8/4/2019 Dissertao Mestrado-Paradigma integral e a construcao europeia_Documento Final
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UNIVERSIDADE TCNICA DE LISBOA
INSTITUTO SUPERIOR DE ECONOMIA E GESTO
DISSERTAO DE MESTRADO
EM ECONOMIA E ESTUDOS EUROPEUS
A Construo Europeia luz da
Economia das Instituies e do Paradigma Integral.
O Caso Particular da Endogeneidade da Zona Monetria Europeia.
Ivo Jos Patrcio Banaco
Orientao: Professor Doutor Antnio Augusto de Ascenso Mendona
Jri:
Presidente: Professor Doutor Antnio Augusto de Ascenso MendonaVogais: Professor Doutor Francisco Humberto Fortes Cames Costa
Professor Doutor Manuel de Jesus Farto
Julho 2008
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The platform for an emerging world culture is being
built by international markets of material-economic
exchange, and by the increasingly free exchange of
rationality structures, particularly empiric-analytic
science and computer-transmitted information ... all of
which are supranational in essential character.
Ken Wilber
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Resumo
Prope-se neste trabalho atingir dois grandes objectivos. O primeiro relaciona-se
com aspectos metodolgicos e com a preocupao em fundar princpios ontolgicos
claros a partir dos quais essa metodologia abstracta encaixe num segundo objectivo que
a de uma proposta da sua aplicao prtica, concretamente ao estudo da construo da
Unio Europeia, em particular enfatizando a importncia da zona monetria europeia.
No primeiro objectivo o autor tem a inteno de observar a realidade econmica,
no seu sentido mais lato, fazendo-o primeiramente atravs do paradigma integral, uma
metodologia pluralista que segue a linha de pensamento do filsofo norte-americano Ken
Wilber. Com essa base, procurar-se- recuperar alguns fundamentos da velha e da
nova escola do institucionalismo econmico, procurando acrescentar e aprofundar asideias iniciais de Veblen do virar do sc. XIX para o sc. XX e da abordagem
institucional de Douglass North. Prope-se pegar nos fundamentos que se considera mais
importantes dessas escolas e acrescentar-lhe alguns insights modernos, sobretudo
pegando no trabalho de Hogdson bem como explorando tambm os mais recentes
desenvolvimentos no trabalho de North.
Atingido o primeiro objectivo, partir-se- para uma proposta de aplicao prtica
da metodologia criada construo do projecto da Unio Europeia, dedicando especial
ateno s caractersticas endgenas da zona monetria europeia.
Palavras chave: Paradigma Integral, matriz AQAL, instituies, evoluo,
endogeneidade, zonas monetrias ptimas, Europa.
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Abstract
In this work, it will be proposed to achieve two main goals. The first is related
with methodological aspects and with the preoccupation to build clear ontological
principles, from which we can reach a second goal which is to study the European Union
construction, emphasizing the importance of the European monetary area.
In the first goal, the author have the intention of looking to the economic reality,
in the broadest sense, doing it through the integral paradigm, a pluralistic methodology
that follows the thought of the north-American philosopher Ken Wilber. With that base,
we will be looking to rescue some old fundamental thoughts of the early institutionaleconomics school as well as some ideas from the new institutional economics. In other
words, we will be looking to Veblens seminal thoughts from the late 19th century and the
early 20th century, trying to relate those with the new institutional work of Douglass
North. It will be proposed to add some modern insights, particularly exploring Hogdsons
work as well as some recent new insights from North.
With the accomplishment of the first goal, we will try to use that framework to
study the European Union institutional evolution, with special emphasis to the
endogeneity forces and spillover effects of the European currency area.
Keywords: Integral Paradigm, AQAL matrix, institutions, evolution, endogeneity,
Optimum Currency Areas, Europe.
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NDICE
NDICE DE FIGURAS ....................................................................................... 7
NDICE DE QUADROS ...................................................................................... 8 AGRADECIMENTOS ......................................................................................... 9
INTRODUO ................................................................................................... 10
PARTE I - FUNDAMENTOS ONTOLGICOS E METODOLOGIA:
UM CAMINHO PARA UMA METODOLOGIA PLURALISTA INTEGRAL ..... 13
1. O Paradigma Integral de Ken Wilber ........................................................ 14
1.1.A natureza hierrquica da realidade .................................................. 14
1.2.Os quatro quadrantes ......................................................................... 17
1.3. A evoluo no quadrante superior esquerdo ..................................... 22
1.3.1. Outras linhas de desenvolvimento: moral e valores ................. 25
1.4. AQAL em aco ............................................................................... 30
1.5. Veblen e os alicerces do institucionalismo ....................................... 32
1.6. Concepo de hbito e seu papel ...................................................... 35
1.7. Isomorfismos e tipologias ................................................................. 38
1.8. O individualismo versus o colectivismo ........................................... 41
1.9. Do convencional ao ps-convencional a emergncia da
racionalidade ............................................................................................ 43
1.10. Da racionalidade viso-lgica ...................................................... 46
1.11. Globalizao e respostas transnacionais ......................................... 48
2. A Teoria das Instituies de Douglass North ............................................ 502.1.Instituies, organizaes, famlias e Estado ................................... 50
2.2.Concepes sobre o comportamento humano, teoria de custos de
transaco e as instituies ...................................................................... 52
2.3.Restries formais, informais e enforcement.................................... 54
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3. O Papel dos Modelos Mentais e do Conhecimento para a Evoluo ...... 56
3.1. O papel das restries informais, da mudana tecnolgica e
institucional .............................................................................................. 56
3.2. A diferena entre a dependncia do caminho do lado direito e do lado
esquerdo da matriz AQAL ....................................................................... 58
3.3. Cultura como processo adaptativo e dependncia do caminho ........ 61
3.3.1. Relao entre estrutura institucional, estrutura poltica e
dependncia do caminho .................................................................... 63
3.3.2. A fora das instituies ............................................................. 65
4. Concluses Relativas Parte I .................................................................... 68
PARTE II PROPOSTA DE APLICAO DO PARADIGMA INTEGRAL AO
ESTUDO DA EVOLUO INSTITUCIONAL DA UE. O CASO PARTICULAR
DA ZONA MONETRIA ............................................................................................. 70
5. A Evoluo Institucional da Unio Europeia ............................................ 71
6. O Papel Central da Endogeneidade da Zona Monetria Europeia ........ 76
7. Breve Radiografia Situao Europeia Luz dos Vrios Critrios de
Integrao ........................................................................................................... 83
8. A Importncia dos Factores Polticos e da Dependncia do Caminho ... 89
9. A Importncia da Formao de uma Identidade Europeia ..................... 91
10.O Impacto do EURO na Evoluo da Identidade Europeia .................... 97
11.Do Nacional ao Supranacional .................................................................... 99
12.Concluses Finais Os Problemas, os Desafios e o Futuro da Europa .105
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 107
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NDICE DE FIGURAS
Pg.
Figura 1. Os quatro quadrantes ........................................................................ 17
Figura 2. Um pensamento: uma realidade com quatro dimenses .................. 20
Figura 3. Os oito memes da Dinmica da Espiral ........................................... 27
Figura 4. Nveis de integrao e de dependncia ............................................ 72
Figura 5. Os quatro quadrantes e a aco poltica ........................................... 74
Figura 6. Benefcios para o pas participante na zona monetria .................... 78
Figura 7. Custos para o pas participante na zona monetria .......................... 80
Figura 8. Benefcios/Custos para o pas participante na zona monetria ........ 80
Figura 9. Aumento dos custos para o pas participante ................................... 82
Figura 10. Taxa de desemprego na zona euro, Japo e EUA ........................... 85
Figura 11. Teoria concntrica de identidades polticas ................................... 101
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NDICE DE QUADROS
Pg.
Quadro 1. Estgios de evoluo em algumas linhas de desenvolvimento ....... 29
Quadro 2. Evoluo nos quadrantes do lado esquerdo da matriz AQAL ........ 39
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AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Antnio Mendona, pela liberdade que me concedeu para tentar fazer
algo de novo. A sua tranquilidade, confiana e at descontraco foram muito
importantes para seguir com este projecto com mais fora.
Aos meus colegas de trabalho da Esprito Santo Research, cada um sua maneira,
tiveram sempre um contributo especial para a moldagem das minhas ideias. Deixo aqui
um agradecimento especial ao Miguel Frasquilho se no fosse ele talvez no estivesse
aqui a escrever esta dissertao e ao Carlos Andrade, sobretudo pelas longas discusses
que ao longo do tempo de gestao deste projecto tivemos. Quase sempre em desacordo,
mas paradoxalmente sob uma plataforma invisvel de entendimento!
Ao Ken Wilber, no o conhecendo pessoalmente, mas agradecendo-lhe o simples facto
de ter revolucionado a minha forma de pensar a vida.
minha famlia - me, pai e irmo - incansveis no apoio que sempre me deram, nosbons e sobretudo nos maus momentos.
Sofia, o Amor de uma vida, a base slida onde me posso sempre apoiar. a ela que
dedico este trabalho.
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INTRODUO
Prope-se neste trabalho atingir dois grandes objectivos, que correspondem aliss duas partes desta dissertao. O primeiro relaciona-se com aspectos metodolgicos e
com a preocupao em fundar princpios ontolgicos claros a partir dos quais essa
metodologia abstracta encaixe num segundo objectivo que a de uma proposta da sua
aplicao prtica, concretamente ao estudo da construo da Unio Europeia.
No primeiro objectivo, que corresponder primeira parte da dissertao, o autor
tem a inteno de observar a realidade econmica, no seu sentido mais lato, fazendo-o
atravs do paradigma integral, uma metodologia pluralista que segue a linha de
pensamento do filsofo norte-americano Ken Wilber. Este olhar com estas lentes
particulares sobre a realidade procurar encontrar pressupostos de fundo que se querem
claros, vlidos e o mais realista possvel, sobretudo com a preocupao de evitar
quaisquer reducionismos na abordagem aos problemas que se querem explorar. essa a
principal mensagem do paradigma integral atravs de uma metodologia pluralista, no
se privilegia nem o individualismo metodolgico (implcito nas anlises do mainstream
econmico, com o homem racional, atomista e isolado de qualquer influncia do
colectivo, da sociedade) nem o colectivismo metodolgico, luz das tradies depensamento holsticas onde se comete o pecado inverso, observando todos os
fenmenos como o resultado de um relativismo cultural extremo e de uma fora da
colectividade que no deixa espao para a individualidade se expressar. Como
normalmente acontece, entre estas abordagens extremas algures no meio estar a virtude
e isso que se procurar encontrar e fundamentar.
O paradigma integral de Ken Wilber tenta ir ao fundo das questes e encontra
algumas premissas muito teis, sobretudo para o avano das cincias sociais. Primeiro
observa a natureza hierrquica da realidade, onde cada elemento, cada objecto, cada
existncia o resultado de um processo de evoluo, em que cada estgio de
desenvolvimento o resultado da transcendncia a partir de um estgio anterior para um
novo nvel de equilbrio. Quando esse desenvolvimento feito de forma saudvel, cada
nvel superior transcende e inclui os anteriores estgios de evoluo. Este encadeamento
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compara muito bem com a definio de dependncia do caminho na teoria das
instituies de Douglass North, encontro que se procurar fazer nos captulos dois e trs.
Alm da natureza hierrquica da realidade, o paradigma integral defende que a realidade,
no seu sentido mais lato, o resultado do surgimento em simultneo de quatro
perspectivas primordiais: a subjectiva e a objectiva na parte individual da realidade (ou
seja referente ao indivduo por si s) e a perspectiva intersubjectiva e a interobjectiva na
parte colectiva da realidade. Ao longo do primeiro captulo (que se apresenta
relativamente longo) tornar-se- mais claro o que aqui se refere, onde se ter
oportunidade de observar a matriz dos quatro quadrantes, precisamente onde se encaixam
estas quatro perspectivas bsicas de qualquer fenmeno.
Assim, juntando a definio de evoluo com as quatro dimenses bsicas da
realidade que chegamos explorao de cada um dos quatro quadrantes da realidadenuma perspectiva evolucionista. Com este mtodo, podemos explorar a evoluo
subjectiva e a objectiva do ser humano, e a evoluo intersubjectiva (ou cultural) e
interobjectiva (ou institucional) das sociedades. Procurar-se- na dimenso individual
explorar melhor o desenvolvimento do ser humano, que no se reduz dimenso racional
e friamente maximizadora da utilidade, pressuposto essencial nas propostas modelares do
mainstream econmico. Procurar-se- resgatar os estudos fundamentais nesse domnio
desde Jean Piaget com os estgios de evoluo cognitiva do indivduo at aos
conceitos de hbito e seu papel fundamental na vida do ser humano em sociedade, da
tradio da filosofia pragmatista, que teve na economia Thorstein Veblen, da viragem do
sculo XIX para o sculo XX, o seu grande defensor. Completar-se- este quadro terico
com as premissas importantes da teoria das instituies de Douglass North, em particular
com a operacionalidade que esta teoria confere ao paradigma integral. Destaque neste
domnio para a relao que North estabelece entre os modelos mentais e do conhecimento
dos agentes e a evoluo institucional, bem como, o j referido conceito de dependncia
do caminho.
Com estas bases que se esperam slidas e compreensveis, onde procurar-se-
obter modelos evolucionistas quer do indivduo quer da sociedade, atinge-se assim o
primeiro grande objectivo da dissertao. Partir-se-, na segunda parte do trabalho para
uma proposta de aplicao prtica da metodologia criada construo do projecto da
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Unio Europeia, dedicando especial ateno s caractersticas endgenas da zona
monetria europeia. Nesta fase, ir se procurar perceber qual a evoluo institucional que
a Unio Europeia est a ter, desde a sua criao, quais as tendncias, os spillover effects e
a dependncia do caminho que o projecto europeu permitir desvendar, dando particular
ateno s foras endgenas que a zona monetria europeia dever e estar a exercer quer
nas estruturas institucionais, quer nos outros quadrantes da realidade abordados no
paradigma integral, como sejam a eventual formao de uma identidade europeia
(dimenso intersubjectiva da realidade) e a alterao dos modelos mentais dos agentes
(dimenso subjectiva da realidade).
Concluir-se- o trabalho com os problemas, desafios e o futuro que se poder
estar a desenhar para o projecto europeu, pegando em algumas ideias chave de Antnio
Mendona.
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Parte I
Fundamentos Ontolgicos e Metodologia:Um Caminho Para Uma Metodologia Pluralista
Integral
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1. Paradigma integral de Ken Wilber.
Prope-se comear por expor uma esquematizao terica traada pelo filsofo
norte-americano Ken Wilber com base no chamado paradigma integral. Pegar-se-
posteriormente na teoria institucional de Douglass North (quer na sua obra pioneira de
1990, quer nos posteriores desenvolvimentos de 2005), a qual parece enquadrar-se da
melhor forma no paradigma integral, procurando dar-lhe sobretudo uma forma mais
concreta e operacional. Ser com esta metodologia pluralista integral onde, acima de
tudo, se integram as principais ideias de Wilber e de North (tambm de Veblen e
Hodgson), que se prope posteriormente analisar a construo e as caractersticas da zona
monetria europeia na parte II da dissertao.
1.1. A natureza hierrquica da realidade.
Em termos ontolgicos, pode-se afirmar que a realidade contm ordens naturais
organizadas hierarquicamente. Uma hierarquia simplesmente um ranking de eventos
ordenados de acordo com a sua capacidade holstica. Em qualquer sequncia de eventos,
observamos que o que um Todo num estdio de desenvolvimento, uma Parte no
estdio seguinte de um Todo maior. Assim, cada Todo contm Partes e em si mesmo
uma Parte de um Todo maior. Arthur Koestler(1976)deu o nome de holon para se referir
quilo que num contexto um todo e que simultaneamente uma parte num outro
contexto. Fazer parte de um todo maior significa que esse todo contm caractersticas que
no so encontradas nas partes que o constituem. Outra caracterstica importante desta
hierarquia natural da realidade a sua natureza assimtrica, j que este processo no
ocorre de forma inversa. Por exemplo, primeiro existem as letras, depois as palavras,
depois os pargrafos, etc, mas este processo nunca ocorre de forma inversa. Existe uma
direccionalidade na forma como se desenvolve essa hierarquia e essa direccionalidade
parece evoluir em estdios de desenvolvimento que so precisamente esses holons que
so um todo ou uma parte dependendo do contexto em que se inserem.
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Esta abordagem realidade parece acabar com os reducionismos que se observam
em vrios pressupostos de anlise onde se destaca a controvrsia entre o individualismo
metodolgico e colectivismo metodolgico. Os primeiros reduzem tudo unidade, ao
individual, tudo explicvel reduzindo tudo ao isolamento da unidade (por exemplo,
encontramos este tipo de reducionismo no mainstream econmico, com o pressuposto
base do agente racional, a partir do qual se pode construir modelos tericos explicativos
dos fenmenos econmicos); os segundos reduzem tudo ao colectivo, todas as partes so
meras componentes de um todo maior. De acordo com o paradigma integral, ambas as
vises esto incorrectas pois a natureza da realidade essencialmente a de que no h
simplesmente partes ou todos, mas holons, ou seja uma Parte que tambm um Todo.
Repetindo, um holon tanto uma Parte como um Todo simultaneamente.
Assim sendo, pode-se afirmar que todas as cincias so essencialmente cinciasreconstrutivas. Isto , nunca se sabe com absoluta exactido o que se ir desenvolver
amanh. Como North (2005) refere, o mundo um mundo no ergtico, incerto por
natureza. Obviamente que se pode estimar, que se podem aferir probabilisticamente os
fenmenos, mas sempre baseado em observaes passadas. A emergncia de novos
dados, de novos holons constitui sempre em certa medida um fenmeno novo e
inesperado.
Cada holon mais elevado na hierarquia inclui os seus predecessores e acrescenta
as suas novas caractersticas, os seus novos padres, mais abrangentes e mais inclusivos.
Assim, como frase chave ou lapidar pode-se dizer que toda a evoluo normal e saudvel
constitui-se atravs da emergncia de novos holons que transcendem e incluem os seus
predecessores. Wilber (1995) exemplifica este processo, com um caso que interessa
particularmente a esta dissertao. A integrao do Havai como um Estado membro dos
Estados Unidos. Todas as propriedades bsicas da regio se mantiveram, mas passaram a
fazer parte de um todo maior os Estados Unidos. O que se pode dizer que no foi
preservado foi a capacidade do Havai para ser o Todo que era antes, ou seja, deixando de
ser um Estado autnomo para passar a fazer parte de um Todo maior, submetendo-se, por
exemplo, Constituio norte-americana.
Hodgson (2001) refere que a realidade pode ser concebida em diferentes nveis
ontolgicos. Por exemplo, a fsica dever debruar-se sobre a matria (1 nvel), ao nvel
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das molculas, este objecto de estudo seria destinado qumica, organismos vivos
pertenceriam biologia, e por a adiante.
O problema da especificidade histrica auxilia na demarcao do problema de
natureza social das cincias fsicas. Hodgson observa que os sistemas socio-econmicos
tm evoludo significativamente nos ltimos milhares de anos, enquanto as propriedades
essenciais e as leis da fsica no se alteraram desde o Big Bang. A consequncia disto
que os mtodos e procedimentos das cincias sociais tm e tiveram que se alterar para
acompanhar a mudana no seu objecto de estudo. Hodgson defende que as cincias
sociais devem estar mais perto da biologia do que da fsica (como acontece actualmente
no mainstream acadmico), uma vez que no mundo bitico (conjunto de todos os
organismos vivos como plantas, animais e decompositores que vivem num ecossistema),
novas espcies surgem, outras desaparecem. Assim, a biologia combina princpios gerais,como a taxonomia e as leis evolucionistas, com estudos especficos.
Hodgson critica o mainstream econmico pelas suas teorias ahistricas, sem
qualquer nfase s circunstncias nicas que influenciam a tomada de decises
individuais. Se a economia a cincia da escolha num sistema de recursos escassos,
dever-se- ter em conta as instituies, a cultura especfica de forma a contextualizar
factores decisivos que moldam as decises individuais dos agentes. Assim sendo, o
indivduo pode ser visto como parcialmente constitudo pela sociedade e as suas
instituies. Ou seja uma interaco constante entre individuo e sociedade. Nem a
sociedade nem o indivduo so fixos, e o reconhecimento do problema da especificidade
histrica est aliada a esta viso do ser humano como sendo moldado, constitudo e
reconstitudo pela cultura e pelas instituies.
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1.2. Os quatro quadrantes.
Abordando especificamente a relao e a evoluo entre o Homem e a sociedade,
constatamos por exemplo que, em termos de evoluo biolgica, o crebro do homem se
mantm virtualmente inalterado nos ltimos 50 000 anos. No entanto, a interaco entre
esse crebro com os seus semelhantes e com o ambiente externo produziu um
desenvolvimento cultural extraordinrio em tudo o que isso tem de bom e de mau. O
filsofo alemo Jean Gebser (1945) identificou quatro grandes pocas de evoluo
cultural, cada uma ancorada por um estdio/estrutura/nvel de conscincia individual que
produziu e foi produzido por uma determinada viso do mundo. A esses estdios, Gebser
chamou-lhes de i) estdio arcaico, ii) estdio mgico, iii) estdio mtico e iv) estdio
mental.No esquema terico de Wilber estes estdios de Gebser correspondem apenas a
da histria, a qual define a evoluo dos vrios tipos de holons num dimenso quadrtica,
os quatro quadrantes bsicos da realidade.
Figura 1. Os quatro quadrantes.
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Como se pode constatar na figura, os estdios de Gebser correspondem
dimenso cultural do desenvolvimento dos holons colectivos (mais precisamente o
quadrante inferior esquerdo QIE). As outras dimenses que Wilber traz, envolve
tambm dentro dos holons colectivos, a dimenso social ou interobjectiva (quadrante
inferior direito ou QID), e dentro dos holons individuais, tem-se a dimenso subjectiva
(quadrante superior esquerdo ou QSE) e a dimenso objectiva (quadrante superior direito
- QSD). Faz-se aqui a distino entre holons individuais (os dois quadrantes de cima no
diagrama acima exposto) e holons colectivos (os dois quadrantes inferiores do mesmo
diagrama). Isto porque embora Wilber (1995) defenda a sua emergncia em simultneo,
estes tm, no obstante, caractersticas diferentes (as quais sero abordadas mais frente
no trabalho).Note-se que enquanto o lado direito do diagrama pode ser observado
objectivamente, o lado esquerdo deve ser interpretado pela sua dimenso subjectiva e
intersubjectiva. Por exemplo, a economia tende a tratar de temticas relacionadas com o
quadrante inferior direito (QID), enquanto implicitamente mantm constante ou assume
determinados pressupostos dos outros quadrantes. No entanto, Wilber (1995) argumenta
que os erros, omisses que se cometem ao no incluir as quatro dimenses bsicas da
realidade (cada uma com a sua prpria praxis), representada naquele diagrama, tendem a
tornar as anlises incompletas e muitas das vezes gravemente reducionistas.
Exemplifique-se ento o que aqui se apresenta: Um dado indivduo tem um
pensamento. Analisemos este simples fenmeno utilizando os quatro quadrantes:
- No quadrante superior direito (QSD), esse pensamento pode ser observado de
duas formas distintas a comportamental, se o dado indivduo decidir comunicar esse
pensamento ou, por outra via, atravs das alteraes na fisiologia do crebro. Essas duas
formas podem ser observadas de forma sensrio-motora, ou seja podem ser estudadas de
forma completamente objectiva, no seu sentido mais estrito.
- No quadrante superior esquerdo (QSE), esse pensamento foi experimentado de
forma distinta pelo indivduo que o formulou. Em vez de um qualquer registo fisiolgico
no crebro ou determinados comportamentos visveis, o indivduo experimentou um
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pensamento com determinados significados, simbolismos, emocionalmente
competentes (Damsio, 2003) ou no, mais ou menos importante qualitativamente para
o prprio; este pensamento poder ou no ser partilhado se o indivduo assim o desejar
(se por exemplo o indivduo no partilhar esse pensamento, nenhuma anlise
comportamental seria possvel no quadrante superior direito e mesmo que algum
soubesse o exacto comportamento fisiolgico do crebro, nunca seria capaz de decifrar o
seu contedo, a menos que o indivduo decidisse revel-lo). A concluso mais importante
a retirar para j que o quadrante superior esquerdo jamais poder ser reduzido sua
correlao com o quadrante superior direito (e vice-versa) sem perder uma importante
parte deste fenmeno da vida real um simples pensamento de um indivduo.
- No quadrante inferior esquerdo (QIE), observa-se um mtuo entendimento entre
o indivduo e uma 3 pessoa, desde que ele compartilhe esse pensamento com algum e sefaa entender. Para tal entendimento o significado do pensamento tem que estar de
acordo com todo um background cultural comum entre o indivduo e essa 3 pessoa de
forma a ser possvel um mtuo entendimento. Esse espao intersubjectivo essencial
para que qualquer comunicao tenha significado para as partes em interaco.
- No quadrante inferior direito (QID), observa-se o espao interobjectivo da
realidade. Poder haver uma correlao mais ou menos directa entre o espao
intersubjectivo e o espao interobjectivo. Este ltimo aquilo que directamente
observvel, tal como a estruturao das instituies, o enquadramento legislativo,
caractersticas socio-econmicas, etc. Note-se aqui as semelhanas com a
conceptualizao terica de North com as regras formais e informais ( qual se far
referncia no ponto 2.3). Dir-se-ia que segundo este diagrama as primeiras, as regras
formais, pertenceriam ao quadrante interobjectivo (observvel) e as ltimas, as regras
informais, ao quadrante intersubjectivo (informal, no observvel ou quantificvel, mas
inteligvel e partilhado entre sujeitos).
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Figura 2. Um pensamento: uma realidade com quatro dimenses.
Uma importante distino entre a dimenso direita e a dimenso esquerda desta
matriz que esta ltima lida com aspectos qualitativos que so imensurveis. Ou seja,
quanto maior o significado que dada pessoa tiver dado a determinado facto isso no
implica que exista menos significado disponvel para uma 3 pessoa. No quantificvel,
ao contrrio da dimenso do lado direito que, pelas suas caractersticas objectivas,
visveis a olho nu, podem ser mensurveis.
O simples exemplo atrs enunciado demonstra as dimenses inseparveis da
realidade, cada uma com as suas prprias injunes, paradigmas ou validity claims que
no so redutveis aos outros quadrantes, apenas podem estar correlacionados.
de notar que existem importantes diferenas entre a micro-evoluo e a macro-
evoluo, ou seja, entre os holons individuais e os holons colectivos, embora estes
mantenham uma tetra-relao em todos os nveis de desenvolvimento.
Intersubjectividade Interobjectividade
Subjectividade Objectividade
Contedo subjectivodo pensamento
Contedo revelado dopensamento
Alteraes fisiolgicasno crebro
Mtuo entendimentoque o pensamentopossa originar com
uma 3 pessoa
Contextos socio-econmicos,institucionais,
climatricos, entreoutros.
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At agora, foram referidas a dimenso hierrquica e a quadri-dimensionalidade
da realidade. Ou seja todos os quadrantes em todos os nveis (no ingls estas duas
caractersticas so representadas pela sigla AQAL all quadrants, all levels sigla que
passar doravante a apresentar-se sempre que se referir aquela matriz atrs exposta).
A partir desta matriz ou esquema terico AQAL, torna-se relevante destacar que
os especficos contedos que se podem utilizar em cada um destes quadrantes podero ser
objecto de discrdia entre as vrias reas do saber. Por exemplo, que escala evolutiva
apresentar para o QSE, ou para o QIE, ou mesmo para os tendencialmente mais
consensuais QSD e QID. No esquema AQAL apresentado, na escala evolutiva dos
quadrantes do lado esquerdo, Wilber (1995) optou por privilegiar maioritariamente a
teoria de Piaget para a evoluo cognitiva do ser humano, j que nos estudos de Piaget se
revelaram estdios de evoluo cognitiva no Homem extraordinariamente universais,independentemente das diferentes e abundantes culturas onde esses estudos foram
realizados. Da mesma forma, os estdios de evoluo cultural de Gebser foram os
escolhidos tambm pelo seu carcter universal. O mais importante que,
independentemente das muitas discrdias que existem entre diferentes teorias em cada
quadrante, este esquema terico abre um espao saudvel de debate entre os vrios
paradigmas, vrios estudos e vrias correntes de pensamento, sem negar, no entanto, o
principal que esta tetra-dimenso da realidade e sua natureza hierrquica e evolutiva.
Segundo Wilber (1995) s uma esquematizao terica deste tipo permite uma
abordagem integral das realidades que se pretendem estudar.
Obviamente, o autor desta dissertao ir apresentar as suas prprias propostas de
como preencher este puzzle, sobretudo quando se analisar especificamente o fenmeno
da construo europeia e, em particular, da zona monetria europeia. Mas o que se quer
apenas enfatizar o carcter relativamente neutro deste esquema terico, desta meta-
teoria, a partir da qual podem nascer inmeras propostas tericas em cada um dos
quadrantes.
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1.3. A evoluo no quadrante superior esquerdo.
Na escala de evoluo cognitiva de Jean Piaget temos um primeiro ponto de
partida para a evoluo do ser humano no quadrante superior esquerdo. Piaget chamou
aos respectivos estgios de desenvolvimento estruturas cognitivas ou intelectuais. Piaget
considerava que o desenvolvimento da inteligncia era afectado por factores biolgicos
(observveis no QSD) um dos quais a transmisso hereditria de estruturas fsicas,
como o sistema nervoso prprio da espcie. As pesquisas de Piaget demonstram, no
entanto que, no ser humano, aps os primeiros dias de vida, os reflexos so modelados
pelas experincias em seu redor (que na linguagem AQAL significa que todos osquadrantes esto envolvidos no processo) e do lugar a um novo tipo de mecanismo a
estrutura psicolgica, que no directamente hereditria (Biaggio, 2005).
O principal objectivo de Piaget era o de estudar a evoluo qualitativa das
estruturas psicolgicas subjacentes ao pensamento. A actividade intelectual visa sempre
um estado de equilbrio e existe sempre a tendncia de procurar novos estmulos depois
de acomodados e equilibrados os estmulos anteriores. Existe assim um estado de
equilbrio quando h a acomodao de uma dada estrutura psicolgica, mas h tambm
um estado de desequilbrio na procura de novos estmulos (temos como exemplo o tdio
da criana em relao a um dado brinquedo com que j est muito familiarizada)
(Biaggio 2005).
A grande contribuio de Piaget foi o escalonamento ou a hierarquizao dos
vrios estdios de desenvolvimento cognitivo do ser humano. Em traos gerais, Piaget
encontra quatro grandes estruturas cognitivas que se desenvolvem desde o nascimento1:
I- Estdio sensrio-motor (0 a 2 anos)
II- Estdio pr-operatrio (2 a 6 anos)
III- Estdio de operaes concretas (7 a 11 anos)
1De referir que estes estdios nada tm de linear, nem as idades tm a rigidez que se aponta na enumeraomencionada.
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IV- Estdio de operaes formais (12 anos em diante)
Numerosos psiclogos (e.g. Bruner, Flavell, Arieti, op cit. Wilber 1986)
apontaram para a evidncia de uma estrutura cognitiva acima do estdio de operaes
formais de Piaget. Seria uma estrutura em que o raciocnio opera em termos sistemticos
(operaes sistemticas ou seja sobre sistemas ou redes). Inmeros nomes lhe foram
atribudos (de estdio dialctico, integrativo, a sinttico-creativo), mas fique-se com a
expresso da preferncia de Wilber (1986):
V- Estdio viso-lgica;
Numa breve descrio destes estdios cognitivos temos que: no primeiro estdio(sensrio-motor), no h ainda a capacidade de abstraco e a actividade intelectual de
natureza sensorial e motora. A criana percebe o ambiente e age sobre ele. Estdio de
grande importncia como fundamento de toda a actividade intelectual superior futura
(como j se referiu, cada novo holon transcende mas inclui e tem como base o holon
predecessor). No segundo estdio (pr-operatrio) o principal progresso o
desenvolvimento da capacidade simblica. A criana j no depende unicamente das suas
sensaes dos seus movimentos, mas j distingue um significador (imagem, palavra ou
smbolo) daquilo que ele significa o significado. O perodo pr-operatrio tambm a
poca em que h uma verdadeira exploso lingustica. Uma das caractersticas mais
importantes desta fase o egocentrismo que significa simplesmente a incapacidade da
criana de se colocar no ponto de vista de outrem (Biaggio, 2005 e Wilber, 1986). No
terceiro estdio, o das operaes concretas, a criana ou indivduo comea a conseguir
colocar-se no papel de uma 3 pessoa. a primeira estrutura que consegue realizar
operaes com regras prprias como a multiplicao, diviso, hierarquizao, etc.
(Wilber, 1986). O quarto estdio, o das operaes formais, a primeira estrutura que
consegue no apenas pensar e agir sobre o mundo, mas consegue tambm pensar acerca
do prprio pensamento e de si mesma. Neste estdio de desenvolvimento, o indivduo j
capaz de resolver problemas a respeito de todas as relaes possveis entre eventos.
Reflecte-se tambm nas preocupaes com problemas abstractos de valores, ideologias e
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preocupaes com o futuro (Biaggio, 2005). a emergncia da racionalidade que
introduz um novo e mais abstracto entendimento da matemtica, lgica, etc. A razo
oferece ao indivduo um enorme espao de possibilidades. tambm tpico desta
estrutura, o mundo parecer cientfico-racional. Finalmente, o quinto estdio, denominado
de viso-lgica, caracterizado pelo estabelecimento de redes e sistemas de
relacionamentos. Enquanto, no quarto estdio as operaes formais operam sobretudo
com relaes, a viso-lgica, opera sobre o sistema ou rede que interliga essas relaes.
o incio de uma capacidade lgica panormica, de uma capacidade de sintetizar, de
envolver, interrelacionar, conectando e coordenando ideias aparentemente distintas num
todo integrado. Esta portanto uma estrutura de grande integralidade, de uma grande
viso inclusiva e integradora.
Uma vez mais de referir que este desenvolvimento cognitivo do ser humano condicionado pela tetraaco entre os quatro quadrantes. Especificou-se o
desenvolvimento cognitivo no QSE, desenvolvimento que vrios estudos empricos
provaram ser universal, mas condicionados fortemente pela envolvncia dos quatro
quadrantes, particularmente com o forte peso dos quadrantes inferiores (i.e. os quadrantes
colectivos). Em termos prticos, isto significa que vrios estdios do desenvolvimento
cognitivo, sobretudo os mais avanados, podem no se concretizar pelas restries,
contextos e dinmicas nos quatro quadrantes. Isto poder contribuir para explicar o
porqu de certos desenvolvimentos escala global se revelarem to assimtricos, mais
visveis por exemplo no QID, com as diferenas significativas que existem entre as vrias
realidades scio-econmicas nas vrias regies do globo. Estas no so apenas o
resultado de diferenas culturais (tal como defendem as linhas mais radicais dos ps-
modernos) ou seja diferenas tipolgicas ou horizontais mas tambm de nvel e de
evoluo vertical.
Continuando no QSE, de referir que o desenvolvimento subjectivo do ser humano
no passa apenas pelas estruturas cognitivas. Essa apenas umas das linhas de
desenvolvimento do indivduo. Ainda pouco se sabe sobre a verdadeira relao entre a
linha cognitiva e as outras linhas de desenvolvimento humano. Existem, porm, algumas
pistas que podero ser aqui enunciadas, as quais se tornaro de relevncia significativa
para o presente estudo.
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1.3.1. Outras linhas de desenvolvimento moral e valores.
A moralidade geralmente vista, quer por socilogos, filsofos ou psiclogos
como o conjunto de regras culturais que foram interiorizadas pelo indivduo. As regras
dizem-se interiorizadas quando so obedecidas na ausncia de incentivos ou de sanes
sociais. Esta definio compara bem com a concepo de hbito destacada por Veblen2
que exploraremos mais frente (ver ponto 1.6). Assim, a pergunta surge: como que a
criana se torna capaz de moralidade, ou seja de actuar em termos de padres
interiorizados? (Biaggio, 2005)
Kohlberg, um psiclogo norte-americano pegou nas estruturas dedesenvolvimento cognitivo de Piaget e aplicou-as ao estudo da linha moral de
desenvolvimento. Este autor defendia a universalidade dos princpios morais. Kohlberg
afirma que os princpios ticos so distintos de regras e crenas convencionais e
arbitrrias e que tm uma sequncia evolutiva invariante, muito semelhantes s
postuladas por Piaget para o desenvolvimento cognitivo. Os trs grandes estdios de
desenvolvimento moral do Homem definidos por Kohlberg e testados empiricamente em
vrias culturas e sub-culturas so:
I- Nvel Pr-Convencional pr moral;
II- Nvel Convencional moralidade de conformismo ao papel convencional;
III- Ps-Convencional moralidade de princpios morais aceite conscientemente;
Kohlberg (1975) atravs de estudos empricos, como por exemplo dinmicas de
grupo, baseou-se na premissa de que o conflito cognitivo a base da acelerao da
2 Veblen rejeita o agente neoclssico marginalista e enfatiza a inrcia e os hbitos como sendo factoresmuito mais importantes para explicar o fenmeno econmico (Hodgson 2001) ver ponto 1.7.
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Clare Graves delineou cerca de 8 grandes nveis ou ondas de existncia humana3.
A estes nveis a Dinmica da Espiral tambm lhe d o nome de memes4. Os memes, na
sua definio tpica, so unidades individuais de cariz mental-cultural; Estes oito memes
foram utilizados na Dinmica da Espiral divididos por cores:
I- Bege: Arcaico-instintivo;
II- Prpura: Mgico-animista;
III- Vermelho: Deuses de Poder;
IV- Azul: Ordem mtica;
V- Laranja: Descoberta cientfica
VI- Verde: O eu relativista sensvel e comunitrio;
VII- Amarelo: Integrador;VIII- Turquesa: Holstico;
Figura 3. Os oito memes da Dinmica da Espiral.
3 Devemos levar em linha de conta que todas estas concepes de estdio se baseiam num extenso corpo deinvestigao e de dados. O modelo de Graves foi testado em mais de 50 000 pessoas em todo o mundo.4 Termo primeiramente utilizado por Dawkins em 1989 no livro O Gene Egosta.
meme prpura
meme bege
meme amarelo
meme vermelho
meme laranja
meme azul
meme verde
meme turquesa
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Relacionando a hierarquia de estdios morais de Kohlberg com a hierarquia
memtica de Graves (atravs de Beck e Cowan, 1996) temos que:
I- Estdios pr-convencionais correspondem tipicamente ao Bege, Prpura e
Vermelho;
II- Estdios convencionais correspondem tipicamente ao Azul com as regras
conformistas de ordem mtica;
III- Estdios ps-convencionais correspondem tipicamente ao Laranja, Verde,
Amarelo e Turquesa. Por exemplo, o meme laranja e o verde so memes
marcados por uma intensa postura crtica perante os mitos, os valores
conformistas e os preconceitos etnocntricos que se encontram quase sempre
nos estdios pr-convencionais e convencionais.
Em suma, os inmeros modelos de psicologia do desenvolvimento humano
permitem-nos, nas suas vrias vertentes, construir uma tabela, na qual esto bem patentes
a complexidade e as vrias linhas e estdios da evoluo humana.
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Quadro 1. Estgios de evoluo em algumas linhas de desenvolvimento humano.
Esta tabela permite observar com clareza (i) a natureza hierrquica do
desenvolvimento humano, (ii) a condio necessria mas no suficiente do
desenvolvimento cognitivo (por isso esta linha surge na 1 coluna para indicar essa
condio) e (iii) algumas das diversas linhas de desenvolvimento do ser humano,
concretamente aquelas linhas que definem muito da forma como o ser humano observa o
mundo em seu redor (como a linha moral e dos valores).
Outra nota importante em relao a esta tabela que estas linhas se podem
desenvolver de forma relativamente independente umas das outras (com a excepo das
estruturas cognitivas que funcionam como base para o desenvolvimento de todas as
outras). Assim, um dado indivduo pode estar num estdio de evoluo cognitiva muito
elevada, mas no ter desenvolvido adequadamente outras linhas como a moral e a dos
valores (e.g. um mdico nazi nvel de cognio elevado, nvel baixo, na escala de
valores) ou seja, a assimetria que anteriormente foi referida em relao aos quadrantes e
ao desenvolvimento vertical tambm se aplica s varias linhas de desenvolvimento, elas
prprias sujeitas dinmica AQAL. Obviamente que este quadro tem profundas
implicaes normativas, s quais o autor no pretende de forma alguma fugir.
Estgios
Desenvolvimento
cognitivo Linha moral Linha dos valores
1 sensrio-motorBegearcaico/instintivo
2 Pr-operatrio Pr-convencionalprpuramagico/animista
3vermelhoegocntrico
4Operaesconcretas Convencional
azulabsolutista/mtico
5 Operaes formaislaranjaego-racional
6 Ps-convencionalverderelativista/pluralista
7 Viso-lgicaamarelosistmico
8turquesaholstica
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Os pontos principais que se queriam aqui deixar claros, com estas linhas da
evoluo humana, que j se referiram so:
i) o ser humano fruto de um determinado percurso de desenvolvimento onde,
quando saudvel, cada novo estdio de desenvolvimento transcende e inclui o
estdio anterior. Este alis a forma de desenvolvimento em todos os
quadrantes como se ir ver; Concretamente para a teoria econmica isto
significa que o homem no simplesmente um homem racional no sentido
mais naive do termo, mas fruto de inmeros e complexos processos de
evoluo;
ii) O desenvolvimento cognitivo apresentado por Piaget constitui uma linha dedesenvolvimento necessria mas no suficiente para o desenvolvimento de
outras inteligncias. Contudo, a estrutura cognitiva fornece um espao de
possibilidades de onde podero florescer novas linhas de desenvolvimento.
1.4. AQAL em aco.
Todos os modelos de desenvolvimento contam, em traos gerais, uma histria
semelhante. O crescimento e a evoluo da mente humana pode ser visto como uma srie
de ondas ou estdios que se desenvolvem, no de forma linear, mas antes como um
processo fludo, em movimento, dinmico, com remoinhos, correntes e espirais, com
evoluo mas tambm com regresses ao longo do tempo.
A psicologia do desenvolvimento, de qualquer linha terica existente, mostra um
factor essencial: existem efectivamente universalismos na condio humana ao contrrio
do que reitera a estandardizada afirmao ps-moderna de que todo o comportamento
culturalmente relativo e socialmente construdo. Mostra tambm as limitaes de um dos
grandes pressupostos do mainstream econmico o da racionalidade humana. No se
questionando que a racionalidade existe de facto, ela tem que ser observada num contexto
bem mais abrangente que envolve o reconhecimento da natureza hierrquica do
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desenvolvimento humano, onde a racionalidade no existe s por si, mas o resultado de
uma evoluo complexa do Homem. Adicionalmente, nem todos os seres humanos se
desenvolvem da mesma forma pelo que assumir que todos os indivduos so seres
racionais, no sentido estrito (e tal como assumido pelos principais modelos econmicos),
isoladamente e sem mais consideraes sobre o assunto revela-se profundamente
insuficiente; para alm disso, a racionalidade surge num contexto AQAL (todos os
quadrantes, todos os nveis e todas as linhas) e no da forma atomista, vinda de um
pressuposto implcito de um individualismo metodolgico, sem levar em linha de conta a
importncia de todos os quadrantes da realidade que passam, para alm dos j referidos
aspectos subjectivos (QSE) e objectivos (QSD) do indivduo, pelos contextos culturais
(QIE), socio-econmicos (QID) que moldam ou condicionam essa racionalidade. Alis,
nesta matriz AQAL h a destacar o forte peso dos quadrantes colectivos sobre oindivduo (no diagrama AQAL, os quadrantes inferiores), tal como se ver mais frente.
O esquema dos quatro quadrantes em evoluo permanente (all quadrants, all
levels, ou AQAL) permite situar da melhor forma as perspectivas que se formam. Assim,
por exemplo, se se quiser falar dos hbitos individuais ou culturais sabe-se que no
existem num vcuo. Por exemplo, a conscincia individual, a mente humana (situada no
quadrante superior esquerdo - QSE) encontra-se inextrincavelmente interligada ao
organismo e crebro objectivos (uma perspectiva diferente localizada no quadrante
superior direito QSD), natureza, aos sistemas sociais, ao ambiente (quadrante inferior
direito - QID) e aos contextos culturais, valores comunitrios e vises do mundo
(quadrante inferior esquerdo QIE).
O QSD corresponde ao indivduo tal como visto de uma forma objectiva,
emprica, cientfica (no sentido mais estrito da palavra). Inclui os estados corporais
orgnicos, a bioqumica, os factores neurobiolgicos, os neurotransmissores, as estruturas
cerebrais orgnicas (tronco cerebral, sistema lmbico e o neocrtex)5.
Independentemente da nossa opinio sobre a verdadeira relao entre a mente
conscincia (QSE) e o crebro-corpo (QSD), pode-se pelo menos concordar com a sua
correlao. O QIE envolve todos os padres que existem na conscincia e que so
5 Para consultar uma excelente abordagem ao QSD ver Damsio (1999 e 2004). Est para alm do alcancedeste trabalho explorar em detalhe a perspectiva deste quadrante da matriz AQAL.
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partilhados por aqueles que se inserem numa dada cultura ou subcultura especfica. Por
exemplo, para que duas pessoas se possam minimamente entender precisam de pelo
menos partilhar algo em comum (desde as mais elementares estruturas semnticas da
lingustica at partilha de vises do mundo, etc). So padres intersubjectivos da
conscincia, padres de mtuo entendimento no facilmente explicveis objectivamente.
No entanto, estes espaos intersubjectivos possuem correlatos objectivos que podem ser
detectados empiricamente. o caso dos sistemas socio-econmicos, estilos
arquitectnicos, estruturas geopolticas, etc.
1.5. Thorstein Veblen e os alicerces do institucionalismo.
Hodgson (2001) identificou no trabalho do economista norte-americano Thorstein
Veblen, da viragem do sculo XIX para o sculo XX, uma verdadeira revoluo
intelectual e com semelhanas evidentes com a teoria integral de Wilber. O trabalho de
Veblen ter influenciado seis grandes reas (Hodgson, 2001): i) a focagem tanto nas
instituies como nos indivduos como unidades de evoluo social; ii) a importncia das
explicaes causais quer no plano do indivduo quer nos fenmenos sociais, consistentes
com as cincias naturais e sociais; iii) observao de que a deliberao racional surge
como o resultado de hbitos criados, estabelecendo a primazia do hbito sobre o
pensamento racional; iv) evitar trs importantes reducionismos metodolgicos, a saber,
colectivismo metodolgico, individualismo metodolgico e reducionismo biolgico; v)
colocar a aprendizagem e o conhecimento no centro da evoluo tecnolgica e da
evoluo econmica (na linguagem AQAL, seria o reconhecimento da importncia dos
quadrantes do lado esquerdo para o desenvolvimento objectivo do lado direito); vi)
desenvolvimento histrico observado como um fenmeno no teleolgico.
Veblen considerava que a mera posio ocupado pelo indivduo, em termos de
status social, como o assalariado ou um empreendedor, capitalista, etc, nada nos diz
acerca dos possveis hbitos de pensamento do indivduo e assim das provveis aces.
Mais, Veblen afirma que os interesses individuais, quaisquer que eles sejam no se
correlacionam necessariamente com as respectivas aces (ou seja o desenvolvimento
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dos quadrantes do lado esquerdo no implicam necessariamente a sua expresso
objectiva).
Veblen rejeita a proposio de que o indivduo exclusivamente um ser social,
reflectindo apenas a transmisso e a expresso das leis sociais (Veblen, op. cit Hodgson
2001). Ou seja, isto significa que Veblen rejeita o reducionismo do colectivismo
metodolgico (reduzindo-se a realidade aos quadrantes inferiores da matriz AQAL), onde
se procura justificar a individualidade do ser humano inteiramente em termos de
estruturas, instituies ou cultura. No entanto, Veblen procura tambm afastar-se do
reducionismo inverso, o individualismo metodolgico, que tudo explica em termos
atomsticos ou individuais. O que Veblen sugere um meio-termo, uma dinmica a que
Wilber (1995) chamaria an AQAL affair onde os indivduos so moldados pelas suas
circunstncias especficas dos quadrantes colectivos, assim como tambm as podemmoldar (Hodgson 2001).
Uma parte importante nos argumentos de Veblen prende-se com a defesa de que
as explicaes para os fenmenos socio-econmicos envolvem no apenas as instituies,
estruturas e os agentes como tambm que essas explicaes sejam feitas em termos
evolucionistas. Isso contrasta com as vises neoclssicas e utilitaristas que assumem
determinadas caractersticas comportamentais para o agente econmico sem a explicao
das origens dessa assuno (que segundo Veblen s se poderia obter com uma
perspectiva evolucionista).
De facto, est implcito nos escritos de Veblen uma abordagem AQAL para os
fenmenos da realidade econmica. Veblen concebe o indivduo em termos biolgicos
(ou seja referindo-se ao QSD em termos da concepo biolgica do ser humano), mas
tambm o concebe em termos sociais (ou seja referindo-se concretamente ao QID ou aos
quadrantes inferiores genericamente). Com as noes de instintos, hbitos e razo,
Veblen completa a matriz AQAL, com o quadrante subjectivo QSE).
Acima de tudo, Veblen procurava fugir a todos os reducionismos que
invariavelmente se praticavam e praticam nas explicaes dos fenmenos sociais. A
abordagem dos 4 quadrantes (a matriz AQAL) fornece-nos um mapa que nos alerta para a
facto de podermos, com determinado tipo de anlises, estar a esquecer algo importante
para a explicao do fenmeno a que nos propomos estudar. O reducionismo biolgico
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seria ento a reduo do mapa ao seu quadrante superior direito o corpo humano,
objectivo, quantificvel, mensurvel; O reducionismo colectivista, seria o de explicar
tudo em funo das estruturas e instituies e de olhar para o ser humano como
fundamentalmente um ser social. Este reducionismo assume at duas formas, sendo que
uma delas a de reduzir tudo ao QID ou dimenso interobjectiva da realidade e a
segunda a de condicionar a anlise aos quadrantes inferiores, os colectivismos,
esquecendo a importncia do ser humano nas suas dimenses individuais (subjectiva e
objectiva ou intencional e behaviorista, respectivamente).
Essencialmente, Veblen observava o agente como estando sujeito a um processo
de evoluo, no podendo as suas preferncias e aces serem tomadas como fixas ou
dadas. Na linguagem AQAL, quer o agente quer as estruturas que o envolvem esto em
permanente mutao/evoluo. Os quatro quadrantes co-evoluem e interagem (tetra-interagem), estando correlacionados mas no redutveis a qualquer um deles. Veblen
defendeu uma cincia econmica de natureza evolucionista onde a teoria base teria de
contemplar o processo de crescimento cultural (QIE) e uma teoria do desenvolvimento
institucional (QID) (Hodgson 2001). Isto tudo tendo como base o processo do
desenvolvimento do ser humano (QSE e QSD).
Tal como Hodgson refere (2001), um dos principais contributos de Veblen para a
economia foi a importncia que o autor deu ao conhecimento na actividade produtiva e
para o desenvolvimento econmico, um activo imaterial, no quantificvel que pertence
ao domnio dos quadrantes do lado esquerdo da matriz AQAL. Para Veblen, a produo
era o acumulado do habitual knowledge of the ways and means involvedthe outcome
of long experience and experimentation. Para Veblen e para os pragmatistas em geral, os
hbitos de pensamento acomodam e reproduzem os esquemas conceptuais, atravs dos
quais percebemos o mundo. Veblen rejeita o agente neoclssico marginalista e enfatiza a
inrcia e os hbitos como sendo factores muito mais importantes para explicar o
fenmeno econmico (Hodgson 2001). Os hbitos so a base do pensamento, sendo
tambm influenciados, moldados e reproduzidos atravs das restries institucionais. Os
hbitos fazem parte dos mecanismos reconstitutivos atravs dos quais as instituies
moldam e influenciam as preferncias e os objectivos dos agentes.
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1.6. Concepo de hbito e seu papel.
Vejamos a dinmica AQAL a partir da concepo de hbito e seu respectivo
papel. No QSE, definimos algumas das principais estruturas de evoluo que podero ser
consideradas comuns aos seres humanos que, nas suas diferentes linhas de
desenvolvimento, esto sujeitos s influncias de todos os quadrantes para o seu
desenvolvimento. Cada estrutura um holon que um todo/parte, que na sua dimenso
de Todo opera coerentemente a partir daquele nvel. segundo este enquadramento que
se pode encaixar o conceito de hbito. Assim, os hbitos em cada nvel de
desenvolvimento foram sendo formados por mecanismos de seleco AQAL e podero
ser definidos como uma tendncia ou disposio para agir de determinada maneira
adoptada anteriormente. Os hbitos assim considerados so a base de aces tantoreflexivas como no reflexivas. Os hbitos so formados atravs da repetio de
comportamentos (visveis, objectivos e portanto pertencentes ao QSD) ou pensamentos
(invisveis, subjectivos e pertencentes ao QSE). No entanto, e tal como enfaticamente
refere Hodgson, os hbitos no se traduzem necessariamente em comportamentos. Uma
vez mais e na linguagem AQAL, hbitos so disposies ou propenses criadas no QSE e
que se podem repercutir ou no em aces ou comportamentos expressos objectivamente.
Assim hbito no igual a comportamento. O mesmo dizer que no se pode reduzir o
QSE ao QSD embora possam estar intimamente ligados.
De notar a relao que o conceito de hbito tem com os conceitos que se
abordaram atrs no desenvolvimento das estruturas cognitivas, da moral e dos valores do
ser humano. Os hbitos tendem a comear a ficar enraizados a partir do momento que o
ser humano comea a adquirir estruturas cognitivas correspondentes ao estgio de
operaes concretas de Piaget, ao estgio convencional na linha de desenvolvimento da
moral e no estgio correspondente ao meme azul na linha de valores de Graves.
Hodgson (2001) nota que a partir de meados do sculo XX, o mainstream
econmico colocou o agente racional como principal pressuposto para as suas teorias
neoclssicas, fazendo do conceito de hbito uma mera expresso comportamental de
escolhas racionais do passado. Ou seja, reduziram-se as disposies e as propenses e os
vrios nveis de desenvolvimento todo o quadrante superior esquerdo, o interior e a
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subjectividade a um s nvel, o do agente racional, e a um s quadrante, o QSD que
o quadrante das aces propriamente expressas, que se vem, que so objectivas.
No entanto, as cincias cognitivas e a psicologia moderna tm vindo a recuperar
os conceitos originais da filosofia pragmatista do sculo XIX. Em particular, destaque-se
os conceitos da psicologia moderna de que todas as ideias e crenas esto situadas em
contextos especficos (Hodgson, 2001). Perante a escassez do tempo num mundo cada
vez mais complexo, os indivduos baseiam-se nas estruturas externas e nas circunstncias
que agem como filtros e restries, providenciando tambm a direccionalidade por onde
devem percorrer os seus caminhos. A mente e a razo so inseparveis do ambiente
externo tanto natural como social. Alis, de forma mais completa pode-se dizer que a
subjectividade do indivduo inseparvel das redes intersubjectivas e os contextos
culturais a que pertencem, bem como ao ambiente externo que inclui as instituies apartir das quais o indivduo actua. Uma vez mais observa-se os quatro quadrantes da
realidade numa tetra interactividade dinmica e evolucionista. Assim, a ideia atomstica
do agente racional como a nica dimenso de todas as escolhas, crenas e intenes
manisfestamente insuficiente para explicar as reais dinmicas psico-socio-econmicas.
A realidade subjectiva (a evoluo interior do ser humano) em si mesma
resultante da dinmica AQAL. No entanto, possvel traar a evoluo j testada em
vrias culturas e que se tem assim revelado de natureza universal. No trabalho de Piaget
j referimos que o indivduo tende a passar por vrios estgios de evoluo desde o
estdio sensrio-motor dos primeiros anos de idade at pelo menos ao estgio de
operaes concretas e depois formais. Esta direccionalidade compara bem com a
hierarquia definida por Margolis (op. cit. Hodgson 2001), segundo a qual o indivduo
comea por ter apenas instintos para passar a construir a partir da hbitos, os quais so a
base do julgamento ou razo. Compara tambm muito bem com a evoluo moral de
Kohlberg do estgio pr convencional (pr-moral) baseada sobretudo nos instintos,
passando para o nvel convencional (moralidade conformista ao papel convencional
especfico de determinada sociedade, ou seja a formao de hbitos) at moralidade
ps-Convencional (moralidade de princpios morais aceites conscientemente, ou seja a
razo a operar sobre os hbitos convencionais). Importante nesta concepo a
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explicitao de que a razo no substitui o hbito, mas pode ser usada para alterar e
formar novos hbitos (Hodgson, 2004).
Veblen referia que todo o processo de mudana econmica sempre, em ltima
instncia uma mudana nos hbitos de pensamento, ou como diria Kohlberg uma
mudana na convencionalidade, e isto tem repercusses em todos os quadrantes. Quando
Veblen se refere ao processo de mudana econmica, concebe-se tal expresso como uma
evoluo das estruturas interobjectivas do QID, mas que obviamente foi o resultado e
mais tarde a causa da evoluo nos outros quadrantes, como seja o do QSE. Por outro
lado, destaque-se a importncia dos hbitos em todos os quadrantes, principalmente como
forma de garantir a coeso social. Principalmente o QID, com as suas estruturas
incorporadas nas leis e regras que devem e tm que constituir uma poderosa fora
fornecedora de linhas de orientao ou hbitos para a vida em comunidade. As regras,leis e todo o aparelho institucional e interobjectivo de cada sociedade pressupem a
existncia ou a criao de hbitos e convenes que as tornam efectivas e eficazes.
Assim, e mais uma vez contra o paradigma racionalista do mainstream
econmico, a razo em si mesma, despojada de anteriores estgios de desenvolvimento
que passam por adquirir estruturas convencionais, de hbitos e rotinas, torna-se um
pressuposto errneo ou no mximo um pressuposto pobre a partir do qual se pretende
estudar os fenmenos econmicos.
Desta forma, torna-se possvel escapar aos reducionismos que vo desde o
individualismo metodolgico at ao colectivismo metodolgico. Veblen e Wilber
parecem conseguir escapar aos dois. As instituies (QID) ao exercerem a sua influncia
sobretudo sobre as propenses habituais (i.e. os hbitos) e no directamente sobre as
decises individuais dos agentes, implica que essa influncia (a que Hogdson chama de
downward causation) no reduza a individualidade do agente aos holons colectivos.
Torna-se assim importante invocar o papel essencial dos hbitos na individualidade, uma
vez que vai ser atravs destes que as instituies podem ter efeito sobre os agentes sem
reduzi-los a meras marionetas do poder institucional. Pelo mesmo motivo, os agentes
tambm podem e exercem influncia sobre as instituies, sobretudo pela dimenso
reflexiva, consciente e racional (hierarquicamente superior aos hbitos, mas que evoluem
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tendo-os como base), ou ps-convencional (Hodgson chama a este tipo de influncia de
upward causation).
Assim, o que acontece que as foras colectivas quer do lado direito objectivas
quer as do lado esquerdo intersubjectivas ou culturais actuam como restries,
limitaes e condicionamentos que do origem a novas percepes e novas disposies
entre os indivduos. Sob novos hbitos de pensamento e comportamento podem emergir
novas preferncias e intenes dos agentes.
Para Veblen, os hbitos de pensamento eram activos fundamentais para o
conhecimento e para a aco. Hbitos seriam formas de adaptao a um mundo em
permanente mutao. Por sua vez, Veblen definia conhecimento como a acumulao de
tais adaptaes e propenses. As ideias e conceitos que o ser humano possui, ou seja os
seus hbitos de pensamento, no so meramente o produto passivo do ambiente que orodeia, mas instrumentos activos, dinmicos e criativos para lidar com as circunstncias
em constante mutao (Stanley Daugert, 1950, op cit Hogson 2001).
1.7. Isomorfismos e tipologias.
Nesta fase do estudo em que se continua a explorar o paradigma terico integral e
os respectivos fundamentos ontolgicos da realidade enquadrados na matriz AQAL, j se
abordou brevemente os 4 quadrantes de qualquer acontecimento, explorou-se a dinmica
evolucionista e hierrquica dos mesmos e aprofundou-se com maior detalhe o
desenvolvimento subjectivo do ser humano em algumas das suas vrias linhas de
desenvolvimento.
J tambm se abordou superficialmente uma proposta de evoluo cultural ou
intersubjectiva (QIE) de Jean Gebser (1945). Segundo Gebser, a evoluo cultural passou
por quatro grandes estdios de desenvolvimento:
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I - estdio arcaico;
II - estdio mgico;
III - estdio mtico;
IV - estdio mental/racional;
E poder estar na emergncia de criar uma nova onda de desenvolvimento:
V - estdio integral/aperspectival;
Como facilmente se pode observar existem claras correlaes entre o
desenvolvimento individual exposto atrs do QSE e esta proposta de Gebser para o QIE.
Pegando, por exemplo, no modelo de Clare Graves da linha dos valores temos:
Quadro 2. Evoluo nos quadrantes do lado esquerdo da matriz AQAL.
Estdios Linha dos valores (QSE) Evoluo Cultural de
Gebser (QIE)
1 Bege arcaico-instintivo (I) Arcaico
2 Prpura magico/animista (II) Mgico
3 Vermelho egocntrico
4 Azul absolutista/mtico (III) Mtico
5 Laranja racionalista (IV) Mental/Racional
6 Verde -relativista/pluralista
7 Amarelo sistmico (V) Integral/Aperspectival
8 Turquesa holstica
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Este isomorfismo leva concluso de que existe de facto uma correlao forte
entre o desenvolvimento do indivduo e o desenvolvimento intersubjectivo e cultural.
Contudo, a correlao no directa, sobretudo no que diz respeito s diferenas
temporais. Enquanto que no QSE se est a abordar o ciclo de vida do ser humano (para
alm de que cada ser humano quando nasce ter de comear novamente da estaca zero),
as evolues culturais demoram dezenas, centenas e milhares de anos a terem lugar. As
suas redes intersubjectivas evoluem continuamente, possuindo uma memria colectiva
que permite essa continuidade.
Por outro lado, importante realar que no se est a negar as diferenas culturais
que existem em todo o mundo. Essas diferenas so muito importantes e merecem toda a
distino e considerao. O que se procura nesta proposta filosfica encontrar os
padres mais profundos, comuns a toda a humanidade e que esto presentes tantoobjectivamente (QSD) com o corpo humano talvez a mais consensual de todas as
universalidades humanas inter-objectivamente, subjectivamente e inter-
subjectivamente. Obviamente que dentro de cada quadrante, em cada linha, em cada
estdio de desenvolvimento existem tipos diferentes de actuar no mundo. Por exemplo,
na linha de valores um dado indivduo poder desenvolver as suas aces operando
sobretudo a partir do estdio azul tipicamente conformista e mtico (acredita sobretudo
numa entidade superior divina), viver numa cultura que tambm tem essencialmente os
mesmos valores (estdio III de Gebser mtico). No entanto, isto nada nos diz, em
especifico qual exactamente essa cultura ou esse indivduo. Tanto poder ser uma
cultura cuja religio seja predominante de origem crist como muulmana ou budista. A
essas diferenas culturais d-se aqui o nome de tipologias que so as diferenas de
natureza horizontal, ao contrrio do que se tem vindo a descrever como evoluo no
sentido vertical nas vrias linhas de desenvolvimento. O estudo aprofundado da tipologia
em cada um dos quatro quadrantes est para alm dos objectivos deste trabalho.
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1.8. O individual versus o colectivo.
Hodgson (2004) refere que as instituies so estruturas sociais emergentes (ou seja no
redutveis a qualquer dimenso individual. Na linguagem AQAL ou wilberiana esta
temtica pe-se em termos da distino entre holons individuais, ou seja, a metade
superior referente matriz AQAL e colectivos, ou seja, a metade inferior da matriz
AQAL. Segundo J. B Davis (2002, em collective intentionality and individual
behaviour in Fullbrook, Edward, Eds) os indivduos formam intenes e agem
autonomamente. H uma espcie de ditador que ao tomar uma deciso (por exemplo
andar) todas as molculas, tomos, sistema nervoso, etc obedecem escrupulosamente.
Podemos dizer que todo o processo mental ocorre de facto individualmente, mas isso nosignifica que todas as intenes sejam individuais e tenham que ser expressas na 1
pessoa. Os indivduos podem fazer escolhas racionais no seu sentido lato, mas as suas
opes e preferncias so histrica e socialmente formadas. Por outro lado, o todo no
aqui claramente apenas a soma das partes. O grupo no se pode explicar apenas e s pelo
simples agregado dos agentes individuais. Tambm no podemos cometer o erro do
extremo oposto (da tradio holstica) onde as we-intentions (Davis, 2002) so uma
espcie de organismo superior, com uma super mente, um Leviato capaz de tomar as
decises como de um agente individual se tratasse. A questo pe-se muito simplesmente
da seguinte forma: Se o indivduo um organismo, ser a sociedade tambm um
organismo? A resposta no se afigura fcil e tentar-se- aqui resolver a questo
recorrendo matriz AQAL.
Tendo presentes os quatro quadrantes, ou as quatro dimenses bsicas da
realidade, foi-se referindo, ao longo deste texto, forma como os quadrantes interagem
ou tetra-interagem em simultneo. Isto , existem holons individuais e holons colectivos,
ambos com as suas dimenses subjectivas (lado esquerdo do diagrama) e objectivas (lado
direito do diagrama). Os holons colectivos no so uma simples soma dos holons
individuais, eles so simplesmente uma dimenso diferente da mesma realidade. Ou dito
de outra maneira, eles so equivalentes aos holons individuais, no sentido em que
interagem simultaneamente, mas no so idnticos, ou seja possuem outras caractersticas
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diferentes (ou como alguns autores referem, possuem propriedades emergentes). Esta
forma de observar as coisas tem duas implicaes. A primeira j aqui foi mencionada de
que no podemos reduzir um holon colectivo simples soma das partes (ou holons
individuais). A segunda a de que um holon colectivo no est hierarquicamente acima
do holon individual, porque estamos a falar de duas dimenses que so equivalentes,
porm no idnticas da realidade. Ou seja, fala-se assim de duas escalas hierrquicas
distintas. Por exemplo, utilizando a escala de valores de Graves e da Dinmica da Espiral,
pode-se referir a um individuo como tendo uma probabilidade maior de operar a partir do
meme laranja, ou de uma sociedade ou cultura cujo centro de gravidade azul. Neste
caso, est-se a observar que o indivduo est na hierarquia de valores dos holons
individuais acima do centro de gravidade da cultura ou sociedade a que pertence. Ou seja
estamos a falar de uma escala hierrquica que embora seja relativamente equivalenteentre holons individuais e holons colectivos, no se contabilizam na mesma escala. Logo
os holons colectivos no esto acima dos holons individuais. Possuem caractersticas
diferentes e interagem em simultneo.
As caractersticas que fazem um holon individual ser algo de distinto de um holon
colectivo so vrias. Desde logo, um holon individual, por exemplo um ser humano,
caracteriza-se por ter um organismo individual que possui aquilo a que Whitehead se
refere a um mnada dominante, que significa muito simplesmente que uma qualquer
aco decidida por este ser humano (dotado de um organismo complexo, que inclui um
crebro com determinadas propriedades que lhe permite fazer um conjunto de aces ao
alcance do comum dos seres humanos - refere-se aqui para simplificao apenas a
dimenso objectiva do holon individual) seguida a 100% pelos holons inferiores na
escala hierrquica. Ou seja, se este ser humano quer andar para a direita, todo o
organismo desde o mais simples tomo at ao sistema nervoso central, etc, lhe vai
obedecer a 100%. Como Ken Wilber (2003d) refere, em organismos individuais no se
vive em democracia, segue-se o mnada dominante (que o estgio superior desta
hierarquia).
Como se tornar bvio referir, assim no se passa com os organismos colectivos,
ou holons colectivos. Na linguagem AQAL, enquanto os holons individuais possuem um
mnada dominante, um holon colectivo tem um modo de discurso dominante ou um
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modo predominante de ressonncia mtua (Wilber 2003d). A capacidade de expressar
intenes partilhadas - as We-intentions (Davis, 2002) a capacidade de sair da sua
prpria perspectiva e adoptar pontos de vista partilhados por determinado grupo com um
modo de discurso dominante. Nos holons colectivos pode haver democracia, existe
entendimentos, formas de agir em sociedade, de chegar a acordos, formas para um grupo
funcionar, no como funciona um organismo individual, mas com caractersticas
diferentes.
No modelo agente-estrutura do realismo critico de Lawson (2003), defende-se
uma mtua interaco e influncia quer do agente (holon individual) sobre as estruturas e
a sociedade (holon colectivo) quer o inverso. Este processo causal faz da evoluo e do
desenvolvimento das instituies e valores sociais um processo sempre em aberto com
direccionalidade imprevisvel.
1.9. Do Convencional ao ps-Convencional a emergncia da racionalidade.
Pegando na fase de evoluo que emergiu para alm das culturas tribais magico-
animistas, torna-se til voltar novamente ao conceito de evoluo. Como j foi referido, a
evoluo saudvel aquela que transcende para um estgio superior e inclui o estgio
precedente na espiral de desenvolvimento. O estdio antigo no desaparece,
simplesmente parte de um todo maior. um holon que uma parte/todo de um holon que
sendo um todo mais inclusivo ser uma parte de um todo ainda maior em evolues
subsequentes. Posto isto, sabe-se que as culturais tribais eram (e so) um todo que no
incluem dentro das suas fronteiras outras tribos consideradas rivais. Com a emergncia
em larga escala de novos nveis de conscincia (s assim poderia emergir um novo
estdio escala colectiva), nomeadamente na passagem para valores mticos (meme azul)
e estruturas cognitivas de operaes concretas e moralidade convencional, foi possvel
integrar dezenas ou centenas de tribos rivais numa cultura relativamente coesa,
acompanhada nos quadrantes do lado direito de leis e regras que permitiriam criar
condies para uma notvel coeso social. O estdio cultural mtico foi e um estdio
caracterizado por um complexo sistema de mitos e lendas. Esse sistema teve o condo de
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comear a unir diferentes tribos a um nico sistema de crenas ou mitos. Estes complexos
sistemas mitolgicos providenciaram, em larga medida, significados culturais comuns e
foram factores de grande integrao social. Como j referimos isso teve repercusses
objectivas, expressas em regras e leis que sustentavam a dinmica e coeso social,
legitimadas no pela linhagem de sangue (tpicas das tribos) mas pela crena comum num
nico Deus, ou num qualquer sistema mitolgico.
O crescente aumento da conscincia humana, no que diz respeito no s
acumulao de conhecimento ao longo do tempo mas tambm crescente percepo que
os seres humanos tm do seu prprio comportamento, levou e tem levado a esforos cada
vez mais complexos e elaborados de estruturao e organizao social. Donald (op. cit.
North 2005), descreveu trs grandes fases no desenvolvimento da cognio e da cultura
humanas: i) culturas mimticas (sem linguagem); ii) estdio mtico (partilha de tradiesnarrativas construdas e passadas de gerao em gerao atravs da linguagem); iii)
estdio terico (sociedades na fase simblica). Esta ltima fase permitiu o
desenvolvimento de um sem nmero de supersties, religies, dogmas, etc, que guiaram
e estruturaram uma correlativa construo institucional que era o espelho objectivo desse
crescimento interior.
importante notar que estas vrias pocas, estdios ou fases de evoluo so
apenas hbitos probabilsticos, ou seja quando aqui se refere que a cultura A, B ou C est
em determinada fase de evoluo apenas se est a referir a uma espcie de mdia da
conscincia atingida por dada cultura num dado momento no tempo; apenas significa que
uma dada cultura tem uma probabilidade elevada no tempo e no espao de estar naquele
determinado nvel; esta probabilidade elevada tambm se poder apelidar de centro de
gravidade. Em cada poca, alguns indivduos estaro acima, outros abaixo, desse centro
de gravidade cultural.
A seguir ao estgio mtico e aos valores referentes ao meme azul, observou-se na
histria a emergncia em larga escala dos valores laranja, da moralidade ps-
convencional, das estruturas cognitivas referentes ao estgio das operaes formais.
Numa palavra emergiu a racionalidade. Esta a racionalidade normalmente implcita
pelo mainstream econmico e surgiu relativamente pouco tempo na histria da
humanidade. Como j se referiu anteriormente, as operaes formais permitiram ao
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homem um novo espao de possibilidades, emergncia da razo abstracta, um espao
onde o Homem pde, no s pensar, mas tambm pensar sobre o que est a pensar
(Wilber, 2000). O Homem pde pela primeira vez colocar e colocar-se noutras posies,
encontrar novas perspectivas, colocar novas hipteses. Esta racionalidade permitiu o
surgimento de uma moralidade ps-convencional onde se tornou possvel ao Homem
avaliar criticamente no s as suas prprias aces como tambm as regras vigentes na
sociedade. Para isto contribuiu, entre outros aspectos, o facto de um nmero significativo
de seres humanos ter comeado a pedir evidncias cientficas ordem mtica instalada. A
racionalidade a primeira estrutura da histria da evoluo humana que opera em termos
universais. Isto no significa que no aceite culturas diferentes no seu espao de aco.
Pelo contrrio, significa, isso sim, que a universalidade racional que permite que essas
diferenas existam lado a lado, observando-as como diferentes perspectivas num espaomaior, mais universal. Este espao mais alargado onde a diferena permitida, jamais
poderia ser atingida por estdios anteriores de desenvolvimento, tipicamente mticos,
sociocntricos e convencionais (Wilber, 2000). Foi apenas a racionalidade que comeou a
permitir a emergncia de redes globais, independentemente da natureza e especificidade
de cada cultura, permitindo ao mesmo tempo a sua livre existncia.
Lentamente e com as suas prprias caractersticas, quer no Ocidente quer no
Oriente comearam a surgir filosofias racionais, a assistir-se ao desenvolvimento da
cincia, da poltica racional, da racionalizao das religies (transio mitico-racional). O
denominador comum foi de facto a razo, plataforma essencial para o estabelecimento de
um entendimento mtuo alargado a qualquer cor, raa ou credo (Wilber, 2000).
Em termos das estruturas socio-econmicas, a racionalidade do Homem levou
transio muitas vezes dolorosa entre os grandes imprios e os Estados modernos, que
lentamente se foram separando do poder religioso, permitindo criar instituies que
conduziram emergncia de economias de mercado abertas ao exterior.
Esta emergncia da racionalidade como centro de gravidade de muitas
civilizaes ter comeado em meados do 1 milnio A.C., mas s se ter generalizado no
sculo XVI na Europa (Wilber, 2000).
Esta descrio tem paralelismos claros com as descries de Hodgson para a
evoluo cultural no perodo moderno, tem semelhanas evidentes com a evoluo
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Gravesiana da linha dos valores do meme azul para o laranja, ou a evoluo cultural
descrita por Gebser na passagem cultural do estgio mtico para o estgio
mental/racional. Tambm Hodgson (2001) nota que a principal caracterstica na evoluo
das sociedades modernas foi a maior importncia relativa dada produo e aquisio,
cincia e aos factos objectivos que veio substituir uma ordem mtica/religiosa como
principal fonte de hbitos e crenas (a emergncia da racionalidade em larga escala).
Hodgson no seu estudo da obra de Veblen, observa que este defendia a existncia
de um mecanismo de seleco e evoluo que trabalhava no s ao nvel das instituies
mas tambm ao nvel do indivduo. Seria assim um processo de evoluo que funcionava
em todos os quadrantes wilberianos, ou seja, an AQAL affair subjectivo (ou o interior
do indivduo), objectivo (as aces ou o exterior do indivduo), intersubjectivo (ou
cultura) e interobjectivo (as instituies). No entanto, tanto Veblen como Wilber noobservam esta evoluo como um processo linear ou eficiente. Os processos de seleco
e a dinmica da matriz AQAL so processos profundamente errticos e imperfeitos,
podendo no levar a equilbrios eficientes para o sistema socio-econmico. Como Veblen
reconhecia (op cit Hodgson 2001), existe sempre a possibilidade de instances of the
triumph of imbecile institutions over life and culture.
1.10. Da racionalidade Viso-lgica.
da maior importncia reforar que a tolerncia cultural assegurada apenas por
uma racionalidade ps-convencional, a qual se traduz num pluralismo universal com a
capacidade de mentalmente se colocar na pele de terceiros e assim conseguir respeitar
pontos de vista diferentes. S a partir de estruturas laranja em diante se tolera outras
culturas que no a prpria. Por outro lado, importante enfatizar que aqui no se trata de
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