AUTOESTIMA, APRENDIZAGEM E REFLEXÃO: CINEMA E LITERATURA COMO AGENTES COADJUVANTES NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Marilda Delfrate Gross¹
Fábio Augusto Steyer²
Resumo. A educação de jovens e adultos-EJA é o espaço escolar em que o aluno vem em busca de conhecimentos, uma vez que a muitos não foi dada a oportunidade de estudar em idade regular por diversos fatores, tornando-os afastados da escola, e agora jovem/adulto tentam refazer o tempo perdido. Nesse ambiente é visto que a maioria dos alunos sente vergonha por não ter estudado ou ter parado, medo de se passar por ridículo e do desconhecido. Além da baixa autoestima, nota-se que outras preocupações também atrapalham o processo de ensino-aprendizado, fatos que podem levar novamente ao abandono dos estudos. Essa clientela possui histórias de vida dignas de atenção e compreensão e um dos maiores desafios dos educadores é conseguir reconstituir a autoconfiança destes alunos, cabendo aos docentes ouvir essas pessoas, seus medos, inseguranças entre outros sentimentos, e ajudá-los para que seus objetivos se concretizem. Para tanto, diferentes dinâmicas e mídias foram utilizadas, especialmente filmes, jornais e revistas para que os alunos notassem que não são os únicos a terem problemas. Porém, para superá-los, precisamos aceitar os fatos e reconhecer que toda a história de vida traz algum tipo de experiência e que esta pode ser utilizada em sala de aula. Com esta abordagem, a educação de jovens e adultos propicia conhecimento a partir das histórias dos próprios sujeitos, englobando o conhecimento de mundo adquiridos com a prática. Além disso, na convivência com as desigualdades encontradas neste ambiente escolar estabelece-se uma colaboração, criando-se vínculos que nos faz uns ajudar aos outros. Palavras-chave: EJA. Dinâmicas. Filme. Autoestima. PDE.
¹ Professor da Rede Pública Estadual de Ensino do Paraná, [email protected].
² Doutor em Letras pela UFRGS, Professor adjunto da UEPG do Departamento de Línguas Vernáculas.
Introdução
A aquisição de conhecimentos está vinculada à auto-estima do educando, a
qual é desenvolvida durante o processo de crescimento, quando os seus gostos e
opiniões são ouvidos e respeitados, quando recebem amor, incentivo e são
encorajados a confiar em si mesmos. Porém, após a infância, a verdadeira
autoestima somente será alcançada quando refletimos sobre nossa existência e
compreendermos/aceitarmos os fatos cotidianos. Contudo, isso normalmente não
acontece com alunos da Escola de Jovens e Adultos (EJA), tanto no ensino
fundamental II quanto no ensino médio.
Lopes e Sousa (2010, p. 2), afirmam que:
...é preciso que a sociedade compreenda que alunos de EJA vivenciam problemas como preconceito, vergonha, discriminação, críticas dentre tantos outros. E que tais questões são vivenciadas tanto no cotidiano familiar como na vida em comunidade.
A maior parte destes indivíduos sente vergonha por ter parado de estudar,
medo de se passar por ridículo e do desconhecido. Porém, estas pessoas possuem
histórias de vida dignas de atenção e compreensão e muitas vezes deparamos
nessa caminhada com jovens de ambos os sexos que sofrem ou sofreram algum
tipo de violência, incluindo abuso, ora dos pais ora de padrastos, irmãos, primos,
enteados, vizinhos, outros. Estes fatos, mesmo tendo sido vivenciado na infância ou
adolescência, marcam o indivíduo para o resto de sua vida, tornando-os por vezes
insensíveis, amargos, inseguros, revoltados e com baixa estima. Aliado a isto,
frequentemente estes jovens e adultos apresentam outros problemas que
atrapalham o processo de ensino-aprendizagem, por exemplo, o cansaço e outras
preocupações rotineiras como pagamento de contas ou educação dos filhos, fatores
estes que muitas vezes levam ao abandono dos estudos.
Diante deste contexto e sabendo que cabe ao educador conquistar seus
alunos para conseguir um cenário efetivo de ensino-aprendizagem, o objetivo desta
pesquisa foi estimular através da linguagem do cinema e da linguagem literária
momentos de reflexão entre os alunos da Educação de Jovens e Adultos - EJA, do
Colégio Estadual Coronel David Carneiro, Palmeira, PR, visando restabelecer a
autoestima destas pessoas e reconhecer os preconceitos existentes nos
filmes/textos e estabelecer um paralelo com realidade de cada aluno, bem como
verificar que tipos de preconceitos são predominantes na cidade e se existe algum
motivo padrão que fez com que estas pessoas não pudessem estudar durante o
período regular.
Com esta prática, o tempo escolar pode ser repensado em função do tempo
mental, social, cultural dos alunos. O professor sabe que, dependendo das séries ou
turmas, terá que privilegiar determinados conteúdos no momento de preparar suas
aulas, e dependendo da diversidade dos alunos e das turmas terá que programar
tempos diversificados de ensino, assim como dependendo de cada matéria terá que
estender ou diminuir o tempo de ensino, cabendo aos docentes observar e
disponibilizar o tempo mais adequado.
Este cenário é particularmente importante na Educação de Jovens e Adultos
(EJA). De acordo com o Art. 37º da LDB: ‘A educação de jovens e adultos será
destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino
fundamental e médio na idade própria’.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos
(Parecer CEB nº 11/2000), em concordância com a nova Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional – LDB apontam três funções como responsabilidade da EJA:
reparadora (restaurar o direito a uma escola de qualidade); equalizadora
(restabelecer a trajetória escolar); qualificadora (propiciar a atualização de
conhecimentos por toda a vida). Porém, a educação de jovens e adultos envolve
muito mais do que isso e, segundo Balsanelli (2012, p. 7):
Mesmo que à escola caibam, principalmente, os processos de ensino e aprendizagem, necessita-se perceber que o aluno leva para a escola características de suas condições materiais, sociais e psicológicas, e que possuem muitos pré-conceitos e opiniões já formadas. Fica a encargo dos professores fazê-los reconstruir e/ou compartilhar tais conhecimentos, sem esquecer que isso deve ocorrer simultaneamente à aquisição de conteúdos do currículo escolar.
O tempo escolar é uma construção cultural, com alguns aspectos que são
permanentes e outros que precisam ser abordados de acordo com as mudanças que
acontecem na própria concepção das idades, sendo este o ponto fundamental desde
o início da história da pedagogia. Assim, cada conteúdo, conhecimento e
competência têm seu tempo para ser ensinado, existindo o tempo de ensinar e o
tempo de aprender. De acordo com Freire (1996, p.16):
Respeitando os sonhos, as frustrações, as dúvidas, os adultos, os
educadores e medos, os desejos dos educandos, crianças, jovens ou educadoras populares têm neles um ponto de partida para sua ação. Insista-se, um ponto de partida e não de chegada. (FREIRE, 1996, p.16).
Diante deste contexto, um dos grandes desafios do educador é aliar o espaço
e o tempo escolar com práticas modernas de educar, sendo indispensável ouvir a
história do estudante para estabelecer um processo pedagógico de ensinar e
aprender de maneira continuada. Segundo Freire (1996, p.16):
... não é possível entender as pessoas apenas como classe, ou como raça ou como sexo, mas, por outro lado, a posição de classe, a cor da pele e o sexo não podem ser esquecidos no contexto geral. Assim como não pode ser esquecida a experiência social, a formação, as crenças, cultura, opção política e a esperança.
Diferentes dinâmicas e mídias utilizadas na EJA para o restabelecimento da
autoestima
Atualmente a escola não é mais o único local de ensino aprendizagem e toda
a população tem acesso a diferentes tipos de mídia, sendo fundamental aplicá-las
em sala de aula como agentes facilitadores no processo de ensino-aprendizado,
englobando o estabelecimento de confiança entre professor – aluno e aluno - aluno.
Esta abordagem foi efetuada no projeto AUTOESTIMA, APRENDIZAGEM E
REFLEXÃO: CINEMA E LITERATURA COMO AGENTES COADJUVANTES NA
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS, na EJA do Colégio Estadual Coronel David
Carneiro – Ensino Fundamental e Médio, da cidade de Palmeira, Paraná, que conta
com 174 alunos, com idade variando de 15 a 58 anos. O projeto foi desenvolvido em
uma turma de 37 alunos, sendo 16 mulheres e 21 homens, nos meses de fevereiro,
março, abril, maio, junho de 2013. Apesar de estarem em uma mesma turma, os
alunos não se conheciam e poucos sabiam os nomes de seus colegas.
Dentro deste contexto, foi proposta a dinâmica da grande teia, onde cada
discente colocou seu nome em um balão e o inflou, reservando-o. Em seguida, um
rolo de barbante foi passado para um aluno e este se apresentou, dizendo seu
nome, idade, estado civil, que tipo de atividade desenvolve no dia a dia, quantos
filhos tem, etc.
Figura 1 – Imagem Dinâmica Grande Teia – Alunos EJA do Colégio Est. Cel. David Carneiro
Fonte: Professora Rubiane Rigoni – PALMEIRA, 2013
Após a apresentação, o aluno segurou a ponta do barbante e arremessou o
rolo para outra pessoa. Ao segurar o rolo, a próxima pessoa também se apresentou,
repetindo o processo até que todos tivessem entrado na dinâmica e uma grande teia
tivesse sido formada. Em seguida, os balões foram colocados sobre a teia e foi
explicado que o sucesso do ensino-aprendizagem depende da participação de cada
um, ou seja, se um dos componentes não fizer o seu papel, não existe um progresso
efetivo.
Figura 2 – Imagem Dinâmica Grande Teia – Alunos EJA do Colégio Est. Cel. David Carneiro
Fonte: Professora Rubiane Rigoni – PALMEIRA, 2013
Este aprender também está relacionado a muitos fatores, bem como a
decisão de voltar para a escola. Para compreender o motivo dos alunos terem
retomado os estudos foi feita a dinâmica “não destrua o sonho dos outros”, onde os
alunos escreveram em um papel seus maiores sonhos e colocaram-os em um balão
que foi inflado. Um palito de dente foi distribuído para cada participante e a ordem
“defendam seu sonho” foi dada. Neste momento, todos tentaram estourar os balões
uns dos outros, ao invés de apenas proteger o seu. Quando fizerem isso o
orientador pergunta: “Por que destruir os sonhos dos outros?”. Em seguida, foi
explicado que para defender os nossos sonhos não precisamos destruir os sonhos
de outra pessoa, ou seja, temos que aprender a respeitar os sonhos dos outros.
Dando prosseguimento, cada um relatou seu maior sonho e esta atividade permitiu
uma maior integração do grupo.
Figura 3 – Imagem Dinâmica Integração do Grupo – Alunos EJA do Colégio Est. Cel. David Carneiro
Fonte: Professora Rubiane Rigoni – PALMEIRA, 2013
Apesar de o sonho ser um grande motivador para a nossa vida, muitas vezes
problemas sociais acabam dificultando a realização dos mesmos. Para que esse fato
desse maior veracidade assistiu-se ao filme Preciosa, de Lee Daniels, uma produção
de Oprah Winfrey, baseado na obra-romance Preciosa, do autor Sapphire. Como
Preciosa, tantas outras garotas de sua idade não conseguiram a devida atenção dos
professores na escola convencional e sentiram-se marginalizadas em todos os
sentidos possíveis: algumas pela cor de sua pele, outras por serem imigrantes,
falarem diferente ou serem obesas. E através de uma professora e do ambiente
“propício” – composto por pessoas com as mesmas dificuldades – é que aquele
grupo conseguiu avançar: aprenderam a ler, a escrever e, adiantar-se nos estudos.
Durante a sessão de cinema, (regada a pipocas e pirulitos), momentos de emoção
vieram à tona através das lágrimas, mas logo contidas e não reveladas. Concluída a
apresentação do filme, retornou-se com um caça-palavras contendo quatorze
palavras para ser encontradas (Droga; Pobreza; Morte; Injustiça; Família; Escola;
Dinheiro; Emprego; Preconceito; Dificuldade; Superação; Racismo; Violência;
Estupro).
Figura 4 – Atividade Caça Palavras – Alunos EJA do Colégio Est. Cel. David Carneiro
Fonte - Site: www.atividadeseducativas.com.br/criarcacapalavras - Acesso em 11/10/12
Após a resolução explica-se que muitos podem passar por situações
semelhantes na vida e que podemos mudar de condição e superar as adversidades.
Na leitura do texto visual solicitou-se que observassem a capa do DVD e fizessem
um novo desenho (capa), expressando seus sentimentos quanto ao filme em pauta.
Estimulados pela linguagem do cinema, um momento de reflexão foi realizado onde
os alunos puderam reconhecer os preconceitos existentes no filme, e estabelecer
um paralelo com a realidade da cidade de Palmeira-Pr. Instigativamente, eles foram
convidados a manifestar a sua opinião. Se esses problemas sociais acontecem
nessa cidade e se eles conhecem alguém que passou por situações similares e qual
foi o desfecho da história. No momento primeiro ninguém quis compartilhar,
preferiram permanecer calados somente ouvindo a professora comentar e fazer as
reflexões.
Figura 5 – Desenho Grafite – Ilustração Capa do DVD – Colégio Estadual Cel. David Carneiro
Fonte: Aluna da EJA – Ensino Fundamental - PALMEIRA, 2013
As atividades propostas geraram em compreender e produzir textos que
impliquem em dimensões sociais, culturais e psicológicas e mobilizem todos os tipos
de capacidade de linguagem. Ao incentivar a leitura de vários tipos de gêneros
textuais pudemos ter acesso ao saber e ao nível de compreensão e, para tanto, tem
que aprender a relacionar, hierarquizar e articular informações com a situação de
comunicação e com o conhecimento que o indivíduo possui.
Durante todas as atividades ficou nítido que muitos dos problemas estão
relacionados a diversos tipos de medos, inclusive o de assumir novas
responsabilidades por temer o desconhecido. Para que os alunos entendessem a
necessidade de superar estes receios, a frase “coma o chocolate ou ofereça–o a
alguém” foi colocada no fundo de uma caixa. Com uma música de fundo, essa caixa
foi passada de mão, até a música ser interrompida.
Figura 6 – Imagem Dinâmica Medo do Desafio – Colégio Estadual Cel. David Carneiro
Fonte: Professora Rubiane Rigoni - PALMEIRA, 2013
A pessoa que estava com a caixa na mão quando a música parou teve que
cumprir a tarefa sem reclamar. Enfatizou-se que independente do que fosse a
ordem, ninguém poderia ajudar, mesmo que fosse uma tarefa difícil ou
constrangedora. O objetivo será mostrar como somos covardes diante de situações
que possam representar perigo ou vergonha, explicou-se em seguida que
normalmente temos motivo para ter medo e, como isso refletem em nosso cotidiano,
os alunos foram convidados a dar seu depoimento oral ou de forma escrita sobre
seus medos, dissabores e anseios, tendo ficado clara a baixa autoestima na turma.
Apresenta-se um processo de retomada da autoestima, efetua-se a
brincadeira “Para quem você tira o chapéu?”. Assim, cada um recebeu um chapéu
com um espelho no seu interior e, após visualizar a sua própria imagem, relatou se
tira o chapéu para quem está “dentro” do chapéu e por que. Demonstre se esta
pessoa representa um exemplo de superação, sem revelar de quem está falando,
aguçando a curiosidade dos colegas. Esta atividade permite a reflexão individual,
onde cada um reconhece que apesar dos problemas, a vida é feita de superações e
que todos são vitoriosos, devendo ter orgulho de tudo que já viveram.
Notícias de revistas, jornais e internet foram levados para sala de aula, tendo
como tema a violência doméstica, especialmente as relacionadas aos fatos
acontecidos no Paraná. Mas o que surpreendeu foi uma das notícias do Jornal
Gazeta do Povo, do dia 10/07/2012, onde relata que duas crianças foram
assassinadas em Palmeira. Sentimos um momento de revolta e tristeza dos
estudantes, porque a mãe/assassina foi colega de turma (EJA) e não souberam
descrever o que pode ter acontecido com essa pessoa, pois para eles em nenhum
momento ela demonstrou ter problemas mentais e/ou familiares, que pudessem
desencadear tamanha crueldade.
Ainda para enfocar violência doméstica diversa músicas puderam ser ouvidas
e cantaroladas pelos discentes. Apresentou-se a letra da música – Violência – Titãs
e solicitou-se aos alunos para escrever uma estrofe de música que possa retratar o
assunto em questão. Fica claro que muitas vezes nem nos damos conta de que se
trata de algo em comum.
Quem relata qualquer fato, necessita da memória e dos registros. No caso o
autor (a) foi convidado (a) a recordar uma experiência vivida recentemente e
escrever sobre ela. O gênero textual relato de experiência vivida que o autor (a)
deve utilizar é o diálogo entre o passado recente e o presente de quem relembra. Ao
utilizar a memória, sempre se faz o jogo do “agora” com o “ontem”, do “aqui” com o
“lá”. Por essa razão podem aparecer no texto marcas desse jogo, por meio dos
verbos e dos tempos verbais.
Os alunos organizam-se em duplas e um (a) colega conta para o outro sobre
alguma passagem marcante ou negativa que aconteceu com ele (a) ou alguém de
seu convívio. O receptor anota o maior número possível de informações durante o
relato dos (as) colegas e depois, com a permissão desses relata o fato para a classe
sobre a história de vida que escreveu de seu colega.
Analisar imagens reflete inúmeras ideias e conceitos. Quando as palavras não
são suficientes adere-se a imagens, aliás, os significados das imagens podem variar
de acordo com o repertório de quem faz a leitura. Os estudantes recebem algumas
imagens, e ao observar constatam ser figuras sobre violência doméstica. Então
solicita-se para escrever o que significou para eles(as), e são certas atitudes tão
presentes em nosso cotidiano.
Compartilhar com os alunos da EJA, através de várias atividades e
principalmente na convivência com essa clientela será sempre motivo de satisfação
e bem estar e não poderia deixar de fazer um encerramento, para esse momento os
educandos puderam confeccionar o portfólio, com exposição no hall de entrada do
Colégio Estadual Cel. David Carneiro.
Perfil do público atendido pelo EJA em Palmeira-Pr e o papel no professor no
ensino-aprendizagem
A maior parte dos alunos trabalha e quase todos desempenham funções pouco
remuneradas, tais como auxiliares de pedreiro, domésticas, pintores, lixadora de
urnas funerárias, auxiliares de cozinha, entregadores, auxiliares de serviços gerais,
vigias noturnos, confeiteiro, dentre outros.
O motivo que fez com que não pudessem estudar durante o período regular foi
variado, não existindo um padrão. Porém, o estudante da EJA do Colégio Estadual
Coronel David Carneiro geralmente provém de áreas rurais empobrecidas, filho de
trabalhadores rurais não qualificados e com baixo nível de intuito escolar (muitos
analfabetos). Em outra parcela deparamos com jovens estudantes multirrepetentes,
oriundos das turmas regulares, que devido à distorção série-idade, são “convidados”
a ir para a EJA no período noturno. Ainda temos os jovens que precocemente
assumem o mercado de trabalho para ajudar no sustento da família. Assim, o
alunado da EJA de Palmeira, PR tem um perfil bem diversificado.
A grande maioria dos alunos voltou à escola em busca de melhores
empregos/salários, não tendo incentivo nenhum dos seus familiares. Porém, é nítido
que não estavam à vontade no ambiente escolar e neste convívio social, fato que é
notado por não saberem nem o nome dos seus colegas de turma. E isto decorre do
fato de sentirem vergonha por não ter cursado a escola em tempo regular, o que faz
com que tenham a impressão de serem fracassados e indignos de estarem lá.
Além disso, a ampla variação etária apenas amplifica este sentimento, uma vez
que cada aluno traz consigo uma gama diferenciada de experiências, positivas e
negativas, que envolve os conhecimentos vividos ao longo dos anos. Ou seja, são
sujeitos com suas próprias visões de mundo estudando em uma mesma turma, cada
um com sua capacidade e velocidade de raciocínio e entendimento, o que dificulta o
relacionamento interpessoal por falta de estabelecimento de diálogo entre
aluno/aluno e aluno/professor.
Contudo, durante as dinâmicas e atividades reflexivas, os alunos passaram a
se conhecer e se solidarizar com os colegas, percebendo que não eram os únicos a
enfrentar problemas e que, muitas vezes, os problemas eram similares, já que todos
vivem em uma mesma sociedade. Dentre os problemas que foram constatados
como recorrentes na sociedade palmeirense, tanto nas famílias dos alunos quanto
envolvendo outras famílias, destacam-se a presença de violência doméstica,
discriminação racial, drogas, relações extraconjugais, machismo, alcoolismo, aborto,
assassinato, abuso sexual, gravidez na adolescência, incesto, estupro, assédio
sexual, agressão verbal, fome, miséria e o próprio analfabetismo. De acordo com os
alunos, estes problemas geram preconceitos e discriminação, sendo muitos
determinantes para a continuidade dos estudos, seja em tempo regular ou na EJA.
Uma vez que estes alunos se sentem discriminados e sofrem preconceitos,
todos demonstravam solidariedade com os colegas durante os relatos. Desta forma,
uns tentavam ajudar aos outros a superar os seus problemas e recuperar a
autoestima, criando um ambiente de união, amizade, cooperação e incentivo mútuo,
o que foi propício para o ensino-aprendizagem, sendo esta harmonia, notada pelos
demais professores desta turma. De acordo com Balsanelli (2012, p.1):
Cada sujeito teve um motivo próprio para parar de estudar, e possui um motivo tão próprio para retornar. Quando retornam, muitos têm muita dificuldade em acompanhar os conteúdos e, em diversos casos, acabam desistindo muito facilmente, sem, ao menos, tentarem entender o que lhes “bloqueia” o aprendizado. (Balsanelli, 2012, p.1)
Ou seja, muitas vezes esta dificuldade em acompanhar os conteúdos pode
estar associada à saída da zona de conforto de cada um e entrada em um ambiente
que é considerado por eles como impróprio para a sua idade. Contudo, se este
ambiente for amigável, e levar em conta toda a história de vida de cada aluno e suas
experiências pregressas, é possível restabelecer a autoestima destes educandos
com diferentes dinâmicas e atividades ligadas ao seu dia a dia, incentivando-os a
trilhar metas e atingir seus objetivos. Isso se dá especialmente por meio da
compreensão de que a atitude de voltar a estudar não deve ser motivo de
constrangimento, mas de orgulho, ajudando-o a identificar o valor e a utilidade do
conhecimento em sua vida por meio de atividades ligadas ao seu cotidiano. Uma vez
contornado o medo de voltar a estudar, restará apenas à dificuldade do conteúdo a
ser aprendido.
Quando a escola nega a identidade do sujeito da EJA, ela nega a possibilidade
de uma articulação entre experiência e prática. Negar o que estes indivíduos sabem,
parece ser uma forma de colocar estes alunos a margem do conhecimento. Portanto
faz-se necessário mostrar que a escola é um lugar de troca entre todos e que o
professor é um instrumento. Repensar a diversidade desses educandos, com
situações socialmente diferenciadas, é precisar que a Educação de Jovens e Adultos
proporcione um atendimento por meio de outras formas, ou seja, do conhecimento
de mundo.
Assim, o educador deve ser capaz de despertar o interesse de públicos com
diferentes níveis de escolarização, idade ou classe social, utilizando diferentes
ferramentas, capazes de chamar a atenção dos alunos, pois é na convivência com
as desigualdades que nos enxergamos, e somente através da colaboração é que
podemos ajudar o outro. Pois o estudante muitas vezes traz para dentro da escola
insegurança, revolta, apatia, alienação, entre outros sentimentos que refletem no
processo de ensino-aprendizagem. Isto é particularmente notório em Escolas de
Jovens e Adultos (EJA), cujo ambiente torna-se um local de confronto de cultural e
também de singularidades, uma vez que não foi assegurado a essa parcela da
população o acesso e a permanência na escola durante a infância, despertando
inclusive o sentimento de exclusão.
Diante deste contexto, nós educadores não podemos cometer o pecado
da omissão e da alienação frente à realidade que nos é apresentada no cotidiano
das salas de aulas. O papel do educador é levar o aluno a aprender para conhecer,
quer dizer: aprender a aprender, onde o indivíduo seja capaz de exercitar, a atenção,
a memória e o pensamento autônomo, deixando de lado os procedimentos do
período jesuítico como a cópia que pouco contribuiu no aprendizado. O que
desejamos é que o aluno saiba que existe uma metodologia básica nos estudos, que
precisa ser ensinada e que quando não compreenderem devem se manifestar para
que o professor retome o conteúdo fazendo uma explanação de modo diferente para
que realmente aconteça o aprendizado, pois algumas pessoas apresentam maior
lentidão para percorrer o mesmo caminho. Isso não significa incapacidade de
aprender, pois a aprendizagem ocorrerá quando houver uma consonância com o
ritmo pessoal de quem estuda. A priori devemos analisar e valorizar as experiências
trazidas pelo educando da EJA e quais as contribuições que as avaliações aplicadas
oferecem aos discentes trabalhadores. Espera-se que atitudes como essas façam
parte da trajetória desses alunos para que possam alcançar uma efetiva avaliação
que oportunize novos saberes.
Devemos ter em mente que, diante desse contexto educacional, a EJA requer
a construção de novas diretrizes e práticas pedagógicas que atendam a
especificidade desta modalidade. Contudo, para que essa construção ocorra é
necessária uma metodologia própria, um currículo específico que contemple as
necessidades básicas, um projeto político pedagógico voltado para a demanda
dessa população de estudantes, e a avaliação na EJA deve possibilitar à inclusão e
emancipação dos estudantes, garantido a edificação do conhecimento e a
valorização dos seus interesses e potencialidades. De acordo com Freire:
... ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para sua produção ou a sua construção... Não há docência sem discência, as duas se explicam em seus sujeitos, apesar das diferenças que as conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina, ensina alguma coisa a alguém... (1998, p.25)
Faz-se necessário que nos coloquemos no lugar desses alunos,
compreendendo seu ponto de vista e desenvolvendo a capacidade de conviver com
as diferenças. Para que isso possa ocorrer o professor deve ser cuidadoso com os
recursos didáticos, para que o aluno atinja o conhecimento, podendo assim a
avaliação ser um meio onde acontece a constatação do processo de aprendizagem.
Além disso, não podemos esquecer-nos de levantar os conhecimentos prévios dos
alunos sobre o tema a ser estudado, construindo hipóteses e incentivando a
curiosidade científica. A escolha de alguns assuntos a serem trabalhados com a
turma pode ser apresentada e aguardar que surjam outros temas pelos alunos.
Naturalmente parte-se para desenvolver um tema comum e específico utilizando
processos de motivação, mobilização e construção coletiva.
Diante dessa exposição, o ideal seria que todas as EJA inserissem em seu
projeto político pedagógico, a transiarte, que é encontrar um modo de comunicar-se
pela arte. Na parte diversificada poderá ser abordada a linguagem tecnológica,
hibridizada às linguagens artísticas tradicionais, que podem ser associado a valores,
culturas e manifestações artísticas, capazes de levar a compreensão da realidade do
jovem e adulto dentro das suas possibilidades e limitações, oportunizando o uso das
tecnologias, onde os estudantes devem ser incentivados a interagirem no
ciberespaço, num trabalho individual, coletivo, contínuo e inacabado em espaços-
tempos diversos.
No entanto o grande desafio da aprendizagem é desenvolver coletivamente
qualquer episódio que faça o jovem/adulto permanecer na escola, até que conclua
seus estudos.
Considerações Finais:
O projeto: Autoestima, aprendizagem e reflexão na educação de jovens e
adultos (EJA) foi desenvolvido no Colégio Estadual Coronel David Carneiro –
Palmeira PR. A Produção Didático Pedagógica se alicerça na obra e filme "Preciosa"
e nos diferentes gêneros textuais, o que representa uma tentativa audaz de resgate
da autoestima proporcionando aprendizagem e reflexão. A opção pelo Ensino de
Jovens e Adultos cabe ao processo de ensino-aprendizagem que se dá de maneira
diferenciada do ensino regular, séries iniciais, finais e ensino médio, pois as
referências afirmam essas diferenças que culminam com a experiência vivenciada
com essa clientela, pois durante as atividades realizadas foi possível perceber o
entusiasmo e a participação dos alunos. A metodologia foi feita através do trabalho
de diversos gêneros, contextualizadamente, aliando-os à temática e, com isso,
fazendo com que os alunos aprendessem sem perceber. E ainda de maneira lúdica.
A produção não propôs só a leitura de palavras e imagens, mas do mundo particular
de cada um, visto que somos indivíduos inseridos em um contexto sócio histórico,
cultural e religioso. E pensando a leitura como um processo dialógico, que envolve a
interação entre interlocutores (autor leitor), mediou orientando e fazendo assim com
que não se adquira somente conhecimento, mas que a partir da reflexão se produza
e se crie conhecimento, que vai além dos gêneros. Todas as atividades propostas
foram realizadas e a cada encontro os alunos estavam ali curiosos à espera das
atividades. Foi um momento único trabalhar com essas pessoas tão especiais que
se dispuseram a participar do projeto sem cobranças, simplesmente pelo fato de
querer aprender um pouco mais e também pela curiosidade do convite recebido,
tanto da orientadora da escola, professora Ernete Luchesi, quanto da professora
PDE. E quando nos encontravam nos corredores da escola, logo iam perguntando,
“hoje vai ter projeto?”, em todo esse tempo de magistério, pela primeira vez senti o
que é realmente participar na vida dos estudantes, pois esses momentos foram
únicos, as lembranças das expressões faciais e gestuais dos alunos, realmente o
que vale a pena, por todo o trabalho que tivemos durante esse tempo de
implementação, e se tivesse que fazê-lo novamente, sem pensar faria tudo outra
vez. “Seja a mudança que você quer ver no mundo” (Dalai Lama). Nas etapas de
desenvolvimento do GTR, vivenciamos um momento mágico, pois fomos agraciados
com depoimentos brilhantes e apaixonados pela EJA, onde nossos colegas puderam
expressar seus sentimentos, suas experiências reais, sempre visando o aluno. De
acordo com a colocação dos professores GTR a abordagem dos conteúdos em sala
de aula, contribuiu significativamente nas suas práticas docentes, tanto para o
aprendizado quanto no meio social, ou seja, no seu convívio diário com essa
clientela tão especial. A Educação de Jovens e Adultos é a menina dos olhos dos
educadores; e pode ser comparada com a casa do “½(meio) caminho”, citada no
Romance Preciosa de Saphire, que significa: Você está a meio caminho entre a vida
que tinha e a vida que quer ter. Para resguardar a permanência na escola, lugar de
onde nunca deveriam ter sido afastados, estas preciosidades raras estão tendo um
espaço junto com seus pares para concluírem seus estudos, buscando uma vida
digna, talvez não a que foi sonhada, ou desejada, mas uma vida melhor do que se
pudesse esperar.
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