nestesia para o doente com Valvulopatia
Cirurgia não Cardíaca
Ana Luísa Veiga de Macedo
Nuno Franco
Serviço de Anestesiologia
Hospitais da Universidade de Coimbra
FEEA 2007 | Curso 2 2
INTRODUÇÃO
A anestesia para o doente com doença valvular cardíaca pode ser um desafio porque
é objectivo anestésico manter um coração doente dentro de condições de trabalho
óptimas.
O manuseamento anestésico ideal requer um rigoroso conhecimento da fisiologia
cardíaca normal e uma apreciação do tipo e gravidade das alterações hemodinâmicas
induzidas pela lesão valvular.
SUMÁRIO
� Valvulopatias
� Estenose aórtica
� Insuficiência aórtica
� Insuficiência mitral
� Estenose mitral
� Insuficiência tricúspida
� Abordagem pré e peri-operatória
� Profilaxia da endocardite
FEEA 2007 | Curso 2 3
CURVAS DE PRESSÃO/VOLUME
As curvas de Pressão/Volume serão utilizadas para ilustrar graficamente a
fisiopatologia de cada lesão e ajudar a compreender as alterações hemodinâmicas
induzidas pelas lesões valvulares.
Fig. 1 – curva de P/V de um ciclo cardíaco de um coração normal
O ciclo cardíaco é constituído por uma série de eventos mecânicos e elétricos que
vão do ínicio de um batimento cardíaco ao início do batimento seguinte. Divide-se
em 4 fases:
I – Fase de enchimento ventricular
II – Fase de contracção isovolumétrica
III – Fase de ejecção
IV – Fase de relaxamento isovolumétrico
As letras correspondem a :
A – Abertura VMi | Enchimento VE (Final da diástole ventricular)
B – Contracção VE | Encerramento VMi (Início da sístole ventricular)
C – P VE > P VAo � Abertura VAo (Sístole ventricular)
D – Encerramento VAo (Início da diástole ventricular)
I
II IV
III
FEEA 2007 | Curso 2 4
A área da curva de P/V é equivalente ao trabalho cardíaco realizado num ciclo
cardíaco.
Fig. 2 – Efeito do inotropismo na curva de P/V (a tracejado está a curva de P/V de um ciclo
cardíaco de um coração normal)
Um inotropismo positivo traduz-se num aumento do trabalho cardíaco. Para o mesmo
volume telediastólico (B) uma Pressão maior é atingida e um Volume maior é
ejectado.
FEEA 2007 | Curso 2 5
ESTENOSE AÓRTICA
A estenose aórtica (EA) é caracterizada por uma resistência à ejecção ventricular
esquerda, ao nível da válvula aórtica (VAo), criando-se um gradiente de Pressão
entre o Ventrículo Esquerdo (VE) e a Aorta.
A área valvular aórtica normal é de 2-3 cm2 ; uma área valvular aórtica ≤ 1.5 cm2 é
hemodinâmicamente relevante; uma área valvular aórtica ≤ 0.4 cm2 ou um gradiente
de Pressão transvalvular superior a 50 mmHg corresponde a uma estenose crítica.
ETIOLOGIA
A EA representa 25% de todas as valvulopatias e tem uma incidência superior no sexo
masculino (80%).
� Congénita (bicuspidia aórtica – 2%/ unicuspidia aórtica)
� Endocardite reumática
� Calcificação degenerativa com a idade
Ocorre mais frequentemente em doentes com Vao bicúspides de origem congénita do
que em doentes com Vao normais tricúspides. Está associada aos mesmos factores de
risco que a doença cardíaca isquémica (HTA e dislipidémia).
OUTRAS FORMAS DE OBSTRUÇÃO À EJECÇÃO VE
� Miocardiopatia hipertrófica
� EA subvalvar congénita (diafragma fibroso ou ponte fibrosa)
� EA supravalvar (estenose na aorta ascendente ou por diafragma fibroso)
FEEA 2007 | Curso 2 6
FISIOPATOLOGIA
A obstrução à ejecção de sangue para a aorta, devido à diminuição da área valvular
aórtica, necessita de uma aumento de Pressão do VE para ultrapassar o obstáculo, de
forma a manter-se o débito cardíaco (DC) o que se traduz por um aumento do
trabalho cardíaco.
Fig. 3 – Curva de P/V na EA em comparação com a curva de P/V de um ciclo cardíaco de um
coração normal (a tracejado)
O coração adapta-se a este aumento de pressão de trabalho com Hipertrofia
Concêntrica, isto é com aumento da massa muscular para volumes no VE normais
(espessamento da parede sem aumento do tamanho da câmara). Esta hipertrofia não
é acompanhada por aumento concomitante da vascularização do miocárdio.
A curva de P/V mostra uma diminuição da compliance do VE (linha AB) com aumento
das pressões telediastólicas que se traduz num aumento do risco de isquémia
miocárdica. A isquemia miocárdica, por sua vez, contribui para uma menor
capacidade de relaxamento do VE.
A diminuição da compliance VE faz com que a contracção auricular tenha extrema
importância no enchimento ventricular. Enquanto que num coração normal a
contracção auricular contribui em 15-20% para o enchimento ventricular, num
coração com EA contribui em 40%. Assim, a manutenção de um ritmo sinusal (RS) é
crucial.
FEEA 2007 | Curso 2 7
Ao contrário de outros casos em que a insuficiência cardíaca resulta de uma falência
irreversível de bomba, na EA resulta mais frequentemente de um insuficiente
enchimento do VE (pré-load) apesar de uma contractilidade mantida.
Elevadas pressões de enchimento reflectem-se em estádios tardios de EA por
Hipertensão Pulmonar (HTP) e edema pulmonar.
Em contraste com o coração normal, resistências vasculares sistémicas (RVS) baixas
não reduzem o trabalho cardíaco, uma vez que é a EA e não as RVS que determinam
as pressões intraventriculares.
A Tensão Arterial (TA) baixa, aumenta o risco de isquémia miocárdica, por redução
da perfusão coronária, com manutenção de pressões ventriculares elevadas
(compressão das artérias coronárias epicárdicas). Contudo, um aumento das RVS e da
TA diminui o volume de ejecção do VE.
CLÍNICA
� Assintomática
� Angina (diminuição da perfusão coronária por pressões diastólicas elevadas
com compressão das artérias coronárias epicárdicas e também, pelo
facto, da hipertrofia não ser acompanhada por aumento do número de
capilares miocárdicos)
� “Insuficiência cardíaca esquerda”
� Síncope
� Morte súbita
DIAGNÓSTICO
� História clínica e Exame Objectivo
� Auscultação
� Sopro sistólico � mais audível no foco aórtico (2º e.i.c. dto) | em crescendo-decrescendo
� com irradiação para o pescoço
� Radiografia do tórax (aorta ascendente proeminente)
FEEA 2007 | Curso 2 8
� Electrocardiograma (hipertrofia VE – SV1 +RV5 ≥ 35mm)
� Ecografia cardíaca com Doppler
� Cateterismo cardíaco e angiografia coronária
ESTENOSE AÓRTICA E ANESTESIA
São objectivos principais durante o período perioperatório:
� evitar acontecimentos que diminuam o D.C.
� proporcionar condições fisiológicas óptimas de enchimento e ejecção ao VE
� manter RS normal
� evitar bradicardia (< 50 b.p.m.)
� evitar aumentos e diminuições súbitas na RVS
� optimizar o volume de fluídos intravenosos de forma a manter o retorno
venoso e o enchimento do VE
Os principais perigos advêm de :
� procedimentos anestésicos
� fármacos vasodilatadores (diminuição RVS)
� stress intubação (aumento da FC e TA)
� intervenção cirúrgica
� estímulo nóxico
� perda sanguínea aguda
Técnica Anestésica
Anestesia Regional
A anestesia espinhal e/ou epidural e o bloqueio simpático associado são considerados
indesejáveis num doente com EA. O bloqueio do Sistema Nervoso Simpático pode
rapidamente diminuir a RVS com diminuição do retorno venoso e diminuição das
pressões de perfusão coronária. Uma diminuição da RVS pode iniciar um ciclo de
isquemia miocárdica induzida pela hipotensão arterial com subsequente disfunção
ventricular e agravamento da hipotensão.
FEEA 2007 | Curso 2 9
A técnica anestésica mais apropriada será uma Anestesia Geral.
� Monitorização hemodinâmica – a gravidade da EA e magnitude da intervenção
cirúrgica influenciam a decisão de utilizar TA invasiva, Ecocardiograma
transesofágico, Pressão Venosa Central, Cateterização Artéria Pulmonar.
� Vasoconstritor (simpaticomimético) preparado – pretende-se não aumentar a FC
� Indução
� Endovenosa (evitar Ketamina)
� Manutenção
� Anestésicos voláteis
� Opióides
� RMND – Com efeitos sistémicos mínimos (evitar succinilcolina e
atrácurio)
� Reposição da volémia + perdas sanguíneas
� Evitar bradicardia (atropina)/ taquicardia (nas taquicardias
persistentes pode utilizar-se um ß-bloqueante, como o esmolol, tendo
em conta, que estes doentes dependem da actividade ß adrenégica
para a manutenção do volume de enchimento do VE, especialmente na
presença de RVS aumentadas, como as que ocorrem na resposta ao
estímulo cirúrgico; uma taquicardia de complexos largos deve ser
corrigida prontamente com cardioversão eléctrica)
São objectivos hemodinâmicos:
� FC normal baixa (evitar bradicardia)
� Ritmo sinusal mantido
� Reposição de volume intravascular
� RVS normal alto (evitar ↑ /↓ RVS)
� Volume Ejecção Ventricular alto
FEEA 2007 | Curso 2 10
INSUFICIÊNCIA AÓRTICA
A insuficiência aórtica (IA) é caracterizada pelo refluxo de sangue através de uma
VAo incompetente durante a diástole, causando sobrecarga de volume no VE. O
volume regurgitado depende do grau de insuficiência, do gradiente de pressão entre
o VE e a Ao (determinado pela RVS) e da duração da diástole (determinada pela FC)
ETIOLOGIA
A IA isolada é mais frequente no sexo masculino (75%). A associação a insuficiência
mitral (IM) é mais frequente no sexo feminino.
� Endocardite reumática
� Congénita
� Dissecção aórtica traumática /degenerativa
� Associada a doenças do tecido conjuntivo (S. Marfan, necrose quística da
média…)
FISIOPATOLOGIA
Fig. 4 – Curva de P/V na IA aguda (a tracejado) e IA crónica (a cheio) em comparação com a
curva de P/V de um ciclo cardíaco de um coração normal (a picotado).
FEEA 2007 | Curso 2 11
O volume sistólico total ejectado pelo VE está aumentado uma vez que corresponde à
soma do Volume sistólico efectivo com o Volume de sangue que reflui de volta para o
VE.
A ansa de P/V resultante está deslocada para a direita, com aumento do volume
telediastólico (B) e baixas pressões de enchimento ventricular o que representa uma
compliance ventricular aumentada.
O aumento do volume causa Hipertrofia Excêntrica com aumento da espessura da
parede e do tamanho ventricular (aumento da necessidade de O2 pelo miocárdio).
Como a necessidade energética para trabalhar com volumes elevados é muito menor
do que com pressões elevadas, esta sobrecarga de Volume é melhor tolerada do que
a sobrecarga de Pressão da EA.
A maior parte dos doentes mostra uma diminuição compensatória das RVS, o que
ajuda o VE a ejectar grandes volumes.
CLÍNICA
É característico um longo período assintomático na IA crónica em que os doentes
apresentam uma boa tolerância ao exercício físico.
Após alguns anos os sinais e sintomas começam a desenvolver-se:
� Fadiga
� Dispneia
� Edema Agudo do Pulmão (a falência do VE tem como consequência um aumento súbito
do volume telediastólico do VE)
� Angina na ausência de doença coronária (a diminuição da pressão diastólica associada
a um aumento da necessidade de O2 miocárdico pela hipertrofia do VE tem como
consequência uma diminuição da perfusão coronária)
FEEA 2007 | Curso 2 12
DIAGNÓSTICO
� História clínica e Exame Objectivo
� Palpação
� Sinais de hiperpulsatibilidade � pulso de Corrigan: amplo e cheio
� pulsatibilidade carotídea
� sinal de Musset :oscilação da cabeça síncrone com a pulsação
� movimento da úvula síncrone com a sístole
� Choque da ponta amplo
� Auscultação
� Sopro diastólico
� Mais audível no foco aórtico (2º e.i.c. dto) | em decrescendo
� Irradiação para o bordo esquerdo esterno
� Associado: reforço pré-sistólico – Rodado de Austin-Flint
(vibração da VM devido ao fluxo regurgitante)
� Radiografia do tórax (aumento do índice cardio-torácico à custa do alargamento do VE;
dilatação Ao)
� Electrocardiograma (sinais de hipertrofia do VE)
� Ecocardiograma com Doppler (indicação sobre falência do VE; grau da insuficiência)
� Cateterismo cardíaco e angiografia coronária
INSUFICIÊNCIA AÓRTICA E ANESTESIA
O objectivo principal no período perioperatório é manter o volume de ejecção
efectivo, não o diminuíndo ainda mais. Pretende-se :
� FC normal alta (> 80 bpm) para diminuir o tempo diastólico e o tempo de refluxo
� Baixas RVS para ajudar a diminuir o volume refluído
Assim:
� Devem evitar-se aumentos agudos na TA uma vez que pode causar uma
descompensação cardíaca aguda.
FEEA 2007 | Curso 2 13
� O VE necessita também de uma contractilidade adequada para fazer face à
sobrecarga de volume e por isso deve evitar-se o efeito inotrópico negativo
provocado por elevadas concentrações de anestésicos voláteis.
� Se necessário podem utilizar-se inotrópicos (ex.dobutamina)
� Se necessário podem utilizar-se vasodilatadores (ex.nitroprussiato de sódio) para
contrariar aumentos temporários/pontuais da TA, mas deve ter-se atenção à
diminuição do retorno venoso, já que é necessário volume de carga suficiente.
Técnica Anestésica
A técnica anestésica mais apropriada será:
� A Anestesia Geral é a escolha usual. Apesar da diminuição da RVS ser
teoricamente benéfica, a incontrolada natureza da resposta à Anestesia Regional
põe em causa a utilização da Anestesia Espinhal/Epidural.
� Monitorização hemodinâmica – a gravidade da IA e magnitude da intervenção
cirúrgica influenciam a decisão de utilizar TA invasiva, Ecocardiograma
transesofágico, Pressão Venosa Central, Cateterização Artéria Pulmonar.
� Indução
� Endovenosa (evitar Ketamina)
� Manutenção
� Anestésicos voláteis
� Opióides
� RMND – Com efeitos sistémicos mínimos (evitar succinilcolina e atrácurio)
� Reposição da volémia + perdas sanguíneas (manutenção do enchimento
ventricular e do volume de ejecção)
São objectivos hemodinâmicos:
� FC normal alta
� Reposição de volume intravascular
� RVS baixas
� Manter a contractilidade miocárdica
Para resumir…Manter o coração rápido, cheio e com os vasos periféricos dilatados.
FEEA 2007 | Curso 2 14
INSUFICIÊNCIA MITRAL
A regurgitação mitral ocorre durante a sístole através da válvula incompetente; a
válvula mitral (VM) é complexa e a anomalia pode ocorre em qualquer um dos seus
componentes (valvas, cordas tendinosas, músculos papilares, anel valvular)
Um volume de regurgitação <30% é definido como ligeiro; ≤ 60% como moderado e >
60% como severo.
ETIOLOGIA
A insuficiência mitral (IM) é mais frequente no sexo masculino; está quase sempre
associada a estenose mitral (EM).
A causa mais comum de regurgitação mitral aguda é o enfarte agudo de miocárdio
(EAM); uma percentagem elevada (40%) de doentes com EAM posteroseptal têm
regurgitação mitral resultante tanto de disfunção de músculo papilar, ruptura de
músculo papilar/ corda tendinosa ou dilatação do anel valvular por dilatação global
do VE. A regurgitação mitral crónica tem como causa isolada mais frequente o
Prolapso da VM com maior incidência no sexo feminino (ocorre em 3-8% da
população). Outras causas de regurgitação mitral crónica são a endocardite
reumática, S. Marfan, origem congénita e a miocardiopatia hipertrófica.
FISIOPATOLOGIA
Na IM há refluxo sanguíneo do VE para a AE; o VE é descomprimido na AE, na sístole,
com sobrecarga de volume na AE.
Há 2 situações a ter em conta:
1) IM AGUDA
Na IM aguda, a AE apresenta uma baixa compliance, que se traduz num aumento de
pressão na AE e transmissão retrógada desse aumento de pressão ao território
FEEA 2007 | Curso 2 15
venoso, com clínica associada de congestão (dispneia / ortopneia) e edema agudo do
pulmão (EAP).
2) IM CRÓNICA
Na IM crónica, a AE apresenta, devido a uma forma de instalação do quadro mais
progressiva, uma alta compliance associada a dilatação que desempenhando um
“efeito tampão” protector da rede vascular pulmonar não só protege os capilares
pulmonares de pressões elevadas como também diminui o stress/ tensão da parede
do VE.
Inicialmente, há um esvaziamento mais completo do VE, depois, à medida que a
gravidade da IM aumenta e a função do VE se deteriora, o volume sistólico do VE
aumenta progressivamente e diminui a fracção de ejecção anterógada.
Fig. 5 – Curva de P/V na IM em comparação com a curva de P/V de um ciclo cardíaco de um
coração normal (a picotado).
A ansa de P/V mostra que não existe fase de contracção isovolumétrica porque no
início da contracção ventricular (linha B/C) há uma ejecção de sangue para a AE.
FEEA 2007 | Curso 2 16
A fracção de ejecção do volume do VE que entra na AE depende:
� Grau de insuficiência
� FC (determina a duração da ejecção ventricular)
� Gradiente de Pressão transvalvular (depende da compliance do VE e resistência à
ejecção do VE para a Aorta)
Mais de 50% do volume sistólico pode ser ejectado na AE antes da abertura da VAo o
que se traduz numa redução do afterload e consequentemente numa apenas ligeira
hipertrofia do VE; por isso, no caso nas IM de causa crónica os doentes estão muitos
anos assintomáticos.
DIAGNÓSTICO
� História clínica e Exame Objectivo
� Auscultação
� Sopro holosistólico
� mais audível no foco mitral | em barra
� irradiação para a axila esquerda
� Radiografia do tórax (IM crónica - alargamento AE e VE)
� Electrocardiograma (dilatação AE – aumento da duração da onda P; tardiamente -
hipertrofia VE)
� Ecocardiograma com Doppler
� Cateterismo cardíaco e angiografia coronária
INSUFICIÊNCIA MITRAL E ANESTESIA
Os objectivos a atingir são semelhantes aos da IA:
� evitar a diminuição do débito sistólico efectivo
� Manter o ventrículo rápido e cheio e os vasos periféricos dilatados
� a vasodilatação periférica e um preload aumentado, aumentam a parte
“efectiva” do volume sistólico (o volume que efectivamente é ejectado para a aorta),
diminuindo também assim o refluxo mitral
FEEA 2007 | Curso 2 17
� nos estádios mais tardios de doença a HTP é comum sendo de evitar factores que
a aumentem: hipóxia, hipercapnia, elevadas pressões ventilatórias, acidose e
utilização de protóxido de azoto.
A gravidade da IM e magnitude da intervenção cirúrgica influenciam a decisão de
utilizar TA invasiva, Ecocardiograma transesofágico, Pressão Venosa Central e
Cateterização da Artéria Pulmonar.
São objectivos hemodinâmicos:
� FC normal alta
� RVP baixas
� RVS baixas
� Preload adequado
FEEA 2007 | Curso 2 18
ESTENOSE MITRAL
A estenose mitral (EM) é caracterizada por um estreitamento fibrótico na abertura da
VM (normal: 4-6 cm2) que dificulta o normal enchimento do VE durante a diástole.
Pode classificar-se em:
� EM mínima – área VM entre 1,5-2,5 cm2
� EM moderada – área VM entre 1-1,5 cm2
� EM severa – área VM entre 0,5-1 cm2
Pode haver uma redução > 50% da área valvular normal até ao aparecimento de
pressões elevadas na AD e na artéria pulmonar (durante o exercício).
ETIOLOGIA
A EM é mais frequente no sexo feminino (66%); 25 % das EM são isoladas ou puras e
em 40% estão associadas a IM.
� Reumática
� Congénita (raro)
FISIOPATOLOGIA
Na EM há obstrução mecânica à fase de enchimento do VE, secundária a uma
diminuição progressiva do orifício da VM, que tem como consequência uma redução
do preload e um aumento do volume e pressão da AE.
Fig. 6 – Curva de P/V na EM em comparação com a curva de P/V de um ciclo cardíaco de um
coração normal (a picotado).
FEEA 2007 | Curso 2 19
Na curva de P/V da EM pode observar-se uma diminuição do volume no VE.
Na EM ligeira, o enchimento do VE e o DC são mantidos pela pressão elevada na AE.
Quando a área valvular é menor que 1 cm2 é necessário uma pressão na AE superior a
25 mmHg (normal: 2-10 mmHg) para a manutenção de um DC normal. As
consequências são um aumento da pressão venosa pulmonar com transudação de
fluído para o espaço intersticial pulmonar e uma diminuição da compliance pulmonar
com possibilidade de HTP e hipertrofia do VD.
Nos estágios mais avançados, podem surgir (pela dilatação da AE), arritmias
auriculares e, conseqüentemente, diminuição do DC, quer pela diminuição da
contribuição da AE para o enchimento do VE, quer por encurtamento do tempo de
enchimento do VE pelo aumento da FC.
CLÍNICA
� Dispneia / ortopneia
� Tosse
� EAP
� Arritmias auriculares
Geralmente são de aparecimento tardio.
DIAGNÓSTICO
� História clínica e Exame Objectivo
� Auscultação
� Sopro diastólico
� mais audível no foco mitral
� irradiação para o bordo esquerdo do esterno
� Radiografia do tórax (AE dilatada, sinais de congestão)
� Electrocardiograma (hipertrofia AE; fibrilhação auricular)
� Ecocardiograma com Doppler (gravidade da estenose, dilatação da AE)
� Cateterismo cardíaco e angiografia coronária
FEEA 2007 | Curso 2 20
ESTENOSE MITRAL E ANESTESIA
Os objectivos principais no período perioperatório são:
� evitar acontecimentos que diminuam o DC
� proporcionar condições fisiológicas óptimas de enchimento e ejecção ao VE~
Pretende-se:
� manter o RS com FC ≤ 80 bpm, para assegurar um tempo diastólico suficiente (se
taquicardia deve tratar-se com ß- bloqueantes; se fibrilhação auricular deve fazer-
se cardioversão)
� uma pré e pós-carga normal alta (encher o VE e não diminuir as RVS)
Assim:
� perdas de volume necessitam de rápida reposição intraoperatória
� vasodilatadores sistémicos devem ser utilizados com precaução ou evitados
� nos estádios mais tardios de doença a HTP é comum sendo se evitar factores que a
aumentem: hipóxia, hipercapnia, elevadas pressões ventilatórias, acidose e
utilização de protóxido de azoto.
A gravidade da IM e magnitude da intervenção cirúrgica influenciam a decisão de
utilizar TA invasiva, Ecocardiograma transesofágico, Pressão Venosa Central e
Cateterização da Artéria Pulmonar.
São objectivos hemodinâmicos:
� FC normal baixa
� RVS normal alta
� RS mantido
� Preload adequado
FEEA 2007 | Curso 2 21
REGURGITAÇÃO TRICÚSPIDE
ETIOLOGIA
Usualmente é funcional, reflectindo dilatação do VD por HTP. Geralmente está
associada a HTP e sobrecarga de volume no VD por insuficiência VE produzida por
doença valvular mitral e aórtica. Outra causa é a endocardite infecciosa e a Anomalia
de Ebstein (destacamento inferior valvular).
FISIOPATOLOGIA
Quando isolada pode apenas haver sobrecarga de volume na AD com aumentos
mínimos de pressão na AD; associada a dilatação do VD por HTP ou insuficiência VE
geralmente ocasiona insuficiência VD
REGURGITAÇÃO TRICÚSPIDE E ANESTESIA
Os objectivos hemodinâmicos devem ser dirigidos para a causa.
Devem ser evitados factores que aumentem a HTP.
FEEA 2007 | Curso 2 22
OBJECTIVOS HEMODINÂMICOS DAS VALVULOPATIAS
� Manter a pré-carga
� Válvulas estenóticas
� FC normal baixa
� RVS normais altas
� Válvulas insuficientes
� FC alta
� RVS baixas
� Lesões da VM – também são necessárias RVP baixas
AVALIAÇÃO PRÉ E PERIOPERATÓRIA
AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA
Uma história clínica e um exame físico cuidados são uma parte muito importante
para avaliação do risco pré-operatório. As rotinas pré-operatórias (hemograma com
contagem plaquetar, as provas de coagulação, electrocardiograma – sinais de
hipertrofia, ritmo, ... – e a radiografia do tórax – índice cardio-torácico, presença de
sinais de congestão pulmonar, ...) podem trazer informação adicional. Um
ecocardiograma com doppler pré-operatório é importante na determinação do grau
de doença valvular e função ventricular.
Segundo a NY Heart association - Classification of Patients with heart disease podem
classificar-se os pacientes com doença cardíaca em 4 classes:
Classe Descrição
I Assintomático
II Sintomas com actividade normal, mas assintomático em repouso
III Sintomas com actividade mínima, mas confortável em repouso
IV Sintomas em repouso
FEEA 2007 | Curso 2 23
A American Heart Association sugere que sejam colocadas, ao doente, perguntas
acerca da sua capacidade de realização de actividades quotidianas que são divididas
em MET (metabolic equivalents).
1 MET
eat, dress, walk around in
the house
walk a block or two (3.2-
4,8 km/h)
climb a flight of stairs
walk fast on level ground (6,4 km/h)
run a short distance
heavy house work (lift heavy furniture ...)
2 MET
light house work
(dusting, dish washing )
>10 MET
moderate sport activities(golf, dancing, ...)
strenuous sport (swimming, tennis, football)
Uma tolerância ao exercício < 4 MET implica elevado risco perioperatório.
RISCO CIRÚRGICO
Os predictores clínicos de risco cardio-vascular em cirurgia não cardíaca são a
insuficiência cardíaca descompensada, as arritmias severas (bloqueio auriculo-
ventricular completo e arritmias ventriculares ou supraventriculares com ritmo
ventricular não controlado) e a doença valvular severa.
Nos doentes com doença valvular é importante, na avaliação do risco, a
determinação do status sintomático, a presença ou não de arritmias, a gravidade da
lesão valvular, a função do VE e o nível de pressão pulmonar e as comorbilidades
incluindo a doença cardíaca isquémica.
4 MET
FEEA 2007 | Curso 2 24
A natureza da intervenção cirúrgica é também um factor importante de decisão pré-
operatória. O risco cardio-vascular pode ser estratificado de acordo com os
diferentes procedimentos cirúrgicos não cardíacos (Guidelines ACC|AHA):
High Risk
(may be > 5%)
Intermediate Risk
(generally < 5%)
Low Risk
(<1%)
* carotid endarterectomy *endoscopic
procedures *major emergency surgery,
particularly in elderly patients * head and neck surgery *superficial surgery
*peripheral vascular surgery * abdominal and thoracic
surgery *cataract surgery
*surgery of the aorta and great
vessels * orthopaedic surgery *breast surgery
*long procedures with large blood
loss or fluid shifts * prostatic surgery
PRÓTESES VALVULARES
As próteses valvulares cardíacas mecânicas e biológicas diferem umas das outras pela
duração (longevidade), trombogenicidade e perfil hemodinâmico.
As válvulas mecânicas têm uma duração previsivel superior a 20-30 anos enquanto
que as biológicas necessitam de substituição num prazo previsível de 10-15 anos.
As válvulas mecânicas são trombogénicas requerendo uma terapêutica anticoagulante
a longo termo por isso são preferidas para doentes mais jovens, com uma esperança
de vida superior a 10-15 anos ou para pacientes que necessitam de terapêutica
anticoagulante de longo termo por outras causas. As válvulas biológicas têm baixo
potencial trombogénico e geralmente são preferidas para doentes idosos ou cuja
terapêutica anticoagulante de longo termo esteja contra-indicada.
FEEA 2007 | Curso 2 25
AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO VALVULAR
A disfunção de uma prótese valvular é sugerida por alterações na
intensidade/qualidade dos sons cardíacos prévios ou aparecimento de um som novo.
Estes doentes devem ser avaliados pela Cardiologia e realizado ecocardiograma com
doppler se há suspeita de disfunção da prótese valvular.
COMPLICAÇÕES ASSOCIADAS
� Tromboses valvulares
� Hemólise subclínica intravascular
� Falência estrutural próteses valvulares
� Embolização sistémica
� Regurgitação paravalvular
� Endocardite
TERAPÊUTICA ANTI-TROMBÓTICA PARA CIRURGIA NÃO CARDÍACA
(GUIDELINES AHA/ACC – JUNHO 2006)
Não deve ser interrompida para intervenções com pouca probabilidade de perdas
sanguíneas.
Em cirurgias com probabilidade de perdas sanguíneas ou se há presença de factores
de risco – fibrilhação auricular, tromboembolia prévia, hipercoaguabilidade,
disfunção do VE, PVM – deve ser substituída por heparina intravenosa ou por heparina
de baixo peso molecular (HBPM).
Classe I – condições com evidência e com acordo de que o procedimento/ tratamento é
benéfico
� Pacientes com baixo risco de trombose (Prótese na VAo sem factores de risco) –
parar Warfarina 48-72h antes (INR < 1.5) – iniciar 24 h após procedimento;
heparina não necessária geralmente
� Pacientes com alto risco de trombose (Prótese na VM/ Prótese na VAo com
factores de risco) - iniciar heparina I.V. quando INR < 2.0 (tipicamente 48h antes
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da intervenção cirúrgica), parar 4-6h antes da intervenção cirúrgica, e iniciar
precocemente, depois da intervenção cirúrgica, quando estabilidade quanto a
perdas e até ser atingido INR terapêutico com Warfarina.
Classe IIa – condições com evidência é a favor de que o procedimento/ tratamento é
benéfico
� Dar plasma fresco (melhor que vit. K1) se há presença de válvula mecânica e se
há necessidade de interromper Warfarina em emergências ou procedimentos
invasivos.
AVALIAÇÃO PERIOPERATÓRIA
A decisão deve ser conjunta entre o Anestesiologista, o Cirurgião e o Cardiologista. É
necessário ter em conta factores relevantes:
� Risco do procedimento
� Urgência/ Emergência da intervenção cirúrgica
� Condição clínica
� Benefícios da cirurgia
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PROFILAXIA DA ENDOCARDITE
A profilaxia da endocardite deve der considerada em todos os doentes com doença
valvular cardíaca. Segundo os Guidelines da American Heart Association/American
College of Cardiology (JACC 2006).
PROFILAXIA RECOMENDADA
� Próteses valvulares cardíacas
� Antecedente de endocardite
� Anomalias congénitas complexas (tetralogia Fallot, Transposição de Grandes Artérias)
� Valvulopatia adquirida/malformação valvular congénita (Vao bicúspide)
� Cardiomiopatia Hipertrófica
� Prolapso da VM com regurgitação ou espessamento
ESQUEMA TERAPÊUTICO
Procedimentos dentários, orais, tracto respiratório e esófago
Standard
Amoxicilina 2.0 g (crianças 50 mg/kg) per os 1 h pré-op
Ou Ampicilina 2.0 g (crianças 50 mg/kg) iv ou IM 30 min pré-op
Alternativo
Clindamicina 600 mg (crianças 20 mg/kg) per os 1 h pré-op ou IV 30 min pré-op
Ou Cefalexina 2.0 g (crianças 50 mg/kg) per os 1 h pré-op
Ou Cefazolina 1.0 g (crianças 25 mg/kg) iv ou IM 30 min pré-op
Ou Azitromicina/Claritromicina 500mg (crianças 15 mg/kg) per os 1 h pré-op
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Procedimentos gastrointestinais ou genito-urinários
Risco Alto
Standard
Ampicilina + Gentamicina (2.0 g + 1.5 mg/kg) iv ou IM 30 min depois do início da
intervenção, após 6 h, Ampicilina 1.0 g iv ou Amoxicilina 1.0 g per os
Crianças : Ampicilina + Gentamicina (50 mg/Kg + 1.5 mg/kg) iv ou IM 30 min depois do início
da intervenção, após 6 h, Ampicilina 25 mg/Kg iv ou IM ou Amoxicilina 25 mg/Kg per os
Alternativo
Vancomicina i.v + Gentamicina iv ou IM (1.0 g + 1.5 mg/kg)1-2 h pré-op, criança: 20
mg/kg + 1.5 mg/kg
Risco Moderado
Standard
Amoxicilina 2.0 g (crianças 50 mg/kg) per os 1 h pré-op
Ou Ampicilina 2.0 g (crianças 50 mg/kg) iv ou IM 30 min pré-op
Alternativo
Vancomicina 1.0 g (criança: 20 mg/kg) iv 1-2 h pré-op
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BIBLIOGRAFIA
� Wolfgang, Schlack, Anaesthesia for the Patient with Valvular Heart Disease
undergoing Non-cardiac Surgery, ESA April 8, 2001.
� Barash, Anestesia Clínica 3ª Edicion pg 988-995.
� Harrison’s, Principles of Internal Medicine 14 th Edition, Cap 237 – Valvular Heart
Disease pg 1311- 1324.
� Stoelting, Rogert K., Anesthesia and Co-Existing Disease 3rd Edition, pg 21-35.
� Hurford, William E. ,Clinical Anesthesia Procedures of Massachusetts; General
Hospital 6 th Edition pg 19-24.
� Robert F. et others, Co-existing disease, Cp 2 - Valvular Heart Disease
� Guidelines European Society Cardiology (ESC) 2007
� Guidelines for the MAnagement of Patients With Valvular HEart Disease - American
College of Cardiology / American Heart Association (ACC/AHA) 2006
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