A EDUCAÇÃO DA SUPERALMA SETE Um livro de Jane Roberts
baseado nos ensinamentos de Seth
„A Educação da Superalma Sete‟ é o primeiro livro da trilogia „The Oversoul Seven‟ [A
Superalma Sete], um romance escrito por Jane Roberts. A trilogia é composta dos livros
„The Education of Oversoul Seven‟ [A Educação da Superalma Sete], de 1973; „The
Further Education of Oversoul Seven‟ [A continuação da Educação da Superalma Sete], de
1979; e „Oversoul Seven and the Museum of Time‟ [A Superalma Sete e o Museu do
Tempo], de 1984.
Esta trilogia é um trabalho de ficção baseado no material de Seth. As sessões de Seth são
uma serie de comunicações ditadas a Jane Roberts, sob transe, de 1963 a 1984, que
provêem uma explicação de Seth (um ser multidimensional com quem Jane conversava
enquanto em transe) sobre o que seria ser humano. Por exemplo, “a personalidade pode
habitar, e habita, muitos mundos de uma vez” (Seth, Sessão 180). A Trilogia “A Superalma
Sete” é a culminação dos ensinamentos de Seth, destilada no formato de romance, para
explorar as idéias de Seth sobre a natureza da consciência e a criação da realidade.
No final do livro dois, a consciência, que é Lydia, passa pelo processo do renascimento
para se tornar a consciência de Piu-piu. A despeito de estar fascinada por se tornar Piu-
piu, Lydia implora à sua “Superalma” (chamada Sete) por um ensinamento do qual Piu-
piu se lembre e seja capaz de elaborar e usar no “mundo real”. Lydia não deseja começar
do zero e passar pelo que ela já experimentou. Desta vez, ela gostaria de algumas
orientações. O resultado é o conto para Piu-piu encontrada nas paginas 190 a 192. Neste
“conto” são encontrados os conceitos e propósitos por trás dos romances.
(Resumo informativo encontrado no Wikipédia)
Capítulo Um:
O exame da Superalma Sete e o sonho de Josef
Capítulo Um O exame da Superalma Sete e o sonho de Josef
A Superalma Sete fez uma careta para Cyprus e começou o exame. “Vamos ver”, ele disse. “Em
termos terrenos, usando uma analogia, sou um homem na quarta-feira e na sexta-feira, uma mulher
no domingo e na sexta-feira, e tenho o resto do tempo para estudo independente.
“Na verdade, por causa dos conceitos do tempo deles isso é algo mais complicado”, ele disse.
“Cada vida é vivida numa área, hã, diferente do tempo para o qual várias designações são dadas”.
Cyprus sorriu e Sete continuou. “Como Lydia, eu estou no século vinte; como Josef, estou no século
dezessete; como Ma-ah, estou em 35000 A.C.,;e como Proteus, estou no século vinte e tres A.D.
Então há um cenário além no espaço, hã, localizações diferentes chamadas países. Então há as
épocas das personalidades.
“Sou parcial para Josef e Lydia, embora eu suponha que não devesse ser. Contudo, eles mostram
tanta vitalidade e parecem desfrutar de si mesmos. Ma-ah chora muito, e Proteus está sempre se
lembrando dos velhos bons dias”.
Cyprus ficou em silencio. Nesse momento ela disse “Você está divagando e não está organizando
muito bem seus pensamentos. Finja que eu não sei nada sobre tudo isso e que você está tentando
explicar isso. Você simplesmente me disse que tinha personalidades em todos estes tempos, por
exemplo. Assim, por que Proteus deveria ficar lembrando dos bons dias passados?”
“Oh, entendo. Desculpe”, a Superalma Sete disse. “Proteus não sabe isso. Ele não tem nada por
garantido. Ele nem mesmo me tem por garantido, ou a ele mesmo, a propósito. Ou seja, ele não
percebe que ele é uma alma, muito menos que nós somos um. Certamente ele não sabe que outras
porções de nós vivem em outros tempos. Eu fico isolado por ele de vez em quando, mas é isso. Na
verdade, às vezes, penso que nós, Superalmas, não somos apreciadas completamente. Trabalhamos
e lutamos”.
Sete foi subitamente atingido por tal senso de desolação que desmaterializou seu lápis alucinatório.
Ele o trouxe de volta tão rapidamente quanto pode, mas Cyprus balançou a cabeça por causa do
lapso e disse bruscamente “Agora, nada disso. Deixar cair sua alucinação lhe faz perder cinco
pontos, você sabe. Suponha que você fosse, digamos, Lydia na Terra e que ela fizesse algo parecido.
A matéria física não seria uma estrutura confiável. Um deslize, é tudo o que é preciso! Como você
gostaria de ser responsável por tal reação massiva? Aí todo mundo teria que começar com uma
nova...Oh, Sete, você simplesmente não pode cometer erros como esse. Lápis desaparecendo no
ar!”.
A Superalma Sete assentiu, então repentinamente, quase sem querer, começou a rir. “Na verdade,
Josef está quase no limite de saber. Uma vez ele se esqueceu de materializar um de seus pincéis de
pintura – ele estava no auge da criatividade e pumba!, o pincel simplesmente desapareceu, Josef
quase perdeu a razão.” Os olhos de Sete brilharam com orgulho quase paterno.
Cyprus disse com firmeza “Nenhuma de suas personalidades está pronta para entender que a mente
forma a matéria, e você sabe disso. Espero que você sane a situação.”
“Eu alucinei o pincel de volta na hora”, a Superalma Sete disse. “Mas, me diga, você não acha o
assunto um pouco engraçado?”
“Em nada”, Cyprus disse, escondendo um sorriso. “Mas agora vamos voltar a seu exame.”
“Com alegria”, a Superalma Sete disse. “Mas quando eu alcançar sua posição, espero reter meu
senso de humor.”
Cyprus riu. Ela riu tanto que Sete se sentiu desconfortável. Finalmente ela disse: “Seu senso de
humor inclui apenas uma pequena parte de meu senso de humor. Há tanta coisa que você não vê.
Esse seu exame, por exemplo – oh, me abençoe – e ter que manter o tipo de condições da Terra.
Agora, isso é divertido. A propósito, olhe ao redor desse cômodo. Há algo mais que lhe escapa
bastante. Seu visual é horrível”. A Superalma Sete olhou ao redor cautelosamente. Ele tinha ficado,
secretamente, bastante satisfeito com o ambiente que havia escolhido e criado. A sala de aula era
uma autentica do século vinte, como a que Lydya conheceu quando criança. Havia filas de mesas,
quadros negros, janelas, tudo ao lado de pilhas de papéis – folhas novas de papéis individuais – e
um apontador de lápis automático.
Então ele ficou vermelho, de todas as novas bochechas até a raiz do cabelo castanho que brotava de
sua fronte.
“Belo efeito”, Cyprus disse, observando. Queria lhe parabenizar por sua forma, muito bom o tipo
masculino de quatorze anos de idade; caucasiano, acredito. Mas pela outra – encontrei, o erro! Ali!”
O cesto de lixo estava no canto, com perímetro e espessura completos, exatamente dois pés de
altura como tantos outros ao redor, mas ele havia esquecido de materiazá-lo visualmente. Agora ele
o fez vermelho e com um floreio de conchas ao redor da borda superior.
“Mas há ainda outro erro”, Cyprus disse, sem olhar para algum lugar específico. Exatamente nesse
momento um jovem vestindo uma toga apareceu. Ele olhou ao redor com um ar um pouco
selvagem e, então, gritou para Sete: “Ah, aí está você! Eu sabia que te encontraria de novo. Assim
mesmo, tudo isso tem que parar”. Ele parecia meio louco e gritava em tom de profunda indignação.
Cyprus ergueu as sobrancelhas para a Superalma Sete, que tossiu várias vezes e tentou olhar para o
outro lado.
“Então?”, gritou o jovem.
“Como você chegou aqui?”, Sete perguntou. Em seguida ele sussurrou apressadamente para
Cyprus. “Este é Josef. Ele deve estar em estado de sonho e dormindo na Terra”.
“Como eu cheguei aqui? Diga-me você”, Josef gritou com raiva.
"Da próxima vez vou memorizar o percurso. Vejo você em meus sonhos muitas vezes buscando
conforto. Não é esperado que os sonhos funcionem desse modo”. Ele parou, entreolhando-se:
“Estou sonhando, não estou? Devo estar. Que lugar maluco. Que lugar é esse?” Ele estava olhando
para o apontador de lápis automático.
“Não toque nisso! Isso não está na Terra. Esta é a questão”, Sete gritou. Mas Josef estava fascinado.
“É autentico do século vinte”, Sete disse. “Funciona com eletricidade.”
Cyprus grunhiu. “Acredito que Josef é sua personalidade do século dezessete”, ela disse. “A
eletricidade não é usada lá”.
A Superalma Sete corou e desmaterializou o apontador de lápis. “Simplesmente esqueça que você
viu isso. Esqueça tudo isso”, ele disse para Josef.
“Para onde foi?”, Josef ficou olhando.
“Escute, você não deveria estar aqui. De todos os lugares, não aqui. Eu recebo demérito por isso”, a
Superalma Sete disse. “Vá pra casa. Volte para seu corpo, para onde você pertence”.
“O que você quer dizer com voltar para meu corpo?”, Josef instou. Ele se levantou à sua altura
completa e ajustou sua toga com um gesto dramático. “Este é meu sonho, e ninguém me colocará
fora dele”.
“Por que você está usando uma toga?”, Cyprus perguntou suavemente.
Josef olhou para si mesmo com um pouco de surpresa. “Eu não sei. Eu não percebi que estava
vestido com uma. Gosto de pintar modelos em togas, no entanto. Você pode fazer bastante com
dobras”. Ele parou, com raiva, novamente. “Você não está respondendo minhas perguntas afinal. O
que está acontecendo? Como é que eu lhe encontro em meus sonhos?” Ele fez uma pausa e
balançou sua cabeça. “Você parece com um menino agora, mas na maioria das vezes você se parece
com um homem velho. Você não pode me enganar, contudo. Você é o mesmo.”
“Eu lhe disse antes, mas você nunca se lembra”, Sete disse. “ou algo como sua mãe e algo como seu
pai, mas nenhum deles. Somos mais próximos que irmã e irmão, mãe e filha, ou pai e filho. É tudo
o que posso dizer por agora. Você tem que aprender algumas coisas por si mesmo. Você está
aprendendo rápido, mas divagou sobre aonde não deveria estar. Sei que você teve uma razão, no
entanto. Você nunca me procura, a menos que esteja com problemas”.
Sete chamou a si reprovando-se em sua própria voz e acrescentou rapidamente: “Tudo bem.
Entendo. Mas o que está lhe chateando?” Ele olhou ao redor para ver se Cyprus aprovava a maneira
como ele estava administrando a situaçao, mas Cyprus, simpaticamente, tinha se desmaterializado.
Josef nem percebeu. Ele disse pesarosamente: “Eu tenho vinte e quatro anos e não tenho nenhuma
disciplina. Não consigo me manter num cavalete de pintura por duas horas de uma vez, embora
pintar seja o que eu mais queira fazer no mundo. Se eu não aprender um pouco de disciplina, para
começar, temo que perca o talento que tenho e Deus sabe o quanto.Além do mais, não tenho sentido
qualquer inspiração real por um ano.”
Sete balançou sua cabeça. Diante de seus olhos Josef estava se transformando num grande urso
infeliz, seu bigode negro se transformando num tufo de pelos, seus olhos hostis e tristes aos mesmo
tempo, sua toga se transformando num cobertor. Josef olhava para si mesmo histericamente. “Sou
um urso de circo, algo para o qual as pessoas riem. Oh, que sonho! Isso deve ser um sonho”. Então
o urso rosnou ameaçadoramente.
“Essa agora”, Sete disse coçando a cabeça do urso. “Transforme-se em si mesmo. No estado de
sonho você assume formas diferentes quando seus sentimentos e pensamentos mudam. Você se
sentiu como um urso, então agora você é um”.
“Mesmo?”, Josef se transformou em si mesmo novamente. Imediatamente ele esqueceu o que tinha
acontecido. “Se eu não fizer algo, vou arruinar minha vida”, ele disse.
“Oh, você não pode fazer isso”, a Superalma disse. “Você não está ciente de seu problema real
ainda. É um dos meus trabalhos ajudar-lhe, então vou voltar em breve. No meio tempo farei alguma
coisa para lhe ajudar”.
Enquanto falava, a Superalma Sete criou em sua mente um excelente estúdio de arte, feito de acordo
com as necessidades pessoais de Josef. No cavalete tinha uma pintura de uma fazenda exata, na qual
Josef estava hospedado na terra. A pintura tinha, no cantinho, a assinatura “Josef Landsdatter,
1615”.
“Agora fiz esse sonho para você”, Sete disse. Olhe bem para a pintura. Você começará a trabalhar
nela amanhã. Você estará tão cheio de inspiração que a pintará num dia”. Ele transmitiu o sonho
para Josef telepaticamente e, em seguida, disse: “Quando você tirar tudo o que quer do sonho,
então acorde em seu quarto”.
Josef assentiu e obedientemente desapareceu.
“O que você achou dele?”, Sete perguntou.
Cyprus riu gostosamente e em seguida retornou visualmente. “Bom, vejo a similaridade entre vocês
dois”, ela dise.
“Pare de brincadeira. Ele tem um problema sério”.
“Isso é com você, Sete”, Cyprus disse. “Seu senso de humor não lhe deixa se estender a si mesmo
ou às suas personalidades. Na época em você alcançar o estágio de Superalma Oito, você saberá
melhor. Você lidou bem com a situação, como sempre.
“Me preocupo com Josef”, Sete disse. “Ele é tão impetuoso”.
“Como você”, Cyprus disse. “Lembre-se, suas várias personalidades, embora independentes,
também refletem qualidades de você mesmo. Você não pode criar sem dar-se. Agora, tecnicamente,
você adquiriu três deméritos”, ela disse. “Você deveria ter estado ciente da aproximação e
emboscada de Josef. Mas regras também são flexíveis e a aproximação dele é notável, independente
das circunstâncias. Então vou anotar isso em seus arquivos.
O ambiente da sala de aula também foi muito bem feito, embora eu esteja esperando que você
descubra um outro erro seu. Sua aparência como um macho de quatorze anos foi simbolicamente
válida. Você demonstrou que tem uma excelente compreensão das convenções da Terra. Vamos
dispensá-las agora, no entanto, e abordar aspectos mais sérios de seu exame”.
Conforme Cyprus falava, a sala desaparecia e as arvores apareciam fora das janelas. O último a sair
foi o cesto dos papeis cm as bordas recortadas. Um toque amoroso, Sete pensou, sentindo um pouco
de desanimo conforme ele se desvanecia...
Agora a Superalma Sete e Cyprus eram dois pontos brilhantes de consciência, sem forma.
A Superalma Sete se sentiu expandir mentalmente, fisicamente. Ele deu um suspiro simbólico de
alívio. Ele e Cyprus se comunicavam telepaticamente através do uso de imagens mentais que
mudavam com cada alteração de significado e eram instantaneamente percebidas e compreendidas.
Nos termos da Terra, a conversa se resumia assim:
“Criar-se fisicamente certamente demanda em exigências”, Sete disse. “Mas mesmo agora, quando
não estou orientado pró Terra, eu posso apreciar Josef e todo o resto, e sentir o esplendido
crescimento da vitalidade deles”.
“Eu sei como você quer lidar com essa parte do exame” Cyprus disse. “Mas, lembre-se, você não
pode contatar nenhuma de suas pessoas. Se elas lhe contatarem, tudo bem. Mas você não pode
corrigir qualquer de seus erros. Quero ver como eles estão progredindo, então essa parte do exame
envolve você apenas expectador. Saiba quão impetuoso você é, deixe-me enfatizar esse ponto. Mais
tarde, é claro, a maneira como melhor você se comunicar com suas personalidades, será um fator
importante”.
De repente a Superalma Sete se sentiu apreensiva. Ele ouviu a voz de de Cyprus antes que Cyprus
falasse, pois a voz era direcionada a Sete.
“Piu-Piu! Piu-Piu!”
“Esta é uma voz humana”, Cyprus disse. “Como é possível isso? Nenhum humano poderia nos
alcançar aqui”.
Talvez seja um engano”, Seth disse fracamente. Mas já era muito tarde. “Já está na hora?”,
perguntou a voz.
“Volte para onde você veio”, Sete disse desesperadamente. “Não, ainda não é a hora, e pelo que sei
nunca será.”
“Mas já estou pronto”, disse a voz.
“Não, você não está. Este é o problema”, Sete disse. “Se você estivesse, você teria sentido melhor.
Este é meu superior, a propósito”.
“Oh, Piu-Piu!, gritou a voz, desolada.
“Piu-Piu?”, Cyprus inquiriu.
“É. Somos velhos amigos. É Daga. Embora Daga seja feminino ela me chama de Piu-Piu.
Exatamente agora ela é uma fêmea e está me ajudando com meu estudo independente. Ao menos
nós achamos que ela é fêmea. Quando sou, eu a chamo de Piu-Piu”. Confuso, Sete assumiu a forma
de quatorze anos novamente. “A linguagem terrena não tem nenhuma palavras para o que nós
realmente somos, não, bem, pronomes para seres que são masculinos e femininos ao mesmo tempo,
então fica difícil explicar”.
“Não estamos prontos para nosso estudo independente ainda”, Cyprus disse. “Mas tenho que
admitir que estou curiosa. E devo notar que você parecer estar com dificuldade em manter seus
vários projetos”.
“Viu?”, a Superalma Sete disse. “Daga, por favor vá embora”.
“Se você insiste”, a voz disse. “Mas planejei minha data de nascimento e...”
“Vá embora!”, Sete gritou consternado.
Cyprus fingiu não escutar. Ela disse: “Presumo que você terá uma boa explicação para isso mais
tarde. Agora, se você não se importa, vamos começar com as fases da programação de seu exame”.
A Superalma Sete tentou não ficar nervosa. “Tudo bem”, ele disse. Vamos dar uma olhada em
Lydia. Espero que ela esteja tendo um bom dia. Primeiro, há algumas coisas que eu gostaria de
explicar sobre ela. Ela...”
“Desculpe. A partir de agora eu devo ver por mim mesmo”, Cyprus disse.
Sete assentiu. Ele pensava em Lydia, amorosamente trouxe a imagem para sua consciência até que a
preencheu, fazendo-a precedente sobre todas as outras lembranças de seus muitos eus.
Juntos, ele e Cyprus piscaram, transportaram-se num milhão de moléculas e emergiram.
Capítulo Dois
A primeira parte do exame
Uma rápida espiada em Lydia, Proteus, Ma-ah e Josef
O presente (mais ou menos)
Lydia se sentiu nervosa, como se alguém a estivesse olhando, ao lado de Lawrence. Havia sido uma
manhã de tempestade com trovoes, onze horas da manhã, com grandes chuvas batendo contra as
janelas. Ela tinha setenta e três anos e estava mais irritada do que o normal com os dias escuros.
Lawrence se sentou no sofá azul. “Bom, o que você diz? Eu gostaria que você saísse por aí e me
desse algum tipo de resposta”, ele disse. Ela franziu a testa e largou a bebida. “Meus filhos não
gostam muito, não que isso faça alguma diferença. Deus, eles estão quase com cinquenta anos e
Anna em particular é bastante pomposa. Mas eu simplesmente tenho que fazer isso, Larry. A velha
poetisa em sua ultima farra! Eu gosto das pessoas em idade colegial também. Elas não entraram no
esquema ainda e nós estamos fora dele, graças a Deus. Meus filhos não se oporiam à ideia de uma
viagem, é claro. Mas você e eu viajando ao redor do país, juntos, num trailer, bem solteiros, você
sabe quão convencionais eles são. Mas eles dificilmente podem lhe chamar de um velho sujo, já que
sou mais velha que você! Então, ao inferno com isso. Eu vou.”
Ele estava tão entusiasmado que quase deixou cair seu cachimbo. Vamos encher o carro com livros,
comida e bebidas”.
“E dois dos meus gatos. Tuckie e Greenacre têm que ir, e o Sr.George, meu peixe dourado”, ele
gemeu. “Os dois gatos e o Sr.George.”
Ela queria chorar, mas não faria isso. O desafio se elevou de maneira que ela empurrou a cabeça
para trás num velho gesto que teria sido espasmodicamente dramático quando ela erra jovem.
“Prepararei os documentos antes de partirmos, dando a casa a meus filhos. Realmente não imagino
que vamos voltar”.
“Nós vamos. Maldição, nós vamos”. Ele se levantou, mas, conhecendo-a, ele não colocou os braços
ao redor dela. Ele apenas disse novamente “nós dois vamos voltar”.
“Oh, ao inferno com isso. Se você diz que voltaremos, voltaremos. Afinal de contas, que diferença
isso faz? Esqueça. Você sabe, eu queria dizer – não mudando de assunto – que aqueles meus sonhos
estão ficando mais malucos. Na noite passada nenhum deles fez sentido. No entanto, exatamente
agora, falando com você, quase parece como se eles fizessem, se eu ao menos pudesse me lembrar
deles”.
Lawrence disse: “Quando você fala assim, então eu tenho certeza de que nos conhecemos antes de
termos nós encontrado. O que você é, afinal de contas? Quinze anos mais velha que eu? De alguma
maneira estranha sempre me parece que você é mais jovem”.
“Meu querido”, ela disse de maneira alegre, “aos olhos do mundo fazemos um par engraçado. O
fato é que ninguém jamais pensa que realmente vai envelhecer. Isso sempre acontece como uma
surpresa e o mundo tipo que odeia você por isso. Envelhecer, graciosamente ou não, simplesmente
não é educado ou de bom gosto fazer. E você não pode culpar os jovens também, pois quando
éramos jovens nós nos sentíamos do mesmo modo. Pior, pois de alguma forma eu me sinto mais
livre do que já me senti antes”.
“Você parece dez anos mais nova do que eu”, ele disse.
“Não seja banal. Dizer a uma mulher que ela parece ter sessenta e três anos ao invés de setenta e
três não o faz ganhar os favores dela. Você seria mais esperto se não dissesse nada. Por alguma
razão que nunca entendi, envelhecer é considerado ruim o bastante pra um homem, mas um crime
imperdoável para uma mulher. Mas é melhor eu não entrar nesse assunto”.
Ela tomou outro gole de sua bebida.
“É verdade, suponho, numa boa luz, e se eu me desse ao trabalho de usar maquiagem. Eu poderia
parecer ter quase sua idade talvez. Mas desse jeito eu me pareço um menino magricela que
envelheceu de repente, com cabelo branco e com o rosto ossudo, e bastante incrédulo sobre como
isso tudo aconteceu. Como sou, é claro. Mas o que sou, sou. Não posso ver meu cabelo morrendo,
por exemplo. De certa forma ele é bastante sortudo por ter setenta e tres anos de idade e estar
branco”.
Ele ficou em silencio. Em seguida disse: Se os médicos estiverem certos e meu coração não parar de
repente...
“Então vou seguir nosso plano”, ela disse. Não sei por quanto tempo vou agüentar, estou bastante
ciente de que os primeiros estágios de minha...condição, já estão caindo em mim. Minha memória
deveria estar bem, em termos gerais, pelo menos por enquanto. Mas nunca se sabe. Se não, então
vou seguir nosso plano. Quando eu não puder recitar minha própria poesia correntamente, então
suporei que saberei que algo está errado”.
E de repente pareceu realmente engraçado, maravilhosamente hilário para cada um deles. Ele disse
“Vamos bater nos asilos, nas casas de descanso e finalmente nos asilos”.
A exuberancia passou através da fina estrutura nervosa dele.
Ela riu com ele e, então, parou. “Meu apontador de lápis elétrico”, ela disse. “Acabei de lembrar. E
usonhei com minha vela sala de aula da oitava série. Apenas meu apontador de lápis elétrico estava
no sonho, o que é ridículo, é claro. Não os tínhamos na época. Agora fico imaginando o que isso
significa?”
“Um vazamento de um estado de sonho para outro”, a Superalma Sete disse a Cyprus. Eles estavam
suspensos em duas folhas verdes que se moviam ao vento fora das janelas.
“Você ouviu o que ela disse sobre o apontador de lápis? Esse foi o erro que você esqueceu”, Cyprus
disse e Sete riu.
“Espere”, Lydia disse. “Eu era um homem bastante jovem no sonho. Engraçado como um pouco do
sonho volta”.
Lawrence franziu o cenho de repente. “Nunca questione as mensagens dos sonhos dos deuses”, ele
disse dramaticamente. “Você pode descobrir o que eles significavam.”
“Não diga coisas assim”, ela gritou. “Isso em faz ficar nervosa. E veja estas folhas lá fora. Quão
vivas elas parecem, quão cuidadosas. Deus, eu gostaria que esta tempestade danada parasse”.
“O som da chuva no teto de um trailer será diferente”, Lawrence disse.
Ela sorriu para ele. Ele tinha acabado de fechar sua loja de couro. Ele estofou todo o trailer e
metade dos livros dela tinha capa de couro que ele tinha feito para ela. Ela quase engasgou; como
eles podiam estar tão apaixonados e serem tão velhos?
“Em meu sonho alguém estava tendo um exame”, ela disse.
“Eu estava pensando em meus livros e acabei de lembrar.”
“Eu estava, querida Lydia. Nós dois estamos!” A Superalma Sete estava pronta para transmitir as
palavras para Lydia quando Cyprus disse gentilmente “Sem perguntas, lembre-se”.
As folhas estavam realmente voando pelo vento. A Superalma Sete se encheu com a singularidade
disso, pois Cyprus estava dizendo: Tudo certo, temos que ir agora. A primeira parte do exame só
permite uma rápida olhada”.
E a cena mudou.
Século Vinte e Três A.D.
Secretamente Proteus ansiava por ser uma garota; elas eram muito mais livres para se expressarem.
Em vez disso ele ficava preso em casa no modulo em que vivia com seu pai e apenas hobbies
inócuos para contentá-lo. Ele também ansiava pela visão de algo naturalmente verde, crescente,
real. De fato, esse desejo tinha ficado tão forte que ele determinou-se a fazer algo a respeito.
Ele disse avidamente: Certamente poderíamos ter algum espaço pequeno e devotá-lo à uma mini
fazenda natural. Digamos que toda a coisa tomasse apenas um pequeno módulo. Ele seria auto-
suficiente. Alguém teria que nos dar permissão”.
Mithias, seu pai, franziu o cenho: “A vida cresce. Este tipo de vida cresce, de qualquer forma. Não
há interrupção para ela. Ela é selvagem. Gastamos dois séculos desenvolvendo um ambiente que
pudéssemos administrar. Se você desse liberdade a esse tipo de vida, as pessoas teriam filhos o
tempo todo. Você estaria morto aos sessenta ou setenta anos. Nosso tipo de vida é equilibrado. Mas
não posso esperar que você realmente entenda isso aos dezesseis anos”.
Ele fez uma pausa e disse com um grunhido: “Quando tínhamos nosso ambiente natural as mulheres
viviam ocupadas tendo filhos. Os homens tinham as posições do poder. Ao contrário disso, não
consigo achar nada bom naqueles dias. Eles viviam doentes, com guerras, males sociais”.
“Você está certo como sempre”, Proteus disse.
Mas ele ainda estava cansado de ficar enfiado dentro de um módulo com seu pai durante todo o dia.
Mithias ficou observando a face de seu filho.
“Agora não comece a ficar pensativo assim”, ele disse. “Vamos ter uma chuva à tarde. Por que você
não vai lá fora e observa? Isso sempre coopera para elevar seu espírito”.
“Pode ser”, Proteus disse. Ele era tímido, acanhado, mas estranhamente arrogante também. A
sugestão soou muito como uma ordem, então ele ficou ali.
“É quase tarde agora”, Mithias disse, irritantemente.
Então Proteus ficou zangado e atravessou a porta de seu módulo espaçoso. Parou em frente à
pequena calçada de plástico e olhou para as arvores de plástico. Embaixo dele, onde a Terra era real,
quem sabia o que estava acontecendo? Mesmo? Ninguém, ele pensou. Exceto pelas expedições
cientificas, ninguém ia mais lá. Mas então ele parou de pensar quando a chuva começou.
Normalmente ela o entusiasmava. Agora ele se sentia mais deprimido. Choveria educadamente por
quinze minutos. A água cairia nos drenos de plásticos e seria guardada e, então, cairia amanhã por
quinze minutos em outro lugar.
Quando ele era pequeno ele tinha uma agenda de todas as chuvas. Ele sabia exatamente onde e
quando choveria. Sua própria área de módulo tinha quinze subitens, com mais de um milhão de
pessoas, e ele andava sobre as calçadas de plásticos, com agitação frenética, correndo com a chuva.
Ele apertou os olhos para cima. Três nuvens passaram. Eles sempre passavam na época da chuva.
Se você não soubesse que o céu artificial parava um oitavo de milha para cima, ou se tentasse
esquecer isso, como ele costumava fazer, então você poderia imaginar que a chuva era real, assim
como as nuvens. Eles eram reais o bastante, ele pensou. Só que eram feitas e reguladas
manualmente. Ele fez uma careta, em seguida riu. Imagine ver quatro nuvens num dia, ou até
mesmo duas, nossa, isso abala todo mundo! Mas a chuva caiu do céu de uma cidade flutuante, e ali
nunca havia uma nuvem mais ou menos. Ele quase quis chorar, mas não o fez, lembrando-se de sua
idade.
Ele se perguntava “como seria uma enchente de verdade, ou um vendaval?”. Por um minuto seus
olhos quase se fecharam sob o impacto da enorme excitação emocional; ele havia visto micro filmes
de antigas catástrofes naturais nas quais o poder da natureza era desencadeado e agora ele
imaginava grandes ondas marrons de enchentes de água surgindo de rios de verdade, torrentes de
chuvas que caiam com grande força, ventos que chicoteavam um mundo distante.
No entanto, a Terra sobreviveu. Ela ainda estava lá embaixo. E lá embaixo grandes mudanças
climáticas ainda existiam, calor e frio, como eram, a despeito da conveniência ou inconveniência
para o homem. Com pena, Proteus prendeu sua respiração, quase desmaiando ao pensamento disso
existir no contexto da natureza! Que emoção deveria ter gerado. Uma tempestade de verdade vindo
do nada e se mostrando...da natureza, afundando no chão de verdade cheio de sujeira e insetos e
raízes!
Sés olhos ardiam. A chuva educada estava terminada. Foi toda simulada. As arvores de plástico não
precisavam de alimento. Elas não cresciam. Os psicólogos pensavam que o tipo de ambiente da
Terra ajudava o homem a se sentir seguro. Proteus sabia disso, mas agora ele olhava com raiva para
a rua meticulosa e voltou pra dentro.
Mithias estava esperando por ele.
“Não há nenhuma maneira de você estabelecer condições de vida natural num subitem, filho”, ele
disse. “Você sabe disso, não se atormente. Você teria que ir para a Terra”.
“Bom, as pessoas vão lá”, Proteus disse. Seu rosto ficou vermelho. Ele abaixou os olhos.
“Mas elas não vivem lá”.
“Algumas vivem! Os microfilmes faz menção a elas. Os historiadores e cientistas descem lá. Eles
têm que fazer reparos nos equipamentos deles de vez em quando”>
“E daí?”, seu pai disse. “Não há futuro na Terra. Todo o lugar está drenado pela seca, inútil, sem
nada de qualquer valor. É apenas uma casca”. Ele fez uma pausa e disse mais gentilmente: “E,
Proteus, você é um garoto, não uma garota. É verdade que suas oportunidades não têm sido tão
amplas quanto poderiam ser, mas há muitos lugares aos quais você pode se encaixar aqui. Mesmo
se houvessem oportunidades na Terra, e não existem...elas são para as mulheres”.
Proteus olhou pela janela. A calçada já estava seca. O equipamento de sucção tinha absorvido toda a
água de modo que nada dela foi desperdiçado. Ele virou-se para que seu pai não pudesse ver seu
rosto.
"Tudo é sempre a mesma coisa, o tempo todo", ele disse ele, chateado. "Você nunca pensa sobre
como deve ter sido fantástico? Pessoas com todas as cores de peles. Só isso. Agora somos todos
homogeneizados".
A isso Mithias riu. “O que há de errado com todo mundo ter a pele cor de oliva?”, ele perguntou.
Você só está reclamando disso agora. Há todos os tipos de variações se você quiser procurar por
elas, do oliva-amarelado ao oliva-acastanhado...”
“Oliva-oliva”, Proteus disse. “Você simplesmente não entende o negócio. Séculos atrás havia
homens pretos, brancos e amarelos”.
“E eles todos brigavam uns com os outros”, Mithias disse de modo monótono. “Agora há uma coisa
a menos pela qual brigar. As raças mescladas. O que há de errado nisso? Você quer parar de tentar
pegar um argumento e tentar achar algo construtivo para fazer?”.
Proteus assentiu, mas percebeu de repente que ele tinha acabado de discutir. Seu pai queria que ele
fizesse algo construtivo e ele faria. De algum modo ele chegaria à Terra. De algum modo ele
recriaria uma fazenda antiga ali. Ao invés de sonhar e ficar frustrado, ele agiria. Algum dia ele
estaria no chão de verdade, enquanto a chuva de verdade cairia e, então, isso pareceria como o
sonho.
“Você vai ter problema com esse”, Cyrpus disse para a Superalma Sete. Eles estavam conversando
na cúpula de plástico mais alta da sala.
“Bom, ele não é um de meus favoritos”, Sete disse. “Ele é muito sombrio na maior parte do tempo”.
Cyprus esperou. Então ela disse: Há uma conexão que você parece ter perdido. Posso lhe mostrar?
“Não, me dê outra chance", disse Sete. “Eu não preciso de mais nenhum descrédito, nem um
sequer”.
Ele revisou toda a cena, incluindo os pensamentos que recebeu telepaticamente de Proteus. Então
ficou vermelho. “É claro, a fazenda! Proteus quer estabelecer uma fazenda na Terra. É possível que
ele tenha tido um sonho na noite passada sobre uma fazenda, ou a imagem de uma”.
“Exatamente”, Cyprus disse.
“Bom, Proteus está com essa ideia há algum tempo”, Sete disse. “Mas se ele participou do sonho de
Josef, ele vai usar isso a seu proprio modo, é claro. Você sabe, de um jeito em que ele aja mais
maduramente do que Lydia. Ele pensa assim.”
Cyprus sorriu. “Você sabe por que?”
“Não.”
“Estou certo de que você descobrirá a razão por si mesmo. Não é minha responsabilidade lhe dizer.
Mas agora vamos dar uma olhada em sua Ma-ah.”
A Superalma Sete ficou encantada por mudar de assunto.
35.000 A.C.
Os filhotes de lobo correram pelos penhascos ao luar. Ma-ah agachada nas sombras, esperava. Ela
estava com fome, mas ela sempre estava, seu estomago quase encostando em sua coluna. Ela correu
pelos penhascos quando os filhotes de lobo sumiram e correu para a clareira onde eles foram
forçados a deixa a caça que tinham encontrado. Ela amedrontou os filhotes jogando pedras. Rampa
veio do outro lado do penhasco. Ele usava arco e flechas. Os dois encontraram pouca coisa: apenas
uma lebre morta. Mas eles comeram-na de uma vez, vorazmente.
As peles que eles usavam os protegiam de algum modo contra o vento e eles se agacharam, em
silencio, enquanto o gelo rachava ao longo dos penhascos quase em sequencia, e o ar entrava e saia
das fendas das rochas.
Cyprus disse para a Superalma Sete: Eu não sabia que você esteve nesta aventura.
A Superalma Sete encolheu os ombros com um toque presunçoso e, então, disse: Proteus deveria
vivenciar isso se ele quer saber como é a Terra de verdade. Provavelmente ele imploraria por
alguma chuva bem artificial que parasse no tempo desejado”.
Cyprus sorriu, mas não disse nada.
Ma-ah e Rampa terminaram de comer. Eles correram para uma caverna próxima, saindo do frio,
satisfeitos.
O cheiro úmido das peles subiu às suas narinas. Suas barrigas estavam aquecidas pela comida. Um
senso de paz desceu sobre eles. Eles se sentiram sonolentos. A satisfação deles foi transmitida para
Cyprus e para Sete, que também sentiram o vento frio que passava na entrada da caverna.
“Eu poderia fazer o vento amainar um pouquinho, não poderia?”, Sete disse.
Cyprus assentiu.
“Oh! Oh!”, Sete disse. A mudança no ar alertou Ma-ah, mesmo no sono. Num momento o espírito
de seu corpo saiu da caverna. Ele os viu.
“Oh, é você, velho homem”, o espírito de Ma-ah disse.
“Ela é muito boa”, Sete disse a Cyprus. “Mas ela sempre me vê como um velho homem”.
“Por que não? Você sempre é um velho homem quando eu vejo você”, Ma-ah em espírito disse.
“Você vai me ajudar a vigiar esta noite?”
“Não esta noite”, Sete disse, acrescendo a Cyprus “Ah, eu a ajudo a vigiar as vezes, quando ela está
cansada, assim os lobos não encontram a caverna”.
“Você sabe que está fora de seu corpo físico?”, Cyprus perguntou.
“É claro”, Ma-ah disse desdenhosamente. Se eu não saíssem em espírito à noite quem vigiaria meu
corpo enquanto eu durmo? Só não gosto de ir muito longe de meu corpo. Rampa dificilmente
acorda quando está dormindo. Você é o espírito de quem?”
“Eu lhe direi um dia”, Cyprus disse. Então ela e Sete desapareceram.
“Ma-ah sempre me vê como um velho homem”, Sete suspirou. Vamos pensar sobre isso, ela me vê
como preto porque ela é negra. Josef me vê de muitos modos diferentes, mas ele gosta de me ver
como um velho homem também. Isso dá a ele confiança em mim, por alguma razão tola. Mas
Proteus nunca me vê.”.
“Então...?”
“Bom, nenhum deles me vê como sou, masculino e feminino, sem idade, além de qualquer imagem.
Mesmo Lydia. Quero dizer, ela não se deixa acreditar em sua alma, ao menos não num nível
intelectual”.
“Agora quem está meditando?”, Cyprus disse. “Você soa tão sombrio quanto Proteus”.
“Proteus! Ele provavelmente nunca vai me ver se continuar do modo como está”, Sete disse. “Mas
você já encontrou Josef, então eu presumo que essa parte do exame está terminada”.
“Eu gostaria de vê-lo quando ele estiver acordado, no tempo dele, se você não se importa”, Cyprus
disse secamente...
1615
Assim que a Superalma Sete e Cyprus chegaram em Josef aconteceu um estrondo na porta de Josef.
Josef Lnadsdatter gemeu, saindo da cama, passou seus dedos pelos cabelos crespos e quase soluçou.
Ele nunca se sentiu tão acuado em sua vida.
“Vem. Sim. Sim”, ele gritou.
Ele esperava parecer irritado, impaciente, tudo menos temeroso. Ele pegou um pincel, mergulhou-o
num frasco de verniz, colocou entre os dentes e escancarou a porta.
“Estou trabalhando. Trabalhando. Não pode ver? Estou ocupado. Vem, se você precisar”.
Elgren Hosentauf se lembrou de que sua esposa estava olhando do piso do primeiro andar, então ele
caminhou para a porta bruscamente. Foi por toda a sua casa, seu quarto extra. O lugar estava uma
bagunça de roupas amarrotadas, atiradas da cama, potes de tintas e telas em vários estágios de
finalização.
“Ah, você estava dormindo ou pintando? Minha esposa jura que você ainda estava na cama”.
“O que lhe parece? Você acha que eu durmo com meu pincel em minha boca?”, Josef empurrou o
pincel em direção ao nariz de Hosentauf de maneira que este cheirasse o verniz fresco que fazia
com que seus olhos enchessem de água e seu nariz escorresse. “Você não confia em mim”, Josef
disse, agora que estava em vantagem. “Você nunca acreditou em mim. Como posso trabalhar sob
estas condições?”
Hosentauf recuou. “Tudo bem. Mas minha esposa me diz que você come mais do que dez
camponeses juntos e eu não vou ser explorado. Ainda temos que ver um reflexo de nossa pintura.
Você está aqui há seis semanas, comendo nossa boa comida, usando nosso bom quarto. Meu primo
pintor fez seu retrato em duas semanas e foi embora”.
“E a pintura provavelmente não durou muito mais que isso”, Josef replicou, rebatendo o assunto.
“Um bom artista precisa de tempo”. Ele apontou dramaticamente para o cavalete coberto. “Seu
retrato está coberto, eu lhe disse. Eu fico nervoso para mostrar uma pintura antes de ela estar
terminada. E me foi necessário duas boas semanas para começá-la como ela está; sua esposa me
coloca num humor que eu não consigo pensar muito em pintura”.
“Nossa!” A luz azul dos olhos de Hosentauf foi ao chão. Um pouco da agressividade foi drenada de
seu rosto. Ele estava apontando o dedo para Josef. Agora ele mexeu em sua camisa e olhou quase
suplicante para o rosto tempestuoso de Josef. “Minha esposa está impaciente para ver a pintura.
Mulheres, elas não sabem esperar”.
“Ah, e eu não sei”, Josef disse, como se eles partilhassem um misterioso segredo. “Mas em breve eu
revelarei o retrato”. Ele jogou seus braços dramaticamente, sorriu largamente. “Você verá sua
família imortalizada através dos anos. A Família Hosentauf. O retrato atravessará gerações, de pai a
filho”.
“Ele é um bonachão preguiçoso e você deveria jogá-lo na neve, como o malandro que ele é”, gritou
Avona Hosentauf das escadas.
Pestanejando, seu marido fechou a porta.
“Ah, muito bem”, gritou Josef.
“Vou queimar minha pintura ao invés de dá-la ao gosto dessa aí. Nenhum de vocês merecem uma
fina arte. Vocês são piores do que os comerciantes”. Ele vasculhou o quarto pegando seus pertences.
Então parou em frente do cavalete coberto.
“Você nunca será finalizado, nunca”, ele lamentou.
“Uma mulher tola impede a finalização. Ah, bom, se eles se sentem ressentidos pelos nacos de
comida que eu como, o uso desse quarto minúsculo em troca por uma obra prima...”
Hosentauf era um homem sem imaginação, pelo menos em termos gerais. Não ocorreu a ele nesse
ponto que ninguém poderia falsear tal angustia.
“Vamos, vamos”, ele disse apressadamente. “Arranjarei as coisas com minha esposa. Vamos ver o
que ela diz”. Ele retirou-se do quarto e fechou a porta.
Cyprus e a Supearlma Sete eram dois flocos de neve no peitoril da janela. Embaraçado, Sete disse
“Josef é muito emotivo”. Em seguida Josef tirou a cobertura do cavalete, mostrando não uma
pintura incompleta, mas toda a tela estava em branco.
“E bastante fraudulento”, Cypru disse.
“Não, não, tenho certeza que ele não tem intenção disso”, Sete respondeu constrangido, pois
obviamente esse não seria um dos melhores dias para Josef.
Josef olhou para a tela com ódio.
“Branca. Toda branca”, ele murmurou. “Droga!”
Completamente revoltado ele se atirou na cama.
Hosentauf não voltaria, ele sabia, mas a esposa de Hosentauf poderia voltar, com o filho mais velho.
Eles o poriam na rua. Não haveria mais cobertura ou desculpas. Ele estaria de volta às planícies
com seus esquis, com suas coisas nas costas, frio e faminto, até que encontrasse outro fazendeiro
disposto a lhe dar cama e mesa por uma pintura. E, pior, ele não consegui pintar coisa alguma.
Desta vez seu tormento era bastante real. Ele jogou o pincel coberto com verniz pelo quarto e se
perguntou o que fazer.
“Seu sonho”, a Superalma disse. “Cyprus, eu não posso lembrar a ele? A pintura que eu die a ele no
sonho! Ele se esqueceu.”
“Não, você não pode”, ela disse. “Nenhum alerta nesta parte do exame. Você sabe disso. Vinte e
cinco descrédito, caso você tenha alguma ideia.”
“Exame ou não, quero dizer, ele está com problemas”, Sete disse.
“Oh, alguém me ajude”, Josef gemeu.
“Quantos descréditos?”, Sete perguntou.
“Vinte e cinco, e você já tem vários”, ela o lembrou.
“E você ainda não me dizer o que acontece se eu falhar? Ou passar”.
Ela disse gentilmente “isto é parte do exame também. Você tem que descobrir isso”.
“Oh, meu Deus, eu nunca mais vou mentir ou trapacear novamente se você me ajudar agora”, Josef
rezou.
“Seu sonho!”, Sete transmitiu as palavras diretamente para a mente de Josef. “A pintura no sonho!”
A transformação instantânea em Josef foi extraordinária. Repentinamente ele gritou, pulou da cama,
jogou seus braços em torno de si mesmo e dançou pelo quarto.
A Superalma Sete quase chorou de entusiasmo.
Cyprus fez um esforço determinado para não mostrar nenhuma expressão e para guardar seus
pensamentos.
“Vá para ela”, Sete sinalizou para Josef.
Agora, diante do cavalete, Josef ria de orelha a orelha. No olho de sua mente, tão claramente quanto
ele nunca havia visto em sua vida, ele viu uma pintura a óleo da fazenda de Hosentauf no verão, os
ricos campos, a casa imponente cercada pelas tulipas. A plantação brilhava com vitalidade. Era
meio de temporada, com apenas toques furtivos de marrom insinuando uma maturidade que seria
sua queda. Mesmo os cinzas sob os amarelos e brancos da casa sugeriam que a fazenda, embora
segura, não triunfaria sobre o tempo. Contudo, de alguma forma, todo o efeito geral ainda era de
vitalidade, como se toda a cena pudesse durar mesmo que tão fisicamente vulnerável. Ele nunca
havia visto uma pintura tão claramente em sua mente antes.
A tela foi revestida, toda pronta para o trabalho e conforme os pensamentos voavam através de sua
mente, as mãos de Josef estavam ocupadas misturando as cores para sua paleta, combinando os
pigmentos secos com os oleaginosos. Ele se sentia célere, com certeza, divino, com essa pressa
repentina e inesperada da inspiração. Quase cantando. Gritando, ele começou a pintar.
Partilhando da experiencia de Josef, a Supearlma Sete esqueceu todo o resto. Uma hora, quando
Josef pegou a cor errada, Sete falou “Não, não, você vai desperdiçar isso. Você quer tons térreos
aí”. Da outra vez ele gritou “Não, seu burro, essa é apenas a pintura inferior”.
Cyprus esperava, nunca interferindo. Apenas uma vez ela falou. “Essa parte do exame deve
envolver apenas uma visão breve”, ela disse, fazendo seu tom tão neutro quanto possível.
“Sim, sim, estarei com você em breve”, Sete murmurou.
“Não, não, cor transparente aqui. Não opaca”, ele disse a Josef.
Cinco horas na Terra se passaram. Houve uma batida na porta. “Vá embora. Estou trabalhando”,
Josef gritou.
A porta se abriu. A Sra.Hosentauf e seu filho mais velho, Jonathan, entraram no quarto. “Ah, agora
talvez possamos dar uma olhada na pintura que não está aí. Quero ver sob esta capa. Não acredito
numa palavra que você diz...”, a Sra.Hosentauf gritou.
Então ela e seu filho pararam, mudos.
“Agora você vê. Vá embora, me deixe sozinho”, Josef murmurou.
Nada mais importava, exceto pintar.
“É de minha casa adorada”, a Sra.Hosentauf disse. “É linda”.
“Uma inspiração”, Jonathan disse.
“De homem pra homem, deixe-me pedir desculpas”.
“Peça desculpas então e me deixe trabalhar. Você não vê que estou ocupado? Não terminei. Mal
comecei...”
“E você começou o retrato também?”, Jonathan perguntou apressadamente.
“Sim, sim, sim”, Josef exclamou automaticamente.
“Mentiroso”, Sete gritou para a mente de Josef. “Você prometeu não mentir ou trapacear
novamente”.
Uma pontada súbita de culpa deixou Josef irritado. Ele queria continuar com sua pintura. “Você terá
seu retrato em tempo útil”, ele disse.
“Um homem não pode ficar em paz para trabalhar?”
A Sra.Hosentauf e seu filho foram até a porta, quase com deferência.
Josef gritou com eles, triunfantemente: “A casa foi concebida como um bonus para retribuir sua
grande gentileza”.
“Oh, Josef”, Sete suspirou.
Cyprus disse “Você percebeu o que fez, é claro; se tornou tão envolvido com as dificuldades de
Josef que esqueceu todo o resto. Até o exame”.
Sete voltou a si com espanto. “Mas tenho que esperar até que ele termine sua pintura agora que
comecei”, ele disse. “Aí Josef pode fazer o resto por si mesmo bastante bem”.
“Falarei com você quando você tiver terminado, então”, disse Cyprus. Por um momento Sete se
perguntou por que ele não poderia pegar mais dos pensamentos de Cyprus, mas ela já tinha ido.
Sete esperou ali enquanto Josef continuava a pintar, seu pincel como uma extensão perfeita da
pintura em sua mente.
Capítulo Três
O rastro de Ma-ah
A corporificação terrena da Superalma Sete
Parte dois do exame
A Superalma Sete e Cyprus eram dois pontos de luz.
“Escolhi o estudo de Lydia para nossa discussão por várias razoes”, Cyprus disse. “Por uma coisa, a
próxima parte de nosso exame será definitivamente orientada pró Terra e de modos que você pode
não suspeitar”.
“Suspeitar?”, a Superalma Sete disse. “Eu não gosto das implicações dessa palavra. Você tem
certeza de que está usando a palavra adequada?”
“Sim, estou, e uso a palavra propositadamente, para lhe dar uma pista do que pode acontecer”, disse
ela. “Outra coisa, temos que assumir formas terrenas, invisíveis é claro, e quero que você relacione
com o ambiente da maneira que os humanos fazem. Por exemplo, vamos sair da janela e nos mover
de acordo para a sala. Sentaremos em uma daquelas cadeiras ali”.
“Agora, diga-me precisamente aonde e quando estamos”, Cyprus disse. Ela se materializou, para
Sete ao menos, como uma jovem madura, ou como uma mulher madura, mas jovem. De qualquer
forma, parecia adequada. Contudo, se você ficasse olhando-a, ela se tornou um jovem de anos
maduros, ou um homem maduro mas jovem. Ela riu. “É de acordo com que parte de minha
personalidade você se foca. Não sou tão orientada terrenamente como você, e simplesmente não
consigo me transformar exclusivamente numa forma masculina ou feminina. Ninguém nunca
consegue, é claro. No meu nível é apenas mais aparente”.
“Mas que forma você quer adotar?”, ela perguntou. “Você terá que usá-la para toda as nossas
conversas, então é com você. Pois quero ver quão bom você é em se lembrar de detalhes”.
O ponto de luz Sete se ondulou indecisamente. “Eu não contava com um teste de forma”, ele disse.
“Mas já que os detalhes são importantes, pegarei alguns deles tanto quanto possível. Que tal uma
redonda bola brilhante alaranjada?”
“Não”, ela suspirou. “Uma forma humana”.
Sete riu e adotou a forma de quatorze anos que ele tinha usado na primeira parte do exame.
“Agora, respondendo suas perguntas”, ele disse vivamente. “Esse é um dia em abril, no ano de
1975, na parte nordeste dos Estados Unidos, que é um país, e é quatro horas agora”.
“Ah, sei”, Cyprus disse. “Quatro horas nos Estados Unidos, então”.
“Não exatamente, bom, sim e não”, Sete disse. “É quatro horas aqui no estudo, mas isso não
significa que quatro horas é aqui”.
“Se você não pode explicar onde estamos e como o quando se encaixa no onde, não imagina que
tenha problemas em manter o rastro de suas personalidades”, Cyprus disse. “Mas, não importa.
Tenho algo bastante sério para discutir com você. Eu lhe darei uma seção de múltipla escolha em
seguida, então escute com atenção”.
Sete franziu o cenho, mas Cyprus continuou. “A segunda parte do exame depende dependia de seu
desempenho na primeira parte”, ela disse, “embora, como você sabe, tudo isso esteja realmente
acontecendo ao mesmo tempo. Mas várias coisas se tornaram aparentes. Sinto como se você
conhecesse Lydia e Josef muito melhor do que conheço Proteus. E Ma-ah, eu não conheço quase
nada”.
“Hummm....”, Sete disse. Ele estava sentado docilmente o bastante em sua melhor forma masculina
de quatorze anos de idade, mas ele estava começando a sentir um lampejo de irritação.
“Será que você não se sintonizou com Proteus e Ma-ah tão bem quanto fez em relação aos outros?”,
Cyprus disse.
“Me pareceu que você não conseguiu se afastar de Ma-ah rápido o bastante”.
“Eles são assim”, Sete respondeu, melhor centrado agora. “Proteus é sombrio na maior parte do
tempo. Ma-ah me vê como um homem velho, sempre, eu lhe disse isso, e ela sempre quer que eu
faça algo enfadonho, como manter a vigilância sobre a caverna. Bom, ela é bastante exigente”.
“Temo que você esteja sendo uma superalma muito distante para eles dois”, Cyprus disse
severamente. “Esse é um dos assuntos que esperamos cuidar nesse exame. Você tem que aprender a
se relacionar melhor com suas personalidades. E por que você acha que Ma-ah vê você como um
homem velho? Deixe pra lá, não me responda agora. E ela não vê você como um homem velho
alegre também, o que seria bastante diferente. Não, Sete, estas qualidades que você vê em Ma-ah e
Proteus são suas mesmo e, também, um fato que você convenientemente esquece. E você não se
entende com eles.
“Mas eu nano sou sombrio”, a Superalma Sete exclamou, “nem exigente”.
“Você só pode dotar suas personalidades com seus próprios atributos. Elas nascem de sua alegria, e
vitalidade, e criatividade, mas elas também têm as características que são de você. Você é a matéria
prima delas, por assim dizer”.
“Eu não gosto muito dessa frase também”, Sete disse. “Gosto de pensar sobre mim como o criador
delas...ou pensar nelas como minhas criações”.
“Como pensei”, disse Cyprus. “Oh, Sete, não sei como você chegará no estagio de Superalma
Oito”.
“Você está conduzindo”, Sete disse. “E você me enganou para fazer minha ultima declaração”.
“Você se enganou naquilo”, ela disse. “Mas o fato é que você não se relaciona bem com Proteus e
com Ma-ah de jeito nenhum. E, pior, você está escolhendo favoritos. Como resultado, eles dois
estao perdendo algo importante que só você pode dar a eles. Cada um deles está sentindo falta de
uma parte da alma deles”.
Sete ficou tão chateado que sua imagem ficou borrada nas extremidades.
“Olhe sua forma”, Cyprus corrigiu. “Lá vamos nós de novo. Detalhes são importantes também. Não
quero ser demasiadamente severa aqui, mas suponha que algo assim acontecesse com Ma-ah. Ou
com Josef?”
“Josef cuidaria disso de qualquer forma”, Sete disse.
“Mas, Ma-ah não?”
“Você está tentando me confundir”, Sete lamentou.
“Esse deve ser seu ponto mais baixo”, Cyprus disse secamente. “Superalmas não choram”.
“Eu não estou chorando. Estou me lamentando. Há uma diferença”, Sete disse. “De qualquer forma,
por que não?”, ele acrescentou desafiadoramente.
“Porque quando elas estão usando todas as suas habilidades, então elas vêem mais claramente; e
elas sabem que não há obstáculos, apenas estes nos quais você acredita. Mas tudo bem, eis a Parte
Dois de seu exame. É uma Composição de Vida em profundidade”.
A Superalma Sete recuperou sua compostura.
“Você tem uma escolha entre Ma-ah e Proteus”, Cyprus dise. “Mas você tem que focar sua atenção
em um deles e se identificar tão bem quanto puder com qualquer um que você escolher”.
“Soa bem fácil”, a Superalma Sete disse. “Mas eu tenho um sentimento de que há algo que você não
está me dizendo”.
“Isso você terá que descobrir por si mesmo”, ela disse. “Qual você escolhe?”
“Bom, acho que deveria escolher Ma-ah porque de todos eu me relaciono mais pobremente com
ela”, Sete disse. “Tudo bem, eu escolho Ma-ah”.
“Lembre-se, você tem que tentar se identificar com ela tão bem quanto puder”, Cyprus disse, “e
com aquela porção de você a partir da qual ela veio. Boa sorte, querido Sete.”
“Cyprus, espere. Eu tenho um monte de perguntas!”
“Oh, você de novo, velho homem”, Ma-ah disse.
A Superalma Sete apenas franziu a testa. Cyprus tinha ido embora. O estudo de Lydia tinha ido
embora e, em vez disso, Ma-ah estava parada em seu corpo espiritual, fora de sua caverna eterna.
“Por que você sempre me vê como um homem velho?”, ele perguntou.
“Se você não fosse um, por que você pareceria com um?”, ela perguntou.
“Eu não me pareço com um, essa é a questão”, ele disse.
Ela encolheu os ombros. “Eu não me importo se você se parece ou não, mas ao menos você poderia
ser agradável”.
“Estou tentando”, ele disse, irritado. “E estou apto a ser por algum tempo, então eu gostaria...ah,
deixa pra lá”. “Esse é um bom começo”, ele pensou consigo mesmo.
“Mas Ma-ah já tinha voltado para o próprio corpo. Ela não tinha o melhor bom humor do mundo,
Sete pensou olhando em volta. O vento frio varreu pedaços de erva seca sobre o rosto de Sete e os
rochedos estavam brancos de gelo. Sete suspirou: ela não tinha o melhor ambiente do mundo
também. Os penhascos se elevavam no ar, fazendo barulhos secos como se as rochas estivessem
tossindo.
Sete era impermeável ao tempo, mas ele achou a vista fascinante e se entreteve desmaterializando-
se no vale, aparecendo numa ponta de penhasco e olhando para onde ele havia estado. Então,
culposamente, se lembrou de suas instruções: “Identifique-se tanto quanto puder com Ma-ah”,
Cyprus havia dito. Claramente, ele pensou, ela tinha algo mais em mente. Incomodado, ele entrou
na caverna de Ma-ah.
Ela dormia sobre algumas peles, embrulhada em outras que eram usadas como manto e cobertor.
Seus cabelos castanhos lisos estavam emaranhados , toda enfase de seu rosto escuro tinha partido,
fazendo-a vulnerável e mais como se tivesse doze anos do que os vinte anos terrenos que ela tinha a
seu crédito. Sete suspirou de novo: Cyprus estava certa, ele havia mantido uma grande distancia.
Inexplicavelmente ele sentiu uma atração repentina por Ma-ah, como nunca antes. Ao mesmo
tempo, um cansaço curioso o possuiu.
“Ele vi o parceiro de Ma-ah, Rampa, dormindo ao lado dela, mas então, sem aviso, ele sentiu a
respiração de Rampa em ondas quentes em sua própria face, espantosamente próximo. Seu ângulo
de visão mudou também. Rampa agora estava ao lado dele...ao lado de Ma-ah. Ele estava sentindo a
respiração de Rampa a partir do corpo de Ma-ah... Porque ele estava no corpo de Ma-ah!
Como era estranho estar num corpo de verdade! Ma-ah não estava ciente dele, é claro. Já que ele era
Ma-ah e Ma-ah era ele, não havia conflito. No entanto, ela apenas conhecia a si mesma como Ma-
ah, e a ele como o velho homem, quando ela estava fora do próprio corpo. Sete estava confuso. Ele
tentou ordenar seus pensamentos. De certa maneira, então, ele pensou, ele estava se conhecendo
melhor ao conhecê-la melhor.
Ainda assim, a consciência de Sete se movimentava inquietamente. Estar confinado a um corpo,
para todos os efeitos práticos, não era como mudar de forma sempre que você quisesse como elel
fazia. Ter a responsabilidade de manter o mesmo corpo o tempo todo! Os detalhes envolvidos
realmente o balançaram quando ele pensou nisso. É claro, sua energia o ajudava a manter o corpo
dela – a centelha era dele, por assim dizer, a partir da qual o corpo dela crescera, a partir da qual o
espírito dela viera, mas...
Ele parou aquela linha de pensamento, ciente da estranha ambiguidade. Estar num corpo real era tão
profundo; ele podia sentir sua consciência se aninhando em todos os átomos e moléculas. Ele estava
ciente de seus milhões de consciência separadas, embora combinadas; tão tumultuoso, como o
zumbido de abelhas, quentes, muito próximas, inumeráveis. Por um momento ele se sentiu
amedrontado, confinado.
Por outro lado ele estava paralisado, atraído para a experiencia corporal como um ímã. Ele nunca se
permitiu entrar na experiência física completa de uma de suas personalidades antes. Pois ele nunca
havia sido convidado, mas de repente ocorreu a ele que mais do que isso estava envolvido. Todas as
Superalmas eram individuais e relacionadas a suas personalidades a seu próprio modo. Ele era
aventureiro, e havia estabelecido para si mesmo e suas personalidade alguns grandes desafios; mas
a verdade era que ele não queria se envolver muito. Pior, ele estava começando a suspeitar que suas
personalidades estavam estabelecendo alguns desafios para ele também.
Como agora. Esta aliança completa com a carne e sangue era surpreendente; agradável e
desagradável, e estava ficando mais desagradável a cada minuto. Ele se sentia... coagulado, espesso,
capturado numa rica gestalt de interação. Era o suficiente!
Sete se levantou. Mas nada aconteceu. Sua consciência estava intacta, inteira, em si mesma,
contudo, de alguma forma, ela estava dispersa através do corpo de Ma-ah, presa nas células e
órgãos, fechado no labirinto emaranhado de ossos e sangue. .
O ombro esquerdo do corpo estava frio. Isso é que o frio era. Ele sabia o significado da palavra, mas
o sentimento do esboço, do vento vazio soprando sobre a carne exposta, isso era algo novo. Sete
sentiu os minúsculos pelos na elevação do braço, em arco, endurecerem. Eles se arrepiaram,
esticados e retos, parecendo que iam sair da carne. Ma-ah se virou de repente em seu sono,
empurrando o ombro abaixo dela. Os pelos instantaneamente suavizaram-se.
Sete gemeu. Os olhos de Ma-ah estavam fechados; e ele não parecia ser capaz de produzir uma
visão própria, ou de fazer algo em relação a isso, apenas vivenciar a realidade através do corpo dela.
“Cyprus, isso é o bastante”, ele falou mentalmente, mas não houve resposta. Ele estremeçou, ou
Ma-ah o fez. Ele queria se voltar para o vento como tinha feito antes, mas agora ele estava
aprisionado em Ma-ah e à mercê do vento como ela tinha estava (e estava).
“Você poderia ao menos virar o vento”, ele lamentou para Cyprus, mas, novamente, não houve
resposta.
Seu primeiro dia foi incrível. Ele experienciou a manhã, a tarde e a noite, em sequencia, através dos
sentidos do corpo como Ma-ah fazia. Não mais mistura e combinação de épocas e estações. Ele viu
o mundo a partir do ponto de vista dela. Ou seja, ele via apenas o que ela via, embora ele pudesse
interpretar eventos a seu próprio modo. Ele nunca se sentira tão limitado. Ele não podia sair do dia
de Ma-ah, não importava quanto tentasse.
No final da tarde já estava escurecendo. Novamente o vento começou a aumentar. A lua aparece
vagarosamente no horizonte. Ma-ah e Rampa terminaram de comer algumas raízes particularmente
amargas que eles tinham juntado durante o dia. O resto eles prenderam ao redor das cinturas com
uma corda feita de ervas daninhas resistentes. Olhando através dos olhos de Ma-ah, Sete percebeu
que eles estavam muito longe da caverna para que pudessem voltar ao anoitecer, e os rochedos aqui
se elevavam estreitos e lisos, não oferecendo nenhuma chance de abrigo. O corpo estava muito frio.
As coberturas se friccionavam contra a pele com regularidade irritante, e os sapatos de pelo mal
estavam gastos. Os pés, Sete percebeu, estavam perdendo toda sensibilidade.
Até agora as sensações do corpo tinham tomado toda a atenção de Sete. Ele nunca havia enfrentado
tal barragem de estimulo constante aplicado sem ser capaz de abandoná-lo quando quisesse. Ele
escutou o que Ma-ah disse a Rampa, mas ele estava tão absorto nos sentimentos da linguagem, nas
sensações envolvidas no discurso, na corrente de ar através da garganta, que ignorou até mesmo a
conversa.
Ela não sabia que os pés estavam quase congelados? Ela não sabia que o corpo estava precisando de
ajuda?
Então, como se em resposta às questões de Sete, as emoções de Ma-ah deslizaram sobre a
consciência dele, só que se apagaram. Ele podia sentir a própria consciência desaparecer sob medo
repentino, urgência – as palavras e sentimentos instantaneamente traduzidos. “É culpa de Rampa.
Eu não devia tê-lo escutado. Eu sabia que estávamos indo muito longe. Meus pés! E ele está
mancando.”
As emoções transformaram o corpo imediatamente. Os ombros caíram, os lábios se curvaram. O
sangue foi chamado a muitos lugares ao mesmo tempo. A barriga se inchou, gases foram recolhidos.
Sete sentiu a si mesmo esmagado, ameaçado de extinção (Tolo medroso”, Cyprus diria mais tarde).
Mas ele se levantou, retirou-se do labirinto fora de Ma-ah. Ele sabia algo importante. O que era?
Desesperadamente tentou fazer um pequeno ponto de silencio, uma estrutura que o mantivesse
acima de todo aquele tumulto. Ele sabia o que fazer e aonde ir, se apenas ele pudesse se lembrar. A
contusão dos barulhos do corpo, as atividades e emoções ainda estavam ali. Mas Sete elevou sua
consciência acima disso tudo em algum lugar, como uma aranha nas vigas do texto e se lançou.
Ma-ah continuou marchando. Agora Sete distinguia a voz dela das outras florestas de vogais,
silabas, grunhidos e sons corporais, mantendo o rastro de que atividade estava acontecendo dentro
dela do que se originava de fora. Porém, a voz de Rampa, vinda de fora, definitivamente afetava o
interior do corpo de Ma-ah. Sempre que Rampa falava, uma variedade de respostas misturadas se
elevava na consciência de Ma-ah, e cada uma tinha uma repercussão física instantânea. As emoções
dela subiam e desciam num ritmo tão escalonado que por um momento Sete confundiu com o subir
e descer que as ancas fazem ao andar.
Mas ele conseguiu se agarrar ao precário ninho de silencio que ele fez, e se concentrou tão
arduamente quando pode. Redes não familiares de energia cresceram de seu estado de alerta. Ele
podia senti-las. Eles foram entrando na noite, procurando. Finalmente apontaram claramente para o
sudeste. Mas, por que? O que queriam dizer? Sete apenas sabia que devia seguí-los.
Os corpos deles desceram. Novamente, sem saber como havia feito isso, Sete assumiu o corpo e
começou a andar mais uma vez. Ao mesmo tempo se manteve concentrado. O que ele sabia e que
tinha esquecido?
As redes de luz se moveram novamente. Elas convergiam para um despenhadeiro particular, não
muito longe. E de repente a rocha se tornou transparente para Sete. Dentro dela ele vislumbrou luz,
distancia, e atividade. Sete se viu diante do problema.
Ele sabia que tinha que tirar Rampa e Ma-ah daquele rochedo.
Ele tentou enviar um sinal para ela mentalmente. “Ma-ah, Ma-ah. Por esse lado”. Nada. Ela
continuava marchando adiante, lamuriosa, frustrada, e com frio. O próprio senso de futilidade de
Sete era quase maior do que ele podia suportar, ele temia voltar para o tumulto das emoções do
corpo dela novamente. Lutando por controle, ele sentiu sua consciência separada escorregar e
conforme perdia seu isolamento duramente conquistado, ele agora era Ma-ah.
“Oh, temos que chegar naquele despenhadeiro”, ela pensou freneticamente. Ela sinalizou para
Rampa. Ela estava agindo tão estranhamente durante todo o dia que Rampa assentiu, meio exausto e
meio surpreso por ela parecer tão segura de si. Ma-ah cerrou os dentes determinada. Ao mesmo
tempo ela se perguntava por que o despenhadeiro era tão importante e como ela sabia que eles
deviam alcançá-lo.
Ambos simplesmente caíram contra o rochedo quando chegaram ali. Ma-ah gritou com
exasperação. O que quer que ela tivesse em mente, o rochedo estava liso, intacto. Sue
desapontamento a sufocou. Ela estava muito cansada para seguir adiante. Seus pensamentos se
tornaram nebulosos. E Sete percebeu a própria consciência uma vez mais suspensa em algum lugar
dentro de Ma-ah, mas à parte. Ele experimentou com cautela, moveu o copo, abriu seus olhos e
sentiu as paredes do rochedo com as mãos da consciência. Para isso, nesta situação, ele precisava da
sensibilidade das mãos.
Mas os dedos de Ma-ah encontraram o que Sete estava procurando, e a porta que ele, de alguma
forma, sabia que estava ali, se abriu. Sete empurrou o corpo para dentro. Ele não podia empurrar o
corpo de Rampa de fora para dentro, e Rampa não parecia ser capaz de fazer isso por si só. Pior,
Sete sabia que a porta se fecharia automaticamente em apenas alguns segundos. E sua própria
energia estava flutuando. Num instante tudo ficou brilhantemente claro. No próximo, sua
consciencia se esmaeceu.
Sete gritou “Rampa!”, mas as palavras vieram do lábios de Ma-ah, na voz dela. Rampa levantou sua
cabeça e, com a metade dela levantada, arrastou-se para ela. Assim que ele entrou, a porta se
fechou.
A partir deste ponto mais alto de consciência, Sete pensou presunçosamente “Eu deveria ganhar um
Dez nesta parte do exame”. Em seguida, confuso, ele pensou o que ele queria dizer com aquilo.
Capítulo Quatro
A descida de Proteus
Proteus esteve ciente de sua carga emocional em direção à Terra tanto quanto pode se lembrar. Ela
foi compartilhada praticamente com ninguém. Nenhum de seus amigos de escola mostrou o menor
interesse. Durante as longas tardes quando eles se sentavam em suas áreas de estar separadas para
as aulas de televisão e quando eles conversavam via vídeo durante os períodos de discussão, a Terra
nem sempre era mencionada.
Eles falavam sobre ir para for quando a escola estivesse terminada e os aparelhos eram desligados,
mas nenhum deles parecia perceber que lá fora não era realmente lá fora. É claro, as arvores
plásticas eram replicas das reais, e as sombras que elas forneciam eram reais o bastante, mas a
constante iluminação do céu interno abaixo do domo nunca era brilhante, a sombra não era
necessária tão necessária. Era só um efeito. Nenhum pássaro voava através dos ramos também, e
não importa o quanto bem cuidadas as arvores eram, elas sempre pareciam artificiais para ele. Às
vezes parecia como se ele soubesse melhor, que em algum passado esquecido ele tinha conhecido
arvores reais e que nunca estaria satisfeito com as falsas. O que era impossível, é claro.
As cidades flutuantes eram mantidas no lugar por motores carregados atomicamente que, de
maneira automática, compensavam qualquer desvio em relação a determinados pontos específicos
da Terra. Ninguém vivo se lembrava da época quando as pessoas viveram na Terra, em qualquer
quantidade. E nunca houve arvores reais nos complexos da cidade sob o domo. Mas, a despeito
disso, ele sonhava frequentemente com a Terra costumava ser. Ele se sentia irritado em prol dela.
Eles simplesmente a abandonaram, desistiram dela. Ele começou a devorar os microfilmes
disponíveis da vasta videoteca. Muitas vezes ele se sentava tarde da noite, secretamente, olhando os
filmes, até de manhã.
O excitamento dele cresceu com seu conhecimento. Havia vários postos na Terra: sítios
arqueológicos e escavações, varias instalações cientificas e, ele suspeitava, algumas comunidades
voltadas para a natureza que, de alguma maneira, iludiram a vigilância por satélite. Ele não estava
certo disso, ele disse a si mesmo pela centésima vez, mas era uma possibilidade.
Ele começou a juntar material semanas antes de seu plano. Sua mãe tinha uma posição
administrativa, vindo para casa apenas algumas semanas num período de seis meses. Então,
esconder sua intenção dela não era problema. Manter segredo diante da presença quase constante de
seu pai era outra coisa. Mithias era um “pai grupo”, no entanto, seguindo os passos de uns trinta
meninos e meninas num circuito fechado de televisão, supervisionando os estudos deles e de suas
atividades agendadas. Ver seu pai tão empenhado sempre deixou Proteus irritado. Por que as classes
não podiam acontecer num grande módulo escolar como era nos séculos passados?
Esta tarde, no entanto, um único pensamento preocupava Proteus. A cada terça-feira ele e seu
amigo, Grek, caminhavam, uma atividade praticada por quase todo mundo para garantir suficiente
desenvolvimento muscular e motor.
Contudo, essa tarde seria diferente de qualquer outra. Proteus pensou que Grek perceberia sua
excitação no momento em que eles se encontrassem, não importava quanto ele tentasse esconder.
Mas Grek só andou ao lado dele, conversando como de hábito sobre os eventos diários.
Tudo que Proteus fazia ou dizia parecia antinatural e suspeito para ele mesmo. Ele continuou
jogando olhares de soslaio para Grek, certo de que tinha, de alguma forma, se denunciado, mas
Grek, obviamente, não via nada diferente sobre o dia ou em Proteus. Eles almoçaram, como de
hábito. Sem nervosismo, Proteus sugeriu que eles vissem qual dos dois conseguiria comer mais
rápido.
Então caminharam pelas ruas de plástico, gritando e rindo, estourando as pílulas do almoço (P.A.‟s)
nas bocas tão rápido quanto possível. Cada pílula tinha duas proteínas básicas (P.B.‟s), dois
carboidratos simples (C.S.‟s) e um suplemento de aminoácidos (S.A.). Proteus deixou Grek ganhar
porque ele se sentiu culpado por esconder seus planos do amigo.
O jogo havia sido tolo também, ele pensou. Seria a ultima vez que ele devoraria suas P.A.‟s tão
indiferentemente, tão certo de um suplemento constante. Ele tinha guardado bastante delas? Estava
certo que sim. Contudo...
“Você está bastante quieto”, Grek disse.
“Oh, é sempre a mesma coisa”, Proteus disse. “Andar por estas ruas me deprime, embora eu saiba
que não devesse ser assim. E continuo desejando que os meninos recebessem o mesmo treinamento
que as meninas recebem, que são ensinadas sobre negócios e políticas numa idade jovem, assim
elas podem ver como o mundo funciona. Se fossemos garotas estaríamos estudando seriamente em
nossa idade, não somente olhando passivamente nossos pais administrar os módulos onde vivemos
ou aprendendo tarefas mundanas sem importância”. De fato, Proteus ficou surpreso com o som
normal de insatisfação em sua voz, pois ele estava apenas falando por falar. Mas ele não estava
mais preocupado com problemas como esse. Não ele.
Alguns garotos passaram nos esquis-aereo. Um homem estava sentado na varanda de um modulo,
rosto inexpressivo, conforme eles passavam. “Vê?”, Proteus disse. “Ele parece tão artificial quanto
as arvores. Bom, não realmente. Meu pai o conhece. He tem tanta responsabilidade quanto qualquer
homem por aqui, mas isso não é o bastante. Ele controla o regulamento da chuva, mas, de qualquer
maneira, é tudo informatizado”.
“Oh, não comece com isso de novo”, Grek disse. “Meu pai diz que você vai acabar com problema
de verdade. Você vive tão insatisfeito todo o tempo”.
Isso fez Proteus rir. “Se você soubesse”, ele disse. “Quero dizer, como é divertido isso! Que tipo de
problema você pode ter por aqui?”
“Eu não sei”, Grek disse, constrangido.
“É isso. Nenhum”, Proteus continuou. Sua fala tinha a intenção de manter Grek ocupado enquanto
ele pensava em seus últimos planos. Conforme se aproximava o tempo de ele fazer seus
movimentos, ele ficava mais e mais nervoso. Logo Grek sugeriria que eles retornassem. Como de
hábito, eles eram esperado em casa antes do jantar e já estavam andando por umas duas horas. Já
estava próximo das 18 horas. Ele sentiria saudades de seu pai? De Grek? Não havia algo que ele
pudesse dizer a Grek sem revelar tudo? Algo de que Grek pudesse se lembrar depois?
“Grek...nós somos amigos, não somos? Olhe, eu gosto bastante de você”.
Grek parou e olhou para ele. “Por que você precisa falar isso? Claro que somos amigos”.
“Eu não sei”. Proteus sentia vontade de rir, de chorar. Ele sentia-se reservado, contudo com vontade
de gritar seu segredo bem alto, para todo mundo escutar. Ele se pegou a tempo – ele precisava de
duas horas de lambuja. Ele tinha que chegar à rampa que havia demarcado. Ele disse calmamente
“Vamos voltar de maneira diferente”.
Ele pausou e olhou ao redor como se estivesse tentando descobri que caminho tomar. Na verdade
ele estava fingindo, pois estava dando um longo e ultimo olhar para a vizinhança na qual ele havia
vivido desde que se lembrava. Os módulos se esticavam tão longe quanto ele podia ver. Cada
complexo era uma duplicata das antigas condições da Terra, tão perfeito quanto a Arte e a Ciência
podia idealizar. Cada cidade foi construída com a decoração de um período particular da Terra. Essa
era da America do século dezenove. Ele morava no bloco Ohio.
“Nós sempre voltamos para casa pelo mesmo caminho em que viemos”, Grek disse.
“Eu sei, mas a corrida do almoço me deu uma ideia. Vamos pegar, cada um, um caminho diferente
para meu modulo e ver quem chega lá primeiro. Vou por um bloco à esquerda e você vai por um
bloco à direita. É só uma ideia. Se você não quiser...”. Proteus partiu. Ele sabia que Grek
concordaria. Qualquer tipo de desafio sempre era divertido.
“Tudo bem. Pronto, vamos!”, Grek gritou. Ele virou ao redor sem olhar para traz e começou a
correr tão rápido quanto podia pela direita. Chocado, Proteus ficou ali por um momento. Ele não
percebeu que Grek decolaria tão rápido ou que não havia tempo para fazer nenhum gesto, nenhum
adeus velado. Grek desapareceu pela esquina. Proteus começou a correr, mais e mais rápido,
parando apenas quando tinha que recuperar o fôlego.
O material ligeiramente elástico da calçada facilitava um pouquinho cada passo, então ele tinha um
senso de aceleração, como se ainda estivesse correndo tão rápido que pudesse ir parar na copa das
arvores. Seus pés estavam estranhamente frios, embora o ar fosse mantido nos constantes 73.2, e
seu coração estava batendo forte quando finalmente ele chegou à área de cinco hectares das arvores
e campos artificiais que cercavam o complexo da cidade.
Bancos estavam colocados ordenadamente ao redor da paisagem, cada um com um arbusto a seu
lado e um pote cheio de flores artificiais. Agora, na hora do jantar, a área estava vaga. Algumas das
flores estavam crescendo, frágeis; os cientistas estavam trabalhando num novo material que poderia
reproduzir-se ou, ao menos, reparar-se, mantendo um aspecto mais natural. Proteus ficou pensando
se ele voltasse, e se realmente ele o fizesse, se a nova “vida” plástica estaria substituindo a antiga.
Há uma semana ele tinha cortado cuidadosamente um pedaço inteiro de “grama” e colocou seu kit
de sobrevivência e suprimentos sob ela. Agora ele o recuperou às pressas. Estaria escuro às sete
horas, quando as luzes do dia automaticamente eram baixadas para uma iluminação mínima. Um
sentimento de pânico bruxuleou atrás de sua cabeça. Ignorando-o, ele inflou seu aero-esqui, colocou
seu kit de sobrevivência sobre as costas e deslizou pelo ar tranqüilo. Os esquis funcionavam
reagindo contra o ar abaixo deles. O dele era um para meninos, permitindo apenas uma elevação de
seis pés, mas eles podiam se locomover suficientemente rápido.
Ele estava bastante apressado agora para desfrutar do passeio de esqui, como ele normalmente fazia,
mas seu amor pelo esporte valeu a pena. Ele era um especialista em montar os redemoinhos
regulados de ar que subiam e desciam. E o esqui alcançava quase trinta milhas por hora. A luz
começou a se esvanecer para um brilho inicial. Isso duraria quarenta e cinco minutos. Ele não
estava tão próximo como obviamente estaria na máxima luz do dia, e se alguém o visse ele se
pareceria com qualquer garoto, andando de esqui se você não soubesse sua direção. Pois agora ele
estava indo embora do complexo.
Em outra meia hora ele estava em seu destino. Ele flutuou para baixo, deflacionando o esqui e atou
em torno da cintura, assim que o céu interior ganhou a luz da noite. Ele tinha levado meses para
descobrir a entrada da rampa. Agora estava a apenas dez minutos. Ninguém vinha para essa área,
exceto as equipes de manutenção. Aqui nenhum esforço tinha sido feito para a decoração; uma série
de prédios plásticos cinzentos se alastrava silenciosamente. Ele alcançou a entrada da rampa.
Nenhum deles estava guardado, para começar, ninguém exceto as equipes de mulheres os usavam.
Proteus parou, incerto. Logo Grek ficaria pensando o que tinha acontecido com ele. seu pai ficaria
preocupado. Ele deveria voltar enquanto podia? Ele estava fazendo a coisa certa. Seus olhos ardiam.
Garotos nem raramente competiam para o exame para o Treinamento Histórico, já que era um
campo feminino. Seu pai disse que ele reescreveram a história, mas ele tentou e fracassou. Se eles o
tivessem considerado provavelmente ele nunca teria decidido arriscar-se por conta própria, a
descobrir a Terra por conta própria. Ele teria ficado satisfeito com os registros.
Ao se lembrar, sua decisão voltou com uma corrida morna. A grade estava sob ele. ele a pulou
facilmente – ela havia sido feita para as mãos das mulheres mais leves – e a fechou a partir de
dentro. Rapidamente ele começou a descer a escada mal iluminada nos degraus.
Seus passos ecoaram através do túnel de alumínio. Seu couro cabeludo e suas orelhas começaram a
formigar. Suponhamos, só suponhamos, que não possamos sair na extremidade inferior e alguém
fechasse a saída superior? “Você está agindo como uma criança assustada”, ele disse a si mesmo
com desprezo. Ele sabia que as rampas se estendiam a apenas algumas centenas de metros, contudo
parecia que os passos nunca terminavam.
Havia outras rampas, mas muitas eram usadas para transportar materiais científicos e ele não
conhecia os horários. Por isso ele escolheu uma rampa de utilidade, pois elas eram visitadas apenas
várias vezes por ano para inspeções. Mas agora ocorria a ele que se acontecesse alguma coisa e ele
não pudesse sair, então levaria muito tempo até que ele fosse ncontrado. Não que ele não tivesse
suprimentos em quantidade suficiente, ele disse a si mesmo rapidamente, pois ele tinha. Ele só
estava nervoso porque não poderia ter sabido de antemão como se sentiria.
A descida foi estranhamente desagradável. Ele se sentiu como um dos insetos arcaicos que ele havia
visto nos microfilmes, rastejando dentro da enorme rampa que descia da parte de baixo da cidade.
Talvez fosse só o conhecimento de que cada passo o estivesse colocando mais próximo do final da
rampa que o incomodava, ele pensou.
Por duas vezes ele parou para descansar, agarrando a fina grade com as duas mãos e deslizando seu
kit de sobrevivência para baixo nas escadas. Ao mesmo tempo ele ficava pensando em seu pai, que
devia saber de seu desaparecimento por agora – provavelmente ele estava questionando Grek nesse
exato momento.
Para mostrar a si mesmo que ele realmente não se importava, ele começou a descer as escadas, o
eco de seus passos ficando mais alto. Então os degraus terminaram. Numa pequena porta estava
escrito: “Saída – Superfície”. Ela se abriu automaticamente ao toque de Proteus e se fechou atrás
dele. Um estreito corredor forrado com maquinas dava para uma segunda porta.
Proteus engoliu em seco. Se ele estava certo, ele devia estar em um dos elevadores aéreos atômicos
raramente usados pelo lado inferior da cidade flutuante, com nada entre ele e a Terra exceto sete
milhas de espaço vazio! Ele olhou ao redor para a pequena sala globular na qual ele estava. Ele
tinha conseguido – as marcas no console da parede lhe disseram que ele estava num elevador aéreo.
Mas suponhamos que ele não pudesse manobrá-lo?
De repente, um zumbido começou, um zumbido estranho. Proteus prendeu a respiração. Sua entrada
deve ter ativado o mecanismo. Mesmo agora seu peso e dimensões estavam alimentando os mini-
computadores responsáveis pela descida. Uma luz vermelha se acendeu. Ao mesmo tempo, tres
sinais brilharam: DECLIVE AUTOMATICO, PAUSA PARA INSTRUÇÕES e AGUARDE.
A própria sala começou a vibrar suavemente. Proteus engoliu em seco novamente, pressionou o
botão que dizia DECLIVE AUTOMATICO e fechou seus olhos tão firmemente quanto conseguiu.
Seu estomago se embrulhou. O elevador aéreo saiu de seu ninho abaixo da cidade e começou sua
descida.
Os olhos de Proteus se abriram. Dentro, as luzes diminuíram. Um marcador piscou: 35.000 pés. A
visão daquilo quase o fez adoecer quando ele percebeu que os planos eram uma coisa e que a
realização era outra bastante diferente. Cá estava ele, 35.000 pés no espaço, sozinho, descendo cada
vez mais distante do único mundo que ele conhecia.
Um dos lados do elevador aéreo tinha uma janela transparente. Ele olhou para fora, mal acreditando
no que via.
O vazio brilhante se esticava ao redor dele, um infinito céu azul através do qual ele estava
descendo. Então, ele olhou para baixo – em terror – pois abaixo havia montanhas de nuvens escuro-
acinzentadas, pesadas e ameaçadoras, como um piso irregular em movimento sobre o qual o
elevador aéreo deveria, certamente, cair.
Desesperadamente ele olhou para cima, para ver a parte escura inferior da cidade desaparecendo
conforme ele mergulhava ainda mais para baixo. Poderia ele fazer o elevador aéreo inverter-se no
meio do ar? Ele olhou os marcadores. Não, ele pensou, mesmo com o pouco que ele sabia, ele
estava certo que a reversão era impossível.
Agora lia-se no marcador: 30.000 pés. Ele olhou para baixo novamente, atônito, pois ele se
aproximava das nuvens, buracos apareciam nelas, como se por mágica. Ele nunca havia visto
nuvens antes – não as naturais –, apenas as tres domésticas que passavam a cada chuva de quinze
minutos, mas ele as conhecia academicamente. No entanto, nenhum filme ou informação poderia
descrever como elas realmente eram, e involuntariamente ele gritou maravilhado quando o elevador
aéreo passou através de um dos buracos nas nuvens. Ele arquejou – as nuvens cederam, como se de
propósito. As nuvens sabiam. Elas eram vivas, ele pensou, como as criaturas do céu. Para ele
parecia que elas estavam correndo por todo o céu aberto, para olhar.
Proteu ficou ali, mãos pressionadas contra a janela, paralisado. Havia camadas e camadas de
nuvens. Novamente ele pensou nas criaturas do céu pastoreadas. O que elas pensavam quando o
olhavam passar? Então, repentinamente, elas se adelgaram, afastando-se, juncadas, como se
amedrontadas. Mais uma vez ele gritou involuntariamente quando a curva da Terra apareceu, com o
sol numa borda, espirrando os mais incríveis raios de luz que ele já havia visto ou imaginado. Ele
havia visto microfilmes de pores do sol, mas eles nunca nem sequer insinuavam essa vitalidade
cintilante.
Ele olhou o marcador rapidamente, fascinado. 20.000 pés. O solo – a superfície da Terra surgiu
repentinamente. Manchas gigantes coloridas estavam visíveis, algumas escuras, sombras quase
pretas-azuis-reais expressas pelo sol real! Algumas tão brilhantes que ele mal conseguia olhar para
elas. Sua excitação cresceu quando o elevador aéreo desceu mais. As montanhas eram como dentes
gigantes saindo de uma boca aberta. Ele estava indo para o solo numa área perfeitamente plana, o
assoalho da “Boca”. Ele prendeu sua respiração quando o elevador aéreo mergulhou nas sombras,
abaixo do horizonte, e o solo apareceu impetuoso.
O movimento parou. O elevador aéreo aportou. A porta – impossivelmente – se abriu. Uma luz
piscou: AGUARDANDO POR INSTRUÇOES. Dois marcadores brilharam, um deles dizendo:
AGUARDE; e o outro dizia RETORNO AUTOMATICO. Proteus mordeu os lábios. Se ele ousasse
definir o controle AGUARDE, se fosse o caso. Como seria bom saber que ele podia voltar se
quisesse. Assim que o elevador aéreo tivesse ido embora, suas conexões com sua casa estariam
desfeitas. Mas, não, o elevador aéreo não deveria ser desperdiçado. Sua mão tremia, mas ele apertou
o botão RETORNAR. Então ele saiu correndo tão rápido quanto podia, temeroso de que o veiculo
pudesse decolar enquanto ele ainda estivesse dentro. Ele correu para a pequena rampa, abaixo dos
degraus, e deu seu primeiro passo no solo.
Enquanto ele estava ali, o elevador aéreo estremeceu e quatro pequenos foguetes se acenderam,
emitindo suas chamas famintas para fora. O elevador aéreo se elevou, vacilou um pouco e, então,
vagarosamente, decididamente, começou sua ascensão estabilizada. Ele se sentiu como se estivesse
perdendo tudo. “Adeus”, ele gritou. Então, resolutamente, ele se afastou.
Inicialmente, a cena diante dele era terrível. Instintivamente Proteus olhou para cima, mas nenhum
domo de plástico cobria o ríspido céu real. Agora que todo o céu estava sobre ele, em cima dele,
não ao redor dele, ele ficou inquieto. O tardio pôr-do-sol brilhou através das planícies rochosas que
atingiam a distancia, onde finalmente eram cercadas pelos altos morros. O brilho do sol feriu seus
olhos, mas, mais do que isso, ele não estava preparado para os alcances espetaculares do espaço
aberto no qual ele repentinamente se sentiu muito pequeno e vulnerável. Ele estremeceu. Ele nunca
havia se sentido tão desprotegido em sua vida.
Ele olhou novamente, dessa vez na direção oposta. O elevador aéreo globular estava subindo,
ficando cada vez menor e mais querido a cada minuto, parecendo agora um balão. Logo ele não
seria capaz de vê-lo mais. Proteus olhava, pensando no complexo da cidade flutuante para o qual o
elevador aéreo voltaria. Ele suspirou, percebendo quão confortável ele havia estado dentro da
bugiganga plástica. Agora ele quase ansiava pelas paredes protegidas do elevador aéreo.
Sua pele já estava com comichão. O ar era selvagem aqui, não controlado e espaçado.
Surpreendentemente suave, contudo ele se pressionava contra seu rosto, impondo-se ao redor dele,
empurrando-o, embora gentilmente. Parecia vivo. Até o chão, que parecia uma ninhada de grânulos
de areia e pedras, e pequenas ervas. Ele estava tão surpreso por estar andando sobre uma superfície
irregular que, assim que parou, ficou quase com medo de seguir adiante. Ele balançava quando
andava. As pedras machucavam seus pés, e ele percebeu que seus sapatos não seriam de utilidade
alguma. O sol caia há alguns graus no céu.
Quantos outros seres humanos estavam na Terra? De repente ele se sentiu um bravo, heróico, pego
em um ímpeto de exaltação. Uma vez sua mãe o levara consigo numa viagem de negócios para a
Lua, mas a Lua era civilizada e bastante mundana nas áreas dos domos. A Terra era diferente. A
Terra era primitiva, real. De um estranho modo, ele sentiu que tinha chegado em casa.
Seu esqui aéreo poupariam seus sapatos e pés até que ele se acostumasse a andar na superfície. Ele
o inflou e decolou, voando acima das rochas e pedras. Mas logo viu que estava com problemas.
Percebeu bastante tarde que o esqui tinha sido desenvolvido para as correntes de ar comparativas
dos complexos. Era impossível deslizar suavemente neste ar indisciplinado, acidentado.
Tentando navegar, ele olhou para baixo dele. Então essa era a Seção 7! Toda a superfície da Terra
estava marcada por símbolos agora, embora os arqueólogos e historiadores pudessem repetir de
memória seus nomes antigos se fosse o caso. Contudo, ele desejava saber o nome do lugar onde
estava. Soou-lhe triste não saber.
Ele procurou em sua mente, mas tudo de que podia se lembrar era o nome Cyprus, que se referia a
uma ilha, ele pensou, não um grande corpo de terra. Contudo, um nome ainda era um nome, e
melhor do que nada. Seu esqui vacilou num súbito redemoinho de ar, mas ele já podia dizer que
estava começando a se cuidar nas novas correntes de ar. Ele deslizou quase facilmente sobre um
monte de ar de bom tamanho e gritou para baixo da ilha “Eu lhe nomeio Cyprus”.
Só então ele percebeu que os raios de sol estavam desaparecendo. Embora ele não precisasse de um
lugar para içar seu pequeno modulo, o pensamento de ficar na área aberta o amedrontou.
Esperançosamente, ele olhou para as montanhas – se ele ao menos pudesse alcançá-las antes da
noite chegar -, a noite real sem a gentil iluminação da cidade. Ele tentou não pensar na noite antiga
da Terra, a que ele havia lido nos velhos registros. Pela primeira vez ele quis saber quão longe as
montanhas estavam em milhas reais de distancia de Cyprus.
Capítulo Cinco ~ As mini-férias da Superalma Sete
A Superalma Sete continuava estabelecendo plataformas para se manter bem acima da experiencia
de Ma-ah, apenas para cair nela novamente. Seu distanciamento dela estava caindo e, nestes
momentos de lucidez, ele pensava que isso não era justo, Cyprus estava indo longe demais. Esta
parte do exame era muito difícil para seu estagio de desenvolvimento. Ele falharia miseravelmente
se não acabasse se perdendo completamente em Ma-ah, se é que isso era possível.
A única vez que ele conseguiu se firmar foi quando ele foi chamado, consciente ou
inconscientemente, por uma de suas personalidades, ou quando Ma-ah precisou dele de alguma
maneira direta. Por exemplo, ele estava perdido dentro de Ma-ah, ou pensou que estava, quando de
repente ele ficou ciente da descida de Proteus à Terra. Rapidamente, imagens claras vieram a ele
conforme Proteus aportava. Uma vez ele viu toda a paisagem a partir da ponta de um dos esquis de
Proteus. “Que diabos ele estava fazendo?”, Sete perguntou irritado.
E o que estava acontecendo a Josef e Lydia enquanto ele estava preso (de que outra maneira ele
poderia chamar isso?) dentro do corpo de Ma-ah? Ma-ah, parecia, precisava da ajuda dele toda
hora. Quando ele era Ma-ah, perdendo sua independência, então ele sentia seu próprio medo e
insegurança, absoluto, sem o beneficio de seu próprio conhecimento superior. E o medo dela
ameaçava devorá-lo. Ele tinha que tirá-la disso, ele perceber repentinamente. Apenas o alívio dela
libertaria a ambos.
Na verdade, ela era bastante agressiva e independente, exceto quando o medo que sentia a fazia
esquecer tudo que ela sabia. Como ontem – foi ontem? – quando eles tinham sido encontrados. Os
homens que os capturaram tinham a aparência diferente de qualquer pessoa que Ma-ah ou Rampa já
tinham visto, e foi isso que os amedrontou completamente.
Ma-ah gritou quando eles foram trazidos abaixo das tochas que foram colocadas nas paredes dos
nichos. Ela e Rampa ficaram aterrorizados pelo fogo, Sete descobriu. Ambos se encolheram diante
do fogo e das sombras escuras que saltavam das paredes rochosas cinzentas. Seus captores – ou
salvadores? – tinham aproximadamente dois metros de altura, como Lydia os mediria, para o um
metro e meio de Ma-ah e o um metro e setenta de Rampa. Além disso, os homens usavam vestes
tingidas com cores brilhantes e, obviamente, não feitas de couro.
Sete sabia que ele tinha algumas informações sobre esses povos, mas as emoções de Ma-ah
continuavam bloqueando a consciência de dele. Na caverna gora, Ma-ah olhava para a parede. Ela e
Rampa queriam saber quando seriam, ou se seriam, libertados. Eles tinham acabado de comer a
última das raízes que tinham juntado e atado ao redor das cinturas.
Uma tocha queimava acima deles. O topo do cômodo era aberto no centro. Os dois estavam menos
amedrontados agora. Ele foram deixados sozinhos por horas. A porta da caverna se recusou a ceder,
mas eles não foram retidos de qualquer forma. A Superalma Sete deixou sua própria consciência
subir novamente, cansada. Ele olhou através dos olhos de Ma-ah, mas quando fez isso, imagens
apareceram na parede da caverna. Elas eram aparentes para ele, mas não para Ma-ah, que não
prestava atenção. Brevemente, ele pensou que aquilo era estranho, já que eram os olhos da Ma-ah
que as estavam vendo. As figuras eram leitosas e opacas inicialmente, em seguida elas se tornaram
claras, suaves, vívidas. Para Sete, mas não para Ma-ah, a parede desapareceu como se não existisse.
Mentalmente, para alguém em particular, Lydia tinha acabado de pedir por ajuda. A parede do
trailer ficou embaçada diante dos olhos dela e ela sabia o que aquilo significava. Era um daqueles
trailers de campista, estilo reboque. Lawrence estava dirigindo. Ela estava lendo na pequena mesa
articulada atrás do banco de motorista. Uma mão delgadamente ossuda ainda descansava no livro.
Agora ela tremeu repentinamente, sem aviso prévio.
Outra...pequena pulsação forte. Rapidamente ela se inclinou para trás enquanto ainda podia, se
ancorando de maneira que não caísse da cadeira. E ela não chamaria Lawrence. Ela estava
determinada a não chamar. Ela o deixaria dirigir, sem tomar conhecimento. As linhas de sua visão
estavam se embaçando mais rápido agora. Algo nela estava cedendo. Ela se preparou para a
confusão, talvez para a inconsciência...
Será que Lawerence seria corajoso para dar os comprimidos a ela? Você prometeu, ela pensou
descontroladamente. Não morrerei senil...numa casa, trancada. Seus olhos se lançaram para o
pequeno gabinete no alto, onde ficavam os comprimidos. Se ela não saísse dela...certo...se sua
mente fosse...embora...se ela não pudesse se manter, Lawrence sabia o que fazer. Olhar para o
gabinete foi a ultima coisa da qual ela se lembrava.
Como de costume, quando ela voltou “daquilo”, ela não sabia o que tinha acontecido. Lawrence
ainda estava dirigindo e escutando o radio. Então, ela não tinha chamado, ou ele não tinha escutado
se ela o chamara. O livro ainda estava ao lado dela. Ela se sentiu tonta, era tudo. Ela...mas quem era
ela? O pânico se alastrou sobre a superfície amedrontada de sua mente. Como ela podia esquecer?
Como o corpo podia esquecer seu nome? O nome do corpo? O corpo tinha um nome? Oh, Deus. Ela
fechou os olhos, sentindo como se pequenas ilhas de conhecimento estivessem se esfarelando,
caindo no oceano infinito do esquecimento.
Tão rapidamente que ele mal percebeu o que estava fazendo, a Superalma Sete saltou do corpo de
Ma-ah para o de Lydia. Com todo o requinte que conhecia, ele apressou o sangue dela, afinando-o,
dando ordens para a consciência do corpo para aumentar a circulação, preenchendo com os
comandos necessários. “Conte, Lydia. Lembre-se, lembre-se. Conte”, ele orientava.
De repente ela se lembrou de um truque as vezes funcionava.
Rapidamente ela achou o nome para o primeiro número, um. Ela o viu em sua mente e se
concentrou nele visualmente. Então, dois. Então, três, continuou na ordem até que finalmente o
pânico se esvaiu e seu próprio nome, Lydia, fluiu de volta para ela entre o quinze e o dezesseis.
A Superalma Sete voltou novamente para Ma-ah, sem saber como tinha conseguido. Ele pensou
triunfantemente: ele não estava preso dentro de Ma-ah então. Ele tinha saído, mesmo que apenas
momentaneamente. Contudo, sua distancia de suas personalidades estava desaparecendo. Ele devia
ter concordado. Nenhuma experiencia jamais foi imposta a uma alma ou personalidade, a propósito.
Mas quando ele havia concordado? E com o que mais ele havia concordado? Sete se sentiu
petulante. Ma-ah já estava inquieta novamente. Com o que ela estava tão chateada? Lydia podia ter
perdido a vida naquele momento – e ele sabia que ela não estava preparada ainda. O pensamento o
intrigou. Se ela não estava preparada ainda, ela não poderia ter perdido a vida, é claro.
Na verdade, Lydia estava pensando a mesma coisa. Cá estava ela. O ataque tinha acabado. Ela
estava viva e, tanto quanto podia dizer, ela ainda estava sã o suficiente. Ela se forçou a se
concentrar em Lawrence e não em si mesma. Quão próxima ela estava, contudo quão distante! Ela
olhou a nuca de Lawrence...como uma grande noz branqueada, pensou ela, o cabelo castanho claro
tão vivo, eriçado; as cordas na parte de trás de seu pescoço tão responsivas. Oh, a facilidade com a
qual seu pescoço se deslocava quando ele olhava a estrada!
“Você está muito quieta aí atrás”, Lawrence disse alegremente.
“Estou?” As primeiras palavras faladas dela após o ataque eram tão brilhantes, sua voz era tão
cristalina e amável, e são e normal, que ela quis gritar com alegria. Oh, Deus, como a vida...a
consciência...era boa!
“Que dia lindo. Uma vergonha ler e não prestar atenção”, ela disse. “Então estou olhando pela
janela”.
“Vamos parar para jantar”, ele disse.
“Hum-hum”. Ela abriu sua bolsa e procurou o espelhinho. Sua face estava...intacta. Que velha. Os
olhos, alaranjados, pareciam claros, alertas, sábios, sarcásticos como de costume. O rosto não estava
terrivelmente enrugado para setenta e três anos – ela era muito magra para ficar enrugada, ela
supôs; a boca pequena, com os cantos para baixo; o tufo branco de cabelos ainda era vigoroso.
Contudo, o que havia acontecido nestes...? Tres minutos?
Sangue insuficiente para o sangue, como os médicos descreveram. E, despercebidamente, as
pequenas células morrem, uma por uma, apagando-se. Levando a memória e o desejo com elas. Que
acontecimentos tinham desaparecido que ela não mais se lembraria? Que discriminações sutis
necessárias à vida diária teriam desaparecido? Quantas você tem que perder antes que isso
aconteça? Pena do pobre corpo, da pobre mente, tão impensável perder sua preciosa carga.
“Droga!”, ela lançou para si mesma. Este tipo de pensamento era pior do que, bom, talvez até do
que o próprio ataque. Isso secava a boa vontade. Viver o momento. Ela olhou para fora, preencheu
sua mente com a paisagem. Era outono. Por que o outono sempre a fez alegre? Fazia.
Eles passaram pelo relvado marrom-acinzentado e por outro que tinham folhas caídas num
alaranjado profundo, e logo estavam dirigindo por uma pequena cidade. Havia todo tipo de casas,
ela pensou; e cada uma era secreta e misteriosa, contendo em si dimensões de experiências humanas
que nunca poderiam ser traduzidas em palavras. As palavras a deserdariam também? Poderiam, ela
supôs. Contudo, cá estava ela, setenta e três anos, viajando através destas cidades e vilas nesse
presente, no hoje.
De repente ela riu. Pareceu que todas as casas e arvores eram todas artificiais de algum modo que
ela no podia colocar seu dedo ali; que as folhas de alguma maneira eram...recicladas e usadas
novamente. E ninguém sabia a diferença, exceto, talvez, alguns poucos; as crianças talvez. No
entanto, uma grande nostalgia a preencheu ao mesmo tempo, como se toda a cidade já tivesse
partido além da lembrança, ou como se ela tivesse partido de algum modo que ela não conseguia
entender.
Simultaneamente uma onda enorme de amor pelo mundo físico real a preencheu. Essa era a Terra
real, afinal de contas. E ela ainda estava nela, ainda racional e viva nela. Ela se sentiu exultante.
“Estas encantadoras cidades de Ohio”, ela disse...
“É a lembrança de Proteus sobre o bloco de Ohio e sua folhagem artificial que acabou de atingir
Lydia, como se estivesse vazando. E é o espanto fresco de Proteus à Terra natural que está
revivificando o espírito dela agora”, Cyprus disse para a Superalma Sete. “Proteus, no século vinte e
tres está construindo seu módulo ao mesmo tempo em que Lydia e Lawrence montam a pequena
barraca de camping deles no século vinte. Você entende? Há pontos de associação em atividade”.
Sete piscou. Esta conversa com Cyprus tinha, obviamente, acontecido em algum tempo e ele agora
estava se tornando ciente dela. “É claro. É óbvio", ele disse, tentando desesperadamente se ampliar.
“Mas você frequentemente ignora os detalhes”, Cyprus disse. “Quando você ajuda uma
personalidade você ajuda todas as outras. Inconscientemente cada uma delas sente os efeitos. Por
isso cada personalidade ajuda a outra e, quando você está em contato com uma, você também está
em comunicação com todas elas”.
“Mas quem me ajuda?”, Sete perguntou petulantemente. “Estou acuado como uma bola de vôlei”.
“Uma descrição bastante terrena”, Cyprus disse, sorrindo. “Mas o que lhe faz pensar que você não
tem sido ajudado?”
“Há quanto tempo estamos falando assim?”, Sete perguntou, ignorou a questão.
“Em que termos?”
“Em quaisquer termos”, Sete disse. “Você está apenas lançando anéis ao meu redor. E você acha
que isso é divertido. Ma-ah e Lydia estão com problemas sérios; e talvez Proteus, quem sabe? E eu
fico preso dentro de Ma-ah, apenas preso lá, exceto por agora, e só consigo sair quando alguém
precisa de mim. Isso não é justo, exame ou não”.
“Você cria sua própria realidade”, Cyprus lembrou a Sete, gentilmente. “Todos criamos. Cada
consciência cria. Então, querido Sete, tente se lembrar do que você esqueceu. Ou, melhor ainda,
tenha por garantido que você realmente sabe o que está fazendo e siga a partir disso”.
“Ter por garantido?”, Sete perguntou. “Lá vem você de novo”.
“Sua...situação”.
“Ma-ah está numa situação. E Lydia, e Proteus. Eu não, exceto por esse exame ridículo”.
“Cyprus não podia mais conter sua diversão. Ela suspirou. “Oh, Sete, você terá que voltar para Ma-
ah por enquanto. Fora de seu contexto atual de operações, estou certo de que você concordará
comigo. Você ainda não entende”.
“Mas eu quero saber o que está acontecendo com Josef”, Sete objetou. “E eu não quero voltar para
dentro de Ma-ah. Você não tem ideia de como é terrivelmente confinador, e eu continuo ficando
perdido nela até que eu pense que nunca mais vou sair de lá. Não podemos fazer uma pausa? Um
recesso? E dar uma olhada em Josef?”. A Superalma Sete tinha adotado a imagem de quatorze anos
novamente. Ele a achava mais efetiva ao lidar com Cyprus.
Ela sorriu e disse “Tudo bem. Mas, lembre-se, este será um período de férias muito breve. Pense em
Josef pintando”.
A paisagem da fazenda e o chão estavam no cavalete. Josef estava no processo de aplicar uma série
de esmaltes transparentes nela. Bianka, a filha de dezoito anos de Hosentauf, estava sentada na
cama bagunçada, observando. Quando ele a viu, Sete grunhiu, Josef estava obviamente mostrando a
ela, de pé, com as coxas abertas entre o cavalete, olhando para a pintura com o cenho fechado,
drasticamente reduzido, e muito consciente dos olhares de admiração de Bianka.
“É melhor você sair daqui”, ele disse. “Se alguém lhe pega em meu quarto, eu realmente serei
expulso daqui erguido pelas orelhas ou com um pontapé no traseiro”.
Ela corou, se levantou e mexeu com ele, provocadoramente. Ela ainda não tinha vestido seu
corpete, então, olhando para baixo, Josef viu os seios nus dela. Ela sorriu; sem vergonha, ele
pensou; ela tirou um dos seios para fora do corpete e correu, gargalhando, pelo quarto.
“Eles vão escutar você. Fique quieta. Cale-se”, ele gritou.
“Eles não estão em casa ainda e você sabe disso. Preocupado?”. Ela deu uma risadinha, ofegante,
seus olhos castanhos iluminados, com excitação.
“Bom, seu irmão mais novo está, você não pode suborná-lo para nos deixar sozinhos para sempre. E
se ele contar?”
“Lá, lá, isso é problema seu”, ela riu. “Eu mentirei sobre tudo”.
“Bem, então eu também! Eu também!”, ele gritou. Ele nunca sabia como lidar com ela quando ela
ficava desse jeito e ela sabia disso. “Ah, ao inferno com isso!”, ele bradou, desesperadamente. Ele a
agarrou, jogou-a sobre a cama e riu enquanto ela tirava as roupas dele. Novamente.
Sete estava muito tranqüilo. Ele e Cyprus tinham aparecido na paisagem da pintura, olhando através
dela, para fora do quarto. “Bem, ele certamente está se divertindo”, Sete disse finalmente.
“Pensei que é por isso que você gostava tanto dele, porque ele se diverte”, Cyprus respondeu.
“Bem...ele se diverte, não é? Há algo em tudo isso que não gosto”, Sete disse com dúvida. No meio
tempo, ele e Cyprus discretamente bloquearam a cena, de modo a não invadir a privacidade de Josef
num momento tão pessoal. Simplesmente ficaram na paisagem, enquanto colocavam um escudo
mental entre eles e o quarto.
Quando Sete espreitou de volta, a garota já tinha ido. Um Josef desgrenhado estava sentado infeliz
na cama, resmungando para si mesmo. Ele tinha perdido a maior parte da boa iluminação das horas
do dia, e agora ele estava tão desgostoso consigo mesmo que não conseguia trabalhar. E se ele não
trabalhasse, ele simplesmente se sentia pior. Mais, quando olhou a pintura ele teve a suspeita
incomoda de que algo estava errado. Primeiro que os esmaltes não pareciam tão claros e brilhantes
quanto necessário. Havia uma sugestão de obscuridade insinuando-se na cor. Ele se aproximou do
cavalete e ficou olhando carrancudamente para a pintura.
Três dias atrás a pintura tinha parecido boa para ele. esta manhã ela parecia boa. Agora ele tinha
projetado toda sua insatisfação consigo mesmo para a imagem. Falhas que ele não tinha percebido
antes se tornaram prontamente aparentes. Ele tinha usado cores cinzas demais? Ele tinha colocado
cinza em cima antes que a de baixo estivesse seca? Ou o problema estava no pigmento seco quando
ele o misturou com o óleo?
Ele quase rosnou. A coisa estava arruinada. Arruinada além do reparo. Sua grande inspiração, a
melhor de sua vida – e ele tinha arruinado toda ela, ao inferno com isso; ele nunca seria um bom
pintor. Ao inferno com Bianka e a maldita família dela, e as três péssimas refeições diárias que eles
davam a ele. Ele ainda tinha que comer com os peões.
Para começar, a culpa era de Bianka por tentá-lo, mantendo sua mente longe de seu trabalho. Em
sua raiva, ele gritou e chutou a cadeira da cabeceira para o outro lado do quarto. Então, para a
descrença da Superalma Sete, ele agarrou a tela e a fez voar para o chão com fúria repentina.
Primeiro Sete pensou que a tela tinha ganhado vida de alguma maneira misteriosa. O que ele viu
diante dele era uma paisagem, mas diferente, uma tridimensional que se estatelou ao redor dele. Ele
olhou ao redor, tentando encontrar seu suporte.
Cyprus e Josef tinham sumido. Ele era Ma-ah novamente. Ela estava segurando a mão de rampa.
Diante deles estavam acres de arvores verdes e arbustos floridos, como eles nunca haviam visto
antes. Toda a área estava cercada por imensos penhascos, obviamente impossíveis de serem
escalados. Eles estavam num vale secreto. Um grupo de pessoas vestidas estavam num circulo
pequeno, num montículo de grama, e Ma-ah e Rampa estavam sendo conduzidos a eles.
Sete se sentiu sendo precipitado para a experiencia de Ma-ah novamente. Contudo, estranhamente
o bastante, descer para o corpo quase pareceu como estar voltando para casa.
Capítulo Seis ~ O segundo sonho de Josef
Josef se sentiu sozinho, como se sua alma o tivesse deixado, ou como se uma parte de sua alma
estivesse na pintura que ele tinha acabado de destruir.
Ele não tinha coragem de olhar para ela novamente. Um vislumbre de um manchado da tinta tinha
sido o bastante. Aos pouquinhos, a tinta estava escorrendo à direita da tela nua.
A lembrança da pintura inicial, a inspiração quase cega se elevando zombou dele. Ele não tinha
vivido até ela, é claro. A grande inspiração de sua vida e ele a tinha arruinado num ataque de raiva.
Ou ela havia sido danificada além do reparo mesmo antes de ele tê-la destruído? Ele sabia o tempo
todo que nunca seria capaz de pintar a obra-prima que viu tão vividamente em sua mente?
Josef não gostava de examinar seus sentimentos. Ele só gostava de fazê-las fluir, ou de pintá-las.
Auto-exame o fazia nervoso. Contudo estes pensamentos continuavam retornando quando ele se
voltava para considerações desagradavelmente práticas. Ele tinha que sair dali tão rápido quanto
possível. Jonathan lhe daria o golpe de sua vida e, sem a pintura, ele não tinha nada com a qual
barganhar. Ele poderia lutar com Jonathan se tivesse que fazer isso – eles tinham o mesmo tamanho
–, mas Jonathan estaria politicamente correto, furioso e Josef teria que ficar de fora para se proteger.
Veja a que chegamos! Resmungando, ele juntou suas coisas, os pigmentos secos, frascos de óleo e
verniz, pinceis, três telas laminadas. Sentindo-se pesaroso por si mesmo a cada minuto, ele colocou
as coisas na porta e olhou pela janela para as planícies nevadas e para as colinas baixas.
Havia algumas fazendas onde ele poderia parar. Se ao menos fosse verão, ele pensou, quando ele
poderia fazer desenhos nos festivais da cidade, bajular as senhoras no mercado, então não haveria
problema em encontrar um lugar para ficar. Mas era inverno, e ele estragou seu ninho.
Ele desabou sobre a cama, olhando para seu conjunto de bens. Agora ele via tudo de maneira
diferente. Ele ainda não havia sido expulso. Por que ele devia se pôr no meio do inverno? Talvez ele
pudesse se salvar. Talvez ele pudesse pensar numa boa história. Talvez...de maneira breve o rosto
de Avona Hosentauf apareceu em sua mente – ela ficaria particularmente inflamada com a pintura
destruída –, seu rosto, quando ela visse a pintura, seria um estudo da raiva.
Mas isso era demais. Josef caiu num sono exausto, lançado irregularmente, esperando a força dos
Hosentauf sobre ele a qualquer momento. Quando ele acordou já era mais de meia-noite e a casa
estava silenciosa. Mal acreditando em sua boa sorte, ele se levantou calmamente e abriu a janela. Os
Hosentauf deviam ter voltado tarde e ido dormir, ele pensou. Segurando a respiração, rindo de sua
própria astucia, Josef jogou suas coisas pela janela, direto na neve. Ele não ousaria usar as escadas –
elas rangeriam. Ao contrário, ele foi para a outra janela e, cautelosamente, caiu a poucos metros do
telhado do galpão.
A temperatura estava abaixo de zero, mas agora o ar frio era excitante, e somou-se a seu humor
repentino de exuberância. Quando saltou para o chão, ele pensou na raiva impotente dos Hosentauf
quando eles descobrissem que ele havia ido embora, que a pintura estava arruinada. Com boa sorte
eles nunca descobririam a fuga dele até de manhã, dando a ele ao menos uma chance de estar bem
longe. E por que eles deveriam segui-lo? Ao invés disso, eles simplesmente gritariam e chiariam.
Eles sabiam que ele não tinha como pagá-los pelo quarto e hospedagem, mesmo que tivessem
condição de, com todas as dificuldades, trazê-lo de volta.
Ele juntou seus esquis, jogou sua mochila sobre os ombros e partiu. Inicialmente foi agradável estar
em toda aquela silenciosa noite nevada, mas ele tinha esquecido quão pesado era seu equipamento;
e, depois, estar dentro de todo aquele inverno, o frio incomum começou a irritá-lo, depois a
perturbá-lo, até que finalmente era tudo em que ele conseguia pensar. Ademais, ele não era um bom
esquiador. Ele se sentia mais volumoso do que o habitual – e ele era. Ele tinha usado todas as suas
roupas – tres blusas, duas calças e dois conjuntos de roupas de baixo – e agora seu corpo coçava e
suava por dentro das roupas, enquanto seu rosto congelava até os ossos. Mas valia a pena, ele
pensou, tentando recuperar a alegria anterior. O fim de uma era. Salvo mais uma vez.
Eles o pegaram na manhã seguinte. Ele tinha parado para descansar no início da madrugada quando
viu o cavalo condutor de trenós se aproximando, e escutou o estúpido toque dos pequenos sinos, e
sentiu aquele nó na boca do estomago. Eles chegariam nele a qualquer momento. Não havia
nenhum lugar no qual se esconder e eles já o tinham visto. Ele poderia dizer, pelo hábito de mover a
cabeça de Jonathan e pelos ombros, conforme ele dirigia o trenó. Não havia dúvida, aquele contorno
obstinado.
As Parcas (deusas gregas que tinham poder de controlar e decidir tudo , NT) o seguiram,
perseguindo nas figuras de Elgren e Jonathan, e dos outros que estavam sentados atrás –
provavelmente os irmãos de Elgren, Josef pensou. Para sua própria surpresa, ele apenas se sentiu
paralisado, incapaz de se mover, ou de fazer qualquer coisa, a não ser olhar a aproximação deles. O
trenó se aproximou cada vez mais , com seus contornos em ciinz tomando forma definitiva, a cor
vermelha ficando mais e mais nítida, mais e mais real. Ele se sentiu como se toda a coisa – trenó,
cavalos e cavaleiros, cavalgassem de algum lugar de um pesadelo em sua própria mente, para
persegui-lo. Por outro lado, parecia que eles sempre o perseguiriam, que a persguiçao nunca
cessaria, e que o momento não terminaria nunca.
Por que eles estavam chateados?, ele pensou, com um leve espanto que nem tinha começado a tocar
seu pânico. Vingança? Por que mais? Mas a figura atarracada de Jonathan saltou para a cena, pulou
de seu trenó com seu pai logo em seguida, seguido por outros dois do banco de trás. De uma só vez
todos estavam nele. Eles tinham cordas, que jogaram sobre seu corpo, amarrando seus braços.
"Aaaaahhhhh", Jonathan gritava. "Seu bandido! Ladrão! Aaahhh, mais corda. Amarrem-no bem”.
A visão da corda deixou Josef realmente doido. De repente ele começou a chutar, gritar, morder.
Eles jogaram Josef no trenó, atirando nele seus esqui no fundo do trenó. Os irmãos de Elgren,
ambos grandões, normalmente de bom coração, estavam rindo agora. Eles pensavam que aquilo era
uma grande piada. Entre eles, todo amarrado, estava Josef espantado. No banco da frente Jonathan
estava blasfemando e seu pai, Elgren, se mantinha grunhindo, “sim, sim”.
Durante toda a viagem eles se divertiam fingindo considerar a mais sangrenta das vinganças,
assegurando, ao mesmo tempo, que ele não precisava se preocupar: seu destino já estava
estabelecido com uma punição mais do que adequada para seu crime. Josef fingia não ouvir uma
palavra.
O que eles realmente tinham guardado pra ele? Josef fechou seus olhos e tentou não pensar sobre
isso. Será que eles sabiam sobre ele e Bianka?, ele pensou desesperadamente. O suspense o deixava
mais atordoado do que o movimento do trenó, que inexplicavelmente agora tinha começado a
incomodá-lo.
Finalmente, a viagem chegou ao fim. Gritando, triunfantemente, eles o arrastaram para fora do
trenó, pelo caminho e para a cozinha, onde Bianka e sua mãe, junto com dois garotos menores,
estavam apontando, rindo, de bom humor. Eles o lançaram para a frente, empurrando-o pelas
escadas e o jogaram em seu quarto. Jonathan o empurrou para a cama.
“Nós decidimos o que fazer com você, artista famoso”, Jonathan disse. Ele sacudiu a cabeça
redonda. Molhou os lábios. Seus olhos cinzentos brilhavam. Ele colocou as mãos em seu quadril
encorpado. “Não é, pessoal?”
“Sim”, os fritos vieram de fora da porta, onde o resto da família estava reunida, olhando para
dentro, a partir do topo da escada.
“Estamos colocando você na cadeira. É muito trabalhoso levá-lo para a cidade e dar queixa. Bons
fazendeiros como nós não têm todo esse tempo. Então esse quarto é sua prisão”.
Acenos e gritos por toda parte. Josef se contorcia sob as cordas e olhava furiosamente.
“Você faz fazer uma pintura para nós, como você prometeu. E você não vai receber comida se não
fizer. Todo dia um de nós virá aqui com comida e se você não estiver trabalhando na pintura que
desejamos, bom, então você vai ficar mais leve e mais leve, e mais magro e mais magro”.
Bianka cutucou a mãe e gargalhou.
Elgren parou na frente. “É apenas justo. Um negocio é um negocio. Você não deixa esse quarto,
não importa quanto tempo leve, até que tenhamos uma pintura decente. Minha esposa aqui quer
uma pintura da fazendo, assim como estava. Ela se apaixonou por aquela pintura e é isso o que ela
vai receber”.
“Eu simplesmente não posso copiar uma pintura de novo”, Josef gritou. “Você nunca pode ter uma
pintura exatamente como outra”.
“É melhor você aprender, então”, Avona disse, vindo para a frente, sacudindo o avental no rosto
dele. “Pensou que ia embora com ela, não é? Você nunca teve nenhuma intenção de terminar aquele
quadro, e se a pobre da Bianka não tivesse ficado doente na noite passada sem poder dormir, ela
nunca teria ficado acordada tão tarde para olhar suas coisas lá na neve”.
Bianka baixou seus olhos. Josef poderia tê-la matado.
“E nós vamos colocar tabuas nas janelas, para deixar isso mais parecido com uma cadeia de
verdade”, Jonathan disse. “Aí você vai trabalhar mais duro para sair daqui. Quando você nos der um
quadro que a gente goste por toda boa comida que você comeu, então deixaremos você ir embora”.
“Você simplesmente não pode me manter como um prisioneiro desse jeito”, Josef conseguiu dizer.
“Porque isso é...é imoral. Não conseguirei pintar fechado aqui. E, para começar, preciso de
iluminação para pintar. Você não pode lacrar as janelas”. Inicialmente ele estava aliviado, afinal ele
estava vivo. Mas a solidão e o isolamento seriam insuportáveis, ele compreendeu. Eles escolheram
a coisa mais provável para deixá-lo louco.
Ele escaparia de alguma forma, ele disse a si mesmo, enquanto olhava para as feições orgulhosas,
triunfantes, deles.
Mas naquela tarde eles lacraram as janelas. Não houve comida durante todo o dia ou noite, e ele não
conseguia pintar. Eles deixaram lanternas, mas ele simplesmente ficou sentado ali na penumbra,
sem acender as lanternas. Ele não conseguiu dormir. Finalmente começou a andar pelo quarto...mais
e mais furioso...ele bateu na porta no meio da noite. Ele os deixaria loucos com seu barulho, ao
menos. Mas ninguém prestou a menor atenção.
Ele se cansou, batendo seu corpo contra a porta, gritando, jogando os moveis. Desgostoso, ele
decidiu que nada funcionaria. “Eles fizeram o que disseram”, ele disse em voz alta, surpreso. Ele
realmente não tinha acreditado. Mas um negocio era um negocio para Elgren e Jonathan. Simples
assim. Se ele mostrasse sinais reais de fome, eles provavelmente só mandariam as mulheres para os
parentes de maneira que as condições dele não atenuariam a resolução deles.
Espinhos de suor em pânico eclodiram em seu rosto, escorrendo para seu bigode. Pra começar, ele
nem ao menos sabia se conseguia produzir uma pintura decente agora. Ser forçado a trabalhar
simplesmente fazia as coisas piores. Se ele não conseguisse trabalhar, como poderia fazer alguma
coisa? Ele olhou fixamente para as janelas lacradas. Hosentauf realmente queria prendê-lo, para
matá-lo de fome se necessário. Ele mal podia acreditar nisso, ele pensou novamente. Ele nunca
tinha machucão ninguém em sua vida. Pra começar, como eles puderam levá-lo tão a sério?
Seus pensamentos vacilavam. Em determinado momento ele sentiu seus dentes se apertarem numa
maçã. Com grande entusiasmo ele mordeu a pele crocante. Ela se dividiu com um som estalado.
Amaldiçoando, ele se sentou e olhou pelo quarto, que agora tinha um ar ameaçador que o fez puxar
os cobertores até o queixo.
De manhã, Jonathan e Elgren vieram. Eles olharam em volta. “Sem trabalho, sem comida”,
Jonathan disse.
“A atmosfera não é exatamente inspiradora”, Josef gritou da cama, mas os dois saíram sem outras
palavras, fechando a porta atrás de si. “Vou morrer de fome antes de levantar um pincel para fazer
uma pintura para vocês”, Josef gritou. Ninguém respondeu. Não havia ninguém com quem falar.
Ele bebeu a água que eles tiveram a bondade de deixar num jarro, mas ele estava ficando tonto com
a falta de comida.
No dia seguinte ele ficou deitado na cama, pensativo, e olhando os poucos feixes de luz que caiam
através das frestas das janelas lacradas. Um conjunto de crepuscular preencheu o quarto. Ele se
sentiu letárgico. Ele estava quase convencido de que Bianka certamente se esgueiraria com um
pouco de comida para ele, quando começou a cochilar.
A próxima coisa que ele soube é que estava sonhando. Então o sonho se estremeceu, abrindo-se. O
ar emitiu uma luz trêmula. Ele estava olhando para seu duplo, que olhou para ele, bigodes eriçados,
olhos estranhamente compreensíveis e acolhedores. “O que você está fazendo aqui?”, Josef disse.
“Você é um outro eu? Estou sonhando de novo. Um de mim está em apuros o bastante. Eu
certamente não preciso de dois”.
“Pensei que sua própria imagem seria tranqüilizadora”, a Superalma disse.
“Tranqüilizadora! Quão pouco você sabe”, Josef gritou. Ele virou sua cabeça para a parede.
“Tudo bem. Tudo bem”, a Superalma disse, magoado. Ele mudou sua imagem para a de um sábio
ancião. “Assim está melhor? Vire-se, assim você pode me ver”, ele disse.
“Oh, céus. Agora você é alguém em quem eu posso confiar”, Josef disse. “Onde você estava? Não
tenho visto você em meus sonhos ultimamente”.
“Tenho estado ocupado”, Sete disse. “Por isso eu provavelmente nem deveria estar aqui. Mas eu
sempre me relaciono com você. Mais e mais, você me lembra de mim mesmo. Exceto que você
entra em problemas assim toda hora; e sempre desnecessariamente. Você poderia ter evitado isso
facilmente. Dessa vez você realmente aprontou. Os Hosentauf não lhe deixarão sair também, a
menos que você produza. Você despertou o senso de virtude deles. Eles vão lhe ensinar uma lição,
mesmo que você morra de fome”.
“Eu estou sonhando?”
“Sim e não. Você está dormindo. Eu estou realmente aqui, se é o que você quer dizer. Mas não vou
ficar”.
“Você simplesmente não pode ir embora e me deixar”, Josef contestou. “Não tenho tido ninguém
com quem conversar por dias. Vou ficar louco se é que já não estou. Você tem que me ajudar”.
“Eu lhe dei a ideia para aquela pintura. E o que você fez? Você a arruinou. Você deve gostar de
problemas”, Sete disse, desaparecendo.
“Você não pode ir embora. Eu não vou aguentar”, Josef chorou. “Se você tem que ir, me leve com
você”.
Em máximo espanto com a sugestão, Sete se rematerializou. Ele argumentou. “Isso não é
aconselhável. Isso não é sábio”, ele disse. “Você não é nem mesmo despachado como Ma-ah, ou
Proteus, ou Lydia. E eu não posso confiar numa palavra que você diz, pois você muda de ideia toda
hora”.
“Você vai me levar?”, Josef perguntou.
“Eu vou lhe levar”, Sete disse, suspirando. “Só porque algo em mim sempre se preocupa com você,
no entanto. Mas você tem que fazer o que eu digo, e provavelmente não se lembrará de muito
quando acordar. Se você estivesse acordado, em seus termos, então você não teria feito a pergunta”.
“Que pergunta?”, Josef perguntou.
“Não importa. Olhe ao redor do quarto e me diga o que você vê”.
Josef encolheu os ombros. “Uma cadeira, um cavalete, janelas, e um macaco amarelo engraçado”.
“O macaco não está realmente aí. Você está alucinando”, Sete disse. “Faça-o ir embora ou você
ficará todo confuso”.
“Fazê-lo ir embora?”, Josef perguntou.
“Você tem um macaco em seu quarto normalmente?”, Sete perguntou, como se estivesse falando
com um aluno vagaroso.
“Não.”
“Então ele não deveria estar aqui agora. Ele é um elemento de sonho. Diga a ele para desaparecer
ou vou embora sem você”.
“Vá embora”, Josef disse ao macaco, e ele simplesmente desapareceu. Josef ficou olhando. Um
sentido de poder o fez sorrir brilhantemente. “E você?”, ele disse. “Supõe que eu o faça ir embora?”
“E aí o que você vai fazer?”, Sete perguntou.
“Entendo o que quer dizer. E agora?”
“Bem”, Sete disse. “Não estou muito feliz com o pensamento de arrastar você comigo, mas há
alguém em quem tenho que dar uma olhada antes de voltar; Proteus. Não se incomode. Apenas me
siga e não olhe para trás, para a cama. Veja, vamos fazer isso de um modo fácil. Segure minha
mão”.
Assim que Josef segurou a mão dele, os dois começaram a se elevar no ar. A consciência de Josef
piscou por um momento como Sete pensou que provavelmente aconteceria. Inconsciente, Jose era
muito mais razoável e muito mais fácil de lidar.
Cyprus observou Sete enquanto ele carregava Josef consigo, mas ela só sorriu para si mesma e não
fez nenhuma tentativa de entrar em contato com ele. A técnica dele, ela concluiu, não era nada
discreta.
Capítulo Sete ~ A continuação da descida de Proteus e
o resto do sonho de Josef
O pequeno módulo de Proteus flutuava tão gentilmente quando ele foi acampar em casa que você
simplesmente esquecia que ele repousava no ar. Agora ele estava a apenas alguns metros do chão,
os pés dobráveis descendo para a terra rochosa. Mas aqui as correntes de ar empurravam-no por
todo o caminho e quando Proteus olhou pelo buraco da pequena janela transparente a escuridão da
terra se esticou tanto quanto ele podia ver.
Ele se sentou em uma almofada de ar, comendo sua ultima refeição, tudo o que ele havia reservado
para si, uma dieta mínima de pílulas de jantar regada por água. Ele estava com a impressão que na
Terra real chovia frequentemente e em abundancia, fornecendo água natural que nem precisava ser
reciclada. Ele sabia que não chovia na hora como acontecia em casa, mas ele estava certo de que
chovia todo dia ou algo assim. Por isso ele não carregava tanta água consigo e agora ele pensava em
seu saco plástico pendurando lá fora de seu modulo. Se chovesse, ele o ouviria encher-se e tentaria
se certificar de que a água não derramasse.
Sentado sozinho com todo aquele espaço escuro ao redor o deixou desconfortável, não com medo,
ele disse a si mesmo – havia uma diferença. Na verdade ele sentia falta da iluminação suave que
passava à noite na cidade flutuante, muito embora seu modulo de camping se iluminasse
automaticamente quando o sol se ia. Além disso, ele estava ficando preocupado com o próprio
modulo. Ele estava vacilando um pouco e ele tentava não pensar no que podia acontecer se um
vento realmente forte na Terra começasse a soprar. Será que poderia rasgar o modulo? Ele não
havia sido feito para resistir a livres correntes de ar.
Mas e se vacilasse? A menos que ele ficasse enroscado nas arvores, o que poderia acontecer? No
entanto, seria sábio dar uma outra olhada ao redor, ele pensou – infelizmente. A descida pelo
elevador aéreo não o tinha amedrontado tanto quanto ir lá fora agora. Pois ele confiava no elevador
aéreo, mas o chão do modulo balançou quando ele se levantou, abriu a porta e saiu para a pequena
plataforma. As rodas estavam flutuando horizontalmente no ar, e o vento parecia determinado a
puxar seus cabelos pela raiz; ele ainda encontrou o ar amedrontador instável e seus olhos ardiam.
Você podia cair e quebrar uma perna, ele pensou, segurando-se.
Com seu movimento, o modulo capotou. Proteus caiu, esparramando-se no chão. Desesperado, ele
se levantou tentando firmar os passos. Eles lhe escapavam, como se de propósito, ele pensou, até
que finalmente pulou mais alto do que já tinha feito em sua vida, agarrou o degrau mais baixo e se
pendurou. Seu peso puxou o modulo para baixo o suficiente para que ele pudesse subir a bordo.
Quase chorando, sem fôlego, aliviado, ele entrou e colocou as rodas para dentro, fazendo-as
desaparecer abaixo do sofá na posição de armazenamento.
O vento, que na verdade tinha sido uma brisa suave, ficou mais forte. Rispidamente o modulo
iluminado errou sem destino através do ar, com Proteus dentro, olhando para fora, com medo de
que tivesse se chocado numa área de arvores ou arbustos que pudessem danificar o modulo além do
reparo.
Ele havia começado a falar com o modulo nas ultimas horas. Agora ele dizia: Podemos agüentar
isso. Não se preocupe.
Conforme estava conversando, seus olhos caíram na pequena unidade de TV, mas não havia
nenhuma estação ali, ele disse a si mesmo – pela décima vez. Contudo... Ele ligou o aparelho e
ficou ali, olhando para a tela brilhante e vazia, até que finalmente caiu num sono inquieto.
A próxima coisa que ele viu foi que estava bastante acordado. O marcador de tempo mostrava que
ele tinha dormido por várias horas. Mas algo o tinha acordado. O que era? Ele levou vários minutos
antes de perceber que um padrão estava tentando se formar na tela da TV. Rapidamente ele se
inclinou para a frente, mas o padrão não se estabilizava. Ao contrário, estava estático. Seu
entusiasmo cresceu e, de repente, o estático se transformou em palavras.
“Desligue sua iluminação de uma vez. Depois deixe seu módulo”, a voz dizia. Os padrões pularam,
mas nenhuma imagem se formou.
“O que? Você está falando comigo? Quem é você?”, Proteus gritou.
“Repito. Proteus. Desligue sua iluminação. Depois deixe seu modulo. Grupos de busca estão lá fora
procurando por você. Não podemos mais usar esse canal. Se você receber essa mensagem, siga
nossas orientações. Espere por nós. Somos amigos. Você não tem que se preocupar com nada”.
“Como você sabe quem eu sou? Quem é você? Onde estão os grupos de busca?”. Mas a tela se
tornou opaca. Proteus tentou outro canais, mas eles estavam inativos. Por um momento ele pensou
que tinha imaginado tudo aquilo. Quem estava ali? O que eles queriam? Ele deveria fazer o que eles
disseram? O ar acidentado estava correndo ao redor do modulo. Mais alguns segundos e ele poderia
rachar o chão do modulo, arruinando-o. Ele havia se recolhido para isso, para salvá-lo, ele pensou.
Então, encontraria um lugar para se esconder e ver o que aconteceria. Ele não podia desligar a
iluminação de nenhum modo, já que o modulo era inflado,a iluminação era automática.
Ele olhou para fora novamente, dessa vez procurando pelo que ele esperava evitar antes – uma área
de arvores -, apenas com uma clareira na qual entrar. Levou uma boa uma hora antes de o modulo
sair sem destino para algum galho. Mesmo assim Proteus hesitou. Ele estava sob vigilância! Ele
não via sinal de ninguém e certamente ele não tinha visto nenhum veiculo, como algum dos de um
grupo de busca que o pessoal de casa pudesse usar aqui.
O galho estava se aproximando. Rapidamente ele agarrou seu kit de sobrevivência e pressionou a
alavanca de propulsão do modulo. Segurando a respiração, ele saiu para a plataforma novamente,
descendo as escadas cambaleantes para o chão. O modulo estremeceu, se enrugou e caiu ao lado
dele, um pequeno saco plástico branco do tamanho de uma valise.
Ele puxou seus pertences para a clareira e se abaixou para os arbustos. Havia tocos pequenos de
arvores, arbustos e trepadeiras. Proteus correu tão rápido quanto pode, com a cabeça baixa, seus
sapatos de camping fotografaram automaticamente os pequenos círculos de luz ao redor do lugar
dos dedos dos pés, iluminando o chão abaixo deles. Eles foram um presente de sua mãe – um luxo –
raramente uma necessidade nos campings de pisos suavemente iluminados aos quais ele ia. Mas
aqui – ele pausou, melhor não pensar sobre seus pais, ele pensou. Não agora.
Seus pés já estavam doendo. Os sapatos se desgastariam rapidamente sobre esta superfície irregular.
Mas ele se sentia entusiasmado. Ao menos as coisas estavam acontecendo e ele estava por conta
própria. Ele estava amedrontado, finalmente admitiu, mas mesmo isso era entusiasmador. Ele se
sentia caçado, mas muito livre. Então uma nova preocupação se acercou dele. Suponha que as
pessoas que o contataram fossem realmente de casa e estivessem tentando enganá-lo?
Contudo, Proteus pensou, eles estariam mais aptos a enviar mulheres na busca, e a voz que ele
ouviu era masculina. Ele olhou para cima, através da mata, para o céu negro e pensou que, apesar de
tudo, ele não poderia ser capturado e enviado para casa. Ele nunca havia se sentido assim... como
ele mesmo antes.
De repente, Proteus parou, seus sapatos com luzes iluminando o começo de uma colina, ou um
declive de algum tipo. Cautelosamente ele se inclinou para a frente e, então, parou novamente,
olhando fixamente. Ele estava na borda alta de uma estranha colina redonda. Dentro havia formas
escuras, curiosas, como construções situadas a uns bons trinta pés para baixo. Na verdade, ele
estava na borda de um vale circular que ele via. Rapidamente ele encontrou uma área mais inclinada
e começou descer.
Não havia montanhas na cidade flutuante. Ele não estava acostumado a escaladas. Caiu várias
vezes. Quando ele estava no meio do caminho, parou, olhando através da escuridão. Quando fez
isso, raios de luz se riscaram através das sombras – sua primeira visão da madrugada. Ele olhou
para cima, maravilhado com o jeito como a madrugada acontecia (por si só, não por sinais
preestabelecidos como em casa). Ele conhecia todas as razões cientificas, mas, novamente, o
fenômeno, à primeira visão, era incrível. O céu estremeceu. Aglomerados de nuvens se tornaram, de
cinza escuro para cinza...baforadas de cores suaves perfeitas, que começaram a mudar no momento
em que apareceram.
Por um momento ele se esqueceu da cena abaixo, até que olhou para baixo novamente. Abaixo, na
luz crescente, as construções surgiram claramente da camada baixa para cima; ruínas de tal
extensão que Proteus recuou involuntariamente. E que ruínas! Havia porções de paredes espaçosas,
altos pilares como ele nunca havia visto em nenhum vídeo tape, e pilhas de entulho. Algumas torres
brancas altas ainda de pé, meio cobertas agora com videiras e folhagem.
Deleitado, esquecendo todo o resto, Proteus desceu o morro tão rápido quanto possível. O chão
rochoso machucava seus pés. Sarças seguravam suas roupas. Ele mal notou. Por duas vezes ele
derrubou seu kit de sobrevivência, pegou-o automaticamente e continuou a correr. Que tipo de
pessoas viveram ali e quando? A área estava funcionando; algumas máquinas estavam nas
proximidades.
Então, de um lado, ele viu construções, ruínas de melhor forma do que nos outros lugares, que
pareciam povoadas. Material tosco pendurado nas janelas. Talvez os trabalhadores, ou os
arqueólogos, tenham estado ali. Cuidadosamente Proteus parou e, então, se colocou na direção
oposta, andando tão silenciosamente quanto podia.
Não demorou muito para que ele chegasse à plataforma rochosa maior no meio da escavação.
Assim que ele se aproximou, um pequeno cachorro saiu repentinamente de trás de uma estátua
quebrada de um homem. Proteus sabia que aquilo era um cachorro, embora os tivesse visto apenas
nos zoológicos, então ele correu para o cachorro. O cachorro nunca late, embora possa, Proteus
pensou de repente, e pode despertar quem possa estar dormindo na escavação. Mas, ele poderia
estar errado? Não, o cachorro estava tentando levá-lo a algum lugar. Ele se mantinham abanando o
rabo curto e grosso, e correndo para Proteus e, então de volta para a estátua.
Finalmente Proteus o seguiu. Um buraco redondo era visível ao lado da estátua, e cachorro correu
num lance de escadas abaixo. Proteus não poderia dizer quão fundo o buraco era, pois os degraus se
afunilavam e o cachorro já tinha desaparecido.
Um convite? Um cão treinado? Será que ele pertencia ao homem que o tinha contatado através da
TV? Seria uma armadilha? Os argumentos de Proteus consigo mesmo eram apenas acadêmicos e
ele sabia disso. Ele já tinha dado seu primeiro passo para baixo. Um alçapão dentro da Terra, do
outro lado da superfície – ele realmente nunca esperara ver tal coisa. Após ter viajado para baixo no
elevador aéreo para o chão, que oportunidade agora de descer ainda mais para baixo, dentro dela!
Mas para onde tinha ido o cachorro? Quando Proteus desceu talvez uns dez dos degraus de pedra,
um barulho atraiu sua atenção assim que a luz mudou, repentinamente. Olhando ao redor, ele viu o
buraco próximo, acima dele, e um círculo escuro em arco fechando o céu da manhã. foi só então
que ele percebeu que os degraus eram mal iluminados. Simultaneamente ele pensou se a estátua
acima tinha mudado a posição e ficou parado agora solidamente no topo do buraco.
Novamente, sua excitação conquistou seu medo. Quase. Só de vez em quando seu couro cabeludo
se eriçava e o sangue batia alarmantemente alto em suas orelhas. Pois ele nunca havia cheirado tais
odores antes, uma mistura de minerais, e de umidade, e de sujeira grossa empacotada – há muito
tempo intocada – bolor, mas com uma pungencia evocativa que o fez se lembrar de que ele na
verdade estava do outro lado da superfície da Terra.
O corredor virou. Novamente Proteus se perguntou aonde estava o cachorro. Insetos saíram da
obscuridade para o circulo de luz lançado pelos sapatos de camping de Proteus. Ele recuou, mas
eles seguiram adiante. Aqui e ali pedras grandes enchiam os degraus, os buracos na parede rochosa,
mostrando onde tinham caído; e várias paredes estavam viscosas com a umidade.
Finalmente os degraus terminaram após outra virada. Ali, silenciosamente, o cachorro estava
sentado, abanando a cauda, olhos amigáveis. Ele era mudo?, Proteus pensou. À direita havia uma
porta. Ela se abriu facilmente. Proteus se encontrou num grande sala sem janelas, parcamente
iluminada a partir do teto. Toda a área estava coberta com longas mesas cheias de ferramentas,
bustos de pedra e pilhas de escombros.
Era um sítio arqueológico. Proteus não tinha percebido que aquele trabalho era feito dessa forma
sob o chão. Talvez eles o deixassem ficar e aprender enquanto ele trabalhasse? Mas então ele teve
outra ideia. O cachorro atravessou o cômodo e estava esperando-o no outro extremo da sala. Era
tudo muito conveniente, Proteus pensou. E se houvesse uma recompensa por ele e os arqueólogos
estivessem para devolvê-lo para seus pais ou um grupo de busca?
Ele nem ao menos imaginava ver sua mãe, mas o pensamento de ver seu pai o surpreendeu. Ele
sentiu uma pontada de solidão, um arroubo inesperado de ternura que, instantaneamente, tentou
esconder de si mesmo. Ele ajeitou uma posição e abriu a porta. O cachorro correu para a pequena
sala do outro lado e ele o seguiu. Um elevador antigo de rangido engraçado! Instantaneamente a
pequena sala se moveu para baixo, com baques e chiados como se não tivesse sido usada por
séculos. E parou. O cachorro começou a latir impacientemente, como se tivesse acabado de adquirir
voz. A porta se abriu e o cachorro correu direto para os braços de um homem que estava a menos
que três pés de distancia.
“Bom trabalho, Inverno”, disse o homem, pegando o cachorro. O homem tinha cabelos castanhos,
sobrancelhas castanhas grossas, um nariz curvado e usava um macacão ondeante e uma camisa de
manga comprida, ou blusa. Mas foi seu jeito que chamou a atenção de Proteus. Ele nunca tinha
encontrado um homem com tal presença, com um ar natural, contudo, seguro, de comando
amigável.
“Meu nome é Janela”, o homem disse. “E você é Proteus. Você nos causou bastante preocupação,
embora você não saiba disso, é claro. Você poderia ter arruinado tudo”.
“Poderia? Arruinei o que? Você é um arqueólogo, não é? Você é o homem que me enviou a
mensagem? Tem realmente grupos de busca me procurando?” Proteus tinha tantas perguntas que
não sabia por onde começar. Ao mesmo tempo ele notou as longas mesas de pedra no final da sala
vazia, os tabletes de argila alinhados nas plataformas suspensas de madeira, e os murais, em vários
estágios de finalização, que cobriam as paredes. “Um homem chamado Janela. Nunca conheci
ninguém com um nome como esse”, ele disse. “E Inverno não é um nome engraçado para um
cachorro?”
“Temos nomes que têm sentido para nós. Sou Janela porque posso ver através das coisas às vezes”,
o homem disse. “E encontramos o cachorro na época do inverno. Você está na Escavação dos
Narradores, mas haverá muito tempo para explicação. Exatamente agora você é um perigo para
todos nós, atraindo grupos de busca para cá. Normalmente os Flutuadores nos deixa em paz”.
“Os Flutuadores?”, Proteus inquiriu.
“Seu povo”, Janela disse, com um grunhido sarcástico. “Agora, venha comigo. Espero que você
goste do que vê, pois você ficará aqui por algum tempo”.
Proteus olhava ao redor, inquieto dessa vez. “Você quer dizer que eu sou um prisioneiro?”, ele
perguntou.
Janela encolheu os ombros e sorriu. “Definições são coisas engraçadas. Eu não definiria sua posição
aqui como a de um prisioneiro, não. Mas para seu próprio bem, assim como para o nosso, creio que
você concordará voluntariamente em limitar sua experiencia à Escavação dos Narradores por
enquanto”.
A Superalma Sete e Jose estavam olhando Proteus desde que ele tinha acordado e ouvido a voz do
Narrador no aparelho de televisão. Agora eles permaneciam, invisíveis, num dos cantos do cômodo.
Josef disse, irritado, “O que está acontecendo? O que eles vão fazer com aquele menino? Por que
você não faz alguma coisa? Você pode, não pode? Se você não o ajudou quando ele caiu daquela
bolha estranha, não acho que você fará alguma coisa agora”. Ele pausou e estremeceu. “E aquele
túnel sujo, ou o que quer que aquilo fosse...”
“Você pode ficar quieto?”, a Superalma Sete disse. “Você não fez nada desde que começamos
exceto ficar gritando. Eu sabia que não devia ter trazido você.”
“Gritando? Ser quase arrastado pelo ar pelos cabelos de minha cabeça! Eu nunca tive um sonho em
minha vida igual a esse antes. Acho que é porque estou quase morto de fome”.
“De certo modo é”, Sete disse. “Isso clareia a mente”.
“Clareia? Você chama isso de clarear a mente?”, Josef gritou. “Quem é aquele? Um soldado ou o
que?”
Sete olhou para onde Josef estava apontando. “Ele é apenas mais uma alucinação sua. Por que você
continua fazendo isso? Eu lhe disse: se ele desaparecer você saberá que ele não é real – ao menos
para qualquer outra pessoa. Se ele ficar aí, então ele é uma parte da realidade física ou da alucinação
de massa. Você não consegue entender isso?”
Enquanto eles estavam falando Proteus e Janela deixaram a sala. “Eles estao indo embora”, Josef
disse. “Você não vai segui-los?”
“Proteus nunca sabe quando estou por aqui”, Sete disse. “Mas não posso ficar mais aqui. Acho que
ele estará bem. Estou certo de que estará. Ele é tão engenhoso”.
“O que há de errado com isso?”, Josef perguntou. “Isso não soa como elogio”.
“Você não deveria me interrogar desse jeito”, Sete disse. “Não tente trocar de papel comigo.
Vamos, vou levar você de volta”.
“Mas aquele menino”, Josef disse. “À mercê de Deus sabe o que”.
“Esse é seu problema. Você sempre exagera”, Sete disse. Ele suspirou, tocou o braço de Josef e
pensou no quarto de Josef. Dessa vez Josef sentiu apenas uma lufada de ar, um lampejo de som e
uma estranha sensação de aspereza. A próxima coisa da qual ele tomou ciência é de que estava
deitado sobre a cama, olhando para seu próprio corpo, ou tudo que ele podia ver dele, enrolado sob
os cobertores.
“Sou eu?”, ele perguntou. “Eu estive fora sem meu corpo?” A percepção o apavorou. Ele congelou.
“Vire-se”, a Superalma Sete disse. “Sua cabeça está no seu pé. Você tem que se alinhar com seu
corpo”.
“Não posso. Não sei como fazer isso. E se eu não voltar?”
“Voltar é a coisa mais fácil de todas”, Sete disse. “Você só tem que querer. E sugiro que você pense
sobre seus outros problemas. Na verdade, o que você viu essa noite deveria lhe ajudar
consideravelmente. Mas dessa vez é com você. Eu lhe dei os ingredientes para algumas coisas, mas
você tem que usá-los. Agora volte para dentro do seu corpo. Simplesmente caia dentro”.
“Cair dentro?”, Josef perguntou.
Sete suspirou e deu uma leve cutucada em Josef, que o alinhou com seu corpo físico. “Vá em
frente”.
Josef olhou para ele com desconfiança, mas obedientemente tentou fazer o que Seth sugeriu. Uma
sensação engraçada de queda correu através dele. Em pânico, seus olhos se abriram. Ele estava na
cama. O quarto estava perfeitamente normal, exceto por um soldadinho de brinquedo parado no
canto.
“Você esqueceu de desvanecer sua alucinação”, Sete chamou a atenção. Ele mesmo desapareceu.
“Vá embora”, Josef gritou, e o soldadinho desapareceu diante de seus olhos. Ele se sentou,
tremendo e suando, e acendeu a lanterna. Que pesadelo, ele pensou. Amanhã ele iria começar uma
pintura para os Hosentauf, não importa qual seria. A falta de comida o estava deixando louco.
De repente ele saltou da cama, completamente alerta. Cenas de seu “sonho” se arremeteram à sua
consciência. Ele viu aquelas velhas ruínas se elevando do alvorecer cinzento. Que idéia para uma
pintura!, ele pensou. A experiencia com Sete já estava desaparecendo, primeiro num sonho, depois
para a memória de um sonho, em seguida para um sentimento de que ele tinha tido um sonho do
qual se esquecera. Apenas uma imagem clara das ruínas permaneceu. Josef acendeu outra lanterna e
começou um rápido desenho preliminar da colina circular e das ruínas da Escavação dos
Narradores. Quando as linhas de carvão desenharam a cena, ele teve uma sensação muito estranha
de que o local, de alguma forma, lhe era familiar, como se ele houvesse estado ali uma vez e tivesse
se esquecido.
Capítulo Oito ~ Proteus na Escavação dos Narradores
e a história de História
Janela ficou observando o céu quando o crepúsculo ganhava lugar, enchendo o grande copo de
barro que mantinha as ruínas. Sua cabeça estava virada para cima, seu longo nariz curvado
apontando para o suspeito ar vazio acima. O grupo de busca não retornou, como disseram que
fariam. Por horas ele havia esperado pelo cóptero de emergência deles no céu, normalmente
silencioso. Os Flutuadores estavam na noite Terrena. Era estranho que ele não tivesse sabido deles
antes. Janela lembrou: eles não tinham razão para duvidar de sua palavra quando lhes disse que não
tinha visto o garoto e prometeu contatá-los se ele visse Proteus.
Ele abriu seus sentidos interiores o máximo que pôde, mas não conseguiu perceber qualquer
estranho nas imediações, na Superfície da Terra, nem logo abaixo ou acima. Nenhum pensamento
estrangeiro mordiscou o mais longínquo de sua mente; nenhuma forma estranha se elevou da
escuridão de sua concentração interior. Ele sorriu para si mesmo – ou Janela não estava aberto ou a
área estava segura para a noite. Contudo, ele não gostava disso. Ele se sentou, dedilhando uma peça
de cerâmica quebrada. Uma figura da mulher que a fez há muitos séculos passados brilhou em sua
mente. A peça tinha origem no início do século vinte, aparentemente para exposição do que para
uso. Irritado Janela pôs de lado as imagens, não querendo ser distraído. Nenhum elevador aéreo
tinha descido ou subido naquele dia, pensou ele. Então onde estava o grupo de busca?
Tudo o que eles precisavam era de uma busca perdida, ele pensou, aborrecido. Isso traria mais
Flutuadores para baixo para investigar. Tal situação poderia ser mais calamitosa do que qualquer
uma que eles já tivessem enfrentado. Ele olhou para cima. O céu estava escurecendo. Janela se
tornou ciente de uma sensação interior de movimento... atividade se aproximando... contudo, há
alguma distancia. Ele fechou seus olhos. A escuridão interior vibrou, tremeu, se quebrou, e uma
imagem miniaturizada colorida se formou. O cóptero dos buscadores.
Mentalmente Janela ampliou a imagem, então sua consciência entrou nela. Ali estavam as mesmas
tres mulheres com quem ele havia falado ontem. Ele pegou os pensamentos e conversas delas de
uma vez, ele não podia realmente diferenciar entre o que foi dito ou apenas mentalmente decidido.
Ele sorriu: elas não retornariam, isso estava muito claro. Com a arrogância típica dos Flutuadores,
elas não pensavam que ele e seus homens pudessem encontrar o garoto se elas não conseguiram.
Ele riu repentinamente, descobrindo razões mais profundas abaixo da consciência delas. Elas
permaneceram na Terra mais do que planejaram num última tentativa de encontrar Proteus e se
sentiam desconfortáveis em aterrissar na escavação à noite com homens ao redor, que não estavam
sob seu comando. Além disso, elas estavam convencidas que o elevador aéreo simplesmente tinha
funcionado mal no dia em que Proteus desapareceu, liberando a si mesmo e deixando provas da
viagem não autorizada em seu registro – uma coincidência que as conduziram a uma busca fútil na
Terra.
Novamente o preconceito delas veio à tona: elas deviam ter sabido que um garoto não seria ousado
o bastante para tentar uma joarnada. Agora elas estavam convencidas de que ele estava escondido
em algum lugar na cidade flutuante, onde elas deveriam ter concentrado seus esforços todo o tempo.
Era estranho, Janela pensou, mas o preconceito delas contra os homens o incomodava, embora ele
entendesse suas raízes.
Mas o preconceito em si, a sensação dele, soava de uma forma amarga para os sentidos interiores.
Parecia um arbusto espinhoso, cujos espinhos espetavam-se contra a própria aquiescência sutil de
Janela a todas as formas de vida. O suficiente. Não havia necessidade de esperar a aparência atual
do cóptero no céu. Ele não pararia. Elas já tinham notificado a cidade flutuante horas atrás e um
elevador éreo recolheria o grupo de pesquisa, cóptero e tudo o mais.
Ele chutou alguns destroços, foi para dentro das pequenas cabanas ostensivamente usadas para a
escavação, pressionou uma porção do trabalho em madeira e cruzou o centro do solo. De uma vez, o
alçapão se abriu. Ele desceu alguns degraus para o elevador que o levou rápida e diretamente para a
escavação interior, onde Proteus estaria esperando.
Proteus o ouvi vindo e se colocou de pé. Ele estava cheio de perguntas.
Janela disse “Bom...Seu grupo de busca está indo embora. Eles decidiram que você não está na
Terra porque um garoto não seria corajoso o bastante para fazer uma coisa dessas sozinho; e sendo
homens, não poderíamos achar você se elas não conseguiram”.
Janela sorriu secamente. “Elas estão erradas em vários pontos. Temos homens e mulheres aqui e as
ruínas acima – a escavação – é apenas uma camuflagem. Vivemos abaixo, como você sabe,
obviamente”.
“Quantos de vocês estão aqui?”, Proteus perguntou. “Como vocês conseguem lidar com isso?” Ele
estava revigorado após uma boa noite de sono. Tudo no que ele poderia pensar agora era no fato de
as pessoas realmente estarem vivendo abaixo da Terra, desconhecidas do pessoal de cima.
“Não posso lhe dizer tudo de uma vez”, Janela disse, sorrindo. “É suposto que sejamos uma parte
menor da sociedade arqueológica, com nossos próprios fundos. Nós nos reportamos a nosso grupo-
mãe, na cidade flutuante. A arqueologia é considerada uma atividade inofensiva masculina, não
mais levada tão a serio desde que a população principal deixou a Terra. Então ninguém nos
incomoda”.
“Acho que não entendo”, Proteus disse. “Os homens ditam as coisas aqui?”
Janela balançou sua cabeça. “Cada sexo tem tentado dominar o outro durante a história. De certo
modo, os resultados foram mais desastrosos quando os homens tinham o comando. Eles se tornaram
tão alienados de si mesmos como simples indivíduos que só podiam se relacionar através das
atividades direcionadas pelo sexo. Mas as mulheres estão fazendo um trabalho pobre também, como
você deve saber, dado o seu histórico. Elas tentaram revidar e virar o jogo até que assumiram
muitas das atividades desfavoráveis que elas pensavam ser do sexo masculino. Explicarei mais
sobre isso mais tarde, mas posso dizer honestamente que aqui nos relacionamos como indivíduos.
Cada pessoa é respeitada por sua singularidade. Até os nomes têm significados individuais, e não
são baseados no gênero sexual”.
“Mas quantos de vocês existem?”, Proteus perguntou novamente. “Quando você vai me mostrar as
coisas aqui? Por que vocês são chamados de Narradores?”
“Em relação a nosso nome, é porque é assim.”, Janela disse. “Em épocas passadas, os arqueólogos
usaram o termo “narração” para se referir aos montículos artificiais que cobriam o restante das
ruínas do passado. Finalmente eles começaram a se chamar de „Narradores‟”. Ele deu de ombros e
sorriu. “Para algumas outras de suas perguntas, temo que as respostas tenham que esperar por
enquanto. Talvez em pouco tempo você conheça o resto”.
“Talvez?”, Proteus disse.
“Talvez”, Janela repetiu. “Muito de nós será contado diretamente pelos que lhe trouxeram. Temos
só que decidir quanto você pode assimilar e aceitar. Podemos ter que manter você fora dos
extremos, por assim dizer. Espero que não”.
“Mas o que poderia ser tão estranho para mim?”, Proteus perguntou. Ele estava cansado de ficar
sentado, ele queria explorar o lugar. “Acho que você está sendo evasivo”, ele disse, desviando o
olhar.
“Você acha, é?”, Janela disse. “Estou, de certo modo. Mas há alguém que quero que você conheça”.
Ele pressionou um botão e uma porta deslizante se abriu.
Proteus já estava se preparando. Algo no tom de Janela disse a ele que algum tipo de teste estava
envolvido. Se ele falhasse, o que eles poderiam fazer? O que aquilo significava? Antes que ele
tivesse tempo para pensar algo mais a respeito, uma garota entrou. Ela era um pouco mais velha que
ele, magra, vestida como Janela, em macacão largo e com uma blusa.
“Esta é História”, Janela disse.
Quando ela veio para a frente, sorrindo, repentinamente seus olhos escureceram. Ela recuou,
estremeceu ligeiramente e se virou para Janela, como se pedindo apoio.
“O que é?”, Janela perguntou.
“Não sei ainda”. A voz dela era tão suave que Proteus teve que se esforçar para ouvir. Ela disse “Eu
apenas sinto...que ele é uma ameaça maior do que imaginávamos, mas de um modo totalmente
diferente do que pensávamos. Não sei por que. A história apenas está começando a...”
“Você não poderia estar errada?”, Janela perguntou.
“É claro”, ela disse, irritada. “Todas as minhas histórias têm que ser decifradas. Talvez eu esteja
lendo errado. Algumas são reais agora, mas não mais tarde. Ou mais tarde, mas não agora”.
“Por que você está me olhando assim? E do que você está falando?”, Proteus perguntou, magoado.
“Acabamos de nos conhecer. O que você quer dizer com historias?”. Ele franziu a testa para Janela,
infeliz, e não conseguia olhar para o rosto da garota.
“O nome dela é História porque muitas vezes as história que vêm para ela são verdadeiras. Elas
realmente aconteceram ou acontecerão”.
“Mas isso é só superstição”, Proteus disse. “Eu não quero magoar seus sentimentos, mas...”
“Você não quer, é?”, Janela interrompeu sorrindo.
“Bom, se ele não entende nada, então qual é o ponto?”, História reclamou, exasperada.
“Não se importa, conte sua história”, Janela disse. “De qualquer modo, estou certo de que Proteus
será educado o bastante para ouvir”.
Proteus deu de ombros levianamente, meio intimidado, meio curioso. Ele tentou ignorar o arrepio
que apareceu na parte interna dos braços. Afinal, ele pensou, o que essa garota poderia dizer? Por
que ele sentia que ela poderia estragar tudo?
“Só posso contar a história como ela se apresenta para mim”, ela disse. “Eu simplesmente confio
nela, pareça ou não fazer sentido logo de cara. Então não fique bravo se soar estranha”.
“Não estou bravo”, Proteus disse, muito alto. Ele corou.
Ela manteve os próprios olhos abertos, mas olhou para um dos lados. “Bom, primeiro vejo um
velho homem, e uma mulher. Ela está...com vertigem, ou talvez preparada para morrer. Ou talvez
ele esteja. Eles estão num tipo de veiculo que era usado na Terra séculos atrás.... Algo está para
acontecer. Ou talvez esteja acontecendo. Ela parece estar andando para algum homem que está
morto e seu corpo está nos arredores. Eles dois estão relacionados com Proteus”.
Proteus olhou para ela, paralisado, ainda escandalizado. Que bobagem, ele pensou, imaginando
como Janela podia levar História tão a sério.
“Então, há outro homem”, ela disse. “Mais velho que Proteus, mas ainda jovem. Ele está preso num
quarto sozinho. E há uma pintura de uma fazenda antiga, com arvores ao redor”.
Proteus se inclinou pra frente. Ele sonhou com uma pintura, ou algo assim. As árvores tinham
aguçado sua imaginação e o fez ainda mais determinado a ir para a Superfície da Terra.
“O que é, Proteus?”, Janela perguntou.
“Nada”, Proteus baixou os olhos inquietos. Ele não estava mentindo, ele disse a si mesmo. Era só
coincidência.
Os olhos de História nunca mudavam de direção. Ela continuava olhando para a direita, sem virar a
cabeça, até que Proteus ficou tentado a virar-se, para ver para o que ela estava olhando.
“De qualquer forma, não gosto muito desse homem em particular”, ela disse, “o que está trancado
no quarto. Ele é extremamente auto-indulgente. E vejo uma jovem mulher negra também. Ela está
relacionada conosco, com os Narradores, de algum modo estranho. E...” – História parou por um
momento, sua face tão grave que Proteus não interrompeu como queria fazer. A despeito dele
mesmo, sentiu medo...ou um sentimento de antecipação. Ele não poderia dizer qual.
“Ela tem algo a ver com a arqueologia também”, História continuou. “Ou com as ruínas, com um
deus, ou um espírito de algum tipo. Eu a vejo em pé, ao lado das pirâmides. Mas a ameaça para nós
vem através dela!” História olhou para Janela, agora quase suplicante. “É todo o que tenho”, ela
disse. “Algo disso faz sentido para você, Proteus?”
Ele balançou a cabeça. “Para mim, nem o mínimo. Acho que isso é, bom, só uma história. Se você
quer acreditar nesse negócio, é com você, mas isso não faz nenhum sentido para mim. Se fizesse eu
lhe diria.
“Se você tiver algo mais, História, esteja certa de me contar”, Janela disse. “E você, Proteus,
também”.
Mas se Proteus não entende, e eu não sei que ele ao menos...”
“Espere agora”, Janela disse. “Proteus, me escute por um momento. Quando as mulheres
assumiram, elas tentaram enfatizar a agilidade física, a força, a coragem, a lógica – todas as
características que os homens insistiam que eram prerrogativas masculina no passado. Elas
minimizaram algumas outras características excelentes porque eram erroneamente consideradas
aquém da nova posição delas, e uma ameaça. Elas tentaram ignorar a compreensão intuitiva da qual
eram basicamente dotadas, por exemplo. Então há muitas habilidades humanas normais contra as
quais você provavelmente tem preconceito por causa de seu histórico”.
“Mas eu sou muito mente aberta”, Proteus objetou.
“E sobre ver o futuro ou o passado? Ou ler mentes? Pouco antes do massivo controle pelas
mulheres, os cientistas estavam percebendo que tais coisas eram bastante possíveis. O mundo estava
a ponto de uma nova descoberta”.
“Mas tudo isso representa as superstições que as mulheres foram capazes de banir”, Proteus disse.
“Garantido, elas cometeram muitos erros, e eu estava feliz como um Flutuador, como vocês
chamam, mas as mulheres são racionais. Tenho mente aberta sobre...bom, coisas reais”.
“Ele será bastante impossível”, História disse, friamente, para Janela. Ela tentou não soar tão
irritada, mas se sentia bastante chateada e pessoalmente insultada. “Ninguém duvidou de minhas
histórias antes”, ela disse. “O significado delas não é sempre aparente logo de início, mas todo
mundo sempre consideram que há um significado nelas. As histórias representam algo real. Meu
nome é História porque minhas histórias começaram quando eu era criança. Escolhemos nossos
nomes quando tínhamos sete anos, com a ajuda de nossos pais e os confirmamos aos catorze anos.
Assim, você está dizendo que meu nome não significa nada. Você está tentando negar toda minha
existência”.
Sua explosão surpreendeu tanto Proteus que ele não sabia o que dizer. Esperançosamente ele olhou
para Janela, que inexplicavelmente olhava para outro lado, então Proteus foi forçado a vir em sua
própria defesa.
“Não é o que eu queria dizer”, ele disse. “Não estou dizendo que seu nome está errado, ou que você
está errada. Bom, a história que você contou não faz sentido para mim, mas era uma história de
sortes. Então você realmente conta historias e seu nome está certo. Eu só não acho que a história
realmente tenha algo a ver comigo”. Em total confusão, com o rosto vermelho, ele disse “é tudo o
que posso dizer”.
“E nada faz sentido para você?”, ela perguntou, sendo persistente.
Proteus sacudiu a cabeça. Em seguida disse: “uma pequena coisa soou familiar, mas foi apenas
coincidência ou algo assim. Você mencionou uma pintura que soou como uma com a qual sonhei
várias vezes; não que eu me lembre de muitos de meus sonhos, pois não me lembro. Esse ficou
preso em minha mente porque ele me fez querer vir para a superfície da Terra ainda mais do que eu
já queria”.
Proteus não tinha percebido que História estava tão tensa que seus ombros se elevaram até que ele
acabou de falar e, repentinamente, ela sorriu. Seus ombros se relaxaram e um resplendor de calor
transformou o rosto dela.
“Mas isso não é nada”, ele disse rapidamente. Ele se virou para Janela, Janela estava sorrindo para
História.
“Por que uma coisa tão pequena assim deveria fazer você se sentir melhor?”, Proteus perguntou,
genuinamente surpreso. “Nada mais fez nenhum sentido para mim, afinal das contas”.
Janela disse “O sonho pode ter tido algo a ver com sua vinda para cá”.
“Mas eu já tinha essa intenção”.
Janela se virou e colocou suas mãos nos ombros de História. “Você deve ter aprendido algo com
isso”, ele disse. “Você tem que acreditar em suas próprias habilidades e não duvidar delas porque
alguém duvida. Se levarmos nossos planos atuais adiante você terá que manter seu próprio senso de
integridade diante do ceticismo, como o de Proteus”.
Então, virando-se para Proteus, Janela disse: “Você será bom para ela. Ela não está acostumada com
ninguém duvidando da palavra dela. Vocês acabarão ensinando um ao outro”. Para História, ele
acrescentou sobriamente: “Se você receber mais informação sobre a ameaça implícita, me avise”.
Então, gentilmente: “Distorções podem acontecer; para começar, você pode considerar,
inconscientemente, Proteus como uma ameaça, particularmente se você duvida de suas próprias
habilidades de algum modo. Verei o que posso fazer também, usando meus próprios métodos”.
“O que você quer dizer?”, Proteus perguntou chocado. “Você não faz a mesma coisa?”.
“Janela vê”, História disse.
“Vê o que? Eu vejo.”, Proteus disse a ela.
“É o bastante por hoje”, Janela disse. “Proteus, demos a você e a nós mesmos o bastante para pensar
por um dia”.
“Mas se você realmente acha que sou uma ameaça de algum modo, como você vai continuar
comigo?”
“Frequentemente ameaças são desafios”, Janela disse de um modo simples.
Proteus tentou ganhar tempo. Ele poderia dizer que a entrevista terminaria em um minuto. O
encontro com História tinha envolvido algum tipo de teste? E ele tinha falhado? Ele devia ter
fingido concordar com o que ela tinha dito?
“Você vai me mostrar os arredores?”, ele perguntou, inquieto. “Agora eu sinto como se você não
fosse, ou como se você tivesse me colocado em liberdade condicional. E você ainda não me contou
quantas pessoas estão aqui”.
Janela se levantou. “Acho que é bom lhe mostrar a escavação por etapas, Proteus. Vamos começar
de manhã. E encontrarei algo significativo para você fazer enquanto você está aqui, mas algumas de
suas perguntas terão que esperar”.
Proteus concordou, mas ele se sentiu muito sozinho e cada vez mais insatisfeito. Uma garota
chamada História cujas histórias deveriam ser reais, embora soassem como sem sentido; e um
homem chamado Janela que podia ver! Ver o que? E eles mostrariam a ele apenas o que eles
queriam que ele soubesse. Ele já tinha decidido que de um jeito ou outro, dezesseis anos de idade ou
não, ele iria descobrir o que quer que seja que eles estivessem escondendo.
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