Odila Weigand
GROUNDING NA ANLISE BIOENERGTICA: Uma proposta de atualizao
Mestrado em Psicologia Clnica
Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo So Paulo - 2005
ODILA WEIGAND
GROUNDING NA ANLISE BIOENERGTICA: Uma proposta de atualizao
Dissertao apresentada Banca Examinadora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, como exigncia parcial para obteno do ttulo de MESTRE em Psicologia Clnica, sob orientao da Profa. Dra. Maria Helena Pereira Franco.
Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo So Paulo - 2005
Banca examinadora:
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ii
Dedicatria
Aos meus mestres Alexander Lowen e John Pierrakos
iii
Agradecimentos
Profa. Dra. Maria Helena Pereira Franco, orientadora deste trabalho, que
abriu espao para abordar um tema diretamente ligado psicoterapia corporal na
academia. Sua pesquisa rigorosa e extensa sobre abordagem corporal em
psicoterapia serviu de inspirao e valiosa fonte de informao para a realizao
desta dissertao.
A Irene Cardotti e Claudia Fusco dos Santos pela sua inestimvel ajuda que
permitiu a concretizao do grupo pesquisado, contribuindo com seu conhecimento,
dedicao e comprometimento.
UNISAL - Universidade Salesiana, em especial seu diretor Prof. Dr. Marco
Antnio Papp e Profa. Ana Maria Gonzalez que abriram as portas para a introduo
da Anlise Bioenergtica no programa de terceira idade da Instituio.
s participantes do grupo, pela alegria, carinho e envolvimento.
A Flavio dos Santos por sua importante contribuio na anlise dos desenhos.
Ao Prof. Dr. Efraim Boccallandro e Prof. Dr. Paulo Martins Junior que
contriburam com sua leitura do texto e sugestes.
A Jos Alberto Cotta, pela leitura do texto e valiosas sugestes.
A Liane Zink, amiga e colega, pelo seu apoio, entusiasmo e abertura para
compartilhar idias.
Aos alunos e colegas da Anlise Bioenergtica cujo convvio e troca de
experincias constituem fonte de motivao.
minha famlia, marido, filhos e amigos que me apoiaram e compreenderam
nos momentos alegres e tambm nos difceis deste percurso.
Um agradecimento especial a Rosaneli de Lima Fernandez (Dy), por seu
cuidado, ateno, interesse e curiosidade, nas inmeras revises durante todo o
desenvolvimento deste trabalho.
iv
Sumrio
Resumo ........................................................................................................................ Abstract ........................................................................................................................ Introduo ..................................................................................................................... 1. Anlise Bioenergtica ............................................................................................... 1.1 Contexto Histrico .............................................................................................. 1.2 Desenvolvimento da tcnica e pressupostos tericos ....................................... 2. A evoluo da teoria ................................................................................................. 2.1 O caminho de Lowen ......................................................................................... 2.2 Desmitificar ......................................................................................................... 2.3 A transio ......................................................................................................... 3. O paradigma pulsional e o paradigma objetal .......................................................... 3.1 Paradigma pulsional ........................................................................................... 3.2 Paradigma objetal .............................................................................................. 4. Enraizamento no corpo: a base do self .................................................................... 5. Funo do orgasmo e potncia orgstica ................................................................ 6. As vibraes e o prazer ............................................................................................7. O que grounding .................................................................................................... 7.1 As trs direes da pulsao ............................................................................. 8. Diferentes tipos de grounding................................................................................... 8.1 O Grounding postural ......................................................................................... 8.2 O Grounding interno ........................................................................................... 8.3 A energia do grounding interno e instroke ......................................................... 8.4 O Grounding prematuro ..................................................................................... 8.5 Evitao do grounding e colapso interno .. 8.6 O Grounding do olhar ......................................................................................... 9. Grounding na famlia, na cultura e na religio .......................................................... 9.1 Transmisso intergeracional do padro de apego ............................................. 9.2 Grounding na cultura e na comunidade ............................................................. 10. Grupos de exerccios de Anlise Bioenergtica ...................................................... 10.1 O papel da fala nos grupos .............................................................................. 10.2 A importncia da formao do terapeuta ......................................................... 11. Objetivos ................................................................................................................. 12. Mtodos................................................................................................................... 12.1 Participantes e ambiente................................................................................... 12.2 Horrios e durao ........................................................................................... 12.3 Procedimentos ................................................................................................. 12.4 Instrumentos ..................................................................................................... 12.4.1 Questionrio ............................................................................................... 12.4.2 Teste HTP (Casa-rvore-Pessoa) ............................................................. 12.5 Pressupostos ticos ......................................................................................... 13. Desenvolvimento do trabalho com o grupo ............................................................. 13.1 Funcionamento do grupo ................................................................................. 14. Observaes sobre o grupo e anlise dos desenhos ............................................. 14.1 Observaes sobre as quatro participantes mais assduas e anlise dos desenhos ......................................................................................................... 15. Discusso ................................................................................................................ 16. Consideraes Finais .............................................................................................. Referncias Bibliogrficas ............................................................................................. Anexo 1 Termo de consentimento ............................................................................. Anexo 2 Ficha de informaes ................................................................................... Glossrio .......................................................................................................................
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0104050711151617181820222728353740414243465156576061656869727373747576767681828595
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Lista de Tabelas
Tabela 1 - Caracterizao das participantes..................................................................
Tabela 2 - Freqncia das participantes.......................................................................
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Lista de Figuras
Figura 1 - Ilustrao de pulsao horizontal................................................................
Figura 2 - Camada externa rgida e interna colapsada.................................................
Figura 3 - Interaes crebro-crebro durante a comunicao face-a-face.................
Figura 4 - ( G ) Figura Humana mesmo sexo acromtica............................................ Figura 5 - ( G ) Figura Humana mesmo sexo cromtica............................................. Figura 6 - ( G ) rvore acromtica............................................................................... Figura 7 - ( G ) rvore cromtica................................................................................. Figura 8 - ( E ) Figura Humana do sexo oposto acromtica........................................ Figura 9 - ( E ) Figura Humana do sexo oposto cromtica.......................................... Figura 10 - ( E ) Figura Feminina cromtica...................................................................Figura 11 - ( E ) rvore acromtica................................................................................ Figura 12 - ( E ) rvore cromtica.................................................................................. Figura 13 - ( A ) Figura feminina acromtica................................................................. Figura 14 - ( A ) Figura feminina cromtica....................................................................Figura 15 - ( A ) Figura masculina cromtica................................................................. Figura 16 - ( A ) rvore cromtica.................................................................................. Figura 17 - ( B ) Figura feminina acromtica................................................................ Figura 18 - ( B ) Figura feminina cromtica................................................................... Figura 19 - ( B ) Figura masculina acromtica............................................................... Figura 20 - ( B ) Figura masculina cromtica................................................................. Figura 21 - ( B ) rvore acromtica................................................................................ Figura 22 - ( B ) rvore cromtica.................................................................................. Figura 23 - Posio do arco...........................................................................................
Figura 24 - Posio de grounding bsico.......................................................................
Figura 25 - Respirao do nascimento e respirao do reflexo orgstico.....................
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Resumo
Palavras-chave: Anlise Bioenergtica, grounding, psicanlise, paradigma pulsional e paradigma objetal, terapia reichiana, grupo de movimento, auto-regulao, terceira idade.
O objetivo deste trabalho foi aprofundar e atualizar o conceito do grounding na Anlise Bioenergtica. Esta abordagem combina os princpios fundamentais da psicanlise com o trabalho direto no organismo visto do ponto de vista do seu desenvolvimento energtico, emocional e relacional. Os dois paradigmas da psicanlise, pulsional e objetal, foram discutidos no contexto da evoluo histrica da Anlise Bioenergtica, em termos de suas influncias na teoria e na prtica. Os terapeutas brasileiros vm criando uma identidade prpria ao longo dos ltimos 25 anos. No se trata de uma ciso em relao s idias de Alexander Lowen, mas de uma diferenciao resultante do amadurecimento dos mesmos. A introduo do paradigma objetal indica o caminho para um modelo de psicoterapia no qual se agregam a construo de organizaes internas funcionais e integradoras e a fase de desmonte das estruturas repressivas e defensivas. Neste estudo, mulheres da terceira idade participaram de um grupo de exerccios de Anlise Bioenergtica por um perodo de quatro meses. A pesquisa pode ser considerada um projeto social, com o objetivo de demonstrar uma aplicao da Anlise Bioenergtica que preservasse seu potencial curativo, ao mesmo tempo respeitando princpios de intersubjetividade, incluso social, cidadania e tica, e tambm fosse compatvel com a realidade social brasileira. O trabalho com este grupo foi conduzido com a inteno de criar recursos para que as defesas primitivas crnicas pudessem tornar-se gradualmente desnecessrias. Trabalhou-se corporalmente com nveis de excitao e tcnicas adequadas ao estgio de desenvolvimento e capacidade fsica das participantes. As mudanas ocorridas no grupo foram constatadas por observao subjetiva das coordenadoras, por manifestaes verbalizadas pelas participantes e pela anlise do teste HTP. Em sntese caracterizam-se essas mudanas como: melhora na vitalidade e flexibilidade, na auto-percepo, no contato social, maior maturidade, fortalecimento do ego e possibilidade de emergncia de contedos pulsionais e traumticos inconscientes.
viii
Abstract
Key words: Bioenergitc Analysis, pulsion and object-relations paradigms, self-regulation, grounding, reichian therapy, exercise classes, third-age.
The purpose of this study was to deepen and update the concept of grounding in Bioenergetic Analysis. This approach combines fundamental principles of psychoanalysis with direct work on the organism, seen from the viewpoint of its emotional, energetic and relational development. Both paradigms of psychoanalysis, pulsion and object-relations, were studied within the context of the historical development of Bioenergetics Analysis, in terms of their influence on the theory as well as on the practice. Brazilian Bioenergetic Analysis therapists have been building their own identity over the last 25 years. This should not be seen as a split from Alexander Lowen's ideas, as it actually means a differentiation born out of those therapists maturity. The integration of the object-relations paradigm, indicates the pathway for a model of psychotherapy which associates the construction of functional and integrative internal organizations with the phase, in psychotherapy, of dismantling repressive and defensive structures. In this study, a group of third-age women participated in Bioenergetics exercise classes for a period of four months. This research may be considered a social project with the objective of demonstrating an application of Bioenergetic Analysis that would preserve its healing potential, at the same time respecting the principles of intersubjectivity, of social inclusion, citizenship and ethics, and also that would be compatible with Brazilian social reality. The work with the group was conducted intending to create resources that might make possible for chronic primary defenses gradually to become unnecessary. Body work and level of excitation were adequated to the developmental level and physical possibilities of the participants. The changes observed in the group were verified by the subjective observation of the coordinators, as well as by verbal manifestations of participants, and by the analysis of the HTP test. In short, those verified changes were: improvement in vitality and flexibility, self-perception, social contact, increased maturity and ego strength, along with possible emergence of unconscious pulsional and traumatic contents.
ix
GROUNDING NA ANLISE BIOENERGTICA: Uma proposta de atualizao
Introduo
H um interesse crescente entre os psicoterapeutas corporais de base
reichiana em desenvolver pesquisas que permitam o reconhecimento e aplicao em
ampla escala da psicoterapia corporal. Enquanto os psicoterapeutas corporais se
limitavam ao trabalho de consultrio, essa necessidade no era to evidente. Na
medida em que saem dos consultrios particulares e desejam adaptar o trabalho s
necessidades de grupos sociais especficos (carentes ou no)1, faz-se necessria
sua insero na academia, buscando reconhecimento cientfico. Vrios terapeutas e
tericos reichianos tm buscado esse caminho, ainda que com focos diferentes:
Wagner (1996, 2000), Cipullo (1996, 2002), Volpi (2002), Cotta (2003), Seguin
(2002), Bezerra (2003). Na rea da educao, destacam-se Albertini (1994), Bellini
(1993), Matthiesen (1996, 2002).
Por outro lado, o desenvolvimento das neurocincias (SCHORE, 1994;
DAMSIO, 2000, 2004; LEDOUX, 1996) vem ao encontro dos princpios reichianos e
da Anlise Bioenergtica quando explica os mecanismos do estresse e demonstra
por meio de imagens obtidas por ressonncia magntica funcional e tomografia por
emisso de psitrons - PET, a interrelao entre funcionamento cerebral, sensaes,
emoes e sentimentos e seu papel na manuteno da sade.
Minha formao em Anlise Bioenergtica foi adquirida no incio da dcada
de 1980 em workshops no Brasil com o grupo da Sociedade Brasileira de Anlise
Bioenergtica SOBAB, em Nova York com Alexander Lowen e na Europa com
outros professores do Instituto Internacional. Percebia uma diferena entre a forma
de Lowen conduzir o processo da psicoterapia e o que aprendia no Brasil, onde os
professores foram Frank Hladky e Joyce Silver. Na poca eu no era capaz de
identificar as razes tericas dessa diferena, mas sentia no meu corpo um conflito e
uma certa confuso. No final da dcada de 1980, esse conflito tornou-se explcito
dentro do Instituto Internacional e ocasionou a sada de alguns trainers
internacionais, entre eles Joyce Silver.
Frank Hladky um psiquiatra que fez sua formao psicanaltica com Karen
Horney antes de conhecer a Anlise Bioenergtica; da mesma maneira, Joyce Silver
1 Exemplos de grupos sociais especficos compostos de pessoas carentes ou no carentes: professores, equipes de cuidadores, adolescentes, grvidas, idosos.
1
j era uma psicanalista treinada na escola de Heinz Kohut. Ambos possuam uma
slida base terica vinculada ao paradigma objetal. Sua maneira de praticar Anlise
Bioenergtica refletia a sntese que haviam feito de sua formao original, com os
ensinamentos de Lowen baseados no paradigma pulsional.
A diferena entre uma prtica baseada no paradigma pulsional ou no
paradigma objetal no era esclarecida, na poca em que fui aluna (1982-1986).
Minha inquietao a esse respeito me levou a publicar um artigo (WEIGAND, 1987)
no Clinical Journal of the International Institute for Bioenergetic Analysis. Nesse artigo comecei a esboar por escrito minha perplexidade porque as tcnicas
aprendidas no curso de treinamento em lugar de ajudar, pioravam os sintomas de
uma cliente borderline que tratei naquela ocasio.
Quando comecei a participar como professora dos grupos de treinamento no
Brasil, senti necessidade de esclarecer melhor o sentimento de confuso que
experimentara durante minha formao, confuso que percebia tambm nos alunos
brasileiros.
Em 1996, fiz uma apresentao no XIII Congresso Internacional de Anlise
Bioenergtica realizado em Pocono, Estados Unidos, sobre o tema de vazamento de
energia, que elaborei a partir de questes no explicadas no caso daquela cliente e
de outras experincias vividas em meu processo psicoteraputico e no de outros
clientes. Em 1999, foi publicado na Revista Reichiana do Instituto Sedes Sapientiae
outro artigo que escrevi para tentar elucidar a questo das duas correntes que
existiam na Anlise Bioenergtica (WEIGAND, 1999). A partir da boa receptividade
desse artigo, senti mais confiana na importncia de divulgar esses esclarecimentos
no s entre os membros do Instituto de Anlise Bioenergtica, mas para os
terapeutas corporais em geral.
Foi crescendo meu desejo de expandir e aprofundar o estudo. Outro elemento
motivador foi a cobrana por parte de alguns alunos, porque notavam a discrepncia
entre o que liam nos livros de Lowen e viam na prtica de alguns trainers que
seguiam o paradigma pulsional, e o que eu e outras professoras brasileiras
demonstrvamos nos grupos de treinamento. Ao procurar me definir quanto ao tema
desta dissertao, percebi que a elaborao deste conflito seria a trilha terica
central do trabalho.
Admiro o brilhantismo de Lowen e considero que sua maior contribuio para
o corpo de conhecimentos da psicologia o conceito de grounding. Trata-se de uma
2
aplicao das mais difundidas e um dos pilares da Anlise Bioenergtica. Acredito
na utilidade de oferecer a professores, terapeutas, condutores de grupos e alunos, a
possibilidade de planejar suas atividades teraputicas adquirindo uma compreenso
mais aprofundada de seus princpios, fundamentos e funcionamento em nvel
psquico e corporal. O conceito de grounding tomou um significado amplo ao ser
incorporado e desenvolvido por outras escolas, alm da de Lowen. A ampliao do
conceito de grounding para abarcar a idia de um self saudvel enraizado no seu
grupo social, na famlia, no tero, na relao me-beb, depois no prprio corpo e
na terra, constitui a segunda trilha terica que derivou naturalmente da primeira.
Surgiu um interesse especial em executar um programa com durao
limitada, no qual fosse possvel trabalhar com diferentes tcnicas da Anlise
Bioenergtica e observar os resultados.
Freqentemente os alunos em formao solicitam seqncias de exerccios
que sirvam como base para planejamento de seus trabalhos corporais. Espero que
as seqncias desenvolvidas durante este trabalho venham a preencher pelo menos
em parte essa lacuna. Espero tambm que esta dissertao possa ser til como um
documento bsico de informao e referncia para subsidiar a atuao de alunos
em treinamento e de terapeutas corporais, assim como fundamentar futuras
pesquisas.
A Anlise Bioenergtica no Brasil tem tomado um rumo socializante. Por meio
da iniciativa privada das instituies formadoras, tm sido abertas clnicas para
populao de baixa renda em diversas cidades brasileiras (So Paulo, Americana,
Recife, Rio de Janeiro). Este um movimento brasileiro, pois em outros pases ela
continua sendo uma psicoterapia de clnica particular, ou prestando-se a
atendimento por meio de convnio com o servio de sade pblica, como acontece
na Itlia e na Sua.
Dentre os recursos da Anlise Bioenergtica, amplamente utilizados nas
clnicas sociais e em projetos junto a grupos sociais especficos, o grounding est
sempre presente como instrumento valioso e indispensvel, sobretudo quando o
mtodo de trabalho Grupo de Exerccios de Bioenergtica, que o instrumento
mais facilmente aplicvel em diferentes contextos, o grounding um recurso tcnico
fundamental. Para sua boa compreenso, sinto que se faz necessria esta
articulao entre as descobertas dos seus criadores Lowen e Pierrakos e a evoluo
da Anlise Bioenergtica em termos tericos e prticos.
3
Na parte inicial deste trabalho apresentada a Anlise Bioenergtica em seu
contexto histrico, que se entrelaa com o percurso de seu criador Alexander Lowen.
A evoluo da teoria e da tcnica nos ltimos anos discutida, em funo da
integrao dos paradigmas pulsional e objetal.
O conceito bsico da Anlise Bioenergtica, o grounding, ampliado
destacando-se os diferentes tipos de grounding: postural, interno, prematuro,
grounding do olhar e grounding na famlia, cultura e religio.
Considerando a versatilidade dos grupos de exerccio de Anlise
Bioenergtica como recurso teraputico aplicvel a diferentes populaes, sua
origem e funcionamento so descritos, fundamentando sua utilizao com um grupo
de mulheres da terceira idade. Na parte final retomada a discusso da evoluo da
teoria e da tcnica, a partir da qual so apresentados e discutidos os resultados do
trabalho com o grupo.
4
1. Anlise Bioenergtica
A Anlise Bioenergtica, segundo Lowen (1995), tem como objetivo o resgate
da natureza primria, que a condio do organismo de ser livre, gracioso e belo; a
liberdade de pensar e sentir, a graa de movimentar-se e a beleza do viver
amorosamente, com sade e alegria.
1.1 Contexto histrico
A Anlise Bioenergtica surgiu da associao, em 1953, de dois alunos de
Reich, Alexander Lowen e John Pierrakos (LOWEN, 1982).
Reich viveu de 1897 a 1957. Discpulo de Freud, na dcada de 1920
desenvolveu na psicanlise o conceito de anlise do carter e anlise das
resistncias, bem como elucidou aspectos importantes da transferncia
(REICH,1995). Na dcada de 1930, comeou a trabalhar diretamente com o corpo
dos pacientes, com uma tcnica que visava especificamente aprofundar e liberar a
respirao, a fim de melhorar e intensificar a experincia emocional. Associou
psicanlise a observao do corpo, das expresses dos olhos e da face, da
qualidade da voz e dos padres de tenso muscular; descreveu o que ns
chamamos hoje de linguagem corporal (SHARAF, 1983). Em 1934, Reich foi expulso
da Associao Psicanaltica Internacional, por suas divergncias tericas e por sua
posio poltica em favor do comunismo. Viveu e trabalhou na Noruega, de 1933 at
1934, na Sucia de 1934 a 1939, quando passou a viver nos Estados Unidos at
sua morte em 1957. Reich desenvolveu, no decorrer de seu percurso cientfico, trs
fases com tcnicas teraputicas especficas em cada fase: a anlise do carter
(1923-1934), a vegetoterapia caractero-analtica (1934-1939) e a orgonoterapia
(1939-1957). (BEDANI, 2002).
Lowen (1982) conheceu, entusiasmou-se e se tratou com Reich de 1942 a
1945, enquanto este ainda praticava a vegetoterapia caractero-analtica, embora j
estivesse envolvido com as pesquisas da energia orgone2. Lowen, estimulado por
2 Energia orgone "Energia csmica primordial, presente universalmente na matria viva bem como na inanimada. Reich chamou energia orgone porque sua descoberta resultou da aplicao consistente da frmula do orgasmo (tenso carga) e tambm porque a energia possua efeitos sobre o organismo." (BOADELLA, 1985, p. 154)
5
seu trabalho como psicoterapeuta reichiano, foi estudar medicina na Sua entre
1947 e 1951. Em 1952, fez sua residncia em medicina e em 1953 voltou a procurar
Reich. Nessa poca Reich tinha mudado sua forma de trabalhar. Reich havia se
voltado para o estudo da energia orgone e os tratamentos baseavam-se em
princpios energticos descobertos por ele, deixando a anlise e os traos de carter
em segundo plano. Lowen (1982) no conseguiu se identificar com essa nova
abordagem.
Quando Lowen concluiu sua residncia mdica e solicitou ao New York State
Board of Medical Examiners autorizao para se submeter ao exame para conseguir
permisso para praticar medicina, foi informado que havia uma investigao para
verificar se ele era moralmente qualificado para exercer medicina. O problema se
relacionava sua associao com Reich. Lowen sentiu que continuar ligado a Reich
poderia prejudicar sua carreira e mesmo significar um impedimento para a obteno
da licena para praticar medicina (LOWEN, 2004).
Alm disso, ele no compartilhava da crena de Reich nos benefcios dos
acumuladores de orgone. Segundo ele "em algumas situaes esse engenho se
mostrou til, mas no tinha nenhum efeito sobre os problemas da personalidade"
(LOWEN, 1982, p.30).
Em suma, trs fatores influenciaram a deciso de Lowen de seguir seu
caminho: a necessidade de aprofundar o aspecto analtico da psicoterapia reichiana,
o comprometimento de Reich com as instituies legais dos Estados Unidos e a
descrena no valor teraputico dos acumuladores.
Entre 1953 e 1956, Lowen compartilhava o consultrio de Pierrakos.
Reuniam-se para discutir seus casos clnicos, criaram seminrios clnicos nos quais
transmitiam a outros terapeutas os conceitos do trabalho com o corpo e a anlise do
carter. Ambos tinham temperamentos que se complementavam. Lowen era mais
intelectual, com facilidade de expresso verbal e escrita. Pierrakos era mais
conectado com o aspecto fsico, embora tivesse muito desenvolvida a percepo de
campos energticos e pudesse ver a aura das pessoas (LOWEN, 2004).
Em 1956, fundaram o Instituto de Anlise Bioenergtica em Nova York.
Trabalharam juntos dando palestras, workshops nos Estados Unidos e Europa,
desenvolvendo tcnicas e ampliando a teoria reichiana da Anlise do Carter. A
parceria se desfez em 1972. Pierrakos fundou sua prpria escola (Core Energetics)
com sua esposa Eva, que inclua uma abordagem espiritual na psicoterapia. Lowen
6
(2004) no concordava com a orientao espiritual de Pierrakos e Eva que, segundo
ele, afetava a psicoterapia com posturas msticas.
O Instituto Internacional de Anlise Bioenergtica funcionou em Nova York at
2002, quando a sede foi transferida para Zurich, Sua, como conseqncia da sada
de Lowen da presidncia do Instituto em 1996 e da reformulao que se seguiu.
A Anlise Bioenergtica deu origem aos grupos de exerccios, criados por
Leslie Lowen, esposa de Alexander Lowen. Os clientes e alunos de Lowen reuniam-
se, sob a conduo de Leslie Lowen, para praticar e experimentar trabalhos
corporais. O prprio Lowen participava dos grupos. Assim foram desenvolvidas
muitas das tcnicas bioenergticas. Os grupos de exerccios so verdadeiros
laboratrios. Inmeras abordagens criativas, bem como a compreenso do processo
energtico de diferentes pessoas fazendo a mesma tcnica, so fruto dos grupos de
exerccios.
Em So Paulo, Maria Ercilia Rielli Gama e Ricardo Rego organizaram os
conhecimentos bsicos sobre esses grupos (GAMA & REGO, 1996).
No Brasil, a Anlise Bioenergtica chegou na dcada de 1980 quando grupos
para formao de terapeutas foram organizados por Liane Zink e Myrian Campos.
Hoje existem duas instituies que oferecem treinamento em Anlise Bioenergtica
na cidade de So Paulo e outras em Ribeiro Preto, Americana, bem como Braslia,
Rio de Janeiro, Vitria, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Joo Pessoa e Natal. O
movimento cresceu, sobretudo depois que Alexander Lowen esteve no Brasil em
1989 para uma srie de palestras e workshops.
1.2 Desenvolvimento da tcnica e pressupostos tericos
No incio, Lowen (1982) e Pierrakos exploravam em si prprios, trabalhando
um com o outro, tcnicas corporais que ajudassem a melhorar a respirao e liberar
as tenses e emoes que bloqueavam o livre fluxo da energia no organismo.
Buscando novas maneiras de obter esses resultados teraputicos, experimentaram
trabalhar o corpo na posio vertical e no com o paciente deitado, como Reich.
Assim desenvolveram a tcnica do grounding, descobriram como induzir as
vibraes no corpo e comearam a usar o banquinho para ajudar a abrir a
respirao. No captulo 7 ser desenvolvido o conceito de grounding. Por enquanto,
basta esclarecer que Lowen englobou no conceito de grounding a noo que as
7
pernas originam no apenas sensaes fsicas, mas tambm sentimentos. Pernas
firmes, com energia e bem plantadas no cho implicam uma percepo de si mesmo
e da realidade externa que resulta no sentimento de segurana. (LOWEN, 1982)
Nota-se que Lowen (1982) parte de uma prtica, para depois desenvolver a
teoria. Para ele, a experincia corporal antecede a elaborao dos conceitos
tericos, permanecendo como base de sustentao e campo de observao para o
desenvolvimento terico. Esta tem sido sua marca ao longo de toda a vida. Segundo
ele, o terapeuta no pode pedir aos clientes que faam algo que ele mesmo no
esteja preparado para fazer com seu corpo. Com base nesta postura, a exposio
dos conceitos que fundamentam este trabalho adotar o mesmo mtodo.
A Anlise Bioenergtica foi desenvolvida e obteve bons resultados,
primeiramente, como um mtodo para tratamento dos sintomas neurticos
(depresso-ansiedade) e para pessoas com problemas sexuais e de
relacionamentos. O acesso experincia corporal, porque consegue atingir
contedos pr-verbais, revelou-se tambm de grande valia no tratamento de
personalidades com disfunes pr-genitais (como organizaes borderline e
estruturas narcsicas) e tambm nas doenas psicossomticas (OELMAN, 1988;
WEIGAND, 1998, 1999; VENTLING, 2002; GUDAT, 2002).
O terapeuta possui uma segunda linguagem, com o uso da psicoterapia
corporal, com a qual pode se comunicar com o cliente. Esta segunda linguagem
possibilita reviver as relaes primrias do cliente e alcanar mais facilmente um
nvel mais profundo de experincia do que aquele obtido com a abordagem
puramente verbal.
A Anlise Bioenergtica se baseia na proposta de identidade funcional corpo-
mente. Afirma que ns somos os nossos corpos e tambm nossos pensamentos,
emoes, sensaes e aes. Dando seqncia proposta de Reich (1975), de
uma psicoterapia que lida com as bases biolgicas da neurose, a Anlise
Bioenergtica centra-se nos processos biolgicos envolvidos na sade e na energia
que alimenta esses processos. Lowen (1977) combinou os princpios fundamentais
da psicanlise com o trabalho direto no organismo visto do ponto de vista do seu
desenvolvimento energtico, emocional e relacional.
Sendo o indivduo uma unidade psicossomtica, o que afeta a mente afeta o
corpo e o que afeta o corpo afeta a mente. As defesas psicolgicas usadas para
lidar com a dor e o estresse, tais como racionalizaes, negao e supresses
8
tambm esto ancoradas no corpo e aparecem como padres corporais
cronicamente rgidos. Esses padres, juntamente com as representaes mentais,
crenas e valores que os sustentam, constituem a estrutura de carter, que
influencia a auto-percepo fsica, a auto-estima, a auto-imagem e o intercmbio
com o ambiente.
Esses padres tornam-se inconscientes e passam a fazer parte da prpria
identidade da pessoa, impedindo que ela consiga se modificar, mesmo que entenda
a natureza do problema. A Anlise Bioenergtica utiliza a leitura corporal para a
observao da energia, intensidade, fluxo ou bloqueios (vitalidade), capacidade de
conter energia (autocontrole), centramento (auto-conhecimento), grounding que o
contato com a realidade interna, emocional, e com a realidade externa, o mundo.
O objetivo da psicoterapia uma pessoa cheia de vida, capaz de vivenciar e
expressar, adequadamente, prazeres e dores, alegrias e tristezas, raiva, amor e
sexualidade. O prazer de estar plenamente vivo fundamenta-se no estado vibratrio
do sistema, sendo percebido na expanso/contrao pulstil do organismo, inclusive
no sistema vegetativo respiratrio, circulatrio e digestivo. A atitude vibratria
responsvel por aes espontneas, liberao emocional e funcionamento interno
harmnico.
Difere de outras formas de psicoterapia psicodinmica em razo do
componente somtico de sua abordagem terica, e do envolvimento ativo do corpo
nas intervenes teraputicas, alm de incorporar a compreenso da psicanlise,
inclusive as dinmicas de transferncia e contratransferncia, e a importncia do
relacionamento no processo psicoteraputico.
Resumindo, a Anlise Bioenergtica uma tcnica para:
1. Entender a personalidade em termos do corpo;
2. Melhorar as funes da mente aumentando a energia corporal;
3. Aumentar a capacidade de um indivduo para experimentar prazer liberando
as atitudes crnicas estruturadas no corpo.
Trabalhando com o corpo, a Anlise Bioenergtica adota dois princpios
reichianos bsicos:
9
1. Limitaes de movimento freqentemente so resultado de dificuldades
emocionais. Elas surgem como resultado de um conflito histrico, antigo, no
resolvido, mas a persistncia da tenso no presente que cria dificuldades
emocionais atuais que colidem com a realidade do adulto.
2. Restries da respirao natural so associadas com ansiedade. A
ansiedade, vivida em situaes de infncia, perturba a respirao natural
atual.
Os exerccios de Anlise Bioenergtica realizados individualmente ou em
grupo possibilitam tanto o trabalho de dissolver tenses que constituem couraas,
quanto podem ser utilizados com finalidade construtiva e re-educacional. Podem ser
teis em vrias aplicaes, alm da clnica: como coadjuvante na psicoterapia; na
reduo do estresse; no lazer; como facilitadores da aprendizagem em grupos de
treinamento profissional; no trabalho com populao carente; na preveno e
acompanhamento de doenas psicossomticas; na psicopedagogia, no
aconselhamento, no treinamento e desenvolvimento de recursos humanos, em
fonoaudiologia, fisioterapia, psicologia hospitalar e aulas de educao fsica
(WEIGAND, 1999).
10
2. A evoluo da teoria
A evoluo da teoria, o desenrolar da histria do Instituto Internacional de
Anlise Bioenergtica (IIBA) e a trajetria de seu fundador, Alexander Lowen, esto
intimamente entrelaadas. O conceito de grounding, discutido neste trabalho,
tambm evoluiu, sendo influenciado por essa histria.
Dentre os seguidores de Wilhelm Reich, talvez o que teve maior projeo e
influenciou o maior nmero de escolas corporalistas foi Alexander Lowen. A Anlise
Bioenergtica uma escola viva, em desenvolvimento, com seu criador ainda
atuante, que adquiriu autonomia e segue rumos diversificados, tornando-se capaz
de assimilar e traduzir para a linguagem da psicoterapia corporal os postulados de
outras escolas no corporalistas.
Reconhecendo o valor explicativo da psicanlise, o valor pragmtico das
linhas cognitivas, o valor scio-cultural das abordagens sistmicas, as descobertas
das neurocincias, a importncia das formulaes tericas de Winnicott e da teoria
do apego desenvolvida por Bowlby e Ainsworth, a Anlise Bioenergtica atual vem
se reformulando e ampliando, adquirindo as caractersticas de uma psicoterapia
relacional, para continuar desempenhando o papel de produtora de teorias e
tcnicas adaptadas ao tempo e cultura. Busca conservar-se fiel, ao mesmo tempo,
sua origem reichiana com enfoque nos processos energticos, na observao e
anlise da forma alinhada com o contedo, na compreenso da personalidade em
termos de traos de carter.
Esse movimento de expanso e assimilao vem se desenvolvendo com as
escolas de Anlise Bioenergtica na Europa, Amrica do Norte e Amrica do Sul,
gerando uma interessante diversidade de vises e competncias.
O corpo terico que nas dcadas de 1950 a 1980 baseou-se primariamente
nas observaes e nos escritos de Lowen, na segunda metade da dcada de 1980
comea a andar com pernas prprias3, crescendo sobretudo na costa oeste dos
Estados Unidos, no Canad, na Europa e no Brasil. A produo terica apareceu
mais em artigos, conferncias, nos manuais das Pacific Northwest Conference e no
Clinical Journal of the International Institute for Bioenergetic Analysis, enquanto os
livros so ainda poucos, mas existem. Johnson (1987 e 1994) fez uma reviso
3 Andar com pernas prprias no sentido da Anlise Bioenergtica: adquirir autonomia.
11
terica e sua prpria sntese da Bioenergtica e outras teorias psicolgicas; Conger
(1993) escreveu sobre o corpo e a sombra; Robbins (1996) evidenciou os aspectos
positivos dos carteres; Hoffmann e Gudat (1997) descreveram exerccios
adequados para cada tipo de carter; Michel (1997) aprofundou o estudo da leitura
corporal e da anatomia para alunos da Anlise Bioenergtica; Robert Hilton (2001)
escreveu sobre o relacionamento teraputico e Virginia W. Hilton (2001)
desenvolveu o tema da transferncia sexual na psicoterapia da Anlise
Bioenergtica.
Alexander Lowen e a Anlise Bioenergtica tm sido como que indissociveis
na mente de terapeutas, clientes e leitores de seus livros. Justificadamente, porque
Alexander Lowen mantinha-se frente do Instituto Internacional de Anlise
Bioenergtica, conduzindo os rumos da teoria e da tcnica, ensinando e treinando
pessoalmente alunos e professores. Em 1996, porm, Alexander Lowen se retirou
da direo do Instituto Internacional e a Anlise Bioenergtica continua seu caminho,
no sem ele, porque est vivo e continua praticando a psicoterapia. Porm j no
est mais testa da instituio, delineando caminhos para a teoria e a prtica da
psicoterapia, nem tentando definir e discriminar o que Anlise Bioenergtica, e o
que no .
Em Maio de 2002, faleceu Leslie Lowen, companheira e criadora dos grupos
de exerccios de bioenergtica que se transformaram numa das vertentes do
trabalho, como um elemento facilitador de mudanas.
A retirada do Dr. Lowen em 1996 foi um fato histrico. A Anlise
Bioenergtica passou por um momento de transio, um Middle Ground como diz
Keleman (1994). Com a sada de Lowen da direo da instituio, depois de 40
anos, quem foi escolhido pelos membros do Instituto para suced-lo na direo do
instituto? Uma mulher, que mora na Califrnia, e se chama Virgnia Wink Hilton.
Como dizia Reich (1995), as coisas acontecem num movimento de tese e anttese
para chegar a uma sntese. O Instituto Internacional de Anlise Bioenergtica
passou pelo movimento da anttese e espera-se que seus dirigentes saibam evitar
os extremos. No entanto, significativo que depois de seguir uma figura que
representava autoridade paterna por tantos anos, os analistas bioenergticos, em
seguida, tenham buscado uma liderana com caractersticas maternais. Seguiu-se
um dirigente tambm da Califrnia, William White. Em outubro de 2002, foi decidida
a mudana de sede do Instituto para Zurich, Sua, uma vez que o diretor eleito ali
12
morava e trabalhava. A instituio tomou uma face democrtica e abriu-se, numa
busca da interdisciplinaridade. Na prtica isto se manifesta no contedo do novo
currculo que foi elaborado por diferentes grupos de trabalho entre 2000 e 2003. A
produo do currculo contou com a participao de representantes de diversos
pases. Na Amrica do Sul eu fui a representante, tendo participado das discusses
e acompanhado a evoluo do pensamento terico que passou a orientar o ensino.
Sem perder o foco principal nos princpios reichianos (REICH, 1975, 1995) e
na elaborao dos mesmos feita por Lowen, o currculo abrange assuntos variados,
de forma a permitir que cada curso de formao se debruce com mais nfase sobre
tpicos que so mais significativos para sua equipe didtica. A mim parece que o
paradigma da diversidade, manifesto por meio do currculo, um bom exemplo de
como a subjetividade de cada terapeuta pode se expressar na Anlise
Bioenergtica.
Lowen tem sido uma personalidade forte e autoritria e essa marca se
imprimiu em sua instituio, conduzida sob a gide patriarcal. Ele, porm,
desenvolveu a qualidade rara, prpria de quem adquiriu sabedoria, de se olhar luz
de seus prprios conhecimentos. Foi capaz de ver a estrutura hierrquica narcsica
que usualmente se forma em qualquer instituio, sobretudo quando existe um lder
carismtico.
curioso como a histria tende a se repetir, mas com um bom grounding
possvel chegar a um final diferente. O prprio Lowen em entrevista a Ron Robbins
(1990) conta uma passagem de sua relao com Reich e a estrutura hierrquica que
se formara em torno de Reich. Foi quando Lowen voltou da Sua, tendo terminado
o curso de medicina, e queria comear a praticar nos Estados Unidos. O ano era
1951. Neste depoimento a Robbins (1996), Lowen diz que Reich estava no topo da
estrutura de seu grupo de seguidores, como um Deus. Os terapeutas reichianos,
naquela estrutura, eram como anjos e arcanjos. Aqueles que acreditavam em Reich
e na psicoterapia seriam salvos e o resto do mundo seria amaldioado. Pelo menos
era assim que Lowen os via. Os seguidores de Reich tinham desenvolvido uma
devoo quase fantica por ele e seu trabalho. Qualquer questionamento s
declaraes de Reich ou qualquer modificao de seus conceitos era considerado
presunoso e hertico. Lowen via seus colegas como muito dogmticos. Eles
simplesmente citavam declaraes de Reich, ningum oferecia qualquer
13
compreenso independente e quando eu o fiz, foi rejeitada. (ROBBINS, 1996, pp.
263-264)
Mais de trinta anos depois, Lowen se encontrou numa posio semelhante
ocupada por Reich. Ele tambm foi muito citado e alguns seguidores tiveram
tendncia a dogmatizar alguns conceitos. Teorias so boas enquanto no se tornam
doutrinas.
Ele criou teorias e abordagens inovadoras para trabalhar o corpo, ensinou e
formou centenas de terapeutas que trabalham na Europa, Estados Unidos, Canad,
Amrica do Sul, Israel. Sua escola, como entidade formadora de profissionais, tem
mais de 45 anos. Teve contato e exerceu influncia em muitos terapeutas que se
tornaram por sua vez criadores de outras escolas.
Lowen um autor muito lido entre os terapeutas corporais, seja para
concordar ou para discordar dele.
John Pierrakos, que desenvolveu com Lowen os princpios bsicos da Anlise
Bioenergtica, depois seguiu seu prprio caminho pesquisando os campos
energticos humanos e os centros energticos no corpo. Pierrakos (1994) criou sua
escola em Nova York - Core Energetics, em que combinou os princpios da
bioenergtica, da anlise do carter, o trabalho com a negatividade e a abordagem
espiritual (Pathwork) que ele assimilou de sua esposa, Eva Pierrakos (2000).
Boadella (1985, 1992) estudou a teoria reichiana com Ola Raknes (1971),
terapeuta noruegus que trabalhou com Reich e criou a tcnica da vegetoterapia
caracteroanaltica. Boadella assimilou de Alexander Lowen os princpios bsico da
Anlise Bioenergtica, entre eles, o grounding. Posteriormente ampliou os conceitos
da psicoterapia corporal explorando a influncia da fase pr-natal na formao da
personalidade, desenvolveu o conceito do grounding interno e outras contribuies.
Criou a escola de Biossntese, na Inglaterra, e posteriormente transferiu-se para
Zurich, Sua. Atualmente vive e trabalha em Heiden, Sua.
Keleman (1992), atuando na Califrnia, apreendeu os conceitos da
bioenergtica e desenvolveu sua contribuio s psicoterapias corporais explorando
a anatomia do organismo vivo. Criou a escola de Educao Somtica.
Kelley (1979a, 1979b), tambm da Califrnia, estudou com Reich e assimilou
a teoria de Lowen, tendo desenvolvido uma forma de psicoterapia que enfatiza o
trabalho com os olhos; fundou o Instituto Radix.
14
Kurtz e Prestera (1989), de Boulder, Colorado, contribuiram para as
psicoterapias corporais com sua obra sobre leitura corporal, tendo tambm recebido
influncias de Lowen. Criaram um mtodo chamado Hakomi Therapy.
Navarro (1996), que trabalhou na Itlia e no Brasil, criou sua prpria escola de
psicoterapia chamada Vegetoterapia Caractero-analtica. Teve contato com a teoria
de Lowen e desenvolveu uma postura crtica Anlise Bioenergtica. Navarro, no
seu esforo para diferenciar sua forma de compreender o processo da psicoterapia,
faz afirmaes sobre a Anlise Bioenergtica que me parecem no mnimo
surpreendentes partindo de um terapeuta reichiano com larga experincia e amplo
conhecimento terico. Navarro (idem, p.11) afirma que a Anlise Bioenergtica de
Lowen ... se diz inspirada em Reich, mas que Lowen no leva em considerao os
sete nveis corporais indicados por Reich, que no se preocupa com a maturao
caracterial, no destaca a importncia da funo do orgasmo e no privilegia a
percepo do corpo.
Navarro (1996) faz estas crticas que no esto devidamente fundamentadas,
pois apenas cita suas opinies e faz comparaes, no prefcio, sem desenvolver
uma argumentao convincente.
2.1 O Caminho de Lowen
Quero lembrar um pouco mais da histria pessoal de Lowen, para ajudar a
entender o seu caminho e a evoluo da Anlise Bioenergtica ao longo destes 50
anos.
Conforme o descreve Robbins (1996), Lowen um Realizador, que uma das caractersticas dos carteres rgidos.
Formou-se em Direito, mas era a poca da depresso econmica nos
Estados Unidos - 1934, no havia trabalho; ele continuou os estudos e recebeu o
ttulo de doutor em jurisprudncia, magna cum laude.
Em 1938, sentia-se deprimido e vazio: Percebi que meu sentimento de
depresso estava relacionado com falta de excitao no meu corpo devido falta de
atividade fsica (LOWEN, 2004, p.30). Comeou a exercitar-se por 30 minutos
diariamente. Os exerccios produziram o resultado de afastar a depresso e fizeram-
no comear a se perguntar como poderia ganhar a vida por meio do corpo.
15
Como era difcil arrumar trabalho, ele trabalhou como orientador de atletismo
num acampamento de vero para adolescentes. Ele j acreditava, por sentir em seu
prprio organismo, que a atividade fsica melhorava a sade mental. Fascinado
porque havia constatado o fato, mas lhe faltava uma teoria, continuou buscando
saber mais at que assistiu uma palestra de Wilhelm Reich em 1940, um ano depois
da chegada de Reich aos Estados Unidos. Segundo Robbins (idem) freqentando as
aulas de Reich, Lowen identificou-se com ele, tornando-se seu aluno com o objetivo
de tornar-se terapeuta reichiano. Identificou-se fortemente com o Reich carismtico.
Um exemplo curioso do manejo da transferncia por Reich, que valorizou o aspecto
positivo do trao de carter de Lowen, relatado pelo prprio Lowen (1982, p.16).
Um dia Reich lhe disse se voc est realmente interessado nesse trabalho, s h
uma forma, submetendo-se terapia. Lowen no achava que precisasse de
psicoterapia, considerava-se bem sucedido dentro dos limites da poca e livre de
conflitos. Ele foi sincero com Reich: Eu estou interessado, mas o que eu quero
tornar-me famoso. Reich levou a srio e respondeu: Eu farei voc famoso. Isto
pode soar grandioso? Narcisista? Mas Lowen continua: Passados os anos eu
considerei a declarao de Reich como uma profecia. Era o empurro de que eu
precisava para transpor minha resistncia e lanar-me ao trabalho de minha vida.
2.2 Desmitificar
Por ter sido bem sucedido, admirado, seguido e imitado, Lowen tambm foi
transformado num mito. Dentre todos os livros de Lowen4, eu gostaria de destacar o
livro Narcisismo - Negao do Verdadeiro Self (1993), por consider-lo o mais auto-
biogrfico. Ali o autor aprofundou-se em si, exps uma dinmica muito til para
compreendermos muita coisa da neurose que permeia nossa cultura. E exatamente
por estar to em contato com a verdade, ele tambm no ficou imune ao mal que por
vezes acomete quem descobre uma parcela da verdade: generalizar. Estas
generalizaes criaram algumas confuses tericas, com reflexos na prtica. Muitos
terapeutas menos avisados por vezes praticam a bioenergtica usando intervenes
corporais que geram uma carga energtica excessivamente alta e por vezes
inadequada para o momento teraputico ou para a estrutura de personalidade de
4 O corpo em terapia. O corpo trado. Bioenergtica. O corpo em depresso. Medo da vida. Prazer. Amor, sexo e seu corao. A espiritualidade do corpo. Alegria.
16
alguns pacientes. Outros terapeutas se deram conta de que por vezes se criava uma
falta de sintonia com o paciente, e se afastaram. Outros ainda permaneceram e
desenvolveram seu trabalho dentro da linha da Anlise Bioenergtica, buscando
descobrir aquilo que ela tem de realmente til para aquele cliente ou grupo
especfico, e integrar a compreenso da personalidade, mais as tcnicas
bioenergticas, com os conhecimentos advindos de outras correntes da psicologia.
Eu me incluo neste grupo.
2.3 A transio
A transio na liderana do Instituto Internacional de Anlise Bioenergtica se
deu quando, aps vrios anos de preparao, Lowen decidiu se aposentar. Isso nos
possibilita examinar sua obra com um certo distanciamento. Fica livre o caminho
tambm para a abertura para outras reas do conhecimento, para o surgimento de
formas novas e criativas de utilizarmos suas descobertas. Assim como Freud, Reich
e outros tericos inovadores, Lowen foi um produto de seu tempo.
Muitos estudantes de Lowen aprenderam com ele, engoliram suas idias, e
depois seguiram seu prprio caminho, de acordo com Steinman (2002). Cabe aos
seus continuadores, ou seja, ns que utilizamos seus ensinamentos e verificamos
seus efeitos em ns mesmos, em nossos clientes e alunos, conservar aquilo que ele
nos ensinou, transmitir aos outros e tambm analisar criticamente sua obra, discutir
e atualizar a teoria adaptando-a frente s descobertas atuais da psicologia do
desenvolvimento, da psicologia social, do tratamento de traumas e das
neurocincias, acolher e integrar idias diferentes, bem como aquelas provenientes
de variadas razes culturais.
Como diz Kuhn (2001), na pesquisa cientfica normal, cuja caracterstica
desenvolver-se cumulativamente, no se trata de abandonar os conhecimentos do
antigo paradigma, mas de estender nosso campo de estudo.
17
3. O paradigma pulsional e o paradigma objetal
3.1 Paradigma pulsional
A pulso na teoria freudiana da poca em que Freud escreveu o Ego e o Id
(1924:1976) visa o prazer, segundo a noo dos processos primrios. O prazer
alcanado quando se descarregam as tenses geradas por excitaes internas.
Para evitar o desprazer, o indivduo se afasta de situaes que possam causar
desprazer (acmulo de tenses sem possibilidade de descarga).
A fonte da pulso est na excitao somtica e a meta consiste na reduo
da tenso atravs da descarga somtica. Para Freud a pulso um processo
dinmico consistindo em um impulso que tem sua fonte numa excitao corporal
localizada. Esse impulso mobiliza o aparelho psquico, assim como a motricidade, o
que gera um comportamento cujo objetivo a descarga da tenso existente no
corpo, conforme o princpio de constncia. Esta descarga obtida com a ajuda de
um objeto (BRABANT, 1977).
A noo de pulso abordada por Freud como um conceito-limite, uma
juno entre o psquico e o somtico. Segundo Brabant (1977, p.27), a fonte da
tenso e a meta (descarga-prazer) so somticas, mas "a procura do objeto apto a
reduzir esta tenso implica uma participao necessria da atividade psquica". A
noo de pulso nesse sentido de juno psico-soma foi incorporada como um dos
pilares da psicoterapia reichiana e, na seqncia, da Anlise Bioenergtica.
Reich, em seu perodo inicial como psicanalista, adotava as idias de Freud
quanto a inconsciente, sexualidade, trauma infantil, libido, instintos de auto-
preservao e preservao da espcie. A partir de 1928, acrescentou que os
contedos da anlise deveriam ser abordados segundo uma ordem e no conforme
o cliente os trazia (REICH, 1995). Sua proposta de anlise das defesas de carter,
de comear o trabalho analtico a partir das camadas perifricas, sua perspiccia em
desvendar o papel da transferncia negativa no incio da anlise foram integradas ao
corpo terico da psicanlise e se mantm atuais at hoje.
De acordo com Wagner (1996), Reich apoiou-se na teoria psicanaltica e, sem
discordar dos princpios bsicos dessa teoria, criou uma vertente prpria,
desenvolvendo, aprofundando e radicalizando os princpios econmico-libidinais.
18
Reich separou-se do movimento psicanaltico, mas nunca deixou de ser um
psicanalista. Mesmo quando na fase orgonmica deixou de praticar anlise para
trabalhar diretamente com a energia DOR5 estagnada e com as biopatias, seu
pensamento era coerente com a viso econmica-libidinal, com a proposta inicial de
Freud de buscar as razes biolgicas dos males do indivduo.
Reich numa entrevista Higgins e Raphael (1972, p.119) em 1952, pouco
antes do fim de sua vida, diz:
"Sabe quem tem mantido a teoria da libido viva e em funcionamento
atualmente? E quem a desenvolveu? Considero-me o nico que fez isso. Mais
ningum... Mas h uma coisa que devemos esclarecer aqui. Foi tambm um
ponto de freqentes discusses com Freud. Refiro-me relao entre
quantitativo e qualitativo. Para ele, foi uma de suas maiores descobertas que a
idia no possui uma atividade prpria, a atividade depende de uma certa
catexis energtica, isto , a idia tem uma quantidade de energia ligada a ela.
Com este conceito, ele reuniu os aspectos quantitativo e qualitativo. Ele fez a
mesma coisa quando disse que a neurose tinha um ncleo somtico. Mas o
aspecto quantitativo, o ngulo da energia, era apenas um conceito. No era
uma realidade. Agora, enquanto a organizao psicanaltica desenvolveu o
ngulo qualitativo, isto as idias, sua interconexo, etc, eu enfoquei o ngulo
da energia. Eu precisava me ater teoria da libido, no apenas porque ela
correta, mas porque eu precisava dela como um instrumento. Ela conduzia ao
domnio do fisiolgico. Isto significa que aquilo que Freud chamou libido no
era uma qumica, mas um movimento do protoplasma."
Lowen (1977) assimilou as posturas de Reich quanto s pulses, energia
libidinal, fluxo energtico, dando primazia ao trabalho com os bloqueios contra a
sexualidade. Seus esforos foram na direo de complementar o estudo dos
carteres, a fim de melhor compreender a forma e o funcionamento das defesas,
tanto no corpo como na dinmica psquica.
Curiosamente, como observa Rego (2002), Reich identificou-se com a parte
inicial do trabalho de Freud e, desligando-se deste, levou adiante a busca das razes
da neurose no campo biofsico (busca que foi abandonada por Freud). Por sua vez,
5 Energia DOR (Dead Orgone Energy): Denominao dada por Reich energia estagnada no organismo, na atmosfera e no meio ambiente, podendo ser a causa de doenas nas pessoas ou de deteriorao no eco-sistema.
19
Lowen e outros neo-reichianos assimilaram as primeiras idias de Reich, at o ponto
em que ele se voltou para a teoria do orgone csmico. Como salienta Rego (2002),
Lowen, Boadella, Pierrakos, Kelley no seguiram os passos de Reich na pesquisa
orgone, orientando-se para uma prtica clnica baseada na anlise do carter e na
vegetoterapia.
3.2 Paradigma objetal
Segundo Mezan (1996), desde 1930 surge no seio do movimento
psicanaltico a recusa de considerar a pulso como elemento central fundante do
self. Fonagy (1999, p.600) escreve que a primazia da sexualidade nas explicaes
da psicopatologia foi considerada um erro conceitual por muitos psicanalistas,
dentre eles Melanie Klein. Melanie Klein significou uma passagem entre a
psicanlise e os tericos da Escola Britnica, na qual esto includos Winnicott e
Bowlby. Fairbairn, da Sociedade Britnica de Psicanlise, foi um dos primeiros a
propor que "a libido uma energia que busca objetos e no o prazer, como
postulava Freud" (ZIMERMAN, 2001 p.138).
Segundo Zimerman (idem), a partir da dcada de 1940, cresceram nos
Estados Unidos as escolas psicanalticas que seguiam a linha kleiniana, adotando
os pressupostos da Teoria das Relaes Objetais, voltadas para a pesquisa do
tratamento da problemtica pr-genital. Hartmann, Kohut e Kernberg foram
expoentes dessas escolas que tomaram o nome de Psicologia do Ego e Psicologia
do Self. Na Europa, Bowlby desenvolve a Teoria do Apego e Winnicott divulga seu
trabalho com crianas e adultos. As pesquisas voltadas para o comportamento de
famlias e crianas saudveis comearam a ser amplamente divulgadas a partir da
dcada de 1970, com o trabalho principalmente de Mahler (1993) que contribuiu
para o estudo da sade - aquilo que contribui, numa criana normal, para a
constituio de um ego saudvel. Todos estes tericos se voltam para o estudo do
desenvolvimento, deslocando a questo da sexualidade do centro da organizao
psquica, em favor de uma perspectiva de amadurecimento, da qual a sexualidade
faz parte. Propagou-se o conceito de Desenvolvimento Interrompido, ou seja, diante
de uma situao traumtica ou da falta da experincia que constitui o Ego na fase
adequada, ficaria como um buraco na personalidade, onde faltou a experincia
essencial. Esse buraco vai constituir a ferida narcsica.
20
Dentro da psicanlise ps-freudiana passam a ser considerados dois
paradigmas bsicos: o pulsional e o objetal. A diferena entre eles consiste na
maneira de conceber a natureza do objeto e a funo do objeto6.
Mezan (1996, p.352) entende que
no paradigma pulsional..., o objeto essencialmente o objeto da pulso,
enquanto no segundo, a bem dizer, o beb no incio um objeto do seu objeto
(a me). Assim o constituinte fundamental do psiquismo uma [relao]
fantasiada e interiorizada, e no uma tenso cega que busca eliminar-se sobre
o que quer que se preste a absorv-la."
Segundo a teoria do amadurecimento de Winnicott (1990b), a motivao
principal do ser humano, aquilo que mantm a vida e distingue o que humano a
necessidade de estar em relao. A teoria das pulses por outro lado prope que o
movimento da vida se direciona para a busca do prazer e a descarga da excitao
para conseguir o retorno a um estado de equilbrio psquico.
Daniel Stern (1992,1997), atualmente residindo na Sua, segundo Fonagy
(1999) o psicanalista que rene ambos os paradigmas (pulsional e objetal) dentro
da psicanlise.
A Anlise Bioenergtica j possui uma consistncia terica que suporta
revises, promovendo debates que favorecem seu fortalecimento. Assim como a
psicanlise pde rever seus modelos tornando-se mais abrangente e revitalizada,
chegou a vez da Anlise Bioenergtica fazer o mesmo. Assimilar o paradigma
objetal sua teoria bsica que se apoiou inicialmente no paradigma pulsional. A
fora de um modelo reside em sua flexibilidade e expansibilidade, segundo
Greenberg e Mitchell (1994). A existncia de um modelo forte leva gerao de
novas informaes, e o sucesso do modelo depende de sua capacidade de abarcar
em suas premissas fundamentais, explicaes de novos fenmenos (idem, p.31).
6 Relao Objetal, segundo Zimerman (2001, p.360) tanto designa as formas de como se configuram as inter-relaes do sujeito com seu mundo exterior, quanto de como os objetos se organizam e se relacionam no mundo interno.
21
4. Enraizamento no corpo: a base do self
Lowen (1993) v o grounding como uma funo constitutiva do self, um self
corporal. O carter e sua inscrio corporal-couraa so uma construo defensiva a
servio do ego, correspondendo ao falso self.
Dentre os autores da psicologia do desenvolvimento7 que tm sido utilizados
para construir a base terica da Anlise Bioenergtica, escolhi a viso de Donald W.
Winnicott (1990b), cuja linguagem a respeito do alojamento do self no corpo se
aproxima das idias de Lowen. tambm a teoria com a qual me sinto mais
confortvel para complementar a compreenso de Reich e dos neo-reichianos
quanto ao desenvolvimento da personalidade. Winnicott (idem) diz que a
localizao da psique no corpo acontece a partir da experincia pessoal, de
impulsos internos e sensaes cutneas, do erotismo muscular e dos instintos
envolvendo excitao da pessoa total e tambm de estmulos que provm do
ambiente, ou seja, os cuidados com o corpo e a satisfao de exigncias instintivas
por meio do holding e do manejo do beb. ...podemos dar uma nfase especial ao
exerccio fsico, especialmente quele realizado de forma espontnea (idem, p.
144).
H coincidncias entre Lowen (1993) e Winnicott (1990b), inclusive nos
termos utilizados por este ltimo como excitao e erotismo muscular. O self se
descobre naturalmente localizado no corpo, mas pode, em certas circunstncias,
dissociar-se do ltimo, ou este dele (WINNICOTT, 1994, p. 210). Lowen (1993)
adota os termos falso self e verdadeiro self, dando-lhes um sentido similar ao de
Winnicott e utiliza tambm o conceito de um falso self que se dissocia do corpo.
Winnicott (1994) considera essencial para a sade psquica a formao de um
self total, o qual implica uma diferenciao entre eu e no-eu numa crescente
integrao, at permitir uma imagem unificada de si mesmo e do mundo exterior.
Isso acontece a partir de um ambiente suficientemente bom que possibilite o
desenvolvimento das potencialidades de um self rudimentar que j existe desde o
7 A teoria psicanaltica ora buscada para explicar um fato verificado na prtica da Anlise Bioenergtica, ora serve de ponto de partida para criar tcnicas corporais para lidar com a dificuldade do cliente. Tendo como instrumento principal a palavra, ela explica muito bem a psicodinmica. Os terapeutas corporais muitas vezes deixam de enfatizar as palavras e as explicaes, priorizando o ver e o fazer. Nesta busca de integrao entre a compreenso psicanaltica e o fazer das linhas corporalistas, existe a possibilidade de um enriquecimento mtuo: corporalistas se apropriam de explicaes conceituais e passam a utilizar uma linguagem familiar s escolas psicanalticas e os psicanalistas que se interessem podero vir a se apropriar de uma compreenso mais especfica dos processos corporais.
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nascimento, embora de forma extremamente frgil. Nos casos em que falha a funo
materna de integrar as sensaes corporais do beb, os estmulos ambientais e o
despertar de suas capacidades motoras, a criana sente sua continuidade
existencial (ser) ameaada e procura substituir a proteo que lhe falta por outra,
fabricada por ela.
No trabalho A distoro do ego, em termos de falso e verdadeiro self (1990a)
Winnicott esclarece a relao entre o ego e o verdadeiro e o falso self. Nessa obra,
ele considera que o verdadeiro self seria o resultado da me ter aceitado os gestos
espontneos da criana. Nos casos em que a me no tem capacidade para
entender e satisfazer as necessidades do filho, ela coloca seu prprio gesto, assim
submetendo a criana a ela, o que comea a gerar um falso self.
A princpio, Winnicott considerou o falso self como uma formao presente
nos pacientes graves, provocada pelo fracasso do meio ambiente inicial em se
adaptar ativamente (1978b p. 382). Nos casos mais prximos da sade, o self falso
agiria como uma forma de defender e proteger o verdadeiro, que se mantm oculto,
enquanto nos casos mais graves, o falso self substitui o verdadeiro. Desse modo, a
viso que o sujeito tem de si e a viso que as pessoas que o rodeiam tm dele, na
verdade so uma viso de uma casca espessa que ele criou, segundo Zimerman
(2001).
Esta casca pode ser comparada couraa caracterolgica reichiana. Kelley
(1979/1980) explica a funo da constituio da couraa como um passo evolutivo
que garantiu a sobrevivncia da espcie. A couraa como sistema de defesas do
ego necessria, o problema quando se torna crnica e quando to intensa ao
ponto de limitar o movimento da vida tanto no sentido fsico quanto no sentido
psquico. O falso self, especialmente quando se encontra nos extremos mais
patolgicos da escala, acompanhado por uma sensao subjetiva de vazio, de
futilidade e de irrealidade. Como se constitui s expensas do ncleo autntico do
self, obriga este a renunciar s suas pulses (que constituem sua essncia) em favor
de uma adaptao bem-sucedida. Talvez o grau mais extremado de um falso self
seja o da figura impostora que apresenta aos outros uma personalidade totalmente
falsa.
Cotta (2003, p. 01) diz que quando se depara com clientes com este tipo de
patologia, so como casas vazias de onde o morador se evadiu. So corpos sem
23
alma, sem mente, sem psiqu. Em outros casos o corpo que no encontrado,
como se fosse uma pessoa sem-teto, sem uma morada onde se alojar.
Se existem muitos pontos de coincidncia, existe tambm uma certa
dissonncia entre a viso de Lowen (1993) e a seguinte afirmao de Winnicott
relativa ao perodo em que se inicia a formao do self :
No existe uma identidade inerente entre corpo e psique8. Da forma como
ns, observadores, o vemos, o corpo essencial para a psique, que depende
do funcionamento cerebral e que surge como uma organizao da elaborao
imaginativa do funcionamento corporal. Do ponto de vista do indivduo em
desenvolvimento, no entanto, o self e o corpo no so inerentemente
superpostos... Isto algo que vem a ser alcanado juntamente com a
capacidade para usar o pronome na primeira pessoa do singular. (1990b, p.
144)
Lowen (1993) diverge desta afirmao, de que no existe uma identidade
inerente entre corpo e psique, e diz que o beb nasce com um self que um
fenmeno biolgico, no psicolgico (1993, p. 36) que antecede a percepo de si,
a qual funo do ego. Segundo Lowen o ego no o mesmo que self, embora seja
parte da personalidade que percebe o self. Na realidade, o ego representa a
autoconscincia ou conscincia do self: Eu (ego) sinto (percebo) que o meu self est
colrico. Lowen acha que Descartes estava certo quando disse: [Eu penso, logo eu
existo] com nfase sobre o eu. Ele estaria errado se acreditasse que o pensamento
determinou o self. O contrrio verdadeiro (1993, p. 37).
Para Lowen (1993) a identidade do ser humano dual. Uma parte da
identidade deriva da identificao com o ego e sua capacidade de representar, e a
outra parte da identificao com o corpo e suas sensaes.
O pensamento de Damsio (2000) coincide com Lowen; ele fala de um proto-
self original e biolgico. Proto-self um conjunto interligado e temporariamente
coerente de padres neurais que mapeiam e representam, a cada momento, o
estado da estrutura fsica do organismo, em vrios nveis do crebro. No somos
conscientes do proto self (idem, p. 225). O proto-self de Damsio, no entanto, no
o mesmo que o senso de self completo e integrador da pessoa como um todo. O
8 Grifo meu.
24
proto-self o provvel precursor biolgico daquilo que finalmente se torna o elusivo
sentido do self (idem, p. 42).
A Anlise Bioenergtica considera que a vida no est baseada na vontade
(LOWEN, 1997). Esse pode ser um conceito tranqilizador, segundo Lowen, pois se
o inverso fosse verdade, a vida sofreria um colapso ao primeiro fracasso da vontade.
O ncleo do self, baseado na vivncia corprea, garante a estabilidade necessria
para que as mudanas possam acontecer. Esta funo paradoxal de manter uma
certa estabilidade, que garante a possibilidade de mudanas, foi chamada por
Damsio (2000, p. 188) de invarincia do organismo e impermanncia da
permanncia.
A identidade dual assenta-se na capacidade para formar uma imagem do self
por meio da nossa percepo consciente do self corporal. O self corpreo
projetado nos olhos da mente como uma imagem. Numa pessoa saudvel, as duas
identidades so congruentes. A imagem ajusta-se realidade do corpo. Quando
existe falta de congruncia entre a imagem do self e o self, ocorre ento um distrbio
de personalidade. A seriedade desse distrbio est em proporo direta ao grau de
incongruncia. A discrepncia extremamente marcada na esquizofrenia, onde a
imagem quase no tem relao alguma com a realidade. As instituies
psiquitricas abrigam muitas pessoas que se consideram Jesus Cristo, Napoleo ou
alguma outra figura clebre. (LOWEN, 1993, p. 39).
Nos distrbios narcisistas, a incongruncia entre imagem e self menor do
que na esquizofrenia, mas suficiente para produzir uma diviso na identidade, com a
resultante confuso. O narcisista evita a confuso, negando que sua identidade seja
baseada no corpo sem, entretanto, dissociar-se do corpo. O narcisista, segundo
Lowen (1993) concentra sua ateno numa imagem grandiosa de si, que
corresponde ao falso self, negando desta maneira a realidade do self corporal. Seu
investimento numa imagem tem funo de proteg-lo para que sentimentos fortes
no cheguem conscincia, sobretudo sentimentos de tristeza. Conseguem com
esse mecanismo tratar o prprio corpo como um objeto submetido ao controle da
vontade. No perdem no entanto, o senso de orientao como o esquizofrnico,
porque guardam a conscincia do corpo, ainda que seja um corpo coisificado. A
sada seria a entrega ao corpo, que est associada renuncia das iluses e volta
para o cho e a realidade.
25
Na falta de um senso de self enraizado na realidade corprea, o indivduo
teria dificuldade com a intimidade, sugere Lowen (1993). O sexo passaria a ser
usado como substituto do amor e da intimidade, j que a intimidade requer uma
exposio do self, sem mscaras e sem imagens projetadas. A proximidade fsica, o
abrao, a escurido, facilitam um sexo mecnico, enquanto os sentimentos so
despertados por parceiros imaginrios, nos quais a mente se concentra. Com sua
acuidade, Lowen observa que os narcisistas, sendo pessoas solitrias, so
afeioadas aos abraos, mas desconfio que fazem isto por ser menos ameaador do
que ver ou ser vistos. (1993, p. 117).
Lowen, ao afirmar que o self s pode ser vivenciado como uma sensao
(1993, p. 36), enfatiza o aspecto vitalidade e corpo, o que pode atrair crticas como,
por exemplo, que a Anlise Bioenergtica no se dedica suficientemente a questes
existenciais e fenomenolgicas, de acordo com Cipullo (2000).
Sumarizando, Winnicott (1994) considera que o self se constitui como uma
entidade psquica que vai enraizar-se no corpo (bem ou mal) em funo da
qualidade dos cuidados maternos recebidos pela criana. Lowen (1993) e Damsio
(2000) tm uma viso de um self biolgico que, embora inconsciente, existe desde o
nascimento. Boadella (1992) acrescenta que o self biolgico comea a existir na fase
intra-uterina, a partir da formao do embrio. O tero o grounding onde o embrio
se enraza. A conscincia deste self seria uma funo do ego, desenvolvida
posteriormente a partir do relacionamento me-beb. A Anlise Bioenergtica
postula que a imagem idealizada (falso self), a grandiosidade que vem
acompanhada do sentimento de ser especial so o corolrio da falta de um contato
adequado com a realidade do corpo e dos sentimentos, e com o cho fsico, ou seja,
falta de grounding.
26
5. Funo do orgasmo e potncia orgstica
Reich (1975, p. 94) define potncia orgstica como
...capacidade de abandonar-se, livre de quaisquer inibies, ao fluxo de
energia biolgica; a capacidade de descarregar completamente a excitao
sexual reprimida, por meio de involuntrias e agradveis convulses do corpo.
Para ele nenhum neurtico orgasticamente potente sendo que a maioria dos
homens e mulheres so neurticos e a potncia orgstica era um indicador de sade
mental.
O conceito de potncia orgstica como medida da sade fsica e mental
influenciou durante muitos anos o desenvolvimento da teoria e da prtica da Anlise
Bioenergtica. Em 1992 Lowen, declarou que abria mo oficialmente deste conceito
e colocou que o objetivo da psicoterapia bioenergtica era, para ele, auto-
percepo, auto expresso e auto possesso, ou seja, conhecer-se, expressar sua
verdade e ser dono de si mesmo. Coloca o ego saudvel como o objetivo principal
da psicoterapia, e a manifestao da sexualidade como uma das formas de
expresso desse ego saudvel.
Ao me perguntar se a Funo do Orgasmo ainda um modelo vlido de
crescimento, a resposta a que cheguei foi sim, na medida em que a frmula da
funo do orgasmo pode ser considerada como uma metfora da auto-regulao. A
funo do orgasmo, longe de ser um tema esgotado, abre possibilidades de
explorao de diferentes experincias orgsticas: onde quer que haja fuso,
expanso, sexualidade, amor, prazer, nutrio emocional, pode-se chamar de
experincia orgstica, ainda que no haja uma expresso por meio do contato
genital. Na minha opinio, pensando em Reich (1975, 1995), a sua descoberta da
funo do orgasmo como modelo da auto-regulao da prpria Vida, foi um acerto.
No entanto as inferncias quanto potncia orgstica me parecem ser de utilidade
limitada para tratar os males mais comuns e freqentes das pessoas que procuram
ajuda na psicoterapia.
27
6. As vibraes e o prazer
Lowen (1984) diferencia vibrao de tremor. Segundo ele, tremor um
movimento mais forte, prximo ao chacoalhar. Quando h fortes tenses, a
passagem da energia atravs dos tecidos tensos provoca este tipo de tremor. No
entanto, a pessoa provavelmente sentiria medo de perder o controle.
"Contudo a tremedeira e o chacoalhar representam a ruptura das tenses
musculares e sua contrapartida psicolgica, as defesas do ego. uma reao
teraputica, uma tentativa por parte do corpo de se livrar da rigidez que limita
sua mobilidade e inibe a expresso das sensaes. a manifestao da
propriedade autocurativa do corpo" (Lowen, 1984, p.68).
J a vibrao, na abordagem de Lowen, um movimento mais sutil ou fino e
pode estar associado ao prazer de estar vivo e vibrante. A metfora seria um motor
de carro bem regulado, funcionando tranqilamente.
Oschman (2000) afirma que as vibraes esto presentes em todos os
aspectos da natureza. tomos vibrando criam som e calor. A luz surge da vibrao
dos eltrons em um objeto. Quando se diz que uma coisa azul, o que normalmente
acontece que a luz fez os eltrons dentro do objeto vibrarem de tal forma que
causam a emisso de luz azul. Isto acontece devido maneira como a luz interage
com a matria: os objetos nossa volta so brancos, coloridos ou pretos, opacos ou
transparentes, dependendo de como os eltrons em seus tomos ou molculas
respondem fora motriz da radiao eletromagntica.
"Num nvel bsico, toda vida depende de molculas interagindo atravs de
campos energticos vibratrios ou oscilantes. Virtualmente tudo que sabemos
sobre os sistemas vivos baseado na anlise de vibraes, por exemplo,
exames clnicos de ressonncia magntica, ultrassom". (OSCHMAN, 2000 p.
121)
O conceito de vibraes se aplica a todos os modelos clnicos. Independente
de filosofia ou crenas, interaes energticas ocorrem entre os indivduos que
esto prximos, mesmo sem contato fsico. Ver e falar com outra pessoa so
interaes energticas envolvendo vibraes de luz e som. Informaes podem ser
transferidas de um organismo para outro, via campos energticos, e os sistemas
vivos so muito sensveis a esses campos. Se for adicionado intencionalidade
28
teraputica e toque equao, novas dimenses de trocas sutis, porm
mensurveis, tornam-se perceptveis.
"Os crticos que descartam o conhecimento dos sistemas energticos do
corpo sob a alegao de que envolvem energias sutis estranhas ao campo da fsica
esto desatualizados", segundo Oschman (2000, p.122), desde que pesquisadores
modernos confirmam que os organismos vivos so sistemas energticos dinmicos
envolvendo os mesmos tipos de fenmenos de campo que os fsicos tem estudado
por muito tempo. Seguindo este raciocnio, possvel concluir que as psicoterapias
que se apiam num conceito de energia so baseadas na Biologia, Qumica e
Fsica.
Vibraes so uma parte fundamental da Fsica. Existe um amplo espectro de
freqncias vibratrias, cobrindo em torno de 90 oitavas. Qualquer interao
teraputica, seja usando calor, luz, raios laser, som (msica, ultra-som), aromas ou
movimentos, envolve uma ou mais pores deste espectro energtico.
Os fsicos com freqncia se referem a todos os fenmenos eletromagnticos
como luz e s suas unidades como ftons, apesar de que apenas uma pequena
parte do espectro seja visvel. Os sistemas biolgicos respondem de formas
diferentes s diferentes partes do espectro eletromagntico.
As molculas possuem movimento contnuo, elas se agitam. Molculas so
compostas por tomos, em cuja composio entram eltrons. Virtualmente todo o
conhecimento sobre molculas (como so constitudas e como executam suas
funes) vem do estudo de como a luz interage com os seus eltrons.
curioso pensar que os seres humanos so cristais vivos. Usualmente os
corpos vivos no so considerados como cristalinos, porque quando se pensa em
cristais normalmente pensa-se em materiais duros, como diamante ou gata.
Cristais vivos so compostos por molculas longas, finas, so flexveis e macios.
Para ser mais preciso, so cristais lquidos.
Arranjos cristalinos so a regra e no a exceo nos sistemas vivos.
Exemplos disso so os arranjos de molculas fosfolipdicas que formam as
membranas celulares e as bainhas de mielina dos nervos, os arranjos de colgeno
que formam o tecido conectivo e a fscia, os conjuntos contrteis nos msculos, os
conjuntos de elementos sensrios nos olhos, nariz e ouvidos, etc.
Engenheiros eletrnicos, segundo Oschman (2000), sabem que uma antena
funciona melhor quando seu comprimento de onda corresponde ao comprimento de
29
onda do sinal que est sendo transmitido ou recebido. Os componentes cristalinos
de uma matriz viva agem como antenas moleculares coerentes irradiando e
recebendo sinais. Quando uma pessoa se move, as tenses instaladas dentro dos
tecidos do corpo alteram o comprimento das antenas moleculares do sistema
miofascial e, portanto, mudam as freqncias de ressonncia. Terapeutas
experientes so sensveis a tais mudanas e usam a informao para se sintonizar
com os locais imobilizados ou desbalanceados no corpo de seus clientes. Esse
fenmeno denominado empatia, ressonncia, contra-transferncia.
No trabalho da Anlise Bioenergtica, promove-se um estado de vibrao por
meio de exerccios criados ou adaptados por Alexander Lowen e sua esposa Leslie
Lowen (1985) cujo objetivo manter as vibraes num nvel estvel e sutil quando a
excitao aumenta ou a tenso cresce. Essa vibrao aumenta a tolerncia do corpo
para a excitao e para o prazer, criando uma via de descarga da excitao pela
parte inferior do corpo por meio de dois canais: a sexualidade e a motricidade. Para
se chegar a isso, o ego deve estar seguramente ancorado no corpo, resultando em
movimentos e comportamentos coordenados, efetivos, com uma qualidade de graa
espontnea.
No decorrer de seu trabalho com trauma, Levine (1997) observou que tremer
uma resposta do organismo traumatizado ou aterrorizado quando, passado o
perigo, o tnus volta musculatura. No terror, h uma perda de tnus, que Lowen
(1984) chama de congelamento, com vaso constrio e fuga da circulao
sangnea da musculatura voluntria. Tanto no mundo animal quanto em seres
humanos observa-se essa resposta.
Levine (1997), conversando com um bilogo do parque nacional MZUZU
Environmental Center, em Mawali, frica Central, descreveu o modo particular de
vibrao espontnea que os clientes apresentam na sesso quando se dissolvem
tenses relacionadas a traumas passados. O bilogo excitadamente exclamou: "
verdade! Antes de devolvermos animais capturados natureza, ns cuidamos que
eles tenham exatamente esta reao. Se eles no tremem e respiram
profundamente antes de serem libertados, no sobrevivem" (idem, p. 54). Levine
considera que a formao dos sintomas do trauma um ato inconsciente de
proteger o organismo de ser ainda mais inundado pelas energias avassaladoras do
trauma. A vibrao o sinal indicativo de que houve real dissoluo de tenses, o
30
que possibilita alterar o limiar auto-regulatrio de desencadeamento do estado de
alarme.
O medo da dor seria, de acordo com Lowen (1984, p. 69), o mesmo que o
medo do prazer. "Medo do prazer medo da dor, no apenas da dor fsica que o
prazer causa no corpo rgido e contrado, mas tambm da dor psicolgica da perda,
da frustrao e da humilhao". Na Anlise Bioenergtica, quando ocorrem as
vibraes, no necessariamente por cansao muscular, nem est ocorrendo
alcalose devido a hiperventilao. Se no h bloqueios ao fluxo de energia as
vibraes so prazerosas. Se h bloqueios, elas vo trabalhar para dissolv-los. No
fim, a sensao de liberdade prazerosa tambm, embora a pessoa possa sentir
alguma dor durante o processo.
No prazer existe um brilho, associado excitao, tanto que a expresso
radiante significa estar muito feliz. Tanto Reich (1948, 1975, 1995) quanto Lowen
(1984) associam vida, prazer e excitao. A percepo da vida no corpo, em seu
processo contnuo e equilibrado, produz sensaes de prazer. Assim tambm o
fenmeno do crescimento, a aquisio de novas habilidades, o enriquecimento que
vem do contato com as pessoas, obras de arte, tm capacidade de gerar bem-estar.
Quando isso no oco