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Page 1: Coluna Muito Prazer

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EDUARDO AVELAR

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MUITOprazer

RAFAEL MOTTA/TV ALTEROSA

Por uma bem-humorada gastronomia, ele se lançapelo mundo em busca de receitas que lhe façam sorrir

Sempre àccaaççaa ddee bboonnsssabores

MÍRIAN PINHEIRO

Ainda que a alcunha, paramuitos, sugira algo de horror, oapelido – Chakall – tem mais aver com um aguçado espíritoaventureiro do que com qual-quer vatícinio de mau agouro.Conhecido pelos programas detevê em que ensina receitas prá-ticas, pelos livros que lança e pelacoleção de turbantes coloridosque lhe dão um certo charmeexótico, Chakall, como gosta deser chamado, é o quinto de seis fi-lhos de pais de ascendência di-versa. “Dei muito trabalho”,confessa, dizendo que sempreconseguia sumir durante ospasseios em família. “Certa vez,aos 7 anos, encontrei o caminhode casa por conta própria. De-pois desse episódio, meus ir-mãos mais velhos me batiza-ram de “chacal” – e o apelido fi-cou. Para mim, ele significa algopositivo: ter alegria na aventurae sentir-se em casa em qualquerlugar do mundo”, explica.

Um dos lugares mais visitadosera a cozinha. A mãe tinha umrestaurante onde servia as famo-sas empanadilhas, uns pasteizi-nhos de massa folhada. Ele gosta-va de ficar lá observando o aju-dante abrir com precisão os pe-dacinhos de massa para depoiscolocar o recheio no meio comuma colher. Aos 10 anos, a paixãojá era explícita. Fazia tudo no res-taurante: ajudava no preparo dacomida, lavava (meio a contra-gosto) louças e panelas e até ser-via os pratos. Minha formaçãoculinária de verdade, porém, foirecebida na casa portuguesa-liba-nesa de minha tia Virgínia. (Te-nho parentes da Espanha, daFrança, da Itália e até da Suiça,por isso não me soa tão exótico).

“Mais que um encontro foiuma imposição no sangue. Sou aquarta geração de cozinheiros nafamília. Joguei um tempo com ojornalismo, mas voltei às minhasorigens quando emigrei para aEuropa (Portugal)”, diz Chakall,que é da Argentina. Depois de ro-dar o mundo, encontrou pousoem Portugal, onde administracinco restaurantes (Quinta dosFrades, Gant Gourmet, Praya,Waves e Splendid). Ele começoua vida profissional como jornalis-ta. Só mais tarde passou a cozi-nhar e abriu a primeira casa emLisboa. Já esteve em muitos paí-ses com seu programa culináriopara a televisão portuguesa – da

Espanha à China. Hoje, a mulhere os filhos vivem em Berlim, naAlemanha, que passou a ser oponto central de sua vida.

COZINHA GLOBALIZADA Apre-ciador da culinária brasileira,Chakall veio ao Brasil para o lan-çamento oficial do seu livro A Co-zinha de Chakall – Receitas para obom humor (Editora Senac SãoPaulo), realizado na Bienal Inter-nacional do Livro em São Paulo.Na oportunidade, ele disse que es-tá montando um restaurante emBerlim – uma mistura das gastro-nomias brasileira, peruana e ar-gentina. “Gosto muito da cozinharústica, de Minas, do interior deSão Paulo, da baiana. Acho que sãomuito características”, observa.Para ele, a facilidade na comunica-ção faz com que toda informação,inclusive sobre gastronomia, che-gue muito rápido a qualquer can-to no mundo. “Antigamente, ossegredos ficavam bem guardadosentre quatro paredes, hoje, comcelulares e internet, é impossível”,avalia, revelando ainda que pre-tende inaugurar um restaurantetambém no Brasil até 2013.

Chakall admite que se tivessepermanecido na Argentina, não

teria conhecido tantos sabores.“Como todos sabem, lá apenas acarne grelhada é levada a sériocomo refeição. Não fosse meu es-pírito aventureiro, não teria a di-versidade culinária que tenhohoje. O chef já viajou cinco conti-nentes.Portodocantoquepassou,buscou ter contato com pessoasque cozinham. “Muitos dos me-lhores cozinheiros que conhecinão eram profissionais. De alguns,consegui arrancar suas receitas.No caso de outros pratos, eu mes-moexperimenteinovascombina-ções”, revela, contando sobre a ex-periência de elaborar cardápiospara serem servidos a bordo deaviões, um trabalho que realiza há4 anos. “Em principio é muitocomplicado porque há muitas re-grasarespeitaresegundo,cadaca-tering (serviço de fornecimento,de comidas prontas ) tem as suaslimitaçõesepossibilidades.Depoishá fatores que têm muita influën-cia: como a comida é aquecida noavião e a pressão a que é submeti-da. A que faço para a companhiaATM é de outro nível. O sal é me-nos sentido”, diz. Para ele, no céuou na terra, o fundamental é saberdosar simplicidade e exotismocom muita diversão.

LLoommbboo ddee ppoorrccoo rreecchheeaaddoo ccoommcceerreejjaass ee mmoollhhoo ddee ccoogguummeellooss

INGREDIENTES PARA 4 PORÇÕES

1kg de lombo de porco; 300g de cerejas descaroçadas; sal e pimenta o suficiente; 3 dentes de alho;1 colher (de café) de pimentão doce; 1 folha de louro; 2dl de vinho branco; 3 colheres (de sopa) de azeite;200g de cogumelos; 500ml de vinho tinto; 300g de queijo ralado

MODO DE FAZER

Com a ajuda de uma faca afiada, faça um corte de um lado ao outro do lombo, no sentido docomprimento. Coloque dentro as cerejas e deixe marinar no vinho tinto. Ponha o lombo num tabuleiro,tempere-o com sal e pimenta, junte os alhos esmagados, o pimentão doce, o louro, o vinho branco, oscogumelos e o azeite e envolva bem. Leve ao forno, pré-aquecido a 180 graus, durante 55 minutos. Vávirando e regando o lombo de vez em quando com o próprio molho. Depois, retire-o do forno e coloquesobre ele queijo da região. Leve novamente ao forno e deixe gratinar. Sirva cortado em fatias com omolho de cogumelos que restou no tabuleiro..

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Uma vez, escrevi um artigosobre um encontro que tive,no início dos anos 2000, com ojornalista e gourmet JoséHugo Celidônio por ocasiãodo Festival Internacional daCozinha Mineira, realizadoem Ouro Preto. Ele foiconvidado para ser jurado doconcurso de releituras denossas receitas de raiz comcriações contemporâneas, aserem elaboradas com osprincipais ingredientes deMinas. O evento foi realizadocom a presença deimportantes e talentosos

jovens chefs das cozinhasinternacionais, com os quaispassamos agradáveismomentos filosofandosobre a nossa paixão pelaculinária. Naquela tarde, aoanalisarmos as origens denossa tradição, o amigocarioca, com um certo ar deinveja, confidenciou sobre suateoria de que a antiga cozinhade fazenda que existia emMinas, Rio e São Paulo foiesquecida pelos vizinhoscariocas e paulistas, quepreferiram a modernidadecosmopolita. Enquanto isso,

segundo o seu relatomelancólico, nós nosapoderamos dessa cultura dosfogões e panelas e,mineiramente, criamos omarketing sobre ela.

Sem entrar na discussãohistórica e filosófica do nobreamigo, volto ao assunto da"adoção" de culturas comoexistiu ao longo da história,quando conquistadores einquisidores destruíam osvestígios culturais dosconquistados. Tambémdepois das grandes viagens,detalhes sutis alteraram ocurso da história, como omacarrão italiano, ochocolate suíço e a batatainglesa, entre outros.Desta vez, amigos, novosconquistadores tentam darcontinuidade a essescostumes medievais, e Rio eSão Paulo já rondam as nossastrincheiras culturais com suas

espadas e catapultasfrenéticas. Certas publicações"nacionais" têm se redimidode um longo sono demodernidades importadas doalém-mar, acordando, derepente, para uma "nova"realidade que estamos aincutir na cabeça dosmineiros há alguns anos.Existem revistas e jornais que,na onda da sustentabilidade evalorização das raízes, jáquestionam a paternidade dotropeiro, da canjiquinha comcostelinha e outros pratos,criando novas verdades. Já háaté queijo de minas "tipo net",digo, tipo canastra de SãoPaulo, e cozinha carioca"made in Itabirito", lá daMercearia Paraopeba,"descoberta" e adotada pelacompetente chefRoberta Sudbrack, umagaúcha carioca.

Pois bem, amigo da

cozinha, enquantocontinuamos valorizando edefendendo as culturasalheias, vamos nosincorporando ao grupode estados da federação queestão redesenhando omapa do Brasil. Segundoum brilhante e oportunorelato de um amigo especialdaqui da casa, "em poucotempo seremos vários Piauísem torno de São Paulo", e,quiçá, também, do Rio deJaneiro. Daí, será um pulopara nos tornar "tipo SãoPaulo" e reclamarmos daapropriação de nossaessência gastronômica,desprezada por nósmesmos. O que, aliás, já estáem capa de revista: São Pauloreivindica a autoria dacanjiquinha com costelinha edo feijão tropeiro.

Serão mesmo elesos caras de pau?

Depois de rodar o mundo, o argentino Chakall encontrou pouso em Portugal