UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
ESCOLA DE SERVIO SOCIAL
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SERVIO SOCIAL
ROSANETE STEFFENON
Abrigamento de idosos: situaes documentadas no Ministrio Pblico
do Estado do Rio de Janeiro
RIO DE JANEIRO
2013
ROSANETE STEFFENON
Abrigamento de idosos: situaes documentadas no Ministrio Pblico
do Estado do Rio de Janeiro
Dissertao de mestrado apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Servio Social, Escola de Servio Social,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial
obteno do ttulo de mestre em Servio Social.
Orientadora: Profa. Dra. Myriam Moraes Lins de Barros
RIO DE JANEIRO
2013
S816 Steffenon, Rosanete.
Abrigamento de idosos: situaes documentadas no Ministrio
Pblico do Estado do Rio de Janeiro / Rosanete Steffenon. Rio de
Janeiro: 2013. 141f.
Orientadora: Myriam Moraes Lins de Barros.
Dissertao (mestrado) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Servio Social, Programa de Ps-Graduao em Servio
Social, 2013.
1. Idosos - Brasil. 2. Idosos Poltica governamental. 3. Assistncia velhice Brasil. 4. Velhice - Aspectos sociais. I. Barros, Myriam Moraes Lins de. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Escola de Servio Social.
CDD: 305.26
Rosanete Steffenon
Abrigamento de idosos: situaes documentadas no Ministrio Pblico
do Estado do Rio de Janeiro
Dissertao de mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao
em Servio Social, Escola de Servio Social, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como requisito parcial obteno do ttulo de mestre
em Servio Social.
Aprovada em 10 de maio de 2013
______________________________________
Myriam Moraes Lins de Barros
Doutora em Antropologia Social
Escola de Servio Social UFRJ
______________________________________
Andrea Moraes Alves
Doutora em Antropologia Social
Escola de Servio Social UFRJ
______________________________________
Clarice Ehlers Peixoto
Doutora em Antropologia Social
Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ
Dedico esta dissertao aos meus pais Erico e Lourdes,
e aos demais idosos(as).
Agradecimentos
"[...] e aprendi que se depende sempre de tanta, muita, diferente gente. Toda pessoa
sempre as marcas das lies dirias de outras tantas pessoas" (Gonzaguinha).
Ao final desta etapa so muitas as pessoas a quem eu agradeo, apesar de mencionar
aqui apenas algumas.
Gratido aos meus pais que embora distantes geograficamente e das discusses deste
trabalho, repetiram semanalmente as perguntas: como vo os estudos? Falta muito pra
acabar? Dessa forma, no somente me lembraram de que eu tinha que levar a cabo o que
comeara, mas tambm me incentivaram a continuar.
De maneira muito especial agradeo a professora Myriam Moraes Lins de Barros, a
quem desde a graduao eu devo muito pelo aprendizado. Foi com muito conhecimento e
simplicidade que me orientou na elaborao desta dissertao, e que anteriormente contribuiu
para que eu gostasse de pesquisar.
Minha gratido s professoras Andra Moraes Alves e Clarice Ehlers Peixoto, pelas
contribuies na ocasio da qualificao do projeto e da apresentao desta dissertao.
Obrigada tambm s professoras Maria das Dores Campos Machado e Carla Almeida pela
disponibilidade.
Aos demais professores da Escola de Servio Social UFRJ , que de diferentes
modos contriburam para o aprendizado aqui colocado.
Ao Ministrio Pblico do Estado do Rio de Janeiro, gratido pela autorizao que
permitiu a realizao da pesquisa documental. E, aos seus funcionrios que foram solcitos em
possibilitar o acesso ao material necessrio.
s colegas assistentes sociais que atuam no Centro de Apoio Operacional s
Promotorias de Justia de Proteo ao Idoso e Pessoa com Deficincia e no Centro de Apoio
s Promotorias de Justia Cveis, pela troca de ideias que favoreceu o aprofundamento das
questes aqui desenvolvidas. Alm disso, pela convivncia que incentivou e cooperou no
desenvolvimento deste trabalho e da prpria atuao profissional.
Agradeo a Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES),
pela bolsa concedida durante o mestrado.
Aos colegas de ps-graduao, por compartilharmos de situaes que tornaram esta
elaborao menos solitria.
Aline e Josy, com quem durante a escrita deste trabalho no dividi apenas a casa,
mas tambm alegrias e preocupaes.
Gratido aos demais amigos (as), que cada um (a) a seu modo tornam a vida bonita e
leve.
Enfim, a todos (as) que de diferentes formas e mesmo sem saber, contriburam para o
resultado deste trabalho.
Resumo
STEFFENON, Rosanete. Abrigamento de idosos: situaes documentadas no Ministrio
Pblico do Estado do Rio de Janeiro. Dissertao (Mestrado em Servio Social) Escola de Servio Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2013.
O processo de transio demogrfica e outras mudanas sociais, econmicas e
polticas tornam visveis situaes vivenciadas por idosos e as colocam na pauta das
intervenes institucionais. Embora haja modos distintos e desiguais de envelhecer e
heterogneas velhices, as aes pblicas esto voltadas prioritariamente para idosos com
condies de participao em atividades culturais, de lazer e de convivncia comunitria.
Desse modo, a velhice dependente tem ficado ao encargo da proteo familiar, controlada
pelo Estado. Com base nesses aspectos, e por meio da discusso de situaes de abrigamento
de idosos, apresentadas ao Ministrio Pblico do Estado do Rio de Janeiro, que esta
dissertao debate a forma de organizao das relaes sociais e suas instituies. Neste
sentido, argumenta que h pressupostos legais e morais que se condicionam reciprocamente.
Ao tratar dessa temtica, apresenta uma discusso da trajetria das aes pblicas voltadas
aos idosos, da construo de termos classificatrios da velhice e de instncias de defesa dos
direitos do idoso, com enfoque na instituio Ministrio Pblico. Alm de aportes tericos,
utilizou-se de pesquisa documental e de observaes e registros etnogrficos realizados em
dois tempos da prtica profissional estagiria e assistente social na citada instituio. A
pesquisa documental imps tambm uma reflexo sobre o sentido desses documentos e seus
percursos. A partir da descrio dos andamentos documentais decorrentes de trs demandas
apresentadas ao Ministrio Pblico foi possvel ainda, debater os pressupostos legais e morais
que se mostraram no fluxo dos mesmos e que retratam a forma da sociedade se organizar e
responder as necessidades que se colocam no processo histrico. Alm disso, o abrigamento
apresentado sob a tica de diferentes envolvidos nessa demanda, inclusive a viso dos
prprios idosos sobre o mesmo. Assim, se constitui esta dissertao que pretende contribuir
para a reflexo sobre a necessidade de avanos no campo das polticas sociais, com maior
participao do Estado na execuo de servios sociais.
Palavras-chave: idosos, abrigamento, famlia, Ministrio Pblico, polticas sociais.
Abstract
STEFFENON, Rosanete. Abrigamento de idosos: situaes documentadas no Ministrio
Pblico do Estado do Rio de Janeiro. Dissertao (Mestrado em Servio Social) Escola de Servio Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2013.
The process of demographic transition and other social, economic and political
changes have evidenced the situations experienced by the elderly and put them on the agenda
of institutional interventions. Despite the existence of different and uneven ways of growing
old and of heterogeneity in aging, public actions are mainly directed to the elderly who have
conditions to engage in cultural, leisure and community-based activities. Dependent aging,
though, has been a duty of the family, controlled by the State. Based on these aspects and by
means of the discussion of assumptions the situations for elderly sheltering submitted to the
Public Prosecutors Office of the State of Rio de Janeiro, this thesis discusses the way social
relations and their related institutions are organized. In this respect, the argument herein is
that have legal and moral assumptions which are conditioned to each other in a reciprocal
way. Our approach to this issue presents a discussion of the history of public actions directed
to the elderly, of the construction of classificatory terms to old age and of instances for the
defense of elderly rights, with focus on the Public Prosecutors Office. Besides theoretical
contributions, we have used documental research and observations from ethnographic records
from two periods of professional practice as an intern and as a social assistant in the
aforementioned institution. The documental research also led to the reflection about the
meaning of these documents and the course taken by them. By describing the progress of
three demands submitted to the Public Prosecutors Office, it was also possible to discuss the
moral and legal assumptions which arose during the process and which show the way society
organizes itself and meets the needs of the historical process. Furthermore, sheltering is
presented according to the perspectives of different agents, including the elderly themselves.
Thus, this thesis is constituted as and aimed at being a contribution to the reflection on the
need for advancements in the field of social policies, with increased participation of the State
in the execution of social services.
Key words: elderly, sheltering, family, Public Prosecutors Office, social policies.
Lista de abreviaturas e siglas
ATI Academias da Terceira Idade
AVD Atividades da Vida Diria
BPC Benefcio de Prestao Continuada
CAOIPD Centro de Apoio Operacional s Promotorias de Justia de Proteo ao Idoso e
Pessoa com Deficincia
CAOP Centro de Apoio Operacional s Promotorias de Justia Cveis
CAP(s) Caixas de Aposentadorias e Penses
CEPEDI Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa
CRAS Centro de Referncia de Assistncia Social
CREAS Centro de Referncia Especializado de Assistncia Social
DEAPTI Delegacia Especial de Atendimento s Pessoas de Terceira Idade
EI Estatuto do Idoso
ESF Estratgia Sade da Famlia
GAP Grupo de Apoio ao Promotor
GATE- Grupo de Apoio Tcnico
IAP(s) Institutos de Aposentadorias e Penses
ILPI(s) Instituies de Longa Permanncia para Idosos
INPS Instituto Nacional de Previdncia Social
INSS Instituto Nacional de Seguro Social
LOAS Lei Orgnica da Assistncia Social
LOPS Lei Orgnica da Previdncia Social
MGP Mdulo Gesto de Processos
MP Ministrio Pblico
MPAS Ministrio da Previdncia e Assistncia Social
MPRJ Ministrio Pblico do Estado do Rio de Janeiro
NEAPI Ncleo Especial para Atendimento s Pessoas da Terceira Idade
OCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico
PAI Programa de Assistncia ao Idoso
PA(s) Procedimentos Administrativos
PIB Produto Interno Bruto
PJPIPD Promotorias de Justia e Proteo ao Idoso e a Pessoa com Deficincia
PNAS Poltica Nacional de Assistncia Social
PNDH Plano Nacional de Direitos Humanos
PNI- Poltica Nacional do Idoso
SBGG Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia
SESC Servio Social do Comrcio
SESQV Secretaria Especial do Envelhecimento Saudvel e Qualidade de Vida
SMAS Secretaria Municipal de Assistncia Social
SUS Sistema nico de Sade
UPA Unidade de Pronto Atendimento
Sumrio
Introduo............................................................................................................................. 12
A realizao da pesquisa documental................................................................................... 17
Captulo I: Velhice como questo e configurao de polticas voltadas aos idosos no
Brasil
1.1 Mudanas na estrutura populacional ............................................................................. 22
1.2 Elaboraes sobre velhice.............................................................................................. 24
1.3 Construo social de termos classificatrios da velhice................................................ 27
1.4 Panorama histrico das aes e proposies pblicas voltadas aos idosos................... 33
Captulo II: Intervenes estatais na rea do idoso com direitos violados
2.1 Instncias de defesa dos direitos do idoso na cidade do Rio de Janeiro........................ 50
2.2 Ministrio Pblico Promotorias do Idoso e da Pessoa com Deficincia.................... 55
2.3 Localizao e espao fsico das Promotorias do Idoso e da Pessoa com Deficincia 61
2.4 Situao de risco como parmetro de atuao........................................................... 65
2.5 Populao que busca atendimento nas Promotorias do Idoso e da Pessoa com
Deficincia....................................................................................................................
71
Captulo III: Documentos retratos de momentos da vida e que sobre ela intervm
3.1 A lgica dos documentos............................................................................................... 81
3.2 Etnografia dos documentos............................................................................................ 92
3.3 Etnografias de trs casos estudados............................................................................... 97
3.4. Concepes de idosos sobre abrigamento..................................................................... 117
Consideraes finais................................................................................................... ........ 127
Referncias bibliogrficas.................................................................................................. 131
12
Introduo
As questes que suscitaram a elaborao desta dissertao se constituram ao
longo do meu processo de formao e prtica em Servio Social.
Assim, a construo textual apresenta elementos inicialmente observados
durante a realizao de estgio em Servio Social realizado junto s Promotorias de
Justia de Proteo ao Idoso e Pessoa com Deficincia, pertencentes ao Ministrio
Pblico do Estado do Rio de Janeiro, que foram aprofundados com pesquisa documental
e atuao como assistente social na mesma instituio.
Mediante a experincia de estgio em Servio Social foi que inicialmente atentei
para elementos da realidade social at ento por mim ignorados, dentre os quais,
situaes de abrigamento de idosos.
Para que eu os observasse contribuiu o conjunto de conhecimentos apreendidos
ao longo da graduao e mestrado, dentre eles, a experincia de iniciao cientfica no
Ncleo de Pesquisa Cultura Urbana, Sociabilidade e Identidade Social (NuSIS), nos
projetos Relaes intergeracionais e de gnero em famlias de camadas mdias
urbanas e Perspectiva dos jovens adultos sobre as mudanas sociais, por meio dos
quais as discusses sobre famlia, relaes intergeracionais, gnero, entre outras,
trouxeram elementos para a anlise da realidade social1.
Atravs dos referidos projetos observaram-se mudanas sociais no modo da
famlia se reorganizar, na tendncia de flexibilidade dos domiclios para processos de
sadas e retornos, nas tenses e negociaes que conjugam rupturas e conciliaes, bem
como projetos individuais e papis familiares. Essas dinmicas tm relao com
movimentos contemporneos mais amplos de redefinio da juventude e da velhice, de
mudanas no curso da vida e nas relaes de gnero e de gerao que, entre outras
1 A participao como bolsista de iniciao cientfica PIBIC/UFRJ, com recursos do CNPQ foi realizada
durante dezoito meses da graduao, sob a orientao da professora doutora Myriam Moraes Lins de Barros. No primeiro projeto citado, as histrias de vida de trs geraes de mulheres de diferentes
famlias foram base para a anlise das relaes intergeracionais e de gnero e da percepo das mudanas
e continuidades relativas aos valores e prticas sociais, onde foram analisados de modo inter e
intrageracional variados temas. As trajetrias de vida da primeira gerao trouxeram aspectos para pensar
tambm a velhice na atualidade. O lugar da gerao intermediria entre pais idosos e filhos jovens
adultos, em situao de dependncia financeira e coabitao, foi importante para a discusso do tema da
autonomia feminina, entre outros. A gerao jovem, ento estudada, suscitou questes sobre os processos
de construo da autonomia e independncia, a flexibilidade das unidades residenciais, a convivncia
intergeracional, os projetos de vida e os sentidos atribudos famlia, ao trabalho e escolarizao, entre
outros, que foram impulsionadores para a construo e realizao do projeto de pesquisa posterior, no
qual foram includos tambm rapazes.
13
situaes, repercutem na reconstituio do cotidiano familiar circunstanciado pelas
separaes e recasamentos, adiamento da sada dos jovens de casa, aumento da
expectativa de vida, coabitao de diferentes geraes, entre outros aspectos.
A discusso desses elementos foi importante para provocar a observao de
outros na prtica profissional, os quais tm relao com as mediaes que se
estabelecem entre famlia e outras instituies, entre elas se destaca aqui o Ministrio
Pblico pelas suas recentes atribuies e intervenes em face dos direitos do idoso, do
que participa tambm o Servio Social. No entanto, para a anlise das especificidades
do tema aqui dissertado encontrei dificuldades no que tange a outras produes
bibliogrficas semelhantes, com as quais eu pudesse estabelecer dilogo. No decorrer do
mestrado, contedos de algumas disciplinas contriburam para direcionar o
desenvolvimento desta dissertao. Essas trouxeram temas sobre famlia, polticas
voltadas aos idosos, violncia e sistemas de justia, que de acordo com a possibilidade
de interlocuo foram agregados a este trabalho. As demais disciplinas foram utilizadas
como pano de fundo para o entendimento da formao e desenvolvimento do Estado, da
prpria sociedade e do Servio Social.
Alm de limites para a interlocuo com estudos especficos sobre o tema, h
que se considerar que recente a atuao do Ministrio Pblico em face da tutela
individual de idosos em situao de risco 2, o que tambm traz limites para uma
anlise histrica. Essa atribuio institucional provocada pela Lei Federal n
10.741/2003 Estatuto do Idoso , sendo que na cidade do Rio de Janeiro a primeira
Promotoria especfica foi instituda em 2005.
Dentre as vrias questes apresentadas ao Ministrio Pblico, a escolha da
apreciao de demandas de abrigamento de idosos se deu na observao de que essas
trazem em seu bojo elementos importantes para pensar a sociedade de modo mais
abrangente. Ademais, constituem desafios para as polticas sociais, que se mostram no
cotidiano profissional do Servio Social.
Neste sentido, a partir do estgio em Servio Social realizado junto s
Promotorias do Idoso e da Pessoa com Deficincia da Capital, no perodo de julho de
2009 a julho de 2010, se mostraram algumas questes em atendimentos sociais e em
visitas domiciliares e institucionais feitas com as assistentes sociais do 3 Centro de
2 O que ser debatido em tpico especfico frente.
14
Apoio Operacional das Promotorias de Justia Cveis 3 CAOp Cvel3. A minha
observao e anlise foi ampliada por meio da atuao como assistente social a partir de
julho de 2012, quando aps um processo seletivo fui nomeada para trabalhar junto ao
referido Centro. Neste, as demandas de atuao do assistente social em sua maior parte
voltavam-se populao idosa e em decorrncia desse volume de solicitaes, em
setembro do mesmo ano, foi institudo o Centro de Apoio Operacional das Promotorias
de Justia de Proteo ao Idoso e Pessoa com Deficincia CAOIPD. A equipe de
Servio Social foi dividida entre os dois Centros de apoio e passei ento a exercer
minhas funes no recm-criado.
A experincia enquanto estagiria e como profissional, compreendem no s
dois momentos da minha trajetria profissional, mas tambm parte do movimento de
estruturao do trabalho voltado aos idosos no Ministrio Pblico. Ademais, nessa
instituio a dinmica de alteraes organizacionais permite pensar que a interveno
voltada ao idoso oriunda de um campo aberto de provocaes, que forjam respostas
institucionais, ainda em construo.
Dentre as vrias demandas e situaes de violaes de direitos do idoso
apresentadas ao Ministrio Pblico, o abrigamento de idosos chama tambm a ateno
por mostrar diversos entendimentos, que so apresentados pelos prprios, por
familiares, por instituies, profissionais, entre outros.
De acordo com o Estatuto do Idoso, as Instituies de Longa Permanncia para
Idosos ILPIs so legalmente obrigadas a diligenciar no sentido da preservao dos
vnculos familiares (EI, Art. 49, I), bem como comunicar ao Ministrio Pblico
situaes de abandono moral ou material por parte dos familiares, proceder a estudo
social e pessoal de cada caso e manter arquivo de informaes sobre cada idoso, entre
outras obrigaes (cf. EI, Art. 49).
O Ministrio Pblico, enquanto rgo fiscalizador da poltica de atendimento ao
idoso instaura procedimentos administrativos PA(s) relativos aos idosos abrigados e
requisita documentao s instituies. Assim, podem ser tambm notificados os
responsveis pelo idoso a fim de explicarem as razes do abrigamento.
Alm das questes acerca dos idosos em ILPI, durante o estgio, me chamava
ateno os pedidos de abrigamento e os decorrentes encaminhamentos, que em parte
3 Trata-se de rgo de apoio do Ministrio Pblico e que ser retomado frente, bem como ser exposto
sobre as Promotorias do Idoso e da Pessoa com Deficincia e seu funcionamento.
15
dos casos se tornava conhecido pelo retorno dos PA(s) para novo atendimento social.
Nas intervenes relativas aos idosos em ILPI e naquelas que solicitavam o
abrigamento, os comunicantes relatavam situaes comuns. Dessa forma, acionavam
aspectos familiares e sociais para explicar a necessidade de institucionalizao.
O meu maior questionamento se deu em face de comunicaes que envolviam
pedidos de abrigamento, porque tambm apresentavam relatos de que o acesso s
instituies de acolhimento pblicas e conveniadas somente seria efetivado aps
determinao do MP, o que em parte se deve a insuficincia de vagas. Assim, antes de
chegar s Promotorias parte dos comunicantes j haviam acionado outros servios
pblicos, dentre eles a Central de Recepo de Idosos, vinculada a Secretaria Municipal
de Assistncia Social, abrigos e Defensoria Pblica. H casos relatados em que os
comunicantes percorriam todas essas instituies. H outros em que profissionais da
Secretaria Municipal de Assistncia Social e da Secretaria de Envelhecimento Saudvel
e Qualidade de Vida encaminharam demandas de abrigamento de idosos ao MP para
que o autorizasse, embora o acolhimento institucional pblico seja de execuo do
municpio.
Alm disso, durante o estgio em Servio Social foram atendidos familiares
notificados que anteriormente haviam procurado o MP para solicitar o abrigamento do
idoso. Parte deles fora chamada para tomar cincia de que a famlia deveria viabilizar o
abrigamento. Assim, era lhes fornecida para consulta uma listagem de ILPIs privadas,
filantrpicas e conveniadas com o municpio e ou Estado para que de posse dos
endereos providenciassem a institucionalizao.
Diante disso, os atendidos narravam outras problemticas, entre elas, o fato de
idosos serem responsveis por outros idosos e questionavam quem assegurava o seu
prprio direito. Ademais, houve casos em que, pela demora e dificuldades em
concretizar o abrigamento pblico, alguns familiares se reorganizavam de diferentes
formas para resolver a situao, por vezes aceitando o idoso para residir com eles,
mesmo avaliando no terem condies para tal.
Neste sentido, considerei pertinente analisar o contedo desses documentos,
percebendo, entre outras questes: o perfil desses idosos; como os aspectos individuais,
familiares e sociais so acionados; de que forma os servios pblicos so provocados; o
que informa o prprio idoso e os demais comunicantes; como o abrigamento
compreendido pelos envolvidos.
16
Assim, no trabalho dissertativo utilizei de pesquisa documental de comunicaes
apresentadas ao Ministrio Pblico, que traziam de forma direta ou nas entrelinhas
demandas de abrigamento de idosos.
No perodo da insero como assistente social, a pesquisa e elaborao dessa
dissertao j estavam de certo modo avanadas. Dessa forma, embora alguns pontos
tenham sido retomados e aprofundados com o olhar no s de ex-estagiria e de
pesquisadora, mas tambm de profissional, o trabalho j tinha uma estrutura bsica, isto
, se pautava pelo material de pesquisa documental realizada.
A presente dissertao constituda por um tpico inicial sobre a metodologia
utilizada na realizao da pesquisa e est estruturada posteriormente em trs captulos.
No primeiro, apresento como a velhice se torna uma temtica a ser discutida e um
problema social a ser contemplado em polticas e aes especficas. Neste sentido, de
modo mais detalhado e qui exaustivo, apresento a trajetria das aes pblicas
voltadas aos idosos. Isso para mostrar que ideias de velhice as perpassam e entender que
os idosos com dependncia no so alvo de polticas pblicas efetivas.
No segundo captulo, menciono instncias de defesa dos direitos do idoso e de
maneira explicativa apresento as Promotorias de Justia de Proteo ao Idoso e Pessoa
com Deficincia. Nisso abordo a utilizao da definio de idoso em situao de risco
social como delimitador da interveno dessas Promotorias. Junto com isso e por meio
de informaes obtidas na pesquisa realizada e em observaes, descrevo o espao
fsico da instituio e um grupo representativo da populao que solicita interveno.
E por fim, no terceiro captulo desenvolvo uma discusso em torno da lgica dos
documentos institucionais. Por meio da utilizao da etnografia realizo uma descrio
densa dos percursos documentais intra e interinstitucionais e ainda de trs casos
estudados, para com isso debater como se conformam as demandas e situaes de
abrigamento de idosos e as concepes que as conduzem.
Com essa formatao possvel observar como as relaes sociais se
desenvolvem em dado perodo histrico e em processo, e nisso como a sociedade se
organiza para responder as necessidades que se apresentam.
17
A realizao da pesquisa documental
Na trajetria de construo das questes, em meados de agosto de 2011 me
dirigi ao 3 CAOp, onde em conversa com as assistentes sociais me foram perguntadas
questes metodolgicas da pesquisa, das quais eu tambm ainda no tinha clareza.
Naquela ocasio, sugeriram que no pesquisasse documentos muito antigos, nem muito
recentes, pois com relao aos primeiros, provavelmente parte significativa j teria sido
encaminhada ao arquivo ou s Varas de Justia. J em relao aos novos PA(s) haveria
ainda poucas informaes neles. Assim, foi definida a pesquisa de PA(s) constitudos no
segundo semestre de 2010, para possibilitar a leitura e anlise de procedimentos
administrativos no decorrer de no mnimo um ano, contemplando as aes decorrentes
da demanda inicial e os aspectos invocados para realiz-las.
Para a viabilizao da pesquisa, solicitei previamente autorizao ao MP, por meio
de texto redigido por mim e entregue no protocolo geral da instituio no dia 30 de
agosto de 2011. Esse gerou um procedimento administrativo (sob o n MPRJ
2011.00982976) e foi encaminhado Chefia de Gabinete, que o enviou ao 3CAOp no
dia 05 de setembro. O pedido foi recebido na secretaria desse rgo de assessoramento
no dia oito do mesmo ms. Quatro dias depois, foi analisado pela promotora que
ocupava o cargo de subcoordenadora do rgo e que considerou ser necessrio
encaminh-lo s Promotorias do Idoso da Capital, com a observao de eu ter sido
lotada nelas como estagiria. Essa informao havia sido mencionada por mim no texto
que redigi e pode ter favorecido a aceitao para a realizao da pesquisa. No perodo
entre 15 e 29 de setembro, o PA passou pelas secretarias das quatro promotorias e pelos
respectivos promotores que o assinaram com a inscrio sem oposio. Em meados
de outubro, foi encaminhado s assistentes sociais do 3CAOp que me deram cincia
sobre a permisso para a pesquisa. Assim, extra cpia do referido PA, cujo original foi
arquivado naquele setor, e pude iniciar o trabalho de campo.
Dentre os variados documentos que compem os PA(s), escolhi comear a
anlise pelo que chamado de representao 4, uma das formas de dar a conhecer ao
Ministrio Pblico dada situao.
4 Denomina-se representao a ao por meio da qual algum em nome alheio defende interesse e direito
alheio. Trata-se de elaborao escrita que apresenta dada situao e solicita a interveno institucional.
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As representaes estudadas foram elaboradas em atendimentos sociais e
apresentam uma formatao comum, que privilegia os mesmos pontos a serem
registrados, dentre os quais, o vnculo do comunicante com o idoso.
A pesquisa foi iniciada em novembro de 2011 na sala do Servio Social das
Promotorias, onde fiz a leitura das cpias das representaes constitudas no segundo
semestre de 2010 e separei as que abordavam o abrigamento. Foram encontradas
dezessete, que de modo direto ou nas entrelinhas expunham a necessidade dessa
medida. Essas representaes se referem a dezoito idosos, uma vez que uma delas
relatava a situao de um casal. As informaes extradas desses documentos foram
inicialmente tabeladas considerando como dados principais a data da representao e
o nome do idoso, para a posterior localizao dos PA(s).
No ms de dezembro, com a autorizao da coordenadora das Secretarias das
Promotorias, pesquisei na intranet do Ministrio Pblico, no Mdulo de Gesto de
Processos MGP, o nmero de cada um dos PA(s), a secretaria de qual Promotoria
pertencia, o nmero atribudo nessa, bem como a sua localizao at aquela data. Nisso,
identifiquei que, das 17 representaes iniciais, onze ainda tramitavam nas
Promotorias, quatro haviam sido arquivadas e duas encaminhadas para Varas de Justia.
Dessa forma, para a realizao da minha pesquisa o acesso parte dos documentos
estaria inviabilizado por no estarem mais no MP.
Posteriormente, elaborei novas tabelas com as informaes obtidas e, em janeiro
de 2012 retornei s Promotorias para iniciar a leitura dos onze PA(s) que estariam em
andamento. Na ocasio, foi identificado que restava a possibilidade de acesso a oito
procedimentos, pois um fora encaminhado Vara de Justia e dois a outras sedes do
Ministrio Pblico, estes devido mudana de endereo do idoso.
Com isso, dei continuidade pesquisa com a leitura e anotaes dos oito PA(s)
restantes. Novas tabelas foram constitudas a partir dos seguintes eixos: a) dados
bsicos: nmero do PA, data da representao, gnero, idade, vnculo do comunicante
com o idoso; b) forma de apresentao da situao pelo comunicante, membros do MP e
terceiros; c) percursos institucionais e intervenes anteriores representao no MP
e via esta instituio; d) condies relatadas convivncia familiar e comunitria,
sade, moradia, econmicas.
No caso das Promotorias, o documento representao difere da comunicao feita Ouvidoria por constar a identificao do comunicante, podendo na Ouvidoria ser sigiloso.
19
Desses aspectos, uma parte foi possvel obter em relao aos dezoito idosos,
considerando as informaes registradas no texto da representao de cada um. Com
relao aos oito casos ainda em andamento foram agregadas as informaes extradas da
leitura dos PA(s), isto , relativas aos encaminhamentos posteriores s representaes
que os originaram. O trabalho de campo foi feito at agosto de 2012 e alguns aspectos
includos posteriormente mediante a atuao profissional.
Ao optar pelo estudo de parte das representaes com pedidos de abrigamento
de idosos, redigidas no atendimento social das Promotorias, necessrio se faz considerar
que esses documentos so produzidos na interao entre profissional e atendido
(famlia, idoso e outros). Ou seja, o discurso escrito uma produo e no um dado,
pois pr-fabricado e construdo pela interao que o atravessa (BLANCHET e
GOTMAN, 1992). De modo semelhante, so constitudos os relatrios sociais presentes
nos procedimentos administrativos, os quais tambm devem responder ao despacho do
Promotor que os solicitou, ou seja, h uma direo do que documentar e o modo de
faz-lo, que esto definidas a priori.
Neste sentido, so pertinentes os apontamentos de Vianna (2002), que afirma
que esses documentos, enquanto bens administrativos registram aspectos parciais da
realidade, que resultam da converso das falas em depoimentos escritos e desses em
peas para a produo de uma deciso administrativa e ou judicial. As condies de
constrangimento das falas so dadas pela situao de estar perante profissionais e
especialistas com poder de avaliao e deciso. Nisso, h a escolha do que deixar
registrado ou do que silenciar ao longo do processo. Ademais, ao mesmo tempo em que
cada caso relatado em sua singularidade, tambm submetido a uma lgica comum,
dada pela elaborao padronizada e legal dos procedimentos adotados. A negociao do
contedo a ser registrado, se d entre os que so objeto do procedimento
administrativo e os profissionais que os atendem. Os procedimentos expressam, ainda, o
formato das relaes e das necessidades apresentadas e remodeladas legalmente e o
embate das concepes morais e simblicas capazes de definir uma famlia e um lugar
para o idoso.
Alm dessas consideraes, para realizar a anlise documental se estabelecem
critrios do que ser observado (SEVERINO, 2007). No que tange a esta elaborao,
foram considerados os aspectos acionados em face ao abrigamento, os demandantes
20
desse atendimento, os motivos apresentados, o acesso ou no s polticas sociais, entre
outras questes.
Por se tratar de estudo qualitativo, pode-se afirmar que a quantidade de
documentos a ser analisada menos importante que as particularidades que apresentam.
Eles revelam a heterogeneidade e a complexidade das questes, que permitem pensar o
abrigamento em diversos aspectos e sob variadas perspectivas. A quantidade de
documentos a ser analisada foi, inicialmente, demarcada pelo recorte temporal e
temtico. Posteriormente, na anlise dos dados e na escrita desta dissertao, foram
escolhidos trs casos para o relato dos percursos documentais e da vida desses idosos.
Alm disso, foram observados elementos relacionados ao abrigamento em outras
trajetrias de vida de idosos e de seus familiares, dos quais tomei conhecimento no
exerccio profissional, sendo alguns aspectos aqui includos.
Analisar o texto das representaes e os procedimentos administrativos que
tratam de situaes individuais, no significa, parafraseando Fonseca (1998), considerar
que cada caso um caso, mas sim atravs do particular abrir caminho para
interpretaes abrangentes, pois ao situar os sujeitos no contexto histrico e social h
como perceber os aspectos particulares e os que so compartilhados.
Ao utilizar como fonte de pesquisa os documentos produzidos na atuao do
Servio Social e de outros profissionais envolvidos, pondera-se o fato de, na sua
elaborao, se dar o confronto entre as prprias concepes profissionais, valores
culturais, conhecimentos especficos e condies de trabalho.
No que se refere aos registros e pareceres elaborados/documentados pelo
Servio Social, Fvero (2008) explica que o profissional pauta-se pelo que expresso
verbalmente e pelo que no falado, mas que se expressa aos olhos como integrante do
contexto em foco. Ele dialoga, observa, analisa, registra, estabelece pareceres,
apresentando muitas vezes, a reconstituio dos acontecimentos que levaram a uma
determinada situao (p. 27-28). Para tanto, segundo a autora, deve utilizar um saber
fundamentado histrica e teoricamente com base no compromisso com a garantia de
direitos.
Assim, a configurao dos documentos analisados neste estudo expressa
diferentes saberes e perspectivas. De modo semelhante, a escolha do tipo de anlise e de
coleta das informaes est subordinada aos objetivos da pesquisa e a formulao
terica que a norteia (BLANCHET e GOTMAN, 1992).
21
Cabe mencionar tambm que a discusso aqui apresentada incorpora uma
pesquisa que abarca um perodo e que agrega elementos de observao e atuao de
tempos distintos, ou seja, enquanto estagiria em Servio Social, pesquisadora, e
profissional. Essas inseres trazem em seu bojo desafios diferentes para o
estranhamento das questes. Alm disso, a realidade institucional tambm se modifica
no decorrer desse tempo e continua em movimento, o que significa considerar que este
estudo temporalizado e que as anlises aqui construdas no so definitivas, como,
alis, ocorre em qualquer anlise de processos sociais se observamos as relaes sociais
sob o ponto de vista dos contextos histricos e em situaes especficas.
22
Captulo I
Velhice como questo e configurao de polticas voltadas aos
idosos no Brasil
1.1 Mudanas na estrutura populacional
De acordo com a sntese de indicadores sociais (IBGE, 2009), a proporo de
idosos entre 1998 e 2008 passou de 8,8% para 11,1%, sendo o Rio de Janeiro (14,9%) e
o Rio Grande do Sul (13,5%) os estados com a maior proporo de idosos. Em 2008 o
contingente de pessoas com mais de 60 anos somava cerca de 20 milhes e o segmento
de pessoas com mais de 75 anos em torno de 5,5 milhes. No grupo etrio de 80 anos
ou mais, o crescimento relativo superou os demais, chegando a quase 70,0%.
Conforme os ltimos dados censitrios (IBGE, 2010), a populao idosa acima
de 60 anos soma 20.590.599, dos quais 9.527.354 se concentram na regio sudeste. Esta
e a regio sul apresentam evoluo semelhante da estrutura etria e se mantm como as
reas mais envelhecidas do pas. Juntas tinham, em 2010, contingente superior a 8,1%
de idosos acima de 65 anos.
As inflexes na pirmide etria indicam o impacto das sucessivas quedas da
fecundidade, que se iniciaram a partir da dcada de 1960. Segundo Moreira (2001), a
mudana na estrutura populacional atravs do tempo, se d basicamente por dois
processos: reduo da populao jovem (envelhecimento pela base) e reduo da
mortalidade nos grupos etrios mais velhos (envelhecimento pelo topo). De acordo com
a autora, o envelhecimento pelo topo ocorre nos atuais pases desenvolvidos que
continuam envelhecendo, a despeito dos seus baixos nveis de fecundidade. No Brasil,
embora estejam em curso ambos os processos, envelhecimento pelo topo e pela base, o
maior impacto se deve diminuio de nascimentos e em menor proporo pelo
aumento da expectativa de vida.
A reduo da fecundidade desencadeia mudanas profundas na distribuio
etria. A maior parte dos pases europeus levou quase um sculo para completar a
transio da estrutura etria. No Brasil, entre os anos 1970 e 2000, houve um declnio
23
da fecundidade equivalente a 60% e os efeitos na variao dos grupos etrios sero
sentidos nas prximas dcadas. Estima-se que, entre os anos 2000 e 2020, o tamanho da
populao abaixo de 25 anos diminuir em cerca de 5 milhes. O grupo etrio de 15 a
35 anos, que inclui as mulheres responsveis por mais de 90% dos nascimentos,
enfrentar taxas de crescimento negativas por todo o perodo 2011-2050. Com isso, o
nmero de nascimentos continuar declinando, mesmo se a taxa de fecundidade
continuar a mesma (WONG e CARVALHO, 2006).
Para a demografia, uma populao identificada como envelhecida quando a
proporo de pessoas acima de 65 anos oscila entre 8 e 10% da populao total
(MOREIRA, 2001). Essa proporo j existe no Brasil, conforme os dados expostos
acima. Recente relatrio do Banco Mundial sobre o envelhecimento populacional no
Brasil e o seu rebatimento em vrias reas, alerta para a velocidade do envelhecimento
populacional que em nosso pas
[...] ser significativamente maior do que ocorreu nas sociedades mais
desenvolvidas no sculo passado. Por exemplo, foi necessrio mais de um
sculo para que a Frana visse sua populao com idade igual ou superior a
65 anos aumentar de 7% para 14% do total. Em contraste, essa mesma variao demogrfica ocorrer nas prximas duas dcadas (entre 2011 e
2031) no Brasil. A populao idosa ir mais do que triplicar nas prximas
quatro dcadas, de menos de 20 milhes em 2010 para aproximadamente 65
milhes em 2050 (BANCO MUNDIAL, 2011, p. 10).
Atravs de estudo comparativo entre Brasil e Frana, e guardadas as distines
do ponto de vista econmico e social, Peixoto (2000) afirma que:
[...] ao contrrio da Frana, no Brasil o processo de envelhecimento da populao est no incio e os problemas relativos ao envelhecimento no
constituem pauta importante das polticas sociais: as penses de
aposentadorias so muito baixas, a sade pblica precria e no existe
nenhum tipo de assistncia social nem casas geritricas fundadas pelo Estado
do tipo das maisons de retraite francesas (PEIXOTO, 2000, p. 96).
O crescimento da proporo de idosos impe a necessidade de servios cada vez
mais complexos e especficos para esse segmento, pois o envelhecimento, no
problema, e sim vitria. Problema ser se as naes desenvolvidas ou em
desenvolvimento no elaborarem e executarem polticas e programas para promoverem
o desenvolvimento digno e sustentvel (BERZINS, 2008, p. 20).
H fatores que tendem a aumentar o nmero de idosos necessitados de cuidados
de longa durao. Um deles resulta na estimativa de nas prximas dcadas haver
crescimento do nmero de pessoas com idade acima de oitenta anos, e com isso
demandas na rea da sade, devido multiplicidade e natureza de suas patologias, j
24
que muitos desenvolvem doenas crnicas que tm impacto sobre a vida cotidiana
(IBGE, 2009). Em parte, a incapacidade funcional, conceito definido pela Organizao
Mundial da Sade OMS como a dificuldade devido a uma deficincia para realizar
as atividades tpicas e desejadas na sociedade, decorre dos processos de
envelhecimento, pois a sade produto das condies objetivas de existncia e
resultado das condies de vida (CAVALCANTI e ZUCCO, 2009, p. 70).
Outro fator que tender ao aumento do cuidado de idosos por outras instituies,
que no a famlia, refere-se ao:
[...] status da mulher e os valores familiares e sociais que passam por
transformaes e iro continuar a impactar na disponibilidade de ajuda familiar. A baixa taxa de nascimentos e as complexidades da transio dos
jovens para uma maioridade moderna iro compor o cenrio. Estudos de um
amplo conjunto de pases em desenvolvimento revelam que pessoas mais
velhas esto se tornando menos confiantes em receber auxlio familiar.
Projees para o Brasil estimam o dobro de pessoas sendo cuidadas por no-
familiares em 2020, e cinco vezes mais em 2040, do que em comparao com
2008 (BANCO MUNDIAL, 2011, p 57).
Alm dessas questes, nas discusses polticas tendem a ganhar fora os
discursos favorveis s redues nos direitos previdencirios, sob a argumentao de
que os gastos com aposentadorias e penses iro dobrar para 22,4% do PIB em 2050.
Em um cenrio alternativo, projetamos uma srie de reformas que gradualmente
trariam os benefcios previdencirios no Brasil em linha com aqueles dos pases da
OCDE 5 (Idem, ibidem, p. 55).
1.2 Elaboraes sobre velhice
A velhice enquanto questo foi at pouco tempo um assunto sem valor
acadmico, passando a ter visibilidade atravs das transformaes sociais das ltimas
dcadas, nas relaes sociais desenvolvidas na famlia, no trabalho, nos espaos de
sociabilidade e com o movimento dos aposentados na dcada de 90 (LINS de
BARROS, 2004). Polticas especficas para os idosos tambm foram plasmadas nesse
perodo.
5 Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico.
25
Ao fazer um levantamento das teses e dissertaes se observa que a produo
acadmica sobre velhice ainda pequena e que a maior parte dos estudos refere-se
discusso da rea da sade, principalmente da enfermagem e psiquiatria6. Pode-se
considerar que no Servio Social, ainda no h expressivo nmero de elaboraes sobre
idosos. No entanto, observa-se um aumento da demanda por interveno desse
profissional junto a idosos e suas famlias. Neste sentido, cabe citar a obrigatoriedade
das entidades que prestam servio de atendimento ao idoso em proceder a estudo
social e pessoal de cada caso (Estatuto do Idoso, Art. 50, XI), o que implica no
exerccio de uma atribuio privativa do assistente social7. Alm disso, no Estado do
Rio de Janeiro, as instituies prestadoras de servios de abrigamento aos idosos devem
dispor de equipe tcnica que, entre outros profissionais, tenha assistente social (Lei n.
3875/2002). Ao mesmo tempo, na atuao dessa profisso novas situaes vm sendo
colocadas. Uma parte delas exige respostas urgentes, para as quais o Estado ainda no
instituiu mecanismos de ao.
Na conjuntura de fragmentao e focalizao das polticas, de tendncia
responsabilizao dos sujeitos e individualizao dos problemas, torna-se necessrio
ao Servio Social, atravs da prtica profissional, impulsionar pesquisas e projetos que
favoream o conhecimento criterioso dos segmentos populacionais atendidos e dos
processos sociais, o que alimentar aes inovadoras, capazes de propiciar o
atendimento s efetivas necessidades sociais (IAMAMOTO, 2008, p.200).
Conhecimento, realidade e ao se articulam no exerccio profissional do Servio
Social, numa dinmica em que a pesquisa assume papel importante como prtica
investigativa de apreenso das facetas da realidade social e de sua anlise, ou seja, uma
atividade necessria e bsica do fazer profissional, tanto por seu papel destacado de
indagao e questionamento permanente das aes desenvolvidas, como,
principalmente de construo da realidade (SARMENTO, 1999, p.107).
No mbito das Promotorias do Idoso, solicitado ao Servio Social a realizao
de estudo social, em geral com a determinao de visita domiciliar. As respostas aos
requerimentos das Promotorias so documentadas em relatrios sociais, que geralmente
6 Conforme leituras feitas por mim, de ttulos e resumos de publicaes divulgadas em sites de
universidades e no Scielo. 7 Segundo a Lei de Regulamentao da Profisso Lei n. 8.662/93, Art. 5.
26
se embasam em informaes obtidas por meio de visitas domiciliares e entrevistas8. De
acordo com Fvero (2008), o estudo social consiste na construo de um saber que pode
se constituir numa verdade. O relatrio social uma das formas de documentar e
apresentar com maior ou menor detalhamento a sistematizao do estudo realizado.
Via de regra deve apresentar o objeto de estudo, os sujeitos envolvidos e finalidade
qual se destina, os procedimentos utilizados, um breve histrico, desenvolvimento e
anlise da situao (FVERO, 2008, p.45). Embora na atuao das assistentes sociais
do 3CAOP Cvel e do CAOIPD esses aspectos sejam considerados, as profissionais
no utilizam a terminologia estudo social nos relatrios enviados como resposta aos
requerimentos dos Promotores. A no utilizao dessa definio se deve considerao
de que as informaes apresentadas so parciais e oriundas geralmente apenas de uma
visita social e ou entrevista, o que no permite caracterizar o resultado desse trabalho
como um estudo social aprofundado, no sentido que essa nomenclatura contm.
A visita domiciliar um meio para observar e conhecer a situao em que vive o
idoso e nisto compreender o contexto particular e as relaes sociais. Em parte dos
casos a visita tambm a nica forma possvel de contatar o idoso, e conforme as suas
condies, entrevist-lo sobre a situao em questo.
Com isso, por um lado, a interveno do Estado no espao domstico das
relaes sociais, atravs do assistente social, pode representar uma invaso de
privacidade. Por outro lado, ao desvelar a vida dos indivduos, pode oferecer subsdios
s decises, no sentido de abrir possibilidades de acesso aos direitos, alm de acumular
um conjunto de informaes sobre as expresses contemporneas da questo social,
pela via do estudo social (IAMAMOTO, 2004).
O relatrio um documento que apresenta
[...] de forma cristalizada pela escrita, as informaes colhidas e as interpretaes realizadas iro intermediar a partir de um norte terico a fala do sujeito, os demais dados obtidos e a anlise realizada, e aquele ou
aqueles que sero os leitores, os quais, geralmente, so os agentes que
emitiro uma deciso, ou participaro de uma deciso a respeito dos sujeitos
envolvidos (FVERO, 2008, p. 28).
Cabe lembrar que, ao longo do processo histrico do Servio Social, o estudo
social esteve presente no campo sociojurdico, onde a interveno tende a ser desviada
8 Conforme a finalidade a que se destina que so definidos os meios de realizao do exerccio
profissional. As visitas e entrevistas so instrumentos, dentre outros como, por exemplo, a anlise de
documentos, que possibilitam conhecer e clarificar situaes e consider-las em suas singularidades
inseridas na realidade social mais ampla.
27
para a direo da regulao caso a caso, do controle e do disciplinamento dos sujeitos
sociais (FVERO, 2008, p.38). Assim, na atuao do assistente social se coloca a
tenso entre prticas consideradas tradicionais no Servio Social, no sentido de que no
rompem com a imediaticidade e podem expressar uma prtica indiferenciada (NETTO,
1992) se comparadas s aes filantrpicas anteriores e centradas no indivduo, e o
desafio de construir e fomentar novas estratgias de interveno e de respostas
institucionais.
1.3 Construo social de termos classificatrios da velhice
De acordo com Hareven (1999), a preocupao com a velhice parte de uma
tendncia contnua segregao por idade. O envelhecimento e a idade esto
relacionados a fenmenos biolgicos, porm seus significados so determinados social e
culturalmente. No ocidente, faz-se referncia a estgios de vida como etapas de
desenvolvimento, que envolvem grupos etrios com caractersticas singulares. Com
relao velhice, a sua formulao pblica e institucional, como etapa distinta, se deu
na convergncia das elaboraes do campo gerontolgico, na proliferao de
esteretipos negativos sobre os velhos e no estabelecimento da aposentadoria
compulsria.
Desse modo, foi a partir do final do sculo XIX com a industrializao e
mudanas demogrficas, que, paulatinamente, comeou a ser desenvolvida uma maior
diferenciao entre os grupos de idade. Conforme Hareven (1999), a sociedade norte-
americana passou de uma aceitao da velhice como processo natural para um perodo
caracterizado pelo declnio e dependncia. Foi no incio daquele sculo que se
assentaram as bases da geriatria como ramo especfico da medicina. Ao longo do sculo
XX, a industrializao e as demandas por proteo aos idosos provocaram o interesse
pelo significado do envelhecimento relacionado a questes sobre os limites da utilizao
da fora de trabalho. Assim, quando as particularidades so associadas a algum
problema social importante, as necessidades podem ser reconhecidas, integrar
legislaes e serem estabelecidas instituies para atend-las.
28
Segundo Peixoto (2007), a velhice se tornou um problema social a ser
reconhecido pelo Estado em consequncia de mudanas socioeconmicas, entre elas, o
advento da aposentadoria e a dificuldade das famlias em arcar com os custos de
manuteno dos idosos. A criao de categorias classificatrias na representao social
da velhice sofreu modificaes com o prolongamento da vida, que pressiona o
alargamento das faixas etrias mais jovens, e com as mudanas que reclamavam
polticas sociais para a velhice.
Neste sentido, a autora estabelece uma comparao entre Frana e Brasil.
Observa que, naquele pas do sculo XIX, o termo velho ou velhote designava as
pessoas com mais de 60 anos que no possuam condies econmicas de assegurar seu
futuro em decorrncia da diminuio de suas foras para o trabalho, o nico bem que
possuam. Os que tinham posses eram designados pelo termo idoso. No entanto, a partir
dos anos 60 do sculo XX, com uma nova poltica francesa para a velhice que elevou as
penses e aumentou o prestgio dos aposentados, se deu uma mudana nos termos de
tratamento, que transformou os problemas dos velhos em necessidades dos idosos.
Os aposentados passaram a reproduzir prticas sociais associadas s camadas mdias
assalariadas e se designou o vocbulo terceira idade para representar os jovens
aposentados. Contudo, foi necessrio distinguir os jovens idosos dos idosos velhos e,
assim, as pessoas com mais de 75 anos foram classificadas como pertencentes quarta
idade.
No que tange s denominaes da velhice no Brasil, os textos oficiais, anteriores
aos anos 60, utilizavam a expresso velho. No final daquela dcada, as mudanas da
imagem da velhice na Europa ecoaram no Brasil e, com isso, paulatinamente se passou
a utilizar o termo idoso.
O uso da categoria velho est associado decadncia, dependncia,
incapacidade e pobreza, que apresentam mais nitidamente as consequncias do
envelhecimento. A noo terceira idade mascara um grupo social heterogneo e
advm de um decalque francs adotado aps a implantao de polticas para a velhice
naquele pas, voltadas para atividades culturais, sociais e esportivas. Terceira idade
designa ento os jovens velhos, os aposentados dinmicos, consumidores de produtos
de beleza, de turismo e de especialidades mdicas, enquanto idoso se refere aos
velhos respeitados (PEIXOTO, 2007).
29
No entanto, diferentemente das intervenes voltadas s crianas e adolescentes
que se justificavam na preocupao de que a negligncia poderia torn-las adultos
perigosos ordem societria, os idosos receberam pouca ateno por no configurarem
uma possvel ameaa sociedade (HAREVEN, 1999).
Alm disso, conforme Bassit (2000), a modernidade, ao estar ligada ao
nascimento do Estado moderno e ao desenvolvimento do capitalismo, da cincia e da
tecnologia, provoca maior preocupao em registrar, regular e disciplinar a vida das
pessoas e passa a periodiz-la. Assim, por exemplo, se institucionalizam as passagens
da famlia para a escola ou trabalho, delimitando qual a idade ideal para esses e outros
eventos. Pode-se considerar que h uma transio para dentro e uma para fora da vida
adulta e a durao das diferentes fases (infncia, adolescncia, maturidade e velhice)
esto relacionadas e so determinadas historicamente.
Neste sentido, as categorias de idade so construes sociais, que mudam
historicamente, mas isso no significa dizer que no tenham efetividade. Essas
categorias so constitutivas de realidades sociais especficas, uma vez que operam
recortes no todo social, estabelecendo direitos e deveres diferenciais em uma
populao, definindo relaes entre as geraes e distribuindo poder e privilgios
(DEBERT, 2007, p. 53). Isso se deu na conjuntura de passagem de uma economia
domstica para o mercado de trabalho e no processo de transformao de questes,
antes consideradas da esfera privada e familiar, para a ordem pblica, tornando o Estado
a instituio que regula o curso da vida.
Ademais, a separao gradual entre trabalho e demais aspectos da vida, o
abandono da predominncia dos valores familiares em favor do individualismo e da
privacidade, a expulso dos mais velhos do trabalho e o declnio em suas funes
familiares devido substituio da orientao pautada na experincia pela informao
profissional, levaram diminuio de poder dos mais velhos na vida familiar. Parte das
funes antes concentradas no lar, entre as quais, o cuidado dos dependentes, foi
transferida para instituies especializadas (HAREVEN, 1999).
De acordo com Lins de Barros (2002), na modernidade, o curso da vida
pensado a partir da concepo individualista do ser humano, por isso se
institucionalizam periodizaes e se colocam questes como as crises de idade e os
conflitos entre geraes. Nessa conjuntura, as experincias individuais adquirem
30
relevncia como construtoras de significados para os sujeitos, e as mudanas culturais e
histricas so vistas como produtoras de conflitos e negociaes.
Na contemporaneidade, as aes direcionadas aos idosos trazem consigo a
ideologia individualista no trato com a velhice e na experincia do envelhecer (LINS
de BARROS 2004, p. 49). Nas ltimas dcadas, com o termo terceira idade se apresenta
uma nova forma de envelhecer e uma imagem menos negativa dessa fase da vida, sob
a ideia de que para viver bem o ltimo perodo da vida, bastaria nos engajarmos
nesta ideia e se no o fazemos, isto se deve mais a ns mesmos do que s condies
sociais e culturais (Ibidem; p. 49).
Nesta perspectiva, Debert (1999) discute como a velhice foi transformada de um
problema da esfera familiar e privada para uma questo do mbito da interveno
pblica, sujeita a legislaes e polticas especficas, ou seja, h uma socializao
progressiva da gesto da velhice. Ao mesmo tempo, nesse processo posta como um
problema individual, tendncia que a mesma autora denomina de reprivatizao da
velhice.
Conforme Simes (2000), no Brasil as mobilizaes dos aposentados
contriburam na produo de representaes sociais dos idosos. O movimento dos
aposentados ganhou alguma visibilidade durante a Assembleia Constituinte, na
elaborao de artigos relativos Seguridade Social, e adquiriu maior auge na dcada de
90, por meio das manifestaes que contestavam o reajuste das aposentadorias e
penses, em valor inferior ao ndice aplicado ao salrio mnimo. As mobilizaes
operaram com duas imagens polarizadas dos idosos.
De um lado, os aposentados foram identificados com o idoso carente,
dependente e abandonado pela famlia e pelo Estado, imagem que,
reiteradamente, tem servido para legitimar os direitos especficos dos mais
velhos proteo social e que, desta feita, tambm sustentou a relevncia
social e poltica das associaes e do movimento dos aposentados. De outro
lado, a ateno conquistada na mdia pelas manifestaes dos aposentados
acionou uma nova representao de idosos militantes, que encontravam na luta poltica uma forma de combater os esteretipos e preconceitos da
inatividade e da perda de papis associados velhice (SIMES, 2000,
p.281).
Assim, nos discursos realizados nas mobilizaes e nas entrevistas, os
aposentados militantes procuravam se apresentar como lcidos e ativos, com saber
poltico e experincia de vida. Ao mesmo tempo, falavam dos seus direitos como
reinvindicaes particulares e como interpelao s novas geraes para que se
conscientizassem de seus destinos.
31
Cabe lembrar que, no plano econmico, a aposentadoria desde os seus primeiros
sistemas no marca necessariamente o envelhecimento fsico e cronolgico do
trabalhador, e sim sua incapacidade para o trabalho. No incio do sculo XX, com
alteraes na organizao da produo que visavam a sua maximizao, os
trabalhadores mais velhos passaram a ser discriminados por no se adaptarem o
suficiente s novas condies de trabalho e de produtividade. Com isso, criou-se uma
modalidade de envelhecimento profissional e a aposentadoria foi um dos meios para a
recomposio etria da fora de trabalho (SIMES, 1997). Na conjuntura atual, pode-se
observar que produzida uma dinmica inversa, que, junto com a difuso do
envelhecimento ativo e do direito do idoso ao trabalho9, so favorveis a reformas da
previdncia que estendem os limites etrios para a aposentadoria e reduzem os valores
dos benefcios, uma vez que pensada a continuidade, o retorno ou nova insero do
idoso no trabalho.
Outro aspecto presente na construo do envelhecimento trabalhado por Koury
(2011), que atenta para a construo do envelhecimento no imaginrio de homens e
mulheres idosos. O morrer referenciado de forma implcita ou explcita como um
processo natural dos velhos, embora presente em todas as fases da vida de qualquer
pessoa, e se a
[...] imagem do idoso tem sido constantemente deslocada para uma idade mais tardia, a partir do final dos setenta anos ainda so considerados jovens e
ativos, essa juventude e ativismo so vistos como um esforo pessoal de se
manter jovem e considerado pelo vis, seja como um modelo a ser seguido,
seja pelo preconceito: parece que esse velho (ou velha) no se enxerga (KOURY, 2011, p.61).
Com isso, no processo de envelhecer se coloca a questo de como permanecer
ativo e resguardar um corpo saudvel, associado ao ser jovem, sem cair no ridculo. E
ao mesmo tempo, como se guiar em um mundo voltado para uma construo de
juventude e para interesses volteis de ser jovem quando o corpo e a mente exigem
outro tipo de insero cultural, social e psquica (Ibid.).
Assim, os valores dominantes, ao enfatizarem o envelhecimento saudvel, a
liberdade individual e a autonomia, tm deixado de lado a velhice frgil e dependente
(DEBERT, 1999). A transformao dos problemas da velhice em responsabilidade
9 Inclusive prevendo programas de estmulos s empresas para admisso de idosos e proibio de limite
mximo de idade, dando-se ainda preferncia ao de idade mais elevada nos casos de empate em concursos
pblicos (EI, Art. 26-28).
32
individual contribui, no contexto brasileiro, para a no proposio de polticas pblicas
que, de fato, viabilizem respostas s demandas dos vrios segmentos idosos,
principalmente daqueles que apresentam dependncia de cuidados.
Cabe ainda mencionar que a construo de termos classificatrios da velhice no
d conta da heterogeneidade que comporta os vrios grupos etrios que ela contm, nem
os modos de envelhecer. Ademais, ao contrrio da trajetria dos movimentos
feministas e tnico-raciais, no encontramos a constituio de uma memria coletiva
que sustente a definio de velhice como uma identidade social que conforme um
grupo minoritrio (LINS de BARROS e ALVES, 2012)
Os idosos no constituem grupo identitrio como os movimentos feminista e
negro, por exemplo, que se originaram em oposio ao outro: mulheres x homens,
negros x brancos. Com a ideologia do envelhecimento ativo, idosos no se opem a
grupos etrios mais novos e a velhice se apresenta de forma mltipla e fragmentada.
Desse modo, numa conjuntura em que se constituem polticas pblicas para
segmentos especficos, e, para tal, se estabelece uma suposta relao entre poltica de
reconhecimento e identidade (TAYLOR, 1998), cabe observar por quais meios e lutas
se configuram as polticas para os idosos.
Segundo Debert (1997), o discurso gerontolgico contribuiu para dar
visibilidade ao envelhecimento e transform-lo em uma questo poltica e para propor
prticas promotoras de uma velhice bem sucedida. A quebra do silncio no trato da
velhice no pas pode ser observada em torno de quatro aspectos: mudana demogrfica,
que exige gastos pblicos para atender os idosos; a crtica ao capitalismo, que torna a
misria e a excluso ainda mais amargas na velhice queles que no dispem de
condies para trabalhar e que so desvalorizados e abandonados pelo Estado e a
sociedade; a valorizao do jovem e o menosprezo da experincia e da memria; e, o
que diz respeito ao Estado, pois com o declnio da famlia extensa e um Estado incapaz
de resolver problemas bsicos da populao, a pobreza e a misria se tornam ainda mais
paradigmticas na velhice.
Ademais, conforme Camarano (2004), em parte do debate poltico e da literatura
sobre o envelhecimento se observam duas concepes polarizadas da experincia do
envelhecer: uma viso negativa, que a associa a problemas sociais e dependncia; e
outra, que a considera com condies de contribuir para o desenvolvimento
socioeconmico dos pases. Essas concepes influenciam na direo das polticas
33
sociais, pois podem conduzir a discriminaes no mercado de trabalho, estruturao de
polticas que reforam o aspecto da dependncia econmica, da sade e da autonomia,
e, alm disso, apresentar o idoso como improdutivo e consumidor de servios pblicos,
entre eles, os previdencirios e de sade.
No entanto, h que se considerar que, parte dos estudos, por exemplo, na rea
das cincias sociais, abordam a heterogeneidade das experincias do envelhecer e das
distintas necessidades da populao idosa. Conforme Debert (1997), no h como
afirmar em que medida o discurso de especialistas influencia nas prticas sociais e nas
polticas voltadas aos idosos. Entretanto, constata-se que, desde a dcada de 80, as
questes relativas velhice ocupam espao entre os temas que preocupam a sociedade
brasileira. Isso se evidencia em trs tipos de manifestaes: pesquisas acadmicas,
aberturas de espaos em organizaes governamentais e privadas para iniciativas
voltadas ao envelhecimento bem sucedido, e o tratamento mais amplo que o idoso e
seus problemas recebem na mdia.
A representao do avano da idade como um processo contnuo de perdas em
que os indivduos ficariam relegados a uma situao de abandono, de desprezo e de
ausncia de papis sociais, contribuiu para a universalizao da aposentadoria, leis
protetivas dos idosos e conferncias e planos de ao internacionais para o
envelhecimento (DEBERT, 2012).
Segundo a mesma autora, junto com as mudanas objetivas, necessrio um
processo de enunciao que as incorpore na luta poltica. Diferentemente de outras
categorias, os velhos nem sempre tm condies para a expresso pblica e suas
demandas so apresentadas por porta-vozes, os especialistas, que tem sua competncia
reconhecida por um campo de saber, por exemplo, a gerontologia.
1.4 Panorama histrico das aes e proposies pblicas
voltadas aos idosos
A discusso relativa ao abrigamento de idosos implica em observar como, ao
longo da histria, esse segmento populacional foi includo no que hoje se convencionou
chamar de sistema de garantia de direitos. Desse modo, cabe aqui explanar sobre as
34
legislaes e polticas sociais, no nvel nacional e municipal, e atentar para os nexos
com o plano internacional, bem como para as mudanas societrias que lhe so
inerentes. Isso tem como pano de fundo o fato de parte significativa das diretrizes legais
constitudas no mbito nacional serem decorrentes de documentos internacionais dos
quais o Brasil signatrio. Ademais, as polticas sociais se concretizam no mbito dos
muncipios, pautadas pelo princpio da descentralizao, que lhes confere a competncia
para execut-las.
Ao voltar o olhar para as polticas sociais, vale rememorar que elas foram
gestadas na confluncia dos movimentos de ascenso do capitalismo com a Revoluo
Industrial, das lutas de classe e do desenvolvimento da interveno estatal (BEHRING e
BOSCHETTI, 2007). Elas resultam de processos sociais e, desse modo, no se pode
indicar com preciso um perodo especfico do seu surgimento. O que se pode afirmar
que, as origens das polticas sociais so comumente associadas aos movimentos de
massa socialdemocratas e formao dos Estados-nao na Europa ocidental, nos fins
do sculo XIX. Ademais, a expanso das polticas sociais se d no ps II Guerra
Mundial, em um contexto de passagem do capitalismo concorrencial para o
monopolista.
Dessa forma, as polticas sociais surgem e se desenvolvem na perspectiva do
enfrentamento da questo social, isto , por um conjunto de expresses do processo
de desenvolvimento do capitalismo, da formao da classe trabalhadora e de seu
ingresso no cenrio poltico, exigindo do Estado e do empresariado respostas s suas
necessidades de sobrevivncia. Assim, dizem respeito diviso da sociedade em classes
e organizao dos trabalhadores, do Estado e do capital em torno da direo a ser dada
riqueza socialmente produzida.
Nas sociedades pr-capitalistas, o Estado assumia algumas demandas sociais ao
lado de aes filantrpicas e de caridade privada. As intervenes eram de cunho mais
punitivo do que protetivo. Nesse sentido, a literatura sobre a temtica, frequentemente
recorda as Leis Inglesas10
, que antecederam a Revoluo Industrial e que se espalharam
pela Europa. Essas estavam fortemente associadas ao trabalho e a ele estavam obrigados
todos os que para tal apresentassem condies. A assistncia era mnima e com critrios
10 Exemplos disso so: Estatuto dos Trabalhadores (1349), Estatuto dos Arteses (1563), Lei dos Pobres
Elisabetanas (1531-1601), Lei de Domiclio (1662), Speenhamland Act (1795), Poor Law Amendment
Act (1834). Ver mais sobre as mesmas em: BEHRING e BOSCHETTI (2007).
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seletivos e restritivos, visando induzir a todos a se manterem por meio do trabalho.
Alm disso, por intermdio da Lei dos Pobres, por exemplo, ao acessar aos direitos
sociais, os pobres deixavam de ser inteiramente cidados, porque na condio de
internados nas casas de trabalho no tinham o direito civil da liberdade pessoal, e,
consequentemente, tambm eram impedidos de exercer os direitos polticos
(MARSHALL, 1967). Desse modo, pode-se afirmar que, se dava um divrcio entre
direitos sociais e estatuto de cidadania. Assim, mulheres e velhos, por exemplo, eram
protegidos porque no eram considerados cidados. Isto, de certa forma, remete s
polticas sociais contemporneas que pela sua organizao pontual e fragmentada e
pelas condicionalidades que impem no acesso, tambm colidem na forma de
interveno e dificultam a consolidao de direitos.
Conforme argumenta Fleury Teixeira (1989), a natureza compensatria e
punitiva das polticas de assistncia social, que submetem os atendidos a rituais
comprobatrios de sua condio, faz com que o indivduo se relacione com o Estado
quando se reconhece como no cidado. pela percepo de sua incapacidade que o
indivduo recorre assistncia social e, na condio de necessitado, nas palavras da
mesma autora, estabelece com o Estado uma relao de cidadania invertida.
No entanto, h tambm que se considerar que dos primrdios atualidade, as
aes no campo das polticas sociais tm dupla face: por um lado, representam a busca
de estabilizao das relaes sociais, e, por outro, permitem o acesso a recursos,
servios, reconhecimento de direitos. Desse modo, as polticas sociais cumprem funo
ideolgica e so espaos de presso pela ampliao de direitos. O Estado incorpora
exigncias dos trabalhadores e as integra sua ordem, de modo que possa atender a
ambos (YASBEK, 1993).
Pode-se ponderar que, os idosos passaram a constituir uma categoria social
somente ao longo do sculo XIX, quando os grupos necessitados de cuidados
comearam a ser diferenciados. Com isso, poca, os mendigos e os velhos foram
considerados incapazes para o trabalho e os que no trabalhavam, sob a alcunha de
vadios, eram tratados como caso de polcia. No Brasil, em termos de legislao, h
como marco o decreto imperial de 1884, que regulamentou o funcionamento do Asilo
de Mendicidade, no qual quatro grupos de mendigos eram admitidos: os menores de 14
anos, abandonados e ociosos; os indigentes, os velhos e os incapazes; os que se
apresentavam espontaneamente provando sua indigncia; e os alienados, que no eram
36
recebidos no Hospcio Dom Pedro II (GROISSMAM, 1999 apud CHRISTOPHER,
2009).
O incio do sculo XX foi marcado por lutas operrias que se manifestaram por
intermdio de greves gerais dos trabalhadores (1905, 1907, 1917, 1919) que, em meio
reinvindicaes por questes salariais, incluram a proteo social da famlia, e nisso a
demanda por aposentadoria. No entanto, as respostas do Estado se centravam na
represso policial e a sua omisso perante as necessidades dos trabalhadores fazia com
que eles organizassem sistemas de Caixas de Aposentadorias e Penses com recursos
prprios, a fim de assegurar materialmente a si mesmos e suas famlias nas situaes de
desemprego, velhice, doena ou morte. Em 1923, as Caixas de Aposentadorias e
Penses foram normatizadas pelo Estado, por intermdio da Lei Eli Chaves.
Naquele perodo, as aes no campo da assistncia, em sua maior parte, eram
civis e com carter caritativo, como as Irmandades da Misericrdia, ligadas Igreja
Catlica, e que ofereciam servios de hospedaria, albergue e enfermaria. Essa
modalidade de atendimento se estendeu ao longo dos tempos, constituindo instituies
de acolhimento e convivendo com diferentes graus de interao com os sistemas
pblicos de proteo social (TEIXEIRA, 2008).
Na dcada de 1930, o processo de modernizao e as lutas dos trabalhadores
conduziram a ao do Estado na regulao entre capital e trabalho, o que levou a
instaurar direitos sindicais, trabalhistas e previdencirios. Em 1933, foram institudos os
Institutos de Aposentadorias e Penses (IAPs), que contavam com a participao estatal
na administrao e financiamento, porm mantinham a capitalizao por parte dos
trabalhadores. Em 1960, por meio da Lei Orgnica da Previdncia Social LOPS ,
foram uniformizados os direitos dos segurados, que, anteriormente, eram definidos de
acordo com as categorias ocupacionais, e ampliados os benefcios para todos os
trabalhadores regulados pelas leis do trabalho. No entanto, nesse perodo, os
trabalhadores rurais, os autnomos e as empregadas domsticas permaneceram sem
cobertura.
Dessa forma, para os idosos que no contavam com trabalho regulamentado
restavam apenas pontuais aes de assistncia, com carter filantrpico. Em 1942, foi
criada a Legio Brasileira de Assistncia (LBA), cuja presidncia era assegurada s
primeiras-damas e que, mesmo sob a interveno estatal, manteve caractersticas de
37
ajuda, relacionada ao mrito da necessidade e no ao direito do cidado (TEIXEIRA,
2008).
Nas dcadas de 1960 e 1970, no contexto ditatorial, a incorporao de demandas
do envelhecimento se deu por meio de iniciativas da sociedade civil, das associaes
cientficas e do Estado. Esse, contraditoriamente, ampliou a proteo social na
perspectiva de alcanar legitimidade.
No mbito da sociedade civil, foi criada, em 1961, a Sociedade Brasileira de
Geriatria (SBG), no Rio de Janeiro. Formada por mdicos, visava estimular iniciativas e
obras sociais de amparo velhice e cooperar com outras organizaes interessadas em
atividades educacionais, assistenciais e de pesquisa, entre outros objetivos
(CAMARANO e PASINATO, 2004). Em 1978, passou a incorporar outras categorias
profissionais e a ser denominada Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia
(SBGG).
Outra iniciativa que marca a trajetria de aes voltadas ao idoso, data de 1963,
quando, em So Paulo, o Servio Social do Comrcio (SESC) passa a realizar trabalho
com idosos e a dar visibilidade social ao envelhecimento (CAMARANO e PASINATO,
2004; TEIXEIRA, 2008). Essa instituio desenvolveu atividades socioculturais e de
convivncia entre idosos, promoveu formao de tcnicos na rea de gerontologia, criou
centros de documentao, publicaes, seminrios e congressos envolvendo idosos e
profissionais, que contriburam para a constituio de polticas pblicas posteriores.
Na dcada de 1970, comearam a ser desenvolvidas aes do governo federal,
atravs do Instituto Nacional de Previdncia Social (INPS) que executava o Programa
de Assistncia ao Idoso PAI, o qual congregava espaos de convivncia em seus
prprios centros sociais e em instituies conveniadas, bem como dispunha de
internao de aposentados e pensionistas do Instituto que apresentassem desgaste fsico
e mental, insuficincia de recursos e inexistncia de suporte familiar. De acordo com
Silva (2006), a incluso dos idosos nas instituies dependia de um laudo mdico e de
uma anlise do Servio Social, em que se avaliava o estado fsico e mental, a falta de
recursos do idoso ou de sua famlia e as circunstncias do abandono familiar.
Em 1971, foi estendida a aposentadoria para trabalhadores rurais chefes de
domiclio e a renda mensal vitalcia para trabalhadores urbanos e rurais idosos e, ainda,
para pessoas com deficincia e insuficincia de renda. Em 1972, as empregadas
38
domsticas foram incorporadas previdncia e, no ano seguinte, os trabalhadores
autnomos.
Ainda na dcada de 70, o Ministrio da Previdncia e Assistncia Social
(MPAS) organizou trs seminrios regionais, nas cidades de So Paulo, Belo Horizonte
e Fortaleza, com o tema A situao do idoso no pas. Esses foram preparatrios para o
seminrio nacional intitulado Estratgias de Poltica Social para o Idoso no Brasil. De
acordo com Teixeira (2008), as discusses dos seminrios indicaram a falta de uma
poltica social definida e a necessidade de conjugar aes entre famlia, comunidade e
poder pblico na ateno ao idoso.
Em 1977, o MPAS definiu a Poltica Social do Idoso, elencando aes de
atendimento institucionalizado e mdico-social, programas de pr-aposentadorias,
treinamento de recursos humanos, mobilizao comunitria, entre outros. No entanto,
devido a seu contedo abstrato, se tornou letra morta (GOLDMAN, 2000). Conforme
exposto, as polticas voltadas para a populao idosa se resumiam ao provimento de
renda para os segmentos de trabalhadores e de assistncia para os vulnerveis e
dependentes. Somente ao longo dos anos 1980 que comearam a ganhar espao outras
concepes de ateno ao idoso, as quais foram impulsionadas pelo debate
internacional, quando o Brasil foi signatrio do Plano Internacional de Ao para o
Envelhecimento (1982).
O referido Plano resultou da primeira Assembleia Mundial sobre o
Envelhecimento realizada em Viena, e que teve como marco de referncia a
Conferncia dos Direitos Humanos realizada em Teer, em 1968.
Dado o contexto poltico, econmico e social, admitiu-se que, pela
vulnerabilidade da populao idosa, esta deveria sofrer mais as consequncias do colonialismo, neocolonismo, racismo e prticas do
apartheid. (...) No plano global, vivia-se um momento marcado pelas tenses
da Guerra Fria e, no regional, predominavam os regimes de exceo
(CAMARANO e PASINATO, 2004, p.255).
O Plano Internacional de Ao indicou aos pases a adoo de um conceito ativo
e positivo do envelhecimento e de aes que garantissem um envelhecimento saudvel.
Estava centrado no bem estar dos idosos dos pases desenvolvidos e voltado para
aqueles independentes e com poder de compra, bem como tinha uma viso de
medicalizao da velhice. Alm disso, no Plano foram elencadas recomendaes aos
pases, para, entre outras questes, prover penses, aposentadorias e assistncia sade,
39
porm, essas dependiam de alocao de recursos, que no foram previstos (Id.; Ibid.,
255-256).
Sob a influncia do debate internacional e por intermdio do processo
Constituinte, o Brasil incorporou o tema do envelhecimento na Carta Magna de 1988.
Assim, junto com o processo de redemocratizao do pas, vivenciado na mesma
dcada, organizaes da sociedade civil, incipientes em perodos anteriores, adquiriram
maior fora, entre elas as organizaes de aposentados e pensionistas que tiveram papel
relevante na luta por polticas pblicas para os idosos. Por intermdio do movimento
dos aposentados tornou-se favorvel a construo de uma concepo de idoso enquanto
ator poltico, apesar do grupo de aposentados no se restringir a pessoas com mais de 60
anos.
A Constituio de 1988 inovou ao apresentar a ideia de seguridade social com
integrao das polticas de assistncia, previdncia e sade, e princpios como
universalizao, equidade, participao, descentralizao. Para assegurar direitos
fundamentais, o texto constitucional comporta no captulo VII, que trata da famlia, da
criana, do adolescente, do jovem e do idoso, a viso de repartio de responsabilidades
entre famlia, Estado e sociedade.
Neste sentido, no que se refere ao idoso, a famlia, a sociedade e o Estado tm
o dever de amparar as pessoas idosas assegurando sua participao na comunidade,
defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito vida (Art. 230). E
ainda, os programas de amparo aos idosos sero executados preferencialmente em
seus lares (Art. 230, 1).
No que tange diviso de responsabilidades entre sociedade, Estado e famlia,
pode-se observar que, nas normativas, a ideia de proteo por parte da sociedade um
tanto inespecfica. Na realidade, a participao desta se torna visvel pela oferta de
servios de natureza privada e ou filantrpica e, mais do que pelo carter de proteo, se
mostra pela omisso, por exemplo, quando h violao de direitos. Alm disso, embora
se trate de repartio de responsabilidades, a falta ou precariedade de aes estatais na
promoo de servios sociais nem sempre devidamente apreciada. J sobre a famlia,
considerada no texto constitucional como base da sociedade (Art. 226) e cuja
natureza protetiva , tradicionalmente, considerada ontolgica, recaem julgamentos
morais e de responsabilidade legal.
40
A Constituio Federal explicita que os pais tm o dever de assistir, criar e
educar os filhos menores, e os filhos maiores tm o dever de ajudar e amparar os pais
na velhice, carncia ou enfermidade (Art.229). Nesse sentido, pode-se considerar que,
na prtica, o dever legal no configura exatamente reciprocidade geracional, pois, em
geral, os idosos demandam suporte dos filhos por mais tempo do que esses foram
assistidos por seus pais, bem como as necessidades de cuidados dos idosos tendem a ser
mais complexas e dispendiosas. Ademais, a depender do tipo de famlia e do momento
do ciclo vital domstico, a gerao adulta pode vivenciar, ao mesmo tempo, o dever
legal de suporte material e afetivo aos antecedentes e descendentes.
Alm disso, a Carta Magna no mesmo Captulo que trata do idoso especifica em
seu artigo 227, como dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar criana, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, um conjunto de direitos, entre eles a
vida, sade, educao, lazer, cultura, dignidade, respeito, liberdade, convivncia
familiar e comunitria, bem como salvaguard-los das formas de negligncia,
discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso. Chama ateno que, essa
normativa exclui o idoso, e disso denota que esse segmento populacional no era
considerado como sujeito de direitos e ainda, pode-se supor se no estaria como pano de
fundo uma viso que distingue os grupos etrios e considera que a criana, o
adolescente e o jovem tm potenciais a serem desenvolvidos, diferentemente do idoso,
que estaria na finitude da vida. Os direitos anteriormente elencados, somente em 2003
no Estatuto do Idoso, que foram afirmados como direitos fundamentais dos idosos.
A Constituio Federal de 1988 criou a gratuidade nos transportes coletivos
urbanos para os maiores de 65 anos (Art. 230,2) e, posteriormente, com o Estatuto do
Idoso (2003) incorporou o transporte semiurbano e a reserva de 10% dos assentos nos
veculos coletivos (Art. 39) 11
. O EI prev, ainda, a reserva de duas vagas gratuitas nos
veculos interestaduais para idosos com renda igual ou inferior a dois salrios mnimos e
o desconto de 50% para os que excederem essas vagas (Art. 40). Com relao
educao, cultura, esporte e lazer, prev redues de 50% nos ingressos para eventos
artsticos, culturais, esportivos e de lazer, bem como o acesso preferencial aos
respectivos locais (Art. 23). P
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