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11JORNAL DA UNICAMPCampinas, 4 a 10 de agosto de 2008

EDIMILSON MONTALTIEspecial para o JU

rabalho inédito realizadocom pacientes idososatendidos no ambulató-rio de oftalmologia doHospital de Clínicas(HC) da Unicamp pro-

curou determinar as causas de baixavisão na população acima de 60 anos emedir o grau de satisfação do serviçomédico oferecido. Outro ponto impor-tante analisado pela pesquisa conduzidapela professora Keila Miriam Monteirode Carvalho, chefe do Departamento deOftalmologia da Faculdade de CiênciasMédicas (FCM) da Unicamp, foi ava-liar se houve melhora da qualidade devida desses idosos após a prescriçãode auxílios ópticos e da reabilitaçãovisual. O levantamento fundamentoua pesquisa de livre-docência de Keila.

De acordo com dados levantadosno estudo, as principais causas de bai-xa visão em idosos são a degeneraçãoda mácula, ou ponto central da visão,e a toxoplasmose, ainda comum emmuitas regiões do Brasil. A catarata, oglaucoma, a retinopatia de prematuridade,o diabetes e algumas doenças neurológi-cas também estão relacionadas à baixavisão, porém com menor índice de in-cidência, pois são muitas vezes tratá-veis quando diagnosticadas a tempo.

Os tipos mais comuns de degene-rações maculares relacionadas à idadesão a seca e a úmida. A seca é caracte-rizada pela perda lenta e progressivada visão com o aparecimento deescotomas, que são áreas em que apessoa não enxerga bem, no centro davisão. A úmida é caracterizada por he-morragia nos vasos sanguíneos do olhoe deformidade da imagem.

“Nós consideramos baixa visão oestágio final do paciente, pois ele játratou, já operou, já usa colírio, já feztodos os tratamentos possíveis e a vi-são não chega ao normal”, comentoua pesquisadora.

O paciente idoso com baixa visãoé aquele para quem os óculos conven-cionais ou as lentes de contato não cor-rigem totalmente a visão, necessitan-do de auxílios ópticos para ampliar eaproximar os objetos do seu campo devisão, como lupas, telescópios e ócu-los com graus especiais. Em muitos ca-sos, o idoso também precisa de reabili-tação para conseguir enxergar melhor.

Uma das queixas relatadas pelosidosos com baixa visão era a dificul-dade de ler. A pesquisa constatou quea leitura era uma atividade importantepara a independência do paciente. Leruma bula de remédio, um rótulo ou opreço de um produto era muito impor-tante para eles. No caso das mulheres,poder costurar, fazer tricô ou bordareram atividades consideradas essenci-ais na rotina do dia-a-dia. A pesquisadescobriu um dado importante: mui-tos dos pacientes entrevistados nãosabiam ler. E os que liam, o faziampouco. “Minha pergunta era: quanto aprescrição de auxílios ópticos estariatrazendo de benefício a esses idosos eo que mais precisaríamos oferecer paraque isso tivesse um efeito real nas suasvidas diárias? Nesse sentido, utilizei umquestionário de qualidade de vida rela-cionado à baixa visão”, explicou Keila.

Para poder obter as respostas aessas dúvidas, Keila selecionou 80 ido-sos e, por um ano, acompanhou todoo trajeto desses pacientes, desde a suaentrada no HC para a consulta na of-talmologia, a cirurgia, no caso de ca-tarata ou glaucoma, até o atendimentono setor de visão subnormal, onde fo-ram prescritos óculos especiais degraus elevados. As perguntas aborda-vam todos os níveis de vida do paci-ente: como ele se sentiu usando ócu-los, com que freqüência usava e se foiválido ou não o uso daquele tipo de

recurso óptico prescrito para a vida dele.

PrescriçãoQuando olhamos na direção de al-

gum objeto, a imagem atravessa acórnea e chega à íris, que regula aquantidade de luz recebida por meioda pupila. Quanto maior a pupila, maisluz entra no olho. Passada a pupila, aimagem chega ao cristalino, e é focadasobre a retina. A lente do olho produzuma imagem invertida, e o cérebro aconverte para a posição correta. Naretina, mais de cem milhões de célulasfotorreceptoras transformam as ondasluminosas em impulsos eletroquí-micos, que são decodificados pelo cé-rebro. A mácula é o ponto central daretina. É a região que distingue deta-lhes no meio do campo visual.

A ampliação ou magnificação é atécnica mais simples para a aproxima-ção de objetos. Um exemplo comum éo idoso que senta próximo da televi-são para enxergar melhor. Para longe,é prescrito o uso de telescópios. Elespodem ser mono ou binoculares, ma-nuais ou montados em armações deóculos. O mais simples são os Galileus,com 2,5 ou 2,8 vezes de aumento ouos Keplerianos, mais elaborados. O te-lescópio mais moderno é o VESautofoco que, automaticamente, medea distância focal e proporciona imagemnítida de imediato. Sua maior vantagemé eliminar a necessidade de focalização.

Entretanto, os telescópios, de modogeral, são de difícil adaptação. Os paci-entes precisam aprender a localizar aimagem, focar e fazer o seguimento. Sãoprocedimentos que requerem motivação,treino e desenvolvimento de habilidadesde coordenação motora e cognitiva.

“Os telescópios são mais reco-mendados em sala de aula para ado-lescentes ou crianças com baixa vi-são”, disse Keila.

Para perto, a ampliação é con-seguida por meio do uso de lentes bemfortes, com 10, 20 30 e até 40 grausmontadas em óculos, lupas de mão oulupas de foco fixo. Os óculos, úteispara leituras prolongadas, ainda têm avantagem de deixar as mãos livres,oferecer maior campo de visão e se-rem mais aceitos socialmente. As lu-pas de mão são usadas para tarefascurtas. Elas podem ser usadas em con-junto com os óculos convencionais, oque facilita muito. As lupas também sãorecomendadas para idosos com pro-blemas de coordenação ou tremores.

“A lupa, no entanto, exige superfí-cies lisas para correr. Não é possível,por exemplo, usá-la para ler o rótulo deuma lata redonda”, explicou a médica,que recomenda aos idosos usarem seusóculos de perto e deixar a lupa ape-nas para a tarefa de ampliação.

Site e reabilitação visualEmbora os pacientes idosos deixem

de ler com o tempo, a leitura foi con-siderada importante por 58% dos en-trevistados. Nesses casos, um treina-mento adicional é oferecido ao idosoatendido no setor de visão subnormaldo ambulatório de oftalmologia do HCda Unicamp. Primeiramente, ele tomaconsciência da localização da manchacentral no olho. Em seguida, verificam-se quais letras são mais confundidaspelo paciente, que passa a olhá-las naparte superior para reconhecê-las. Osexercícios de leitura são feitos, então,com textos ampliados que o paciente

computação da Politécnica da USPFelipe Monteiro de Carvalho, que “en-xugou” e deixou a programa mais leve,compatível com qualquer sistemaoperacional.

“O programa cabe num disquete.Uma vez instalado no computador,com o mouse, a pessoa seleciona o quedeixa ampliar. Ele é bem simples e au-xilia a todos os portadores de baixavisão”, explicou Keila.

Apesar do texto de apresentaçãoestar em inglês, o programa gera umaversão em português, após instalado.De acordo com a pesquisadora, o siteserá reformulado em breve. Uma novaversão estará à disposição dos pacien-tes com novos recursos.

Recomendações e resultadosDe acordo com Keila, estudos recen-

tes têm demonstrado o efeito cumulati-vo da luz ultravioleta nas doenças dege-nerativas da visão. A partir do início doenvelhecimento, a oftalmologista reco-menda o uso de suplementação die-tética com vitaminas A, C, E, zinco,cobre e selênio e o uso de óculos desol que tenham filtro ultravioleta.

Para surpresa da pesquisadora, 73%dos pacientes acompanhados durante umano pelo setor de baixa visão do ambu-latório de oftalmologia do HC respon-deram que valeu a pena a prescriçãodo auxílio óptico, mesmo sabendo quenão há mais nenhum tratamento clíni-co ou cirúrgico que melhore a visão.

“Um dado que também me surpre-endeu positivamente foi que muitossentiram uma renovação da esperançacom a prescrição dos óculos e com oatendimento da equipe de reabilitaçãovisual”, comentou a oftalmologista.

Com a pesquisa, Keila analisou, in-diretamente, a satisfação do cliente e aqualidade do serviço de visão sub-normal. Como a própria pesquisadoraafirmou, do ponto de vista médico, aequipe passou o melhor do conheci-mento da ciência atual. Mas e do pon-to de vista do paciente?

“Acredito que o serviço e o atendi-mento supriram as necessidades práti-cas dos pacientes. Nossa meta foi cum-prida. Mesmo assim, o que faltou? Oque mais eu precisaria fazer por eles?”

A resposta talvez esteja num artigoassinado pela própria pesquisadora epublicado na revista Universo Visualem 2002, bem antes de sua pesquisade livre-docência. No texto, Keila afir-ma que “o papel do oftalmologista es-pecialista em reabilitação visual é au-mentar a habilidade do paciente, usan-do estratégias variadas e objetivandopromover a independência, o bem-es-tar e mais qualidade de vida”.

lê sem lupa. Aos poucos, a equipe dereabilitação visual diminui o tamanhodos textos até se chegar à dimensão al-mejada. O próximo passo é ensinar aoidoso usar o canto ou o lado do olhopara ler com o auxílio óptico prescrito.

“Durante 70 anos, o olho enxergoucom um movimento e, agora, o idosoprecisa mudar o posicionamento davisão para enxergar de perto. Nós en-sinamos o paciente a usar a retina in-ferior e olhar a parte superior da letra.Isso dá um melhor aproveitamento vi-sual”, explicou Keila, que conta com oapoio dos profissionais do Centro deEstudos e Pesquisas em Reabilitação“Gabriel Porto” (Cepre) para auxiliarna reabilitação visual.

Essa é outra linha de pesquisa de-senvolvida em parceria com a Univer-sidade de Tibenger, na Alemanha. Oidoso com degeneração da mácula, aoolhar uma palavra ou um texto, nãopode focar no centro. Ele precisa des-viar os olhos para enxergar. “Nós estamosdesenvolvendo alguns aparelhos especi-ficamente para estudos clínico-experi-mentais dessa fixação preferencial daretina inferior”, comentou Keila.

Para os pacientes que moram lon-ge e não têm possibilidade de retorno,a família é orientada a fazer os exercí-cios em casa. Entretanto, um outro pro-blema foi verificado pela equipe queatende e acompanha os pacientes ido-sos com baixa visão: muitos vinhamdesacompanhados, com vizinhos ou so-zinhos. Para passar as orientações cor-retamente, Keila criou o site www.au-xiliosopticos.fcm.unicamp.br.

Embora feito inicialmente para en-viar orientações aos professores de es-colas com crianças com deficiência vi-sual que necessitavam ajustar o teles-cópio de acordo com o posicionamentodo aluno em sala de aula, o site passoutambém a oferecer orientações para osidosos. “Provavelmente, quem vaiacessar é o neto. Com uma senha e osdados do avô, ele vai ver qual a distân-cia correta para posicionar o objeto dosóculos. Assim, o idoso conseguirá ler”,comentou Keila.

No site, há informações para me-lhorar a acuidade visual, como, porexemplo, aumentar a iluminação oucontraste dos objetos. Uma dica paraintensificar o contraste é colocar pa-pel celofane amarelo sobre os objetos.O uso de espelhos de aumento tam-bém é recomendado. Outro recursodisponível no site é a lupa digital, umprograma gratuito que amplia a ima-gem. Desenvolvido inicialmente porum americano e um norueguês, osoftware livre foi adaptado pelo alunode engenharia elétrica com ênfase em

horizontes

A professora Keila Miriam Monteiro de Carvalho: 80 pacientes foram entrevistados

T Paciente combaixa visão éatendido noambulatório doHospital dasClínicas:dificuldadede ler é queixarecorrente

Fotos: Antoninho Perri

Para ampliar oshorizontes

Oftalmologistada FCM avalia

causas de baixavisão em idosos emede satisfação

com o atendimentopúblico