FACULDADES PEQUENO PRÍNCIPE
CURSO DE GRADUAÇÃO EM BIOMEDICINA
CITOLOGIA EM BASE LÍQUIDA VERSUS CITOLOGIA
CONVENCIONAL: UMA REVISÃO
CURITIBA
2012
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OCTÁVIO AUGUSTO DA CRUZ DE BRITO
CITOLOGIA EM BASE LÍQUIDA VERSUS CITOLOGIA
CONVENCIONAL: UMA REVISÃO
CURITIBA
2012
Projeto de Monografia apresentado como requisito parcial de avaliação da Disciplina TCC II, para a Conclusão do Curso de Graduação em Biomedicina da Faculdades Pequeno Príncipe – FPP.
Professora Orientadora: Profa. Msc. Luciane Tucholski
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3
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha mãe, Maria de Jesus e minhas irmãs, Aline e Karin, pelo
apoio e por sempre estarem do meu lado nos momentos bons e ruins que passamos
juntos até hoje. Sem vocês não estaria aqui hoje, sem dúvidas.
Aos meus tios, Fábio e Silvana, por cederem-me, além de casa, comida e
roupa lavada, muito amor. Por tudo o que me tornei nesses quatro anos morando
aqui. Com certeza essa conquista não é só minha. Vocês têm culpa em grande parte
do sucesso que já conquistei e que ainda almejo na vida.
À professora Luciane Tucholski, pela paciência, dedicação e tempo
despendido para me auxiliar nessa conquista.
À Letícia, pela compreensão, apoio, por sempre estar ao meu lado em todas
as minhas decisões, por dar forças para continuar, por sempre me encorajar e dizer
palavras de apoio sempre que precisei.
Aos meus colegas e amigos que estiveram comigo durante toda a minha
trajetória acadêmica.
Aos professores, mestres e doutores que participaram diretamente da minha
formação, ensinando tudo o que foi necessário para alcançar mais essa vitória.
Aos membros da gestão 2011/2012 do Centro Acadêmico de Biomedicina
das Faculdades Pequeno Príncipe, Alysson, Augusto, Pedro, Bárbara, Rafaela,
Egon, Anna e Josieli, vocês serão sempre lembrados por mim.
Aos meus amigos veteranos, com certeza sem vocês não teria conquistado
muitas coisas na faculdade.
A todos que, de alguma forma, participaram de tudo o que passei nos
últimos anos. Muito obrigado!
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“Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinho,
Há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas”.
Machado de Assis
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LISTA DE SIGLAS
ACCP - Alliance for Cervical Cancer Prevention
ASCUS - Atypcal Squamous Cells of Undetermined Significance
ASC-H - Atypcal Squamous Cells – cannot exclude HSIL
BIREME - Biblioteca Regional de Medicina
DCS - DNA-Citoliq System
FDA - Food and Drugs Administration
HPV - Human papillomavirus
HSIL - High Grade Squamous Intraepithelial Lesion
INCA - Instituto Nacional do Câncer
JEC - Junção Escamocolunar
LILACS - Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde
LSIL - Low-grade Squamous Intraepithelial Lesion
NCI - National Cancer Institute
NICE - National Institute of Health & Clinical Excellence
SciELO - Scientific Electronic Library Online
STM - Specimen Transport Medium
TBS - The Bethesda System
UCM - Universal Collection Medium
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LISTA DE FIGURAS E TABELAS
FIGURA 1 – Coleta, extensão e fixação do material cervical no método convencional
FIGURA 2 – Escova e frasco fabricados pela ThinPrep®
TABELA 1 – Comparação entre metodologia convencional e em base líquida
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8
1.1 OBJETIVO GERAL ............................................................................................. 10
1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ............................................................................... 10
2 REVISÃO DE LITERATURA ................................................................................. 11
2.1 HISTÓRICO ........................................................................................................ 11
2.1.1 Citologia cérvico-vaginal ................................................................................... 11
2.2 O SISTEMA DE BETHESDA ............................................................................... 12
2.3 CITOLOGIA CONVENCIONAL ........................................................................... 16
2.3.1 Técnica. ............................................................................................................ 17
2.4 CITOLOGIA EM BASE LÍQUIDA ......................................................................... 18
2.4.1 Thin Prep® ........................................................................................................ 19
2.4.2 AutoCyte® ......................................................................................................... 21
2.4.3 DNA-Citoliq® ..................................................................................................... 21
2.5 TRATAMENTO DO CÂNCER DO COLO DO ÚTERO ........................................ 22
3 MATERIAS E MÉTODOS ...................................................................................... 24
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................. 25
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 28
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 29
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1 INTRODUÇÃO
Citologia é o estudo da estrutura morfológica e funcional das células.
Citologia esfoliativa é o nome dado ao exame feito em células obtidas por
procedimentos de lavagem, de aspiração, de esfregaço ou de raspagem, os quais
podem ser realizados a partir de diversos sítios anatômicos como a cérvice uterina, o
sistema respiratório, as glândulas mamárias, o sistema urinário, e a partir de líquidos
corpóreos (FERREIRA, 2004; TATTI et al., 2010).
Com relação à cérvice uterina, a metodologia de escolha para análise
laboratorial é a citologia esfoliativa cérvico-vaginal, também conhecida como exame
de Papanicolaou. Considerada um método simples e relativamente econômico, é
capaz de fornecer informações importantes sobre a saúde da mulher durante grande
parte de sua vida, inclusive permite avaliar, como triagem, a presença de câncer e
de lesões pré-neoplásicas no colo do útero (FERREIRA, 2004; RUSSO, 2008; TATTI
et al., 2010).
O câncer de colo uterino é o segundo tipo de câncer mais comum entre as
mulheres em todo o mundo. Desde seu descobrimento, o câncer foi considerado
uma doença de países desenvolvidos e, nos últimos quarenta anos, a grande parte
do ônus global do câncer foi observado nos países em desenvolvimento. Nos países
de grande movimentação financeira, a incidência predominante é de câncer de
pulmão, mama, próstata e cólon. Em países de menores recursos, predominam os
cânceres de estômago, fígado, cavidade oral e colo de útero. Aproximadamente
85% das mortes ocorrem nos países em desenvolvimento. No Brasil, a estimativa
para 2012 é de 385 mil novos casos de câncer, excluindo os casos de pele não
melanoma. Na região Norte do Brasil, é o tipo de câncer mais incidente, com 24
casos por 100 mil habitantes. Os tipos mais incidentes no sexo feminino são
cânceres de pele não melanoma, mama, colo de útero, cólon e reto e glândula
tireoide. Para o câncer do colo do útero, a estimativa para 2012 é de 17.540 novos
casos (MICHALAS, 2000; ACCP, 2004; INCA, 2011).
Nos últimos cinquenta anos, a taxa de mortalidade do câncer de colo uterino
apresentou um decréscimo significativo em nosso país, possivelmente associado à
criação e prática mais ostensiva do exame de triagem pela metodologia de
Papanicolaou, porém as taxas de incidência desta neoplasia infelizmente, até o
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momento, encontram-se longe de patamares aceitáveis, em muito associado à falta
de informação ou acesso aos sistemas de saúde por boa parte da população, e
também pelas limitações do método citológico (MICHALAS, 2000; INCA, 2011).
As limitações da técnica citológica na detecção de lesões pré-neoplásicas do
colo uterino estão relacionadas à subjetividade do observador, que implica em
dificuldade em se conseguir reprodutibilidade de resultados entre diferentes
citologistas, índices elevados de falso-negativos, os quais giram em torno de 20% a
30%, incentivo ineficiente ou inexistente por parte do governo aos programas de
prevenção e rastreamento. Vale ressaltar, que as limitações inerentes à técnica não
ocorrem apenas por conta da leitura da lâmina, mas também pela falta de
informações clínicas relevantes nos prontuários, bem como pela fixação inadequada
do material que torna a avaliação limitada por dessecamento, pela presença de
fatores de obscurecimento como em esfregaços purulentos, hemorrágicos e com
áreas espessas, que tornam os esfregaços insatisfatórios para análise e, sobretudo,
pela coleta adequada do material que precisa trazer representação celular
endocervical e/ou metaplásica, por ser esta a localização de mais de 90% das
lesões pré-neoplásicas do colo uterino (FERREIRA, 2004; AMARAL, 2006; RUSSO,
2008; TATTI et al., 2010).
Em razão destes inconvenientes, buscou-se uma alternativa à metodologia
convencional com a intenção de solucionar todos ou boa parte destes fatores
limitantes e assim possibilitar a redução de falsos resultados e elevar a qualidade na
análise citológica. Em meados de 1990, houve o lançamento comercial da citologia
em base líquida que parte do princípio da conservação celular em um líquido
específico até o momento do preparo do esfregaço citológico por parte do laboratório
que fará a análise, com a promessa de melhora efetiva destes inconvenientes
(ÇELIK et al., 2008; LEGOOD, WOLSTENHOLME, GRAY, 2009; BEERMAN et al.,
2009).
Neste contexto, estudar as limitações da técnica citológica pela metodologia
convencional na detecção de células displásicas em amostras do colo uterino, bem
como avaliar as melhorias e inconvenientes que a introdução da metodologia em
base líquida pode vir a ocasionar torna-se de relevante importância.
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1.1 OBJETIVO GERAL
O objetivo principal deste trabalho foi avaliar os principais exames citológicos
utilizados atualmente no rastreio e prevenção do câncer de colo uterino, método
convencional e método em base líquida, através de uma revisão bibliográfica.
1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Descrever a metodologia da citologia convencional.
• Descrever a metodologia da citologia em base líquida.
• Estabelecer as principais diferenças entre as duas metodologias.
• Avaliar as principais vantagens e desvantagens da análise citológica
pela metodologia convencional.
• Avaliar as principais vantagens e desvantagens da análise citológica
pela metodologia em base líquida.
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2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 HISTÓRICO
2.1.1 Citologia cérvico-vaginal
O ponto de partida para o estudo das células e tecidos normais do corpo
humano se deu a partir da invenção do microscópio na primeira metade do século
XIX. Até o início do século XX as descrições morfológicas dos elementos normais
estavam completas e se iniciaram as investigações das alterações patológicas,
especialmente do câncer (KOSS; GOMPEL, 2006).
O médico grego George Nicholas Papanicolaou e o patologista romeno
Aureli Babès foram os primeiros a observar e relatar as alterações sofridas pelas
células cervicais e vaginais. Ambos publicaram trabalhos em 1928, Babès em uma
revista francesa e Papanicolaou em um encontro científico. Babès já havia divulgado
seu trabalho em um encontro em Bucareste, em 1927, no entanto não foi uma
publicação científica, o que deixou Papanicolaou com o mérito pela técnica
(MICHALAS, 2000; KOSS; GOMPEL, 2006).
Após a publicação no “III Race Betterment Conference”, em 1928,
Papanicolaou se desanimou e abandonou o estudo por muitos anos, devido à falta
de entusiasmo de seus colegas no encontro. Porém, graças a esses eventos,
Papanicolaou conheceu Herbert F. Traut, com quem retomou os estudos das
alterações das células cervicais e fez a correlação com o carcinoma uterino. Esses
estudos culminaram na publicação do trabalho de Papanicolaou e Traut, em 1941,
intitulado “The diagnostic value of vaginal smears in carcinoma of the uterus”. Após
esse trabalho, Traut e Papanicolaou continuaram com as pesquisas e publicaram a
antológica monografia que consolidou os fundamentos da citopatologia ginecológica
em 1943, com o título “Diagnosis of uterine cancer by vaginal smear” (MICHALAS,
2000; KOSS; GOMPEL, 2006; COELHO et al., 2008).
12
2.2 O SISTEMA DE BETHESDA
Surgido no final de 1988, o Sistema de Bethesda (The Bethesda System -
TBS) tem substituído a antiga classificação de Papanicolaou na análise do esfregaço
cervical nos Estados Unidos da América e em grande parte do mundo. O Sistema de
Bethesda é utilizado como padronizador de notificações de diagnósticos citológicos
cervicais ou vaginal, usado para relatar resultados citopatológicos. Foi introduzido
em 1988, e foi revisto em 1991 e 2001. O nome vem do local Bethesda, Maryland –
EUA, onde foi realizada a conferência que instituiu o sistema (BOLLMAN et al.,
2001; NCI, 1989).
O Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos da América (National
Cancer Institute – NCI), em 1988, patrocinou a criação de nova e atualizada
terminologia a ser utilizada nos laudos da colpocitologia oncótica, a "Classificação de
Bethesda". Este sistema visava a corrigir as falhas existentes na classificação de
Papanicolaou e a imprimir mais uniformidade aos laudos citológicos dos esfregaços
de colo uterino. As recomendações passaram a ser chamadas de Sistema de
Bethesda (NCI, 1989).
Com o TBS foram introduzidos os termos citológicos de lesões intra-
epiteliais escamosas de baixo grau (LSIL) e lesões intra-epiteliais escamosas de
alto-grau (HSIL). As LSIL compreendem os achados citopatológicos sugestivos de
infecção pelo HPV e as neoplasias intra-epiteliais de grau leve (NIC I). Já as HSIL
incluem as neoplasias intra-epiteliais de grau moderado (NIC II) e de grau acentuado
(NIC III). Embora essa nomenclatura não substitua os termos histológicos, os
diagnósticos de LSIL ou HSIL apresentam correspondência com a possibilidade de
progressão da patologia (NCI, 1989).
Após alguns anos de ensaios clínicos, em 1991, o TBS foi revisto. Nessa
nova classificação foi criada uma nova classe, a ASCUS (atipias escamosas de
significado indeterminado), que veio ocupar lacuna existente na antiga classificação
de Papanicolaou, composta pelas alterações nas quais o citopatologista evidencia
distorções citológicas mais intensas do que as verificadas em alterações
inflamatórias, sem, entretanto, preencher os critérios para sua classificação como
displásicas ou neoplásicas (KURMAN et al., 1991).
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No TBS, as alterações reativas e de reparo são classificadas como dentro
dos limites normais e como alterações inflamatórias, somente aquelas que não
estiverem relacionadas com a infecção pelo HPV (atipia coilocitótica). A categoria
ASCUS inclui apenas esfregaços que têm a possibilidade de serem anormais, mas
não podem ser classificados como reativos ou neoplásicos (KURMAN; SOLOMON,
1993). Essa categoria representa as limitações, à luz do microscópio, seguindo
critérios precisos e uniformes para a doença pré-maligna, em predizer a associação
entre as aparências citológicas e a infecção pelo HPV, NIC e carcinoma invasivo do
colo uterino. A categoria ASCUS representa, portanto, os achados citológicos que
são de significância verdadeiramente indeterminada (KURMAN et al., 1991).
A frequência dos laudos de ASCUS após a análise do esfregaço é
normalmente vista como indicador da qualidade dos exames de um laboratório. Com
as normatizações recentes nos critérios diagnósticos, os resultados de ASCUS
devem estar entre 3% e 5% do total dos esfregaços. Caso a porcentagem seja
maior, deve-se pensar em excesso de diagnóstico das alterações reativas benignas,
inflamatórias e de reparo, comumente secundárias à pressão médico-legal,
resultando encaminhamentos desnecessários para exame colposcópico (DAVEY et
al., 1994).
Mesmo na presença de rigorosos critérios usados para o diagnóstico de
ASCUS, o adequado manejo clínico diante desses resultados permanece
controverso. Cerca de 70% das mulheres portadoras de esfregaço com diagnóstico
de ASCUS não possuem lesão cervical visível ao exame colposcópico (FERRIS;
WRIGHT Jr; LITAKER, 1998). Importante também é o fato de que 20% a 40% das
pacientes com diagnóstico de ASCUS terão NIC associado, sendo que em 5% a
15% das vezes essa associação será com a lesão de alto grau (COX et al., 1995).
Embora seja evento raro, o esfregaço com diagnóstico de ASCUS pode estar
associado à presença de um câncer oculto em cerca de 0,1% das vezes
(SLAWSAON; BENNETT; HERMAN, 1993).
A recomendação clínica para o seguimento de paciente com diagnóstico
colpocitológico de ASCUS é a repetição da colpocitologia em seis meses. A
segurança nessa conduta é falha, pois, embora seja raro confundir achados
citológicos de ASCUS com os de câncer invasor, a correspondência com HSIL pode
chegar a 15%. Nesses casos, as possibilidades de a lesão evoluir para o carcinoma
invasivo são bem maiores do que quando comparadas a todos os demais resultados
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possíveis, e essa espera pode alterar o prognóstico da paciente (KINNEY et al.,
1998).
Apesar dos avanços e das correções feitas no TBS, a categoria ASCUS
permaneceu problemática para a prática dos patologistas. Vários autores passaram
a demonstrar a fraca correlação entre as análises de diferentes observadores e a
grande variação na frequência nos diagnósticos de ASCUS, além de observarem
que os achados de LSIL não eram confirmados em grande parte das vezes em que
as lâminas eram revisadas (KURMAN; SOLOMON, 1994).
De acordo com essas dificuldades, o NCI estabeleceu três frentes de
tentativa de correção dessas distorções. Primeiramente, desenvolveu orientações
provisórias para o acompanhamento e conduta em face de citologia cervical
anormal. Em segundo lugar, organizou um grande estudo prospectivo, o ASCUS
LSIL Triage Study, a fim de determinar a melhor forma de conduzir esfregaços
minimamente alterados. Por último, criou um atlas ilustrado contendo todas as
categorias dessa classificação, bem como os critérios a serem avaliados para o
diagnóstico citopatológico (KURMAN; SOLOMON, 1994).
Uma terceira reunião na cidade de Bethesda ocorreu no ano de 2001, após
o início deste estudo. A categoria de ASCUS foi novamente modificada, passando a
ser denominada de ASC (células escamosas atípicas) e tendo importância clínica
apenas quando seguida da letra H, indicativa de suspeita de lesão de alto grau.
Essa alteração, instituída na categoria de ASCUS na última revisão da classificação
de Bethesda, reforça as conclusões obtidas durante as análises dos resultados
deste estudo (BOLLMANN et al., 2001; INCA, 2006).
Esta revisão objetivou a valorização dos resultados cuja atipia indeterminada
pudesse estar associada a achados compatíveis com lesões de alto grau, por seu
risco potencial de invasão em período inferior a um ano, intervalo indicado e usado
nos programas de rastreio do câncer do colo uterino. Em todas as demais
especificações da categoria de ASCUS, introduzidas durante a primeira revisão de
Bethesda, permaneceu a indicação de acompanhamento da paciente seguindo-se
as orientações habituais do programa de rastreio (BOLLMANN et al., 2001; INCA,
2006).
A publicação “Nomenclatura Brasileira para Laudos Cervicais e Condutas
Preconizadas” foi elaborada no Brasil com base no Sistema de Bethesda com a
finalidade de orientar a atenção às mulheres, subsidiando tecnicamente os
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profissionais de saúde, disponibilizando conhecimentos atualizados de maneira
sintética e acessível que possibilitem tomar condutas adequadas em relação ao
controle do câncer do colo do útero (INCA, 2006).
Os tipos de amostras contemplados na Nomenclatura Brasileira
compreendem amostras convencionais e em meio líquido. Com a recente introdução
da citologia em meio líquido, em suas diferentes apresentações, é indispensável que
seja informada a forma de preparo, uma vez que a adequabilidade do material é
avaliada de forma diversa para cada meio. É, ainda, de fundamental importância que
o laboratório informe, em caso de citologia em meio líquido, que sistema foi usado
(INCA, 2006).
A adequabilidade da amostra, ao longo do tempo, suscita inúmeros
questionamentos e modificações, comprovando ser essa uma matéria conflitante e
de difícil conceituação. A disposição, em um sistema binário (satisfatória e
insatisfatória), caracteriza mais facilmente a definição da visão microscópica da
colheita. No atual TBS, a adequabilidade da amostra também está colocada nesses
dois parâmetros, entretanto, nesse sistema, a caracterização da junção escamo-
colunar (JEC) faz parte dessa definição, o que não é adotado nas normas brasileiras
(INCA, 2006).
É considerada satisfatória, a amostra que apresenta células em quantidade
representativa, em boa distribuição na lâmina, bem fixadas e coradas, de modo que
sua visualização permita um diagnóstico correto. A adequabilidade pela
representatividade é competência exclusiva do responsável pela paciente, que
deverá levar em consideração condições como: idade, período menstrual, limitações
anatômicas, objetivo do exame, dentre outras. A atual nomenclatura que define a
adequabilidade da amostra estabelece o sistema binário: satisfatório e insatisfatório.
Portanto, o termo “satisfatório, mas limitado” foi abolido (INCA, 2006).
É considerada insatisfatória para avaliação, a amostra cuja leitura esteja
prejudicada por: material acelular ou hipocelular (<10% do esfregaço), ou leitura
prejudicada (>75% do esfregaço) por presença de sangue, piócitos (leucócitos),
artefatos de dessecamento, contaminantes externos e/ou intensa sobreposição
celular. Esses aspectos são classificados por natureza técnica e outros de
amostragem celular. Insatisfatória é a amostra cuja leitura esteja prejudicada pelas
razões expostas acima, todas de natureza técnica e não de amostragem celular. Na
conduta clínica a ser tomada, a paciente deverá ser convocada para repetir o exame
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de imediato, devendo ser explicado à mesma que o motivo é técnico e não por
alteração patológica (INCA, 2006).
2.3 CITOLOGIA CONVENCIONAL
A citologia oncótica convencional é uma técnica bem conhecida e utilizada
há mais de cinquenta anos, sendo empregada com sucesso na prevenção e rastreio
do câncer do colo do útero. George Nicholas Papanicolaou (1883-1962) introduziu a
técnica e até hoje é reconhecido pela solidez dos conceitos e utilidade na prática
médica (DIAS, 2008; COELHO et al., 2008).
Antes da publicação da técnica, em 1941, Papanicolaou havia abandonado
seu experimento, por não ter demonstrado relevância significativa. Então, após uma
revisão com o ginecologista Herbert F. Traut, publicaram o trabalho no American
Journal of Obstetrics and Gynecology, intitulado “The diagnostic value of vaginal
smears in carcinoma of the uterus”, que culminou na publicação da monografia dos
dois autores em 1943 e consolidou os fundamentos da citopatologia ginecológica.
Desde então, este exame tem sido utilizado como ferramenta de prevenção e
rastreio do câncer de colo uterino, detectando precocemente lesões pré-cancerosas
no cérvix e diminuindo significantemente as taxas de incidência e mortalidade desta
neoplasia, principalmente nos países desenvolvidos (MICHALAS, 2000; COELHO et
al., 2008; BERNSTEIN et al., 2001).
Segundo Beerman et al. (2009), a citologia convencional possui grande
índice de resultados falso-positivos e falso-negativos. Siebers et al. (2010)
consideram um teste de qualidade inferior, devido aos resultados falso-positivos e
falso-negativos. Além disso, declaram que isso ocorre devido à má qualidade da
amostra (obscurecimento por sangue, inflamação, má fixação celular, e distribuição
não homogênea das células), erros na interpretação e detecção. Çelik et al. (2008)
constataram que a taxa de resultados falso-negativos podem chegar a 50% na
citologia convencional, em estudo feito em Hong Kong com dados de quase 191.581
exames. Também relataram que tal método possui sensibilidade que varia entre
30% e 87% e especificidade que pode variar entre 86% e 100%.
17
O fato de ser uma metodologia menos sensível e mais trabalhosa, em
relação à outros métodos, impulsionou a pesquisa para o desenvolvimento uma
nova tecnologia de rastreamento que servisse como alternativa ou coadjuvante à
detecção precoce do câncer do colo do útero: a citologia em base líquida
(WHITLOCK et al., 2011).
2.3.1 Técnica.
A qualidade desta técnica está diretamente relacionada ao modo como é
feita a coleta e o esfregaço. Deve-se fazer o uso combinado de espátula de Ayre e a
escova endocervical para obtenção de melhores resultados. O exame se inicia com
a introdução do espéculo bivalve na vagina em sentido longitudinal-oblíquo,
afastando os pequenos lábios e imprimindo um trajeto direcionado ao mesmo tempo
em que se gira o instrumento para o sentido transversal. Depois de introduzido e
aberto, com a extremidade em rabo-de-peixe da espátula de Ayre, faz-se a coleta
com a parte maior da espátula colocada no orifício cervical, girando 360° a fim de
coletar as células de toda superfície da zona de transição (junção escamocolunar
[JEC] e ectocérvice). A escova endocervical deve ser empregada posteriormente à
espátula, especialmente nos casos em que a JEC se localiza internamente no canal
cervical, a fim de se evitar a grande quantidade de hemácias e leucócitos, que
prejudicam a avaliação citopatológica. O material coletado deve então ser espalhado
e fixado imediatamente sobre a lâmina, de maneira delicada e uniforme (FIGURA 1),
evitando-se a formação de artefatos para posterior análise ao microscópio óptico
(BOON; GUILLOUD; RIETVELD, 1989; FREITAS, et al., 2006; PLEWKA, 2007).
18
FIGURA 1. COLETA, EXTENSÃO E FIXAÇÃO DO MATERIAL CERVICAL NO MÉTODO CONVENCIONAL. FONTE: RUSSO, 2008
Em uma coleta adequada de material cérvico-vaginal, são obtidas entre 600
mil e 1,2 milhão de células epiteliais. Apenas 20% dessas células vão para a
superfície da lâmina, sendo o restante, aderido à espátula e escova, descartado
após a coleta e transporte para a lâmina. A retirada do muco e restos celulares da
superfície cervical, com um swab de celulose antes da coleta da amostra, aumenta a
sensibilidade do exame (HUTCHINSON et al., 1994; OBWEGESER; BRACK, 2001).
2.4 CITOLOGIA EM BASE LÍQUIDA
A citologia em base líquida foi introduzida como uma alternativa à utilização
do método convencional, com o propósito de melhora na especificidade e qualidade
da amostra na lâmina. Como neste método é feita uma suspensão de células, cria-
se a possibilidade de fazer outros testes que não apenas a leitura da lâmina no
microscópio ótico, na coloração de Papanicolaou (BEERMAN et al., 2009; DAVEY et
al., 2006).
Consiste em um método em que as células cervicais são imersas em um
líquido conservante antes do processamento da amostra. Tal metodologia retém,
através de uma película de filtro, hemácias e células inflamatórias, além de evitar
artefatos como excesso de muco, ressecamento provocado pelo ar e sobreposição
celular (CAMATA et al., 2010).
Até a alguns anos atrás, ainda se discutia se a citologia convencional era de
fato superior à citologia em base líquida, que já não é tão jovem, contando com pelo
menos duas décadas de plena atividade. Mas o que detém o avanço do método em
19
base líquida no Brasil é apenas uma questão conjuntural: o sistema único de saúde
ainda não paga pelo método. Critérios de inclusão devem ser definidos por
autoridades competentes (LONGATTO-FILHO; SCHMITT, 2010).
Há evidências de que a citologia em base líquida tem dificuldades de
implementação em razão do custo elevado, em relação ao método convencional.
Porém, no ano de 2000, o Instituto Nacional de Saúde e Excelência Clínica (National
Institute of Health & Clinical Excellence – NICE), com sede em Londres no Reino
Unido, analisou a implementação desta técnica neste país, como alternativa
semiautomatizada ao método convencional. A inserção de vários projetos piloto,
avaliaram em um relatório provisório que seria possível a implementação teste por 5
anos. Isso ocorreu em 2003 e em 2007, 85% dos laboratórios da Inglaterra haviam
convertido sua técnica para a citologia em base líquida, ou tinham planos firmes para
tal (LEGOOD; WOLSTENHOLME; GRAY, 2009).
Diversas técnicas de citologia em base líquida vêm sendo desenvolvidas,
baseadas na utilização de uma solução estável para a preservação do material
coletado e no preparo da lâmina no laboratório, não mais nos consultórios de
ginecologia, onde geralmente ocorre a coleta da amostra. Mais recentemente, um
grupo de pesquisadores do Brasil desenvolveu um método de citologia em base
líquida (DNA-Citoliq®), que utiliza como solução conservante Universal Collection
Medium™ (UCM), o qual demonstrou performance comparável a outros métodos
(Thin Prep® e AutoCyte®) desenvolvidos e aprovados anteriormente (GIRIANELLI;
THULER, 2007).
2.4.1 Thin Prep®
Aprovado em 1996 pela FDA (United States Food and Drugs Administration),
foi o primeiro exame Papanicolaou em meio líquido aceito pela instituição e é o mais
utilizado pelos laboratórios de citologia hoje em dia, juntamente com o concorrente
AutoCyte®. Em comparação com a citologia convencional, existem evidências
suficientes que este método reduz a proporção de amostras insatisfatórias. No
entanto, ainda restam dúvidas quanto sua eficácia, também em relação ao método
20
convencional, na detecção precoce de câncer do colo do útero (FDA, 1996;
GIRIANELLI; THULER, 2007).
A coleta do material cérvico-vaginal para este método é semelhante à coleta
pelo método convencional, alterando apenas o instrumento utilizado (FIGURA 2) e a
quantidade de giros feitos para a obtenção da amostra. Ao invés da espátula de
Ayres e a escova cervical, é utilizada uma escova especial, fabricada especialmente
para o método. Neste caso, a escova é introduzida quase que completamente no
canal cervical, ficando apenas as cerdas mais proximais em contado com o orifício
externo e superfície do colo. Procede-se girando no mesmo sentido cerca de cinco
vezes para posteriormente fazer o destaque de sua extremidade e depósito no
frasco com o meio líquido específico para análise (FREITAS et al., 2006).
FIGURA 2. ESCOVA E FRASCO FABRICADOS PELA ThinPrep® FONTE: KELUARGA, 2010
Para a confecção da lâmina para o exame, o ThinPrep® System utiliza um
sistema de centrifugação com filtros e vácuo, preparando a lâmina por impressão do
material coletado. Depois de pronta, a lâmina é processada pelo ThinPrep® Imaging
System. Trata-se de um sistema computadorizado de leitura de lâminas, o qual
identifica 22 campos de interesse com a maior probabilidade de conter células
anormais, posteriormente examinados pelo citologista (FDA, 2003; DAVEY et al.,
2007; PLEWKA, 2007).
21
2.4.2 AutoCyte®
Foi o segundo método em meio líquido aprovado pelo FDA, em 1999. Como
o ThinPrep®, este produto utiliza o meio líquido com a suspensão das células
coletadas com escova específica (Cervex-Brush®) e converte essa suspensão
celular em uma homogênea monocamada de células na lâmina. O processo
completo para a confecção da lâmina inclui preservação celular, randomização,
enriquecimento do material de diagnóstico, pipetagem automatizada e coloração.
(HOWELL et al., 1998; FDA, 1999).
Após coletada a amostra, ao invés de espalhá-la e fixá-la sobre a lâmina de
vidro, toda a extremidade da escova é removida e depositada num frasco contendo
o fluido conservante (CytoRich® Preservative Fluid). O frasco é fechado, identificado
com etiqueta e enviado para o laboratório para ser processado. No laboratório, a
amostra preservada é homogeneizada com agitador vórtex, dispersada com o uso
de AutoCyte® PREP CyRinge e transferida para o frasco com reagente de densidade
(CytoRich® Density Reagent). A etapa de enriquecimento consiste em centrifugar a
amostra imersa no Density Reagent, com o intuito de remover parcialmente os
detritos, artefatos e células inflamatórias da amostra. Depois dessa centrifugação, o
tubo contendo o material celular enriquecido é colocado no instrumento que fará a
confecção da lâmina através de três etapas: ressuspensão, homogeneização e
revestimento, esta última com o intuito de melhorar a adesão celular à lâmina. Por
sedimentação, as células são fixadas na lâminas e coradas com o procedimento de
coloração de Papanicolaou (HOWELL et al., 1998).
2.4.3 DNA-Citoliq®
Trata-se de um sistema de citologia em base líquida desenvolvido por
pesquisadores brasileiros, no qual as células são armazenadas no UCM. Tal meio
líquido foi desenvolvido para substituir o Specimen Transport Medium (STM) que,
embora fosse de grande valia, devido ao uso em diversos testes para pesquisa de
Papilomavírus Humano (HPV) e outros micro-organismos como Chlamydia
22
trachomatis e Neisseria gonorrhoeae, não era adequado para análises morfológicas
(TAHA et al., 2006; LONGATTO-FILHO et al., 2005c).
O Sistema DNA-Citoliq (DCS) possui um meio líquido que, como os demais,
permite na mesma coleta, a avaliação diagnóstica morfológica (ausência de muco,
hemorragia e infiltrado inflamatório) e testes moleculares (pesquisa de HPV). Foi
desenvolvido com o intuito de otimizar o desempenho de programas de escrutínio do
câncer de colo uterino (LONGATTO-FILHO et al., 2005c).
A coleta ocorre da mesma forma como nas demais metodologias em base
líquida citadas anteriormente. No entanto, o UCM possui uma escova específica em
seu kit de coleta, que posteriormente também é acondicionada no tubo com a
solução de UCM. No laboratório, a amostra é agitada em vórtex, a fim de desprender
as células da escova de coleta. O material é coletado, evitando-se os grumos que
estiverem presentes, e pipetado uniformemente sobre uma membrana de
policarbonato (25mm de diâmetro) em contato com a lâmina. Após a filtração e
transferência para lâmina, esta é colocada em solução alcoólica a 95% e segue-se
com a coloração de maneira usual (LONGATTO-FILHO et al., 2005c).
2.5 TRATAMENTO DO CÂNCER DO COLO DO ÚTERO
No início da descoberta do câncer do colo do útero, o tratamento era feito
através da extirpação completa do útero, via abdome. Esse método foi praticado
primeiramente por Freund, em 1878, e aperfeiçoado por outros autores até
Wertheim, que realizou sua primeira cirurgia de extirpação radical do útero em 1898.
Em 1912, Wertheim publicou uma série de 500 casos de histerectomia radical, que
serviu de base para o avanço do tratamento do câncer do colo do útero (COELHO et
al, 2008).
Em 1917, Meigs relatou que existia um enorme dilema entre duas formas de
tratamento das pacientes acometidas pelo câncer de colo uterino: cirurgia ou
irradiação. Essa dúvida ainda não foi bem sanada, porém houve uma evolução
significativa nos conhecimentos a respeito do câncer do colo do útero. O próprio
Meigs em 1944 publicou uma técnica combinada entre a histerectomia descrita por
Wertheim, em 1912, e a linfonodectomia publicada por Taussig, em 1943, que ficou
23
conhecida como a histerectomia radical de Wertheim-Meigs, praticada até hoje em
todo o mundo (COELHO et al, 2008).
24
3 MATERIAS E MÉTODOS
Trata-se de uma revisão de literatura, de caráter exploratório com pesquisa
bibliográfica, pretendendo-se maior aproximação e familiaridade com os temas
relacionados à citologia cervicovaginal, câncer do colo do útero e os métodos
diagnósticos de triagem e rastreamento convencional e em base líquida.
Partindo das afirmações e constatações dos autores, buscou-se apresentar
de forma clara a importância do incentivo à prevenção contra o câncer de colo
uterino. Para tanto, utilizou-se pesquisa em livros e artigos publicados nas base de
dados LILACS, BIREME, SciELO, MEDLINE e PUBMED, entre os anos 1989 e
2011.
Palavras-chave: “Citologia”; “Citologia em base líquida”; “Citologia convencional”;
“Cytology”; “Conventional cytology”; “Liquid-based cytology”.
25
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Nos últimos anos, a maior indagação entre os citologistas tem sido a
respeito da soberania de um método em relação ao outro. O método convencional
obteve, e ainda obtém, muito sucesso por fazer parte de vários programas de
rastreio envolvendo educação das pacientes e dos profissionais, programas de
infraestrutura de saúde, educação continuada dos profissionais e controle de
qualidade dos diagnósticos (LONGATTO-FILHO; SCHMITT, 2007).
Uma meta-análise mostra que para detecção de lesões de alto grau, o
desempenho diagnóstico do método de base líquida não apresenta vantagens muito
significativas ao do método convencional. Isso é um ponto importante normalmente
explorado pelos que defendem a manutenção do método convencional, mas que por
si só não basta para alimentar a ilusão de que o método convencional bem feito será
um dia a melhor opção de rastreio (ARBYN et al., 2008).
Os métodos de seleção dos trabalhos selecionados para esta análise
parecem ser muito criteriosos e deixam de lado trabalhos que não satisfaçam
exigências científicas nem sempre detalhadas. Como consequências, sobram
trabalhos feitos em países desenvolvidos ou em cidades desenvolvidas de países
em desenvolvimento que, em geral, apresentam baixa prevalência de lesões graves.
Por isso, não é surpresa que num universo de poucas lesões, ambos os métodos
tenham desempenho similar (ARBYN et al., 2008; SIEBERS et al., 2010;
LONGATTO-FILHO et al., 2005b).
Apesar de a citologia convencional ser o método de escolha por muitos
anos, a citologia em base líquida vem a substituindo em muitos países. São três as
principais vantagens desta técnica: diversos testes com uma mesma amostra; menor
tempo de leitura das lâminas; e possibilidade de automação (DAVEY et al., 2007).
Dados egressos de população de alto risco mostram que o método de
citologia em base líquida pode ser uma poderosa ferramenta para aumentar o
diagnóstico de lesões graves. Esses dados, entretanto, não entraram até hoje nas
meta-análises publicadas. No entanto, o mesmo o rigor matemático dessas
publicações evidenciou o grande desempenho dos métodos citológicos preparados
em base líquida para identificação de lesões de baixo grau (geralmente com menor
celularidade que as de alto grau) em comparação ao método convencional, além de
26
terem superioridade na obtenção de amostras satisfatórias para análise, com
importantes índices de adequabilidade e homogeneização de coloração
(LONGATTO-FILHO et al., 2005a, 2005b).
Koss (1989), não encara o método citológico convencional como um método
barato e eficaz. Para o autor, trata-se de um método geralmente mal remunerado e
limitado, com índices de sensibilidade em torno de 50%. Os altos índices de falso-
negativos comprometeram sua existência em passado recente. Para Montemor et al.
(2007), os métodos manuais são caros por demandarem tempo para a reavaliação,
exigirem perfil apropriado do citologista responsável por essa atividade e não
garantem satisfatoriamente a redução dos falso-negativos.
A TABELA 1 resume alguns resultados encontrados por Çelik et al. (2008),
que elucidam melhor algumas diferenças entre as duas técnicas.
Citologia Convencional Citologia em Base Líquida Custo Menor Maior Falso-negativos Maior Menor Sensibilidade 68% 79% Especificidade 76% 86% Adequabilidade 74,30% 97,40% TABELA 1. COMPARAÇÃO ENTRE METODOLOGIA CONVENCIONAL E EM BASE LÍQUIDA FONTE: Adaptada de ÇELIK et al., 2008.
A criação de um método de preparo, que evitasse erros de coleta e
preparação, foi introduzida pela extrema preocupação com a reprodutibilidade dos
diagnósticos citológicos. Devido à fragilidade da reprodutibilidade diagnóstica e pela
necessidade de padronizar-se o significado das alterações citológicas, criaram-se
diferentes sistemas de controle de qualidade que visam diminuir os casos falso-
negativos (MONTEMOR et al., 2007; ALDERISIO et al., 2007).
Nosso país tem muita dificuldade em implementar o método em base líquida,
por conta do custo elevado e falta de interesse do governo. Mas enquanto isso, no
mundo da ciência, ambos os métodos convivem sem grandes atritos, pois não se
trata de excluir uma técnica para repor por outra, mas sim, avaliar de forma sensata
as virtudes e limitações de cada opção. É importante também definir o que é melhor
para a população feminina, até agora excluída do embate (LONGATTO-FILHO;
SCHMITT, 2010).
27
Atualmente, novas opções de controle de qualidade com métodos que
privilegiem a leitura computadorizada das lâminas, parecem ser uma opção objetiva
para superar os obstáculos da observação subjetiva. Tais métodos são ainda mais
vigorosos em lesões glandulares (MOREIRA et al., 2008; WILBUR et al., 2009).
28
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com as pesquisas realizadas, pôde-se concluir que é de extrema
importância a elaboração de medidas preventivas, principalmente através de
iniciativas dos órgãos governamentais, para o controle do câncer do colo do útero.
Esta neoplasia é um problema de saúde pública e nos últimos anos tem
demonstrado diminuição em seus índices de incidência e mortalidade, devido à
implementação de ferramentas de triagem e rastreio, como o teste criado por
Papanicolaou (ACCP, 2004; INCA, 2011).
O método convencional do exame de Papanicolaou foi uma peça chave para
o início dos estudos e programas de prevenção, que diminuíram significativamente a
incidência e mortalidade do câncer de colo uterino. Deve continuar sendo utilizado,
apesar da desvantagem de apresentar níveis mais elevados de resultados falso-
negativos em relação à citologia em base líquida, pois quando comparadas as duas
técnicas na identificação de lesões de alto grau, não apresentam diferença
significativa (ACCP, 2004; AMARAL, 2006; LONGATTO-FILHO; SCHMITT, 2007).
Deve-se ressaltar também que de acordo com os dados apresentados no
estudo, ficou claro que nos países desenvolvidos, onde existem mais programas de
rastreamento e conscientização, as taxas de incidência e mortalidade do câncer do
colo do útero estão significativamente inferiores quando comparadas às de países
em desenvolvimento. Isso aponta a grande importância da implementação de
programas de prevenção e rastreio (INCA, 2011; ARBYN et al., 2008).
Foi de fundamental importância a elaboração desta revisão, pois evidenciou
que o profissional biomédico pode atuar em diversas áreas, onde seu conhecimento
é valorizado independentemente dos instrumentos utilizados.
29
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