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EPISTEMOLOGIA JURÍDICA
MODERNA
(uma abordagem filosófica da teoria
geral do direito)
(esboço não revisado - para circulação interna nas cadeiras de Filosofia do Direito da
Faculdade Processus
Prof. Jairo Bisol
A NORMA JURÍDICA
(reflexões em torno da teoria das fontes, da teoria da norma jurídica e da teoria do
ordenamento jurídico)
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Toda e qualquer norma jurídica emerge das fontes do direito, pelo que, não se
pode definir o que seja Norma Jurídica sem delimitar o que sejam estas Fontes do Direito. Se
é da essência do direito ser normatividade, não há como negar que o direito se manifesta,
através de suas fontes, enquanto norma jurídica. Deste modo, é necessário demarcar as fontes
do direito donde emergem as diversas normas jurídicas. Não se trata de uma questão simples.
Segundo a doutrina tradicional, as fontes do direito classificam-se em formais e
materiais. Fontes do jurista, nesta perspectiva, seriam apenas as fontes formais, nas quais as
decisões judiciais encontram fundamento: a lei, a jurisprudência, a doutrina e o costume,
basicamente. As demais, chamadas fontes materiais, constituídas por valorações ético-sociais,
hábitos e costumes em gestação, novas demandas de regulamentação em decorrência de
avanços tecnológicos, etc., são apenas fontes para o jurista num sentido mediato, eis dizem
respeito ao conteúdo das normas, e constituem a matéria prima utilizada para a elaboração da
lei: delas se ocupa imediatamente o legislador, já que nos sistemas de direito legislado a lei é a
fonte principal.
Adotando-se tal concepção de fontes, tende-se ao chamado formalismo jurídico, um modelo de
teoria jurídica onde a forma determina o que é e o que não é direito (v.g., qualquer conteúdo legislado é direito
porque está sob a forma legal). O jurista somente pode fazer valer o direito que está sob a forma legal,
doutrinária, jurisprudencial ou consuetudinária. Tal formalismo facilita a organização do direito enquanto
sistema de regras, exatamente por delimitar, com algum rigor, as fontes donde tais regras emergem, embora se
afaste um pouco a realidade, ou seja, não permite uma compreensão mais consistente das práticas judiciais
concretas e cotidianas dos foruns da vida, onde o jurista se vale, inelutavelmente, de valorações ético-sociais e
outros elementos normativos que não emergem das clássicas fontes do direito para construir suas decisões
judiciais. Mais do que isto, a redução do fenômeno jurídico a um critério formal opera um recorte arbitrário do
objeto de análise, podando importantes dimensões do fenômeno, tal como a inafastável dimensão axiológica,
onde se discute entre outras coisas uma Teoria da Justiça, a idéia de Pluralismo Jurídico, típica de sociedades
abertamente pluralistas, etc. Esta questão, complexa por natureza, será objeto de análise no momento adequado.
Se direito é aquilo que emerge enquanto norma de determinada fonte, ou seja,
posto sob uma determinada forma, qual a forma fundamental da norma jurídica em nosso
sistema? É a forma legal, já que o nosso sistema é um sistema de direito legislado. A lei é a
principal fonte do direito. Uns dizem que, além da Lei, têm-se a doutrina, a jurisprudência e
os costumes. Outros, recorrendo à LICC, dizem que são fontes do direito a lei, a analogia, os
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costumes e os princípios gerais do direito. Esta última classificação incorre em obtusa
imprecisão metodológica. Em primeiro lugar analogia não é fonte; é técnica de aplicação do
direito, mais especificamente de colmatação de lacunas. Já os Princípios Gerais do Direito,
ora se manifestam através da lei (princípio da reserva legal, p. exemplo), ora se manifestam
através da doutrina, pelo que, em si, não constituem fonte isoladamente. Ademais, em que
sentido os princípios gerais do direito compõe a ordem jurídica positiva? O que são tais
princípios? Como se aplicam? São questões não menos complexa, que também irão requerer
um estudo específico.
Portanto, seguindo uma concepção tradicional de fontes do direito estatal,
poderíamos sugerir sua classificação em 1) fonte principal (a lei), e 2) fontes
complementares (a jurisprudência, a doutrina e os costumes). Desse modo, é possível afirmar
que as normas jurídicas vigentes (o direito positivo estatal) emergem, ao menos em seu
núcleo de significação normativa, da lei, da jurisprudência, da doutrina e dos costumes. Mas o
que é a norma que emerge destas fontes? Que norma é essa que emerge da doutrina, por
exemplo? Toda doutrina é norma? Emerge uma norma de cada uma dessas fontes, por vez?
Pode uma norma emergir de mais de uma fonte ao mesmo tempo? Bem observado, impossível
refletir isoladamente o que sejam “fontes do direito”, sem que se determine o que sejam as
normas jurídicas que delas emergem na condição de direito positivo, ou direito vigente. Em
síntese, não se compreende o que seja fonte do direito sem determinar o que seja norma
jurídica, do mesmo modo que não se compreende o que é norma jurídica sem a definição do
que seja fonte do direito.
Ora, aqui se apresenta, por inteiro, a nossa perspectiva: o pensamento
positivista em gera parte de um conceito de fontes do direito construído na dependência da
idéia de norma jurídica. No entanto, não define o que seja norma jurídica. Salta aos olhos, o
conceito de fonte apresentado carece de uma definição de norma jurídica. Trata-se de algo
mais complexo, como veremos - e porque não dizer, determinante da própria concepção de
fontes do direito. Em outras palavras, se fonte do direito é aquilo do qual emanam normas
jurídicas, é indispensável definirmos o que seja norma jurídica para chegarmos a uma
definição de fonte. Indiscutível, o conceito daquela é um pressuposto desta.
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Por este exato viés é possível criticar Bobbio quando ele afirma que a
“importância do problema das fontes do direito está no fato de que dele depende o
estabelecimento da pertinência das normas, com que lidamos a um determinado
ordenamento jurídico” (N. Bobbio, O Positivismo Jurídico, p. ). Ora, a perspectiva correta
seria exatamente a inversa: sendo norma jurídica aquilo que emana das fontes do direito e
se organiza enquanto um ordenamento jurídico, a importância do tema norma jurídica é
fundamental, por ser pressuposto, para traçarmos o que seja fonte do direito e, por outro
ângulo, ordenamento jurídico. Aliás, mais do que a idéia de que só é possível definirmos o
que seja fonte e ordenamento jurídicos partindo de uma definição de norma jurídica, é
necessário reconhecermos que tais matérias são intrínsecas a própria concepção de norma. A
separação metodológica destes temas é vício que promove graves distorções no pensamento
jurídico positivista, eis que são estudos necessariamente interdependentes.
Destarte, de nada adianta elaboramos uma taxinomia dos ordenamentos
jurídicos segundo o critério da pluralidade e da hierarquia das fontes do direito, se não
definirmos o que seja norma jurídica, eis que uma tal classificação, como a apresentada pelo
autor, implica numa necessária pluralidade de espécies de normas jurídicas, e numa
consequente hierarquia entre elas. Ora, tal perspectiva, por sua vez, pressupõe, mais uma vez,
sem podermos evitar a repetição, uma concepção de norma jurídica. Vejamos um exemplo de
rara simplicidade: se considerarmos como duas fontes distintas do direito a lei e a
jurisprudência, como de fato o são, e se considerarmos ainda que fonte é aquilo da qual
emana norma, tenderemos a pensar na existência de “normas legais” e “normas
jurisprudenciais”, ou seja, em normas distintas e portanto, carentes de uma disposição
hierárquica. A experiência jurídica, entretanto, mostra-nos que a jurisprudência, enquanto
fonte do direito, é via de regra utilizada concomitantemente com a lei, para fixar certos
conteúdos vagos da lei, conjugando-se ambas as fontes para a definição de “uma” norma
jurídica apenas. Vide, por exemplo, a concreção dos tipos penais, quando contêm conceitos
normativos e conceitos indeterminados (“mulher honesta”, “pequeno valor”, “meio cruel”,
etc.). Em outras palavras, nos sistemas de direito legislado, o jurista utiliza-se da lei, em
primeiro lugar. Entretanto, para enfrentar a reconhecida e inafastável plurivocidade da lei,
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recorre às definições extralegais de origem jurisprudencial e doutrinária, tudo para encontrar
uma única definição normativa - uma única norma jurídica - para um único fato jurídico. O
jurista, deste modo, recorre a mais de uma fonte para elaborar uma norma jurídica, que é um
fenômeno complexo. Quebra-se, portanto, a relação “uma fonte utilizada - uma norma”. A
norma jurídica pode ser produto da correlação entre diversas fontes do direito. Desloca-se, por
decorrência, toda a perspectiva da hierarquia entre as fontes, eis que a idéia mais correta seria
a de integração entre as fontes - embora, por óbvio, não no sentido clássico de “colmatação de
lacuna”.
A postura positivista, de um modo geral, por não enfrentar com a devida
maturidade a complexidade do conceito de norma, não explicita o verdadeiro papel da teoria
das fontes do direito em sua própria concepção do jurídico. Aliás, nada de novo se nos
apresenta quando navega sob o espectro da conhecida subdivisão das fontes do direito em
delegantes e delegadas. Trata-se de perspectiva teórica desenvolvida pelo pensamento
jurídico positivista para fundamentar a soberania hierárquica absoluta da lei sobre as demais
fontes nos sistemas de direito legislado. Aliás, historicamente fundamental para a
consolidação do Moderno Estado de Direito - em especial para a massificação da crença do
ideal de liberdade sob o manto da lei e, principalmente, sob o mito da neutralidade estatal - a
suposta garantia dos cidadãos igualados pelo direito de voto. Entretanto, tais mitos são ora
desconectados com a prática judicial, ota epistemicamente insustentáveis, tal como o é o mito
da hierarquia das fontes do direito e o da completude e coerência lógica do ordenamento,
ou mesmo o mito do silogismo judiciário. Bem observando a construção das decisões
judiciais, não se trata propriamente de uma questão de hierarquia da lei em relação às demais
fontes, mas sim de fundamentação das decisões para que alcancem a necessária juridicidade.
Destarte, seria mais adequado enfrentar a classificação das fontes normativas em vinculantes
e persuasivas do que, como faz o positivismo, ao subdividir as fontes em delegantes e
delegadas. Note-se, por ser a lei vinculante, a coerência do ordenamento jurídico-legal,
embora impossível do ponto de vista absoluto, deve ser perseguida a qualquer custo. Já a
coerência entre as diversas normas jurisprudenciais é irrelevante, pois trata-se de fonte
normativa de natureza persuasiva para o aplicador do direito. Portanto, é absolutamente
normal a convivência de conteúdos normativos jurisprudenciais conflitantes.
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Os juristas, carentes de uma concepção madura de norma
jurídica e alienados nesta perspectiva histórica e política da classificação das fontes, tendem a
repetir tal idéia de hegemonia da lei em suas modernas teorias, hierarquizando as diversas
fontes do direito, sem prestarem atenção no fenômeno mais óbvio no dia a dia do direito, qual
seja, o da construção das decisões judiciais. O equívoco, ao nosso ver, reside justo na
ausência de uma concepção de norma jurídica capaz de dar conta do fenômeno mais
importante para o jurista: a concreta da aplicação do direito, ou seja, a concreção do direito.
A DIMENSÃO LEGAL DA NORMA JURÍDICA
É interessante observar que os jurista, em especial os que operam efetivamente
o sistema jurídico estatal, aplicam este sistema de normas jurídicas sem dispor de uma idéia
clara do que sejam tais normas. Em regra, quando buscam pensar uma idéia concreta da norma
jurídica a primeira imagem que lhes ocorre é a lei - ou melhor ainda, um dispositivo legal, tal
como o artigo 121 do Código Penal. Apesar da norma jurídica ser, nos sistemas de direito
legislado, fundamentalmente a lei, por certo esta não exaure o direito vigente. Se assim o
fosse, seria a única fonte reconhecida. O fato de existirem outras fontes do direito, por si, já
indica a vigência, nesses sistemas, de normatividade que emerge de outras fontes que não a
lei. Não obstante isso, ainda quando se considera a lei como fonte exclusiva da normatividade
jurídica, nem assim é razoável identificar-se a norma legal com o dispositivo de lei, tendo em
vista a precisão metodológica que o ato de aplicação do direito requer. Afinal, o que é norma
jurídica dentro de uma lei? Por exemplo: uma lei com 34 artigos é composta por 34 normas
jurídicas? O art. 4° do CCB é “uma” norma jurídica? O artigo 327 do Código Penal, que
define o que é “funcionário público” para efeito de aplicação da lei criminal é uma norma
jurídica? Onde a norma jurídica é devidamente delimitada e enunciada no processo judicial?
A sentença é uma norma jurídica? Em que medida? Qual é a estrutura de uma norma jurídica?
Qual a função que cumpre?
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Ora, tais dúvidas nos remetem à imensa imprecisão metodológica que pauta a
aplicação do direito vigente, resultante de uma deficiente compreensão e elaboração
conceitual da norma jurídica. Por óbvio, a apreensão do direito exige, antes de mais nada, o
domínio de conceitos jurídicos fundamentais, tais como este. Se pretendemos dominar o
próprio ato de “aplicação” do direito, a primeira dificuldade metodológica sobre a qual
devemos nos debruçar, sem dúvida, é justamente a definição do que seja a norma jurídica a
ser “aplicada”. Não se trata de uma tarefa fácil, embora fundamental, do ponto de vista da
qualidade da cidadania dos jurisdicionados, especialmente quando se tem em vista a
delimitação do que seja efetivamente “direito vigente”, bem como dos limites possíveis de
vinculação dos operadores a este direito, ou seja, da vinculação a uma ratio decidendi
determinada na anterioridade das decisões judiciais. Fora daí, incorre-se nos perigos do
irracionalismo jurídico. Por este viés, percebe-se desde já que uma discussão em torno do
conceito de Norma Jurídica tem o condão de trazer a balha os principais temas da
Metodologia Jurídica e, de um modo mais geral, da Teoria do Direito. Vejamos inicialmente o
campo metodológico.
Tomemos duas idéias básicas para a compreensão do que seja a norma jurídica.
A primeira, diz respeito à sua estrutura lógica. A segunda, trata-se de uma definição
funcional, ou seja, que aponta a sua função.
A ESTRUTURA LÓGICA DA NORMA JURÍDICA (definição estrutural)
A norma jurídica possui, em sua estrutura lógica minimal, duas partes: Um
suporte fático hipotético (SFH), que é uma descrição hipotética de um fato, e um preceito (P),
que é a previsão abstrata de uma conseqüência jurídica. Estes dois elementos necessariamente
tem que estar presentes, eis que compõem a estrutura minimal da norma jurídica. Logo,
N=SFH+P.
Fala-se em estrutura minimal porque, quando a norma jurídica contém uma
sanção, esta estrutura é dúplice. Aí, já não é apenas N=SFH+P. Numa norma dotada de
sanção, têm-se a seguinte estrutura dúplice: dado um determinado fato (SFH) deve ser o
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preceito (P); entretanto, dado o descumprimento do preceito devido (não P), deve ser S
(sanção). Diz-se dúplice esta estrutura por conter dois “dever ser”. Utilizando-se da
linguagem adotada por Cóssio, a norma jurídica dotada de sanção é composta por uma
endonorma e uma perinorma. Kelsen falava em uma norma primária e uma norma
secundária. Senão, vejamos:
Ex1): 1 - Dada uma dívida, deve ser o pagamento (endonorma, ou norma primária).
2 - Dado o não pagamento, deve ser a sanção (perinorma, ou norma secundária).
Ex2): 1 - Dada uma vida humana, deve ser não matar (endonorma).
2 - Dado o matar (= não-não matar), deve ser sanção (perinorma).
Assim, a estrutura minimal fica: N=SFH+P (endonorma)
ñ P+S (perinorma)
Todas as normas que contêm sanção têm esta estrutura dúplice, embora uma
parte da estrutura não apareça explicitamente no texto legal (ex: “matar alguém, pena de 6 a
20 anos”).
Para facilitar a exposição, vamos trabalhar com uma norma dotada de estrutura minimal (um
dever ser apenas). Desse modo, para facilitar a exposição, mesmo quando utilizarmos como exemplo normas
dotadas de sanção, iremos desconsiderar a parte implícita, tratando-a como se sua estrutura fosse minimal. Logo,
para que algo seja uma norma jurídica completa, ainda que contenha uma sanção, há que ter, explicitamente ao
menos, uma primeira parte (SFH), que é uma descrição hipotética de um fato, e uma segunda parte (P) que é a
previsão de uma conseqüência jurídica.
Exemplo 1
Vejamos, portanto: Diz o artigo 4º do CC: "A personalidade civil do homem começa do
nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro". Isso é “uma” norma?
Tem um suporte fático hipotético? Sim, o “nascimento com vida” é um fato hipotético, que pode vir a acontecer.
Tem um preceito, ou seja, uma consequência jurídica conectada ao “nascimento com vida”? Sim, o “começo da
personalidade civil”.
Aqui já estaríamos, conforme nossa definição estrutural, diante de uma norma jurídica. Mas, e
o resto do texto? Tem outro suporte fático ali? Sim, a “existência de um nascituro, desde a concepção”. Tem
outra consequência jurídica, ou seja, outro preceito? Sim, a conseqüência será a “proteção ao direito” do
nascituro. Portanto, se é correta nossa definição estrutural de norma jurídica (N=SFH+P), estamos diante de duas
normas em um único dispositivo de lei.
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Exemplo 2
Diz o artigo 327, caput, do Código Penal: “Considera-se funcionário público, para os efeitos
penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”. Trata-
se de uma norma jurídica? É possível identificar no seu texto uma hipótese fática e uma consequência jurídica?
Por óbvio, não é possível. Trata-se de uma mera definição de funcionário público para efeitos de aplicação da lei
penal. Ora, desse modo, correta nossa definição estrutural de norma, o artigo 327 do Código Penal não constitui
norma jurídica.
Esta definição estrutural de norma tem um condão inicial de afastar,
definitivamente, um primeiro equívoco recorrente dos juristas: o conceito de norma jurídica
não se identifica com o de dispositivo legal, de modo que, se uma lei é composta por 25
artigos, dela não se pode afirmar que tenha 25 normas. Ora, se já havíamos observado a
necessidade de desfazer a falsa identidade entre “norma" e “lei", vê-se ainda que é preciso
romper a falsa identidade entre “norma” e “dispositivo legal”, ou seja, “cada dispositivo, uma
norma”.
O CONCEITO FUNCIONAL DE NORMA JURÍDICA
Passemos ao segundo conceito de norma jurídica, de natureza funcional, que irá
contribuir para a correta compreensão do direito enquanto fenômeno normativo. Esta segunda
“ferramenta” podemos deduzir, dentre outros, do princípio da reserva legal. Vejamos este
exemplo: “Não haverá crime nem pena sem lei anterior que o defina" . Ora, sendo o “crime”
um fato jurídico (ato ilícito penal), sendo a “pena” uma consequência jurídica do crime
(correspondendo ao direito subjetivo de punir e ao dever de cumpri-la) e, sendo a “lei” a
norma jurídico-penal, podemos enunciar este princípio com a seguinte formulação, mais
genérica e abrangente: “não haverá fato jurídico, nem consequência jurídica, sem norma
jurídica anterior que o defina”. Logo, o papel da norma é o de dar definição (jurídica) ao
fato jurídico, para que dele se irradie a consequência jurídica.
Eis aí uma ferramenta preciosa: o papel da norma é dar uma definição jurídica
aos fatos. Transformar os fatos em fatos jurídicos. Imprimir-lhes significação jurídica.
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Destarte, a norma de direito imprime significação jurídica aos fatos e faz com que deles se
irradiem conseqüências jurídicas, que são direitos subjetivos e deveres, no sentido largo, e que
situam-se, como vamos ver adiante, no plano da eficácia jurídica. Conseqüência jurídica é
basicamente uma relação de vida regulada pelo direito objetivo (a norma jurídica), onde um
titulariza o direito subjetivo, o outro titulariza o dever. Essa relação nós denominamos relação
jurídica.
Vejamos sob esta perspectiva o problema da fontes normativas do direito, ou
seja na norma e de suas fontes. Diz o artigo 1° do Código Penal: "Não haverá crime, nem
pena, sem lei anterior que o defina". Significa que toda definição jurídica dada a um fato
jurídico penal, só pode ser originária de um texto legal. Pergunta-se: A definição jurídica de
um crime exaure-se no texto da lei penal? Em outras palavras: a lei penal cumpre,
exclusivamente, a função de imprimir definição jurídica (função normativa) aos crimes? Por
óbvio, se radicalizarmos a nossa análise, iremos perceber que, por vezes, o aplicador da lei
penal se vale de outras fontes que não a lei para alcançar definição plena de um crime.
Vejamos alguns exemplos: 1) uma relação sexual forçada cometida pelo marido pode ser definido como crime de
estupro ou não, conforme se adote uma ou outra corrente jurisprudêncial; 2) uma constrangimento, mediante
grave ameaça, para a entrega de um valor em dinheiro, onde a vítima não se intimida, pode ser caracterizada de
tentativa de extorsão ou não caracterizar crime algum, conforme a linha jurisprudencial; 3) um assassinato
cometido com 16 facadas na vítima pode ser definido juridicamente como homicídio simples ou homicídio
qualificado por meio cruel, conforme enquadremos ou não as 16 facadas como meio cruel.
A doutrina e a jurisprudência, em diversas hipóteses, cumprem uma
função normativa complementar, ora delimitanto o alcance de alguns tipos penais, ora
definindo os limites de conceitos semanticamente vagos contidos em tais dispositivos legais,
como, por exemplo, o de “meio cruel”. Pois bem, delimitar o sentido de um conceito vago
semanticamente, visando aplicá-lo a um caso concreto, não significa o mesmo que “exercer
função normativa complementar”, ou seja, participar da definição jurídica dada ao fato? Por
óbvio, do ponto de vista metodológico, levando-se em conta os conceitos estrutural e
funcional de norma, a jurisprudência utilizada pelo penalista está compondo a norma jurídico-
penal, ou seja, definindo o crime juntamente com a lei, a despeito do princípio da reserva
legal. O mesmo ocorre quando o jurista se socorre da doutrina e jurisprudência para delimitar
o âmbito de incidência (o alcance) de um determinado dispositivo legal. Assim, é possível
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afirmar-se que o direito penal se utiliza, como fonte complementar à lei penal, da
jurisprudência e da doutrina. O que a doutrina e a jurisprudência não podem fazer no âmbito
penal em virtude do princípio da reserva legal é inovar, criar juridicidade praeter legem
(atividade integradora, consitente em identificar e colmatar lacunas da lei) ou contra legem
(construção de decisões judiciais que se opõem ao texto legal), ou seja, atuar normativamente
sem a existência de qualquer texto legal, ou então contra ele, como o se faz necessário, e
muito, no âmbito do direito de família, por exemplo.
A jurisprudência e a doutrina, nesta perspectiva, ao complementarem a
definição legal do que seja crime, ou mesmo por delimitarem o âmbito de incidência de um
determinado dispositivo legal, estão cumprindo sua função normativa. Isto é, ser “conteúdo
jurídico-normativo”, ao menos enquanto um fragmento de norma, um parte que a compõe.
Aliás, diz-se que a doutrina e a jurisprudência são fontes do direito não porque delas
emergem normas jurídicas completas e independentes – eis novamente uma falsa concepção
de norma pela qual ela surge inteira e como um dado acabado de uma das fontes do direito.
Na realidade, diz-se que a jurisprudência e a doutrina são fontes complementares em nosso
sistema, justamente porque atuam normativamente, via de regra, em torno de texto legal,
dando-lhe acabamento, melhor delimitação, complementando-o e definindo o seu alcance.
Portanto, não são normas inteiras e acabadas que emergem destas fontes, mas conteúdos
normativos de natureza fragmentária, fragmentos de norma que irão compor, uma vez
conexionados a outros fragmentos normtivos, a norma jurídica dotada de completude lógico-
normativa, ou seja, a totalidade dos conteúdos normativos que imprimem definição jurídica a
um determinado fato social. Em outras palavras, a norma completa pressupõe lógicamente
todos os fragmentos (dispositivos legais, definições e excertos jurisprudenciais e doutrinários,
conteúdos consuetudinários, etc.) que, de uma forma ou de outra, cumprem função normativa
– dar definição jurídica às inúmeras dimensões do fato judicializado.
Ora, do mesmo modo que não emanam normas jurídicas completas da doutrina
e da jurisprudência – apenas fragmentos normativos – há que se afirmar, também, que não há
norma, a rigor, que se exaure na lei. Esta, apesar de fonte principal do direito, depende da
atuação normativa complementar da jurisprudência e da doutrina para a sua adequada
aplicação.
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Bem observado, as leis recém editadas costumam ser de difícil aplicação, eis
que não receberam ainda a adequada lapidação e complementação normativa doutrinária e
jurisprudêncial.
Em outra palavras, o que se pretende afirmar aqui é que a norma jurídica do
direito estatal vigente, em seu núcleo mais significativo, é produto de uma síntese semântica
entre a lei - que constitui o seu núcleo de significação normativa - a jurisprudência e a
doutrina, que lhe são complementares, e, eventualmente, com contribuições dos costumes e
outras valorações ético-sociais.
Como vimos, em regra a definição jurídica de um crime não se exaure no texto legal.
Necessário outras ferramentas complementares que vão ajudar nesse papel de dar definição, de delimitar o fato
jurídico, de desenhar os exatos limites do fato que adquirem significação jurídica, ou seja, que contribuem na
determinação da consequência jurídica. Por exemplo: o penalista vale-se da jurisprudência para definir o que seja
meio cruel, com vista a qualificação de um crime de homicídio. Ora, aqui a função da jurisprudência está sendo a
normativa, eis que, ao emprestar fundamento, completando à operação subsuntiva que enquadra um determinado
fato concreto à regra que qualifica o homicídio pelo meio cruel, a normatividade jurisprudencial está, entre
outras coisas, delimitando não apenas o fato jurídico, como determinando os limites da própria consequência
jurídica, eis que a pena, no caso, será maior. Assim, conforme a delimitação do fato jurídico “crime”, será
possível delimitar a sua conseqüência “pena”. Então, neste exemplo, a jurisprudência tem o condão de interferir
no tempo de aprisionamento do delinqüente. Portanto, cumpre função normativa, ou seja, a de participar da
definição jurídica do fato, a despeito do artigo 1° do Código Penal.
A despeito destas observações, não é possível afirmar-se a inutilidade do princípio da reserva
legal para conter a normatividade criminal nos estreitos limites da legalidade. Antes, tal princípio e de
positivação absolutamente indispensável, e representa a vinculação máxima possível do órgão judicante ao texto
legal. Em direito penal, as fontes complementares são utilizadas exclusivamente para solucionar o problema da
plurivocidade da lei (indeterminação de sentito, ou seja, ocorrência de vários sentidos válidos e possíveis, como
dizia Kelsen em sua teoria pura). Assim, a jurisprudência criminal pode resolver ambiguidade e vagueza
semânticas dos conceitos contidos na lei penal, de modo a delimitar a sua juridicidade; entrentanto, em face do
princípio da reserva legal, jamais poderá inovar em sede normativa, como é possível em outros ramos do direito.
Ou seja, jamais uma norma penal irá emergir exclusivamente de outras fontes do direito, sem que seu núcleo
decorra imediatamente da lei. Este é o verdadeiro alcance do princípio da reserva legal. Por outro lado, é
importante que se tenha em mente: há uma ilusão legalista no princípio da reserva legal, que afirma
implicitamente que um texto legal possa conter todo o direito objetivo, e, deste modo, possa exaurir a definição
jurídica dos fatos. Essa ilusão é séria e traz profundas conseqüências práticas. Vejamos como funciona o
raciocínio normativo do penalista quando opera o sistema jurídico penal.
CARACTERÍSTICAS FUNDAMENTAIS DO DISCURSO NORMATIVO LEGAL:
TEXTO CONCISO E ELÍPTICO
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A primeira idéia que o jurista deve ter em mente, quanto busca identificar o que
seja a norma jurídica através do seu conceito funcional (a norma é composta por tudo aquilo
que cumpre a função de definir o fato jurídico em todas as suas relevâncias), é que cada fato
jurídico é juridicizado por apenas uma norma jurídica: 1 (um) fato jurídico; 1 (uma) norma
jurídica. Este critério é fundamental para mantermos o rigor metodológico. Deste modo,
podemos concluir que a dimensão legal de uma norma jurídica envolve, em regra, vários
dispositivos legais ao mesmo tempo.
A função da norma penal, como vimos, é dar a definição jurídica a um fato
social, constituindo-o como um crime. Ora, ao constituir o fato como crime por força de sua
incidência, a norma jurídica delimita-lhe a juridicidade, ou seja, os aspectos do fato concreto
que possui significação jurídica, valor jurídico. O fato é jurídico em tudo aquilo que está
previsto normativamente, ou seja, tudo aquilo que está descrito no suporte fático hipotético da
norma jurídica. Dentro destes limites normativos, avalia-se juridicamente a conduta em
concreto, com todas as suas relevâncias jurídicas, delimitando assim, por exemplo, a intenção
do agente do fato típico, suas motivações para aquele fato, sua participação no núcleo da ação
criminosa, sua idade, antecedentes criminais, sua relação com a vítima, etc.). Todas estas
relevâncias estão previstas na hipótese fática (SFH) norma jurídica que irá definir os limites
de significação jurídica daquele crime (conteúdo e extensão do fato jurídico).
Têm-se, por exemplo, que num crime de roubo cometido contra um idoso, duplamente
qualificado por uso de arma de fogo e concurso de agentes, um deles adolescente, o outro com menos de 21
anos, o núcleo da parte legal da norma jurídica que irá definir o crime é composta, no mínimo, pelos artigos 157,
§ 2º, incisos I e II, artigo 61, inciso II, alínea “h”, artigo 65, inciso I, todos eles indicando relevâncias que
compõe o suporte fático na norma (SFH), fundamentais para a correta delimitação da consequência jurídica
(conteúdo e extensão da eficácia jurídica, seja, do direito subjetivo de punir e do correspondente dever de
cumprir pena). Diz-se “o núcleo da parte legal” ou então “no mínimo” porque deixamos de indicar outros
dispositivos que irão compor esta norma penal, eis que muito óbvios, como por exemplo o artigo 14, I (crime
consumado), artigo 18, I (doloso, ou não haveria crime), artigo 26 e 27 (imputabilidade penal), etc.
Para compreender que, ao compor uma norma legal, o jurista dispõe de vários
dispositivos de lei, basta lembrar que os textos legais, além de 1)“concisos”, ou seja,
econômicos no uso de palavras, são, sobretudo, 2) “elípticos”. A elipse, como figura de
linguagem, traduz uma “omissão de palavras”, ou seja, caracteriza um enunciado que
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pressupõe outros que estão subentendidos e que lhe são, portanto, implícitos. Desta forma, o
texto elíptico pressupõe o que está subentendido para adquirir seu sentido completo. Ora, em
outras palavras, quando sustentamos que o texto legal é elíptico, somos obrigados a admitir
sua natureza fragmentária. Deste modo, os dispositivos legais constituem apenas fragementos
de norma jurídica, e nunca uma norma completa, ainda que eles contenham em sua estrutura,
um SFH (incompleto) e um P (também incompleto).
O “matar alguém”, por exemplo, do artigo 121 do Código Penal, é uma
evidente elipse, pressupõe uma série de outros enunciados, contidos em outros dispositivos do
código, para adquirir seu sentido completo. Pressupõe, antes de mais nada, a tipicidade
subjetiva (artigo 18) e a imputabilidade do agente (artigos 26 e 27), pressupõe que não tenha
ocorrido qualquer excludente da antijuridicidade (artigos 23, 24 e 25), pressupõe o artigo 14
para definir a sua consumação, e assim por diante, formando uma série de enunciados
subentendidos que, se tentarmos explicitá-los todos, jamais conseguiremos.
Esta característica do enunciado legal sugere a verdadeira atividade do jurista
que o aplica. Deste modo, sendo fragmentários os enunciados legais, a obra do jurista é
compô-los como forma de elaboração da norma jurídica para um determinado caso concreto.
É importante assinalar, por último, que o pensamento jurídico nunca atua de
forma abstrata, eis que só ó possível pensarmos uma norma jurídica partindo do fato concreto.
O pensamento jurídico parte do fato para a norma, e não o contrário, como tendemos supor.
Tentemos elaborar uma norma jurídica completa, que regule genericamente o homicídio, para
percebermos a dificuldade de lidarmos abstratamente com a norma jurídica.
RELAÇÕES TRANSFORMACIONAIS ENTRE FRAGMENTOS NORMATIVOS
NORMATIVOS – um modelo de racionalidadenormativa
Prova que o artigo 121 do Código Penal não constitui uma norma jurídica
completa reside no fato de que são inúmeros os fatos que se subsumem a ele e que não fazem
irradiar a consequência jurídica nele prevista. Por exemplo, uma cobra que morde o pé do
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lavrador não cumpre pena, embora tenha “matado alguém”. Do mesmo modo, o infante que
brinca com a arma de fogo do pai incauto, matando o irmão sem querer. Ou mesmo o louco
que comete homicídio, ou então o que mata para não morrer, em atitude de defesa. Todas
estas hipóteses, além de outras tantas, são exemplos de “matar alguém”, subsumindo-se, por
si só, ao artigo 121, sem que no entanto apliquem as consequências jurídicas ali previstas. É
que o artigo 121, isoladamente, não constitui uma norma jurídica. A proposição normativa
completa não pode admitir exceção, sob pena de comprometer o rigor necessário à aplicação
do direito.
Busquemos, portanto, a norma jurídica completa que regula o homicídio. Como
se viu, ela é produto de “correlações” entre inúmeros dispositivos legais, à qual daremos o
nome de relações transformacionais, o seja, um procedimento complexo que o pensamento
jurídico opera com tais dispositivos, visando construir a norma jurídica completa.
A relação transformacional de enunciados (framentos) normativos consiste,
basicamente, em “transformar” dois enuciados normativos um único apenas, mas que
contenha a normatividade de ambos. Assim, por exemplo, o pensamento jurídico opera a
relação transformacional entre o enunciado “Somente ser humano é sujeito do direito penal” e
o enuciado “matar alguém, pena 6 a 20 anos”, resultando num enunciado que contém os dois
primeiros: “Ser humano, matar alguém, pena 6 a 20 anos”. De posse deste último, busca-se
um novo enunciado para relacionar-se transformacionalmente com ele, construindo, assim,
sucessivamente, passo a passo, a norma jurídica.
Bem observado, a proposição normativa resultante da relação transformacional acima operada
afasta a hipótese da cobra que mata o lavrador, mas não afasta as demais. Toma-se, portanto, este enunciado, o
relaciona-se com o enunciado contido no artigo 27, pelo qual “os menores de 18 (dezoito) anos são
inimputáveis”. Resultado desta relação transformacional: “Ser humano, maior de dezoito anos, matar alguém,
pena 6 a 20 anos”. Fica afastada a hipótese do infante que mata o irmão, mas não a do louco. Procede-se nova
relação transformacional, desta feita com o artigo 26, resultando que “Ser humano, maior de 18, com
desenvolvimento mental completo, inteiramente capaz de compreender o caráter ilícito do fato e de determinar-
se de acordo com esse entendimento, matar alguém, pena 6 a vinte anos”. Resta ainda, no exemplo dado, a
exceção do sujeito que mata em legítima defesa, pelo que podemos concluir que ainda não estamos diante da
norma jurídica completa. O próximo passo em direção a ela, é relacionar o enunciado normativo resultante com
o artigo 23 do CP, resultanto que “Ser humano, maior de 18, com desenvolvimento mental completo,
inteiramente capaz de compreender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse
entendimento, matar alguém, desde que não em legítima defesa, pena 6 a vinte anos”.
16
Deste modo, ainda que se afastem as excessões apontada, é possível encontrar
inúmeras outras excessões subsumíveis a este enunciado, onde também não se aplica a
consequência jurídica nele contida. Portanto, a norma não está ainda completa. Aliás, por mais
que tentemos, ela jamais se completará. Há um erro irrecuperável nesta estratégia: o
pensamento jurídico nunca opera abstratamente. Somente é possível alcançarmos uma norma
jurídica completa se raciocinarmos a partir de um fato concreto. O caminho do pensamento
jurídico que opera o sistema judicial parte sempre do fato concreto, sub judice, para a norma
jurídica, que se concretiza como norma completa na sentença judicial transitada em julgado.
Pelo exposto depreende-se que a norma jurídica está fragmentada em diversas
proposições espalhados pelo Código, na sua dimensão legal (As três dimensões de norma, que
se pode encontrar mais comumente em uma sentença são as dimensões legal, jurisprudência e
doutrinária). A dimensão legal encontra-se esparsa na Lei, fragmentada, já que a lei tem uma
estrutura elíptica e é preciso remontá-la para que se possa percebê-la em sua totalidade, para o
caso concreto. Em sua integralidade possível, aproximada.
Duas, portanto, são as características fundamentais do texto legal: a concisão
de linguagem e o fato de serem elípticos. São técnicas ínsitas ao domínio da elaboração
legislativa. Se não observássemos tais técnicas, as leis seriam imensas. Imaginem o código
penal, por exemplo, se repetisse a cada tipo da parte especial todas as relevâncias contidas na
parte geral, pelo que cada artigo teria um texto absurdamente gigante e repetitivo. Quando se
diz “matar alguém”, em verdade se está implicitando uma série de conteúdos normativos
contidos na parte geral, que ali definem o crime culposo, doloso, as excludentes de ilicitude,
etc., que não precisam estar reproduzidas no artigo 121, na parte especial.
Outras características do texto legal tornam complexa a sua aplicação. Deste
modo, têm-se que, apesar de conciso e elíptico, o texto legal não consegue deixar de ser
plurívoco, ou seja, ter várias possibilidades de sentido, tal como Kelsen reconhece no último
capítulo de sua Teoria Pura, admitindo interpretações diversas, ora bastante díspares, e até
mesmo contraditórias.
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NORMA E VALOR: O CARÁTER CONSUETUDINÁRIO DAS FONTES
COMPLEMENTARES DO DIREITO (COSTUMES, JURISPRUDÊNCIA E DOUTRINA)
Salvo a lei, todas as demais fontes têm uma origem consuetudinária:
gestam-se paulatinamente, ou seja, pela repetição de conduta. O costume, por exemplo, é
conduta social repetida, ou melhor, é norma que emerge da repetição de conduta social. Mas
não é só o costume que tem origem consuetudinária. Quais são as fontes complementares do
direito? A lei é a principal fonte do nosso sistema. É a fonte por excecência.
Complementarmente a ela vêm a 1) jurisprudência, 2) a doutrina e o 3) costume. Já no campo
do direito penal, tais fontes complementares são utilizadas com muitas restrições,
fudamentalmente em razão do princípio da reserva legal. Alguns autores, inclusive, não
reconhecem tais fontes no direito penal. Em outros ramos do direito elas complementam o
caráter normativo da lei, ora explicitando-a, ora até mesmo criando normatividade contra a
própria lei. Apesar do mito de que não existe jurisdição“contra legem”, o fato é que os
sistemas judiciais modernos, adotando fonte complementares, por vezes decidem contra a
ratio legis. No entanto, a excepcionalidade de tal fato afirma a regra segundo a qual se deve
jurisdicionar sempre secundum legem e, não sendo possível isto, deve-se identificar a lacuna e
criar a solução judicial praeter legem, que é atividade integradora (colmatação de lacuna).
Num processo judicial, no contraditório que ali se agita, argumenta-se
com a lei, com a doutrina, com a jurisprudência. São os principais fontes do direito no mundo
moderno. O costume que já foi o principal, hoje é o mais frágil. Eventualmente, consegue-se
arrancar uma argumento de ordem consuetudinária. Mas, o costume é de origem
consuetudinária, ele é uma norma que emerge da repetição de condutas.
O que orienta a conduta de cada pessoa humana, isoladamente
considerada? O homem, do ponto de vista de sua subjetividade, é uma personalidade, é
alguém que se conduz com um certo perfil, é uma inteligência: um sistema de conceber as
coisas da vida e de valorá-las. Uma capacidade intelectual de perceber as coisas e
capacidade anímica de valorá-las. O valor é que orienta a conduta individalmente falando. Por
18
isso é muito mais normativo, do ponto de vista social, a moral e a religião do que o direito. A
maior parte das repressões que impedem atitudes antisociais não são do âmbito juridico-
normativo: são do âmbito religioso e moral.
Valor e norma, no fundo, são dois lados de uma mesma moeda. Ou
seja, se A tem uma valor e um determinado grupo comunga um valor contrário, A é
considerado diferente. Mas, se o seu valor começa a ser comungado por todos, esse valor se
transforma em norma para aquele grupo. Mas valor não é uma coisa subjetiva e norma não é
uma coisa objetiva? Aonde está a resposta para este paradoxo?
Valor é subjetivo, por óbvio. No entanto, quando nós comungamos o
mesmo valor, para efeito desse grupo esse valor torna-se objetivo, ou seja, torna-se uma
norma de conduta. Assim, norma é uma valoração objetivada pelo critério da comunhão
paulatina do valor.
Não só a fonte costume tem origem consuetudinária, ou seja,
construindo um valor que vai tomando conta e vai se objetivando pela repetição de condutas.
Isso também está na jurisprudência. E a conduta que a jurisprudência faz repetir para se
constituir enquanto norma (enquanto valoração objetivada) é a conduta decisória dos juízes.
Jurisprudência é uma norma jurídica que emerge da repetição de condutas decisórias dos
juízes, cometida nas decisões judiciais (jurisdição).
Por outro lado, a sentença, como um todo, não caracteriza apenas uma
conduta decisória. Portanto, o que gera jurisprudência - a repetição de conduta decisória -
não se confunde com “repetição de sentença judicial” porque cada sentença judicial tem
vários conteúdos decisórios. Deste modo, as sentenças judiciais podem ser díspares mas, sob
determinado aspecto elas comungam o mesmo conteúdo decisório e, neste específico aspecto
normativo, formam jurisprudência.
Isto é jurisprudência e ela traduz, também, esse fenômeno da
valoração objetivada, um valor contido em conteúdos decisórios de sentenças judiciais e que
vai sendo paulatinamente comungado entre os juízes de direito. Em regra a jurisprudência
surge complementarmente à lei justamente nesses conceitos contidos na lei típicos de uma
linguagem natural, que são conceitos valorativos e os conceitos indeterminados (que iremos
19
estudar adiante no curso), isto é, certas palavras de uso comum, utilizadas pelo legislador, e
que carecem de um juízo de valor complementar para sua concreção, ou seja, para a sua
aplicação à uma realidade concreta que ela designa genéricamente. A concreção do conceito
de mulher honesta é dizer: Fulana de Tal é honesta. Aplicou-se um conceito a uma realidade
concreta “Fulana de Tal”.
Da mesma forma a doutrina. Quando se diz que doutrina é fonte do
direito não se quer dizer com isto que qualquer coisa escrita sobre direito é doutrina no
sentido de fonte jurídica, no sentido de ser todo e qualquer texto doutrinário dotado de um
conteúdo normativo vigente (norma). Como a doutrina pode constituir norma jurídica? Ora,
quando se tem uma opinião teórica devidamente fundamentada sob determinados textos legais
isolados, ou institutos jurídicos inteiros, pelo que tal opinião doutrinária fundamentada, ao
comentar o texto legal explicitando o seu sentido, atua complementando a legislação,
definindo alguma coisa que está indefinida no texto legal, lapidando o texto legal. Portanto,
em regra, faz o mesmo papel da jurisprudência. Às vezes a jurisprudência antecede a doutrina;
às vezes ela é posterior à jurisprudência e a comenta. Mas, a doutrina só se transforma em
norma também por um viés consuetudinário: a repetição de opinião de doutores,
devidamente fundamentadas, doutas opiniões que os romanos chamavam há 2.000 anos de
“comunis opinium doctorum”. É apenas nesse sentido que a doutrina pode ser considera fonte
do direito, ou seja, pode interferir normativamente na construção das decisões judiciais, e
sempre a partir da Lei, complementando-a, lapidando o seu sentido. Portanto, contribui para
dar um sentido mais unívoco à lei. A lei, assim, toma uma função nuclear no nosso sistema:
somos um Sistema de Direito Legislado. No entanto, as outras fontes (jurisprudência,
doutrina e constume) também operam normativamente.
Portanto, sendo a norma jurídica este fenômeno complexo em que
interferem em sua elaboração diversas fontes concomitantemente, têm-se por fundamental
desenvolver uma teoria da norma jurídica. Somente assim poderemos determinar, com maior
clareza, os limites do fato jurídico e, como decorrência, os limites das consequências jurídicas
que advém desses fatos, e devem ser jurisdicionadas nos processsos judiciais. Como se chega
a uma definição jurídica de um determinado fato, como se extrai da prova colhida o que é
jurídicamente relevante, como se articulam essas relevâncias jurídicas a respeito de se limitar
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o conteúdo e a extensão da consequência jurídica? Este é o papel do operador do Direito. O
domínio de sua atividade, por óbvio, depende destas respostas. Vejamos o que seja o fato
jurídico, e como se organiza a sua fenomenologia segundo a melhor doutrina tradicional, que
é a de Pontes de Miranda, reescrita por Marcos Bernardes de Mello no seu texto “Teoria do
Fato Jurídico: plano da existência”. Somente no interior de uma Teoria do Fato Jurídico, é
que poderemos estudar as especificidades da norma de direito privado.
Antes, porém, recapitulemos os conceitos de existência, validade e eficácia da
lei, para não confundí-los com a existência, validade e eficácia do fato jurídico, que
estudaremos a seguir.
EXISTÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA DA LEI
1. A existência da lei
Quando a lei começa a tomar existência? A discussão é acadêmica e
gera um tipo de problema que não tem um sentido prático. De duas, uma: 1) quando ela é
promulgada ou 2) quando ela é publicada. É num desses 2 momentos que a lei passa a ter
existência. Ao nosso modo de ver, o debate no qual se tenta fixar num ou noutro ponto o
marco inicial da existência da lei nada mais é do que uma discussão meramente acadêmica –
não tem nenhum sentido prático. Optamos aleatóriamente pelo publicação.
Ora, se existência da lei começa com a publicação, ela não se confunde com a vigência. A lei
começa a ter vigência quando ela está apta a produzir seus efeitos, regular a cunduta humana,
enfim, ser efetivamente aplicada. Portanto, para a lei, viger é algo mais do que
simplestemente existir. Deste modo, existência é o atributo da lei durante o período de
vacatio legis, ou então entre a publicação e o termo inicial e vigência. Quando ela passa a ter
vigência começa a produzir eficácia, ou seja, paasa a incidir sobre os fatos da vida previstos
hipoteticamente em seu suporte fático, transformando-os em fatos jurídicos.
21
Note-se, por último, existência e vigência da lei não se confundem com
a sua validade. Uma lei pode existir, viger e ser inválida. Mas o que vem a ser a validade da
lei? Vejamos este novo tema.
A Validade da Lei
O conceito de validade da lei parece nos conduzir a uma discussão no
âmbito material da lei. Ora, o conteúdo material da lei não pode estar em conflito como o
conteúdo de outras leis sob pena de ferir a sistematicidade do direito, a coerência lógica
interna do ordenamento jurídico, o seu respeito ao princípio aristotélico da não-contradição.
Significa que duas leis não podem regular uma mesma conduta de modo diverso. Se ocorre
uma contradição desta natureza, solucionamos com as regras de solução de conflitos de
normas: 1) se o conflito se dá entre leis hierarquicamente distintas, vale a lei hierarquicamente
superior, que revoga a hierarquicamente inferior; 2), se o conflito se dá com uma lei de
mesmo grau hierárquico, a lei mais nova é a válida, revogando a lei anterior do mesmo grau
hierárquico.
Mas, note-se: se for publicada uma lei cujo conteúdo material está em
conflito com outra lei hierarquicamente superior, ela passará a ter existência e, na data
prevista, passará também a viger. Mais do que isto, ela ingressará no ordenamento jurídico
dotada de presunção de validade, porque ela é produto de um ato legislativo, que é ato do
poder público.
O poder público só tem três tipos de atos: 1) ato judicial, 2) ato legislativo e 3) ato administrativo.
Não há um quarto gênero. Sempre que nós quisermos analisar a natureza de um ato estatal, é
necessário que o enquadremos em uma destas três espécies.
Ora, em favor de todo e qualquer ato do poder público milita presunção
de validade. Esta é uma solução procedimental que a ordem jurídica adota pois, senão,
restaria indeterminado em que momento e sob que fundamentos uma determinada lei se torna
inválida. A invalidade de uma lei não é algo que se demonstre in re ipsa. Se do ponto de vista
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da Teoria Jurídica, uma lei em conflito com outra hierarquicamente superior não tem validade,
na prática não é bem assim. Quando o poder público comete o ato legislativo, elaborando uma
lei, ela passa a ter existência, presumindo-se a sua validade, ainda que ela esteja em conflito
material com uma norma hierarquicamente superior. Se houver dúvidas sobre sua validade, ou
seja, sobre sua coerência com a ordem jurídica vigente, então ela passa pelo crivo do sistema
de controle de constitucionalidade. Deste modo, a lei pode ser objeto de uma declaração
incidental de inconstitucionalidade, que afastará sua validade para um determinado fato sub
judice, ou então ser declarada inconstitucional através do controle direto, onde passará a não
ter mais validade como regra geral. A partir daí, vamos adotar soluções problemáticas para
tratar os efeitos que porventura ela tenha produzido até então. Isto porque, em virtude de ter
sido presumida válida antes do controle de constitucionalidade declarar sua invalidade, ela
incidiu e produziu eficácia legal em diversos casos pretéritos. Mas, esta é uma questão de
difícil equacionamento prático e teórico, desdobrando-se em temas como o direito
intertemporal, complexo por natureza. Aqui conhecemos o fenômeno apenas do ponto de vista
do nosso interesse, qual seja, no âmbito uma discussão metodológica mais geral.
A eficácia legal
A lei produz seus efeitos quando, iniciada a vigência e, ocorrendo
efetivamente no mundo os fatos que ela preve hipoteticamente, passa a incidir, transformando-
os em fatos jurídicos. Destarte, a eficácia legal e composta pela incidência e pela juridicização
dos fatos.
Questiona-se: uma lei pode existir e nunca viger? Sim, é o ocorre
quando a lei promulgada e publicada, é revogada durante o período de vacatio legis, por
exemplo. Ela existiu, mais foi revogada antes de iniciar a sua vigência. Foi o que ocorreu na
segunda metade deste século, com a parte geral do Código Penal. Outra questão: A lei pode
existir, viger e nunca ser eficaz, ou seja não produzir eficácia legal? Sim, basta que durante o
período de vigência não ocorra no mundo o fato nela previsto hipotéticamente. É raro, mas
teoricamente pode acontecer, desde que a lei também regule um fato incomum, sendo
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revogada antes que tal fato ocorra no mundo. Deste modo, percebe-se a necessidade lógica da
separação destas três caracteristicas da lei.
O FATO JURÍDICO
A DOUTRINA DE PONTES DE MIRANDA
A norma, como vimos, é composta por uma descrição hipotética de um fato
(SFH) ao qual conexionamos uma consequência jurídica (P). Representamos esta estrutura da
seguinte forma: N=SFH+P, onde SFH é suporte fático hipotético e P é o preceito). Duas
maneiras de visualizarmos o fenômeno normativo jurídico:
1ª) ocorrendo SFH, deve ser P
ou melhor,
2ª) dado SFH como condição, deve ser P como imputação.
Esta Segunda proposição é mais precisa, do ponto de vista metodológico, eis que explicita a
categoria da imputação, pela qual conhecemos o mundo do dever ser - o que a categoria da causalidade cumpre
para o conhecimento do mundo do ser (dado tal fato como causa será aquele outro como consequência).
Ora, segundo a doutrina positivista tradicional - o positivismo factual de Pontes
de Miranda, que tanto influenciou nossa cultura e formação jurídica - quando o fato descrito
hipotéticamente na norma (SFH, que é suporte fático hipotético) ocorre no mundo concreto
dos fatos (SFC é suporte fático concreto, ou seja, é o fato do mundo que corresponde ao SFH;
portanto, é fato concreto que se enquadra na previsão normativa abstrata), a norma incide,
deslocando o fato concreto para o mundo jurídico, que é o mundo dos fatos jurídicos, ou seja,
fatos sociais juridicizados pela incidência de normas jurídicas. Deste modo, o mundo jurídico
pode ser pensado como um subconjunto do mundo dos fatos.
24
Uma vez juridicizado, o fato se transforma em fato jurídico (v.g., um contrato,
um casamento, um crime, um ato administrativo, etc., que são fatos complexos do mundo,
previstos em normas). Do fato jurídico é que se irradia a eficácia jurídica, qual seja, o
conjunto de efeitos (consequência juídica) previstos no preceito da norma jurídica. Tais
efeitos se traduzem, basicamente, numa relação de direito, onde alguém titulariza um direito
subjetivo em desfavor de outrem que titulariza um dever.
Ora, quando a norma incide sobre o fato nela previsto, juridiciza-o, pelo que o
fato jurídico ingressa no plano da existência. A relação de direito e dever que dele se irradia
constitui o plano da eficácia jurídica. Alguns fatos jurídicos (nem todos) passam ainda pelo
plano da validade - conforme veremos no momento adequedo.
Por último, é de se observar que o direito subjetivo, enquanto categoria
eficacial (ou seja, enquanto eficácia do fato jurídico), traduz-se num poder subjetivo cujo
núcleo, segundo a doutrina tradicional, é a exigibilidade, que é a faculdade de exigir de
outrem uma conduta. A esta exigibilidade os alemães deram o nome de anspruch (BGB, art.,
expressão traduzida para a lingua portuguesa como pretensão.
Eis uma visualização gráfica deste modelo de juridicização:
25
A incidência legal, que é o pressuposto da existência do fato jurídico, segundo
este modelo, dá-se num plano puramente lógico do direito. Diz-se plano lógico pois este
restringe-se ao mundo das idéias, do raciocínio jurídico, sem implicar necessariamente na
dimensão sociológica do direito, onde ele interfere efetivamente no mundo real. Por
exemplo: em um acidente de trânsito, a norma que regula a indenização por danos incide
lógicamente no momento do acidente, fazendo-o ingressar no mundo do direito na condição
de fato jurídico (fato com relevância para o direito, ou seja, com um “valor” jurídico
imprimido pela norma que incidiu). Trata-se, mais especificamente de um ato ilícito
absoluto, que é espécie de fato jurídico. Deste ato ilícito irá irradiar-se uma relação de
direito, na qual um dos acidentados titularizará um direito subjetivo (pretensão indenizatória,
que é crédito), e outro titularizará um dever (responsabilidade civil aquiliana, que é espécie de
obrigação).
É problemático dizer que a norma é um dado objetivo, um direito objetivo. Sempre a sua
determinação implica em interferência do operador jurídico, especualmente o juiz, em virtude do necessidade de
sua interpretação, bem como do caráter plurívoco do texto legal, isto é, pelo fato de ele possuir vários sentidos
possíveis e válidos. Se a determinação de um desses sentidos implica num ato de escolha do operador, que é ato
de vontade, então já não poderemos sustentar o caráter puramente abstrato do plano lógico do direito, eis que a
intervenção do operador através do ato hermenêutico é uma dimensão fática, é plano sociológico. Então, nisso
esse modelo falha. Mas é uma “microdimensão” que a gente pode abstrair e esse modelo pode permaneçer
válido, ou melhor, instrumental da prática judicial, como modelo de racionalidade para o operador do direito.
26
Ainda que se saiba, com a reflexão metológica moderna, que o fenômento é um pouco mais complexo, esse
modelo de racionalidade organiza, de uma maneira global, o pensamento jurídico que se exerce dentro de um
processo judicial, conforme estamos tentando demonstrar.
Ora, segundo o modelo positivista factual que estamos estudando, todo este
“fenômeno jurídico” acima descrito não se dá no mundo concreto, mas apenas no mundo das
idéias e do raciocínio jurídico. Portanto, chama-se a esta fenomenologia de plano lógico do
direito.
Isto significa que toda a discussão inicial que se desenvolve no processo de conhecimento -
ou seja, a determinação da existência, do conteúdo e da extensão do direito subjetivo deduzido no pedido, e que,
segundo as razões expendidas pelo autor, se irradia de um determinado fato social (quaestio factis) em razão da
incidência de uma determinada norma jurídica (quaestio iuris) - é mera atividade de cognição, atividade técnica
desenvolvida por técnicos em direito: os juristas. Deste modo, fica oculta eventual dimensão política jurislativa
(atividade criadora de direito) no ato jurisdicional. Por outro lado, este modelo deve ser explorado a luz de
sua projeção processual, ou seja, amarrando suas principais categorias na teoria geral do processo, eis
que ele só encontra utilidade “prática” se organizar o nosso pensamento “prático”, que é pensamento
que opera o sistema judicial. Tal operação, como sabemos, se dá atraves do processo judicial. Fora
desta perspectiva, segundo nos parece, as teorias jurídicas tendem a um diletantismo academicista.
A dimensão sociológica do direito, por sua vez constitui-se no ato de
aplicação do direito, que nada mais é do que a realização no plano fático da dimensão lógica
do direito. Existem duas formas de aplicar o direito:
1. APLICAÇÃO ESPONTÂNEA : X indeniza Y pela batida. Y exerceu seu direito
subjetivo, sua sua pretensão indenizatória, eis que X cumpriu sua obrigação de
indenizar espontaneamente. Não se precisou ir até o Estado e pedir tutela. Assim, a
maior parte dos atos de aplicação do direito são atos espontâneos. Não há necessidade
dos operadores do Direito. Ademais, bem observado, na maior parte das aplicações
espontâneas dos direitos o que se faz é composição. Não há resitência. Há acordos.
2. APLICAÇÃO COATIVA: há resistência ao exercício do direito, surgindo um
conflito entre as partes, decorrente de um direito exercido e resistido pelo devedor.
27
Neste caso, judicializa-se o conflito e o Estado presta tutela ao direito através de atos
jurisdicionais.
Não se deve confundir, entretanto, a fenomenologia da juridicização,
que corresponde ao plano lógico da eficácia legal, com o fenômeno da aplicação do direito,
que se da espontâneamente ou por atos de violência estatal (medidas constritivas da liberdade
e do patrimônio, em regra). A aplicação do direito corresponde ao plano sociológico, onde se
encontra o conceito de efetividade da lei, também designado por eficácia social da lei, que
diz respeito a sua efetiva aplicação – ou não - pelos órgão públicos responsáveis pela tutela
jurídico-estatal. Portanto, uma lei pode produzir eficácia legal (fato jurídico) sem contudo ter
a sua aplicação garantida pelo Estado. Assim, embora existente, válida e eficaz do ponto de
vista lógico - reunindo assim todas as características indispensáveis à transformação lógico-
normativa dos fatos nela previstos em fatos jurídicos - a lei não é eficaz do ponto de vista
social, eis que sua aplicação concreta não é efetivada pelo poder público.
Vejamos mais de perto o específico fenômeno do surgimento do
direito subjetivo e sua discussão lógico-normativa no plano processual. Retomemos para isto
o exemplo do acidente de trânsito.
X bateu no automóvel de Y por sua exclusiva culpa, causando danos.
No momento em que o automóvel de X amassa a traseira do automóvel de Y, está causando
danos ao patrimônio deste. Quando parou de amassar está definido o dano. Ali imediatamente
- e isso do ponto de vista lógico, isto é, do pensamento jurídico - incide uma norma . Qual o
núcleo dessa norma? Art. 159 do CCB. Ao incidir, a norma transforma este acidente, naquilo
em que ele se traduz em causação de dano, num específico fato jurídico: o ato ilícito absoluto.
Deste fato jurídico irradiam-se direito subjetivo e dever, conforme vimos acima. Mas tal
incidência legal e tal irradiação de efeitos jurídicos ocorre apenas do ponto de vista lógico, e
não sociológico. A incidência da norma não tem existência fática. Dá-se apenas no mundo das
idéias. Sociológico no fenomeno jurídico é o ato de aplicação do direito subjetivo que dali
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decorre. X compromete-se a pagar, ou seja acena com a aplicação espontânea do direito, eis
que se ele pagar espontâneamente, está realizado o direito subjetivo no mundo dos fatos sem
qualquer demanda judicial. No outro dia, no entanto, Y lhe telefona e quem atende é o
advogado de X. O advogado diz que seu cliente lhe havia dito que Y é que bateu no seu
carro, eu que havia culpa recíproca, por exemplo. Surge o conflito, ou seja, ao tentar exercer
seu direito espontâneamente, X encontrou resistência por parte de Y. Trata-se, portanto, de um
conflito de interesses qualificado por um direito subjetivo exercido e resistido. Para resolver
tais conflitos existem os advogados, promotores e juízes. È o Estado que irá prestar jurisdição,
cumprindo seu papel de tutelar os direitos subjetivos quando violados, por exemplo, já que ele
monopolizou para si os atos de tutela de tais direitos. Esta tutela dá-se através de um processo
judicial, onde X deduz em juízo o seu direito subjetivo, pedido que o Estado garanta o
cumprimento da obrigação correspondente. Que direito subjetivo seria este? Um direito
subjetivo de crédito. Ou melhor, uma pretensão creditícia. Deduziu a pretensão, que é a
faculdade de exigir de outrem uma conduta, um pagamento. A pretensão é um elemento
nuclear do direito subjetivo, qual seja, é a exigibilidade do direito subjetivo. Deduziu em
juízo a sua pretensão: isto se chama pedido, cuja causa de pedir é o fato jurídico, porque,
conforme vimos, o fato jurídico é a causa do direito subjetivo. O direito subjetivo é o efeito da
causa de pedir, é o efeito do fato jurídico. Por fim, temos ainda as causas próxima e remota,
ou seja, o fato e a norma, ou, em outras palavras, a questão de fato (quaestio factis) e
questão de direito (quaestio iuris).
Se este modelo apresentado acima realmente reflete o fenômeno jurídico ele é
um modelo de racionalidade que organiza o nosso pensamento, tendo em vista o melhor
exercício de nossa atividade jurídica profissional, atividade esta que se desenvolve no interior
de um processo judicial. Resta sabermos até que ponto um modelo teórico pode dar conta, de
modo coerente, do que acontece realmente no interior do processo judicial. Como poderá
imprimir sistematicidade à nossa racionalidade, coerência ao nosso raciocínio, precisão
metodológica a nossa atuaão judicial, organizando o nosso pensamento jurídico concreto, este
que atua judicialmente elaborando peças, argumentos e decisões de natureza judicial. É a
questão que nos interessa imediatamente neste curso de teoria geral de direito privado.
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Qualquer peça processual vai seguir esta lógica apresentada pelo nosso modelo:
a denúncia, o parecer, as alegações finais, uma sentença judicial, uma petição, umas contra-
razões, etc.. Vejamos um exemplo criminal:
Quando X bateu em Y havia uma criança C dentro do carro que se machucou,
pelo que X produziu lesões leves em C, conduta típica prevista art. 129 c/c artigo 14 do CP,
nuclearmente falando, eis que incidem outros dispositivos da lei penal.. Esta norma penal
incide sobre esta base fática, o acidente de trânsito, extraindo outras relevâncias jurídicas
(relevâncias criminais) que o artigo 159 do CCB não extraiu. Note-se: sob a mesma base
fática geral – o acidente de trânsito com vítima – incidiram pelo menos duas normas jurídicas:
1º) uma de direito criminal, gestando o fato jurídico crime, que é ato ilícito penal, do qual se
irradia ius puniendi, que é direito subetivo público de punir, titularizado pelo Estado, dotado
de uma pretensão punitiva correspondente a um dever de cumprir pena por parte do agente
da conduta delituosa; 2) uma de direito privado, gestando, como já vimos, um ato ilícito
civil, que é outro fato jurídico.
Portanto, no que tange ao fato jurídico criminal, ou seja o crime, para
finalizar a nossa abordagem, o Estado titulariza um direito subjetivo que dele se irradia como
eficácia jurídica. Tal “ius puniendi”, como vimos, é dotado de uma pretensão punitiva
exercível contra um “dever” genérico de cumprir pena. Essa é a relação jurídica penal. Qual
é a exigibilidade deste direito subjetivo público de punir? É uma pretensão punitiva. Ora,
agora é possível entender o pedido em sede de ação penal. Segundo a teoria do processo,
pedido é pretensão deduzida em juízo. Então qual é o pedido articulado em uma denúncia?
É pretensão punitiva deduzida em juízo, o que caracteriza um pedido condenatório, pois as
pretensões, em regra, se tutelam com atividade jurisdicional de natureza condenatória,
exercida ao final da cognição, que é atividade cognitiva desenvolvida durante a instrução
processual. Quem titulariza esse direito? O Estado. Quem representa processualmente o
Estado? O Ministério Público.
Deste modo, o modelo apresentado demonstra potencial para organizar e
instrumentalizar a atividade judicante também no âmbito criminal.
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Outro aspecto importante: O fato geral utilizado como exemplo é um só. Mas
do qual se getaram dois fato jurídicos distintos, dos quais se irradiam dois direitos subjetivos
distintos que serão tutelados por duas ações distintas. Ademais, sendo um fato de direito
privado e outro de direito criminal, não há como cumular pedidos, nem suas correspondentes
ações. Tais ações vão ter que ser tuteladas em processos distintos: um cível; outro criminal.
No entanto, se houvesse, por exemplo, outro fato criminal, como na hipótese de
X, o nosso causador do acidente com vítima, não possuir habilitação para dirigir, incidiria
sobre a mesma base fática geral uma terceira norma, esta última de direito criminal, contida na
parte criminal do Código de Trânsito, gerando um novo ato ilícito penal, com nova eficácia
jurídica, ou seja, novo direito subjetivo público de punir por parte do Estado, ao qual
corresponderia um novo pedido condenatório, uma nova ação penal. Nesta hipótese porém,
esta ação penal poderia vir cumulada com as lesões corporais, eis que de mesma natureza,
pelo que podem ser exercidas no mesmo processo, pelo mesmo titular que é o Estado, através
do mesmo representante processual que é o MP, que iria cumular um duplo pedido
condenatório na mesms denúncia, onde narraria em seu corpo dois fatos jurídicos, que são as
duas causas de pedir, uma de cada pedido.
Ora, parece que o nosso modelo dá conta de organizar as principais
questões que nos interessam para operar o direito dentro de um processo judicial. Trata-se,
portanto, de uma teoria que organiza a nossa prática e é isto que efetivamente interessa num
saber prático tal como o saber jurídico. Teorias Jurídicas sem qualquer projeção na prática
judicial é mero diletantismo acadêmico. Por outro lado, prática judicial sem articulação
teorética, via de regra, é atuação medíocre, que incide por vezes em erros grosseiros que só
atrapalham a vida dos operadores do direito, com prejuízo incalculável, não só para o Estado -
porque operar o direito implica em custos altos - como principalmente para o jurisdicionado,
porque tal atuação judicial repercute no seu patrimônio, na sua liberdade, suas esperanças,
seus sonhos... em uma só palavra, sua cidadania.
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Por outro lado, vimos que os esquemas teóricos do direito tem que nos
oferecer respostas articuladas entre o plano do direito material e o do direito processual, eis
que um se compreende a luz do outro, e que o processo existe para promover a tutela de
direitos materiais. A teoria jurídica deve oferecer aos operadores do direito, seja qual for a
área de atuação, o ponto de interseção entre o direito processual e o direito material, virtude
absolutamente escassa em nossa produção doutrinária atual. E esta é uma das maiores
carências na nossa formação.
Os processulistas, por exemplo, levaram para a “ciência autônoma” do
processo certos conceitos do direito material, tais como o de pretensão e o de ação. A a partir
daí, criou-se a maior confusão, desamarrando-se o direito processual do direito material de tal
forma que a jurisdição de segundo grau tornou-se, no âmbito do direito privado
principalmente, pura discussão formal de temas meramente processuais. No limite, em sede de
apelação, o direito a ser tutelado transformou-se num (sic) estorvo para o processo,
atrapalhando as “riquíssimas” discussões em torno das teses de direito processual.
Querem ver? Qual o conceito de pedido: Pretensão deduzida em juízo. Qual o
conceito de lide? É um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida. Olha a
palavra pretensão. Que palavra é esta? É material ou processual? Ex. A pretende dançar com
B. que não quer dançar com A. Há um conflito de interesses. Há uma pretensão resistida, há
uma lide ? Não há uma lide aí. Porque quando se diz pretensão, não é qualquer pretensão, não
é pretensão no sentido vulgar da palavra, ou seja, no uso comum da linguagem natural. Por
certo o direito vale-se, e muito, para compor suas regras, da linguagem natural. Este é um
tema que teremos de enfrentar, pois nos oferece dificuldades de atuação. No entanto, a palavra
pretensão, aqui, está posta num sentido absolutamente técnico-jurídico. Um direito subjetivo
que existe enquanto titularidade, que existe enquanto exibilidade, que é pretensão e ele existe
enquanto impositividade que é ação. Então pretensão aque é exibilidade do direito subjetivo.
É um momento analítico do direito subjetivo. E o que é exibilidade? E a faculdade de exigir
de outrem uma conduta. A tem um direito subjetivo de dançar com B? tem a faculdade de
exigir que B dance com ele? Não. Então, A não tem pretensão. Então, não há lide. É o mesmo
que um sujeito que titulariza um crédito antes da data do vencimento: ele pode até ter a
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pretensão de receber antes do vencimento, mas o conflito daí resultante não caracteriza uma
lide, no sentido técnico, eis que não há uma pretensão no sentido técnico-jurídico, que é a
exigibilidade do direito subjetivo de crédito que surge apenas na data do vencimento.
Parece que o nosso modelo nos oferece respostas bastante técnicas sobre
questões práticas do dia-a-dia judicial. Portanto, vale a pena avançarmos na sua análise,
estudando os seus desdobramentos. Pelo que se viu, precisamos estudar não apenas uma
classificação do fato jurídico, como também uma teoria do direito subjetivo, dissecando-o
em seus diverso momentos analíticos, ou seja, enquanto titularidade, pretensão e ação
material. Façamos isto.
CLASSIFICAÇÃO DOS FATOS JURÍDICOS
Uma primeira diferenciação: Ato vs. Fato
O que significa a palavra fato? E a palavra ato? Qual a diferença entre fato e
ato? Há uma relação de gênero e espécie entre ambas? Por certo, eis que fato é uma palavra
que designa todo e qualquer fenômeno da natureza, inclusive os fenômenos culturais, a
conduta humana. Portanto, quando se fala em fato jurídico, isto significa todos os fenômenos
da natureza que foram juridicizados por força da incidência de uma norma jurídica. Ora, a
maior parte dos fenômenos juridicamente relevantes são os atos humanos, eis que o direito
regula, fundamentalmente, a conduta humana, que se promove através de atos. Mais
especificamente, o direito regula, segundo a doutrina tradicional, comportamentos humanos
em interferência intersubjetiva.
Daí decorre que as relações jurídicas sejam relações entre pessoas determinadas – individualizadas do
ponto de vista técnico-jurídico. A individualização da pessoa, estudada no interior da Teoria da
Personalidade, dá-se através da explicitação de características pessoais de cada um: nome, filiação,
data e local de nacimento, nacionalidade, estado civil, profissão e endereço, basicamente. É o que se
faz na abertura das petições ao qualificar-se determinada pessoa em um processo judicial. No entanto,
têm-se hoje uma evolução do direito no sentido de regular contutas não apenas intersubjetivas, mas
também outras de natureza transubjetivas: tratam-se dos modernos direitos coletivos, interesses
difusos, etc., tutelados via de regra pelas ações civis públicas. Nestes casos, o titular do “direito” é uma
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coletividade mais ou menos difusa, mas de qualquer forma indeterminada, ou seja, seus componentes
não estão individualizados, nem na relação de direito material, nem na relação processual.
Ora, daí decorre que a maior parte dos fatos jurídicos, no sentido lato, sejam
da espécie atos jurídicos, também no sentido lato. Em direito civil todos os negócios
jurídicos são espécies de atos jurídicos, em direito administrativo uma das categorias mais
importantes é o ato administrativo, que é um ato jurídico de direito público, um ato estatal.
Em direito penal, todos os crimes e contravenções – que são os fatos jurídicos penais – são na
verdade atos jurídicos ilícitos. Voltando-se ao direito civil, temos os ato ilícito absoluto, que
é a causação de dano à esfera patrimonial ou moral de outrem, bem como o ato ilícito
relativo, que traduz o inadimplemento enquanto fato jurídico distinto do contrato. Temos
ainda, por exemplo, os atos processuais, que são fatos jurídicos de direito processual. Enfim,
todos estes atos jurídicos acima elencados são espécies de FATO JURÍDICO. Daí a
necessidade de estudarmos, dentro da teoria do fato jurídico, uma classificação do mesmo,
uma taxionomia do fato jurídico. Ademais, a razão epistêmica, ou seja, a razão científica, tem
uma forte tendência às classificações, eis que ao construir suas “teorias”, outra coisa não faz
senão sistematizar as principais categorias, imprimindo-lhes uma organicidade, desde as
categorias mais gerais até as mais particulares. Daí decorrem as classificações.
Buscando um critério de classificação do fato jurídico
Vejamos, inicialmente, um critério natural de classificação dos atos e fatos.
Dentre os fatos, em sentido lato, temos os atos humanos e os fatos da natureza como uma
primeira divisão importante para nós. Qual a característica fundamental que diferencia os atos
humanos dos fatos naturais: ora, os atos humanos contém em seu núcleo um elemento
volitivo, ou seja, a vontade humana.
Toneladas de reflexões filosóficas sobre o problema da liberdade humana, da
responsabilidade...Isso interessaria a nós juristas? O problema da moral, das éticas deônticas.... Um
indivíduo na perspectiva por exemplo, de Kant, diz : "A liberdade humana surge justamente do livre
arbítrio. É pelo livre arbítrio que o homem se liberta dos grilhões da causalidade natural. Isso é um
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problema que interessa a nós juristas. Os fatos não são decorrência de uma causa? Nós não pensamos
no mundo dos fatos como uma relação de causa e efeito? Nós não estudamos se uma situação
astrológica atual do planeta se dá em função de uma série de causas? Não é por causa disso ou por
causa daquilo que o efeito disso causa efeito, ... causa efeito. E isso á está escrito aonde ? Na
providência divina. Ora, se tudo é produto da providência divina, temos um culpado por eu dar três
tiros na cabeça de fulano, porque foi Deus que me pôs neste mundo, e se foi Deus que me pôs neste
mundo, logo foi Deus que quis que eu fizesse isso ! Se isso fosse verdade, se essa causalidade física
amarrasse todos os fenômenos, o homem não seria responsável pela sua conduta. Então, como que o
homem se libera da causalidade física ? Através do livre arbítrio.
Então já não é mais uma seqüência de causas e efeitos, mas ele escolhe numa
determinada situação onde há várias possibilidades comportamentais, ele escolhe um comportamento
em detrimento de outro, e ele é responsável por essa escolha. Então é justamente pela vontade que
aquilo que o homem faz se traduz em ato, e por ser ato e ter vontade, ele é responsável, responde por
esse ato, por essa escolha, por essa vontade. Toda teoria moral e teoria jurídica da vontade está
montada em cima disso. Então são atos as condutas humanas que implicam em vontade. "Eu estou lá,
tomando meu drink em uma festa chique em um palácio qualquer, num cocktail, conversando com uma
dama bonita, autoridade pública, quando um gaiato passa e encosta o cigarro no braço do Jairo, que
tem uma reação e joga todo o campari em cima da dama." Houve uma ação minha ? Não, porque o ato
implica em vontade. Então tem que ter cuidado com isso, ato não é toda e qualquer conduta, no sentido
mais largo, e tem que ter a vontade, o elemento volitivo. E é por isso mesmo que o Jairo não responde
por aquilo, porque ele não teve nenhuma culpa, não há que haver culpa porque não houve ato, o que
não é ato não pode ser objeto em culpa. Bom, se contrapõe aos fatos que são os eventos da natureza...
Podemos usar esse critério para classificar os fatos jurídicos e os atos jurídicos
? Serão atos jurídicos toda conduta juridicizada, e serão fatos jurídicos stricto os eventos que
não forem conduta humana, mas apenas eventos da natureza juridicizados. É o critério de
classificação mais comum adotado pelos doutrinadores – e, o que é pior, está absolutamente
errado.
Nem toda conduta humana se juridiciza como ato jurídico ou ato-fato - que
não deixa de ser uma subespécie de ato. As vezes o resultado de uma conduta humana se
juridiciaza como fato jurídico stricto sensu. Por exemplo: se a norma descreve um evento tal
como a mistura de dois bens que se tornam, depois da mistura, inseparáveis, mas que eram
objeto de propriedade de pessoas diferentes, como é que fica o regime da propriedade depois
dessa mistura ? O artigo 615 Código Civil contém uma regra para solucionar esses casos. Ali,
a regra não descreve uma conduta humano, mas apenas o evento da mistura. Imaginemos que
a mistura tenha se dado por força de um temporal, por exemplo, em uma fazendo, que sacudiu
uma mesa e fez cair uma lata de tinta dentro da outra, tintas caríssimas, suponhamos, de
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pintores que estavam lá no final de semana, pintando uma paisagem... De quem é a tinta que
resultou da mistura? Trata-se do fato jurídico da comistão, que é um fato jurídico stricto
sensu, eis que a regra o jurisdiciza descreve apenas o fenômeno da mistura de duas
substâncias, só a parte fenomênica, a parte do evento da natureza. Agora, imaginemos que a
mistura tenha sido feita por um empregado dos donos da fazenda que estava limpando o local
e, ingenuamente, achou que seria de bom grado juntar aqueles restos de tinta. Ou seja, a
comistão deu-se por obra da conduta humana, um ato de um ser humano. Pergunta-se: neste
caso, trata-se de um ato jurídico ou um de fato jurídico stricto sensu? Pelo critério natural,
adotado pela maioria dos doutrinadores, tratar-se-ia de um ato jurídico, pois foi um ato do
empregado que se juridicizou.
No entanto, a comistão não deixa de ser um fato jurídico stricto sensu pelo
motivo de ter sido causada por ação humana. O que importa para definir-se algo como ato
juridico ou fato jurídico stricto sensu é como ele está descrito no suporte fático da norma.
Conclusão: se você quiser saber que tipo de fato jurídico se trata, você vai ter
tomar a norma jurídica e examinar em seu suporte fático o que ela está descrevendo: um ato
ou um fato? Se ela descrever uma conduta humana e seu elemento volitivo, isso aqui vai ser
um ato jurídico, se ela descrever só a conduta humana, isso aqui vai ser um ato-fato, e se ela
descrever só o evento, vai ser um fato. Eis o crítério de classificação dos fatos jurídicos
lícitos.
Se a norma descreve apenas o evento, não descreve conduta, e o evento é resultado de uma conduta,
tanto faz, ela incide no que descreve, e, portanto, faz ingressar no mundo jurídico somente aquilo que
descreveu, ou seja, apenas o evento da mistura, que é fenômeno natural. Portanto, entra no mundo
jurídico na condição de fato jurídico stricto sensu. Ora, pelo fato de somente se juridicizar a dimensão
do fato que a norma descreve a priori - o evento, no caso – conclui-se que um fato jurídico stricto
sensu pode ser produto de uma ação humana, como no exemplo acima, onde a mistura dos bens que
são inseparáveis deu-se por ato humano.
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Classificação dos fatos jurídicos
Lato sensu vs. Stricto sensu
Antes de iniciarmos a classificação do fato jurídico, vejamos o porque do uso
reiterado destas expressões latinas complementares, tal como um sobrenome, quando se trata
de fato jurídico (fato jurídico lato sensu X fato jurídico stricto sensui) ou então quando se
trata de ato jurídico (ato jurídico lato sensu X ato jurídico stricto sensui). Ora trata-se de um
problema de uso do mesmo nome tanto para o gênero como para uma das espécies
(homonímia conceitual). Ou seja, conceitos que, embora estabeleçam entre si uma relação de
gênero e espécie, recebem o mesmo nome: fato jurídico, por exemplo. Ora, quando eu falo
em fato jurídico, eu posso estar designando todos os fatos, atos e atos-fatos, lícitos ou não,
relevantes para o direito, pelo que estou falando em fato jurrídico lato sensu (ex.: Teoria do
Fato Jurídico). Posso também estar querendo designar apenas os eventos da natureza que se
juridicizam, tal como o fato jurídico “morte”, ou “nascimento”. Agora estou falando em fato
jurídico stricto sensu.
Este problema ocorre quando uso a mesma palavra ou expressão para designar
tanto o gênero quanto uma dentre as várias espécies. Fato, em sentido lato, é gênero porque
designa tanto os atos humanos como os fatos da natureza. Em sentido estrito, fato é aquilo
que não é ato, ou seja, é apenas evento da natureza. É como chamar-se o filho com o nome do
pai, pelo que teremos que usar um complemento diferenciador: junior. É só isto. O
complemento, no caso, é 1) lato sensu para o gênero e 2) stricto sensu quando se trata daquela
espécie que recebeu o mesmo nome do gênero. As vezes, quando se deixa de usar o
complemento, o uso do termo fica ambíguo, pelo que é necessário compreender o sentido
correto através do contexto no qual se emprega a expressão.
Agora nós vamos começar a trabalhar com a classificação dos fatos jurídicos.
No entanto, carecemos de um outro elemento divisor de águas, anterior a própria divisão entre
os fatos e os atos. Qual será? Vejamos.
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Qual a diferença essencial entre uma causação de dano e um contrato de
compra e venda, enquanto fatos jurídicos de direito privado? Eles são idênticos naquilo em
que ambos irradiam como eficácia relações jurídicas de direito obrigacional, ou seja,
pretensão contra obrigação de prestar. No entanto, o contrato de compra e venda é valorado
positivamente. É, portanto, um ato jurídico lato sensu lícito. Já a causação de dano constitui
um ato ilícito absoluto. Os crimes são todos ilícitos, enquanto os atos administrativos e os
atos processuais são lícitos. É preciso, portanto, estabelecer esta primeira divisão entre os
fatos jurídicos: os contrários ao direito para um lado, os não contrários ao direito para o outro.
Chamaremos os primeiros de ilícitos e os segundos de lícitos.
Vamos trabalhar primeiro os ilícitos.
1. Os Atos Ilícitos
Em primeiro lugar, somente os atos jurídicos podem ser contrários ao direito.
Ou seja, todo ilícito é um ato. Não entendemos relevante, do ponto de vista prático, a
classificação de certos fatos jurídicos lato sensu enquanto atos-fatos ilícitos, ou mesmo
fatos jurídicos strito sensu ilícitos, tal como faz Marcos Bernardes de Mello em sua Teoria
do Fato Jurídico.
Isto posto, resta a questão: existem subdivisões entre os atos ilícitos? Sim, em
direito privado é fundamenta distinguir o ato ilícito absoluto do ato ilícito relativo.
É que no âmbito do direito privado todo ato ilícito traduz-se numa violação de
direito subjetivo. O que é que significa isso ? Nós já vimos que a eficácia jurídica é
basicamente a irradiação do direito subjetivo e correspondente dever. Ora, o ato ilícito é
descumprimento de dever, portanto, é devedor violando o direito que lhe corresponde. Deste
modo, somente quem titulariza o dever pode violar o direito correspondente.
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Note-se, no entanto: se eu tenho uma promissória - onde titularizo um crédito contra
um obrigado - e vem um terceiro e rasga essa promissória, não foi o titular do dever de resgatar essa
promissória quem cometeu um ato ilícito relativo (pelo descumprimento do seu dever), e sim, um ato
ilícito absoluto daquele terceiro, eis que em relação a ele aquela promissória não traduz pretensão
creditícia, mas sim constitui objeto do meu patrimônio. Logo, rasgondo a promissória, ele violou
direito dominial. Tal direito é de natureza absoluta, ou seja, se exerce contra todos, razão pela qual um
terceiro alheio a uma relação jurídica anterior, relativa àquela promissória, pode violá-lo.
Temos, portanto, um critério para distinguir o ato ilícito absoluto do relativo.
Ora, se o meu direito relativo só pode ser exercido em relação a uma pessoa (daí a expressão
direito relativo), somente esta pessoa poderá violá-lo, dando causa a um ato ilícito relativo.
Por outro lado, se o meu direito absoluto é exercido erga omnes, ou seja, contra todos, isto
significa que qualquer um pode violá-lo, cometendo um ato ilícito absoluto. Assim, qualquer
um pode causar dano no meu automóvel, mas somente o meu devedor pode descumprir a
obrigação de pagar o que me deve na data do vencimento. Logo é a natureza do direito
violado que definirá o tipo do ato ilícito: o ato ilícito relativo é violação de direito relativo;
o ato ilícito absoluto é violação de direito absoluto.
Tal distinção é importante, no que diz respeito ao ato ilícito relativo, quando
se estuda o que se chama de tutela específica.
O descumprimento do dever que se irradia de um fato jurídico (dever é eficácia
de um fato jurídico) é novo fato jurídico, que com o original não se confunde. Gera, por sua
vez, novo direito e dever, nova relação jurídica, ou seja, nova eficácia jurídica. Quando se fala
em ato ilícito, por se tratar de violação de direito subjetivo, tem que ter cuidado, eis que há
sempre dois fatos jurídicos, duas normas, dois direitos subjetivos, duas obrigações, e não se
pode confundir uma com a outra. Vejamos um exemplo. Quando alguém bate em meu
automóvel causando dano, viola o meu direito de propriedade, que é direito absoluto eis que
eu o exerço erga omnes. Da ensejo a um ato ilícito absoluto, portanto. Mas quando eu vou a
juízo pedir tutela a minha pretensão indenizatória, eu deduzo em juízo um crédito, e não o
direito violado, que é o direito de propriedade. Compreenderam? É que o crédito se irradia
como eficácia do ato ilícito absoluto (violação do direito de propriedade, causando dano ao
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bem objeto do direito), enquanto o direito violado, a propriedade, irradia-se como eficácia de
outro fato jurídico, que pode ser, por exemplo, a tradição, ou seja, quando o vendedor do
veículo transmitiu a sua propriedade para mim (ou então por qualquer outro modo de
aquisição da propriedade móvel, regulado no CC).
2. Fatos jurídicos lato sensu lícitos
Conforme analizamos acima, para se determinar a espécie de fato jurídico que
estamos lidando, devemos tomar a norma jurídica e examinar o seu suporte fático, observar o
que ela está descrevendo, se se trata de um ato ou de um fato. Se ela descrever uma conduta
humana no seu aspecto interior, ou seja, seu elemento volitivo, quando ela incidir sobre um
fato do mundo estaremos diante de ato jurídico. Por outro lado, se ela apenas descrever a
conduta humana na sua dimensão exterior, sua incidência ira gerár um ato-fato, e se ela
descrever só o evento, vai se tratar de um fato jurídico stricto sensu.
Vejamos tais espécies mais de perto.
Para surgir um ato jurídico lato sensu, não basta a norma que o juridiciza
descrever uma conduta humana. Ela tem que conter a descrição, no núcleo de seu suporte
fático hipotético (SFH), a dimensão interna mais importante da conduta humana: o elemento
volitivo, ou seja, uma manifestação de vontade. Se ela descrever apenas o aspecto externo
da conduta, tal como “achar um objeto abandonado (res nullius), ela descreve um ato mas
tomando-o como se fosse um fato. Aqui estaremos diante de um ato que a ordem jurídica toma
como fato, ou seja, uma ato-fato jurídico.
Vejamos alguns exemplos:
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Uma norma que regula um contrato de compra e venda descreve, no núcleo de
seu suporte fático hipotético, uma manifestação de vontade bilateral, onde as partes
determinam o bem e preço para efeitos de compra e venda. Daí decorrem os efeitos jurídicos,
quais sejam, a aquisição de pretensões e obrigações recíprocas e signalagmáticas, um direito
de crédito contra uma obrigação de entregar o bem, e uma obrigação de pagar contra um
direito de receber o valor. Trata-se, portanto, de um ato jurídico lato sensu, ou, mais
especificamente, de um negócio jurídico.
E se a norma descreve uma ação humana, mas não descreve o elemento
volitivo, ou seja, não descreve nenhuma manifestação de vontade? É um ato sim, pois é o que
está descrito, mas o tratamento dado é idêntico ao dado a um fato, porque a vontade do agente
não tem relevância para o direito. Trata-se de um ato-fato.
Ora, se o saber jurídico é um saber prático, como estamos apontando desde o
início do curso, temos que indicar quais são os aspectos práticos desta separação entre os
atos-fatos e os atos jurídicos como categorias distintas. Vejamos: 1) se um incapaz comete
um contrato de compra e venda – onde a norma descreve a manifestação bilateral de vontade,
este negócio jurídico será invalido, eis que o incapaz não tem, em tese, um controle
responsável sobre a sua vontade. Para a ordem jurídica, ele não possui uma vontade
amadurecida, de modo suficiente para ter a liberdade de cometer pessoalmente atos negociais,
sem a intervenção de um responsável. Destarte, terá que ser assistido ou representado,
conforme o grau de sua incapacidade (relativa ou absoluta); 2) Já na especificação, que é
forma de aquisição da propriedade móvel, o escultor que molela uma estátua em uma pedra
de mármore, adquire a sua propriedade por força da regra contida no artigo 611 do Código
Civil. Suponhamos que o escultor seja um louco, absolutamente incapaz. Ora, a regra do art.
611, ao descrever “o trabalho em matéria prima, de modo a obter espécie nova” em seu
suporte fático hipotético, por certo descreve um ato. No entanto, não há descrição do
elemento volitivo, ou de qualquer manifestação de vontade. Portanto, trata-se de um ato-fato.
Qual é a importância disto? É que não há que se falar em ato-fato inválido, ou seja, nulo ou
anulável, tal como na hipótese do contrato de compra e venda. Apesar da incapacidade
absoluta do louco, o ato-fato da aquisição do domínio por especificação não é inválido. Em
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síntese: por ser um ato tratado como se fosse um fato, o ato-fato nunca passa pelo plano da
validade. Se existe, produz seus efeitos jurídicos, ou seja, dele se irradia direito subjetivo e
dever.
Digamos agora que o escultor é um sujeito absolutamente capaz, e que
alimentava uma imensa vontade de esculpir aquela estátua. Sob o ponto de vista de um
critério natural, se trabalho é um ato humano, com uma evidente dimensão volitiva. No
entanto, do ponto de vista do direito, ao adquirir a propriedade da estátua em decorrência do
fato jurídico lato sensu chamado especificação, a norma não descreve esta vontade.
Portanto, tal vontade é absolutamente irrelevante para o direito.
Vejamos último exemplo: um louco fugiu do manicômio e encontrou um par de
tênis jogado em uma lata de lixo, portanto, res nullius. Ele adquiriu a propriedade do tênis?
Adquiriu, por ocupação, que é outra forma de adquirir propriedade móvel (CC. Art. 592), e
que constitui-se também num ato-fato. Mas este mesmo louco, instantes após, doou este par
de tênis para um mendigo, que aceitou de plano a oferta do louco. Trata-se de um doação, que
do ponto de vista jurídico é um negógio jurídico bi-lateral (espécie de ato jurídico lato
sensu), pois depende de aceitação. Ora, ainda do ponto de vista jurídico, tal doação é nula,
embora provavelmente isto nunca venha a ser discutido em juízo, dado as circunstâncias aqui
narradas. O fato de não se discutir judicialmente esta nulidade não significa que ela não ocorra
no mundo do direito. Destarte, se por algum motivo for judicializada esta questão, o juíz irá
declarar ex officio a nulidade do negócio jurídico que se deu entre o louco e o mendigo, isto é,
a nulidade da doação em face da absoluta incapacidade do louco (CC. Art. 5º, inc. II) para os
atos da vida civil Ora, o que são os “atos da vida civil”? São os atos jurídicos lato sensu de
direito privado, consistentes em manifestações de vontade dirigidas à produção e efeitos
jurídicos lícitos.
Portanto, é absolutamente prática e relevante para a atuação judicial, a
diferenciação entre o ato jurídico e o ato-fato.
Em síntese, se a norma descreve, em seu suporta fático hipotético (SFH):
42
1. CONDUTA INTERNA ou MANIFESTAÇÃO DE VONTADE = ATO JURÍDICO LATO SENSU
2. SÓ A CONDUTA EXTERNA = ATO-FATO JURÍDICO
3. SÓ O EVENTO = FATO JURÍDICO STRICTU SENSU
Repita-se, mais uma vez: o critério de conceituação e classificação dos fatos
jurídicos está no suporte fático da norma e não na natureza dos fatos em si mesmo.
3. O Ato Jurídico lato sensu e suas subdivisões
Segundo o que já vimos, quando a norma jurídico descreve em seu suporte
fátivo hipotético uma conduta humana em sua dimensão mais essencial, que é a dimensão
volitiva, trata-se de uma norma irá incidir sobre manifestações concretas de vontade, fazendo-
as ingressar no mundo jurídico na condição de atos jurídicos lato sensu. Então todos os atos
jurídicos, em sentido lato, constituem-se, basicamente, em manifestação de vontade.
Por isso mesmo tais atos submetem-se ao regime das invalidades, porque a invalidade
é uma técnica que o ordenamento jurídico se vale para proteger 1) vontades hipossuficientes (a do
menor, a do louco, a do silvícola, a do pródigo, etc), ou seja, vontades que demandam proteção, 2)
certas vontades viciadas (vícios do concentimento, tal como o erro, o dolo, a coação, etc) e 3) certas
questões de objetivo interesse público (exigências de rigor formal do ato, exigências de publicidade,
ou então ilicitude do objeto da transação, etc). Toda teoria das invalidades em direito diz respeito
somente a essa categoria: o ato jurídico lato sensu. Nenhuma das demais espécies de fato jurídico
submete-se ao plano da validade. Ou seja, todos os demais fatos jurídicos lato sensu se ingressam no
plano da existência, automaticamente irradiam efeitos jurídicos (plano da eficácia). Não há que se falar
num ato ilícito nulo ou inválido. Nem há que se falar num ato-fato ou num fato nulo ou inválido.
O sentido prático do afastamento dos atos-fatos da categoria ato jurídico,
como já vimos é este: embora a norma que juridiciza um ato-fato descreva uma ação humana,
por não descrever manifestação de vontade tal “ato juridicamente relevante” não se submete a
teoria das invalidades. Não há que se falar então num ato-fato nulo ou anulável, inválido ou
válido. E nisso reside a importância de separar o ato jurídico do ato-fato jurídico.
Agora vamos ao que nos interessa neste ítem, ou seja, o estudo do ato jurídico
lato sensu, onde buscaremos compreender a sua subdivisão em atos jurídicos stricto sensu e
43
negócios jurídicos. Qual o critério e qual o sentido também dessa subdivisão? É válida essa
subdivisão? Tem algum sentido prático? Há diferença substancial entre ato jurídico stricto
sensu e negócio jurídico?
Há uma identidade substancial. Ambos traduzem nuclearmente uma
manifestação de vontade que se juridicizou. Mais ainda, tal manifestação de vontade é
dirigida a produção de efeitos jurídicos lícitos. Portanto, o ato jurídico lato sensu traduz
uma vontade que se manifesta para produzir efeitos jurídicos.
Evidentemente, não se deve olvidar que o ato ilícito, justo por ser tambem um “ato”
contém uma dimensão volitiva juridicamente relevante. Por óbvio, o elemento subjetivo, que é a
dimensão volitiva, é de fundamental importância para a teoria do delito. A uma, porque o sujeito para
ser responsabilizado criminalmente não pode ser dotado de uma vontade hipossuficiente (o louco, ou o
menor imputável não dispõem de uma vontade madura para firmar responsabilidade criminal). A duas,
porque a vontade traduz o elemento subjetivo do injusto: o dolo e a culpa. No entanto, note-se bem, em
se tratando de ato ilícito estamos diante de uma vontade dirigida ao cometimento de uma conduta
contrária ao direito, o que é substancialemente distinto de uma vontade dirigida à procução de
efeitos jurídicos lícitos. Esta é a diferença essencial no que tange ao elemento subjetivo 1) do injusto e
2) do ato lícito.
Ora, mas se ambas as categorias – ato jurídico stricto sensu e negócio jurídico -
implicam em manifestação de vontade, ou seja, são idênticas naquilo em que constituem
manifestações de vontade que se juridicizam, pergunta-se: no que elas são distintas? No que o
ato jurídico em sentido estrito é distinto do negócio jurídico? No que a emancipação de um
filho se distingue essencialmente de um contrato de compra e venda? No âmbito da autonomia
dessa vontade. Naquilo que os privatistas constumam designar por autonomia privada.
É justo nesse âmbito que se diferenciam tais categorias. Porque no ato jurídico
em sentido estrito, não apenas a manifestação de vontade já está formalmente prevista em lei,
como também os efeitos também já estão exaustivamente previstos. Ora, o sujeito se limita a
manifestar ou não manifestar a vontade nos termos da lei, porque a eficácia jurídica já está
prevista em todo o seu contéudo e alcance. Se você vai emancipar um filho, você vai
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emancipá-lo de acordo com o previsto na lei, o que significa que você não pode interferir no
desdobramento do plano da eficácia. Se você manifestou sua vontade de acordo com o
previsto na lei, gerou a emancipação, e os efeitos desta emancipação se irradiam nos limites
do que a legislação civil prevê. O plano da eficácia jurídica já está todo previsto na lei. Assim,
não se pode emancipar juridicamente um filho sob condição (ex: decido neste ato emancipar
meu filho, mas tal efeito fica condicionado a ele passar no vestibular), ou a termo (emancipo
meu filho neste ato, sendo que os efeitos somente se iniciam na próxima chuva). Esta
liberdade de interferir parcialmente no plano da eficácia é o que chamamos de âmbito da
autonomia privada - que é um espaço de relativa liberdade negocial - e só podemos exercê-la
nos negócios jurídicos.
Portanto, no negócio jurídico há possibilidade das partes interferirem.,
dentro de certos limites, no plano da eficácia. Essa é a diferença fundamental. Ora, como
vimos, você não pode emancipar um filho a termo, ou sob condição, ou mesmo emancipá-lo
para determinados atos e para outros não. Não é válida uma declaração emancipatória no
sentido de "se o Brasil ganhar a Copa emancipo meu filho". Mas é possivel entabular um
negócio jurídico nos seguintes termos: "se o Brasil ganhar a Copa vendo meu carro para você
por 10 mil reais".
Neste último caso, trata-se de uma compra e venda sob condição, exercitando
autonomia relativa quanto ao plano da eficácia; noutro caso, estou diante de um ato jurídico
sentido estrito, a emancipação, onde não se pode exercer tal autonomia privada. Essa é a
diferença específica. No âmbito dos negócios jurídicos o direito permite um espaço maior para
o exercício da autonomia privada. Permite aos sujeitos interferirem, dentro de certos limites
legais, no plano da eficácia. Por exemplo: nós podemos fazer uma compra e venda a prazo. Eu
compro o seu carro, para pagar no dia 1º. No momento em que fechamos o negócio jurídico de
compra e venda você passa a titularizar o direito de haver o preço avençado, mas a
exigibilidade deste direito subjetivo, a pretensão, só irá surgir no dia 1°, quando vence a
dívida, porque pactuamos que este nível eficacial, o da exigibilidade do direito, só surgiria
naquela data - que chamamos de “dia do vencimento”. Esse é um exemplo de exercício da
autonomia privada, onde se interfere no plano da eficácia. O direito subjetivo, portanto, pode
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surgir no plano da eficácia ainda sem pretensão. Surge o direito subjetivo como mera
titularidade, porque desde o momento do negócio ele passa a constituir meu patrimônio, pelo
que posso doá-lo, aliená-lo de qualquer modo, dá-lo em garantiva, etc. A exigibilidade deste
direito, no entanto, que é a sua pretensão, só irá surgir no dia do vencimento, por força do
acordo de vontades. Isto é autonomia privada e essa é a diferença essencial entre essas duas
categorias.
Uma última palavra sobre o tema: os melhores privatistas subdividem o fato
jurídico de direito privado em diversos níveis categoriais. A isto chamam de análise
categorial. Em cada nível categorial você analiza um aspecto da juridicidade concertente ao
fato jurídico complexo tal qual os de direito privado. Assim, chegamos a seguinte projeção:
essa compra e venda específica é uma espécie do gênero “compra e venda”, que por sua vez é
uma espécie de contrato, que por sua vez é uma espécie de negócio jurídico, que por sua vez é
uma espécie de ato jurídico lato sensu, que por sua vez é uma espécie de fato jurídico. Isso é
análise categorial. Conforme o aspecto da compra e venda que você está analisando, você
deve encontrar o âmbito categorial correto. Se você quer saber se a compra e venda existe ou
não, você está no plano da análise do fato jurídico; se você quer saber se é válido ou inválido
você está no plano da análise do ato jurídico lato sensu; se você quer saber se pode ou se não
pode ter interferência da vontade no plano da eficácia você está no plano da análise do
negócio jurídico... e assim por diante. Dependendo do problema que se apresenta no processo
civil que voce está operando, você vai saber analisar adequadamente ao enquadrar este
problema no nível categorial em que ele se origina. Mas estas são questões para se estudar em
uma cadeira de Teoria Geral do Direito Privado, em sede de pós-graduação, e não no âmbito
de uma metodologia do direito. Fica apenas a indicação: “O negócio jurídico – Existência,
Validade e Eficácia, de Antônio Junquira de Azevedo, Ed. Saraiva, 1974.
Com isto damos por encerrado nosso breve passeio no campo de uma
taxionomia do fato jurídico. Vejamos os planos da existência, validade e eficácia do fato
jurídico, rapidamente, buscando diferenciá-los da existência, validade e eficácia da lei, já
estudados neste curso.
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EXISTÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA DO FATO JURÍDICO
1. O PLANO DA EXISTÊNCIA: a existência do fato jurídico
O fato jurídico ingressa no mundo jurídico – logo, passa a ter
existência – por força da incidência da lei, fenômeno que conceituamos como eficácia legal.
Ora, se uma lei é eficaz quando incide, regulando um fato social, ao incidir faz com que este
fato ingresse no mundo jurídico, passando a existir como fato jurídico. Deste modo, o
pressuposto do plano da existência do fato jurídico é a eficácia legal.
O PLANO DA VALIDADE: Elementos para uma Teoria das Nulidades
Conforme já vimos, a maior parte dos fatos jurídicos, quando passam a
ter existência por força da eficácia legal, automaticamente passam a irradiar eficácia
jurídica, ou seja, direitos subjetivos e deveres correspondentes, que se realizam sob forma de
uma relação entre o titular do direito e o titular do dever, a qual chamamos relação jurídica.
Deste modo, existindo o fato jurídica não há qualquer condição para que ele irradie eficácia
jurídica. Basta existir para que seus efeitos se irradiem automática e necessariamente. É o que
ocorre com todos os atos ilícitos, relativos ou absolutos, com todos os fatos jurídicos stricto
sensu e com todos os atos-fatos.
Portanto, apenas o ato jurídico lato sensu - ou seja, o ato jurídico
stricto sensu e o negócio jurídico - passa pelo plano da validade. E isto porque tais atos se
traduzem especificamente em manifestações de vontade dirigidas a produção de efeitos
jurídicos lícitos. Ora, como o núcleo do acontecimento que se juridiciza é justamente a
manifestação da vontade, a ordem jurídica trata de interpor um filtro entre os planos da
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existência e da eficácia do fato jurídico. Este “filtro” impõe algumas condições para que o ato
jurídico que ingressa no mundo jurídico, passando a ter existência, irradie seus efeitos. Tal
“filtro”, chamamos de plano da validade.
Ora, conforme já vimos, justo por se tratarem de manifestações de
vontade dirigidas a produção de efeitos jurídicos lícitos, tais atos submetem-se ao regime
das invalidades, uma estratégia da qual o ordenamento jurídico faz uso para proteger 1) as
vontades hipossuficientes (a do menor, a do louco, a do silvícola, a do pródigo, etc), ou seja,
vontades que demandam proteção, 2) certas vontades viciadas (vícios do concentimento, tal
como o erro, o dolo, a coação, etc) e 3) certas questões de objetivo interesse público
(exigências de rigor formal do ato, exigências de publicidade, ou então ilicitude do objeto da
transação, etc).
Deste modo, em qualquer ramo do direito onde ouver o cometimento de
manifestações de vontade dirigidas a produção de efeitos jurídicos lícitos, ou seja, onde
houverem atos jurídicos lato sensu, tais como os atos administrativos, os atos processuais ou
os atos de direito privado, ali tanto o teoria quanto a legislação irão abrir um capítulo para as
invalidades, ou seja, para as nulidades ou anulabilidades. Logo, as Teorias das Nulidades
dizem respeito apenas aos atos jurídicos e decorrem do plano da validade.
Assim situamos o tema “Teoria das nulidades” (ou das invalidades, como queiram): toda teoria das
invalidades em direito diz respeito somente a essa categoria: o ato jurídico lato sensu. Nenhuma das
demais espécies de fato jurídico submete-se ao plano da validade. Ou seja, todos os demais fatos
jurídicos lato sensu se ingressam no plano da existência, automaticamente irradiam efeitos jurídicos
(plano da eficácia). Não há que se falar num ato ilícito nulo ou inválido. Nem há que se falar num ato-
fato ou num fato nulo ou inválido.No direito administrativo se promovem atos jurídicos lícitos? Sim o
ato administrativo se traduz em manifestações de vontade do poder público dirigidas à produção de
efeitos jurídicos lícitos. Então vai ter que passar pelo plano da validade, pelo que teremos que estudar
uma teoria das nulidades do ato administrativo. No direito processual ocorre algo semelhante, eis que
os atos processuais são atos jurídicos, pelo que vamos encontrar também uma teoria das nulidades
processuais.
A partir daí pudemos compreender o fundamento primeiro da teoria das
nulidades. Somente a partir de uma teoria geral do direito - tal como eu disse na primeira aula,
comparando o saber jurídico como um edifiício e colocando a teoria gera do direito como o
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andar térreo, como a base deste edifídicio, ou melhor todo o seu alicerce. Se você quiser
compreender adequadamente o edifício do saber jurídico, você terá que dominar a teoria geral
do direito. Sem ela, o máximo que você consegue é memorizar alguns de seus ambientes;
jamais compreender a sua estrutura, que é um saber mais sólido e sofisticado. Em uma só
palavra, o saber teórico aqui significa potencialidades prático-operativas do direito. A melhor
prática judicial está fundada, necessariamente, sobre bases teóricas sólidas. E por tais motivos
diferenciamos, embora inconcientemente, o Jurista de um simples operador do direito.
Vamos lidar com um pouco mais de precisão com a questão das
nulidades, aprofundando um pouquinho mais a análise do tema? O que faltou fazer para
compreender mais a fundo o tema das invalidades? Faltou deitarmos um olhar meticuloso
sobre um aspecto da norma jurídica que é o suporte fático hipotético. Nos, os operadores do
direito, somos descriteriosos em relação a questão que vou abordar: qual o critério para
definirmos, em um fato sub judice, o que é e o que não é relevante para o direito? Qual o
exato limite deste critério? Quando posso afirmar que ma determinada dimensão do fato é
relevante para o direito, mas não sob o prisma que se discute no processo – portanto,
irrelevante para aquela discussão processual?
Esta questão está relacionada a esta outra, mais geral, que
transborda os limites da discussão jurídica: o que é um fato da vida? Qual o recorte que
delimita um fato da vida? Onde começa e onde termina no tempo e no espaço um fato? Um
fato é sempre um fato, ou é um recorte arbitrário da realidade, que pode ser objeto de outros
recortes, também arbitrários? Ou seja: um fato pode ser desdobrado em infinitos outros fatos.
O recorte que dele fazemos é imagístico, indeterminado e arbitrário. Querem ver? Por
exemplo: o fato do 1000º gol do Pelé, é um fato dentro de outro fato que foi uma partida de
futebol. Mas também é um fato dentro de outro fato que foi uma carreira futebolística com
muitos gols. Mas também é um outro fato, pois foi um gol dentro de um campeonato de
futebol. Este gol, em si mesmo, quando começou? No início do jogo? No início da jogada?
Onde é o início da jogada? O gol, como fato, não é gol apenas quando a bola está cruzando a
linha da goleira? Então não há “gol de bicicleta” pois bicicleta é um tipo de chute? E assim
por diante... entenderam?
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Ora, não há como determinar-se a priori onde começa e onde
termina um fato, se ao redor dele, em direção ao exterior, existe um universo inteiro (o que é
pior, é possível afirmar-se o mesmo se navegarmos em direção ao seu interior...). Os fatos não
têm começo,meio e nem fim. Então, é a nossa cabeça, é a nossa inteligência que faz um
recorte discricionário do que é importante para nós, em cada fato da vida, gravando os
detalhes daí decorrentes, na memória. Dentro de alguns critérios de interesse que nós temos
em relação ao fato e às pessoas nele envolvidas, e armados com nossa inteligência e intuição,
nós apreendemos oue é interessante e deixamos para lá o que não nos interessa, em todos os
fatos da vida – e nem percebemos isto.
Ora, em se tratando de fatos jurídicos, não é a nossa cabeça que
faz o recorte arbitrário do que é e do que não é relevante. Aí quem faz o recorte é a norma
jurídica. Assim, a norma jurídica é a inteligência do direito.
Assim, a norma jurídica isola e diz o que é e o que não é
relevante para o direito, no fato que ela transforma em fato jurídica. Como é que a norma
jurídica diz o que é relevante, ou seja, recorta e isola o que compõe efetivamente o fato
jurídico? Ora, justo onde ela descreve as relevâncias fáticas para o direito, ou seja, em seu
suporte fático hipotético. Logo, tudo o que está descrito no suporte fático hipotético da norma
é relevante para o direito, e portanto, é recortado do “fato total”, e transformado em fato
jurídico. O que resta da totalidade do fato é irrelevante para o direito. Eis o critério que
procurávamos.
Ora, mas desta imagem acima desenvolvida, resgatamos uma
conclusão importante: o fato jurídico é produto de um recorte da realidade operado pela
norma jurídica. Sendo assim, ele também é composto por diversos fatos. Mais precisamente,
o suporte fático hipotético da norma jurídica descreve, em regra um conjunto de fatos que
compõem esta totalidade que chamamos fato jurídico. Assim, por exemplo, o suporte fático
do da compra-e-venda, em sua totalidade, descreve 1) manifestação bilateral de vontade, 2)
acordo quanto a um bem, 3) acordo quanto a um preço, 4) acordo quanto a forma de
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pagamento, 5) capacidade das partes, 6) licitude e possibilidade do objeto, 7) liberdade e
consciência do consentimento, etc.
Como vimos no primeiro capítulo, a norma jurídica só e equacionável a partir de um fato concreto. O
exercício que busca construir uma norma jurídica completa “em tese” não tem fim...
Outro exemplo: o fato jurídico usucapião. O que a norma que o regula descreve
em seu supoerte fático? 1) Posse ininterrupta, 2) mansa e pacífica, 3) ânimo de ter a coisa para
si, 4) decurso de tempo, etc. Todos estes elementos do suporte fático compõem várias
dimensões. Assim a norma que faz o recorte do que é e do que não é relevante para o
usucapião.
Surge a questão: se o fato jurídico ingressa no plano da existência por
força da incidência da norma jurídica, e se a norma em seu suporte fático descreve varios
elementos fáticos, será que todos eles têm o mesmo peso? Se uma norma tem cinco elementos
descritos no seu suporte fático hipotético, será que têm que ocorrer os cinco para que a norma
incida e gere fato jurídico? Será que a ocorrência de quatro é suficiente para a incidência da
norma e a gestação do fato jurídico? Qual a condição de incidência da norma?
Eis a chave da compreensão mais aprofundada da teoria das nulidades:
de fato, quando a norma descreve um suporte fático complexo, composto por vários elementos
fáticos tal como nos exemplos acima, se alguns desses elementos não ocorrerem no mundo
dos fatos, a norma não incide. Entretanto, outros podem não ocorrer sem comprometer a
incidência da norma e, consequentemente, o ingresso do fato jurídico no plano da
existência. No entanto, embora existindo o fato jurídico, a não ocorrencia de parte do suporte
fático vai comprometer o plano da validade - ou seja, trata-se das hipóteses de nulidade e
anulabilidade, onde o fato jurídico nulo existe, embora seja inválido, o que é diferente da
situação de simples inexistência do fato jurídico, quando a norma não chega a incidir.
Ademais, ao prejudicá-lo no plano da validade, tachando-o de inválido, o a ordem jurídica
pretende é impedir ou comprometer parcialmente o plano da eficácia. Eis o controle em que
se traduzem as invalidades.
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Fim da parte revista
Vamos aprofundar um pouco mais.
O que precisamos para compreender mais a fundo ainda a teoria das
nulidades? Teremos que classificar os elementos do suporte fático, para saber quais são de
ocorrência necessária para a incidência da norma, quais interferem apenas no âmbito da
validade e da eficácia do fato jurídico. Vejamos o que diz Pontes de Miranda.
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(parte não reescrita – linguagem discursiva)
Para que um fato jurídico exista, o pressuposto de existência fato jurídico é a
incidência da lei. O pressuposto de incidência da lei é que ocorra no mundo concreto o fato
que a lei descreve no seu suporte fático hipotético. Mas, o suporte fático hipotético em regra
não é constituído de apenas “um fato” – suporte fático hipotético simples – mas, por vários
“elementos fáticos”, ou seja, pelo que ele é chamado de suporte fático complexo:
Ex. de SFH complexo: SFH = E1 + E2 + E3 + E4
Ele tem 4 elementos fáticos.
Tal como o SFH da norma que regula o usucapião:
E1 = posse mansa e pacífica
E2 = “animus” – elemento volitivo, anímico = ter para si
E3 = lapso temporal – decurso de x anos,etc.
E5 = justo título
(Obs: a rigor, não se trata de um fato complexo constituído por múltiplos fatos. A questão é
que a realidade é sempre complexa, pelo que o conceito de “fato” é discutível. A rigor, todo
fato pode ser cindido em elementos fáticos plurais. Os fatos não existem em si mesmo, salvo
no intelecto humano. Trata-se de um recorte discricionários da realidade operado pela razão.
Bem observado, não há fatos no mundo delimitados, em si mesmo, na sua extensão temporal e
física. A sua delimitação no tempo e no espaço é obra da inteligência humana. Bem como a
sua extensão analítica, a descrição ou não de elementos internos que o compõe. No mundo do
direito, não é a inteligência subjetiva do operador jurídico que tem o condão de recortar
discricionariamente o “fato” do restante da realidade, dizendo o que é e o que não é relevante
para o direito. Antes, é a norma jurídica que tem o condão de operar este recorte, ao descrever
o que é relevante em seu SFH).
Então, as hipóteses fáticas para efeito de incidência são complexas. Aí surge uma
questão crucial para a metodologia jurídica e para o ato de aplicação do direito: Se são vários
elementos que constituem a hipótese fática da norma, todos eles têm que ocorrer no mundo
para que a norma incida? Qual o pressuposto de incidência da norma? Podem ocorrer apenas
alguns e a norma incidir? Esta é a questão.
A teoria das invalidades ou das nulidades aponta exatamente isto. Sobre este outro
específico ângulo ela nos diz: Podem ser que certos elementos do suporte fático não venham a
ocorrer no mundo e, ainda assim, a lei incide, gerando o fato jurídico.
Como vismos, não resta dúvida que, se ocorrem todos os elementos da norma no SFC
a norma incide e, incidindo, ela é condição básica para que o fato jurídico tenha existência.
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Mas quando a descrição hipotética da regra é complexa, composta por múltiplas dimensões
fáticas, não ocorrendo toda esta complexa precisão fática no mundo, a norma pode incidir?
Isto nos conduz a uma outra questão crucial, se a teoria das nulidades nos aponta este
dado novo, isto é, nos suportes fáticos hipotéticos complexos nem todos os elementos
precisam necessáriamente ocorrer no mundo fático para efeito da incidência, perqunta-se:
quais precisam ocorrer? Será que existem alguns, um ou mais de um que não ocorrendo a
norma não incide?
Ex: vamos pelo método indutivo = de um dado mais empírico em direção à conclusão
teórica. Sabemos que existem os elementos essenciais para um negócio jurídico. Quais são
esses elementos? 1) a vontade, 2) os agentes e 3) o objeto. Estes são os pressupostos de
incidência mas, existem outros elementos que vão repercutir, não na existência, mas na
validade e na eficácia: licitude do objeto, capacidade do agente, etc. Deste modo, conclui-se
qu alguns elementos do SFH complexo são essenciais para a incidência da norma., outros não.
Pelo que eles têm um valor diferenciado, um estatuto diferente, então temos que classificá-los.
.
Os elementos do suporte fático hipotético são:
1. elementos nucleares: aqueles cuja ocorrência no mundo fático é pressuposto de
incidência. Se um ou mais elementos nucleares não ocorrerem no mundo fático (v.g., se não
houver sujeito,se não houver objeto ou se não houver manifestação de vontade) não se dá a
incidência da norma, pelo que não se há que falar em existência do fato jurídico. Existir o fato
jurídcio ou não é um problema distinto da validade do fato jurídico. Se um fato jurídico não
existe, não há porque discutir sua validade e nem discutir eventuais efeitos. A inexistência do
fato jurídico significa que o fato em questão não tem significação nenhuma para o direito.
1.1. Os elementos nucleares se subdividem em : Cerne e Elementos completantes.
Isto diz respeto à Teoria do Fato Jurídico, especialmente a sua classificação, conforme
trabalhamos acima: cada espécie de fato jurídico repete sempre o mesmo cerne do suporte
fático. É o núcleo mais significativo da hipótese fática da norma, fixando a existência do fato
jurídico no espaço e no tempo, definindo fundamentalemente que espécie de fato jurídico se
trata. Vejamos um exemplo: qual é o cerne do suporte fático de todo e qualquer atos jurídicos
lato sensu? Qual o ponto mais importante do seu núcleo? É a manifestação da vontade. Todo
ato jurídico é um ato jurídico porque o núcleo do suporte fato complexo da norma jurídica
descreve, em todos eles, e fundamentalmente, uma manifestação de vontade. Então, o certe é
idêntico para todos os atos jurídicos, sejam negociais ou não, seja de direito público ou
privado, seja de direito civil, administrativo ou processual, e assim por diante.
Resumo: cada espécie de fato jurídico repete sempre o mesmo cerne que é o núcleo do núcleo
do suporte fático complexo da norma jurídica.
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2. elementos complementares: não dizem respeito, não são pressupostos de incidência
mas, que repercutem no plano da validade, da eficácia
ex: X vende um automóvel com uma procuração, só que o representado nesta
procuração estava morto. Do ponto de vista jurídico, existe um contrato de compra e venda? O
procurador não é parte no contrato. O contrato é entre o morto e X. morto não negocia porque
a primeira coisa que ocorre com a morte é a perda da personalidade. Só pode figurar numa
relação jurídica o sujeito de direitos, quem é dotado de personalidade, ainda que seja um
início de personalidade, uma quase personalidade, uma quase pessoa jurídica, ou uma quase
pessoa natural. O nascituro é uma quase pessoa natural. Fora daí não existe. Então, falta
sujeito – elemento nuclear. Então, inexiste porque não ocorre a incidência da norma.
Compromete o plano da existência. Inexiste o contrato de compra e venda. Pode existir um
crime, mas, aí é outro aspecto. Vai-se ver se esta conduta dele foi uma conduta típica, um
estelionato. Eventualmente se enquadra num tipo penal, a norma penal incide.
Este estudo do SFH é importante para aprofundar a análise de uma teoria das
validades.
Dentro dos elementos que compõem o núcleo, nem todos têm o mesmo sentido, a
mesma identidade. Há uma diferença entre eles. E é ela que vem para relaxar um pouquinho a
nossa angústia: porque a gente fica pensando, se essa teoria que é Pontes de Miranda tem
procedência e a gente tem que classificar os elementos do SFH, cada norma vou ter que
classificar? Como vou identificar em cada norma o que é o que?
SUPORTE FÁTICO COMPLEXO
Subdivide-se em
SUPORTE FÁTICO INSUFICIENTE
SUPORTE FÁTICO SUFICIENTE - DEFICIENTE
- COMPLETO
Se na maior parte das normas os suportes fáticos hipotéticos são complexos, nós temos que
ver se eles são insuficientes ou suficientes. Se os fatos que ocorreram nomundo são suficientes
para que a norma incida ou não. Por exemplo: F1, F2 e F3 fazem parte do elemento nuclear e
ocorreram, F4 não. Não ocorreu. É suficiente? É . Ocorreram os elementos nucleares é
suficiente para a incidência e para o fato dele existir mas está faltando o F4, assim, embora
seja suficiente para a incidência é deficiente, ou seja, vai comprometer. Ex.:Existem sujeito,
objeto, manifestação de vontade mas, mas, uma das partes é jurídicamente incapaz e não está
assistida. Fazem o negócio, são suficientes os elementos para que incida a norma? São. É
deficiente? É. Falta um elemento complementar. Qual? O relativamente capaz tem que estar
assistido. Então é deficiente. Compromete a validade. O negócio é inválido. Produz ou não
produz efeitos? Produz.. o negócio jurídico anulável produz efeitos até à sentença anulatória
transitada em julgado. Tem que ser anulado judicialmente ou convalidado( o assistente
ratifica).= convalidou – tornou válida = sanou o vício da invalidade. Se ele está completo,
tudo bem, é como deve ser.
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OBS: Isto é uma razão epistêmica, analítica, esquemática. Foi isto que a gente fêz no Direito.
Isto não existia antes quando o Direito era apenas casuístico, e não sistemático, ou seja, era uma
prudência, sem pretensões de ciência. Era uma prudência casuítica (cujas normatividades construiam-se
em tornos de casos típicos) e, portanto, não estava sistematizado neste nível. Portanto, a construção de
teorias como a do fato jurídico e a do suporte fático hipotético, com suas classificações decorrentes, é
justo o produto do esforço da razão analítica, a razão científica, epistêmica, em transformar a prudência
jurídica em uma ciência.
Por outro lado, apesar da moderna legislação decorrer de uma construção sistemática,
o ensino tende a esquecer a base teórica em nome de modelinhos de fácil apreensão
mneumônica, de fácil memorização. Se diante de uma questão qualquer, voce não consegue
resgatar a informação na estrutura de sua memória, não consegue solucionar o problema, pois
não sabe raciocinar juridicamente a questão. É o que fazemos. Nós estudamos o direito assim,
sempre querendo que o professor nos dê esquemas prontos. A teoria da validade do Direito
Privado, por exemplo, nos ensina assim:
SISTEMÁTICA LEGAL DAS VALIDADES E INVALIDADES (Código Civil)
Negócio Jurídico
existente
VÁLIDO NULO ANULÁVEL
Presença dos Ele-
mentos Essenciais do
NJ (corresponde aos
nucleares do SFH)
Presença de todos os
Elementos comple-
mentares do SFH
Ausência de certos
elementos comple-
mentares do SFH
Ausência de certos
elementos comple-
mentares do SFH
Sujeito
Objeto
Forma
Capaz, relativamente
incapaz assistido, ou
absolutamente incapaz
representado
Lícito e possível
Prescrita ou não defesa
Absolutamente
inca- paz não
represen- tado
Ilícito e impossível
Contrário à forma
prescrita ou
conforme a proibida
Relativamente inca-
paz não assistido
(objeto não diz
respeito a anulabi-
lidade)
(forma não diz
respeito à anulabi-
lidade)
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Manifestação da
vontade(cerne)
(obs: se faltar qq um
dentre os elementos
essenciais, o negócio
jurídico inexiste)
Livre e consciente
(manifestação da
vontade não diz
respeito a nulidade)
vícios do consenti-
mento (erro, dolo
coação, simulação,
fraude contra credo-
res)
Isto é memorizar, sem compreender a estrutura das nulidades, desde uma concepção de
norma e fato jurídico, até a compreensão dos fundamentos das nulidades, o papel que cumpre
dentre de uma ordem jurídicas regras invalidantes.
Este esquema não reflete corretamente as normas jurídicas de direito privado. O
incapaz pode fazer negócio jurídico válido desde que seja representado ou assistido, mas a
simplicação do esquema é necessário para o processo de memorização, pelo que as
informações esquemáticas são sempre incompletas, elípticas, mas que pressupõe certas coisas
que a gente não está acustumado a pensar, pois não exercitou o pensamento jurídico, e acaba
fazendo com o operador incorra em erros crassos – até mesmo os mais banais, como o do
exemplo. Tanto mais complexo o âmbito teórico-jurídico que enfrentamos para operar o
sistema jurídico, quanto mais insuficiente se mostra esta “eduação da memória” com seus
esquemas simplificadores.
Vamos fazer um pequeno ensaio disso aí no plano do Direito Penal só para ver que a
coisa não é só o âmbito de Direito Privado mas que permite algumas reflexões também no
âmbito do Direito Penal. Como se pode colocar isto aqui no âmbito do Direito Penal? Se
deslocarmos nossa reflexão para o âmbito do Direirto Penal vamos tirar algumas conclusões
interessantes, bem polêmicas, mas, bem fundamentadas:
A Norma que é a lei penal incide sobre um suporte fático concreto (tipo penal) que é
um fato da vida descrito no tipo penal, gerando um fato jurídico: o crime, que é um ato ilícito
penal.
Direito subjetivo de punir do
Estado(pretensão punitiva)
O Crime é fato jurídico que irradia eficácia jurídica = X
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Dever genérico de cumprir pena
Esta é a relação jurídica penal, entre o agente do ato ilícito e o Estado punidor:
pretensão punitiva X dever genérico de cumprir pena.
Se o crime ingressa no plano da Existência, automaticamente irradia Eficácia
jurídico (direito de punir e dever de cumprir pena). Entre a existência do crime e a irradiação
de efeitos jurídicos não se interpõe qualquer plano da validade, porque os atos ilícitos não se
submetem ao crivo da validade. Somente os atos jurídicos lícitos se submentem.
Mas, nós colocamos justamente aí - não um critério de validade para que o
crime possa irradiar ius puniendi e dever de cumprir pena - um pressuposto de aplicação dos
efeitos jurícos – a culpabilidade. Então, a teoria da responsabilidade criminal cumpre um
papel intermediário no âmbito da aplicação da lei penal (é um campo de estudo interessante
do direito penal).
Vamos adiante: este direito subjetivo de punir é dotado de uma exigibilidade
que se chama pretensão punitiva. Quando o código adotava uma teoria causalista da ação.
Qual era o conceito analítico de crime que nós tínhamos? Crime era fato típico, antijurídico e
culpável. Ora, o suporte fático hipotético da norma continha a tipicidade, a antijuridicidade e
culpabilidade. Nós adotamos agora a Teoria finalista da ação, onde se retirou a culpabilidade
do interior do conceito de crime, e a colocamos cumprindo um papel intemediário no âmbito
da aplicação. E ficou lá no SFH a tipicidade e a antijuridicidade.
Mas como ficou lá no SFH? O SFH não é tipicidade? Esta é uma questão em que
temos que ter cuidado. Se for a tipicidade o que ocorre? Temos que colocar dentro da
tipicidade a antijuridicidade. Não podemos colocar um elemento externo à tipicidade porque
quem descreve a contrário senso o que é antijurídico é a própria norma penal. É na norma que
está a antijuridicidade.
Como está descrita a antijuridicidade na norma? É a contrário senso, por exclusão. O
que está descrito na norma jurídico-penal são as excludentes da antijuridicidade que está
implícita na descrição típica, salvo quando naquela conduta típica, além da tipicidade, ocorrer
uma excludente de antijuridicidade. É isto que se faz. Então, ela compõe o SFH da norma. De
duas uma: ou nós dizemos – a tipicidade compõe a antijuridicidade , técnicamente seria mais
preciso, mas com implicações no restante da Teoria do Delito, que é uma questão complexa,
teríamos que analisar problemas difíceis com o teoria do erro de tipo, do erro de proibição.
Pode-se dar um exemplo mais rasteiro dessa estrutura. O que ocorria quando se
deixava a culpabilidade junto ao tipo? Entre outras coisas, só nos interessa tirar a
culpabilidade por uma questão prática, para ela tornar a aplicação da lei penal mais coerente.
Por que a teoria causalissta é menos coerente que a finalista? É bem simples.
Peguemos um exemplo prático. Peguemos o art.180 do CPB:” adquirir, receber ou ocultar,
em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para aue
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terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte. Pena reclusão de 1 a 4 anos e multa”. Coisa
que saiba ser produto de crime. Segundo o código anterior, crime é fato típico, antijurídico e
culpável. Então, pega-se, colaca-se uma garotada sem responsabilidade penal, sem
culpabilidade portanto, para cometer furtos e adquiro deles os bens furtados. É conduta típica
ou não? Não é típica porque o que os menores fazem não é crime de forma que falta um
elemento.
São essas repercussões fáticas que têm uma e outra teoria.
As teorias se refletem nas legislações. Quando nós adotamos uma postura
epistêmica, não apenas as teorias são sistemas conceituais mas, as leis são também sistemas
normativos. São sistemas que perseguem as máximas da lógica aristotélica, os princípios
básicos da lógica aristotélica. O princípio da não-contradição, o princípio do terceiro
excluído,...................
Pergunta : por que o ato ilícito não se submete ao princípio da validade?
Porque não tem nenhum sentido prático perquirir-se da validade ou não de um ato
contrário ao direito. Se ele vai ou não produzir efeitos. Se é possível anular, tornar nulo, por
exemplo, um crime de homicídio. Homicídio anulado serviria para dar um brinde ao infrator.
Perqunta: onde entra a capacidade aí?
Este é um problema de culpabilidade e não de validade.
Aqui há uma discussão. Gera um direito de punir mas não é aplicável do ponto de vista
lógico? Ou não gera o direito de punir e se interpõe a validade no meio para freiar a eficácia
jurídica? Esta é uma discussão para se travar. Isto está no bojo de uma teoria do delito.
Mas, não vamos entrar no bojo de uma teoria do delito. Só vamos mostrar o caráter
instrumental.
Pergunta: inaudível.
Resposta: o preceito prevê eficácia. O SFH e a antijuridicidade prevêem as
relevãncias fáticas. Aqui é direito de punir mas, do tamanho da pena. Pena de 6 a 20 anos é
direito de punir do Estado contra um dever de cumprir pena de 6 a 20 anos.
É a estrutura da norma; descreve-se uma hipótese e condiciona alguns efeitos jurídicos
aos quais chamamos “preceito”mas que poderíamos chamar “conseqüência jurídica”. Os
nomes não interessam.
Alguns sustentam que a antijuridicidade não compõe o SFH da norma. Esta não incide.
Ela evita a incidência. Outros dizem:”não, ela incide”. A antijuridicidade evita a incidência
ou não evita? Incide? Existe o crime, ela exclui a antijuridicidade ou não existe o crime
porque a norma não incide? São questões analíticas mais profundas nas quais não vamos
entrar. Mas, o modelo e este aí. Se quizermos entrar fundo na Teoria do Delito vamos ter que
partir desse modelo. É deste modelo que foi tirada a discussão acima.
Com isso chegamos a um ponto suficiente na discussão de fato jurídico. Para
demonstrar que fato jurídico é uma dimensão importante do fenômeno jurídico e a precisão
aqui é de extrema relevância porque se operamos um sistema que tutela direitos subjetivos e
comete violências a partir destas conclusões de existência ou não, de conteúdo e extensão do
direito subjetivo, o direito subjetivo tem um conteúdo tal e uma extensão tal de acordo com
aquilo que aconteceu no mundo e foi apontado como relevante porque estava descrito na
norma. Esta é a importância. Tudo o que a norma descreve o faz com um sentido de dar
juridicidade e dá juridicidade no sentido de fazer repercutir no plano da eficácia. Não há
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gorduras no SFH. O que a norma aponta como relevante é importante porque vai definir o
resultado final, dentro dos efeitos. Se perdermos um pedacinho desse fenômeno na hora que
for jurisdicionar, vai jurisdicionar errado, sem precisão. E a falta de precisão na tutela do
direito subjetivo significa perda de liberdade na cidadania. Tem-se um direito subjetivo que a
magistratura não está tutelando ou tutela parcialmente. E aí pega-se os melhores juristas e eles
dizem que o titular do direito subjetivo tem razão. Aí bate no STF, digamos que este dir.
subjetivo seja público, ex. sobre a condição de funcionário público e o STF está muito
preocupado em quebrar ou não a Fazenda Pública e aí diz que o cidadão tem o direito mas vai
ter que jurisdicionar que não tem porque do contrário a Fazenda Pública vai quebrar. Acabou.
Aí como o STF faz este tipo de jogo, o legislador não se sente com o dever de ser rigoroso na
hora de elaborar a lei.
Aqui o professor vai sair um pouco de Marcos Bernardes de Mello. Terminou o nosso passeio
por aquele livrinho.
PLANO DA EFICÁCIA JURÍDICA
Uma última palavra sobre a eficácia jurídica. O plano da eficácia vai ser
aquele onde o ato jurídico produz seus efeitos, isto é, dele irradiam direitos e deveres.
Eficácia jurídica é direito e dever. É antes de mais nada numa só palavra: relação jurídica.
Porque direitos e deveres são aspectos de uma relação. A relação regular do direito. É essa
relação em regra que se projeta no processo, formando o contraditório. Logo, eficácia jurídica,
ou plano da eficácia jurídica, é onde ocorre a relação jurídica, onde um titulariza um direito
subjetivo e outro um dever. Vejamos mais de perto o que seja o direito subjetivo para, depois,
estudarmos as diversas espécies de vínculos, ou relações jurídicas.
O DIREITO SUBJETIVO
Pretensão é uma palavra que nasceu no pensamento jurídico alemão, e
que encontra-se definido no próprio BGB. Anspruch, ou sua tradução para o português
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pretensão, está definido no BGB nuclearmente como “faculdade de exigir de outrem uma
conduta”.
Ora, mas essa “faculdade de exigir de outrem uma conduta” traduz um
poder pessoal do titular. Este status de titularizar um “poder pessoal” é o núcleo do que
chamamos juridicamente de direito subjetivo. É a própria essência do Direito Subjetivo. Ter
um poder, que pode ser uma faculdade de exigir de outrem uma conduta, é ter um direito
subjetivo.
Note-se, somente o conflito de interesse que tenha esta qualidade, ou
seja, que esteja qualificado pelo existência de uma pretensão (que é um direito subjetivo)
resistida é que caracteriza o que chamamos de lide. Pretensão, para efeitos do conceito de
lide, não é qualquer pretensão, no sentido vulgar da palavra, no sentido da linguagem natural,
mas apenas no sentido técnico: pretensão é faculdade de exigir de outrem uma conduta; a isto
chamamos de exigibilidade do direito subjetivo. Isso aponta a necessidade de deitarmos nossa
lupa, nosso olhar mais meticuloso, sobre o conceito de direito subjetivo, antes de mais nada.
É o que pretendemos fazer.
Como que a gente disseca analiticamente o conceito de direito
subjetivo? O que é uma dissecação analítica de um conceito? Por exemplo, o conceito
analítico de crime é: crime é fato típico e antijurídico. O conceito analítico de norma é:
norma é composta por um suporte fático hipotético (SFH), posto como condição de um
preceito (P). O conceito analítico de crime, portanto, é o que desdobra as estruturas
fundamentais do que constitui crime. O conceito analítico de norma, por sua vez, disseca as
partes estruturais da norma jurídica, ou seja, o SFH e o P. Qual o conceito analítico de direito
subjetivo? Quais as partes fundamentais desta estrutura chamada direito subjetivo?
Em primeiro lugar, não é possível um direito subjetivo sem titularidade,
pelo que direito subjetivo pressupõe sempre um titular. É da essência do direito subjetivo Ter
um sujeito que o titulariza (se o sujeito pode ou não ser uma pluralidade de pessoas
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indeterminadas, esta é uma questão a ser resolvida posteriormente). Temos aí um primeiro
elemento fundamental do conceito de direito subjetivo: a titularidade.
Ora, mas de que me serve a titularidade de um direito subjetivo se ela
não se traduzir em um efetivo poder pessoal? Direito subjetivo tem que traduzir um poder,
tem que ser passível de ser exercido. Ter um direito subjetivo é ter um poder, ou uma parcela
de poder.
Na evolução histórica da forma estatal de organização social, o direito
subjetivo desenvolveu-se como o modo de mitigação, por excelência, do poder absoluto do soberano.
Tanto mais os súditos titularizavam direitos subjetivos quanto menos absoluto se tornava o poder
soberano. Destarte, a evolução do Estado absoluto para o Estado Democrático de Direito, sob a
ótica jurídica, é uma história de crescente surgimento de direitos subjetivos, especialmente os direitos
subjetivos públicos que, em seu conjunto, determinam a qualidade da cidadania, ou seja, do poder dos
cidadão no qual encontra seus limites o poder estatal.
Ora, sendo o direito subjetivo um poder, trata-se de 1) um “poder fazer
(agir) pessoalmente alguma coisa” ou, do ponto de vista do exercício pessoal, apenas 2) um
“poder exigir que o outro faça”? Do ponto de vista de seu exercício pessoal, o direito
subjetivo traduz-se, no máximo, em um poder exigir que o outro o faça pois, se o devedor se
negar a fazer o que deve, o monopólio estatal da tutela jurisdicional manda que o titular do
direito se diriga ao Estado para que este o proteja, cometendo os atos necessários para a
realização do direito, ou seja, agindo para realizá-lo. Assim, toda e qualquer ação no sentido
de realização do direito – ou seja, de tutela do direito - é exclusiva do Estado em face do
monopólio estatal da tutela jurídica, caracteristica fundamental do moderno Estado de Direito.
Dois novos momentos analíticos do conceito de direito subjetivo surgiram neste parágrafo:
além de titularidade, ele também é composto por uma exigibilidade e, por fim, em situações
limítrofes, é dotado de uma impositividade, ou seja, de uma ação material cometida pelo
Estado.
Logo, a estrutura do direito subjetivo é composta por três
elementos fundamentais: 1) titularidade; 2) exigibilidade e 3) impositividade.
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Ora, nos vimos que é da natureza do direito subjetivo a
exigibilidade, ou seja, a faculdade de exigir de outrem uma conduta. Tal faculdade – ou
poder – também é conhecida pelo nome de pretensão (anspruch, em alemão). Portanto, foi
analizando o conceito de direito subjetivo que encontramos, como um de seus elementos
fudamentais, o conceito de pretensão. Se ele compõe o direito subjetivo, podemos dizer que
não há pretensão que não seja direito subjetivo. Mais precisamente, pretensão é a
exigibilidade do direito subjetivo.
Por isso que o conflito de interesses para ser lide tem que ser qualificado por
uma pretensão resistida, um direito subjetivo violado. Só há lide se o conflito de interesses se dá numa
violação de direito subjetivo, senão não há lide. Tal como no exemplo onde tirei moça para dançar e
ela não aceitou. Exerci minha pretensão de dançar com ela e ela resistiu, negando-se a realizar o que eu
pretendia. Mas não há lide, pois tal “pretensão” não compõe um direito subjetivo de dançar com ela.
Nesse sentido, tecnicamente, é que não há o conflito de interesses qualificado por uma pretensão
resistida, não era lide porque essa pretensão não traduzia exigibilidade do direito subjetivo. Tratava-se
do uso vulgar da expressão pretensão”.
Na construção do conceito de direito subjetivo há mais um momento
importante. Além de ser exigível há um momento em que ele deve ser imposto, porque exigir
de outrem uma conduta, para se realizar, depende do outro, ou seja, depende de sua boa
vontade, no sentido de conduzir-se de acordo com nossa exigência. Por isto os direitos
subjetivos dotados de pretensão são conhecidos também por direitos de prestação, já que
dependem de um ato de vontade do outro para ter sua exigibilidade respeitada.
Deste modo, exercida a exigibilidade - que é mera potência a ser
transformada em ato, ou seja, em exigência – e resistida a pretensão, o direito passa a ser um
direito violado. Surge o que chamamos de lide: conflito de interesses qualificado por uma
pretensão resistida.
Entretanto, se o direito subjetivo se limitasse a ser pura titularidade e
exigibilidade, o titular de direito violado estaria em uma situação de absoluta impotência, e de
nada lhe serviria o poder de exigir, pois não haveria como impor o direito quando o outro
resistisse à exigência, ou seja, resistisse ao exercício da pretensão. Então, o direito subjetivo
tem que traduzir-se, em um determinado momento, numa possibilidade de ser imposto ao
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devedor forçadamente, ou sejam em uma impositividade. Assim, uma vez exercida a
pretensão e resistida, o direito subjetivo torna-se violado, pelo que fica passível de ser
imposto. Impositividade é o que surge em regra com a violação do direito, mas nem sempre é
assim. A impositividade é a realização do direito de forma violenta. É um sítio da violência, e
o sistema jurídico, todos sabemos, é um sistema de violência contida. Quando o Estado
garante a impositividade do direito no processo? Na fase final do processo, na execução, que
se dá por atos de violência. Essa impositividade pode dar-se pelo próprio titular do direito?
Em regra não, em virtude do monopólio estatal da tutela jurisdicional. O exercício da
impositividade, que é imposição, é ato de violência, é ação material para realizar o direito, e
se cometido pelo próprio titular, chama-se de autotutela jurídica. Em nosso ordenamento, a
permissão do cometimento da ação material (autotutela) pelo próprio titular do direito é rara,
são excessões que servem para confirmar a regra do monopólio – tal como o desforço
nessessário, para proteger a posse, a legítima defesa, etc. , que são exercício de autotutela, de
ação material, permitido pelo Estado. Chamamos a exigibilidade do direito sujetivo de
pretensão. Agora, como se chama a impositividade do direito subjetivo? É uma dos mais
problemáticos conceitos da teoria jurídica: a ação material.
Ora, esta ação a que corresponde todo o direito, ou que é objeto de
prescrição, segundo a doutrina e a legislação vigente - e que tendemos a pensá-la como ação
processual - na verdade trata-se da ação material, que é elemento do direito subjetivo
material, ou melhor, a impostividade que o direito subjetivo alcança quando é violado. O
conceito de ação material é o de “agir para realizar o direito independentemente da vontade
alheia” (e isso é violência). Ação material traduz-se em atos violência na medida em que,
através dela, voce realiza o seu direito contra a vontade do outro. Tal ação somente pode ser
cometido pelo Estado, ao final de um processo judicial, em regra, em face da violência em que
se traduz.
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Tomemos como exemplo uma relação de crédito e débito: vendi hoje uma televisão e fiquei de receber
o valor no dia 1° do próximo mês. Quando surge a titularidade do meu direito de crédito? Hoje, no
momento em que foi entabulado o contrato de compra e venda, fechado-se o negócio como se costuma
dizer. Se eu quiser alienar esse crédito futuro, já posso, eis que enquanto direito titularizado com
pretensão a surgir a termo, faz parte do meu patrimônio e dele posso dispor. Portanto, eu já titularizei
esse crédito, dispondo de um direito subjetivo. O direito de crédito, enquanto eficácia, já se irradiou,
mas apenas no que diz respeito a sua titularidade e não a sua pretensão, que irá surgir no dia do
vencimento. E isto porque se trata de um ato de autonomia privada, onde nós interferimos no plano da
eficácia pactuando o seguinte: "eu titularizo agora o direito, porque isso é de ordem pública, mas a sua
exigibilidade (pretensão) só vai surgir dia 1°, quando então poderei exigir este crédito; você leva a
telivisão agora, pelo que lhe transmito o domínio através da tradição” Se eu exigir que o devedor
pague antes, por certo haverá um conflito de interesses. No entanto, tal conflito não estará qualificado
por uma pretensão resistida, poi s a pretensão somente surgiá no dia do vencimento. Logo, não há lide.
Mas e se eu resolver entrar mesmo assim com uma ação? Meu pedido será indeferido de plano, por
uma decisão onde serei taxado de carecedor de ação. Toda a estrutura do direito processual, confome
começamos a perceber, está montada a partir destes conceitos e da estrutura do direito subjetivo
material.
É importante observar, no entanto, que tais conceitos surgem
basicamente 1) na teoria geral do direito privado, a partir de um paradigma, um modelo que
tendemos a universalizar, qual seja, 2) o vínculo obrigacional. Ora, se pretensão é faculdade
de exigir de outrem uma conduta, só existe pretensão, tecnicamente falando, no direito de
crédito, em mais lugar nenhum. Se só existe pretensão (no sentido de anspruch) no direito de
crédito, só haverá lide nas relações creditícias? E pedido no processo (pretensão deduzida em
juízo)? Se quisermos rigor conceitual, coerência lógica em nossa teoria, a resposta será a
positiva, desde que mantenhamos os conceitos de pretensão, lide, pedido e ação nos termos
como se está lhes imprimindo definição.
Então não posso falar em divórcio litigioso, pois o divórcio não é um direito creditício. Embora eu não
posso negar que dentro do processo judicial tem várias ações. E a ação aqui é a material. Em cada
direito deduzido tem uma ação. Cumulação de pedidos é igual a cumulação de ações. Cada ação requer
uma decisão judicial distinta. O juiz pode dizer que em relação ao pedido "A" declara carecedor da
ação mas em relação ao pedido "B" e "E", não e o processo é levado adiante. Então há uma correlação
entre pedido, pretensão, direito subjetivo e ação.
O conceito de ação material pode ser explicitado de modo mais claro
quando pensamos nos espaços de franja, de exceção, onde o Estado permite a autotutela. No
desforço necessário, por exemplo, o agir para realizar o direito, garantindo a sua integridade, é
uma violência cometida pelo seu próprio titular, sem ter que ajuizar a questão: ajuizar o que,
se a ação já foi cometida e o direito tutelado pelo seu titular. O mesmo pode-se dizer em
relação a uma legitima defesa da posse ou da vida. É uma violência, uma ação para realizar o
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direito de posse ou da vida, cometida pelo próprio titular, com permissão do estado pois o mal
produzido ali é menor que o mal que seria produzido se o titular, nestas condiçoes, só pudesse
encontrar defesa para o seu direito através da via processual, pedindo que o Estado cometesse
a ação necessária para protegê-lo. Por certo, seria tarde demais. Isso que é ação material. Isso
é a impositividade do Direito. Notem ainda a importância dessas três categorias (titularidade,
pretensão e ação material): elas amarram o direito subjetivo material no direito processual.
A partir daqui, desse conceito analítico de direito subjetivo vão começar
a surgir as várias categorias que irão promover a necessária interrnediação entre o direito
material e o direito processual. Lide, por exemplo, é um conceito pré-processual. Pretensão é
um conceito de direito material, em que pese seja correto falar-se em pretensão processual,
que é outra realidade a ser discutida, e que não se confunde com pretensão material. Ação
também, existe uma material e uma processual. E titularidade? Eis a questão.
Como poderíamos organizar isso aí ? Ora, é que existe no processo dois
direitos subjetivos agitados pelo autor: um direito subjetivo material, ao qual pede-se tutela,
e um direito subjetivo público de ação, de natureza processual. O direito subjetivo público é
o direito subjetivo a tutela, porque o Estado nos tirou a autotutela. O direito subjetivo de ação
processual é se move contra o Estado. Ademais, é incondicional, ao que nos parece, e aí está
o problema. As chamadas condições da ação querem amarrar um direito subjetivo no outro,
mas o direito subjetivo público de ação é incondicional. Eu tenho o direito a tutela estatal
desde que o Estado me retirou a autotutela. Tutela não se confunde com procedência do
pedido (ou da ação, como querem os processualistas da escola de Liebman, com menor rigor).
Ora, se meu pedido ultrapassa as condições da ação e, no final, é julgado improcedente isto
significa que eu tinha ou não ação? Notaram a incongruência. Ainda que seja uma sentença
fulminante e imediata dizendo que se é carecedor da ação, o que se recebe que é tutela
jurisdicional, afinal é uma sentença, ou seja, é atividade jurisdicional. Aqui eu exerci o meu
direito de ação processual. E a rigor, se pensarmos bem, tanto faz o estado-juiz dizer no início
do processo que há, por exemplo, ilegitirnatio ad causam, ou seja, que o autor a toda
evidência não se titulariza o direito subjetivo cuja pretensão deduz em juízo, ou então, no
final, julgar improcedente o pedido porque (sic) o autor não titulariza o direito subjetivo cuja
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pretensão deduz em juízo. A rigor, é a mesma coisa. Qual a diferença substancial? Aí entra
conhsão dos processualistas, dizendo que no primeiro caso não é feito julgamento de mérito e,
no segundo, sim. Parece-me que foi julgado o mérito em ambas as decisões. Dizer que o
sujeito não titulariza o direito subjetivo é mérito, desde que mérito seja a relação jurídica
material subjacente ao processo. Tanto faz se antes ou depois da citação da parte ex adversa.
Aqui o que falta, segundo nos parece, é critério, e isso aí veio de um processualismo
exacerbado, que surgiu com o advento da teoria da autonomia da ação, onde se buscou
construir um direito processual autônomo e, no fim, o que se fez foi um formalismo
processual suficiente em si mesmo, com tal força e de tal modo que as decisões judiciais de
Segunda instância se resolviam afastando o direito material porque (sic) ele acaba
“atrapalhando o processo". Cremos que esta tenha sido uma das mais fantásticas alienações
dos jurístas deste século. Graças a Deus “esse” processualismo está em crise. O recuo desse
concepção excessivamente autonoma deu-se com a recuperação para o processo da inafastável
noção de instrumentalidade. O processo tem que ser um instrumento. A instrumentalidade
recoloca o processo onde ele deve estar: sempre a disposição do direito material, embuído da
defesa deste último. A confusão ocorreu quando o processo não mais quis ser instrumento do
direito material para ser autônomo, suficiente em si mesmo.
Por outro lado, este conceito analítico de direito subjetivo nos permitirá
compreender institutos jurídicos que são tidos por muito como (sic) incompreensíveis.
Retomemos: o direito surge com titularidade já no momento em que surge o fato jurídico. A
exigibilidade eventualmente pode surgir depois. E a irnpositividade pressupõe a violação da
exigibilidade. Ora, se tenho um direito do qual sou titular, e surge minha pretensão e vou
tentar exercer muna pretensão ao que o outro resiste, pelo que surge uma lide, um conflito de
interesses qualificado por uma pretensão resistida. Com isso meu direito adquire
irnpositividade. Mas qual a condição para que surja a irnpositividade? Há um momento sutil
entre a exigibilidade e a impositividade: o exercício da pretensão, que é sinônimo de
exigência. Vejamos este momento mais de perto, buscando maior precisão conceitual.
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Qual a diferença entre o exercício da pretensão e a ação material? O exercício
da pretensão encontra um limite, qual seja, a vontade do devedor. Feita a exigência, o credor
depende de um ato de vontade do devedor para ver seu crédito realizado.
Vamos supor uma dívida querable (dívida onde o credor, na dato de vencimento, é quem deve
se dirigir ao domicílio do devedor para exercer sua pretensão, para exigir o cumprimento da
obrigação). Notem como esses conceitos são fundamentais. A titularidade surge momento do
negócio jurídico, mas a pretensão só surge no dia 1°. Ora, se o credor deve ir até o domicílio
do devedor e exigir, ele encontra o limite do exercício de sua pretensão justo na vontade do
deverdor. Este, por exemplo, abre a porta e diz que não pagará. O direito estará violado,
surgindo uma impositividade. No entanto, o credor não pode agir naquele momento para
realizar seu direito, cometendo atos de violência contra o devedor, retirando-lhe patrimônio
suficiente para saldar a dívida.
Isso é importante. A parte referente a ação material é exercida pelo Estado. Mas
só surge com a violação do direito. Ora, na verdade tem que haver uma lide para que o direito
seja dotado de impositividade. Tem que haver lide porque 1º) tem que ter surgido a pretensão;
2º) tem que ter sido exercida a pretensão; 3º) tem que ter sido resistida a pretensão, de modo
que formou-se um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida. O direito
então tomou-se passível de ser imposto, mas não pessoalmente, e sim via processual, via
Estado. Como este retirou o exercício da ação material do titular do direito, ou seja, a
autotutela, ele lhe deu um direito subjetivo de ação processual. Aí você move uma ação
processual contra o Estado e uma ação material contra o devedor. São dois direitos subjetivos:
um o direito de crédito, ou pretensão creditícia que voce move contra o devedor; o outro, um
direito subjetivo público de ação (e ação processual), que voce move contra o Estado.
Quem não domina teoricamente o conceito de direito subjetivo não será capaz
de compreender a estrutura interna de cada uma de suas espécies: 1) direito obrigacional; 2)
direito potestativo; 3) direitos personalíssimos e dominias, etc.. Jamais entenderá, por seu
turno, o fenômeno da prescrição e da decadência, institutis que estão intimamente ligados a
natureza do direito que atinge.
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Mais do que isto, fica difícil manejar coerentemente o conceito de ação, não
separando da ação processual a ação material, que são coisas absolutamente distintas.
Consequentemente, ninguém se entende a respeito de um conceito de ação. Está instalado o
caos. Vejamos: quando estou manejando uma ação de divórcio, esta ação é material ou
processual? É material, segundo a lógica original da teoria jurídica, antes de instalar-se o caos.
A ação processual não tem nome, é movida contra o Estado, é puro pedido de tutela. A ação
que tem nome e conteúdo é a material, que é movida contra a parte. A ação de divórcio não é
movida contra o Estado, mas contra o cônjuge. Mas, como vimos, com o advento da confusão
atual, cada qual fala de ação de forma distinta e ninguém se entende sobre o significado e
alcance do conceito. Por isso a celeuma em torno do instituto da prescrição. Uns dizem que a
prescrição atinge a ação; outros, que a prescrição atinge o direito. Convenhamos: se
prescrição atinge a ação, esta ação é a material ou a processual? Ora, se for a processual então
o que o instituto está fazendo no Código Civil? Incoerência: o instituto deveria estar regulado
no Código de Processo Civil? Então, estando no código civil, isto indica que o instituto não é
processual. Uma segunda incoerência dos que entendem ação como ação processual e
sustentam que a prescrição atinge a ação: dentro de um processo judicial, a prescrição, todos
sabemos, é questão de mérito. É o que dizem os processualistas. Dizem eles: opor prescrição
é fazer uma defesa de mérito e não uma defesa processual. Se prescrição atinge a ação e essa
ação é a processual (como quer certo processualismo) o autor não deveria ser julgado
carecedor de ação? Como pode a prescrição atingir a ação processual e ser questão de mérito
ao mesmo tempo?
Alguns autores indicam que esta ação não é a ação processual. Assim, a
prescriação atingiria a ação material. Entretanto, nem os que assim indicam o fazem com
clareza. Usam a palavra ação de maneira irresponsável, sem rigor conceitual. Se a prescrição
atinge a ação, sendo tema de mérito regulado pelo código civil, tal ação tem que ser a ação
material. Mas a ação material não cabe mais no nosso discurso jurídico, eis que não se adota
mais o conceito de ação material no estudo do direito subjetivo. De onde vem esta ação
material, portanto? Prescrição, portanto, é tema ao qual nos veremos obrigados a retomar no
momento adequado, qual seja, o do estudo do vínculo obrigacional. Somento compreendendo-
69
se com maior profundidade a estrutura do direito obrigacional e que poderemos equacionar
corretamente o instituto da prescrição.
Aos pouco vai-se notando que há uma armadilha sutil neste estudo do conceito
analítico de direito subjetivo, enquanto titularidade, pretensão (exigibilidade) e ação
material (impositividade). É que esse discurso, tal como a teoria está sendo articulada,
somente se adequa para o estudo do vínculo obrigacional. O Direito, por óbvio, não se reduz
apenas a vínculos obrigacionais. Como se percebe, a teoria jurídica clássica insiste no vício de
querer imprimir universalidade a conceitos particulares. Vejamos.
Prescrição é fenômeno que atinge o direito obrigacional; pretensão é
faculdade de exigir de outrem uma conduta, ou seja, uma prestação, que ó objeto de uma
obrigação (dar, fazer ou não fazer). Logo, pretensão é um fenômeno do direito obrigacional.
Pedido, sendo pretensão deduzida em juízo, é o modo pelo qual se iniciam as ações
condenatórias, que tutelam os direitos obrigacionais (leia-se crédito). Lide, sendo conflito de
interesses qualificado por uma pretensão resistida, diz respeito apenas a direitos
obrigacionais violados. Deste modo, começamos a perceber que a teoria geral do direito
tende a ser uma teoria geral do direito obrigacional, bem como a teoria geral do processo,
tende a ser uma teoria geral da ação condenatória. Eis o que os autores mais cautelosos e
observadores chamam de fenômeno da universalização das obrigações e das ações
condenatórias.
Note-se, quando se fala em prescrição penal, em sede de direito penal, deve-se ter em mente que a
estrutura conceitual e teórica do direito penal moderno foi copiada da matriz obrigacional, daí se falar
em pretensão punitiva, prescrição da pretensão punitiva ou executória, decadência do direito de
queixa, ação penal condenatória, etc). Prescrição em direito privado refere-se a pretensão creditícia,
faculdade de exigir de outrem uma conduta. Conduta aqui se refere a prestação. Prestar é o objeto da
obrigação. O prestar pode ser um dar, um fazer ou não fazer. Tudo está montado a partir do
paradigma do vínculo obrigacional. O Direito Processual, enquanto teoria que articula-se nas
principais categorias do processo (teoria geral do processo) está montado a partir desse paradigma, e a
gente deve ter cuidado, pois, em virtude de nossa formação, nosso pensamento jurídico tende a
universalizar essas categorias, que são particulares ao direito obrigacional.
70
Esse conceito de direito subjetivo tal como estamos estudando é um conceito
de direito subjetivo obrigacional (ou creditício). Portanto, até agora só estudamos a
estrutura do direito de crédito. Exemplo. Vamos ao divórcio, clássico direito Potestativo, que
é direito de constituir, desconsfituir ou modificar relação jurídica subjacente. A estrutura do
direito potestativo se traduz por ter de um lado o poder de desconstituir a relação, por
exemplo, no divórcio - poder de desconstituir relação matrimonial pré-existente. Tem
exigibilidade? Quando surge a pretensão, a faculdade de exigir de outro uma conduta? Ora,
ele não tem pretensão nenhuma, nos termos como a conceituamos. Porque exercer o direito de
divórcio não é como exercer um crédito, em que eu dependo de uma conduta, isto é, que o
outro preste, dê, faça ou não faça algo. Para exercer o direito de divórcio vão dependo de
nenhuma conduta, nenhuma prestação do outro cônjuge. Ou eu exerço e desmonto a relação
jurídica matrimonial, fulminando-a, ou não exerço. O outro simplesmente se sujeita, pois não
está numa condição de obrigado, mas sim numa condição de sujeição. É distinto, portanto, do
direito obrigacional. Ora, se o outro está numa relação de mera sujeição significa que não há
como violar o direito. Portanto, não tem pretensão, logo não pode haver lide, logo não pode
haver violação do direito, enfim, não pode haver, em tese, divórcio litigioso. Existe o
fenômeno do divórcio litigioso, mas aí o que há é cumulação de ações, conforme veremos no
estudo do direito potestativo. Ora, concluí-se, mais uma vez, que tais categorias como
pretensão, lide e pedido, fundamentais para o prodesso, não se prestam para articular uma
teoria das ações que tutelam os direitos potestativos que, conforme veremos, tratam-se das
ações constitutivas.
O divórcio em si, enquanto ação constitutiva negativa, enquanto exercício do direito potestativo de
divórcio, não pode ser litigioso. Só que um processo onde se promove uma ação de divórcio
conflituosa entre as partes, cumula-se em regra outros pedidos, ou seja, outras ações que podem ser
litigiosas. Não há um acordo prévio em relação a uma série de outros direitos que estão embutidos num
casamento, como a separação dos bens, a guarda eventual da prole, o direito a receber pensão, que tem
uma natureza mais ou menos creditícia, mas que é uma relação muito especial de crédito e débito,
passível de ensejar inclusive a prisão civil. Vários direitos que se deduzem num divórcio, além do
próprio direito Potestativo. Neste não pode haver lide, mas nos demais pode.
Ora, como conclusão deste capítulo, as reflexões que ora travamos nos conduz
a um estudo de cada uma das espécies de vínculo jurídico, buscando compreender a sua
estrutura e a estrutura de tutela judicial correspondente. Somente assim poderemos amarrar o
71
direito material no direito processual, compreendento um a luz do outro. Como estratégia,
vamos adotar o conceito analítico de direito subjetivo que tratamos de desdobrar em
titularidade, pretensão e ação, e ver em cada espécie de direito subjetivo como ele se
comporta, se ele se adequa ou não à cada estrutura dos vínculo jurídicos em que os direitos
subjetivos mais tradicionais do direito privado ocorrem (vínculo obrigacional, vínculo
potestativo, vínculo dominial). Trata-se de um estudo do plano da eficácia. Entretanto,
deixamos de chamar estes vínculos - ou sejas, estas relações entre partes que titularizam
direitos e deveres num sentido lato – de relação jurídica por motivos óbvios. É que também
estes conceitos foram identificados com o direito obrigacional e incautamente universalizados.
Assim, para a doutrina tradicional, relação jurídica é o que ocorre entre um titular de uma
pretensão e o titular de uma obrigação. Portanto, o conceito de relação jurídica é identificado
apenas com o vínculo obrigacional. Ora, se relação jurídica é apenas relação de crédito e
débito, então chamemos as demais relações jurídicas (sic) de vínculos. Ademais, o tratamento
dado ao conceito tradicional de direito subjetivo (v.g. “interesse juridicamente protegido”,
que a maior parte dos usuários, incautos, não sabem ter sido retirado da jurisprudência dos
interesses cerca de um século atrás) também o identifica com o direito subjetivo obrigacional.
Segundo expressão bastante difunda nesta doutrina, o direito obrigacional é o direito
subjetivo propriamente dito (sic).
DIREITO SUBJETIVO MATERIAL E SUA CORRESPONDÊNCIA NO PROCESSO
Suporte para um estudo dos vínculos jurídicos tradicionais
INTRODUÇÃO
No capítulo anterior tratamos de desenvolver o conceito analítico de DIREITO
SUBJETIVO. Isto é, tratamos de construir um conceito de direito subjetivo que mostrasse as
partes constitutivas de sua estrutura. Vimos que direito subjetivo implicava em 1° lugar em
72
titularidade. Esta é uma característica inafastável do conceito. Vimos também que não basta
o estado conferir titularidade se esta não for “titularidade de um certo poder”, e este poder é
a essencialidade do direito subjetivo. O titular do direito subjetivo titulariza um certo poder. A
esse poder originalmente se chamou de exigibilidade. O poder de exigir do devedor uma
conduta. Esta exigibilidade se enquadra também de forma original no conceito de pretensão.
Exigibilidade, portanto, é pretensão. Pretensão é um conceito que vem da pandectística alemã
e que significa faculdade de exigir de outrem uma conduta. Por último, vimos que há um
momento em que o direito subjetivo adquire uma nova potencialidade: a impostitividade.
Para conseguirmos compreender essa passagem da exigibilidade para a impositividade, isto é
do surgimento da pretensão para o surgimento da ação material foi preciso inserir entre
essas potências um atitude, um ato, uma conduta efetiva do titular do direito subjetivo: o
exercício da pretensão. Afinal, todo ato é exercício de uma potência. Assim, a exigibilidade
é potência; a exigência, é ato. Exigência é sinônimo de exercício da pretensão. Exercida a
pretensão através de atos de exigência, e encontrando resistência por parte do devedor, o
direito passa a ser dotado de ação material. Ou seja, a ação material decorre da violação do
direito. A violação do direito subjetivo traduz-se num conflito de interesses entre o titular do
direito que exerce a pretensão, exigindo o cumprimento da obrigação, e o devedor que resiste.
Portanto, um conflito de interesse qualificado por uma pretensão resistida. Aqui resgatamos
outro conceito: o de lide. Logo, ação material é o que surge com a lide. É decorrência da
violação do direito. Como não posso tutelar pessoalmente meu direito violado (autotutela), eu
deduzo meu direito subjetivo em juízo, pleiteando tutela estatal. Faço isto através do pedido,
que é pretensão deduzida em juízo. Deste modo, movo uma ação processual contra o estado
e uma ação material contra o devedor resistente e inadimplente.
Ora, diante deste resumo acima, percebemos que começamos a tecer uma rede
conceitual onde se amarram os conceitos do direito material (pretensão, ação material),
conceitos intermediarios entre o direito material e o processual (lide), e conceitos do direito
processual (pedido, ação processual). Devemos, portanto, aprofundar este estudo, eis que é um
dos mais profícuos do ponto de vista prático-jurídico. Faremos uma breve reflexaão crítica em
torno de momentos fundamentais da teoria processualista tradicional e, logo após, iremos
estudar os pontos nodais entre as categorias do direito material e as do direito processual em
73
cada um dos principais vínculos de direito privado: vínculo obrigacional, vínculo potestativo e
vínculo de direito absoluto, em especial o direito de propriedade.
As condições da ação: breves reflexões críticas.
O eixo condutor de nossa amarração conceitual, por certo, foi o conceito de
pretensão (anspruch). Ora, a pretensão inserida no conceito de pedido identifica-se com o
direito subjetivo. A pretensão no conceito de lide, por sua vez, identifica-se também com
direito subjetivo. A pretensão, conceituada em si mesmo, é aquilo que traduz o que há de
essencial no direito subjetivo, é a exigibilidade do direito subjetivo, é o próprio direito
subjetivo em sua essência: a faculdade, em que ele se traduz, de exigir do devedor uma
conduta. Aí começam a ter contornos mais precisos os conceito de lide, pedido e direito
subjetivo, bem como se tornam claros os complexos embricamentos entre eles.
Por exemplo: se deduzo um pedido em juízo, pedindo tutela em um conflito obrigacional onde não há
lide – tal como o credor de dívida quesível que ajuíza uma ação antes de ir cobrar a dívida no
domicílio do devedor, conforme pactuado. O juiz vai sentenciar de plano: carecedor de ação por falta
de interesse de agir. Não há direito subjetivo violado eis que o credor ainda não exerceu a pretensão.
Não há lide. Somente depois de exercêr a pretensão, e de haver uma resistência por parte do devedor,
gestando-se uma lide, aí sim vou ter interesse em buscar a tutela jurisdicional. Deste modo, consigo
entender a carência de ação por falta de interesse de agir. As coisas estão amarradas: com a lide o
direito adquire impositividade, e aí então posso pedir tutela estatal. Carecedor de ação porque sem a
violação do direito não surge a ação material.
Na verdade, o pedido implica em uma dupla pretensão deduzida em juízo: a uma, porque ao
deduzí-lo em juízo, movo uma ação processual contra o estado, o que significa que a uma
pretensão de tutela (pedido mediato). Por outro lado, movo uma ação material contra a parte
ex adversa, pelo que deduzo também do pedido uma pretensão material (pedido imediato).
Façamos um breve passeio pelas condições da ação.
As maiores confusões sobre o tema, segundo nosso entendimento, decorre do
esforço teórico para criar-se uma ciência processualista autônoma, a partir de um conceito de
74
ação que não estivesse vinculado à estrutura do conceito de direito subjetivo: eis tão almejada
autonomia da ação.
Ora, a teorização de uma excessiva autonomia do conceito de ação, apartado
do direito material, gerou um formalismo processual tão radical que o processo passou a ser
bastante a si mesmo, o local por excelência onde se discutiam intrincadas questões de direito
processual, esquecendo-se de tutelar o direito material.
O conceito de lide, por exemplo, não é processual porque independe do
processo. É pré-processual. Só que ele é importante do ponto de vista processual, porque
ocupou o vazio deixado pelo abandono do conceito de ação material, e isto decorreu da
tentativa de tornar o processo – e a sua ciência - autônomos. Assim, segundo a teoria
processualista tradicional, não se consegue tutela estatal se não formos dotados de ação.
Processual ou material? Ação processual, respondem. Seremos taxados de carecedores de
ação processual, pelo que o juíz irá encerrar o processo sem julgar o mérito. Ora, bem
analisado o processo e as decisões judiciais, nestes casos, esta tese não se sustenta. Uma
sentença que fulmina sua petição por carência de ação é, em regra, uma sentença de mérito. E,
mais, ela é tutela jurídica estatal, embora não tenha se perfectibilizado a relação processual
através da citação.
Também o fato de não Ter se perfectibilizado ao actum trium personarum não quer dizer que
não houve processo, pois, segundo a própria doutrina processual tradicional, somente no processo o juiz
desenvolve atividade judicial – atos judiciais propriamente ditos. Ora, se não houve processo, porque não houve
citatação, o que houve então? A sentença de carência de ação é ato judicial ou não? Se não for judicial é o que?
Quando o juiz diz que o autor é carecedor de ação por falta de interesse de agir,
na verdade ele diz, analizando o núcleo do mérito: “o seu direito subjetivo material não foi
violado, logo não é dotado da ação material, pelo que respondo ao seu pedido dando-lhe a
seguinte tutela: não cometo a ação material que voce almeja porque o seu direito subjetivo
não foi ainda violado, logo, você não exauriu os meios menos gravosos para o seu exercício.
Destarte, julgo-o carecedor de ação, por falta de interesse de agir”.
75
Não é isso que o Estado faz na hipótese de carência de ação por falta de
interesse de agir? Não vou cometer a ação material, que é violência, ir lá pegar os bens do
devedor porque você não exerceu a pretensão. Você não exauriu os meios menos gravosos
para tentar realizar o seu direito. Interesse de agir, conforme estudamos, refere-se à exaustão
dos meios menos gravosos, e é muito menos gravoso você, dotado da pretensão, ir lá e exigir
do devedor que cumpra a obrigação. Se ele resistir ao exercício da sua pretensão, ai sim, o seu
direito será dotado de uma ação material que você tem para ir ao Estado e pedir para ele a
exerça, dentro de uma ação processual. O Estado-juiz, prestando tutela, bota a mão no
patrimônio do devedor , em nome do próprio devedor, e subrogado na pessoa deste, pega o
bem objeto da prestação e comete a declaração negocial iuri real pela qual trasmite o seu
domínio para você.
Outro exemplo: qual a diferença substancial entre uma sentença que o diz
carecedor da ação por ilegitimatio ad causam () para uma sentença que, depois de toda a
instrução do processo, diz: julgo improcedente o pedido (ou seja, o autor não titulariza,
segundo se depreende da instrução, a pretensão de direito material que ele julga titularizar? O
que significa dizer: julgo improcedente o pedido? Você não titulariza o direito subjetivo que
você diz ter. É substancialmente a mesma coisa. A única diferença é que numa hipótese o juiz
não quis fazer a cognição mais plena e, na outra, ele o fez. Parece-me outro momento típico
em que se está analisando a titularidade. Ilegitimatio ad causam é titularidade. Falta de
interesse de agir, ausência de exigibilidade, ausência do exercício da exigibilidade. Então não
surgiu impositividade. O problema é que a palavra ação foi retirada de sua origem, o direito
material, e jogada no formalismo exacerbado do pressualismo, de tal sorte que restou
absolutamente confusa e ambígua. Querem ver?
Sustentamos que os processualistas tomaram a palavra ação para si e buscaram
construir, com ela, um processo autônomo em relação ao direito material. Hoje, quando se
pensa em ação pensa em processo e vice-versa. Como se nos momentos onde a tutela do
direito é feita pelo próprio titular o que se cometesse ali não fosse uma ação material, um agir
para garantir ou realizar o direito subjetivo material (desforço necessário e legítima defesa da
posse, por exemplo. Ação é agir para realizar concretamente o direito. Ação é o momento de
76
violência que um poder traduz. É justo o Poder em exercício, e Poder é violência. Poder é
poder cometer uma violência, simbólica ou material. Se eu tenho o poder de exigir uma
conduta, tenho o poder de fazer valer uma violência. Vou ter que aplicar multa, pegar o
patrimônio do devedor aleatoriamente, pegar um bem seu e passar o domínio para outrem,
retirá-lo a força de algum lugar, retiral um bem objeto do patrimônio de outrem de sua
detenão, por atos de força, e assim por diante. Essa violência, eventualmente, pode ser feita
fora do processo, pelo próprio titular, nas hipóteses autotela legitimada pela ordem pública. Já
o Estado só tutela seu direito, cometendo a ação material que o realiza, dentro de uma relação
processual. Só comete a violência através do processo. Mas isso não quer dizer que essa
violência tenha conteúdo processual. A violência tem conteúdo material: atos de realização do
direito.
Na verdade existem dois direitos subjetivos dentro de uma relação processual:
existe um direito ao qual você pede tutela, porque a autotutela foi proibida. E essa tutela é a
ação material, o conteúdo da tutela; agora o “prestar tutela”, que se dá em função da proibição
da autotutela, é atividade que depende da relação processual. Existe um direito subjetivo
material, que se agita no processo, e um direito subjetivo processual, que chamamos de
direito subjetivo público de ação. Portanto, as duas ações que se agitam no processo são
diferentes e não se deve confundí-las: a 1) ação procesual e a 2) ação material. A ação
processual, decorrente do direito subjetivo público de ação, se move contra o Estado; a ação
material, decorrente do direito subjetivo material, se move contra a parte ex adversa.
Ora, este direito subjetivo público de ação também é dotado de titularidade,
exigibilidade (pretensão processual) e impositividade (ação processual). Quem titulariza o
direito de ação? Qualquer ente dotado de personalidade. É personalíssimo esse direito, porque
o Estado desautorizou a auto tutela para toda e qualquer pessoa, pelo que tem o dever de
prestar tutela, contra o direito subjetivo público de ação. Portanto, basta a pessoa existir, ser
dotada de personoalidade, para Ter ação. Muitos processualistas entendem tal direito um mero
direito de petição, que é uma saída necessária para buscar alguma coerência na doutrina
processualista tradicional.
77
Isto porque, se eu ajuízo uma ação, pedindo tutela, e não tiver direito
subjetivo, eu recebo tutela dizendo que não procede minha ação (rectius: o que não procede é
o pedido). Ora, ao ser julgado improcedente o meu pedido, eu exerci ou não uma ação?
Recebi ou não tutela? Por outro lado, se eu pedir uma tutela numa ação declaratória de
inexistência de relação jurídica eu titularizo que uma ação, ou sou carecedor? Afinal, não há
que se falar que eu titularize um direito material. Eu estou pedindo para que o juiz diga que
não existe direito material. Por certo, chamamos de ação: ação declaratória, por sinal. E o que
recebo do Estado, chamamos tutela jurisdicional. Há jurisdição. Portanto, esse direito
subjetivo público de ação não se confunde com a ação material, dotada de um conteúdo, tal
como a ação condenatória, a ação reivindicatória, a ação de usucapião, etc. (tidas como
processual, mas todas elas consituindo-se em ação material). Mais do que isto, a titularidade
deste direito público é eficácia do início da personalidade: qualquer personalidade, ou seja,
qualquer pessoa natural ou jurídico, por ser pessoa, o titulariza.
O sujeito pode simplesmente mover uma ação e o juiz dizer que não tem
procedência o que se pediu, o que é uma resposta do Estado, em relação ao pedido. Agora o
cometimento da ação material o Estado só vai fazer se você titularizar o direito que você diz
titularizar e, mais do que isto, se tal direito for dotado de uma impositividade: a ação material.
Quando você exerce pura ação processual, tal como na numa ação de declaratória da
inexistência de direito subjetivo material, você não está titularizando direito material nenhum,
não possui ação material, não há porque executar a sentença, ou seja, o Estado cometer a ação
material, que se traduz em ato de violência. Então você está exercendo apenas o direito
público de ação, e está recebendo tutela - no sentido de resposta estatal ao seu pedido
processual, sua pretensão processual. Não há se confundir pretensão material, que se constitui
em atos estatais de violência para realização do direito material, e pretensão processual, que se
traduz em resposta estatal ao pedido. É que há um pedido imediato, onde deduzo a pretensão
material, e um pedido mediato, onde deduzo a pretensão processual: portanto, dois são os
direitos subjetivos, e não se deve confundí-los. A teoria processualista tradicional, segundo
nos parece, faz essa confusão. Por isso, quando se fala em ação, pensamos em processo.
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A ação processual se move contra o Estado, e a material contra a parte ex
adeversa. Contra o Estado você move uma ação processual, exercendo uma pretensão de
receber tutela. Contra a parte você move uma ação material, exercendo uma pretensão de ver
atendido o seu direito subjetivo, ver cometida pelo estado a ação material que ele o proibiu de
cometer, ou seja os atos concretos para realização de seu direito.
PERGUNTA: se num processo o juiz entende que há ilegitimidade ou falta de
interesse de agir, afirmar que isso é mérito não implica estar confundindo o pedido mediato
com o imediato? Porque nesse caso o Estado estaria se recusando a analisar o pedido
imediato...
Não. O Estado vai analizar, nestes casos o pedido imedianto, a despeito de
opinião oposta. Dizer que o sujeito é carecedor de ação por ilegitimatio ad causam, conforme
já disse, significa que o sujeito não é titular do direito na relação de direito material. Ora, a
relação jurídica de direito material é justamente o mérito do processo. Ou então temos que
definir o mérito de outra forma, definição esta que eu não conheço. Por outro lado, o pedido
imediato implica, necessariamente, no pedido mediato. Não há que se confundir um e outro.
Você persegue ação material de seu direito subjetivo através do processo justo porque o
Estado lhe retirou a autotutela. Logo, se você deduz o pedido imediato, pretendendo que o
Estado cometa, por você, os atos deviolência para realizar o seu direito, ou seja, a ação
material do seu direito subjetivo, por óbvio voce está, também, deduzindo uma pretensão
processual, um pedido mediato implícito de tutela jurídica estatal, eis que está proibido de
cometer pessoalmente a ação material do seu direito.
As condições da ação traduzem uma indispensável estratégia de jurisdição
fulmitante, que evitasse a instruação processual em casos de solução evidente a primeira vista.
Sua importância para jurisdição é inquestionável, principalemente em face do excesso de
demanda em relação a estrutura do estado, de seu aparelho jurisdicional. Entretanto, o que se
questiona não é a função prática destes institutos, mas sim o seu péssimo equacionamento
teórico. Tais institutos de direito processual foram criados pelo italiano Liebman, em São
Paulo, em meados deste século, fazendo surgir importante escola processualista no Brasil. E
isto porque ele abandonou temporariamente a Itália, sua terra natal, fugindo da Segunda
79
Guerra Mundial. Ele sustentou essa teoria quando voltou para Itália, após a guerra? Não,
apenas o fez parcialmente. E nós, no entanto, a repetimos até hoje, no mais des vezes uma
forma pouco refletida.
PERGUNTA: se o juiz vê que está ocorreu a prescriação, ele não vai analisar o
resto daquele pedido do autor. Simplesmente diz que prescreveu?
Prescrição é matéria que o juiz não examina de oficio, é uma forma de defesa
direta. Diz respeito ao mérito do pedido, é questão de mérito, portanto. Diz o réu, em sua
defesa: “reconheço a existência de direito subjetivo mas oponho a prescrição. Logo, ele
titulariza e ajuíza um direito não mais dotado de pretensão."
PERGUNTA: mas no caso, a pessoa que teve contra si reconhecida a
prescrição ainda vai ter mais uma instância para que o resto do seu pedido seja analisado?
O resto do pedido não. Cuidado. Em regra, dentro de um processo, tendemos a
exercer, sempre que possível, múltiplas ações: trata-se de cumulação de pedidos, que é o
mesmo que cumulação de ações. Cada pedido, uma ação. Por isso que é importante saber
fazer uma dissecação analítica do direito material, compreendendo a fundo a sua estrutura,
para saber o que pedir e como pedir. Por exemplo, se você ingressa com uma ação quanti
minoris, como é que articula o pedido? O que é uma ação quanti minoris? É uma ação para
diminuição de preço, porque o objeto da compra e venda apresentou um vício redibitório.
Como é que você pleiteia ao final? Você demonstra existir o contrato de compra e venda,
prova o vício redibitório do bem objeto da prestação através de alguma perícia técnica, se
necessário, e pede a modificação da relação contratual, ao final, traduzida em diminuição de
preço. Trata-se de uma ação constitutiva modificativa. Ora, voce deduz em juízo um direito
potestativo. Se for um bom advogado, aproveita e cumula uma ação condenatória para
perseguir a devolução do dinheiro paga a mais, na hipótese de procedência da ação
constitutiva. Uma simples cumulação de ações. – ou de pedidos, como queiram.
80
O que aprenderemos na aula de hoje é a não confundir mais isso, através da
análise do vínculo obrigacional. Vínculo obrigacional se tutela com uma ação condenatória.
Depois nós vamos ver o vínculo Potestativo, que se tutela com uma ação constitutiva. E nós
vamos ver como é a estrutura do vínculo obrigacional,. Depois, estudaremos a natureza
jurídica do vínvulo potestativo, e como se diferencia um tipo de vínculo do outro.
Como vimos acima, o direito de diminuir preço é o poder de modificar uma
relação jurídica subjacente. Modificado, pela via judicial, o preço, resta um crédito para o
autor, em relação ao réu da ação constitutiva – o vendedor do objeto defeituoso. A ação
correspondente a este crédito, por certo não é de natureza constitutiva, mas sim condenatória.
Pois você aproveitará o mesmo processo e fará uma cumulação de pedidos, deduzindo neles
as duas ações O juiz, por sua vez, será obrigado a cometer duas decisões judiciais, o que fará
na mesma sentença. Se você for fazer, por exemplo, um concurso público para juiz de direito
você vai em primeiro lugar decidir o pedido constitutivo modificativo, em uma sentença de
natureza constitutiva. Em segundo lugar, decidirá o segundo pedido: Condeno fulano à
devolução do preço pago a mais, de acorde com a modificação de preço operada na ação
constitutiva modificativa. No final, portanto, você vai exarar uma sentença com duas decisões
judiciais: uma de natureza constitutiva e a contra, condenatória.
Por isso é importantíssimo estudar a teoria geral, apesar de uma resistência natural que alguns
estudantes oferecem: é que, aprendendo a raciocinar juridicamente, você aprende, entre outras coisas, a usar um
critério de compactação da memória. Por isso que é importante a teoria geral, em lugar da educação da memória,
que é meramente informativa, eis que aquela traduz uma educação de formação em direito, e não mera
informação jurídica.
Toda atividade judicial implica, em primeiro lugar, numa atividade cognitiva:
conhecer o direito, através da instrução processual. Depois de conhecido o direito, implica ao
menos em uma atividade declaratória: declarar o direito conhecido. Depois, então, conforme a
natureza do direito conhecido e declarado, implicará em outras espécies e atividade judicial
(constitutiva, condenatória, mandamental). Não existe uma sentença judicial que não tenha,
pelo menos, cognição e declaração – ainda que a cognição seja apenas de inexistência de
relação jurídica.
81
O juiz conhece, declara e constitui. Conhece, declara e condena. Conhece, declara e modifica. Conhece, declara,
e manda (expede uma mandado de busca e apreensão), e assim por diante. Isso traz uma conclusão importante:
Se o advogado não conhece a estrutura do direito material deduzido em juízo, não saberá fazer o pedido correto.
O mesmo se diga do juiz, que acaba cometendo confusões e embaralhando o procresso, e dos promotores, que
dão pareceres completamente descabidos e atravessados.
Não quero me alongar neste tema, aprofundando o conceito de ação. Apenas
joguei com algumas idéias, teci algumas reflexões buscando alguma coerência teórica, da qual
tão carente é esta matéria. Não se nega, trata-se de um tema bastanto complexo. Pelo que,
apenas procure, através de uma abordagem mais metodológica do tema, alertá-los para o fato
do processo civil estar sustentado por uma teoria capenga, de pouco rigor lógico-
metodológico, transpassada de vícios por vezes evidentes, principalmente no que diz respeito
às tão discutidas e comentadas condições da ação. Hoje, este formalismo processual
decorrente da autonomia da ação está em franca decadência. A reflexão processual,
felizmente, busca caminhos em direção ao direito material, agitada por novos ares,
especialmente pelo princípio da instrumentalidade do processo, que outra coisa não significa,
em sua generalidade principiológica, senão um retorno do processo ao direito material.
OS PRINCIPAIS VÍNCULOS JURÍDICOS Breve estudo do plano da eficácia jurídica
INTRODUÇÃO
Antes de mais nada, cumpre delimitar o que estamos chamando de
vínculo jurídico ? Ora, os vinculum iuris, ou “vínculos jurídicos”, constituem a eficácia
jurídica fundamental que se irradia dos fatos jurídicos. Trata-se, portanto, de um estudo do
plano da eficácia do fato jurídico. São relações de direito e dever, ou seja, vínculos que se
estabelecem entre partes, determinadas ou não, onde uma titulariza um direito subjetivo e a
82
outra um dever, ambos em sentido lato. Ademais, chamamos de vínculos jurídicos tais
relações de direito porque a doutrina tradicional, em sua tendência a universalização de
categorias do direito obrigacional (vínculo obrigacional), tratou de usar o termo relação
jurídica exclusivamente para os vínculos de crédito e débito. Portanto, evitamos o uso da
expressão para que não se promovam maiores confusões.
Vamos analizar o tema sob o prisma do conceito de direito subjetivo
acima estudado. O direito subjetivo é composto, do ponto de vista analítico, por 1)
titularidade, 2) pretensão e 3) ação material. Ora, nosso próximo passo é testar a
universalidade deste conceito de direito subjetivo, aplicando-o a cada um dos direitos que
ocorrem dentro dos vínculos jurídicos mais conhecidos. Quais esses clássicos vínculos
jurídicos? Vejamos:
1) o vínculo obrigacional – o mais tradicional de todos, usado como modelo e chamado de
relação jurídica. São tutelados pela ação condenatória.
2) o vínculo potestativo – correspondente aos direitos formativos e a ação constitutiva.
3) o vínculo de direito absoluto – para efeitos didáticos usaremos neste estudo o vínculo
dominial como paradigma. Mais especialmente, nosso paradigma sejá o direito de
propriedade, que é o mais clássico direito dominical. Poderíamos, também, utilizar para este
estudo os direitos da personalidade. Os direitos personalíssimos também são típicos direitos
absolutos. Optamos pelo dominial, eis que sua tutela é mais completa e poderemos, entre
outras coisas, abordar o fenômeno da universalização das ações condenatórias, pelo prisma da
transformação paulatina da reivindicatória numa subespécie daquela, onde o proprietário-
autor, ao deduzir em juízo o seu direito dominial, vê-se transformado, no transcorrer do
processo, em um mero credor contra um devedor obrigado a uma prestação interior a uma
obrigação de (sic) entregar.
(sem revisão)
Portanto vamos fazer a seguinte rota:
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1. Em primeiro lugar, analisaremos o direito obrigacional. Ele é dotado de titularidade?
-tem pretensão?
-tem ação? Esta vai ser a nossa reflexão teórica.
2. Depois vamos pegar o Direito Potestativo. Tem titularidade?
- tem pretensão?
- tem ação?
3. Ao final, estudaremos o direito de propriedade. Ele tem titularidade?
É possível se falar em pretensão dominial? O que
se deduz em juízo numa ação reivindicatória. É uma pretensão dominial? Qual a natureza da
pretensão? Você exerce um direito de propriedade contra todos? Esta pretensão que é a
exigibilidade se transforma em exercício da exigência contra todos? Ou só surge a pretensão
do vínculo de propriedade com a sua violação? Estas questões vamos ter que responder.
Estes são nossos próximos passos. Vamos começar pelo vínculo
obrigacional, analizando desde a sua estrutura até vermos que tipo de tutela ele recebe. Como
se tutela este vínculo? O direito que realiza este vínculo, como se tutela? Ora, através de uma
ação condenatória e de uma posterior execução. Não há ação constitutiva, por exemplo, que
tutele um vínculo obrigacional. Nem uma ação executiva “lato sensu”, ou uma ação
meramente declaratória serve para emprestar-lhe tutela.
A ação condenatória foi feita para tutelar este vínculo e nós vamos
entender porque. E justo pela natureza do vínculo obrigacional é que se separa a atividade
judicial de natureza cognitiva, com declaração do direito e eventual condenação final, da
atividade judicial propriamente executiva.
Resta uma questão muito séria: se a justiça está emperrada por excesso
de processos judiciais, por que nós cindimos a tutela dos créditos - tomando estes não no
sentido comum, qual seja, o de crédito pecuniário, mas no sentido jurídico geral, eis que nem
todo crédito jurídico corresponde à pecúnia. Nós temos crédito contra obrigações de fazer ou
não-fazer, por exemplo, que longe estão de corresponder à “valor em dinheiro” ou,
simplismente, pecúnia.
Por que nós cindimos a tutela aos direitos creditívios em dois processos
distintos? O vínculo obrigacional é tutelado por uma ação condenatória e nós fizemos a
separação. Tem justificativa ou não? Os Tribunais, as Varas Cíveis estão entupidas de papéis.
Para que separar em dois processos a tutela de um crédito?
Estas são as questões que precisamos enfrentar, e é por dentro da análise
estrutural de cada vínculo que nós vamos compreender estas questões. Façamos este breve
estudo dos mais tradicionais vínculos do direito privado.
1. O VÍNCULO OBRIGACIONAL
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(linguagem de sala de aula – NÃO REVISADO)
Este é um dos temas mais importantes da Teoria Geral do Direito. De
fato, o núcleo do pensamento jurídico moderno está calçado na estrutura do vínculo
obrigacional. Ele serviu de modelo para o Direito Penal e para o Direito Processual. É um
vínculo sutil, de extrema importância para o processo civilizatório, e decorrente de milênios
de sedimentação cultural.
Principais Características:
1. Vínculo intersubjetivo (traduz um direito relativo = entre pessoas determinadas).
2. Vínculo pessoal (atinge a pessoa e não o bem);
3. Transitoriedade (existe como tensão ao se realizar, se exaure);
4. Dotado de pretensão (no sentido original do conceito);
5. A pretensão pode surgir após a titularidade e desaparecer antes;
6. Violabilidade;
7. Relativa Incoercibilidade do vínculo;
8. Tutelado através de ação condenatória;
9. Preenche todas as caracteristicaas do conceito analítico de direito subjetivo.
Ou seja, é dotado de:
. Titularidade;
. Exigibilidade (pretensão material);
. Impositividade (ação material).
Analisemos, uma por uma, destas características do vínculo obrigacional.
1. É um vínculo intersubjetivo, entre sujeitos determinados, onde se realiza, portanto, um
direito relativo.
O que podemos falar sobre o vínculo?
1. É um direito de crédito relativo
O que quer dizer relativo?
Polo passivo ou devedor ----------------------- polo ativo ou credor
O que significa afirmar que este vínculo é de direito relativo? Significa dizer que o
credor só tem a faculdade de exigir de outrem uma conduta somente em relação ao devedor.
Não pode cobrar, por exemplo, do irmão do devedor. Porque o seu poder é relativo ao
devedor. Em linguagem técnica quer dizer que o polo ativo e o polo passivo são
determinados.
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O que é determinar o polo de uma relação? Determinar para o Direito uma pessoa que
titulariza um dever ou um direito ?Como determina uma pessoa em direito? temos a teoria da
personaliade, o capítulo que fala sobre a individualização da pessoa. Determinar é
individualizar.
Como se individualiza? Nome, endereço, estado civil, filiação.
Quer dizer que as pessoas são individualizáveis e quando se projeta isto no processo se
individualiza as pessoas. Pode ser que o polo seja plural, que a titularidade seja plural. O que
significa isto? Que possua mais de um titular. Mas, todos os titulares têm que ser
determinados, isto é, individualizáveis. Se é dentro de um contrato faz-se a individualização
no contrato, se vai para o processo vai se individualizar no processo.
Técnicamente relativo quer dizer isto.
Em contraposição a um direito relativo que só se exerce em relação ao devedor nós
temos o
Direito absoluto – que se exerce contra todos. São oponíveis contra todos – ex. relação
dominial.
Muito da universalização do vínculo obrigacional se dá por isto. Nós, sempre tivemos
dificuldades em trabalhar com polos indeterminados. Quando nós vamos enfrentar uma teoria
do direito absoluto, em especial dominial, vamos ver que não sabemos resolver o problema.
Não tem solução.
Não é por nada que a reivindicação acaba se transformando numa ação condenatória.
Deveria ser uma executiva “lato senso”. Porque nós não sabemos nem como equacionar
teóricamente em função da indeterminação do polo passivo. O proprietário, na hipótese, é
deteminado. É um ou vários. Mas, digamos que seja um para facilitar. O polo passivo não é
determinado. E aí? Vai se ajuizar uma ação reivindicatóra contra todos? Não tem como. A não
ser que se faça uma citação ficta.
Então, a grande dificuldade do direito de propriedade é encontrar resposta para isto.
A pretensão do direito de propriedade só surge quando há violação. Então, o violador
passa a ser o polo passivo. Aí vem a contradição. Então, ele não é exercido “erga omnes”
porque é à pretensão que se exerce.
Estamos usando vínculo mas poderíamos usar relação jurídica porque o direito
subjetivo propriamente dito é o crédito. A relação jurídica propriamente dita é de crédito e
débito e a ação condenatória que se universalizou é a tutela a isto aí.
Isto se projetou para o Direito Penal? Sim.
O que se submete à prescrição é a pretensão
Há uma separação entre processo de conhecimento e execução. Ação condenatória e
execução.
No processo penal temos : pretensão punitiva do Estado, prescrição da pretensão
punitiva do Estado. A ação condenatória e execução.
Claro que não é idêntico mas, é o modelo, é a base.
2. Vínculo Pessoal
Trata-se de característica que facilita a projeção processual do vínculo, ou seja, a
tutela, conseqüentemente. Uma característica delicada.
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O que quer dizer isto? É uma relação onde se vincula a pessoa, e não o bem.
Ex. X tem a obrigação de dar 1 automóvel a Y. Qual é o objeto da obrigação de X? O
dar. Não é o automóvel. O objeto da obrigação é a prestação.
Crédito---------------------------------------------------------------Obrigação
Então, temos aqui um crédito que é uma pretensão creditícia e aqui temos uma
obrigação
O objeto desta obrigação é uma prestação: dar, fazer, não-fazer.(são espécies de
prestação)
Na verdade, prestar é tomar uma atitude. Só existe um tipo de atitude humana: o fazer.
Mas, por ficção jurídica nós criamos a omissão como uma atitude. O não-fazer não é bem uma
prestação, é uma anti-prestação. Mas nós a tratamos como uma prestação negativa.
Fazer e não-fazer são as 2 básicas. Dar é uma espécie de fazer. O que é o dar,
enquanto prestação? É fazer transmissão de domínio ou, em outras palavras, fazer tradição.
Ou então, é fazer negócio jurídico de eficácia real (os chamados negócios iuri reais). Para se
fazer transmissão do domínio de um bem da esfera dominial de alguem é necessário, antes de
mais nada, uma manifestação de vontade desta pessoa. E se não houver manifestação de
vontade não há como transmitir o bem, retirando-o da esfera dominial do seu titular.
Mas, como o juiz faz promove, nestes casos, a tutela específica, fazendo transmitir o
bem contra a vontade do seu titular? Desenvolvemos a idéia de que o juiz subroga-se na figura
do devedor, para manifestar a vontade como se fosse o próprio devedor e, assim, transmitir o
bem. Mas esse era um problema para o qual não tínhamos saída. Ou adotávamos a teoria
dualista da obrigação e forçávamos a barra de uma tutela específica ou então, ficávamos só
com a tutela substitutiva, que é a indenização pecuniária por descumprimento de obrigação,
ou seja, resolvendo-se tudo em perdas e danos.
3. Traduz-se numa pretensão, que é a faculdade de exigir de outrem uma conduta, contra uma
obrigação, cujo objeto é uma prestação.
PRETENSÃO X OBRIGAÇÃO
4. o vinculo obrigacional é transitório
Significa que o vínculo obrigacional nasce para morrer, em se realizando.
Cria-se uma obrigação para esse vínculo se exaurir quando ela for cumprida. Realizado
o crédito, o vínculo desaparece.
Enquanto o vínculo existir e não for cumprido ele é uma tensão entre o credor e o
devedor. Diferente, por exemplo, de um vínculo dominial que não é transitório posto que uma
situação de domínio tende ao infinito. Se não se fizer nenhum negócio colocando o bem no
meio. Se a coisa não depreciar. A propriedade tende ao infinito não é uma situção de tensão
mas, de harmonia.
Se criarmos um vínculo sem transitoriedade, bastante comum no caso dos contratos de
gaveta onde se cria um vínculo em que o credor não precisa mais fazer nada, até porque com
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aquilo ali, ele amarrou o bem. Deu um alcance real numa coisa negocial. Estes contratos são
lacunosos. Se forem judicializados, o juidiciário vai dizer: este contrato é lacunoso . Contrato
não se interpreta cláusul a cláusula. Se fizermos isto, o contrato não terá lacunas. Mas se
vemos o contrato como um negócio jurídico, é uma compra e venda, é uma sessão de
direitos(hipótese do contrato de gaveta), é um pacto complexo. Pode ser que esse pacto
conteste as lacunas para que dê uma idéia do todo e dele se extraia a possibilidade da lacuna.
Se analisarmoa cláusula a cláusula, temos um fragmento e não vamos ter idéia de lacuna
porque não teremos visto o todo. A quem cabe integrar o contrato? Ao juiz. Isto é o que se
chama: hermenêutica integradora do contrato.
Ler: Karl Laren “Metodologia da Ciência do Direito no capítulo “Hermenêutica
integradora do contrato”
Ora, se é verdade que o vinculo tem que ser transitório. Se a construção do contrato
não implica em transitoriedade no vínculo. Vai lá a magistratura, preenche a lacuna e aí o
sujeito é obrigado a transferir o bem para o nome dele.
5. Incoercibilidade
Por que incoercibilidade? Porque uma pretensão é uma faculdade de exigir de outrem
uma conduta. E fazer alguém fazer alguma coisa é impossível se a pessoa não quiser fazer.
Porque o reduto da vontade é o último reduto da liberdade humana. Liberdade é a
possibilidade de comportamento. Esta é a parte externa da liberdade. A liberdade aqui, no
plano de cumprimento das obrigações, é interior. E esta é incoercível. Se o sujeito não comete
o ato de vontade, não adianta.
O que fizeram os romanos? Percebendo que realmente era incoercível o vínculo. Era
um vínculo pessoal e incoercível determinaram: paga com o corpo. Resolveram o problema.
O débito que era o único centro da obrigação. A obrigação era débito e era pessoal.
Pagava-se com o corpo este débito. Mais tarde, se transformou esta coisa unívoca que era a
obrigação em uma coisa dual. Além do débito, a obrigação tem a garantia = responsabilidade.
O que fazem hoje os negociantes? Além da garantia natural que toda obrigação tem,
eles pegam mais a garantia do fiador = responsabilidade.
Então, hoje a obrigação não é apenas débito. Obrigação hoje é
OBRIGAÇÃO = DÉBITO + RESPONSABILIDADE
Repercussões disto:
Aqui nós entramos no que nós chamamos ato ilicito relativo.
O que vimos quando classificamos o fato jurídico?
Fato jurídico – se subdivide em lícitos - ato jurídico
- fato jurídico (estrito senso)
= - ato fato jurídico
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- ilícitos - ato ilícito absoluto
- ato ilícito relativo
O que é um ato ilícito relativo? Ou um ato ilícito absoluto?
Ato ilícito é ato de violação de direito subjetivo. Se o direito subjetivo violado é um
direito absoluto o ato ilícito é absoluto. Se o direito violado é relativo o ato ilícito é relativo.
Os direitos absolutos são exercidos contra todos então, qualquer um pode violar o
direito absoluto logo, qualquer um pode cometer o ato ilícito absoluto.
Os direitos relativos são exercidos apenas contra o devedor então, somente o devedor
pode violar o direito, cometer o ato ilícito relativo.
Então, o ato ilícito relativo é violação de direito relativo. Quais são os direitos relativos
que nós conhecemos? Só dois: direito de crédito e
- direito potestativo.
- ex: direito de divórcio é um direito potestativo. Só pode ser exercido em
relação ao cônjuge.
Tem um problema: o direito potestativo é relativo mas, os direitos relativos não
dependem de um ato de vontade do outro. Se alguém quer se divorciar não depende de
nenhuma atitude do outro. Logo, eles são invioláveis. Então, só surge para ser violado o
direito relativo a algum tipo de crédito. Como conclusão final: ato ilícito relativo é sinônimo
de inadimplemento.
Norma
----------------Negócio Jurídico------------------Prestação Creditícia
incide obrigação (prestação)
- inadimplemento
Acordo de Vontades
Inadimplemento é um fato jurídico novo. É um ato ilícito relativo.
Assim, temos 2 vínculos:
1.. Temos uma norma que incide sobre um acordo de vontades e mais algumas coisas, posto
que é um Fato Social e gera um negócio jurídico. Este é o fato jurídico. No plano da eficácia
temos o vinculo obrigacional que é eficácia jurídica. Temos lá uma pretensão negocial
creditícia contra uma obrigação cujo objeto é a prestação. Este é o plano eficacial. Isto se dá
num vínculo: devedor-credor.. Polo ativo – polo passivo. Ou seja, a relação jurídica é que é o
vínculo:
2. Mas, houve o não pagamento. O inadimplemento. Surgiu a pretensão e o sujeito resistiu ao
exercício da pretensão. Houve o inadimplemento que é a existência de um negócio jurídico +
surgimento da pretensão+ não-cumprimento (violação).).
isto é uma norma mas que tem um fato mas que tem uma norma que diz:
Negócio Jurídico + Surgimento da Pretensão + Inadimplemento - ocorre o Preceito
(consequência jurídica)
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Então:
Norma jurídica
Incide e transforma isto em
Ato Ilícito Relativo
e forma o
Fato Jurídico
do qual se irradia esta consequência que é a
pretensão indenizatória
responsabilidade civil contratual que é sinônimo de
obrigação indenizável
Aqui, começamos a perceber o que é este tema que todos falam e ninguem sabe
o que é:
TUTELA ESPECÍFICA
Existem vários tipos de tutela
1. tutela específica –quando se é o credor 1) pede-se a tutela a sua pretensão creditícia ou
então 2) pede-se a tutela substitutiva
2. tutela substitutiva – é a tutela decorrente da pretensão indenizatória decorrente do ato ilícito
relativo (ato ilícito relativo é o descumprimento da obrigação original).
A dificuldade da tutela específica é visível. Na última reforma do CPC
aumentaram-se os poderes dos juizes para garantir a tutela específica mas, a característica
principal do vínculo obrigacional é a sua dependência da vontade do devedor (prestar é
cometer um ato de vontade). Colocar poderes extraordinários no juiz, tal como permitir a ele
subrogar-se na figura do devedor para cometer o ato de vontade que este se nega a cometer,
por certo ajuda a tutela da obrigação de dar, mas isto apenas enquanto o bem objeto da
obrigação ainda estiver na esfera dominial do devedor: o juiz subroga-se na sua figura do
devedor para transmiter o domínio do bem objeto da prestação. Se ele já tiver vendido o bem
para terceiro de boa fé e transmitido o domínio do mesmo, o conflito judicializado só pode
resolver-se através da tutela substitutiva. Mas, em se tratando da obrigação de fazer - como a
de pintar um quadro, por exemplo - não adianta dar poderes de subrogação ao juiz, até mesmo
porque ele não saberá pintar o dito quadro. É um problema para o juiz, nesta e em quase todos
as outras hipóteses, ter que perseguir a tutela específica. Só lhe resta fazer atos de coação
externa, tal como as chamadas “astreintes”. Ou seja, vai multando o devedor para ver se
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consegue convencê-lo a cumprir a obrigação. Se não dar certo tal estratégia, vai-se para a
tutela substitutiva, que é a indenização por perdas e danos.
O código civil argentino adotou uma postura diferente, assumindo com maior
clareza a incoercibilidade do vínculo obrigacional. Se o devedor não quizer cumprir a
obrigação não há como obrigá-lo então, vai-se direito para a tutela substitutiva. Inclusive,
permite ao devedor evitar ter seu patrimônio submetido aleatóriamente a atos de constrição,
podendo antecipar-se e quitar a indenização se não quizer cumprir a obrigação original.
Antecipa-se e indeniza. O nosso sistema diz que se o credor não aceitar, o devedor não tem o
poder de antecipar a indenização. E isto porque nós ainda apostamos na tutela específica.
O professor acha que deve ser tentada a tutela específica , ela é mais justa. Mas,
se não houver resultado parte-se para a substitutiva. Mas, do ponto de vista técnico os
argentinos têm razão.
Obrigação é moral. Jurídica é a responsabilidade. Nós tentamos imprimir
juridicidade na obrigação com a tutela específica em alguns casos se consegue, noutros não.
ex: negócio jurídico – um acordo de vontades, sinalagmático entre X e o grupo Y para fazer
show de rock. X que é empresário pagou o combinado. O grupo Y tem uma obrigação de
fazer. Qual o crédito de X? qual a prestação creditícia? O show de rock. É obrigação do grupo
Y: fazer o show. No dia do show o grupo Y não comparece. Surgiu uma pretensão
indenizatória de X. Direito de indenização. O que faz um bom advogado? Pergunta se X
ainda quer o show de rock e pede Tutela específica, requer a pretensão creditícia o show de
rock. Mas, para o caso deles se negarem a fazer o show, pede alternativamente indenização.
Ou seja, vai fazer uma cumulação de ações com pedido alternativo: Eu quero tutela específica
mas, se não for possível quero tutela substutiva. Eu tenho que deduzir dois pedidos. São 2
pedidos alternativos. Deduz o primeiro pedido com sua pretensão e coloca a causa de pedir
que é o negóciio jurídico. Causa próxima e remota. Questão de fato e questão de direito.
Alternativamente, deduz o outro pedido e vem com sua causa, seu fato jurídico próprio. Não
se deve fazer a confusão comum de achar que é um cumprimento do crédito que X já fez em
pecúnia quando na verdade é indenização. Se esta pretensão é em dinheiro facilita. Mas,
tecnicamente é assim que se organiza. Na pretensão indenizatória X não quer apenas o
dinheiro que pagou para o grupo Y, ele fêz outras despesas para o show e que ser indenizado
por tudo. A pretensão indenizatória é bem maior do que fazer show de rock.
Esta é a teoria dualista do fato. Ela é dualista por isto. Teoria dualista das
obrigações é a que está no CCB.
O CCB adotou a teoria dualista das obrigações, ou seja, a obrigação se traduz em 2 momentos
fundamentais:
1. o débito
2 .a responsabilidade.
Só que vêem em fatos jurídicos distintos.
Este primeiro fato jurídico decorre no pedido
OBS: a causa de pedir da pretensão indenizatória decorre do ato ilícito
relativo. X quer o que pagou para o grupo Y+despesas+danos morais. A eficácia do ato ilícito
relativo é muito maior em regra que a do ato jurídico pelo valor.
Sempre que houver cumulação de pedidos há cumulação de ações. Cada pedido
é uma ação. É a regra do processo. Pedido é a pretensão de direito subjetivo deduzida em
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juízo, para que o Estado cometa a ação. É cumulação de ações materiais. É melhor ver pela
ótica de ação material.
Com isto podemos situar alguns pontos da Teoria Jurídica bastante importantes.
Analisar o vínculo obrigacional, um vínculo que é paradigmático. Deu para situar o ato
jurídico relativo. O problema da tutela específica e da tutela substitutiva.
Outros comentários sobre tutela específica:
Se é verdade que o vínculo obrigacional é um vínculo pessoal porque vincula a pessoa e não
vincula o bem ,não irradia do negócio jurídico nenhuma eficácia diminutiva da relação
dominial como de outros negócios, por exemplo, outros fatos jurídicos podem irradiar uma
diminuição, uma limitação do direito de propriedade, por exemplo, uma servidão de
passagem, limita o direito de propriedade. Agora, negócio jurídico não interfere no direito de
propriedade, posto que não vincula o bem, vincula a pessoa . Não tem eficácia real nenhuma.
Em tese. Porque é pessoal. Esta é a teoria.
No entanto, ao chegar no âmbito processual, quando o juiz se subroga, incorpora o devedor e
manifesta a vontade dele, a transmissão do domínio. Será que o Estado não está imprimindo
eficácia real, atingindo um bem no plano do jurisdicional quando em jurisdição de um vínculo
que não tem este alcance? Quer dizer, não está jurisdicionando para além dos limites do
vínculo? Resta esta questão. Para o professor está pois, se o vínculo é pessoal não pode o juiz,
em sede de jurisdição, botar a mão no bem.
O professor prefere fazer como os argentinos, não entregar o bem, não tem tutela específica.
Ninguém tira o bem dele só ele mesmo.
Pergunta: e no caso do compromisso de compra e venda. O que estaria vinculado não seria o
bem?
Resposta: têm certos negócios jurídicos que têm eficácia real. São os negócios jurídicos que
vinculam o bem, o bem fica amarrado. Ex: pagamento de condomínio. São os “propter rem”.
Neste caso vincula o bem, se não for não alcança. É pessoal.
8a. aula – 06.04.1999
A Teoria Geral do Direito que nós conhecemos é de origem privatista. Somente a reflexão
mais atual introduziu pensamento do direito público. Até porque durante muito tempo, nós
estudamos matéria como direito constitucional de uma forma extremamente irresponsável –
como Teoria Geral do Estado – mas, Direito Constitucional propriamente não.
É natural isto. O berço do pensamento jurídico moderno é o direito privado. A primeira
grande codificação nos moldes em que compreendemos os códigos modernamente, isto é, um
sistema normativo, coisa que não existia nem na antigüidade, nem na Idade Média, foi um
diploma de Direito Civil.
O código mais sofisticado, a legislação mais sofisticada que o pensamento moderno elaborou
e aonde bebeu com mais intensidade nas fontes do direito romano é o Código Civil.
É natural, portanto, que uma Teoria Geral do Direito tenha nascido na modernidade por este
viés privatista.
Mas, além da Teoria Geral encontrar o seu berço no Direito Privado, dentro do Direito
Privado foi adotada uma estrutura como estrutura paradigmática, como estrutura modelar
deste pensamento. Qual é a estrutura? O vínculo obrigacional. E a partir deste modelo de
vínculo obrigacional se construíu também, modernamente, um Direito Punitivo. O Direito
Penal está construído á luz das categorias mais fundamentais do vínculo obrigacional:
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pretensão, prescrição, a ação condenatória, separação entre condenação e execução. O modelo
está ali no vínculo obrigacional. Este dado é importante e com ele deve-se ter cuidado.
As próprias categorias do Direito Processual e Teoria Geral do Processo foram construídas
para tutelar direito de crédito do vínculo obrigacional: pretensão creditícia, obrigação. Os
chamados direito a uma prestação, direitos de prestação.
Direito é uma conduta. O direito creditício é direito a uma conduta. Tem-se direito a um dar,
fazer ou não-fazer. Se X compra um automóvel, ele não tem direito ao automóvel. Ele tem
direito a um dar. A uma conduta. Esta é a natureza do vínculo obrigacional e ele é muito sutiu,
muito rico. E por ser um direito a conduta e conduta ser um elemento que depende de um
elemento anímico: a vontade, há uma certa incoercibilidade íncita ao vínculo obrigacional e
isto se justifica então porque nós separamos na tutela a condenação da execução.
A tutela do vínculo obrigacional, que são direitos de prestação é por natureza a ação
condenatória . Esta, nasce do vínculo obrigacional. Se hoje ela ganha outros terrenos não há
como se negar que a origem, a estrutura dela se justifica com mais coerência quando se trata
de tutelar um direito de prestação. Um direito a uma conduta. E justo por ser uma conduta,
separa a ação condenatória da execução.
E é tão ideológica, a nossa cabeça está tão preparada para pensar toda a estrutura como
vínculo obrigacional que nós para classificar as ações, nós separamos em processo de
conhecimento e em processo de execução. E o processo de conhecimento em ação
declaratória, condenatória e constitutiva. Separar conhecimento de execução é bobagem ela é
típica do vínculo obrigacional (direito de prestação) e de mais nenhum outro.
Esta é a estrutura de todo o pensamento jurídico moderno. É o que há por trás do nosso
pensamento que às vezes temos uma certa dificuldade de olhar.
Por que isto aqui? Qual a atividade que um juiz tem numa ação condenatória? Quando o
titular entra com uma petição inicial o que ocorre? Que atividade o juiz começa a tecer aqui?
Começa a tecer a atividade cognitiva. Aí vem a contestação, ele vai conhecer os argumentos
de parte a parte(atividade cognitiva), a instrução do processo e as provas. Até aqui o juiz
conheceu o Direito, atividade cognitiva. Finda a instrução o que o juiz faz numa ação
condenatória? Ele declara o direito que tem que declarar e condena – atividade declaratória,
atividade condenatória (sentença). Depois se quizer executar é um outro processo.
O que é uma sentença condenatória? Ela tem um conteúdo material. Aquilo que o sujeito que
ganhou titularuza, isto é, o seu título passa a ter exigibilidade. Ora, o juiz transforma a
pretensão creditícia num título executivo. O que nós inventamos em direito comercial? Os
títulos de crédito. O que são títulos de crédito? São os títulos que já nascem executivos. Aí
não se precisa ajuizar toda uma ação condenatória parte-se direto para a execução.
Isto é crédito e débito que não são valor em pecúnia. Tem-se crédito contra uma obrigação de
fazer. X naquele exemplo, tinha crédito de que o grupo Y realizasse um show de rock. Tem-se
um crédito de um quadro a ser pintado, crédito de não construir padaria da Quadra X,(um
crédito de não-fazer). Isto é crédito. pretensão creditícia não é dinheiro. Crédito pecuniário é
uma espécie de crédito. É o sentido vulgar da palavra . Crédito aqui é direito subjetivo de
crédito. É direito creditício, direito obrigacional, é direito dotado de uma pretensão que é uma
faculdade de exigir uma conduta: um dar, fazer ou não-fazer.
Esses vínculos de crédito e débito, esses direitos obrigacionais, esses direitos a uma prestação
se tutelam pela ação condenatória. É daí que nasce a ação condenatória. Nasce da
“contenatio” romana que é uma “actio”. A palavra ação também nasce aí porque, nos direitos
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dominiais falava-se em “vindicatio” não se falava em “actio”. A “actio” era para as
obrigações, a “vindicatio” para os direitos de senhorio.
E nós vimos que nosso conceito analítico de direito subjetivo este é justamente o direito de
crédito que é dotado de uma titularidade, de uma pretensão e de uma ação material.
Direito Subjetivo é dotado de uma titularidade
- de uma pretensão
- de uma ação material
tem esses 3 elementos.
Essa pretensão é uma faculdade de exigir uma conduta, Se o sujeito exige e o outro resiste há
uma violação e aí surge uma ação material.
Vimos que não basta ter pretensão para ter tutela estatal. Porque se deduzirmos um direito
com pretensão não violado ainda, isto é, sem ação material, vamos ter uma resposta
jurisdicional nos termos seguintes: julgo carecedor de ação. Porque embora tenha pretensão o
que falta? O modelo processual é um modelo que só serve para esse vínculo .O que falta aí? É
preciso que se tenha uma pretensão para se ajuizar uma ação mas, é preciso que haja uma lide.
O que é lide? Conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida, violada. Se tem
lide, tem ação.
Se x tem uma pretensão resistida por y. x não vai mover uma ação material contra y através
de uma ação processual contra o Estado. X move uma ação contra o Estado pedindo tutela da
sua ação contra o devedor. Pede a condenação dele, para dar executividade ao título para x
poder executar y. Se não achar conveniente não o faz. De qualquer forma tem ação desde o
começo. Se quizer ajuíza uma ação condenatória.
Lide é um conceito processual mas, só se presta ao crédito, não há outra espécie de lide.
Não há que se falar em lide no direito potestativo. Não há que se falar em lide numa ação
pauliana ou numa ação “quanti minoris” aonde entra-se com uma ação para desconstituir o
contrato de compra e venda. Há uma guerra de interesses ali, há um litígio no sentido vulgar
da palavra. Mas, não é lide no sentido técnico. Qual é o sentido técnico que nós temos da lide?
Conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida.
Agora vamos ver porque essas ações embora sejam aguerridas as posições das partes não é
uma ação litigiosa. Não tem como ser, é incoerente porque esta estrutura conceitual do
processo foi montada como toda teoria jurídica para resolver o problemas das relações de
débito-crédito: o conceito de direito subjetivo se presta para direito de crédito, os conceitos
processuais de pedido e lide só se prestam para o direito de crédito. São conceitos
fundamentais do processo.
Pedido é pretensão deduzida em juízo. Existe um direito sem pretensão o qual pedimos ao
juiz, portanto não sabemos o que se pede porque se pedido é pretensão deduzida em juízo este
conceito não serve para nada quando se trata de um outro tipo de direito que não seja crédito.
Com isso conseguimos compreender a estrutura do direito do vínculo obrigacional, o grau de
influência que ele tem no pensamento jurídico, o seu caráter modelar, paradigmático.
Vamos para o Direito Penal e está lá – ação penal é uma pretensão que se deduz em juízo.
Chama-se pretensão punitiva, “jus puniendi”, tem uma ação condenatória e mais execução
posterior embora seja omesmo processo. O modelo está aí. Foi retirado do vínculo
obrigacional.
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Mais ainda, estes direitos, os direitos subjetivos de crédito são os que se submetem à
prescrição. Prescrição da pretensão punitiva porque nós vamos ver que o que prescreve é a
pretensão de crédito e não a ação.
Outras formas de direito subjetivo:
Também é um clássico direito subjetivo embora não chamado direito subjetivo. Por isto
vamos chamá-lo de
VÍNCULO POTESTATIVO
Eis uma primeira questão: o direito potestativo – também conhecido
por direito formativo - é um direito subjetivo? Esta questão surge por imprecisões
doutrinárias. Mais uma vez, decorrendo do fenômeno da universalização das categorias do
direito obrigacional e da correspondente ação condenatória. Deste modo, a doutrina
tradicional usou chamar o direito obrigacional como direito subjetivo propriamente dito.
Isto como se os demais direitos titularizados por sujeitos, não fossem também subjetivos.
Porque não o seriam se 1º) são direitos e 2º) são titularizados por sujeitos, logo, são
subjetivos.
O que é direito subjetivo? A nossa ideologia jurídica moderna está
centrada em torno de uma visão privatista. Dentro do direito privado qual é o modelo?
Vínculo obrigacional. O que é direito subjetivo? É direito de crédito. O resto não é direito
subjetivo? Quer dizer que direito de propriedade não é direito subjetivo? Para este modelo
tradicional, não é. Quer dizer que direito potestativo não e direito subjetivo? Para o modelo
tradicional, também não é. Pelo menos não o são se ditos de uma forma apropriada, segundo
esta doutrina. Então seriam direitos subjetivos, mas não propriamente ditos. Convenhamos, é
muita incoerência, muita imprecisão metodológica a esconder inviéses de caráter
arraigadamente ideológico.
Então o que é direito subjetivo? Crédito, e acabou. É isto que está na nossa
cabeça. Será que direito potestativo não é um direito que alguém titulariza? Chamamos de
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direito potestativo então é um direito. Por que não é um direito subjetivo? Não tem um sujeito
que o titulariza? Então, por que não é um direito subjetivo? Ele não eficácia de um fato
jurídico? É. O direito subjetivo não é uma categoria eficacial, ou seja, eficácia do fato
jurídico? É. Ele não ocorrer em uma relação de direito e dever, ou seja, em uma relação
jurídica? Vai. Mas, a expressão relação jurídica, como vimos, é usada apenas para as
relações obrigacionais, ou seja, relações de crédito e débito. Há um caráter evidentemente
ideológico nesta construção. Vamos além, abordando as incongruências decorrentes da
universalização inconsequente das categorias e conceitos especificamente obrigacionais.
O que se deduz em juízo numa ação pauliana? O pedido? Qual a natureza da
ação? É condenatória? Você pede para condenar o sujeito a devolver o dinheiro na compra e
venda desfeita? Que pretensão é esta? Você tem a faculdade de exigir de outrem a devolução
do dinheiro? O que é uma ação pauliana? Qual a natureza dela? Tem pedido? Tem lide?
Aonde está a lide da ação pauliana?
Ex: x vai a uma loja. Compra um aparelho de som vai para casa e vê que o aparelho de som
está com defeito. Volta à loja e o vendedor quer lhe dar outro de outra marca. X quer daquela
marca. O vendedor diz que não outro. X diz que quer o seu dinheiro de volta. A loja não
devolve. X entra com uma ação pauliana, para desconstituir a compra e venda. Prescreve em 2
meses.
Há uma lide? Há um pedido? Qual a lide? Qual o pedido? X entra com uma ação pauliana em
virtude desse vício redibitório. Qual a lide que há entre ele e a loja? O que é lide? Conflito de
interesse qualificado por uma pretensão resistida. O que é pretensão? Faculdade de exigir de
outrem uma conduta. X tem a faculdade de exigir de outrem uma conduta anulatória da
compra e venda? Eu dependo de uma conduta para anular a compra e venda? Não. Então, não
há que falar em pretensão. Se não há que se falar em pretensão, não há que se falar em lide.
Aí está demonstrado mais uma vez que toda a teoria geral do processo está construída
em cima do vínculo obrigacional
Direito relativo – é o que se exerce relativamente a uma pessoa.
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Direito potestativo- Não há lide, ele já nasce com a ação. Não hão pretensão porque não há
lide. Não há pretensão porque não há contestação, porque ele é inviolável e o litígio só nasce
com a violação do direito.
Quem disse que a ação só surge com a violação? Uma concepção que quer tornar universais
categorias exclusivas do vínculo obrigacional.
Este é o típico direito que nasce com a ação material. A ação que está vinculada à violação é
exclusivamente a ação creditícia. A ação material de direito de crédito. O problema é que se
tenta pegar o modelinho do direito de crédito e torná-lo universal.
Este direito nasce com a ação. O que quer dizer isto? No momento em que é titularizado
automaticamente pode-se deduzi-lo em juízo que o juiz não vai dizer: carecedor de ação.
Conceito de direito potestativo
É o poder que a ordem jurídica confere ao seu titular de constituir, modificar ou desconstituir
relação jurídica subjacente.
Isto significa que para se ser titular de um direito potestativo pressupõe uma relação jurídica
subjacente.
Ex: para X ser titular do direito de divórcio pressupõe uma relação jurídica matrimonial. Para
X ser titular do direito de anulação de um contrato de compra e venda, numa ação pauliana,
pressupõe o contrato de compra e venda. Para X ser titular de um direito de opção por uma
forma de pagamento dentro de um contrato com direito potestativo depende da existência do
contrato. Pressupõe relação jurídica subjacente. Além disso, se alguém não compreender o
que é um direito potestativo deve esquecer o processo porque jamais vai compreender o que é
uma ação constitutiva.
Alguns direitos potestativos só se realizam pela via da ação processual outros pode-se realizar
diretamente, espontâneamente, se quizer, se chegar a um acordo com a outra parte. Porque o
poder potestativo é de desconstituir, depois, para cobrar é uma outra questão. Não se pode
misturar as coisas. É preciso ter precisão metodológica.
A ação pauliana desconstitue mas não resolve o problema judicial de quem a propôs. Resolve
apenas uma parte dele a de desconstituir o negócio, talvez tenha que entrar com uma ação
condenatória. Talvez possa entrar com um pedido cumulativo: primeiro deduz um direito
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potestativo de desconstituir e depois uma pretensão creditícia de condenar. Pode dentro de um
processo haver uma ação litigiosa e outra não. A potestativa, a constitutiva nunca vai ser
litigiosa. Não há litígio no sentido de conflito de interesses qualificado por uma pretensão
resistida numa ação aonde se deduz um direito potestativo porque ele é inviolável e litígio é
onde há violação do direito.
Ação constitutiva
Quando se deduz em juizo um direito potestativo, um poder de desconstituir, constituir ou
modificar uma relação jurídica.
Se X tem o poder de constituir uma ação como o Estado vai realizar este direito? ele vai
constituir por X. A atividade do juiz é constitutiva. Se X tem o poder de desconstituir, o
Estado vai exercer isto por uma ação constitutiva negativa. Vai exercer esta ação por X. Vai
desconstituir.
Isto significa que se alguém não entedeu o vínculo crédito-débito e o direito potestativo
jamais vai compreender com clareza que são ação condenatória e constitutiva. E mais ainda,
jamais vai compreender o que são prescrição e decadência porque os sistemas estão
intimamente ligados.
Ação “quanti minoris”
É uma ação constitutiva modificativa.
Tem-se o vício redibitório mas não quer desconstituir o negócio. Quer abater o preço. Então,
vai modificar a relação juridica subjacente.
Então, X entrou com uma ação “quanti minoris. O juiz vai ouvir a contestação. Vai abrir
instrução. Qual a atividade até o final da instrução? Até aqui do juiz desenvolveu atividade
cognitiva. Para terminar de realizar o direito ele precisa fazer que atividade?. É um poder
modificar um contrato de compra e venda. Vai fazer isto porque X está proibido de fazer por
si mesmo o que é autotutela. O juz vai modificar a relação jurídica subjacente. É uma ação
constitutiva modificativa. Esta ação do direito potestativo acabou. A não ser que ele tenha
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cumulado no processo outras ações. Cumulação de pedidos é cumulação de ações. Cada
pedido – uma ação.
Na ação condenatória o juiz condena alguém a dar, fazer ou não-fazer. Aqui não condena, ele
simplesmente desconstitui , constitui ou modifica a relação jurídica a relação jurídica. O
poder é unilateral.
Por isto o direito potestativo é diferente de uma tensão que é o direito obrigacional, que é uma
tensão entre credor e devedor. A tensão acaba quando o direito se realiza. Ele é transitório.
O direito potestativo é como uma arma, pode-se usá-la ou não.
A ordem jurídica conferiu a X um poder dele constituir, modificar ou extinguir relação
jurídica subjacente. Nem todo direito potestativo se submete a prazo mas,se ela, a ordem
jurídica, deu prazo passou este prazo ela tira este poder de X. E o poder é tirado com tudo:
titularidade e ação. Porque não há direito potestativo com titularidade e sem ação porque a
titularidade nasce com a ação. Estão coladas uma à outra. Titularizar um direito potestativo é
ter uma ação constitutiva. Se titularizou tem uma ação constitutiva e esta ação é material. Aí o
indivíduo move uma ação processual contra o Estado porque ele não pode desconstituir
pessoalmente, para que ele cometa a ação material que é a constituição e desconstituição
dentro do processo. São 2 ações: ação processual contra o Estado e ação material contra a
outra parte.
Deu para compreender o que é uma ação condenatória e uma ação constitutiva à luz de uma
teoria geral do direito.
PRINCÍPIO DA CONVALIDAÇÃO DO FÁTICO
Trata-se de um dos principais desdobramentos do saber prático jurídico.
Sem compreendê-lo, não há como situar adequadamente o tema prescrição e decadência.
Prescrição e decadência são temas decorrentes da essência prática da sabedoria jurídica. Isto
é, decorrem de um tema que está no núcleo da sabedoria jurídica, sendo Direito é um saber
prático. O que diz o princípio da convalidação do fático? Este princípio jurídico básico, que
está localizado modernamente no âmbito da teoria do ordenamento jurídico, e poucos juristas
lhe dedicam a atenção que merece, dado a sua importância para o ato de aplicação do direito.
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O direito, moderamente, é pensado como um todo, uma unidade, um
sistema de normas que chamamos ordenamento jurídico. A razão moderna, de índole
epistêmica, criou o conceito de ordenamento jurídico, através do qual pensamos o direito
como um todo complexo e coerente, de modo a formar uma unidade complexa, ou seja, uma
totalidade. Ora, para se ter uma totalidade, não basta se ter um somatório, um agregado de
partes desconexas. O todo do ordenamento jurídico não é um mero agregado desconexo de
normas jurídicas. Algo no ordenamento jurídico deve emprestar-lhe uma “fundamentação
unitária”, um fundamento para que o pensamos como um totalidade complexa, que é uma
unidade complexa: o ordenamento jurídico. Ou fundamento que empreste sentido unitário
para este todo, que nos permita pensá-lo, em sua complexidade, como uma unidade. O que
empresta unidade para o ordenamento jurídico é o fato dele existir para produzir a ordem
social. Trata-se de um fundamento unitário de natureza teleológica, ou seja, vamos buscar o
fundamento da unidade do todo em sua findalidade. Este é o sentido unitário que nos faz
persarmos este todo, que é o ordenamento jurídico, como “um”, como unidade: o
ordenamento jurídico.
Ora, o sentido unitário do todo se reflexe em cada uma da suas
unidades. Ou seja: se o ordemento jurídico é um todo voltado para a produação de ordem
social, cada norma que o compõe possui a mesma finalidade do todo: dever produzir, ao
incidir e regular fatos da vida, ordem social. Então, o sentido de cada uma das partes que
compõe o todo, ou seja, cada uma das normas jurídicas, é produzir ordem social. Isto porque o
sentido do todo que é dado por esta fundamentação unitária, pelo que tal sentido está em cada
uma das unidades que o compõe. Assim, cada norma jurídica serve para produzir ordem
social. Isto empresta sentido ao ato de aplicação do direito. Ou seja, fora da idéia de produzir
ordem social, a norma jurídica e o ato de sua aplicação não encontram sentido.
O direito, enquanto sabedoria prática, através da imensa experiência
civilizatória que acumula, mostrou ao homem que, se permitirmos que uma situação contrária
à norma permaneça no tempo, sem que se aplique tal norma, devemos ao final convalidar tal
situação, imprimindo-lhe validade jurídica. Isto porque, apesar de contrária ao direito, o fato
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de tal situação Ter perdurado sem a devida aplicação da norma, faz com que o ato de
aplicação desta norma implique mais em produção de desordem do que propriemente ordem
social, que é a sua principal finalidade.
Por óbvio, se deixarmos transcorrer um lapso temporário muito grande
sem aplicarmos a norma, cuja função é produzir ordem social, a uma situação que lhe é
contrária, é mais sábio convalidá-la do que aplicar a norma depois de tanta desídia. Se nós
formos aplicar a norma, lá adiante no tempo, ao invés de produzimos ordem social nós vamos
estar produzindo desordem social, ou seja, justo o contrário do objetivo da norma, e daquilo
que empresta fundamentação unitária à ordem jurídica.
Assim, o saber jurídico moldou o princípio da convalidação do fático
que diz: a situação contrária ao direito deve ser extirpada através da imediata aplicação da
norma. Se tal contrariedade ao direito permanecer no tempo sem a devida aplicação do direito,
então deve ser convalidada, porque aplicar a norma nestes casos vai causar mais desordem do
que ordem. Ou seja, vai produzir um efeito contrário ao sentido de existência e de unidade da
ordem jurídica, o que seria um contra-senso para um saber prático.
Bem observado, todo o ordenamento jurídico é perpassado por este
importante princípio. Todos os ramos do direito tem regras de convalidação de situações
fáticas a ele contrárias. No vínculo obrigacional, por exemplo, uma situação de não aplicação
da norma que realiza o direito de crédito – a tensão em que se traduz o vínculo obrigacional
caracteriza-se por ser transitória, não devendo tender ad infinitum – submete-se ao instituto da
prescrição. A prescrição fulmina o crédito como poder de cobrar uma prestação. Ou seja,
fulmina-o naquilo em que ele é fundentalmente uma exigibilidade, um poder de exigir de
outrem uma prestação.
Os direitos potestativos também nutrem uma certa convaliação da
situação de desuso do poder em que ele se traduz. Se o titular do direito potestativo não
exerce-o dentre de um prazo, perde o próprio direito de constituir, modificar ou desconstituir a
relação jurídica subjascente que lhe diz respeito.
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Os direitos dominias, em regra, sofre pela convalidação de situações de
fato contrárias a eles o que chamamos de usucapião. Se alghém titulariza uma propriedade e
não cuida dela, submete-se ao controle fático do usucapião.
Já os direitos pernsonalíssimos, dada a sua natureza, não se subemetem
a este tipo de lógica convalidativa. Diz-se, impropriamente, que eles são imprescritíveis. Em
direito penal fala-se em prescrição da pretensão punitiva, ou da pretensão executória; em
decadência do direito de queixa, sob inspiração e modelo do direito privado. Em direito
processual, fala-se em preclusão e perempção, em coisa julgada, que é a mais potente
preclusão processual.
Ora, prescrição, decadência, usucapião, coisa julgada, preclusão,
perempção, etc., são institutos que projetam o princípio da convalidação do fato nos mais
variados ramos do direito, nas suas mais variadas manifestações normativas. Já daí percebe-se
a imensa importância de tal princípio.
Vejamos mais de perto os institutos da prescrição e da decadência,
utilizando-se do nosso modelo conceitual.
PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA
A prescrição
O que diz a doutrina tradicional sobre este tema? A prescrição atinge a
ação; a decadência, o direito. Dizemos isto e pensamos: “Ora, a ação a que nos referimos, por
certo, é ação processual; já o direito, não se discute, é direito subjetivo material. É assim que
equacionamos, sem maiores questionamentos, este importante tema. Vejamos as
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incongruências e contradição que incorremos, em virtude deste acatamento irrefletido da
teoria mais comum sobre o tema.
Em primeiro lugar, ao sustentarmos que prescrição atinge a ação, vamos
ter que resolver se esta ação é material ou processual. Se sustentamos que esta ação é
processual, para não sermos incoerentes, temos que questionar porque este tema, sendo de
direito processual, é objeto de regulação pelos diplomas de direito material? Chegaremos a
conclusão, sob este ângulo específico, que a exigência de coerência nos mandará defender a
retirada da prescriçãoa dos diplomas de direito material e a insersão do tema na legislação
processual.
Se assim fosse, a prescrição não tem que estar regulada no CCB, mas sim no CPC. Se é a ação processual que
prescreve, o que está fazendo prescrição desta ação processual no CCB? Não temos que estudá-la em Teoria
Geral do Direito Privado; temos que estudá-la em Teoria Geral do Processo. Vamos ter que fazer uma
modificação tão radical em toda a estrutura do pensamento jurídico, que se torna mais fácil sustentan que a ação
que prescreve não é a processual: é a ação material.
É melhor sustentar como originariamente que prescrição é um instituto
de direito material; logo, ela atinge a ação material. Por óbvio, quando se usou pela primeira
vez a expressão “prescrição atinge a ação”, usou-se no mesmo sentido do art.75 do CCB,
regra segundo a qual “a todo direito corresponde uma ação”. Ora, corresponde, a cada
direito, uma específica ação material. Já a ação processual não é dotada de conteúdo
material, é apenas exigência de tutela contra um estado que monopolizou a tutela jurídica.
Então, dizer que prescrição atinge a ação material é mais sustentável do que afirmar-se que tal
ação é a processual.
Mas, ainda assim, vamos incorrer em contradição. O fato é que, ao
adotarmos as dívidas portáveis como modelo de nosso racioncínio, confundimos com
excessiva facilidade o dia do vencimento, que é o dia do surgimento da pretensão, com o dia
da violação do direito, quando surge a ação material, porque este dia é o mesmo. Em outras
palavras, nas dívidas portáveis, se o devedor não se dirigir ao domicílio do credor no dia do
vencimento, e cumprir a obrigação, automaticamente ele estará violoando do direito do
credor, surgindo daí a ação material.
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É do uso incauto das dívidas portáveis como modelo paradigmático do
raciocínio jurídico que resultou a confusão sobre o verdadeiro objeto da prescrição: a
pretensão, e não a ação material. Para desfazermos esta confusão, basta operarmos o mesmo
raciocínio com o modelo das dívidas quesíveis, onde o exercício da pretensão depende de um
ato positivo do credor, consistente em dirigir-se, no dia do vencimento ou após este dia, ao
domicílio devedor e exigir o cumprimento da obrigação. Assim, em tais dívidas, surgindo a
pretensão com o vencimento, se o credor não exercer a sua pretensão neste dia, não haverá
violação do seu direito e, logo, não surgirá a ação material. No entanto, o prazo prescricional
já estará correndo. Isto pode levar-nos a hipótese em que transcorreu todo o prazo
prescricional e o credor não exerceu a sua pretensão, não sendo portanto violado o seu direito,
não surgindo um conflito de interesses qualificado por uma pretensão exercida e resistida, ou
seja uma lida: a uma só palavra, ocorre a prescrição antes de surgir a ação. Logo, o que
prescreve não é a ação, mas sim a pretensão, a exigibilidade do direito.
Vejamos: as dívidas portáveis que são as mais comuns do comércio,embora a regra contida no artigo 950 do
CCB afirme o contrário. Tratam-se, nas relações de crédito e débito, daquelas em que o devedor porta o valor do
débito até o domicílio do credor, operando o pagamento no dia do vencimento. Em outras palavras, o local do
pagamento do pagamento é o domicílio do credor. Se o devedor não for no dia do vencimento ao domicílio do
credor e pagar, automaticamente está violando o crédito daquele. Então, o dia do vencimento e o da violação é
o mesmo, confundindo-se um com o outro. Por este singelo motivo, surge a ação no mesmo dia do surgimento
da pretensão, pelo que confundiu-se o instituto da prescrição, afirmando-se que o mesmo atinge a ação
(material). Ora, se pegarmos uma dívida quesível, vamos ver que esta conclusão é improcedente. Sendo a dívida
quesível aquela em que o credor deve dirigir-se até o domicílio do devedor e exigir o pagamento no dia do
vencimento, quando surge a sua pretensão, se ele assim não se conduzir, não exigindo o pagamento no dia do
vencimento, não exercendo a sua pretensão material, ao final do dia do pagamento têm-se a seguinte situação:
surgiu para o credor uma pretensõa, mas pelo fato dele não a Ter exercido, seu direito não foi violado, não surgiu
uma lide, nem portanto seu direito ficou dotado de uma ação material. No entanto iniciou-se a contagem do
prazo prescricional. Ademais, se ele entrar com uma ação condenatória contra o devedor, ajuizando o seu
crédito, o juiz vai declará-lo carecedor de ação. Ele ainda não tem ação. Tem pretensão, mas isto não se
confunde com a ação. Mantida esta situação, transcurso o prazo prescricional o credor perde a pretensão
material, pelo que torna-se impotente o seu direito para um cobrança via judicial, pois não haverá mais lide, nem
ação material decorrente da violação da pretensão: esta já não mais existe, fulminada que foi pelo instituto da
prescrição.
Como nas dívidas portáveis surge a pretensão e a ação no mesmo dia,
qual seja, o do vencimento, se confundiu deste modo o objeto da prescrição. Só que nas
dívidas quesíveis nem sempre no dia do vencimento surge a ação. Ora, nos dois tipos de
dívida a pretensão surge sempre no dia do vencimento – o direito passa a ser exigível. No
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entanto, não necessariamente o direito será violado neste mesmo dia, fazendo surgir a
impostividade, a ação material. Quando prescreve a pretensão creditício, isto significa que o
direito teve titularidade e pretensão, mas nunca teve ação. Perdeu a pretensão ficou só com a
titularidade. A titularidade permanece mas, ele não pode exigir odireito porque ele não tem
exigibilidade. Se o credor não tem a pretensão, não pode haver violação do direito.Violação é
resistência ao exercício da pretensão, logo não vai ter também a ação, que decorre justo da
violação.
Agora nos parece que ficou clara a estrutura do instituto. Os direitos nas dívidas
quesíves que não foram violados mas que já venceram há 20 anos prescrevem. Se eles não foram violados não
surgiu ação. Claro, pois o que prescreve é a pretensão. Não tendo pretensão, não se pode exercer o que não se
tem. Não vai surgir nunca a lide que é conflito de interesses qualificado por uma pretensão(que não existe mais)
resistida. Não havendo lide não surge ação. Se deduzirmos em juízo haverá uma sentença fulminante: carecedor
de ação porque não se tem pretensão.
Se pegarmos a legislação, veremos que o CCB faz a maior confusão
com o tema. A prescrição atinge só a pretensão creditícia. Atinge todos os créditos
indistintamente, dentro de alguns critérios. Então, tem o institute tem que estar localizado no
diploma de direito material, em sua parte geral. Se tem que haver regras gerais, ela tem que
estar prevista na Parte Geral do Diploma Legal.
A decadência
A decadência, por sua vez, atinge somente alguns dos direitos
potestativos, e não todos indistintamente. Por exemplo, direito potestativo de divórcio não se
submete a prazo decadencial. Então, vamos ter que tratar o instituto, na legislação, direito a
direito, pelo que ele virá espraiado na Parte Especial do Código.
Os 2 institutos têm repercussões diferentes:
105
O direito prescrito continua no patrimônio do sujeito. Pode ser alienado, doado, ser exercido
contra o devedor na esfera privada se ele paga, se ele contrai uma nova dívida, pode ser
compensado em dívidas do credor para com o devedor.;
Os Direitos Potestativos decaem, pelo que a decadência fulmina o direito potestativo como um
todo, fazendo-o desaparecer completamente. O direito potestativo que tem um prazo para ser
exercido só pode ser exercido no prazo previsto em lei. Como nestes direitos, a titularidade
nasce com a ação, quando se titulariza um direito potestativo na verdade se está titularizando
uma ação constitutiva positiva, negativa ou modificativa. Não existe direito potestativo com
data de vencimento. Se o sujeito titulariza, ele tem o poder. Pode usar ou não. Pode deixar de
exercer o direito potestativo, de acordo com sua vontade. Mas, se ele for exercido, a outra
parte nada pode alegar como defesa, exceto decadência ou inexistência do direito.
Resumindo: o direito potestativo submete-se à decadência; o direito
obrigacional, por sua vez, tem a sua exigibilidade, a sua pretensão, submetida à prazos
prescricionais. Vejamos as incongruências do legislador civil.
Diz o Art. 177 do CCB: “As ações processuais prescrevem....”. Veja-se
a falha do legislador ao indicar que a prescrição atige a ação. Daí vem o erro. Técnicamente
correto seria afirmar-se que “as pretensões de direito material prescrevem...” . É como se diz,
hoje, com maior precisão, na legislação mais atual. Veja-se, para tanto, como o instituto está
organizado no Código do Consumidor. De qualquer forma, por certo a ação aqui afirmada é a
ação material, e não a processual. Afinal, trata-se de regra do CCB, e não do CPC.
Capítulo III – DAS CAUSAS QUE INTERROMPEM A PRESCRIÇÃO – se o legislador
colocou tudo sob o pálio da prescrição, isto significa que o que diz respeito a decadência - e
que ele colocou sob manto da prescrição – submete-se a esta regra? Por óbvio, não. Pelo que,
percebe-se que a distinção dos institutos tem um sentido prático imediato, não se traduzindo
em mera discussão acadêmica. Destarte, o operador jurídico tem que saber diferenciar entre o
que é prazo prescricional e o que é decadencial, ainda que a lei regule todes os prazos sob o
títilo de prescriçaão. Vejamos alguns exemplos do artigo 178 do CC.
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Art. 178 . Prescreve:
1o. em 10 dias....a ação do marido para anular o matrimônio contraído com mulher já
deflorada. A ação é para anular o casamento. Isto é faculdade de exigir da mulher uma
conduta? Não. É um poder de desconstituir ao qual ela se sujeita. É um poder. Um direito
potestativo. Decadência. Não se submete às regras do 178.
IIi. a ação para haver abatimento do preço da coisa móvel, rescebida com vício redibitório,
ou para rescindir o contrato e reaver o preço pago, mais perdas e danos - é um direito
potestativo modificativo. Ação constitutiva. Prazo decadencial. Aqui estão a ação pauliana e a
quanti minoris (a primeira para rescindir o contrato e a Segunda para modificar o preço);
III. ação para contestar a legitimidade do filho de sua mulher - é decadência. Ação
constitutiva.
IV.ação para anular o casamento de incapaz – constitutiva / Decadência.
V – ação dos hospedeiros.......pelo preço da hospedagem... é ação condenatória, sendo o
prazo de natureza prescricional.
E assim por diante...
Ademais, se tomarmos o direito penal, cuja estrutura conceitual
inspirou-se do direito privado, especialmente no direito obrigacional, veremos que ele diz:
prescreve a pretensão punitiva. Então, desde a origem destes conceitos, têm-se que o que
prescreve é a pretensão.
No entanto, estas categorias só funcionam adequadamente no direito de
crédito – e nos demais sistemas nele inspirados, tal como o direito penal, dentro de certas
especificidades que, por ora, não vamos observar. No entanto, nõa se dever incorrer no erro de
universalizar exageradamente estas categorias, porque elas não são universais. E este é o
grande erro da nossa formação teórica.
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O VÍNCULO DE DIREITO ABSOLUTO
(em especial o direito de propriedade)
Bem observado, o aspecto mais importante desse estudo detalhado e sistemático do vínculo
obrigacional e do vínculo, antes de mais nada, é que ele nos qualifica para a compreensão da
a forma de tutela processual pela qual estes direitos são protegidos, ou seja, a espécie de ação
pela qual recebem tutela judicial. Este é o elo indissociável entre a teoria geral do direito e a
teoria geral do processo. Em síntese, se quisermos dominar o direito processual teremos que
compreendê-lo à luz do direito material. O saber jurídico, antes de mais nada, é um saber
prático, embora não seja exatamente uma construção teórica superficial. É absolutamente
ingênuo e improdutivo o estudo compartimentalizado que promovemos nos cursos jurídicos:
de um lado, o direito material; de outro, completamente distante, o processual. Chega-se a
estimular, em certos casos, até mesmo uma disputa entre as matérias. O direito processual
lutou exitosamente pela sua autonomia científica, e o que acabou se criando foi um estúpido
abismo entre duas coisas que devem ser indissociáveis: de nada serve um direito material que
não disponha de uma adequada estratégia processual que o garanta tutela eficaz; é
absolutamente inócuo uma sofisticada teoria processual que não de conta de potencializar,
eficazmente, os direitos subjetivos materiais.
Na verdade, o jurista ao estudar o direito para aplicá-lo ao caso concreto, promove uma
permanente e silenciosa reconstrução do próprio direito enquanto objeto do conhecimento.
Esta é uma nota de especificidade da teoria jurídica. O direito é antes de mais nada uma teoria
aplicada. Ademais, trata-se de um objeto cultural e não natural. Desse modo, é fácil
compreender que nós construímos uma teoria processual exercitando o processo, ou seja,
tutelando alguma espécie de direito material. Por exemplo: nós teorizamos a atividade judicial
constitutiva a partir da experiência da tutela processual dos direitos potestativos, eis que o
exercício de tais direitos demandam esta espécie de atividade judicial. Afinal, eles se
traduzem no poder que o titular dispões de constituir relação jurídica subjacente.
Se separamos teoricamente a atividade jurisdicional em 1) cognitiva, 2) declaratória, 3)
condenatória, 4) constitutiva e 5) mandamental, é porque tais as atividades do juiz refletem
demandas de tutela de direitos materiais específicos, com estruturas específicas, cada qual
exigindo uma atuação estatal diferenciada. Conforme a estrutura de direito material o juiz vai
se utilizar de uma dessas formas de atuação. Por isso, temos que estudar um à luz do outro,
sob pena de não compreendermos, por exemplo, que uma sentença constitutiva existe para
tutelar um direito potestativo. Ou mesmo a sentença condenatória, que torna-se
incompreensível sem um estudo razoavelmente profundo da estrutura do vínculo obrigacional.
Só então é possível compreender, por sua vez, porque as ações condenatórias transbordaram
108
os limites da tutela dos vínculos obrigacionais. Isso é um fenômeno milenar, que iniciou-se
desde a fase final de evolução do Direito Romano, há quase dois milênios, e que avança seus
desdobramentos até os dias de hoje.
O direito absoluto
Os principais direitos absolutos que conhecemos desde o direito privado
são 1) os direitos dominiais e 2) os direitos personalíssimos. Usemos os primeiros como
paradigma para nosso estudo, especialmente o direito de propriedade, que é o principal direito
dominial. Trata-se de um direito absoluto e real porque, em primeiro lugar, se exerce contra
todos e, em segundo, porque vincula o bem patrimonial e não eventual “pessoa” (este último,
tal como nos direito pessoais).
Ora, se a segunda coisa que temos que fazer para estudar o direito
absoluto (além de adotar um paradigma, tal como fizemos com o direito de propriedade) é
termos o cuidado para não confundir o que significa exercê-los, eis que em regra, pensamos
em exercer um direito que ele é violado, e há duas espécies significativamente distintas de
violação do direito de propriedade. Não há que se confundir, a violação do direito de
propriedade consistente em infligir um dano ao bem objeto deste direito é um ato jurídico à
parte, um ato ilícito absoluto que gera eficácia jurídica própria, novo direito subjetivo e novo
dever, desta feita consistentes respectivamente em pretensão indenizatória (que é direito
obrigacional, pois é crédito) e responsabilidade civil aquiliana (que é obrigação de indenizar,
cuja prestação é dar valor correspondente ao menoscabo patrimonial sofrido pelo lesado).
Portanto, quando a violação ao nosso direito patrimonial consiste em causação de dano,
deduzimos em juízo um pretensão indenizatória , que é direito novo, exigindo a condenação
do réu na obrigação de indenizar, de modo a repor o bem objeto de nossa propriedade ao
status quo ante.
Exemplo: se tenho um automóvel, que está na minha esfera dominial, é patrimônio,
e tem o valor de R$ 20.000,00. Paro numa dessas faixas de pedestre e vem um carro e bate no meu automóvel,
causando um dano e diminuindo o valor desse meu bem para R$ 15.000,00. Houve diminuição patrimonial?
Houve violação do direito de propriedade? Qual é o objeto da propriedade? Será que isso é violação? De certa
forma sim, houve uma violação do direito de propriedade. Só que para esse tipo de violação, causação de
dano, a ordem jurídica deu a solução. Diz que isso é um novo fato jurídico. Se existe um fato jurídico do qual
se irradia o direito de propriedade, a causação de dano é um novo fato jurídico do qual se irradia direito de
crédito, uma obrigação. Qual o nome que se dá a essa obrigação? Responsabilidade civil aquiliana. Então
não vou deduzir em juízo o meu direito de propriedade e dizer que ele foi violado. Eu vou deduzir em juízo um
direito de crédito decorrente do ato ilícito, que é um ato de violação do direito de propriedade. Tem essa
sutileza. E isso está fora também e não nos interessa porque como desta violação surge um novo fato jurídico
do qual se irradia crédito e débito, peço tutela referida a estes. E qual a ação que tutela crédito e débito? É a
ação condenatória. Resolvido. Este aí não tem nenhum problema de judicialização. Nós estamos estudando os
direitos aqui para compreender a sua judicialização. Aqui é fácil: o ato ilícito - causação de dano - gera
direito à indenização (crédito), contra a responsabilidade civil (obrigação), então vou pedir a tutela através de
uma ação condenatória. Na petição inicial vou descrever o acidente, vou demonstrar o dano e também o
vínculo causal entre a ação e o dano e vou pedir o crédito, que se pede através de uma condenação. Condena-
se o sujeito a cumprir a obrigação, a dar um valor. O juiz dá a sentença, liquida-se a mesma e na execução
109
resolve-se o problema. Isso é crédito e débito. Então essa violação, causação de dano, não nos interessa,
porque não se deduz em juízo o direito de propriedade.
Não há que se confundir pretensões indenizatórias por dano ao bem
objeto do direito dominial com a dedução em juízo do próprio direito de propriedade. E
quando isto ocorre? Qual a espécie de violação que nos move a deduzir em juízo o próprio
direito de propriedade. Ora, isto ocorre tipicamente na “ação” reivindicatória, justo quando
exercemos o chamado direito de seqüela, um dos poderes que constituem o direito de
propriedade.
Pois bem, vamos começar pelo fim: Qual a natureza da ação
reivindicatória? Como o ordenamento jurídico a trata? Todos sabemos, ela é considerada pela
doutrina como uma ação condenatória. Mas porque ação condenatória, se estas se prestam
estruturalmente para tutelar crédito, ou melhor, pretensão creditícia, que é faculdade de exigir
de outrem uma prestação. Essa prestação, que é uma conduta do devedor, pode ser um dar
valor, dar coisa certa ou incerta, pode ser um fazer ou não fazer. Que espécie de conduta
corresponderia ao direito patrimonial? Um dar?
Ora, com o fenômeno da personalização dos direitos reais, e a
correspondente transformação da reivindicatória numa ação condenatória, criou-se uma nova
espécie de obrigação, a qual chamamos obrigação de entregar. Eis a sutileza: pelo fato de nós
termos transformado a reivindicatória em uma ação condenatória, tivemos que criar uma nova
categoria obrigacional: obrigação de entregar, que é uma subespécie da obrigação de dar.
Mas qual é a diferença entre a obrigação de dar e a de entregar? Na de
dar, o bem objeto da prestação está na esfera dominial do devedor. Vocês se lembram daquela
figura na tutela específica dessa obrigação, o que o juiz tem que fazer? Como o juiz faz para
prestar tutela específica? Quero que ele dê coisa certa. Mas o bem objeto da obrigação está na
esfera dominial dele, logo somente ele pode tirar o bem de sua esfera dominial. É um ato de
vontade. Como o juiz faz? Subroga-se na figura do devedor ( o prof. chama isso de
"incorporação espiritual") e como se este fosse, comete a manifestação de vontade capaz de
transmitir o domínio, e desincorpora.
Pois bem, na obrigação de entregar não tem esse problema. Por quê?
Porque o bem objeto da prestação está na esfera dominial do credor. Não há transferência de
domínio. Ora, já dá para perceber que não tem nenhum sentido tutelar o direito de propriedade
através de uma ação condenatória. Mostrarei o porquê. Por que no final de uma ação
condenatória que está tutelando crédito contra obrigação de dar coisa certa, o juiz diz que
realmente o sujeito comprou o automóvel tal, amarelo, logo existe o direito, e ele declara esse
direito, e em vez de condenar o outro a cumprir a obrigação, ele faz é mandar, vai exercer a
atividade mandamental e não declaratória? Ele expede um mandado de busca e apreensão para
aquele carro amarelo, e entrego-o para o autor. O que faltou aí? Eu transmiti através desse
mandado a posse, mas o automóvel continua na propriedade do devedor. Por esse justo
motivo, estudamos que nas ações condenatórias o juiz condena e fica aguardando, para ver se
entre a condenação e a execução o devedor devidamente condenado não resolve cumprir a
obrigação, o que é muito mais fácil.
110
Mas não tem esse problema nas ações reivindicatórias. Ao final o juiz conhece o direito e
declara: "ele é proprietário". O que está faltando agora? Só a inversão da posse. Como se
resolve isto? Mandado de busca e apreensão. É um absurdo. Então vocês que são advogados
bem preparados sabem que o direito de propriedade não existe. Se chegar um cliente, e tiver
um problema referente a violação do direito de propriedade que não for dano, mas que o bem
objeto da propriedade dele está lá sobre o controle de um terceiro que não quer entregar,
vocês, em primeiro lugar não vão entrar com uma ação reivindicatória, porque aí a seara é
polêmica. Uns acham que é condenatória, outros acham que pode ser mandamental. E você
não sabe o que o juiz acha. O que você vai fazer? Vai entrar com uma ação indiscutivelmente
mandamental. Qual é ela? Não se vai discutir a propriedade vai se discutir a posse. Todo
advogado que lida nessa área não vai entrar com reivindicatória, e sim com possessória,
porque essa transformação da ação reivindicatória em condenatória acabou com a força
daquela. Se fizer isso vai transformar o seu cliente que é proprietário, em credor. O sujeito era
proprietário e vira credor. Então discute-se a posse só.
Tanto é verdade que se vocês forem ao fórum e verificarem quantas ações reivindicatórias tem
lá, contar-se-ão nos dedos. Em compensação as possessórias contam-se aos montes. Mais do
que isso se forem analisar dentro de todas as possessórias em quantas o sujeito é proprietário,
veriam que tal ocorreria na maior parte delas. Agora se o cliente de vocês for cabeça dura e
quiser ajuizar a reivindicatória, o que se irá fazer? Bom, não posso fazer uma loteria. Então o
que vou requerer ao final: como se fosse condenatória ou como mandamental? São dois
requerimentos diferentes, são formas diferentes de se fazer a petição inicial. Requeiro a
condenação do outro a entregar ou requeiro a expedição de mandado de busca e apreensão, se
for móvel, ou de imissão na posse se for imóvel? O que o advogado faz numa hora dessas?
PEDIDOS CUMULADOS ALTERNATIVOS. Qual você prefere: prefiro que o juiz considere
a mandamental, então requeiro primeiro isso, e caso assim não entenda a condenatória.
Resolvido o problema. Se pegar um bom juiz, ele poderá dizer: "não vou por essa doutrina
que está toda furada. Não tem que fazer a transmissão de domínio, obrigação de entregar é
balela, não vou ficar entulhando o fórum de processos pois acarretará mais uma execução".
Logo, mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse ao final. Então ele vai conhecer
do direito, executo, mando resolver, fechou o processo e acabou o problema. O que há por trás
desse meu discurso. Por que a coisa é assim, meio sem rumo, sem definição? Porque nós não
sabemos organizar teoricamente o vínculo dominial, o vínculo absoluto. E toda organização
de base de um direito subjetivo, a organização teórica, a construção analítica desse conceito,
está voltada para sua judicialização, para forma como vai ser tutelada.
Ora, presta estudar o vínculo obrigacional para compreender o porquê
da ação condenatória e saber operar o sistema, quando se tratar desse direito. Presta estudar
direito potestativo para conhecer as constitutivas, e também saber operar o sistema quando se
deparar com um direito dessa natureza. Agora, quando se depara com um direito absoluto não
tem como se estudar porque não há uma teoria organizada. E é isto que se reflete no plano
processual, e por isso que resolvi começar pelo fim para mostrar a bagunça.
Primeiro, o vínculo é entre titularidades. Quando um vínculo jurídico é entre titularidades
temos de um lado um direito e do outro um dever. O direito obrigacional é um pretensão
111
creditícia contra uma obrigação. O direito potestativo é um poder contra uma sujeição. E no
direito absoluto, dominial? Nós dividimos o direito subjetivo em titularidade, exigibilidade e
impositividade. Nos vimos que o direito de crédito tem os três. O direito potestativo tem a
titularidade e a impositividade juntas. O direito subjetivo tem um titular; a exigibilidade é o
exigir de outrem uma conduta, um dar, fazer ou não fazer, que é uma prestação; e a
impositividade é o que chamamos de ação, só surge no direito de crédito se for violado.
Sempre que alguém for titular de um direito potestativo ele já tem ação, já tem impositividade.
Eles vêm juntos, não tem mais que se falar em pretensão, e ele é inviolável. O que tem desde
logo é a exigibilidade, que se transforma em exigência, momento em que o devedor pode
resistir, não cumprindo a prestação correspondente.
O direito de propriedade tem impositividade, como todo direito tem. Ele tem pretensão e
ação??? Essa é a questão. Mostrei para vocês que toda teoria jurídica é construída a partir de
um vínculo paradigmático que é o vínculo obrigacional. Pedido é pretensão deduzida em
juízo. Então como será o pedido em face de um direito potestativo, que não tem pretensão?
Este conceito de pedido não se presta para o direito potestativo.
Lide é o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida.
Bom, então seria forçoso concluirmos que não há lide relativa a um direito potestativo.
Conclusão: Essa estrutura da teoria geral do processo só se presta para
o modelo original, de direito obrigacional. Para o direito potestativo nós vimos que ela não
presta. Ela tem terríveis deficiências metodólogicas, porque, por exemplo, é óbvio que tem
que haver um pedido no direito potestativo, mas ele não é a pretensão deduzida em juízo
porque não há pretensão.
E no direito absoluto, direito de propriedade, existe uma pretensão?
Direito de propriedade é dotado de uma pretensão? Essa é a questão. Ele pode ser violado?
Como se viola o direito de propriedade? Ele tem impositividade ante a uma suposta violação?
Posso pedir tutela do direito de propriedade antes de ele ser violado? Pode haver uma tutela
protetiva e não apenas satisfativa de uma relação? Cabe tutela antecipada protetiva ante uma
situação de risco ao direito de propriedade?
O direito subjetivo só existe na medida em que ele seja tutelado. Ora
para discutir-se a capacidade de tutelar-se um direito de propriedade nós temos que discutir
isso aí. Porque na medida em que nós fixarmos esses conceitos vamos organizar a forma de
tutela deles. E esses conceitos não existem para mero diletantismo ou para conhecimento para
aprofundar teoria jurídica. É para aplicação mesmo - é como eu peço, se eu sou advogado.
Como eu dou um parecer, se eu sou um promotor. Ou ainda como eu decido, se eu sou um
juiz. Diz respeito à natureza de atividade que eu imprimo aqui.
Ele é ou não dotado de pretensão? E essa pretensão é em que sentido?
Faculdade de exigir de outrem uma conduta? Vamos procurar, experimentar. Quais são as
formas de conduta que existem? Fazer ou não fazer (dar é simples fazer a prestação). O titular
do direito absoluto exerce ele erga omnes. Então aqui há um indeterminação, uma não
112
definição no pólo passivo. Ora, exercer um direito é exercer a pretensão. Exercemos a
pretensão e sendo ela resistida surge a lide. Então, se o direito de propriedade é um direito que
se exerce erga omnes, o que se exerce é a pretensão à a pretensão nos direitos absolutos é
exercida contra todos. Todos teriam uma obrigação, obrigação essa que é de não fazer. Essa é
uma saída teórica. Parte da doutrina se socorre dessa saída. O direito é um direito absoluto, o
que se exerce é a pretensão, ele é dotado de pretensão, e se exerce essa pretensão contra todos
numa obrigação de não fazer.
Como eu judicializo isso? Aqui está o problema. Se ele não precisa ser
violado, mas já tem pretensão, então eu vou deduzir essa pretensão em juízo e isso vai ser meu
pedido. Mas o que eu peço, quem eu mando citar? Deduzo em juízo minha pretensão dominial
e mando citar todos, menos eu? Nós temos a tendência em fixar um violador para poder
guerrear com ele no processo. Se vocês pararem para analisar, o que eu estou fazendo aqui é
balela, porque não existe uma ação que faça isso. O que existem são medidas protetivas da
posse, da propriedade não existem. Então esse esquema não serve para nada, porque eu não
tenho pretensão antes da violação. Eu não tenho pretensão deduzível em juízo.
Uma segunda saída teórica: o direito de propriedade não tem pretensão.
A proteção do direito de propriedade surge com a violação. A titularidade se exerce contra o
violador, e a pretensão só surge após a violação. Ora, violação nós já vimos que não é a
causação de dano porque essa tem uma solução em sede de crédito e débito - ação
condenatória. Violação aqui na hipótese é aquilo que faz você deduzir em juízo o seu direito
de propriedade, que se traduz em direito de seqüela - perseguir o bem com quem estiver e
aonde ele estiver. Então essa violação é apenas o sujeito que está com a situação desse bem
irregular, ilegítima, ilegal.
O violador está com o bem objeto da propriedade, impedindo que você
exercite seu direito. A pretensão a ser deduzida é dirigida ao violador e nisso você tem a
pretensão como faculdade de exigir de outrem um fazer ou não fazer? Agora se transformou
num fazer. Obrigação de fazer, mais especificamente um entregar, que seria um dar relativo
ou no sentido de domínio. Essa teoria tem um sentido prático, porque tem um alcance
processual, e é isso que nos interessa. Pretensão contra uma obrigação de entregar.
São essas as duas soluções teóricas que nós temos em relação ao direito
de propriedade. Qual seria a repercussão disso aí? Não fazemos na verdade muito uso prático.
O mais prático é buscarmos a tutela da propriedade alegando a posse. Abre-se um campo
imenso, fundamental, difícil, cheio de sutilezas e armadilhas que se chama POSSE. E a posse
é o que ocupa, na verdade, com mais vigor, essa judicialização dos direitos senhorios. É com
esse viés que você encontra mais vigor na tutela judicial. Uma solução teórica não tem
nenhum sentido prático, foge da realidade, a outra tem um sentido prático mas faz com que o
direito perca sua força. Transforma uma reivindicatória em uma condenatória e perde
totalmente a força, e o que mantém a força são as ações possessórias. Aí vocês verão que as
possessórias são ações propriamente mandamentais, tal como deveria ser a reivindicatória.
Qual é o problema que se encontra no direito de propriedade? O núcleo do problema está no
pólo passivo, ele é um direito de exclusão, e o pensamento jurídico moderno, como usou um
paradigma do direito obrigacional, só está acostumado a lidar com vínculos intersubjetivos,
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vínculos facilmente judicializáveis, pois na hora de se transformar a relação de direito
material ou vínculo em processo, as partes do vínculo transformamos em partes do processo.
Agora preste atenção: não necessariamente um vínculo entre partes, no
direito material, tem que ser judicializado entre essas partes. Esse é um conceito pós moderno,
que vai envolver conceitos de última geração ( interesses difusos, direitos coletivos etc, que
estão começando a habitar a nova orientação jurídica, como vemos no Código do
Consumidor, na Lei do Meio Ambiente). E isso traz terríveis conseqüências. A construção da
teoria dos direitos difusos em sede de direito material é importante para que possamos
organizar o processo. Se a auto-tutela está proibida, então nós temos que ter um processo
muito bem organizado. Porque se você tem um direito subjetivo mas não tem como ser
tutelado, você na verdade não tem coisa nenhuma. A sua cidadania também é a capacidade
que o Estado tem de tutelar seus direitos. Se você titulariza inúmeros direitos, mas que o
sistema jurisdicional não consegue tutelar porque eles não são bem organizados, teoricamente
você não tem nada.
Com isso a gente encerra a primeira parte do curso, mas não sem antes
fazer um pequeno resgate. Tudo o que tentamos até agora foi abraçar a teoria jurídica, sempre
com um olho na prática, e construir uma teoria coerente. Nós pegamos os diversos conceitos
que nos entregam desamarrados - direito subjetivo, pretensão, lide, pedido - e tentamos
amarrar tudo, analisando caso a caso. A titularidade, impositividade, ação, norma, fato
jurídico - fazendo um exercício, tentando amarrar tudo. Começamos por norma - é possível
nós, operadores do sistema jurídico, termos um conceito bem prático do que seja norma
jurídica? E fato jurídico? Se norma é difícil, este se torna ainda mais complicado porque o fato
jurídico é produto da incidência daquela, segundo o modelo por nós adotado. Se a norma é
problemática, o fato jurídico necessariamente é problemático.
Vamos para o plano da eficácia, categorias eficaciais. É vínculo
fundamentalmente o que estudaremos. Começamos a puxar os conceitos de teoria geral do
processo e tentamos amarrar. Qual a conclusão básica a que chegamos? Há muita contradição
na teoria jurídica, muita incompletude, muita incoerência. A teoria geral do direito não prima
por esses critérios de cientificidade, embora ela se pretenda científica. Científica em que
sentido? No sentido de ocultar esses defeitos para se mostrar como uma teoria científica.
Como é uma teoria científica? É uma construção conceitual coerente, sem contradição interna.
Você pode pegar o teste do princípio aristotélico da não contradição e atravessar a teoria. Não
têm conceitos que estão em contradição. Ela (teoria jurídica) não é um sistema conceitual
fechado. Ela persegue ser um sistema conceitual. Se você consegue amarrar o conceito de
ação aqui, desamarra o de pedido ali; se amarra o de pretensão, desamarra outro ali adiante e
nunca conseguimos amarrar tudo, e jamais vamos conseguir. Mas o que nos importa aqui é
perder um pouco o medo de que a coisa é angustiante mesmo. Perder essa perspectiva do
concursando de que deve haver solução para tudo, enquanto ele enche a cabeça com muitas
informações ao invés de aprender a processá-las. Quando encaramos o sistema para operar,
vemos que temos que dominar teoria geral. Temos que saber pedir. Saber porque pedimos
assim, mas não só decorar, mas processar a informação. Aprender a pensar. Normalmente, se
pega um monte de informações e se tenta manter dentro da cabeça, mas aí, se coloca de um
lado vaza do outro. A idéia é ter um programa de compactação, para saber onde achar a
114
informação. Claro, que isso não é fácil. Requer um pouco de esforço. Isso aí que estudamos é
metodologia jurídica, não é hermenêutica ainda, pois não posso entra numa discussão
hermenêutica se não organizar o que eu sei que vocês tinham deficiência.
A primeira coisa que quis mostrar a vocês com essa revisão é que a
teoria jurídica não é um sistema fechado. Se não é um sistema fechado, se tenho razão nisso
que lhes mostrei, que é um sistema incompleto, impreciso, como posso querer acreditar que
uma decisão judicial vai ser construída silogisticamente. Norma = premissa maior. Já vi que
norma é um problema. Fato = premissa menor, mas já vi que não trabalho com fato, trabalho
com prova, o que é difícil, é uma sintaxe distinta, pois a teoria da prova tem uma sintaxe
própria, seu próprio discurso. Não chega a sentença como conclusão. Então o fenômeno é um
pouco mais complicado do que isso. Como é que vou acreditar no mito da plenitude do
ordenamento jurídico, se nesse não consigo plenitude nem na teoria que há por trás dele? Não
dá.
Então o pensamento jurídico tem uma natureza um pouco diferenciada
do pensamento científico, que é um pensamento sistemático, lógico-dedutivo, que pressupõe
um sistema conceitual completo para que possamos navegar nele, através de meros atos de
conhecimento. Então o pensamento jurídico tem áreas em que você não navega por meio de
atos de cognição, isto é, por um raciocínio lógico-dedutivo, silogístico. E se você não
consegue navegar silogisticamente você não consegue demonstrar, pois o silogismo é uma
forma de demonstração. Se você não demonstra vai fazer o quê? Se você está com um
processo e tem que decidir? Se você não tem a capacidade de demonstrar porque não tem o
alcance, porque não é um problema organizado num sistema fechado, então você tem que dar
uma solução que não vai ser uma resposta fechada. Não vai ser demonstração vai ser
persuasão. E aí nós entramos na lógica do razoável. Você persuade usando argumentos,
entrando na teoria da argumentação. E isso interessa muito porque nós operamos
intuitivamente numa teoria da argumentação, entrando com conceitos de verossimilhança, de
pontos de vista argumentativos, como se busca isso, o que é logus do razoável. E em direito a
gente faz isso. Muito mais se é razoável na construção de uma decisão judicial do que se é
lógico-dedutivo. Então nós temos que aprender um pouquinho, para potencializar sua
capacidade de argumentar, dominando as técnicas de argumentação explicitamente e não mais
intuitivamente.
OUTRA SAÍDA
Como eu judicializo isso? Aqui está o problema. Se ele não precisa ser violado, eis que já é
dotado de uma pretensão, então eu vou deduzir essa pretensão em juízo e isso vai ser meu
pedido. Mas o que eu peço, quem eu mando citar? Deduzo em juízo minha pretensão dominial
e mando citar todos, menos eu? Nós temos a tendência em fixar um violador para poder
guerrear com ele no processo. Se vocês pararem para analisar, o que eu estou fazendo aqui é
balela, porque não existe uma ação que faça isso. O que existem são medidas protetivas da
posse, da propriedade não existem. Então esse esquema não serve para nada, porque eu não
tenho pretensão antes da violação. Eu não tenho pretensão deduzível em juízo.
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Uma saída é adotarmos que a pretensão dominial se exerce contra todos, antes da violação por
parte de alguém. Ora, com tal violação surge a ação material, mas somente contra o violador.
O direito de propriedade, portanto, nasce com pretensão, exercível erga omnes. A proteção do
direito de propriedade, no entanto, somente surge com a violação. A ação material decorrente
da violação da pretensão dominial surge apenas contra o violador; contra os demais
permanece a pura pretensão, ou exigibilidade de abstenção. Portanto, não é a pretensão que
surge após a violação, como quer parte da doutrina. Ora, violação nós já vimos que não é a
causação de dano porque essa tem uma solução em sede de crédito e débito - ação
condenatória. Violação aqui na hipótese é aquilo que faz você deduzir em juízo o seu direito
de propriedade, que se traduz em direito de seqüela - perseguir o bem com quem estiver e
aonde ele estiver. Então essa violação é apenas o sujeito que está com a situação desse bem
irregular, ilegítima, ilegal.
CONCLUSÕES GERAIS
A petição inicial é composto de duas partes: a exposição dos fatos e seus
fundamentos jurídicos e o pedido (requerimento, onde se estabelece a pretensão).
Pedido é pretensão deduzida em juízo - pretensão é faculdade de exigir de outro
uma conduta (conceito nascido e definido no código civil alemão). Logo, pedido é faculdade de
exigir de outro uma conduta, deduzida em juízo. A faculdade que alguém titulariza de exigir de
outrem uma conduta é o direito subjetivo, logo, o pedido é o direito subjetivo deduzido em
juízo.
Nós aprendemos também em processo que todo pedido tem uma causa de pedir, que é
o fato jurídico- o que dá causa ao direito objetivo é n fato jurídico. No requerimento, nós deduzimos o
nosso pedido, mas antes descrevemos a causa do nosso pedido. Causa de pedir é o próprio fato
jurídico, pedido é de tutela (realização no mundo) de próprio direito objetivo. Causa próxima do
pedido é o direito objetivo, e a causa remota é o fato social. Direito de crédito - causa de pedir = fato
jurídico = negócio jurídico, ato ilícito (duas causas q geram o direito objetivo obrigacional ). Ex.:
responsabilidade civil, obrigação de indenizar - fato social: alargamento do automóvel causando dano
- norma: art. 159, c/c. É a partir desse modelo que se organiza e concretiza o pensamento jurídico ao
se deduzir a pretensão em juízo.
O processo serve para realizar o direito objetivo material. Essa é a utilidade
prática do modelo = organização do pensamento para se redigir uma petição inicial. Esse modelo já
não é tão sofisticado, tão perfeito quando se trata de fazer Alegações Finais. Na hora de se discutir
mais aprofundadamente, porque mais adiante no processo, o q vai se discutir como tese jurídica vai se
tornar complexo, porque a outra parte também vem com argumentos opostos, de fato e de direito
objetivo. Digamos que nesse processo q estamos trabalhando, os argumentos sejam só de fato - será
então uma questão de prova, discutir a prova, qual foi o fato; o direito objetivo não se discute. O
âmbito de maior discussão está no fato. Isso ocorre muito no ato penal, que é um direito objetivo mais
preciso, mas objetivo, ao contrário do direito de família, p. exemplo, onde a discussão jurídica é
enorme, porque nós temos hoje um direito objetivo de família que é mais lacunoso do que difícil, e se
discute se tal regra foi revogada ou estar em vigor.
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Se um desses elementos é polêmico, é polêmico qual foi o real fato
jurídico que aconteceu, e quais são os direitos subjetivos e suas extensões. Sempre tem um
aspecto polêmico; os processos mais simples são menos polêmicos, no que diz respeito à
questio iuris e questão factis, que são os grandes debates no processo.
Apesar dessa capacidade desse modelo de organizar nosso pensamento, nós
começamos a traçar algumas reflexões por área, mais aprofundadas, como se colocássemos uma
lupa em determinada parte do modelo e nós começamos neste momento a compreender que há uma
profunda dificuldade em se definir, por exemplo, o que seja norma jurídica.
Ora, inclusive as conclusões que começamos a estabelecer sobre o conceito de norma
indicam a impossibilidade desse modelo. Então, se ao mesmo tempo o modelo ajuda-nos a organizar
o pensamento jurídico, ele tem lá suas deficiências. Não por isso perde sua utilidade, pois não há um
modelo absoluto no direito.
A inteligência está em extrair dos diversos modelos, até mesmo dos mais arcaicos, a
sua utilidade.
O pensamento que nos referimos é aquele para se colocar em prática o direito
objetivo, como operadores do direito que somos; para construir uma petição inicial, uma cota
ministerial etc.
Essa idéia de que a norma existe como um dado objetivo capaz de incidir logicamente é
extremamente censurável, isto é, uma norma que juridiciza, que gera um fato jurídico inflacionado do
qual se irradiam direitos subjetivos antes mesmo do processo. O dia subjetivo não é algo inquestionável
ou indiscutível, pois quando o juiz dá unta sentença ele delimita se o ato subjetivo existe, qual o seu
conteúdo e qual a sua extensão, e mais do que isso transitou em julgado a decisão e passou o prazo da
ação anulatória ~ só aí se pode dizer que efetivamente se tem um ato subjetivo.- Esse sim é indiscutível.
Nós juristas não trabalhamos com realidade físicas, e sim humanas,
e como tais, falhas. Logo esse modelo não é algo absolutamente perfeito, absoluto ou preciso. É apenas
um parâmetro.
Existiram no mundo clássico três formas de saber: a episteme (teoria do pensamento -
noção de verdadeiro ou falso) - é um pensamento q já está organizado num conceito conceitual,
raciocínios que se podem demonstrar, científico; a gotsa, que é o senso comum, o saber popular e a
prolise, que é a seara do conhecimento, do saber humano que são irredutíveis ao sistema, são certas
dimensões que envolvem juízos éticos, deônticos, que você não pode reduzir a um sistema, a um
conceito de justiça. Ora, se é irredutível ao sistema é impossível tecermos qualquer consideração sobre
a justiça ou injustiça de uma determinada realidade? Não, só se precisa passar ao nível da persuasão, e
a prólise é exatamente isso. O direito é assim, trabalha com persuasão.
Por exemplo, quando se diz que o homicídio ocorreu com todas as
qualificadoras, ao se classificar o que é motivo fútil, meio cruel, utiliza-se da persuasão, de critérios
subjetivos e valorativos. O juízo do "houve a morte" é objetivo, é decorrente de um exame de corpo de
delito. Mas o demais é decorrente do nível da tópica, da teoria da argumentação - "o mais razoável nessa
circunstância é admitirmos que o meio é cruel" (não existe verdade absoluta, e sim razoabilidade - é por
isso que existe o princípio dúbio pro réu).
Esse modelo peca por ser muito epistêmico, muito científico, porque quer achar possível
que a norma incida logicamente. E a norma não é um dado acabado.
Teorias nada mais são do que conceitos mais gerais passando para
conceitos mais especiais.
A norma tem no mínimo uma descrição hipotética de um fato mais a aplicação de uma
conseqüência jurídica (preceito). A norma cumpre um papel de juridicizar o fato social - tudo aquilo que
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transforma o fato social em fato jurídico é norma. Tudo aquilo que imprime significação jurídica é
norma.
É preciso saber tudo o que é jurídico para saber qual é o direito e qual
é o dever. discute-se num processo não apenas a existência ou inexistência de um direito subjetivo,
discute-se qual o seu conteúdo, qual a sua extensão (ex.: valor do crédito).
Norma não é igual a lei. Apenas uma parte da norma é legal. Norma
é lei e mais alguma coisa.
A definição nu conceito de uma norma, em regra, envolve vários dispositivos.
Só nós quisermos procurar uma norma no ordenamento jurídico não
a vamos encontrar, porque estaríamos procurando uma norma em tese, e ela não existe. A norma não é
uru dado, e o pensamento jurídico -que constrói decisões judiciais ao decidir qual é a norma parte do
fato, e alio da norma geral para o fato. Esse modelo parte da norma! O pensamento que elabora, que
alcança, que chega à norma é um pensamento que parte do fato. E a norma individual nada mais é do
que a própria sentença.- E esta usa pelo menos duas leis (norma > lei ).
Naquilo que a norma não é legal, ela é complementada pela doutrina, jurisprudência e
costumes, que são as fontes do direito. Ora, para se fazer uma norma jurídica você navega em todas
as fontes do direito, e essa norma vai juridicizar um fato, e dele vai irradiar um direito e um dever.
Esse fato pode receber a incidência de mais de . uma norma, formando mais de um
fato jurídico, mais de um dever e mais de um direito, que não se confundem, são independentes.
Não se pode confundir elementos que fazem parte de uma norma com outra. Ex.: não se pedir
indenização contra a União pelo art. 159 e colocar no meio da argumentação jurídica a
responsabilidade objetiva do Estado.
A norma não pode incidir Logicamente, é complexa, existem verias possibilidades,
ou pelo menos mais de uma hipótese de incidência ~m alguns casos. sempre há um mínimo de
possibilidade de interpretação. A norma é
fluida, e nessa fluidez é que entra a atuação, a discricionariedade do operador de direito. A norma
necessita, assim, de um mediador, que é o Juiz.
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