqueles que se
relacionavam.
3.4 As vozes
Ouvir as vozes dos alunos é um meio valoroso para que o professor dê
continuidade em seu trabalho. Para Freire (1980, p.83), o diálogo é “uma
necessidade existencial”, portanto é a partir da relação dialógica que trouxemos,
neste tópico, as vozes de alguns alunos que, desde o ano de 2013, participaram dos
projetos anteriormente descritos: Diário, Eu e Memórias.
54
Esses alunos, que estão com a idade entre 14 e 15 anos, trazem declarações
sobre a relação do professor com seus alunos e, também, as contribuições em sua
vida familiar, escolar e social.
Para que estes depoimentos acontecessem, primeiramente a pesquisa8 foi
apresentada para a Secretaria Municipal de Educação de Laranjal Paulista. Após o
deferimento, os alunos levaram para seus responsáveis um documento de
autorização9 de uso de voz e imagem. Posteriormente os responsáveis autorizarem,
eles receberam as seguintes questões, como orientação no depoimento:
1. Como deve ser a relação professor e aluno?
2. Sobre os projetos: Diário, Eu e Memórias:
a) Quais foram as descobertas?
b) O que acrescentou sem sua vida familiar, escolar e social?
A escolha das falas serem gravadas a partir de vídeos, em forma de
depoimento, partiu dos próprios alunos. Foram eles que pediram para relatar “como
se estivessem em um programa de televisão falando sobre um assunto em pauta”10.
As gravações ocorreram individualmente no período de aula. Os dias que
anteciparam às gravações foram cheios de ansiedade; os alunos ficaram afoitos.
Nas diversas vozes encontramos a concepção de relação afetuosa e dialógica
entre professor e seu aluno, nas quais há, além da experiência da empática, há a
alteridade.
Eu acredito que o professor e aluno têm que ter uma boa relação; porque se você não gosta de um professor, você acaba deixando de prestar mais atenção na matéria dele. Acho que tem que ter uma cumplicidade entre o aluno e o professor para que ele possa entender o ponto de vista do aluno, porque às vezes muitos têm dificuldade como na família e isso acaba interferindo na escola. Se o professor consegue parar e conversar com o seu aluno e saber o que está acontecendo, acho que pode sim ajudar ele. Então, se o professor chega e é aquele que manda e só ensina e não conversa, acaba dificultando a aprendizagem (Jasmim). Acho que a relação do professor e aluno deve ser bem compreensiva porque não adianta só o professor lotar a lousa de matéria, encher o caderno e não dialogar com os alunos, pois temos as nossas dificuldades, então ele tem que ajudar o aluno e também o aluno deve compreender o professo (Tulipa). Eu acredito que a relação do professor com seu aluno é essencial para o seu desenvolvimento. É bom que o professor compreenda o aluno e o aluno
8 Ver anexo 1.
9 Ver anexo 2 e 2.1
10 Fala do aluno Girassol, em sala de aula, quando referi a uma possível entrevista com eles.
55
compreenda o professor para ter um bom andamento da turma. Em nossa escola tem bastante disso e a gente aprende bastante, ou seja, os professores ajudam em nossa formação (Girassol).
Todos os alunos que discorreram sobre a relação do professor com seu
aluno, destacaram a importância da compreensão e principalmente de serem vistos
como amigos e ter alguém que possam confiar.
Como por exemplo, a professora Filó, hoje fez uma roda para a gente aprender, para discutirmos sobre o assunto. Eu acho que isso ajuda. Não é só o passar a matéria na lousa, mas o professor conversar, ele ser amigo do aluno, em que o aluno possa conhecer mais a matéria de uma maneira divertida, não aquela coisa que você só tem que aprender porque é necessário, mas porque você quer aprender aquilo. [...] Então eu acho que é necessário que o professor esteja sempre com o aluno que ele seja mesmo amigo porque ajuda em vários aspectos, para que o aluno tome confiança no professor, que ele veja naquela pessoa que ele pode confiar, contar, um exemplo que o aluno tome para ele (Jasmim). É bom ter essa proximidade com o professor, porque às vezes o aluno não sente confortável em falar certas coisas para a família, talvez com o professor ele consiga (Antúrio).
A relação de confiança leva o aluno a comparar ou inserir o professor como
um membro da sua família, assinalando-o como alguém que está presente em seus
dias.
O professor tem que compreender o seu aluno porque às vezes ele está passando dificuldades na casa dele, e ele vem de cabeça quente para a escola e então não presta atenção na aula e assim fica desanimado num canto. Nisso o professor chega e conversa; isso ajuda. [...] A gente (alunos) considera o professor como um membro da família (Lírio). A relação entre professor e aluno deve ser bastante saudável, pois desde que eu entrei na escola, desde o meu "prézinho" vivíamos falando "tia" como uma relação familiar, quase como mãe e filha. Eu acho que isso foi e é muito bom, pois passamos um tempo maior na escola e aprendemos, na verdade, tudo na escola. Então, o professor tem que ter uma relação não só com a disciplina, mas sim uma relação familiar, porque ele não só vai estar no aprendizado para passar nas provas e, sim, em tudo o que o aluno sente, o que o aluno passa na sua casa, na rua. O professor está no aluno todos os dias, pois passamos a semana toda na escola em contato com o professor (Íris).
Quando a aluna Íris diz que “o professor está no aluno todos os dias”, a
relação de pertencimento, de estar no e para o outro é visível, isto é a alteridade é
presente. A aluna corrobora com a citação de Korczak (1983, p. 96), já citado no
segundo capítulo desta dissertação: “O que é uma criança quando a observamos na
56
sua estrutura espiritual que é diferente da nossa? Quais são seus traços principais,
suas necessidades, suas possibilidades escondidas?”.
Retomando a Rogers (apud ZIMRING, 2010), o professor tem a capacidade
de compreender as reações do estudante, e a partir desta compreensão ele torna-se
o facilitador da aprendizagem.
O professor tem que ser amigo da turma, porque se ele for amigo, se ele se enturmar talvez a nota do aluno melhore por esses alunos que terem essa proximidade com o professor. Se o professor for muito frio, não será a mesma coisa (Antúrio).
Com relação aos projetos Diário, Eu e Memórias, as declarações só vêm a
confirmar o autoconhecimento, a aproximação familiar e o pertencimento
sociocomunitário.
Alguns alunos não conheciam sua história ou não tinham uma relação de
diálogo com os familiares ou com aqueles que fazem parte de sua comunidade. Em
diversas vozes notamos a satisfação dos alunos em poder, a partir dos projetos,
relacionar-se melhor com os outros, de conhecer a sua história.
Os trabalhos que a professora Kátia passou, me aproximou muito da minha família porque eu sou uma pessoa muito tímida e reservada em certos aspectos. Eu me aproximei da minha mãe, do meu pai, dos meus avós perguntando sobre a minha infância, sobre o que eu fiz, o que eu deixei de fazer. Então, foi uma ajuda (Jasmim). Com os projetos eu descobri coisas que eu nem sabia e o mais legal de tudo foi que pessoas que não tinham tempo para mim escreveram depoimentos, como o meu pai. Ele dormia sem me dar uma boa noite e ele com o projeto Memórias, antes de dormir, ele escreveu um depoimento para mim; uma coisa bem difícil de acontecer. Os projetos acrescentaram muito. Eu amei fazer os trabalhos (Tulipa). Os projetos nos aproximaram muito dos nossos pais e da nossa família, nos ajudou muito na descoberta de coisas novas, coisas que a gente não sabia sobre a gente (Girassol). Se não tivesse o Projeto Eu e Memórias talvez eu nunca soubesse certas coisas sobre mim, e, isso, foi muito bom para eu descobrir coisas do meu passado. [...] Depois desses projetos eu tive uma boa comunicação com a minha mãe, porque antes eu não falava sobre certas coisas com ela; a partir daí começamos a compartilhar mais um com o outro (Antúrio). Meu irmão nunca escreveu sequer uma cartinha para mim, nunca falou daquele jeito comigo como escreveu no depoimento do Projeto Memórias. Isso foi muito fofo da parte dele. No projeto Diário escrever o meu dia a dia, foi uma experiência nova que não é em qualquer escola que a gente poderia aprender a escrever nosso Diário. Quero dizer que escrever o seu dia a dia não faz parte da disciplina. Foi muito bom (Íris).
57
Podemos citar Alves (apud Gadotti, 2006, p.256) para finalizar este capítulo:
“é preciso reaprender a linguagem do amor, das coisas belas e das coisas boas,
para que o corpo se levante e se disponha a lutar”.
Os alunos nos demonstraram neste tópico que ensinar é muito mais que
passar o conteúdo curricular na lousa, ensinar é reaprender a linguagem do amor
com aqueles que convivemos.
58
A ESCOLA E VÁRIAS VOZES - CONSIDERAÇÕES SOBRE A DIVERSIDADE
Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor, assim, não morre jamais...
(Rubem Alves)
Inicialmente podemos dizer que há mais de seis séculos encontramos
estudiosos como Comênio, Pestalozzi, Korczak, Freire entre outros destacando a
importância da relação do professor com seu aluno; relação esta marcada pelo
diálogo e compreensão. Ainda não vemos de forma satisfatória o comportamento
empático nas escolas como “plano de ação” quando se deparam com reprovações
de ano/ série, dificultadores de aprendizagem, entre outros.
Mesmo depois de tantos estudos no campo da pedagogia, ainda nos
deparamos com um abismo entre o que chamamos de Educação Sociocomunitária
no Mestrado em Educação e o que vemos na realidade. Abismo criado pelos
próprios segmentos da escola, segmentos que deveriam, na verdade, respeitar o
aluno, sua história, seu contexto familiar e comunitário, como ainda seus direitos
como cidadão.
Mesmo Korczak (1983) apresentando em seus estudos a relação empática
como um dos processos que o professor pode utilizar como facilitador, há aqueles
que resistem ao lidar com situações que ultrapassem o “passar o conteúdo
programático”. A empatia está para conectar-se com aquilo que lhe é externo, para
participar de uma comunidade, de um grupo, em constante mudança e, assim, ouvir
e ser ouvido quando se faz necessário. Devemos partir do pressuposto de que
educar é formação humana (ANTONIO; TAVARES, 2013), assimilando que não é
possível formar humanamente sem desenvolver as emoções e a imaginação.
Não devemos ignorar os sentimentos dos alunos, devemos como professores
colocar-se no lugar deles no momento do diálogo para, desta maneira, auxiliar na
busca de soluções dos problemas inerentes à escola. Trazemos Freire (1996, p. 47),
já citado nesta dissertação, que consolida o que fora discutido,
[ …] saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção. Quando entro em uma sala de aula devo estar sendo um ser aberto às indagações,
59
à curiosidade, às perguntas dos alunos, às suas inibições: um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que tenho – a de ensinar, não de transferir conhecimento.
Sabemos que a cultura familiar pode favorecer a empatia ou não. O aluno
pode ter empatia ou desprezo por alguém diferente, dependendo dos valores
aprendidos em casa. Neste caso, o professor é uma condição de voz sociedade
para que o aluno reconheça em si próprio àquilo que está vendo no outro
(GROPPO, 2013). A partir deste momento, haverá descobertas, autoconfiança, bom
convívio com amigos e familiares e, principalmente, com o professor.
Após a realização dos projetos aqui apresentados e após ouvir as vozes dos
alunos podemos apontar contribuições no campo profissional e pessoal.
A contribuição desta dissertação para o campo profissional é tida pela
satisfação de “dever cumprido”, um subsídio para a própria escola aqui apresentada
no capítulo três, no sentido de melhorar as relações entre professores e alunos,
como também entre os próprios alunos.
Compreendemos que, a partir deste estudo, o professor tem a missão de pôr
o seu aluno em contato com a realidade que transcende, com a possibilidade de lhe
proporcionar a vivência das diferenças e das descobertas. Temos a partir daí um
professor que possibilita, desde que tenha empatia e alteridade, que o aluno
desvende todos os recursos que tem, talvez nunca usados ou descobertos até
então, para encarar e lidar com a sua realidade.
No campo pessoal, encontramos relações diretas com a Educação
Sociocomunitária quando os alunos têm garantida a oportunidade de liberar suas
vozes, de ouvir e serem ouvidos. Isto diz respeito às premissas sociocomunitárias da
autonomina, do pertencimento, do empoderamento, do autoconhecimento e do
respeito. Vimos como uma necessidade do aluno descobrir no professor, na sua
família, nos seus amigos e em sua comunidade a alegria, o afeto, a amizade, o
cuidado, a troca; todos próprios de uma relação empática.
Segundo Pestalozzi (apud Incontri, 2006), o comportamento de estar no lugar
do outro no espaço pedagógico, é levar o aluno a conquistar o conhecimento através
da percepção, da compreensão e da linguagem. Nesta conquista podemos nos
deparar com a alteridade, pois muitas vezes os envolvidos na relação professor e
aluno, aluno e comunidade, acabam não somente em uma participação afetiva de
60
estar no lugar do outro, mas também de constituir-se como o outro a partir de
comportamentos e experiências.
61
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ZIMRING, F. Carl Rogers, Tradução de Marco Antônio Lorieri, Recife: Massangana, 2010.
64
Anexo B – Autorização para pesquisa e uso de voz e imagem
Autorização para pesquisa e uso de voz e imagem
Eu, KATIA REGINA ZANARDO, RG 34593772-7, sou aluna regular do Curso de
Pós-Graduação (Mestrado em Educação) do Centro Universitário Salesiano de São
Paulo (UNISAL), unidade Americana e orientanda do Prof. Dr. Severino Antonio
Moreira Barbosa, docente deste curso e desta instituição.
Como parte de material necessário para obtenção do grau de Mestre em Educação
necessito desenvolver uma pesquisa e venho solicitar a autorização para realizar o
trabalho de campo, durante o ano de 2016 e para tanto necessitarei realizar
observações participantes com______________________
___________________________________________________________, coletar
depoimentos orais e imagens para fins estritamente acadêmicos.
Comprometo-me a, ao final do desenvolvimento do trabalho de pesquisa, fazer o
retorno dos resultados para todos os envolvidos diretamente no processo da
investigação.
Americana, 30 de agosto de 2016.
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Autorização para pesquisa e uso de voz e imagem
Eu,_______________________________________,Rg __________________,
responsável por _______________________________________autorizo o trabalho
de campo de pesquisa e a coleta de depoimento oral e imagem para fins
estritamente acadêmicos da aluna Kátia Regina Zanardo.
Data____/______/2016
Assinatura______________________________________
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