Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
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“AS CAUSAS ÀS VEZES ALHEIAS À VONTADE DO PROFESSOR INFLUEM PARA QUE A ESCOLA NÃO DÊ O RESULTADO DESEJADO”: AS ESCOLAS
RURAIS E A QUESTÃO FUNDIÁRIA NA PARAÍBA (1930-1945)
Luiz Mario Dantas Burity 1
Introdução
No dia 13 de maio de 1941, os professores primários que por hábito, por acaso ou em
razão do comentário de algum colega abriram a segunda página do jornal A União, puderam
ler a crítica pesada que o professor Mário Gomes, intelectual, já havia algum tempo, engajado
com a causa da criação das escolas rurais, lhes dirigia. No texto, intitulado Descentralização
do professorado, defendia o autor:
Todo professor deve começar a carreira no sertão, no interior, onde ha milhares de crianças analfabetas necessitadas de se tornarem aptas para a vida completa mediante uma educação racional perfeita. (...) O Brasil se levanta para destinos novos, para orientações grandiosas, para um futuro mais risonho e cabe a todos os brasileiros bem intencionados colaborar na obra de renovação que brilhantemente se inicia. Nós, os professores, temos uma grande parte na taréfa de reconstrução social do Brasil. Rumo ao interior, á zona rural, aos centros da colonização abnegadamente, corajosamente, patrioticamente (A UNIÃO, 13 mai.1941, p. 2-3).
A escarces de professores que se habilitavam para lecionar no mundo rural era um
problema recorrente dos gestores públicos e intelectuais que almejavam a expansão da malha
escolar para além das fronteiras urbanas. A precisão do diagnóstico, no entanto, não
presumia o seu receituário. Ao escrever aquele artigo, publicado no dia 13 de maio de 1941 no
jornal A União, o qual se autointitulava órgão oficial do Estado, o professor Mário Gomes
inventou problemas, ou corroborou com aqueles que já existiam, e atribuiu
responsabilidades. Não era verdade que a gente camponesa carecesse de orientações
racionais para levar a sua vida, essa era uma necessidade, antes, da economia nacional, que
para se fazer legítima inventou uma agenda de colonização dos seus sertões tomada de
preceitos modernos.
Em princípio da década de 1940, o Estado Novo conhecia o seu apogeu. A agenda
1 Doutorando em História pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), com a orientação da Profa. Dra. Lucia Grinberg. E-Mail: <[email protected]>.
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política autoritária do regime então em vigência envolveu intelectuais reconhecidos no
cenário cultural brasileiro e prometia erguer o país econômica e culturalmente, vide Angela
de Castro Gomes (1996). A proposta tinha sabor de recomeço, condenava o passado nacional
e assegurava que outro caminho estava sendo traçado. Tratava-se, afinal, de um Estado Novo
que, por oposição, marcava o período que o antecedera por República Velha, excessivamente
coalhada por práticas políticas alheias aos interesses do novo tempo. Em meio a esse cenário
de reinaugurações, os jovens tinham valor destacado nas políticas públicas e nos discursos
das lideranças estatais, seriam eles o futuro da nação e a educação deveria iluminar o
caminho a seguir.
Quando da publicação do texto Descentralização do professorado, pouco menos de um
mês havia passado desde que as comemorações do Dia da Juventude tomaram as ruas das
cidades brasileiras. Aquela foi uma festividade importante no calendário do regime político
estadonovista, observe-se Vânia Cristina da Silva (2011), era a oportunidade na qual os
escolares tomavam conta do espaço público e prometiam galgar aos saltos o patamar dito
civilizado das sociedades humanas. A cobertura das festividades tomou conta das páginas dos
jornais da época, em especial no ano de 1941, quando as notícias dos desfiles se estenderam
por mais de um mês. O momento, portanto, não poderia ser mais propício para a propagação
de um texto com caráter nacionalista e que exigisse dos indivíduos sacrifícios pelo bem
coletivo.
Em meio a tais circunstâncias, o autor não poupou os seus pretensos colegas de
trabalho, alegando a propalada missão que o magistério exigiria e das qualidades especiais
que trazia na sua esteira, “vocação, inteligência, método e dedicação”, para cobrar deles
maior compromisso com o bem social. Se o mundo rural carecia desses profissionais, seria
dever deles tomar a necessidade por deferência, escolhendo por lugar de trabalho o mundo
rural. Ao que tudo indica, no entanto, o tom do artigo não foi bem recebido entre os docentes
paraibanos. Apesar da ausência de informações na imprensa acerca das reações que o texto
provocou, uma matéria publicada alguns dias mais tarde, também com a assinatura do
professor Mário Gomes, ganhou tom de retratação. Em Rendimento escolar, o autor
comprava nova posição, em defesa do professor mediante as péssimas condições de trabalho
às quais este estaria exposto, em especial no mundo rural, onde “as causas às vezes
completamente alheias á vontade do professor, influem para a escola não dê o resultado
desejado” (A UNIÃO, 17 mai. 1941, p. 3-6). E enumerava:
a) pobreza extrema da população escolar; b) pouco interesse dos pais na educação dos seus filhos; c) ocupações rurais da infancia escolar no tempo de
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plantação e colheita; d) má distribuição das escolas pelas zonas mais populosas, do interior; e) influencia politica na orientação do ensino (A UNIÃO, 16 mai.1941, p.3/ 4).
As causas supracitadas, apesar de assim não terem sido descritas pelo autor do artigo,
desembocavam em um problema de longa história no mundo rural e que, com o advento da
modernização, dotava-se de outros contornos: falava-se de questão agrária. O objetivo desse
texto foi discutir os entremeios da invenção das escolas rurais enquanto necessidade pública
de um Estado nacional que se investia na direção dos seus sertões, em contraste às
dificuldades do poder público para colocar tais instituições em funcionamento. Em meio a
esse cenário, foram perscrutadas algumas experiências: a institucionalização da Escola Rural
n.1 da Torrelândia, na Capital, da Escola Rural da Fazenda Simões Lopes, da Escola Normal
Rural de Souza e do Grupo Escolar Rural José Augusto Trindade na Colônia Agrícola de
Camaratuba.
A documentação consultada incluiu alguns periódicos, destacadamente o jornal A
União (1930-1945), a revista Paraíba Agrícola (1931-1932) e a Revista do Ensino (1932-
1942), alguns relatos dos romances de José Lins do Rego e as mensagens que os
interventores enviavam ao presidente Getúlio Vargas. A análise partiu, sobretudo, dos
conceitos de experiência e peculiaridades inscritos por Edward Palmer Thompson
(2011[1963]), mas não abdicou das possíveis lutas de representação, conforme Roger Chartier
(2002[1985]), e da leitura dos processos educativos que inventam significados no mundo
social, elaborada por Pierre Bourdieu (2015 [1979]).
As Políticas Educacionais para a População Camponesa: Subsídios para Pensar uma Era das Escolas Rurais na Paraíba
A educação escolar não era um problema para a população rural paraibana em
princípios dos anos 1930. Até aquele momento, a gente camponesa não carecia dos códigos
de leitura e escrita ou das operações matemáticas para garantir o seu sustento, nem para
representar o mundo que estava à sua volta. O cotidiano nas lavouras e nos pastos, as
conversas com os vizinhos, mesmo os processos de compra e venda nas feiras públicas bem
se resolviam no trato com a oralidade e com os pactos de moral e convivência de longa data.
A gente camponesa era mal assistida pelo poder público, mas isso não condenava a sua gente
à anomia social. Em um mundo regulado pelo poder de mando dos coronéis, dos padres e dos
bandidos, a população rural dispunha de redes de solidariedade e certo poder de barganha,
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fundamentado nos mitos que circulavam de boca em boca ao longo de grandes distâncias, os
quais empoderavam ou destituíam chefes políticos2.
É certo que isso não significava que os intelectuais já não considerassem a educação
rural como uma pauta pública desde muito antes. Ainda no século XIX, alguns intelectuais e
gestores públicos falavam da importância da criação de escolas no mundo rural. Os
presidentes de província diziam da carência de instituições que assistissem a gente
camponesa desde a década de 1840, perspectiva que acompanhava e era acompanhada pelos
eruditos e cientistas que, àquela altura, estavam inventando o Estado nacional. A proposta
combinava com uma recepção conservadora do pensamento liberal, que, conforme Emília
Viotti da Costa (1999 [1968]), traduzia os preceitos do novo tempo, mas os subordinava à
permanência do latifúndio e à mão de obra escravizada3. A educação rural e o ensino agrícola
entravam em pauta, mas apartados um do outro, em uma nação que se dizia agrícola, era
importante ilustrar os habitantes dos lugares mais afastados das cidades, mas, sobretudo,
dotar todos os cidadãos, também os citadinos, dos preceitos mais modernos da agricultura e
pecuária.
Em outras províncias, era possível flagrar escolas rurais em funcionamento ainda no
século XIX. Gilvanice Barbosa da Silva Musial e Ana Maria de Oliveira Galvão (2012), a título
de exemplo, mapearam as instituições com aquele perfil que funcionaram em Minas Gerais.
As escolas rurais mineiras tinham currículo reduzido em relação ao que era ministrado nas
cidades, eram marginalizadas pela agenda tributária do governo e foram alvo de uma
construção discursiva que as tomava por atrasadas e arcaicas. Em outras palavras, ainda não
era possível compreender aquela instituição longe da esteira das práticas pensadas para a
cidade.
Com o advento do século XX, a educação rural e o ensino agrícola ganharam lugar
ainda mais destacado nos impressos e documentos oficiais. Ao longo dos anos 1920, era
possível flagrar, na revista de circulação mensal Parahyba Agrícola, uma matéria que abria
os seus números, a qual se intitulava O ensino agrícola nas escolas primárias. O periódico,
ao passo em que informava da necessidade desse conteúdo para a formação das crianças
brasileiras, sugeria também o seu currículo aos professores, separados por lições que
perpassavam da tipicidade das plantas e dos seus órgãos aos cuidados com o galinheiro. As
2 Para mais informações acerca da organização social da população camponesa quando da emergência da modernização, ver a dissertação desse autor, Tempos misteriosos: uma história da população rural pelas estradas do mundo moderno (Paraíba, 1932-1962) (BURITY, 2017).
3 Acerca dos discursos dos políticos e intelectuais que contornavam a instrução rural ou agrícola no século XIX, ver Luiz Mário Dantas Burity e Antonio Carlos Ferreira Pinheiro (2016), “Uma província na idade agrícola das nações”: as raízes da educação agrícola e profissional na Parahyba do Norte oitocentista.
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sugestões tinham por cenário os grupos escolares, onde, mais ou menos na mesma época,
foram criadas hortas e jardins e, conforme se tem notícia, os professores ministraram aulas
práticas de agricultura. Mesmo diante de todas essas margens de conhecimentos práticos,
não se observava, até aquele momento, um programa de governo ou mesmo um projeto
intelectual efetivo de criação de escolas rurais4.
Algumas instituições educativas foram criadas no mundo rural entre meados da década
de 1920 e o início dos anos 1930. O Patronato Agrícola Vidal de Negreiros foi inaugurado em
1924 na cidade de Bananeiras-PB5 e a Escola Correcional Presidente João Pessoa em
Pindobal, nos arredores de Mamanguape-PB. As duas instituições tinham propósitos
correcionais, o que equivalia a disciplinar menores infratores por meio do conhecimento
prático agrícola. Antes de ampliar o regime escolar, o objetivo das instituições parecia ser
manter à margem os jovens cujas práticas eram consideradas bárbaras pela sociedade urbana
da época, mas é certo que essa não foi a única face daquela instituição. Em outras palavras,
como observava Antonio Carlos Ferreira Pinheiro (2006), a educação rural voltava-se antes
aos sujeitos considerados delinquentes que ao coletivo da juventude camponesa.
O cenário em questão só mudou de figura com a emergência da economia política como
medida das relações políticas, econômicas e culturais que tomaram conta do mundo rural. A
presença do poder público como mediador dos conflitos sociais, a racionalização da forma de
compreender o mundo e todo o arsenal de mudanças que a moderno investiu sobre a
população camponesa exigiu certo trato com as ferramentas do novo tempo, dentre as quais a
educação escolar ganhou destaque privilegiado. A modernização do mundo rural tornou a
escolarização rural uma pauta para a gente camponesa e uma urgência para o poder público,
mas, há que se considerar que esse processo não se deu da noite para o dia e nem se fez sem
formas variadas de resistência, não só da parte dos camponeses e das camponesas, mas
também dos proprietários de terra.
Em meados da década de 1930, o professor Sizenando Costa publicou um artigo
propondo a criação de escolas rurais no estado paraibano a partir de um modelo traçado em
meio aos preceitos da agronomia e da educação moderna. O intelectual propunha uma
instituição que criasse um ambiente propício ao desenvolvimento dos sujeitos considerando
4 Em meados da década anterior era possível vislumbrar um movimento com essas características em relação aos grupos escolares, movimento que, conforme Antonio Carlos Ferreira Pinheiro (2002) em sua tese Da era das cadeiras isoladas à era dos grupos escolares na Paraíba, justificava a compreensão desse período na história da escolarização primária paraibana como era dos grupos escolares.
5 Para mais informações acerca do processo de institucionalização do Patronato Agrícola Vidal de Negreiros, ver Educação e trabalho para meninos desvalidos: um estudo sobre o Patronato Agrícola de Bananeiras (1924-1947) de Suelly Cinthya Costa dos Santos (2015).
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as circunstâncias particulares da economia nacional e a geografia do espaço no qual
habitavam. Para isso, era necessário um currículo que priorizasse o ensino prático das mais
modernas técnicas agrícolas, somando a ele a boa organização do prédio e das suas
dependências. A proposição envolvia a criação primeira de uma escola rural modelo, que
servisse de exemplo para as instituições congêneres que, ao final de alguns anos, deveriam
ser criadas no estado.
Alguns anos mais tarde, o mesmo intelectual escreveria um livro, no qual tratou com
mais cuidado do tema proposto. A Escola Rural (1941) foi publicado em um ambiente já
bastante simpático ao projeto de expansão da educação rural no estado paraibano,
conferindo ainda mais força ao movimento. A recepção favorável dos professores e gestores
públicos pode ser medida pelos textos publicados na impressa, sobretudo no jornal A União.
Os textos, em geral, parabenizavam o intelectual e reafirmavam aquela deferência coletiva.
Àquela altura, foi possível flagrar políticos, como J. Clementino de Oliveira, professores, a
exemplo de Mário Gomes, América Monteiro de Araújo e Maria da Glória Cesar de Queiroz,
agrônomos, em específico Laudemiro de Almeida e Pimentel Gomes, então diretor da Escola
de Agronomia do Nordeste, que se filiaram ao projeto de criação de escolas rurais proposto
por Sizenando Costa. O apoio mais contundente que o projeto educacional inscrito por
Sizenando Costa conseguiu arregimentar, no entanto, era oriundo de esferas mais altas do
poder público. Os interventores paraibanos Argemiro de Figueiredo (1934-1940) e Ruy
Carneiro (1940-1945) não só expressaram sua simpatia para com aquele propósito como
apostaram nele como politica de governo, fazendo publicar decretos que viabilizassem a sua
realização.
Em razão das circunstâncias supracitadas, o movimento de expansão da malha escolar
paraibana para o mundo rural que tomou por guia o modelo pedagógico proposto por
Sizenando Costa (1941) foi compreendido por Antonio Carlos Ferreira Pinheiro (2002; 2006)
como a era das escolas rurais na Paraíba. Há que se observar que esse movimento não
sobrepôs a vitalidade dos grupos escolares, que ainda perfaziam o regime educativo mais
simpático no que tangia o mundo urbano. Em certa medida, essas duas instituições
conviveram por pelo menos mais duas décadas como centro das políticas educacionais
movidas pelo poder público6.
6 O movimento de expansão dos grupos escolares durante o Estado Novo na Paraíba pode ser observado na dissertação A escola nova e a modernização do ensino primário na Paraíba: a formação de professores e os grupos escolares (1930-1946), de autoria de Evelyanne Nathaly Cavalcanti de Luna Freire (2016). Enquanto isso, o movimento de criação de escolas rurais no período que sucedeu o Estado Novo pode ser flagrado por meio da pesquisa Educação Rural na Paraíba (1946-1961): um meio para fixar o homem do campo, escrita por
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O projeto supracitado dissuadia em diversos aspectos dissuadia daqueles que o
antecederam. Entre o ano de 1934 e o ano de 1945, esteve em curso, no estado paraibano, um
movimento de criação de escolas rurais capitalizadas de um currículo atento às condições
geográficas do mundo rural, à rotina de trabalho dos habitantes daquelas paragens, ao
cotidiano das crianças e dos jovens que trabalhavam nas lavouras e nos pastos. A educação
rural, nesse sentido, se tornava um conceito que agregava na escola rural os conhecimentos
práticos do ensino agrícola, aspectos que se fundiam ao programa político do Estado Novo.
Mas isso tudo não seria grande coisa se não existisse um movimento intelectual forte que
desse amplitude a esses preceitos, que procurasse saídas para os problemas que apareciam
ou se não houvesse espaço político para que esse projeto saísse do papel. Em outras palavras,
a conformação de uma nova era dependia, sobretudo, da construção de uma hegemonia.
A era das escolas rurais alcançou a vida da população camponesa de formas muito
variadas. A instituição escolar não era de todo desconhecida da população rural, desde muito
tempo, algumas experiências escolares já haviam se firmado por aquelas paragens. José Lins
do Rego (1961[1932]), a título de exemplo, contou de algumas delas em seu romance Menino
de Engenho. Naquela história, dizia o autor, o neto do coronel José Paulino, o menino Carlos
de Melo, demorou a seguir o caminho que outros homens daquela família haviam percorrido,
o qual perpassava a formação em um grupo escolar ou colégio particular de uma cidade
próxima, mais tarde sucedida pelos estudos secundários e pelo curso superior. Órfão de mãe,
os parentes lhe pouparam o pronto distanciamento, deixando que cursasse as primeiras
letras com o Dr. Figueiredo, professor primário das redondezas. Algum tempo mais tarde,
seria matriculado em outra cadeira. Dessa vez,
com outros meninos, todos de gente pobre. Havia para mim um regime de exceção. Não brigavam comigo. Existia um copo separado para eu beber água, e um tamborete de palhinha para "o neto do coronel Zé Paulino". Os outros meninos sentavam-se em caixões de gás. Lia-se a lição em voz alta. A tabuada era contada em coro, com os pés balançando, num ritmo que ainda hoje tenho nos ouvidos. Nas sabatinas nunca levei um bolo, mas quando acertava, mandavam que desse nos meus competidores. Eu me sentia bem com todo esse regime de miséria. Os meninos não tinham raiva de mim. Muitos deles eram moradores do engenho. Parece que ainda hoje os vejo, com seus bauzinhos de flandres, voltando a pé para casa, a olharem para mim, de bolsa a tiracolo, na garupa do cavalo branco que me levava e trazia da escola (REGO, 1961[1932], p.25).
Priscilla Leandro Pereira (2013). A coexistência dos dois movimentos foi observada, ainda, em outro texto, Grupos Escolares e Escolas Rurais na Paraíba estadonovista (1937-1945), de autoria de Antonio Carlos Ferreira Pinheiro, Evelyanne Nathaly Cavalcanti de Araújo Silva e Luiz Mário Dantas Burity (2013).
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A cadeira de primeiras letras incorporava o regime de distinção social conhecido desde
muito tempo pelos sujeitos que habitavam a várzea paraibana. O neto do coronel capitalizava
em torno de si alguns marcadores sociais da diferença: ele era herdeiro não só de uma
fazenda, mas também de um título, de certa imagem dotada de autoridade que o
acompanharia por mais alguns anos, mas isso não era tudo, também pesava em seu favor a
cor da sua pele e todo um arsenal de fenótipos que definiam uma raça. Em tudo mais, aquela
escola pouco tinha daquele modelo que o professor Sizenando Costa propôs que fosse
difundido a partir do ano de 1934, falava-se de um processo de escolarização ainda muito
rudimentar, tomado pelas lições de primeiras letras e operações matemáticas básicas,
coalhadas pela autoridade da ordem social de outrora7. Naquele universo, as referências
externas ao mundo escolar tinham mais poder do que o capital que a instituição oferecia, de
fato, importava menos quem acertava ou errava a questão, sequer o título teria diferença
efetiva para aqueles sujeitos que, muito provavelmente, trabalhariam no eito ou que
prestariam serviços ao coronel dentro de alguns anos8.
A esse respeito, dizia Pierre Bourdieu (2015 [1979], p. 19), “quanto maior for o
reconhecimento das competências avaliadas pelo sistema escolar e quanto mais “escolares”
foram as técnicas utilizadas para avaliá-las, tanto mais forte será a relação entre o
desempenho e o diploma”. Todavia, antes de assegurar para a educação esse papel ingrato de
mantenedora das hierarquias, deve-se pensar ainda nos seus possíveis contrapontos. O
processo educativo é permeado de lutas de representações, como teorizava Roger Chartier
(2002[1985]). Em sendo assim, há que se atentar para as possibilidades de inversão que as
experiências de escolarização também operam. Tomando essas duas referências por régua, é
preciso pensar como a emergência da era das escolas rurais transformou as relações sociais
no campo.
7 Experiências compatíveis com as práticas propugnadas quando da era das cadeiras isoladas. A esse respeito, vide Antonio Carlos Ferreira Pinheiro (2002), na tese Da era das cadeiras isoladas à era dos grupos escolares na Paraíba.
8 Para mais informações a respeito do processo de distinção social que permeou as cadeiras de primeiras letras no mundo rural à luz da obra de José Lins do Rego, ver História da educação e literatura: as experiências educativas na obra de José Lins do Rego de autoria de Luiz Mário Dantas Burity e Antonio Carlos Ferreira Pinheiro (2014).
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As escolas rurais nas armadilhas da questão agrária: uma história da Escola Rural n.1, da Escola Rural da Fazenda Simões Lopes, da Escola Normal Rural e do Grupo Escolar Rural da Colônia Agrícola de Camaratuba
Argemiro de Figueiredo, tão logo tomou conhecimento da publicação do texto do
professor Sizenando Costa na Revista do Ensino (1934), prontamente assegurou a criação da
prometida Escola Rural Modelo, a qual, a princípio, deveria localizar-se no lugar Barreiras,
município de Santa Rita-PB. A ausência de maiores notícias acerca da criação dessa
instituição e o curioso nome Escola Rural n.1 de um aprendizado inaugurado em 1938 no
bairro da Torrelândia, cidade de João Pessoa-PB, porém, sugerem que pode ter sido esse, e
não aquele, o endereço da primeira escola rural criada nos moldes propostos pelo professor
Sizenando Costa.
A escola em questão teria por diretora a professora América Monteiro de Araújo, desde
muito tempo engajada com a ruralização da educação pública na Paraíba. Além de escritora
assídua dos periódicos da época, nos quais defendia que a expansão das escolas rurais no
estado, a docente também esteve atenta aos movimentos dos outros intelectuais e das
instituições que seguiam por esse caminho. Em 1939, ela teria se formado junto a outros
diretores de grupos escolares e escolas rurais no curso rural de férias oferecido pela Escola de
Agronomia do Nordeste9. A Escola Rural n.1, conforme a sua gestora, era mantida pela Ação
Católica, contando com “edificio cedido pela arquidiocese, espaçoso e quasi conlcuido, dispoe
de terreno anexo para culturas, onde se acham uma horta e jardim, entregues aos cuidados
dos alunos” (A UNIÃO, 18 set.1941, p.3). Ao todo, a escola dispunha de 93 discentes
matriculados, para além de duas professoras, as senhoras Rosa Lianza e Maria da Conceição
Serrano. O que se pode perceber é que, para além dos investimentos públicos, àquela ocasião,
ainda era necessária muita boa vontade para segurar um projeto com tais proporções, dado o
conjunto de pessoas e instituições que a professora conseguiu arregimentar.
Ainda naqueles últimos anos do seu governo, Argemiro de Figueiredo deu início a uma
barganha com o governo federal pela posse do terreno correspondente à Fazenda Simões
Lopes, onde teria vez “a próxima instalação da escola rural modelo” (A UNIÃO, 7 out. 1938,
p. 2). Todavia, apenas depois da posse de Ruy Carneiro é que foi possível dar sequência à
doação da propriedade. O novo interventor, a propósito, faria propaganda política daquela
conquista, a qual rapidamente se converteria em objeto de promoção pessoal. Em princípios
9 O processo de institucionalização da Escola de Agronomia do Nordeste pode ser observado na monografia deste autor, A redentora do atraso do Nordeste: uma escola de agronomia na história da sociedade rural paraibana (1934-1950) (BURITY, 2014).
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do ano de 1940, o jornal A União noticiava: “na antiga ‘Fazenda Simões Lopes’, ficará
instalado o Instituto Profissional Agrícola, cuja fundação acaba de ser decidida pelo
Ministério da Agricultura, que aceitou a sugestão feita pelo interventor Ruy Carneiro neste
sentido” (A UNIÃO, 21 abr. 1940, p. 1).
Poucos dias haviam passado desde a posse de Ruy Carneiro e aquela barganha de fato
não havia sido protagonizada por ele. A informação era manipulada pelo jornal A União,
aparentemente com o apoio do governo federal, que para assegurar a autoridade do regime e
elevar o nome do novo interventor, provavelmente represou os investimentos destinados ao
estado paraibano até o momento da sua posse. A educação rural mostrava-se, assim, mais
uma moeda política barganhada entre as muitas esferas do poder público. A esse respeito,
deve-se considerar ainda a escolha em nada aleatória da Fazenda Simões Lopes, dentre
tantos terrenos pertencentes ao governo estadual, para sediar a prometida escola rural
modelo. Aquela, provavelmente, seria uma forma de garantir aquelas terras nas mãos dos
aliados do interventor. Há que se observar, nesse sentido, que em muito pouco tempo esse
espaço se converteria em um importante centro de produção e distribuição de conhecimento,
técnicas, máquinas, sementes, animais, entre outras ferramentas da economia agrícola
moderna, que o poder público pretendia difundir pelo interior do estado. A escola rural
modelo, portanto, deveria fazer parte desse complexo.
A transferência do título da propriedade, todavia, parecia mal resolvida ainda no ano
seguinte, quando mais uma vez o interventor Ruy Carneiro deu notícia do seu envolvimento
pessoal na resolução daquele impasse:
O Interventor Ruy Carneiro pleiteou junto ao Governo Federal, por ocasião da sua primeira viagem ao Rio de Janeiro, a criação de um instituto de ensino rural, na Fazenda “Simões Lopes”, não tendo, entretanto, conseguido o apoio dos técnicos do Ministério da Agricultura, que foram ouvidos a respeito da idéia (A UNIÃO, 5 jul.1941, p.1).
Afirmavam os técnicos, portanto, que o funcionamento dessa Escola Rural não seria
necessário, visto que o estado da Paraíba já dispunha do Patronato Agrícola Vidal de
Negreiros e do Centro Correcional Presidente João Pessoa. Porém, em que pesasse o jogo
político, a proposta foi defendida uma vez que a mesma se faria localizar em um espaço
próximo à cidade e levando em conta as “suas plantações e instalações, pelas ampliações que
fôram ali ultimamente trazidas pela Secretaria Agrícola” (A UNIÃO, 5 jul.1941, p.1). O
impasse foi, então, levado ao presidente da República, que, conforme noticiado, deferiu
prontamente a criação daquele instituto. Mais uma vez, observava-se a dimensão mais
política do que técnica do problema, que em tempos do Estado Novo ganhava características
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ainda mais destacadamente personalistas. Em último caso, recorria-se às boas relações com o
chefe de governo, o qual encontraria uma solução satisfatória para as questões que estavam
em aberto.
Em meio a isso, seria possível finalmente construir a prometida escola rural modelo da
Fazenda Simões Lopes, a qual deveria “preparar a juventude paraibana para se tornar
elemento útil á coletividade” (A UNIÃO, 5 jul.1941, p.1), bem como uma escola de professores
“não só de primeiras letras, mas também dos conhecimentos práticos de produção da terra,
ensinando a valorização dos frutos do trabalho agrícola” (A UNIÃO, 5 jul.1941, p.1). A
iniciativa foi de imediato objeto de felicitações por parte do professor Sizenando Costa e do
doutor Álvaro de Carvalho, professor catedrático do Liceu Paraibano (A UNIÃO, 6 jul.1941,
p.5; A UNIÃO, 11 jul. 1941, p. 5). Algum tempo mais tarde, o assunto seria retomado pela
imprensa oficial, que, mais uma vez, enchia de elogios o interventor paraibano. Junto a ela,
era divulgado o decreto de transferência do imóvel, com área de 651.678,62 m², ao qual se
somava tudo que havia sido construído nele, bem como os animais e produtos agrícolas no
seu interior (A UNIÃO, 28 out. 1941, p. 8)10.
Mesmo depois de todas essas negociações, apenas no ano de 1943, a construção da
escola rural que havia servido de barganha para a posse do terreno em litígio foi efetivamente
iniciada, o que não se deu sem renovada pressão dos intelectuais que defendiam aquela
causa. Já no final daquele ano, o professor Sizenando Costa destacou, em uma reunião do
Rotary Clube no Cassino da Lagoa, a necessidade da criação da escola rural na Fazenda
Simões Lopes (A UNIÃO, 3 out.1943, p.3). A construção do prédio foi ainda motivo de
destaque do interventor no relatório dos Serviços e Realizações em 1943 do governo
paraibano, enviado ao presidente Getúlio Vargas no ano seguinte. Apesar da citada demora,
no entanto, o projeto do professor Sizenando Costa parecia estar sendo bem executado, pelo
menos em seus quesitos arquitetônicos. Dizia-se que o seu prédio principal “constará de
quatro salas de aula, cada uma com 48 m², uma sala para o museu industrial, uma sala para a
administração; gabinete médico e dentário, biblioteca, quatro gabinetes sanitários”
(PARAÍBA, 1944b, p. 213).
É possível observar que, apesar da simpatia que o interventor Argemiro de Figueiredo
demonstrou pelo projeto de expansão da educação seriada na direção do mundo rural, essas
instituições só tomaram fôlego, de fato, com a interventoria de Ruy Carneiro. Há que se
10 Para mais informações a respeito da criação da escola rural da Fazenda Simões Lopes, ver “Safras máximas, lucros máximos, padrão de vida máximo”: a criação de uma escola rural na Fazenda Simões Lopes (Paraíba, 1938-1943), de autoria deste autor (BURITY, 2013).
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recordar que, por ocasião das comemorações do dia da juventude, o estadista decretou a
criação de 40 escolas rurais e rudimentares noturnas e fez circular a notícia em uma nota que
ocupou todo o rodapé da última página no jornal A União do dia 19 de abril de 1941, em
negrito e caixa alta. O movimento, a propósito, foi seguido por alguns prefeitos mais
entusiasmados, aspecto que permitiu que fossem criados o Instituto Rural de Saúde,
Educação e Assistência de Itabaiana (A UNIÃO, 8 jul. 1941, p. 6) e a Escola Rural Agrícola de
Conceição, que, já no dia da sua inauguração, realizou “a primeira aula prática, com a
frequencia de 32 alunos” (A UNIÃO, 21 set. 1941, p. 6). Deve-se observar, com alguma
atenção, os nomes das duas instituições. Ao passo que a primeira atendia à propalada
necessidade de que as escolas rurais contassem com a assistência do médico, do professor e
do agrônomo, a segunda atestava essa incerteza sobre as diferenças entre uma escola
primária instalada no mundo rural e aquela que, para além disso, contaria com um currículo
agrícola em específico. O que se quer mostrar é que ainda havia certa incerteza quanto aos
limites do modelo inscrito pelo professor Sizenando Costa e os processos efetivos de criação
daquelas instituições11.
Entre o artigo do professor Sizenando Costa na Revista do Ensino (1934) e o
diagnóstico dos problemas que envolviam a criação das escolas rurais publicado por Mário
Gomes no jornal A União (13 e 17 mai.1941), bem como do lançamento do livro A Escola
Rural (1941), do primeiro escritor, passaram sete anos. Algum tempo já havia corrido,
portanto, desde que as primeiras iniciativas naquela direção tinham sido estabelecidas. O
primeiro texto, que discorria sobre a carência de professores no campo, esbarrava em um
problema de longa história, citado também por outros intelectuais que observaram o mundo
rural. Mas, nos termos que estavam postos, eram desconsideradas as questões sociais que
envolviam a formação de uns sujeitos em detrimento de outros. O magistério de primeiras
letras, àquela época, era tomado por certo recorte de gênero, o feminino, e outro de classe, a
elite e os grupos médios urbanos. À exceção das normalistas mais simpáticas à causa agrícola
e que tomaram posição de vanguarda, e, sobretudo, das filhas dos chefes políticos, que
montavam escolas nas propriedades de seus pais ou mesmo de outros senhores da parentela,
não havia grande espaço para que tais profissionais se deslocassem em direção ao interior
para ali encontrar o seu público dito carente de lições ilustradas.
O impasse foi motivo de alguns textos publicados nos periódicos e a solução
11 Mais informações acerca desse processo podem ser consultadas em: Escolas rurais e profissionais para a juventude campesina na interventoria de Ruy Carneiro: Paraíba (1940-1945), de autoria de Luiz Mário Dantas Burity e Antonio Carlos Ferreira Pinheiro (2012).
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aparentemente mais adequada seria a criação de uma escola normal rural. E se era certo que
muita barganha política envolveu as políticas educacionais àquele momento, não era menos
verdade que os intelectuais tiveram peso destacado nessas negociações, de forma que, pelo
menos no jogo das aparências que envolvia a economia de decretos interventoriais, o objetivo
foi alcançado. Em 1943, a Escola Normal Livre de Souza, que não tinha prédio próprio,
funcionando nas dependências do Colégio São José, foi transformada em Escola Normal
Rural, mudando seu currículo e propósitos políticos. Por ocasião de sua inauguração, a
instituição recebeu a visita das comitivas de outros aprendizados de significativo destaque
naquele estado, a Escola de Agronomia do Nordeste, a Escola Normal de Princeza e o Colégio
Sagrado Coração de Jesus de Bananeiras (A UNIÃO, 23 set. 1943, p. 2/4).
Mas os problemas que travavam a criação de um número mais expressivo de escolas
rurais seguiam para além daquele universo, eles diziam de certa incoerência entre os
propósitos urbanos e os acontecimentos que tinham vez no mundo rural. Tinha-se ciência da
impossibilidade de manter um calendário escolar no mundo rural em tempos da colheita,
pois também os jovens por ali trabalhavam, falava-se da escarces de instituições e da
distância entre elas e o seu público, vista a incapacidade do poder público de negociar a sua
criação em uma localidade mais adequada, um caminho de meio entre todos aqueles sujeitos.
Surpreende destacar a pouca atenção dada a outra possibilidade, aquela que envolveria um
programa social mais amplo de atenção à população camponesa, melhorando as condições de
vida daquela gente, não se falava em reforma agrária, pauta antiga entre os pensadores
sociais, nem mesmo em programas mais efetivos de assistência social. A educação rural era
tomada quase que exclusivamente como solução para a pretensa barbárie do seu público,
resolveria, portanto, antes um problema da cidade do que do campo, a ideia era salvar a
nação e sua identidade, mesmo que para isso fosse preciso mascarar os conflitos internos
históricos desse país.
Em princípios dos anos 1940, o governo estadual deu início à colonização de uma
região do litoral norte paraibano. A proposta era orientar a população que habitava a região
em meio aos conhecimentos agrícolas mais modernos. O governo investiu, então, na
construção de casas de alvenaria, no trato das lavouras dos camponeses, e, sobretudo, na
construção do Grupo Escolar Rural José Augusto Trindade, nos moldes propostos pelo
professor Sizenando Costa, em um ponto mais elevado do núcleo central da Colônia Agrícola
de Camaratuba. A contrapartida dos colonos envolvia um regime de trabalho alheio ao que
propugnaria a legislação trabalhista em alguns anos. A colônia seria regida por uma
cooperativa, a qual venderia toda a produção coletiva, ficando com 20% do valor conseguido,
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cujo objetivo seria a conservação e administração daquelas terras, e destinando o restante aos
colonos. A era de posse do poder público, ficando cedida aos colonos nessas condições. A
escola incorporava esse cenário como mais um órgão de controle, por certo aquele de maior
importância, vista a sua centralidade na arquitetura da vila e o constante uso das suas salas
para reuniões dos colonos (PARAÍBA, 1944a).
Mas a questão agrária atingia aquele processo ainda por outro caminho. No interior dos
latifúndios, as professoras eram expulsas pelos coronéis que, descontentes com o tema do
conteúdo ministrado ou com a reação social provocada pelo conhecimento aprendido por
aquela gente. A modernização do mundo rural, que se queria desenhar por meio da educação,
portanto, enfrentava a ordem social que habitava aquelas paragens e a gente campo tratava
de se posicionar das formas mais diversas possíveis ao cenário que estava posto. Além disso,
era possível perceber como, apesar do propósito do intuito de controlar, disciplinar e ilustrar
que a educação propugnava àquele momento, o processo acabava fugindo das mãos dos
intelectuais criadores e, por ali, entre a professora ou o professor e seus estudantes, tudo se
convertia em outro processo, mais próximo do seu mundo de referências, mais próximo do
que aquela gente de fato carecia.
Considerações Finais
Apesar das propostas e experiências que envolvia o ensino agrícola e a educação rural
ainda desde o século XIX, só em meados da década de 1930 era possível falar em uma era das
escolas rurais na Paraíba. Essa periodização, proposta por Antonio Carlos Ferreira Pinheiro
(2002; 2006), flexibilizava os marcos temporais mais rígidos que marcaram a historiografia
da educação, situando os movimentos das políticas educacionais no entorno dos projetos
intelectuais e das agendas políticas então hegemônicas. Por esse caminho, o projeto político-
intelectual do professor Sizenando Costa conseguiu arregimentar o apoio dos pensadores e
gestores públicos necessários para fazer caminhar uma proposta com tais dimensões.
A criação das escolas rurais no estado paraibano, no entanto, esbarrou em uma série de
problemas de natureza política, mas, sobretudo, de natureza social. As primeiras instituições
com aquele perfil demoraram a ser criadas, esbarraram em conflitos de toda sorte e não
alcançaram, na periodização estudada, nada próximo do que era aspirado pelos seus
propositores, há informações, contudo, de que isso foi conseguido alguns anos mais tarde.
Priscilla Leandro Pereira (2013), em sua dissertação, intitulada Educação Rural na Paraíba
(1946-1961): um meio para fixar o homem do campo, mostrou como, no período
democrático, um projeto nacional, diferente daquele propugnado por Sizenando Costa,
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dispôs de mais recursos e conseguiu, dentre seus resultados, quantidades mais significativas.
Os problemas mais recorrentes apontados pelos intelectuais e observados nos longos
processos de criação de algumas instituições esbarravam na desigualdade social e, em meio a
isso, na questão agrária. A carência de professores dispostos ao trabalho nas escolas rurais, os
desencontros do calendário escolar com o calendário agrícola, as dificuldades dos jovens
campesinos para acessar a educação, entre muitas outras querelas com essa característica
diziam muito dessa modernização que se queria consolidar no interior do estado. A educação
rural era pensada junto ao processo político futurista e autoritário do Estado Novo, mas
também se abria espaço, inevitavelmente, para a emancipação da gente do campo.
Antes de desconcertar o leitor com essas notícias da forma como os problemas agrários
alcançavam a população camponesa, deve-se atentar para as reais dimensões dessa querela.
Em verdade, os latifúndios deram margens muito específicas à modernização que se queria
no mundo rural, a qual, em geral, não deveria ultrapassar em muito os limites da porteira.
Mas também não se podem subjugar os rumos que esse problema tomou no estado
paraibano. A população camponesa, em certo momento dessa história conseguiu virar o jogo,
mas isso é capítulo de outra história, que avança em muito os limites desse artigo.
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