As exposições de arte do MNBA e MAM-Rio: duas narrativas da História da Arte Brasileira
Tatiana Martins
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As exposições de arte do MNBA e MAM-Rio: duas narrativas da História da Arte Brasileira
Tatiana Martins
Graduada em Museologia pela UNIRIO (1997), com especialização em História da Arte e
Arquitetura no Brasil pela PUC-Rio (1999). Cursou mestrado e doutorado em História Social da
Cultura pela PUC-Rio (2002; 2009). Atualmente, é professora adjunta da Escola de Belas Artes da
UFRJ e realiza pós-doutorado no PPG-PMUS UNIRIO/MAST. E-mail: [email protected]
Resumo
A partir da análise crítica das exposições: Galeria de Arte Brasileira do século XIX e Galeria de
Arte Brasileira Moderna e Contemporânea do Museu Nacional de Belas Artes; Genealogias do
Contemporâneo do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, referimo-nos à passagem das
exposições de arte como fonte da História da Arte para as exposições como narrativa da História
da Arte. Sob a perspectiva teórica de André Malraux e Giulio Carlos Argan, apresentamos um
panorama possível que coloca as exposições como ponto de partida para a História, Arte, Crítica.
Resumé
De l'analyse critique des expositions: Galerie d'art brésilien du XIXe siècle et la Galerie d'art
moderne et contemporain de brésilien du Museu Nacional de Belas Artes ; Généalogies de
contemporain du Museu de Arte Moderna de Rio de Janeiro, nous référons à la passage des
expositions d'art comme une source de l'Histoire de l'Art pour les expositions comme le récit de
l'Histoire de l'Art. Sous la perspective théorique de André Malraux et Giulio Argan Carlos, nous
présentons un aperçu possible qui articule, l’Histoire, l’Art, Critique.
As exposições de arte do MNBA e MAM-Rio: duas narrativas da História da Arte Brasileira
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Das exposições de arte à História da Arte em exposições
O tema do artigo circunscreve questões relativas à exposição de arte e a importância
que a função comunicacional-informacional do museu, no âmbito da História da Arte e da
Museologia, vem ganhando ao longo do tempo. Nossa abordagem refere-se pontualmente à
formulação da História da Arte a partir das exposições de Arte. Para elucidar a questão,
observamos duas exposições de longa duração de museus de arte do Rio de Janeiro. São
elas: Galeria de Arte Brasileira do século XIX e Galeria de Arte Brasileira Moderna e
Contemporânea do Museu Nacional de Belas Artes; Genealogias do Contemporâneo do
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
A relação entre História da Arte e as exposições de arte deve ser analisada à luz da
formação das coleções de museus (arte), especificamente desde o colecionismo das antiguidades
clássicas. Françoise Choay defende que a formação do patrimônio artístico-cultural à época do
Renascimento foi tributária ao amor à arte – fundamento da noção de gosto, surgimento do
connaisseur, nova mentalidade de público – e ao propício momento sócio-econômico que permitiu
consolidação das instâncias legitimadoras da arte:
“Enquanto se multiplicavam as coleções privadas, cujo surgimento no Quattrocento
fora contemporâneo do das coleções de 'antiguidades' e que pertenciam à mesma
constelação de conhecimentos e práticas, foram criados os primeiros museus de
arte: conservatórios oficiais de pintura, escultura, desenho, gravura, destinados ao
público. (Entre as criações do século XVIII, há o British Museum, os Ofícios, o Museu
Pio Clementino em Roma, o Louvre (aberto com o nome de Museum Français.)”.1
A efetivação dos espaços de arte, pautada no colecionismo, ocorre no período
imediatamente anterior à modernidade. A representação da Antiguidade em fragmentos
coloca-se disponível para reconfigurações. Nesse sentido, a formação dos conjuntos de
objetos, reunido sob a égide dos períodos históricos em determinação, se revela curadoria.
De acordo com Dominique Poulot, “A abertura de coleções – régias, nobiliárquicas ou
burguesas -, obedecendo a determinados critérios, e não somente ao capricho de
proprietário, inaugurou a época dos museus modernos.” 2
11
CHOAY, 2006, p. 89.
2 POULOT, 2013, p. 39.
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O historiador Giulio Carlo Argan busca definir o valor da obra de arte a partir de critérios
que remontam à História da Arte – acepção de campo disciplinar – e à critica da arte – juízo crítico
-, sem obliterar alguns indicadores práticos da museologia.
“Uma vez que as obras de arte são coisas às quais está relacionado um valor, há
duas maneiras de tratá-las. Pode-se ter preocupação pelas coisas: procurá-las,
identificá-las, classificá-las, conservá-las, restaurá-las, exibi-las, comprá-las, vendê-
las; ou, então, pode-se ter em mente o valor: pesquisar em que ele consiste, como
se gera e se transmite, se reconhece e se usufrui. (...) Com relação às ações
humanas (e é o caso da arte), nosso comportamento é bem diferente: nós as
julgamos e, uma vez que sabemos poder julgá-las, se renunciássemos a fazê-lo nos
disporíamos a sofrê-las passivamente. Julgando, aceita-se ou recusa-se.”3
Assegurados, portanto, o valor dos objetos artísticos (na acepção do historiador) e a
dinâmica gerada a partir do reconhecimento desse valor, estendemos a reflexão para a exposição
de arte, por assim dizer, a mediação entre os objetos artísticos, sua interpretação histórica e
atributos críticos.
A adequação entre valor do objeto artístico, coleção e conhecimento histórico da arte
permite o estabelecimento de circuitos a partir dos quais as obras de arte se tornam públicas.
Devemos mencionar ainda a consolidação de um sistema artístico pautada nas academias de arte
Nesse contexto, cabe avaliar a passagem do colecionismo privado aos museus públicos e às
academias de ensino artístico, intermediada pelos eventos de curta duração que são as
exposições dos Salões de Arte.
As exposições de arte – seu traço público e comunicacional - passam a pertencer, de
modo consistente, às narrativas da História da Arte a partir da modernidade. Os espaços
expositivos estavam consolidados, assim como a crítica, júri e público. Por exemplo, o polêmico e
inaugural Salon des Refusés, em 1863, que expôs obras dos artistas que não faziam parte do
circuito artístico tradicional daquele momento, com destaque para a exposição da obra Le
Déjeuner sur L’Herbe de Edouard Manet. Destacamos ainda a exposição de 1874, a primeira
exposição da Sociéte Anonyme des Artistes na qual Claude Monet expôs a tela Impression, soleil
levant, de 1872-73,4 que nomeia o movimento Impressionismo. Convém assinalar ainda o Armory
Show, evento norte americano, decisivo para fomentar a arte local:
3 ARGAN, 1992, p. 17
4 DENVIR, 1993, p. 86-88.
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“Em 1913, abre-se em Nova York uma grande exposição, o Armory Show: expõe um
pouco de tudo, inclusive os pintores americanos, mas o principal destaque é dado a
Matisse e Picasso, os grandes mestres modernos que, na Europa, são alvo de risos
ou desconfiança.”5
Entre nós, as exposições que marcaram rupturas na produção artística e constituíram
narrativas são a Semana de Arte Moderna de 1922 e a I Bienal Internacional de São Paulo de
1951. São eventos institucionalizados que questionaram a produção artística brasileira e, a partir
de uma reavaliação, permitiram a eclosão de novas linguagens plásticas.
Os jovens intelectuais, poetas e jornalistas movidos pelo ideal de renovação, e, na
tentativa de destruir os cânones estabelecidos pelo Academicismo, desencadeiam manifestações
que têm como coroamento a realização da sua máxima expressão, a Semana de Arte Moderna de
1922. Em meados de fevereiro de 1922, exatamente nos dias 13, 15 e 17, no Teatro Municipal de
São Paulo aconteciam as três noites literárias, musicais e de exposições de pintura, escultura e
arquitetura. A Semana foi, na verdade, um grande acontecimento social, cuja inauguração teve o
discurso de abertura proferido por Graça Aranha, que preparava o espírito dos que estavam
prestes a entrar e vislumbrar as tendências do novo movimento:
“Para muitos de vós a curiosa e sugestiva exposição que gloriosamente
inauguramos hoje, é uma aglomeração de horrores. Aquele Gênio supliciado, aquele
homem amarelo, aquele carnaval alucinante, aquela paisagem invertida se não são
jogos da fantasia de artistas zombeteiros, são seguramente desvairadas
interpretações da natureza e da vida. Não está terminado vosso espanto. Outros
horrores vos esperam. Daqui a pouco , juntando-se a esta coleção de disparates,
uma poesia liberta, uma música extravagante, mas transcendente, virão revoltar
aqueles que reagem movidos pelas forças do Passado.” 6
Segundo Zílio “a mostra acompanhou o sentido geral da Semana, onde predominou a
polêmica pública do acontecimento”.7 Tinham como objetivo chocar, porém não haviam traçado
um plano e contavam com o fato da Semana apresentar estilos de obras de arte não muito vistos,
e diferentes, portanto, de tudo o que havia sido exposto em São Paulo. O grupo que formava a
Semana tinha o desejo de romper formalmente com o passado e mostrar quem realmente era
5 ARGAN, 1993, p. 520.
6 AMARAL, 1972, p. 266.
7ZILIO, 1997, p. 42.
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novo. Por isso não foram convidados para participar da Semana os artistas da Academia que
começavam a introduzir elementos do impressionismo e pontilhismo, como Visconti, Artur Timóteo
da Costa, entre outros. Porém a repercussão foi instigada mais pelo clima de transformação que
permeava a Semana do que pelo conteúdo das obras. Com todo o esforço para difundir o
movimento modernista, havia, porém, uma discrepância entre o discurso e a prática, pois não
havia sido mostrado na Semana nada de tão moderno. O saldo positivo foi, principalmente, o
alerta que indicava sinais de ruptura, mas, também, representou o marco divisor entre o
Academicismo e o Modernismo, comprometendo a estrutura do fazer acadêmico e plantando a
semente que iria gerar o Modernismo.
O objetivo de se fazer uma bienal era equiparar as linguagens artísticas nacionais com o quê
estava sendo feito internacionalmente. Dois acontecimentos ocorridos no Brasil acentuaram essa
vontade, revelando os caminhos que as tendências artísticas estavam tomando: foram as
exposições de Alexander Calder, em 1948, no Rio de Janeiro, e a de Max Bill, em 1950, no Museu
de Arte de São Paulo (MASP).
“(...) nos dava um conjunto de toda a sua obra, desde as séries em progressão
de formas geométricas elementares, o processo das aproximações cromáticas
de limite-não-limite, até as construções espaciais em figuras topológicas como
a fita de Moebius”.8
Sua realização ocorreria como previsto, em 1951, entre os meses de outubro e dezembro.
Segundo Lourival Gomes Machado, um dos diretores do MAM e a pessoa que assinava a direção
artística do evento, a intenção da Bienal era poder proporcionar aos artistas brasileiros olhar a arte
estrangeira, ou seja, mostrar-lhes novas tendências da arte contemporânea mundial e colocar São
Paulo como centro irradiador de arte no âmbito internacional.
Esse preâmbulo reforça o papel articulador das exposições de arte no sistema de
arte. Elas são força motriz que engendram acontecimentos artísticos a partir dos quais as
narrativas da História da Arte são formuladas. Ligados às exposições de arte, os textos
críticos assumem papel fundamental:
“Na cultura moderna, a arte é objeto de estudo por parte de uma disciplina autônoma
e especializada, a crítica de arte, que opera segundo metodologias próprias, tem
como fim a interpretação e avaliação das obras artísticas e, ao longo do seu
8 PEDROSA, 1986, p. 283.
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desenvolvimento, deu origem não só a terminologias apropriadas como a uma
autêntica ‘linguagem especial.” 9
Auxiliadas pela crítica, as exposições de arte estabelecem cortes na narrativa histórica e
provocam, por vezes, um encadeamento periódico. Sem dúvida alguma, é da natureza das
exposições de arte o acento público próprio do circuito artístico. Porém, o caráter histórico das
exposições de arte não se restringe ao evento em si que marca a apresentação de obras. As
exposições de arte, na evidência das obras de uma coleção, são elas mesmas escrituras.
Na acepção de André Malraux, a metamorfose é constitutiva do objeto artístico pertencente
ao museu. O momento em que o escritor assinala que um crucifixo romano não fora concebido
como escultura ou que a madona de Cimabue jamais fora pensada pelo pintor como um quadro
seria o momento de evidenciar a importância do museu na formação do indivíduo e na
consolidação da cultura ocidental: “O papel do museu na nossa relação com as obras de arte é
tão considerável que temos dificuldade de pensar que ele não existe, nunca existiu, onde a
civilização de Europa moderna é ou foi ignorada; e que existe entre nós há menos de 2 séculos.”10
As obras de arte têm esvaziada sua função de culto religioso e ganham espessura de obra
artística. Coleção de arte alguma está completa, sendo sempre lacunar, e no jogo da ausência-
presença nossa imaginação é convocada. A visita à exposição se transforma num campo de
experiências prováveis.
“No museu, a obra de arte é exposta, isto é, apresentada de maneira que sejam
colocados em evidência seus valores estéticos puros. Não por acaso Malraux
concebeu uma resenha sintética da arte mundial como musée imaginaire, em que a
apresentação ou a exposição da obra torna inútil o discurso histórico. O museu é, ou
deveria ser, um aparato científico: os objetos não apenas são expostos, mas
estudados, catalogados, restaurados. Do mesmo modo que, no hospital, sob os
olhos dos médicos, o doente é apenas um doente, também aos olhos do cientista da
arte a obra é apenas um objeto a ser analisado, conhecido, curado.” 11
No museu, é permitida a confrontação estética e intelectual dos objetos de arte, no
entanto, não podemos deixar de privilegiar sua função comunicativa (educação e exposição).
Através dela, podemos escrever, com os objetos artísticos, uma experiência histórica.
9ARGAN, 1988, p. 127.
10 MALRAUX. 2011, p. 9.
11 ARGAN, 1992. p. 60.
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As exposições do MNBA e MAM-Rio
O Museu Nacional de Belas Artes e o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro assumem
fundamental importância na formação cultural brasileira. Ambos os museus reúnem, em volume e
qualidade, obras que consubstanciam nosso circuito artístico. O MNBA foi criado em 1937 e
herdou o acervo da Pinacoteca da Academia Imperial de Belas Artes formado por obras que
remontam ao início da nossa produção pictórica, em 1816, advento da Missão Artística Francesa.
O MAM-Rio volta a investir na aquisição de obras artísticas a partir de 1978, ano do incêndio do
Museu que destrói grande parte do acervo cuja formação começara em 1951. Em 1993, em
regime de comodato, o MAM-Rio abriga a coleção de arte de Gilberto Chateaubriand, considerada
uma das mais completas em arte brasileira moderna e contemporânea.
O texto que define a coleção do MNBA segue uma sequência cronológica dividida em
períodos pontuais: século XIX e XX. Certamente, a produção brasileira não se concebe deste
modo. Para um pavimento, foi destinada a coleção que circunscreve o século XIX:
“Após breve, porém selecionada coletâneas de peças representativas de nosso
passado colonial, procurou-se esboçar nessa Galeria o retrato mais aproximado
da evolução da arte produzida no Brasil durante o século XIX e os anos iniciais
do século XX. Ascendem-se pinturas que ilustram os estilos tradicionais – o
neoclassicismo, o romantismo e algumas de suas variantes, o realismo, um
exemplar temporão do impressionismo, além de certa experimentação
simbolista. Acrescentamos ainda uma seleção dos maiores praticantes de
escultura durante esse período formativo de nossas artes visuais. Presentes,
também, entre os gêneros típicos da arte oitocentista: aquele inspirado por
eventos históricos, o retrato de pintura e o busto na escultura, a cena de
gênero, a natureza-morta, a paisagem de ateliê e a contrapartida realista, a
paisagem ao ar livre, nascida fora da academia.”12
O texto explicativo da exposição revela um panorama cronológico no qual as querelas
oriundas das opções e filiações dos artistas não transparecem. As disputas internas colocam em
questão alguns preceitos acadêmicos do ensino artístico no Brasil e certamente ocuparia lugar de
destaque se assim fosse problematizado. Para aprofundar a questão, a sequência do texto
demonstra a necessidade de defesa de uma produção passada. Trata-se da crítica que os
modernos fizeram relativa à produção acadêmica:
12
Texto da Exposição Galeria do Século XIX do MNBA.
As exposições de arte do MNBA e MAM-Rio: duas narrativas da História da Arte Brasileira
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“Um número considerável das pinturas e esculturas colocadas nesta Galeria justifica
uma nova apreciação da obra de nossos artistas, cujos trabalhos em muitos casos,
demonstram refinamento formal e pleno domínio de recursos técnicos, distinguindo
suas criações como marcos do progresso estético da arte brasileira, que suporta
comparação com as aclamadas obras dos mestres da modernidade brasileira.” 13
Estamos sob a égide do progresso estético? Será que estes são os critérios que justificam
uma galeria com obras oitocentistas? A sensibilidade da época não parece ser trabalhada na
exposição. Indiscutivelmente, o museu concentra e expõe obras importantes do período, mas não
seria interessante deixar a recepção da nossa época transparecer? A abordagem crítica possível
entre a arte oitocentista e a arte do século XX pode ser verificada na exposição de curta duração,
em 2013, Quando o Brasil amanhecia, por ocasião da doação da tela A primeira Missa de
Portinari ao MNBA:
“O eixo central da exposição gira em torno da relação entre as telas de Vítor
Meireles e Cândido Portinari, colocadas em paredes opostas na grande sala
Bernardelli, posicionando-se em embate. Em geral, a crítica de arte articula
seus sujeitos de modo que eles disputem, para daí, elaborar falas, discursos e
contextos e promover encontros. Por isso, convém destacar que a aproximação
entre os dois trabalhos foi feita, pela primeira vez, pelo crítico Mário Pedrosa
em texto para o Jornal do Brasil, em 1957, intitulado “Hoje, primeira missa”. O
artigo promove, por assim dizer, a constituição da nossa pintura já no regime da
História da Arte no qual reside a validação do seu sistema. O relato de Pedrosa
a respeito desta tela de Portinari deixa revelar o contorno engajado das
primeiras décadas do moderno século XX, no qual a crítica seria primeiramente
construção de sensibilidades.
As imagens dos quadros são históricas e acentuam a vocação da construção
de nação em épocas e regimes distintos. A edificação de tal empreitada não se
resume a costurar fatos e eventos históricos com a precisão e assepsia do
pesquisador positivista. Em pintura, a narrativa histórica pode estabelecer o
jogo entre a redução ao evento e a monumentalidade do acontecimento. Não
seria por menos a adesão de tal temática – ofício da primeira missa em solo
imaculado - para a invenção de Brasis.” 14
13
Idem.
14 MARTINS, 2013, p. 88.
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10
A Galeria de Arte Moderna e Contemporânea do MNBA segue a mesma linha
historiográfica da Galeria do Século XIX. A reinauguração da exposição ocorre em 2013 e não
problematiza as obras e os períodos. A concepção da exposição se articula sobre um eixo
positivista de mostrar os testemunhos, obliterando uma perspectiva crítica. Deixa de privilegiar
temas pertinentes oriundos do debate crítico moderno para estabelecer a panorama de
apresentação cronológico.
No MAM-Rio, a exposição Genealogias do Contemporâneo reúne obras do período de
1920 a 1970 e divide-se em:
“(...) em quatro núcleos que põem em evidência questões que atravessam o
imaginário poético moderno e contemporâneo, a partir do contexto cultural específico
em que as obras foram produzidas. São elas: 1 – Brasil: visões e vertigens; 2 –
Cidades partidas: conflitos e afetos; 3 – Corpos híbridos: identidades em trânsito; 4 –
Respirações geométricas. Não se pretende com isso “tematizar” as obras, mas
perceber como elas enfrentam e abrem perspectivas originais de compreensão do
mundo atual. O local e o global alimentam-se de desafios e inquietações comuns.”15
O núcleo Cidades partidas: conflitos e afetos trata da produção que não se inscrevia no
grande circuito e vinculava-se à poética moderna que corre à margem da nossa modernidade.
Podemos analisar o núcleo a partir da aproximação afetiva entre dois artistas de diferentes
gerações, expostos lado a lado: Antonio Manuel e Oswaldo Goeldi.
Percorrendo o lado sombrio da cidade, Antonio Manuel evoca em seus primeiros
desenhos a estruturação espacial sintética da produção noturna de Oswaldo Goeldi. Essa sintonia
estreita-se principalmente a partir do desafio plástico da estruturação de uma visualidade moderna
constituída por uma opção marginal. A linguagem gráfica de Goeldi ecoa na produção quase
monocromática de Antonio Manuel de modo a configurar uma ligação rica e proveitosa para a
História da Arte Brasileira. Antonio Manuel trata o elemento urbano já inserido numa cultura de
massa, mas seu olhar ainda passeia livre, apreendendo os elementos ordinários do cotidiano. O
uso da imagem como recorte do urbano dos dois artistas é de grande apelo comunicativo,
privilegia a reconstrução de um imaginário imediatamente dado. O uso do negativo/positivo
fotográfico ilumina a gravura, no caso de Goeldi, e os desenhos, os flans e as telas no caso de
Antonio Manuel. Ambos recortam aspectos do Rio de Janeiro, fragmentando a realidade para
depois transpô-la como sintoma do anonimato. O recurso gráfico de Antonio Manuel, nos seus
15
OSÓRIO. Genealogias do Contemporâneo. Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Disponível em:
http://www.mamrio.com.br/.
As exposições de arte do MNBA e MAM-Rio: duas narrativas da História da Arte Brasileira
11
primeiros desenhos ou na apropriação do flan, não sintetiza apenas o espaço, mas o constrói
como projeto. O desenho é o momento sem mediação entre o fazer e o pensar, é o Atual. Nesta
noção de autenticidade e de profundidade, encontra-se o fator diferencial da apreensão romântica
e expressiva de ambos os artistas.
A concepção da exposição não deve impedir o visitante de:
“Estar na exposição, caminhar por seu espaço, observar os objetos, apreender o seu
conteúdo temático, apreciar os efeitos expográficos e sensoriais, observar, analisar,
julgar, criticar, comparar, relacionar, lembrar, rejeitar, concordar, discordar,
emocionar-se.”16
Por fim, as exposições de arte podem promover e definir a visualidade de um período,
considerando a artificialidade da marcação temporal, podem se organizar interna e externamente,
quer dizer, estabelecem dinâmicas entre as obras da coleção em exposições de longa e curta
duração, entre as obras, exposições e a sociedade, entre as obras e os discursos expositivos.
Apresentamos os desdobramentos possíveis exposições de arte moderna e contemporânea e
instituições de arte.
Referências Bibliográficas
AMARAL, Aracy. As Artes Plásticas na Semana de 22. São Paulo: Perspectiva, 1972.
________ .(org.). Projeto Construtivo Brasileiro na Arte (1950 – 1962). Rio de Janeiro: MAM/São
Paulo: Pinacoteca do Estado, 1977.
________ . Arte Para Quê? a preocupação social na arte brasileira 1930 – 1970. São Paulo:
Nobel, 1987.
ARGAN, Giulio Carlo. Arte e Crítica de Arte. Lisboa: Editorial Estampa, 1988
16
CURY, 2005. P. 42-43.
Tatiana Martins
12
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1992.
_________________. Arte Moderna. São Paulo: Cia das Letras, 1993.
CHOAY, Françoise. A Alegoria do Patrimônio. São Paulo: Unesp, 2006.
CURY, Marília Xavier. Exposição: concepção, montagem e avaliação. São Paulo: Annablume,
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DENVIR, Bernard, Chronique de L’impressionisme. Paris: Éditions de la Martinière, 1993.
MALRAUX, André. O museu Imaginário. Lisboa: edições 70, 2011.
MARTINS, Tatiana. A Primeira Missa no Brasil: duas visões distintas em contraponto no
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MAMRIO. Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Disponível em:
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OSÓRIO, Luiz Camillo. Genealogias do Contemporâneo. Museu de Arte Moderna do Rio de
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POULOT, Dominique. Museu e Museologia. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.
ZILIO, Carlos . A Querela do Brasil: a questão da identidade da arte brasileira. Rio de Janeiro:
Relume-Dumará, 1997.
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