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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA SAÚDE CURSO DE PSICOLOGIA
INTERPRETAÇÃO SIMBÓLICA DO TRATADOALQUÍMICO ‘SPLENDOR SOLIS’:
A relevância da Prima Materia no processo de individuação
MAYRA PORTELA MENDES
SÃO PAULO
2014
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA SAÚDE CURSO DE PSICOLOGIA
INTERPRETAÇÃO SIMBÓLICA DO TRATADOALQUÍMICO ‘SPLENDOR SOLIS’:
A relevância da Prima Materia no processo de individuação
Trabalho de conclusão de curso como
exigência parcial para graduação no
curso de Psicologia, sob orientação doProf. Dr. Noely Moraes
MAYRA PORTELA MENDES
SÃO PAULO
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ndividual caminho de todas as almas
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Agradecimentos
Gratidão a todos que acreditam nos meus sonhos!
Agradeço a todas as forças cósmicas, a todas as energias que auxiliaram meucaminhar, a cada sincronicidade, que tornou possível cada insight, cada desejo de
conhecer, revelação, e apaixonamento por esse saber.
Agradeço a oportunidade de estudar e aprofundar-me cada vez mais nos mistérios
da alma, no resgate das artes ocultas, nas tradições e sabedorias milenares. Pois, esse
conhecimento tem se mostrado nutriente essencial, e linguagem ideal, para o entendimento
de mim mesma, do mundo e dos outros.
Aos meus pais, pela amizade, segurança e paciência, por sempre acreditarem e
incentivarem meus dons e talentos, aprendendo a cada dia a sonhar comigo meus sonhos. A toda minha família em especial as minhas falecidas avós...
A toda minha família espiritual, Tradição da Cidade Sagrada, formada por irmãos e
amigos, presentes preciosos em minha vida. Por serem a concretização desse sonhar, e o
eterno lar aberto a me receber. A todos os meus amigos! Em especial a Elaine, Alexandre,
Theozinho e Cássio por nossa profunda conexão não importando as circunstâncias!
As colegas da Psicologia que tornam meu dia a dia mais leve e feliz!
A Cirandda da Lua, e a Soraya, por ter me reconhecido, por valorizar o meu trabalho,
entendendo e respeitando quem eu sou, por ser essa terra fértil, recebendo gentil minhassementes de ideias. Ao Clã das Yiayiás, por tudo que aprendo com cada uma em palavras,
gestos e silêncios.
Gostaria de agradecer também a prof. Sylvia Baptista, que tanto me ensinou sobre
Psicologia Analítica, me auxiliando pacientemente na produção desse trabalho, e a prof.
Noely Moraes, que tive a sorte de receber como orientadora, me organizando, estruturando,
e incentivando minha busca pelo saber.
A esta oportunidade...
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Resumo
PORTELA MENDES, Mayra. Interpretação simbólica do tratado alquímico
‘Splendor Solis’: A relevância da Prim a Materia no processo de individuação. 2014. 80.Monografia (Graduação em Psicologia) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São
Paulo, 2014.
Através desse trabalho buscamos elucidar a importância do estudo da Alquimia para
a Psicologia analítica, tendo como objetivo entender qual a relevância da prima materia na
opus alquímica.
O tratado Splendor Solis,1582 pareceu ideal para ilustrar o objetivo de nosso
trabalho. Esse tratado possui vinte duas imagens, divididas em quatro partes, e suasimbologia descreve de forma velada o processo de obtenção da pedra filosofal.
Jung (2011b) revela que o estudo da opus alquímica é a melhor maneira de
exemplificar de forma generalizada o processo de individuação, pois todo o rico simbolismo
alquímico nasceu das projeções dos alquimistas de conteúdos internos em seus
experimentos. Ao transformar aquela matéria prima dentro do vaso alquímico, materializa-se
de forma correlata a vivencia psíquica.
Assim como sua prima matéria, a meta da opus alquímica era representada de
diversas formas. A pedra filosofal é apenas um dos nomes do fim do trabalho, e apesardessa enorme variedade de símbolos, é possível perceber que estes são correlatos, ou seja,
sempre símbolos do Si mesmo, e o mesmo ocorre com a prima matéria. Seus nomes,
porém, apesar de correlatos ao Si mesmo, o revelam em estado de desorganização, onde
seus elementos essenciais ainda estão em inimizade.
Analisamos nesse trabalho apenas a primeira parte desse tratado, intitulada Material
primal do trabalho, buscando revelar possíveis significados psíquicos correlatos a essas
imagens.
No desenvolvimento deste, mostrou-se intrínseca a relação entre o material primal do
trabalho e o fim do trabalho, pois o Si mesmo em estado caótico necessita de uma serie de
transformações para que possa realizar-se de forma mais integrada.
Dessa forma a opus alquímica descreve um processo de lapidação da
personalidade, que também é um processo de retorno consciente ao inconsciente primevo,
onde o objetivo da jornada sempre esteve conosco, pois a pedra filosofal dorme tranquila
nos braços da prima materia.
-Palavras chave: Alquimia, Individuação, Prima materia, opus alquímica
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Sumário
1.Introdução .............................................................................................................. 7
2. Objetivo ............................................................................................................... 12
3. Método ................................................................................................................ 13
4. Conceitos gerais em Alquimia........................................................................... 15
4.1 Macrocosmo e microcosmo, céu e terra, psique e matéria ............................ 15
4.2 A opus Magnum (Grande Obra) e o Processo de Individuação ..................... 20
4.3 As cores e operações do processo alquímico ................................................ 24
4.4 Caminhos de regeneração da alma ............................................................... 28
4.5 Sobre o tratado alquímico Splendor Solis ...................................................... 31
5. Interpretação simbólica das pranchas do tratado alquímico Splendor Solis 34
5.1 O MATERIAL PRIMAL DO TRABALHO ........................................................ 34
5.2 PRANCHA I - Arma Ártis ............................................................................... 46
5.2.1 Prima matéria enquanto Defesas psíquicas: ........................................... 51
5.3 PRANCHA II – O Ovo .................................................................................... 57
5.3.1 Prima matéria enquanto o Alquimista como herói sua jornada .............. 59
5.3.2 Prima matéria enquanto o Ovo, o Vaso Alquímico ................................ 61
5.4 PRANCHA III – O Cavaleiro da dupla fonte ................................................... 75
5.4.1 Prima matéria enquanto o Cavaleiro da dupla fonte: Senhor das sete
estrelas, quatro cores e duas águas ........................................................................... 77
5.4.2 Prima matéria enquanto Fonte Mercurial, Fons Merculeares................. 81
5.4.3 Prima matéria enquanto Urina da Criança, Urina puerorum................... 84
5.5 PRANCHA IV – A Rainha Branca e o Rei Vermelho ................................... 88
5.5.1 Prima matéria enquanto arquétipo anima-animus "coniunctio solis et
lunae" (conjunção do sol e da lua). .......................................................................... 90
5.5.2 Prima matéria enquanto relação Ego - Si mesmo. .................................. 95
5.6 Material primal do trabalho X Fim do trabalho ............................................... 96
6. Conclusão ......................................................................................................... 108
7. Bibliografia ....................................................................................................... 110
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1. Introdução
A ideia de fazer um trabalho sobre Alquimia surgiu de uma grande identificação com
esse tema e com outros temas relacionados, como o hermetismo, gnosticismo, ciênciasocultas, mitologia, símbolos e rituais religiosos. A questão da evolução espiritual sempre se
mostrou central em minha vida e, desta forma, presente em meu campo de interesse e
estudo contínuo.
Vi na Alquimia uma possibilidade de estudar de forma organizada e aprofundada
todos esses temas. A Psicologia Analítica, através da interpretação simbólica e do conceito
de individuação, também se mostrou ideal para tratar desse tema.
Ao longo da pesquisa de referencial bibliográfico pude perceber que minha
verdadeira vontade me levava a querer tratar da evolução espiritual em relação ao p rocessode individuação.
Por conta da minha intensa atração pelo simbolismo alquímico, resolvi procurar
tratados, já sabendo que esses em geral contemplam essa busca por evolução espiritual
através da imagem da Pedra Filosofal.
O tratado alquímico que escolhi é chamado “Splendor Solis”. Sua escolha foi
bastante intuitiva, pois diversas imagens do tratado já haviam aparecido em meus sonhos
anteriormente e, desde que dei maior atenção às suas pranchas, essas passaram a fazer
parte de meus pensamentos constantemente, como se ‘quisessem’ revelar -se a mim, comose os símbolos vivos de suas pranchas fizessem de minha vida o palco de sua atuação.
Segundo Henderson e Sherwood (2003) são 22 imagens alegóricas datadas de
1.582, nas quais Trismosin relata suas viagens em busca da Pedra Filosofal. Esse processo
também foi chamado de "O rei vermelho". Interessante observar que essas 22 imagens
parecem ter um significado místico bastante relacionado ao Tarot e aos Caminhos da Árvore
da Vida, outros temas importantes de estudo do próprio Salomon Trismosin.
Acredito que buscar suas relações com esses outros símbolos poderá ser bastante
útil para elucidação do processo alquímico.
Penso que esse talvez seja o verdadeiro charme da Alquimia: é como se ela falasse
diretamente com a alma por ser puramente simbólica; é como se estivesse viva.
Sobre o início do estudo da Alquimia em relação à Psicologia Analítica os mesmos
(2003), p.1 relatam o seguinte:
Historicamente, a ligação entre a Psicologia Analítica e a Alquimia
começou em 1928, quando Richard Wilhelm enviou a C. G. Jung
sua tradução do texto taoísta chinês, O Segredo da Flor de Ouro.
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Jung relatou como suas investigações sobre a natureza do
inconsciente ao longo dos 15 anos anteriores o confrontaram
“com a extensa fenomenologia a qual as categorias e métodos
até agora conhecidos não podem mais ser aplicados”. Em sua
pesquisa por algum material comparativo com os quais ele
poderia testar a abrangência de seus achados, havia estudado
textos gnósticos. No entanto, ele estava frustrado pela falta de
fontes adequadas e informações históricas. Por outro lado, o
Segredo da Flor de Ouro continha simbolismo alquímico, e como
Jung escreveu “isso me colocou no caminho certo”. (Livre
tradução da autora)
É interessante comentar que além dos estudos iniciados com “O Segredo da flor de
ouro” Jung aprofunda suas pesquisas sobre a Alquimia na Psicologia e publica , em 1943,
Psicologia e Alquimia, onde relata sonhos de um cientista natural (Wolfgang Pauli) que
continham uma enorme quantidade de símbolos alquímicos. Percebeu como a Alquimia é
interessante simbolicamente ao homem moderno e como ela poderia abrir nossa
compreensão sobre o psiquismo e retratar de maneira fiel processos psíquicos, a partir de
analogias e amplificações.
Ele mesmo, ao voltar-se à Alquimia, notou grande ligação entre esta e a temática dos
sonhos de seus pacientes, e esse pensamento levou von Franz em seu livro Alquimia-
Introdução ao simbolismo e à psicologia ao questionamento:
Por que o simbolismo alquímico estaria mais próximo do produto
inconsciente de muitos modernos do que qualquer outro material?
Por que não bastaria estudar mitologia comparada, os contos de
fada e a história das religiões? Por que há de ser particularmente
a alquimia? (1996 p.4)
Nas mitologias comparadas, assim como na história das religiões, perceberemos que
apesar desses símbolos terem tido sua origem no inconsciente, eles passam por constante
elaboração através da tradição que, a partir de seus dogmas e cultura, os molda e direciona.
Assim a tradição fornece ideias conscientes, uma direção consciente num caminho
inconsciente de onde todas as imagens poderiam erguer-se. Ela escolhe através da
consciência algumas imagens para fixar-se. Essas, em geral correspondem a interesses
culturais e históricos.
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A arte alquímica enquanto prática era, por um lado, composta de diversas
experimentações acerca dos processos de transmutação da matéria e, por outro, filosófica e
espiritual pois, através de uma postura ritualística e do estudo simbólico, eles buscavam a
evolução espiritual, repetindo em laboratórios a Obra de Deus.
...a química nasceu da alquimia; para ser mais exato, nasceu da
decomposição da ideologia alquímica. Mas no panorama visual
de uma história do espírito, o processo se apresenta de distinto
modo: a alquimia se erigia em ciência sagrada, enquanto que a
química se constituiu depois de ter despojado às substâncias de
seu caráter sacro. Existe, portanto, uma necessária solução de
continuidade entre o plano do sagrado e o da experiência
profana. (Eliade, 1983, p.5)
A Alquimia ao trabalhar em lapidar a matéria lapida também o espírito. Dessa forma
ela une de forma simbólica o sagrado e o profano, transformando a partir do real o psíquico,
e a partir do psíquico o real, através projeção que faz com que o alquimista derrame sua
alma sobre o material a ser trabalhado.
Na Alquimia a imaginação inconsciente ao deparar-se com materiais a princípio
desconhecidos projeta imagens arquetípicas livremente. Dessa forma, a influência da cultura
não é determinante na constituição dos símbolos alquímicos.
A própria tradição alquímica nasce de um processo diferenciado pela natureza de
cada um de seus adeptos. Existe um caminho arquetípico de desenvolvimento espiritual,
mas de que forma o seguiremos, ou qual a meta que nos mantém nesse caminho, é algo
absolutamente individual, e deve ser para se manter verdadeiro. Cada opus é única,
particular, e dessa forma funciona analogamente ao processo de individuação descrito por
Jung.
Este considerou que justamente pelo processo de livre projeção, trazendo àconsciência conteúdos coletivos primordiais sem a censura ou direcionamento da cultura ou
tradição. Os materiais psíquicos resultantes do processo alquímico possuem a mesma
natureza que os sonhos e a imaginação ativa, diferenciando-se da mitologia comparada,
história das religiões e contos de fadas.
As relações do mundo da intuição alquímica e dessas duas
formas do processo de interpenetração inconsciente-consciente
são tão próximas a ponto de ser justo supor-se que noprocedimento alquímico se trata de processos semelhantes ou
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iguais aos da imaginação ativa e dos sonhos, e enfim ao
processo de individuação. (Jung, 2011b, p.354, PP.448)
Os alquimistas, por mais que possuíssem suas metas, tinham como principal foco
seu processo: estudar esses fenômenos desconhecidos da matéria através de observações
e interpretações, mas sem planos específicos ou norteadores. Isso fez da arte alquímica
uma projeção inconsciente e bastante espontânea, como a própria imaginação ativa.
A técnica da imaginação ativa foi formulada por Jung no mesmo período em que este
se dedicava ao estudo da Alquimia. Consistia em deixar-se tomar, como numa espécie de
sonho acordado, por imagens vindas do inconsciente, e através de recursos egóicos,
colocar-se em relação com este conteúdo. Ao trabalhar com a imaginação ativa, ele pôde
perceber a natureza comum de suas imagens quando comparadas à Alquimia, e assim
observou como a linguagem alquímica nos fala de camadas profundas do inconsciente
coletivo, amplamente vinculadas às suas formas arquetípicas.
A imaginação ativa também foi considerada pelo próprio Jung como uma “psicose
artificial”. O material psíquico, presente nas alucinações de psicóticos, também é de
natureza inconsciente e espontânea - analogamente à Alquimia. Esta foi utilizada por Jung
como linguagem e conhecimento capazes de compreender e organizar esses materiais
psíquicos.
… o mistério que estavam tentando descobrir, o mistério da
estrutura do universo, estava neles mesmos, em seus próprios
corpos, e naquela parte de sua personalidade que chamamos de
o inconsciente, mas que eles diriam ser a vida de sua própria
existência material. (von Franz, 1992, p.16).
Existem diversas alegorias presentes nos processos alquímicos. Fundamentam-se
no fato de que todos os símbolos empregados representam, além de uma transmutaçãoquímica, também seu efeito psíquico correlato. Esse desenvolvimento psíquico através de
símbolos era propiciado pela facilidade de projeções de material inconsciente em relação às
substâncias químicas utilizadas na opus. Elas deveriam ser transmutadas até chegar a sua
maior integridade. Essas etapas são análogas ao processo de formação da personalidade e,
consequentemente, ao de individuação.
A Alquimia é o resultado das projeções dos alquimistas sobre uma matéria até então
desconhecida, que através de diversos processos tornaria-se um material puro, preciso e
íntegro.
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...as projeções alquímicas mostram como meta de redenção para
nossa vida ativa e cheia de desejos um símbolo do inorgânico- a
pedra que não vive por si mesma, mas apenas existe ou vem a
ser, e nela acontece um jogo incalculável de oposições. (Jung,
2011c, p.251, PP.286)
C. G. Jung dedicou muito de seus últimos anos de vida estudando Alquimia. Ele a
considera como fundamental a concepção de estrutura de personalidade. Via na Alquimia,
ao desvendar suas metáforas, uma psicologia pré-científica.
Importante ressaltar que o processo alquímico baseia-se na reconciliação, união e
criação a partir de substâncias opostas ou conflituosas. Um funcionamento simbólico
dialético onde o real objetivo encontra-se no processo.
Henderson e Sherwood (2003) esclarecem que o estudo do simbolismo alquímico
tem muito mais a revelar acerca da estrutura e funções da psique do que objetivamente
acerca da transmutação dos metais.
Os processos alquímicos representam assim processos psíquicos necessários à
integração da personalidade e, logo, sua individuação, seu ouro metafórico.
Segundo von Franz (1992), a Alquimia teria começado no sec. I a.c. tendo dois pais,
a filosofia racional grega e a tecnologia egípcia, e desenvolve-se originando uma tradição
ocidental e uma oriental.
No trabalho Undus Mundus de Hoffman (2006), encontra-se a informação de que a
Alexandria teria sido o berço da Arte alquímica, por ser um centro intelectual e cultural que
era frequentado por egípcios, gregos e judeus, isto revela-se na “mescla de influencias
histórico espirituais que apresenta-se o universo da Alquimia”. ( Hoffman, 2006, p.48)
Alguns elementos são considerados estruturantes às origens da Alquimia,
(especificamente a Alquimia alexandrina) como os conhecimentos gnósticos, herméticos e a
cosmologia grega.
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2. Objetivo
O tratado que escolhi para interpretação dos processos alquímicos é um tratadoeuropeu. O primeiro manuscrito encontrado está em alemão. Nosso foco será, então, o
trabalho com os símbolos da tradição alquímica ocidental.
Através da interpretação simbólica das quatro primeiras imagens contidas no tratado
alquímico Splendor Solis, pretendemos esclarecer os processos psíquicos envolvidos na
opus alquímica, traçando uma comparação entre esses e o processo de individuação.
Observando qual a importância e representação que os símbolos alquímicos têm para
psique.
Os conceitos da Psicologia Analítica serão utilizados a fim de interpretar a opus descrita nas pranchas alquímicas. Dessa forma, tentaremos mostrar a intrínseca relação da
Alquimia com o processo de individuação, e em especifico qual a relevância da prima
materia para a opus alquímica.
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3. Método
Neste trabalho pretendemos fazer uma interpretação simbólica do Tratado AlquímicoSplendor Solis, cuja autoria é remetida a Salomon Trismosin, adepto e professor de
Paracelso.
Como estratégia de interpretação, proponho dividir este tratado em quatro partes: As
quatro primeiras imagens foram intituladas de "O material primal do trabalho"; em sequência,
as próximas sete pranchas foram chamadas "As sete fases do processo em alegoria da
morte e renascimento - primeira série". Já as sete próximas, "As sete fases do processo em
alegoria da morte e renascimento -segunda série". E sta última é diretamente ligada aos sete
planetas conhecidos até então. O último grupo de imagens que, como o primeiro, tambémpossui quatro pranchas, foi intitulado "O fim do trabalho".
Este tratado revela a opus magnum, o processo alquímico da busca pela Pedra
Filosofal entendida na Psicologia Analítica como símbolo do Si mesmo, da totalidade,
representando o momento de máxima ampliação de consciência e evolução espiritual.
Os processos alquímicos e a busca da realização de sua meta narram
simbolicamente uma jornada rumo a Si mesmo, assim como o tarô e a árvore da vida.
Buscamos apresentar como a Alquimia, que contém um rico arcabouço simbólico, é
capaz de oferecer grande material de interpretação e compreensão da psique e suasproduções.
Nosso objetivo com este estudo será elucidar o processo da Grande Obra, obtenção
da Pedra filosofal, analisando as imagens do Tratado Splendor Solis. Para tanto focaremos
na primeira divisão do tratado, intitulada material primal do trabalho, pois esta matéria
guarda o mistério de todo processo, sendo também representante do Si mesmo.
ANALISAREMOS NESTE TRABALHO APENAS AS QUATRO PRIMEIRAS
PRANCHAS, DE FORMA SEQUENCIAL, LEVANTANDO OS SIMBOLOS CENTRAIS E
RELEVANTES PARA O OBJETIVO DESSE TRABALHO: RELACIONAR O PROCESSO
ALQUIMICO REPRESENTADO POR ESTAS COM O PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO
DESCRITO POR C.G. JUNG.
AS QUATRO PRIMEIRAS PRANCHAS DESTE TRATADO FAZEM PARTE DE UMA
SUBDIVISÃO INTITULADA: MATERIAL PRIMAL DO TRABALHO.
ESTA É NOSSA TEMÁTICA CENTRAL NESSE TRABALHO: A RELEVANCIA DO
SIMBOLISMO DA PRIMA MATERIA PARA O PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO.
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O método de análise da pranchas é a amplificação simbólica. Objetivamos, através
dos símbolos centrais de cada prancha, levantar sua temática relevante buscando, dentro
dos estudos alquímicos, onde e de que forma esses símbolos aparecem e o que
representam. É importante ressaltar que este trabalho visa a redescoberta dos símbolos
alquímicos e sua correlação simbólica com a Psicologia Analítica. Respeitaremos a divisão
temática existente dentro do tratado, utilizando essas sequencias temáticas enquanto norte
para nossa interpretação.
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4. Conceitos gerais em Alquimia
4.1 Macrocosmo e microcosmo, céu e terra, psique e matéria
Na verdade, na verdade, sem dúvidas ou incertezas: o que está
em baixo assemelha-se ao que está em cima, e o que está em
cima ao que está em baixo, para realizar os prodígios do Uno.
Tábpula Smaragdina, Hermes Trimegisto – (ROOB,1997, p.9)
Hermes Trismegisto, considerado pelos alquimistas como aquele que traz suas leis,
seus "mandamentos", teria concedido suas verdades, contando a estes os princípios
fundamentais que regeriam esse universo. Essas leis universais estariam presentes tanto naTábua de Esmeralda quanto no Caibalion. Ambos os textos teriam sido entregues pelo
próprio deus Hermes em sua face 'Trismegisto', que é resultado de seu sincretismo com o
deus egípcio Tot – divindade ligada ao conhecimento e à palavra e retratada como mestre
da escritura e patrono dos magos. Esse sincretismo parece bastante natural incluso as
semelhanças entre esses deuses, sendo Hermes um deus mensageiro, que rege os
caminhos. É patrono da Alquimia e imagem de excelência em cultos gnósticos. Hermes
Trismegisto, que quer dizer "Hermes três vezes máximo", é fundador lendário do
Hermetismo e da Alquimia.
Os ditos "princípios herméticos" fundamentaram todo o trabalho da Alquimia. Dentre
eles, um dos mais relevantes é a Doutrina da Correspondentia (citada no início deste texto).
Dizer que o que está em cima é igual ao que está em baixo, é acreditar numa analogia
correspondente entre microcosmo e macrocosmo.
Do mesmo modo, os arquétipos que povoam o inconsciente coletivo são, a priori,
formas.
(...) No concernente aos conteúdos do inconsciente coletivo,
estamos tratando de tipos arcaicos - ou melhor, primordiais, isto
é, de imagens universais que existiram desde os tempos mais
remotos (...)(Jung, 2011a p.13,PP.5).
Toda evolução humana, criação da cultura, pode ser entendida como uma forma de
conscientizar e elaborar esses conteúdos, embora esses nunca sejam totalmente
conscientes. Não podemos apreendê-los em si mesmos, apenas em suas manifestações.
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Logo, o que conhecemos sobre os arquétipos são suas representações arquetípicas, como
por exemplo, as que se manifestam nos mitos, contos de fadas e na própria Alquimia.
Presentes no inconsciente coletivo, os arquétipos são "formas" básicas; são
fundamentais e estruturais em todas as culturas e tempos. São correlatos em funcionamento
ao que os alquimistas chamavam macrocosmo, ou à própria imagem de ideias a priori
presente no 'eidos' platônico. Essas imagens quando espelhadas, manifestando-se na
criação humana, constituem o microcosmo.
Uma imagem bastante utilizada pela Alquimia, a fim de exemplificar a relação
análoga entre macrocosmo e microcosmo, é a imagem da 'totalidade' em relação ao 'eu', do
universo em relação ao indivíduo. Podemos indicar que a relação entre Si mesmo e ego
possui significado semelhante; o ego microcósmico é regido pelas mesmas leis que o Si
mesmo macrocósmico, faz parte desse e é apenas um pequeno fragmento da totalidade.
Assim na terra, como no céu, frase marcante presente na oração do Pai Nosso, uma
das mais importantes da tradição cristã, pode também ser entendida como correlata ao
princípio alquímico da correspondência. A vontade de Deus é a mesma, ela rege os
princípios etéreos e físicos pois, no final das contas, esses princípios compõem um mesmo
todo.
O Princípio de Correspondência é o que mais tarde Jung (2012) chamaria de
sincronicidade:
(...) uma coincidência significativa de dois ou mais
acontecimentos, em que se trata de algo mais do que uma
probabilidade de acasos. (Jung, 2012a, p.111, PP.959)
Tentando explicar essa tão intangível 'causalidade mágica', von Franz (1992),
considera que a base arcaica de todas as realizações mágicas da humanidade é essa
capacidade simbólica de ser expressa através de analogias:
Por exemplo, na magia africana para atrair a chuva, a maneira
mais frequente é derramar água de uma cabaça enquanto são
efetuados certos encantamentos e orações acompanhados de
certas danças. Então, começa a chover. (p. 131)
Desta forma podemos observar que nossos rituais e mitologias são repetições em
pequena escala do que ocorre no cosmos e na natureza. Assim também se dá o
funcionamento do processo alquímico e da psique.
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A Alquimia possui uma linguagem que detém em si esses princípios de maneira
bastante prática. Ela é um processo que se desenvolve no nível físico, psíquico e espiritual,
e isso acontece concomitantemente, tendo um mesmo objetivo.
O processo alquímico tem como premissa, também derivada do Princípio da
correspondência, que o físico e o espiritual juntos, e a partir de sua oposição, compõem uma
unidade plena. Assim também se dá toda criação simbólica de forma dialética, onde dois
conflitos (opostos) conseguem se completar gerando um terceiro, atingindo enfim uma
unidade.
Este é o efeito terapêutico da Alquimia: ela força as metáforas
sobre nós. Somos carregados pela linguagem para dentro de um
como se, para dentro tanto da materialização da psique, quanto
da psiquização da matéria, ao pronunciarmos nossas palavras.
(Hillman, 2001, p.28)
Ainda, segundo Hillman, a produção do símbolo torna-se inerente na linguagem
alquímica, que é simbólica em si mesma pois seus símbolos e suas palavras são a melhor
expressão possível de um processo no qual o jogo dialético está intrínseco - as imagens
alquímicas são físicas e psíquicas ao mesmo tempo: a Alquimia tem “palavras-coisa”,
“palavras-imagem”, “palavras-arte”.
A linguagem alquímica está amplamente relacionada ao processo de individuação.
Todo fenômeno alquímico é, portanto, tanto material quanto psicológico. A Alquimia, assim
como nossa psique, é também metafórica e simbólica.
Dessa forma, através de sua linguagem, a Alquimia busca reproduzir toda uma
cosmogonia dentro seu laboratório, pois parte da premissa que tanto micro quanto
macrocosmo são sujeitos às mesmas leis que regem o Todo.
Essa totalidade só poderia ser vislumbrada a partir da relação dialética entre
consciente e inconsciente, micro e macrocosmo, ego e Si mesmo, o que é justificado pelabusca por integração de ambos esses opostos num terceiro e novo elemento.
A noção de undus mundus, emprestada da filosofia medieval, confere dinamismo ao
todo e integra microcosmo e macrocosmo. (Pena, 2004, p.11)
O conceito do alquimista Dorneus de undus mundus é o ápice da busca espiritual e
religiosa dentro da opus, pois representa a integração dinâmica entre micro e macrocosmo,
que simbolizam ego e Si mesmo (Hoffman 2006).
Dessa forma a autora demonstra que, por conta dessa polarização da psique, esta
mostra-se capaz de representar os conteúdos arquetípicos, mas não de percebê-los em si
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mesmo, pois consciente e inconsciente formam um casal de opostos complementares,
fundamental para a função simbólica da psique.
No Caibalion (Três iniciados, 2008), um dos princípios fundamentais do Hermetismo
e da Alquimia é o Principio da Polaridade. Segundo este, tudo em nosso universo possui
polos e estes polos são opostos e complementares. Devemos observar também que todos
os opostos possuem a mesma essência, de forma que eu e totalidade, frio e calor,
consciente e inconsciente, psique e matéria, são polos opostos de uma mesma essência. O
texto ainda revela que todos os paradoxos são conciliáveis, pois os extremos se encontram.
Como a psique e a matéria estão encerradas em um só e mesmo
mundo, e, além disso, se acham permanentemente em contato
entre si, e em última análise, se assentam em fatores
irrepresentáveis, há, não só a possibilidade, mas até mesmo uma
certa probabilidade de que a matéria e a psique sejam dois
aspectos diferentes de uma só e mesma coisa.(...) (Jung, 2011g,
p.165, PP,418)
A ambivalência psíquica pode ser observada em sua capacidade de representar
matéria e espírito através de conceitos e símbolos - como podemos observar na linguagem
alquímica. Existe, porém, um elemento chamado por Jung de psicóide, que transcende a
matéria e o espiritual, fazendo ao mesmo tempo parte desses e sendo metafísico.
Nunca cheguei a uma conclusão precipitada desse tipo, porque
nunca acreditei que nossas percepções pudessem apreender
todas as formas de existência. Por isso estabeleci o postulado de
que o fenômeno das configurações arquetípicas –
acontecimentos psíquicos por excelência – repousa sobre a
existência de uma base psicóide, isto é, condicionalmentepsíquica, mas ligado a outras formas de ser. (Jung,1963, p.135)
Undus mundus, pode ser considerado esse uno formado pela dinâmica de opostos
fundamentais presentes na psique, e desta forma pertence amplamente à ideia de arquétipo
psicóide.
Sobre isto, na carta de maio de 1953, escrita por Jung destinada ao físico Wolfgang
Pauli, este relata o seguinte esquema quaternário, também presente no trabalho de Hoffman
(2006):
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Nesse sentido, ao reino transcedental psicóide corresponde uma
ponte conceitual entre distintos reinos (matéria, psique, espírito).
Habita uma esfera transcedental e portanto de unidade, trazendo
à tona o conceito metafísico do alquimista Dorneus “Undus
Mundus”. (p. 36)
Segundo o Si mesmo, em sua constante atualização e elaboração na consciência do
ego, converge ao padrão quaternário e tem por meta o unitário que aqui relacionamos com o
conceito de undus mundus. “... marca o caminho do Si mesmo em direção à meta do opus
individuations ou iluminamento.” (Byington 1984 p.102)
O símbolo do quaternário representa a totalidade, a transcendência desses pares de
opostos, que culminariam na ideia de undus mundus. De acordo com Jung (2011e), pode
ser entendido enquanto mundo totalizado em unidade, o grau mais elevado da coniunctio alquímica, por significar a união do homem total com o todo, o uno.
1
Imagem: Hoffman, C. R. (2006) p.36
Trancedenta
l (Psicóide)
Psique
Espírit
o
Matéri
a
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4.2 A opus Magnum (Grande Obra) e o Processo de
Individuação
O objetivo principal da meta alquímica é lançar a psique na opus, é trazer osalquimistas para dentro de seu próprio processo individual de evolução.
A meta só importa apenas enquanto ideia; o essencial é o opus (a
obra) que conduz à meta: ele dá sentido à vida enquanto esta
dura. (Jung, 2012c, p.85, PP.400)
O processo de individuação é descrito por Jung (2011b), como o caminho para
tornar-se aquilo que se é. Esse processo não possui um fim específico, mas depende dasua meta para direcionar esse caminhar, que acontece durante toda a vida. Essa é
justamente uma trajetória onde o inconsciente tem possibilidade de se realizar:
Minha vida é a história de um inconsciente que se realizou. Tudo
que nele repousa aspira tornar-se acontecimento, e a
personalidade, por seu lado, quer evoluir a partir de condições
inconscientes e experimentar-se como totalidade. (Jung, 1963,
p.19)
Isto é, o potencial presente no inconsciente deseja ser conscientizado, ampliando os
recursos do ego, tornando aquele indivíduo mais pleno, mais próximo das expressões de
seu Si mesmo, de sua totalidade enquanto ser.
Entendemos aqui como Si mesmo a soma dos processos inconscientes e
conscientes da personalidade, e desta forma a psique enquanto todo. Enquanto por ego
entendemos o resultado até então de diversas atualizações do Si mesmo e o centro da
consciência.
Importante observar que é impossível esgotar o inconsciente, embora o processo de
individuação justamente busque a conscientização do Si mesmo no máximo de suas
possibilidades. O funcionamento psíquico ocorre de forma compensatória entre a
consciência e o inconsciente e sua produção simbólica corresponde à síntese desse
processo.
Todo ser humano a partir de seu nascimento está em processo de individuação, não
existindo possibilidade de viver fora dele.
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Embora, segundo Byington (1984), Jung tenha descrito o processo de individuação
na segunda metade da vida, deixando a primeira metade delegada à função de estruturação
do ego na infância, aquele considera que o desenvolvimento do ego também dele faça parte
desde sempre.
Todos nós temos uma busca comum a ser vivida, mas ao mesmo tempo cada busca
é individual; esse paradoxo do coletivo e individual fundamenta o conceito de individuação.
Individuar é entendido como (...) dar expressão individual ao vir-a-ser arquetípico. (Baptista,
2008, p.15)
Através da consciência temos a capacidade de expressarmos aspectos do
inconsciente coletivo sob uma forma absolutamente individual. É desse modo que
humanizamos o arquétipo, e existem tantos arquétipos quanto possibilidades de
humanizações desses.
Segundo Baptista, a vida é o vaso alquímico onde a opus, representação arquetípica
do processo de individuação, acontecerá. A opus necessita do vaso para realizar-se da
mesma forma que o processo de individuação necessita da vida.
Importante ressaltar que cada alquimista, de acordo com seu o processo de
individuação, possui diferentes metas.
Todos eles buscavam o ouro metafórico, símbolo perfeito do Si mesmo. Mas, a opus
de cada um é específica, pois, o Si mesmo a ser realizado possui expressões singulares.
A individuação é o tornar-se um consigo mesmo, e ao, mesmo tempo, com a
humanidade toda, em que também nos incluímos (Jung, 2011f, p. 127, PP.227)
O paradoxo da meta alquímica é esse: A meta é a mesma para todos – o Si mesmo,
mas, é diferente para cada um justamente pelo mesmo motivo.
A busca pelo Si mesmo, ou pela realização de sua opus, é a busca de uma
verdadeira vocação que deseja realizar-se ao longo de toda uma vida. Apresenta-se como
uma imagem inata de si, estrutural do caráter, que se utiliza do processo de individuação
para tornar-se o mais plena possível à consciência, realizando o máximo de seus recursos e
talentos.
(...)existe uma razão por que minha singular pessoa está aqui e
que há coisas de que preciso cuidar além da rotina diária, e isso
deve dar uma razão de ser a essa rotina, sentimentos de que o
mundo, de certa forma, deseja que eu esteja aqui, que responda
a uma imagem inata que estou preenchendo em minha biografia.
(Hillman,2001, p.14)
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Existe em cada um, uma potência específica a ser realizada dentro de sua
individuação, isto é, existe no ser uma singularidade pedindo para ser vivida antes mesmo
de começar a ser vivida, e essa singularidade se expressa através das múltiplas metas da
opus alquímica.
Segundo Hillman, (2001, p.366): As imagens da meta - a pérola do alto preço, o
corpo de jade, o diamante, o elixir, o ouro, e o Lápis philosophorum. Esta última , a Pedra
filosofal, é considerada a opus magnum dos alquimistas.
Com essa pedra, o alquimista poderia realizar suas transmutações, priorizando, na
maior parte dos textos, a arte de transmutar metais em ouro. Mas por exemplo, Paracelso
buscava uma pedra que curasse todos os males.
A estrutura do processo alquímico é revelada e realizada através de distintas
fases. Descrevendo desta forma a jornada de desenvolvimento da psique em sua opus, as
imagens alquímicas levam o adepto a uma transformação psicológica que visa
simbolicamente a obtenção da pedra filosofal.
A individuação, portanto, só pode significar um processo de
desenvolvimento psicológico que faculte a realização das
qualidades individuais dadas; em outras palavras, é um processo
mediante o qual um homem se torna o ser único que de fato é.
Com isto, não se torna "egoísta", no sentido usual da palavra,
mas procura realizar a peculiaridade do seu ser e isto, como
dissemos, é totalmente diferente do egoísmo ou do individualismo
(Jung, 2008, p.50, PP.267)
O processo de individuação caracteriza-se por um movimento cíclico, pois nossa
matéria prima (Si mesmo),é também nossa meta (Si mesmo). Daí a imagem da matéria
prima enquanto a pedra bruta, e a meta como a pedra lapidada, embora ambos, de fato,
sejam a mesma pedra.Isto é, a matéria prima seria equivalente a uma totalidade inconsciente enquanto a
pedra filosofal corresponderia à possibilidade de conscientização desta. A busca da qual se
trata o processo de individuação é, em suma, o processo de integração do Si mesmo à
consciência, e a opus alquímica descreve a jornada de desenvolvimento da psique nessa
busca.
O processo alquímico, segundo Jung, é capaz de descrever de forma metafórica, da
melhor maneira possível os aspectos centrais do processo de individuação, a opus
alquímica é vivenciada por todas as pessoas sendo profundamente análoga a este.
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Todo procedimento alquímico (...) pode muito bem representar o
processo de individuação num indivíduo particular, embora com a
diferença não desprovida de importância de que nenhum
indivíduo particular abarca a riqueza e o alcance do simbolismo
alquímico. Este tem a seu favor o fato de ter sido construído ao
longo dos séculos. (...) É tarefa muito difícil e ingrata a tentativa
de descrever o processo de individuação a partir de materiais de
casos. (...) Na minha experiência, nenhum caso é suficientemente
amplo para revelar todos os aspectos com uma riqueza de
detalhes que o leve a ser considerado paradigmático. (...) A
alquimia, por conseguinte, realizou para mim o grande e
inestimável serviço de fornecer o material em que minha
experiência pudesse encontrar espaço suficiente, o que me
possibilitou descrever o processo de individuação, ao menos em
seus aspectos essenciais. (Jung, 2011e/2, pp.446, p.382)
A opus é considerada assim, o processo de individuação do alquimista, que projeta
livremente os conteúdos de suas transformações internas na matéria, que como estes
também passará por diversas transformações até alcançar sua meta.
Segundo Edinger (1990), a Alquimia poderia ser considerada uma espécie de
“fenomenologia do inconsciente coletivo” por ser capaz de descrever através de sua
linguagem simbólica, fenômenos arquetípicos presentes de alguma forma no psiquismo de
todas as pessoas.
Ainda que em camadas muito profundas do inconsciente, esses símbolos revelam-se
através de sonhos, imaginação ativa, fantasias etc, servindo como linguagem capaz de
revelar o sentido do processo de individuação, porém não de forma individual, mas de forma
genérica, arquetípica. A linguagem alquímica é ideal para esse entendimento, pois carrega
em si, os paradoxos presentes no próprio conceito de individuação, enquanto individual ecoletiva.
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4.3 As cores e operações do processo alquímico
Dentre diversas descrições da opus, autores como Jung, Edinger e Hillman
apresentam três etapas como fundamentais nesse processo, embora outras também sejam
citadas.
Essas etapas são: nigredo, albedo e rubedo, respectivamente caracterizadas pelas
cores, preto, branco e vermelho.
A relação entre claro e escuro, luz e trevas foi nomeada de alguma forma em todas
as línguas. A primazia dessa dupla (branco e preto) demonstra a necessidade
compensatória da psique em busca sempre de um equilíbrio. Em diversas culturas, é
acrescentada a essas cores o vermelho, de forma que essa tríade é considerada sagrada
como forças arquetípicas primordiais.Segundo Wilberg (2007) de acordo com a mitologia indiana, todo o desenvolvimento
do universo está baseado nos poderes da natureza. Esses poderes dividem-se nos três
gunas: tamas (preto), rajas (vermelho) e sattva (branco); correspondem respectivamente à
tríade da criação hindu, os três devas (divindades) Shiva, Brahma e Vishnu.
Tamas representa o poder da morte e das trevas; seu deva é Shiva, chamado de “o
destruidor”, ou o “transformador”. A tristeza e a inércia são um chamado para a
transformação. Esse guna corresponderia à nigredo.
Rajas é o poder da vitalidade; rege o prazer e a violência. Seu regente seriaBrahma, “o criador”, representando toda potência criativa do universo, símbolo bastante
relacionado à libido, símbolo da vida que tem no sangue sua melhor expressão. Esse
princípio seria a própria rubedo.
Já sattva é o representante da luz, da alvorada, e da felicidade, regido pelo deva
Vishnu, “o preservador”, responsável pela conservação e manutenção do universo,
correspondente à albedo no processo alquímico.
Segundo Jung, como citaremos abaixo, a nigredo marca o início da obra. Os
alquimistas rejubilavam-se ao ver sua matéria tornar-se preta, pois sabiam que então suaopus tinha começado. Este preto terá de passar por inúmeras lavagens e purificações para
chegar ao branco da albedo. Quem marca a entrada na albedo é a cauda do pavão -cauda
pavonis- que anuncia a aurora. Essa pureza absoluta da albedo deverá ser sacrificada para
renascer na rubedo, onde enfim terminaria a opus com a obtenção da pedra filosofal em
toda sua potência criadora.
Embora existam diversos tipos de processos alquímicos, esse padrão é bastante
descrito. Por exemplo, Paracelso descreve a pedra filosofal, como um corpo sólido de cor
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rubi escura, transparente, flexível, porém quebradiça; outros a descrevem como um pó ou
tintura vermelha.
Na linguagem dos alquimistas a matéria sofre até que a
nigredo desapareça; então a cauda do pavão (cauda pavonis)
anunciará a aurora e surgirá um novo dia, a leúkosis ou albedo.
Mas neste estado de brancura não existe verdadeira vida, é um
estado abstrato, ideal. Para infundir-lhe vida é preciso infundir-
lhe "o sangue", a rubedo, o vermelho da vida. Somente a
experiência de todos os estágios do ser pode transformar o
estado ideal da albedo em uma forma de existência
plenamente humana. Somente o sangue pode vivificar o estado
de consciência mais alto, no qual é dissolvido o último traço de
negrume, no qual o demônio não tem mais existência
autônoma mas é integrado reconstituindo a profunda unidade
da psique. Então a opus magnum está completa: a alma
humana está completamente integrada.( MCGUIRE, W. e Hull,
R. ,1982, p.4 )
O processo alquímico, apesar de ter metas diferentes de acordo com cada
alquimista, trabalha sempre com a ideia de transformar o que é vil, em algo sagrado. Para
que isso ocorra é necessário que uma prima matéria seja sujeitada a diversas operações,
entre elas, segundo Edinger (1990): calcinatio, solutio, coagulatio e sublimatio.
Os pré-socráticos consideravam a prima matéria como uma matéria original da onde
tudo teria se criado, mas, não houve registros de uma conclusão acerca de que matéria
seria esta. Esses filósofos estavam divididos entre, ar, fogo, água ou terra.
Os quatro elementos foram entendidos como funcionando em dois pares, grupos de
contrários, e assim a ideia de uma estrutura quádrupla universal é utilizada como base detodo ocultismo ocidental.
Podemos traçar um correlato psicológico dessa ideia ao pensarmos que a partir do
inconsciente (o caos indiferenciado) a consciência surge; o nascimento de um ego, que se
dá dentro do processo de desenvolvimento das quatro funções da tipologia junguiana. De
acordo com Psicologia Analítica, a consciência se desenvolveria do inconsciente através das
seguintes funções: pensamento, intuição, sentimento e sensação, respectivamente: ar, fogo,
água e terra.
Em seu livro Anatomia da psique (1990), Edinger também nos conta sobre a conexãoentre essas operações e os quatro elementos primordiais. Através delas, o adepto poderia
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transformar os mais impuros metais na pedra filosofal, isto é, elaborar, trazer à consciência
recursos psíquicos, a fim de transformá-los numa matéria sagrada- a própria pedra filosofal.
A operação alquímica da calcinatio, relaciona-se intimamente com o elemento fogo.
Através dele, que representa em Si mesmo vitalidade, libido, vontade, podemos retirar a
água presente nos sólidos, ficando apenas com um pó seco. Essa capacidade de 'secar' as
substâncias demonstra a potência da vontade e da criatividade em transformar sentimentos
ou liberá-los.
Já a solutio, é a operação relacionada à água. Sua principal característica é
dissolver, tornar água, e assim, trazer algo novamente a seu estado indiferenciado, como
uma tendência regressiva ao útero da mãe, para que algo novo renasça. A água está
sempre relacionada aos sentimentos.
A coagulatio tem como característica tornar as coisas fixas, lhes dar uma forma. Ela
transforma as coisas em terra; torna as coisas concretas, trazendo à consciência e
ampliando. Assim, a coagulatio é capaz de dar forma ao que antes não possuía. Ela coloca
o material numa posição onde a transformação poderá recomeçar.
A última das operações vinculadas aos quatro elementos é a sublimatio. Ela possui
em si um enorme poder de purificação, capaz de separar substâncias puras de impuras, e
ao mesmo tempo elevá-las de forma ascendente, transformá-las em ar, para que subam ao
céu novamente, tornando-se parte do todo, de modo que o que reste de palpável seja
apenas o puro.
Mas a opus não termina aqui; existem ainda três processos alquímicos para sua
conclusão. Essa tríade funciona de maneira transcendente, dialética. Apenas após duas
operações opostas em características, poderá surgir uma terceira operação que concilie e
una as duas outras. Aí sim, obteremos a pedra filosofal.
O primeiro processo dessa tríade é a mortificatio, processo que representa a morte, o
apodrecimento da matéria, sua decomposição e fragmentação. A esse processo pertence a
nigredo. Suas imagens comuns são a da tortura e mutilação, pois coloca o adepto em
contato com suas dores. Mas, ao mesmo tempo, ela é o prenúncio do início da reconciliaçãocom a vida, com o claro, com a albedo. Ela indica o caminho do retorno.
O seguinte processo é a separatio, operação responsável pela conscientização da
dualidade, pela distinção dos opostos, onde mostra-se presente a albedo. A separatio,
introduz ordem no caos da mortificatio, traz a capacidade de conter e dar conta desses
opostos, dissolvendo conflitos ambivalentes. Ela deve direcionar-se à integração, e não à
satisfação de opostos. Dessa forma, ela apresenta o espírito que indica o final do caminho
da opus.
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O resultado da separatio é chamado de 'terra branca', e é sob esta terra que os
princípios opostos, representados pelo masculino e feminino se unirão, isto é, o par de
opostos só pode se integrar após a purificação particular de cada um deles.
Enfim, o ápice da opus é a coniunctio. Ela é a união perfeita de antes matérias
inconciliáveis. Desta forma, restaurando sua pureza e integridade, logo a cisão da psique
desaparece numa unidade, onde há a reconstrução do eixo ego-Si mesmo. O adepto
retorna então a Si mesmo. A coniunctio é a operação relativa à rubedo de onde surge a
pedra filosofal como símbolo dessa integração, da imagem inata do alquimista.
O principal símbolo alquímico da coniunctio é o casamento do rei e da rainha, onde o
amor é agente ativo, pois sem ele não há verdadeira união e reconciliação.
Essa é uma breve descrição de uma opus contra naturam que visa trazer de volta
aquilo que está impuro e dissociado, à sua verdadeira unidade. Omnia in unum: Tudo em
Um.
Segundo Jung, em Psicologia e Alquimia, o lapis é trinus et imus (três em um),
fazendo referência às três substâncias primordiais descritas por Paracelso.
Interessante observar que este alquimista, em seu livro Botânica Oculta (1976), trata
sobre a questão da Teoria das três substâncias. Estas eram consideradas bases
necessárias a todos os corpos, e a força vital de todo ser vivo consistiria na união dos três
princípios: enxofre, mercúrio e sal. Esses princípios não representavam as substâncias em
si, mas são termos sigilosos para nominar propriedades materiais que poderiam ser
retiradas ou acrescentadas às substâncias através do processo alquímico. Desta forma, eles
representam respectivamente: volatilidade, fluidez e solidez.
Podemos entender também o enxofre como uma força masculina, corrosiva, de
energia vibrante e capaz de danificar os metais, correspondendo também à nigredo e à
mortificatio.
Mercúrio representa um princípio passivo, maleável, ligado ao feminino, considerado
uma espécie de solvente universal na Alquimia, como se a tudo purificasse e alimentasse.
Possui uma relação de dualidade e oposição ao enxofre, mas ao mesmo tempo o alimentaenquanto este, no início da opus, é considerado o embrião da própria pedra filosofal. Dessa
forma, podemos dizer que o mercúrio é análogo à albedo e à separatio.
O Sal pode ser considerado agente ativo na coniunctio, pois ele é o meio de
integração do enxofre e mercúrio, o espírito mediador na união. Nesse sentido a
representação da rubedo.
Os metais seriam sujeitos, então, a todos esses processos alquímicos
descritos acima. Estes representariam os recursos psíquicos do adepto, qual característica
exatamente estaria sendo transformada, e através de qual processo.
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Os metais, as pedras e suas variedades trazem em Si mesmos a
sua quintessência, o mesmo que os corpos orgânicos e, embora
sejam considerados sem vida, possuem essências de corpos que
viveram. (Paracelso,1976 p.20)
4.4 Caminhos de regeneração da alma
Hesíodo (1996) em Os trabalhos e os dias, nos fala sobre As cinco raças, correlatas
a distintas Idades, fases de desenvolvimento da humanidade, foram nomeadas pelo autor
com o nome de diferentes metais.
Primeiro, as raças de ouro e de prata não tem nenhum
conhecimento da necessidade, tudo lhes é dado
espontaneamente, vivem sem preocupações, achando-se assim
ligadas à infância(...)Já as raças de bronze e dos heróis se
vinculam ao vigor físico próprio da idade adulta. A raça de ferro é
a única que conhece a degradação da infância para a velhice e a
morte. (Hesíodo, 1996, p.81)
A primeira Idade foi a do Ouro, nesta os homens e deuses estavam lado a lado, os
homens desta Era eram como os Deuses, e nenhum terror os acometia nem nada lhes
faltava, viviam numa espécie de Éden, de Paraíso.
Mas o que é paraíso? Obviamente o Jardim do Éden com a árvore da vida e do
conhecimento bifronte e seus quatro rios. Na versão cristã também é a cidade celeste do
Apocalipse, o qual, como o Jardim do Éden, é concebida como mandala. Mas a mandalaéum símbolo de individuação.
(...) O par de opostos deserto-paraíso significa portanto o outro
par de opostos isolamento-individuação ou o tomar-se si-mesmo.
(Jung, 2011a, p.44)
Segundo Torrano (1991) Hesíodo declara que gostaria de já estar morto antes da
raça de ferro ou nascer depois dela, pois a raça de ferro representa a natureza mais
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primitiva do ser humano, a perda da imortalidade, a humanidade e apresentada à doença,
fome, velhice.
Também a respeito dessa teoria Sallis (2012) em Metamorfoses e a Teoria alquímica
dos metais, relata que os homens da primeira raça eram imortais como os deuses, e tudo
lhes era dado, essa fase é correlata ao Éden cristão, e também a fase matriarcal do
desenvolvimento da consciência. De acordo com Bygton (1984) a fase matriarcal representa
alem da simbiose do bebe com a mãe, a dimensão onde todos somos a mesma coisa, e o
universo funciona como um todo integrado, porem ainda indiscriminado. A raça de ouro, tal
qual essa dinâmica, e uma raça que não conhece a necessidade, o trabalho e a morte.
Porem a humanidade não sabendo a justa medida de seu poder começa um
processo de degeneração da alma, tornando-se corruptível, o que dá inicio a Idade da Prata,
onde essência e aparência diferem, dando espaço a mentira, e falsidade. A partir desta
ainda virão maiores degenerações. Da prata degenera ao bronze, onde não se morre de
velhice ou doença mas, a morte já e possível através da violência e do bronze ao ferro,
idade onde estamos hoje.
A Idade de ferro é marcada pela finitude do corpo, pela necessidade de trabalhar
para conseguir sobreviver, é início de angústias e sofrimentos que nunca antes a raça
humana conhecera.
Devemos ressaltar que o conceito que buscamos explicar nesse texto, e o de
caminho de regeneração da alma.
Viemos explicando a teoria de Hesíodo justamente para demonstrar uma
representação do processo de degeneração e corrupção da alma, o que reforça a
necessidade de pensarmos formas de lidar com as questões de nossa Idade.
Apesar das condições desta fase, continuamos podendo atingir a Idade de ouro, ao
menos psiquicamente falando, e esta fase e correlata ao ouro alquímico símbolo do Si
mesmo.
Devemos então regenerar nossa alma de ferro a ouro, ou como diriam os
alquimistas, de Saturno a Sol. Fica evidente então que não estamos tratando aqui dotermino de um processo de declínio, mas da existência de uma continuidade cíclica, e de
uma possibilidade de retorno.
Os processos de iniciações espirituais, partem do mesmo principio, da ideia de
desenvolvimento espiritual, ideia que se baseia na capacidade de integração do todo do
qual nossa singularidade teria emergido, como a própria consciência emerge do
inconsciente.
Outro exemplo desse sentido, pode ser observado no significado da palavra religião,
do latim religare, reconexão. Novamente a ideia de evolução espiritual, como o retornoconsciente ao inconsciente primevo.
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A Idade de ouro representa o ouro alquímico e dessa forma também e correlata ao
Sol. Ela foi assim nomeada, pois o ouro é representação da máxima espiritualidade, da alma
incorruptível.
Segundo Sallis (2011), na antiguidade este metal não poderia ser comprado por
qualquer um, pois nas tradições arcaicas era atribuído a este um valor espiritual. Por
exemplo, na Grécia arcaica só poderia usar um adorno de ouro, quem fosse alçado à
categoria de herói, isto é o ouro era de quem o conquistava por merecimento, dado a quem
completava o caminho de regeneração junto aos Deuses.
Para resgatarmos o ouro de nossa alma, nossa imortalidade perdida, precisamos
adentrar em uma busca profunda, uma busca de regeneração da alma, teremos de fazer o
caminho de volta, opus contra naturam, até o ouro. É nessa hora onde somos podemos ser
verdadeiros heróis, detentores da pedra filosofal.
Podemos observar que a jornada alquímica, e o caminho do herói no fundo apontam
para o mesmo processo, a qual C. G. Jung chamaria de processo de individuação, ambas
os caminhos apontam para a realização do ser enquanto totalidade.
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4.5 Sobre o tratado alquímico Splendor Solis
Em meu levantamento bibliográfico, encontrei poucos textos que discorressem
diretamente sobre esse tratado, embora muitos trabalhos sobre Alquimia usem de forma
ilustrativa uma ou outra imagem deste. Entre os autores encontrados, destaco Sharpe,
Henderson, Wisner e Sherwood.
Os textos encontrados sobre o tratado Splendor Solis foram os seguintes:
Sharpe, Elizabeth & J.K. (Editors). Splendor Solis: Alchemical Treaties of Solomon
Trismosin. Written 1582. Copyright 1920. Reprinted by Kessinger Publishing U.S.A.,
Henderson, J. L. e Sherwood, D. N. (2003) Transformation of the psyche. Nova York:
Brunner-Routledge,Wisner, K. (2010) Splendor Solis- Its Possible Influence on the
Ogdoadic System, Part 1,The Ogdoadic Journal - of the Western Mysteries- Vol. 1No. 4:Historical Threads of the Ogdoadic Tradition. Sun Lion Publications - ORDO
ASTRUM SOPHIÆ, Sherwood, D. N. (2010) Alchemical images, implicit communication, and
transitional states. Sun Lion Publications.
De acordo com Kerry Wisner, em seu artigo Splendor Solis – its Possible Influence
on the Ogdoadic System, Part 1, o tratado alquímico Splendor Solis foi encontrado
na Europa no final do séc. XVI. Contava com fragmentos de texto e 22 pranchas
com ricas e elaboradas imagens alquímicas.
Esse artigo foi publicado na revista The Ogdoadic Journal - of the Western
Mysteries- Vol. 1 No.4, onde o autor busca esclarecer a relação entre o simbolismo
presente no tratado, em relação aos processos iniciáticos da Ordo Astrum Sophiae,
ordem espiritualista, de fundamento hermético e cabalista.
It is my suspicion that this forgotten text, along with the paintings,
contains elements of esoteric wisdom that reach back to the earliest
foundations of the Western Mystery Tradition. (Wisner, 2010, p.5)Entendo que este texto, esquecido junto com as pinturas,
contém elementos de sabedoria esotérica que remontam os
primeiros fundamentos da Tradição de Mistérios Ocidentais
(Tradução livre da autora)
A autoria do tratado é de Salomon Trimosin, lendário professor de Paracelso.
Este afirma que boa parte do conhecimento presente no tratado, veio de suas
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viagens na Itália, onde trabalhou com diversos alquimistas, teve muitos professores
com quem estudou ocultismo, cabala, a antiga religião egípcia, entre outros temas.
Jung was also familiar with the Splendor Solis. In his
works, he reproduced several images and quoted the text, but
he did not consider its images in detail, either separately or as a
series.
The twenty-two illuminated paintings in the manuscript of
the Splendor Solis belonging to the British Library (Harley 3469)
are the most beautiful and accessible images of late medieval-
early Renaissance European alchemy, and they provide us with
a process in images that can touch us at a very deep level.(Henderson e Sherwood, 2003, p.3)
Jung estava familiarizado com o tratado Splendor Solis.
Em suas obras, ele reproduziu várias imagens e citou o texto,
mas ele não considerou suas imagens em detalhe,
separadamente ou como uma série.
As 22 pranchas do manuscrito Splendor Solis,
pertencentes à British Library (Harley 3469), são as mais belase acessíveis imagens da alquimia europeia do final da Idade
Média e início do Renascimento, elas nos fornecem um
processo em imagens que podem tocar-nos em um nível muito
profundo. (Tradução livre da autora)
O tratado mostra as diversas transmutações da matéria, até que esta chegue
a Lapis Philosoforum e por revelar símbolos que tratam do processo de individuação,
suas imagens são profundamente impactantes.
É importante ressaltar que essas famosas sequências de placas alquímicas, estão
explicando, através de suas próprias imagens, o processo físico e filosófico da obtenção da
pedra filosofal. São enigmas figurados, onde suas imagens abrem um enorme campo de
amplificações, captando toda a complexidade de seus processos.
O grande número de ilustrações acrescidas ao texto justifica-se pelo fato de
as imagens simbólicas pertencerem, por assim dizer, à constituição espiritualalquímica. (Jung, 2011b, p.11)
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A importância da imagem como primordial ao entendimento psíquico e à Alquimia é
também reforçada por Lopes em sua monografia intitulada Saturno. Esta nos coloca o quão
a imagem é considerada na Psicologia Analítica, como a linguagem da psique, sendo
utilizada nas diversas técnicas expressivas como Sandplay, imaginação ativa, desenhos,
entre outras.
Hillman (2011), observa que a imagem é o que é; revela-se a si mesma a partir da
capacidade de nossa consciência, se esta consegue suportar a angústia do desconhecido.
Splendor Solis, fazendo jus à Alquimia, é um tratado que não demonstra apenas a
obtenção de um ouro ou material final físico; através de suas imagens vai além dos
processos físicos pois, sua linguagem é simbólica, apresentando as transmutações
necessárias à evolução espiritual do alquimista, em busca de seu ouro metafórico.
Segundo Sharpe (1920) em seu trabalho Splendor Solis: Alchemical Treaties of
Solomon Trismosin, a numeração das pranchas e sua sequência não pode ser
negligenciada, pois, o autor bebeu de conhecimentos muito profundos e antigos, que
justificariam a sequência das pranchas ter íntima relação com o taro, e com os caminhos da
Árvore da vida judaica.
Whether we consider Alchemy as a Science of Occult
Chemistry, or as a Kabbalistic Art of Spiritual Regeneration, the
process Splendor Solis endeavours to communicate is equally
remarkable and curious. (Sharpe, 1920, p.10)
Se considerarmos Alquimia como uma ciência da Química
Oculta, ou como uma Arte Cabalística de Regeneração Espiritual,
o processo que Splendor Solis se esforça para comunicar é
igualmente notável e curioso. (Tradução livre da autora)
Dessa forma, esse tratado alquímico, visa mostrar de modo alegórico o caminho deevolução espiritual, como o ser humano pode tornar-se mais próximo de “Deus”, ou de Si
mesmo. Através da busca por desvendar verdades divinas ocultas em seus símbolos,
encontrar verdades pessoais antes encobertas – tornar o homem comum um ser espiritual e
íntegro, consciente de sua divindade.
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5. Interpretação simbólica das pranchas do tratado
alquímico Splendor Solis
5.1 O MATERIAL PRIMAL DO TRABALHO
Essa matéria está diante de todos; todas as pessoas a veem,
tocam, amam, mas não a conhecem. Ela é gloriosa e vil, preciosa
e insignificante, e é encontrada em toda a parte... Para resumir,
nossa Matéria tem tantos nomes quantas são as coisas do
mundo; eis porque o tolo não a conhece (The HermeticMuseum,
1:13)
Ó meu Deus, como acontece que, neste pobre velho mundo, Tu
sejas tão grande e, sem embargo disso, ninguém Te encontre,
que chames com voz tão forte e ninguém te ouça, que estejas tão
próximo e ninguém Te sinta, que Te dês a toda a gente e
ninguém saiba Teu nome? Os homens fogem de Ti e dizem que
não podem encontra-Te, viram- Te as costas e dizem que nãopodem ver- Te; tapam os ouvidos e dizem que não podem ouvir-
te. (Denk, H. In: Aldous Huxley, 1994)
A materia prima, ou prima materia é a substância inicial do processo alquímico;
somente através dela poderemos alcançar o lápis philosoforum.
Existe grande divergência entre os alquimistas, sobre qual seria a matéria prima de
sua opus. É relevante que o início da opus seja tão enigmático quanto sua meta, de forma
que para esta, existem tantas definições como para a pedra filosofal. O que realmenteambos são e significam torna-se o verdadeiro mistério da Alquimia.
Observaremos aqui quais são seus possíveis sentidos psicológicos, quais símbolos e
substâncias costumam representar a prima materia:
Daí o grande número de sinônimos utilizados para
designar a matéria prima. Alguns alquimistas a identificam com o
enxofre ou o mercúrio, ou o chumbo; outros, com a água, o sal o
fogo etc. Ainda há outros que a identificam com a terra, o sangue,
a Água de Juventude, o Céu, a mãe, a lua, o dragão, ou com
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Vênus, o caos e com a mesma Pedra Filosofal ou com Deus.
(Eliade, 1983, p.131)
A matéria prima é considerada algo raro e vulgar; ela não se encontra apenas
em um matéria ou elemento, mas está presente como centelha em todos os
elementos. Assim, é nomeada por muitos alquimistas como o elementum
primordiale, o elemento primordial.
Dessa forma, aquele que deseja iniciar o processo alquímico deve descobrir
qual será sua matéria prima, pois é dentro dessa que existe em potência sua
respectiva Pedra Filosofal.
Esta "matéria prima" é o fundamento da Arte Alquímica. Na
"matéria prima" estão misturados os quatro elementos em estado
desordenado, pois: "terra e água, que são mais pesadas do que
os outros elementos, elevavam-se até o círculo da lua, e o fogo e
o ar, que são mais leves do que os outros, desciam até o centro
da terra, razão por que esta "matéria" é chamada, acertadamente,
desordenada. Desta matéria desordenada, apenas uma parte
permanece no mundo, e ela é conhecida por todos e é vendida
publicamente". (Jung, 2011b, p.337)
Desse modo, a matéria prima se encontraria presente em todos os lugares e seres; é
dito que consegue fazer de qualquer um “rei” e ao mesmo tempo apresenta-se de forma
desprezível.
Para descobrir a essência da matéria prima de sua opus, Basilio Valentino,
alquimista do século XIV, construiu um acróstico que resumiria essa busca: VITRIOL. Este
já é um lema conhecido da Rosa Cruz e maçonaria.
Vitriol contém todas as respectivas iniciais da seguinte frase escrita originalmente em
latim:Visita Interiora Terrae Retificando que Invinies Occultum Lapidem. Sua tradução
seria:Visita o Interior da Terra e, Retificando, Encontrarás a Pedra Oculta.
Isto é, a verdadeira matéria prima terá de ser encontrada no interior da terra.
Podemos pensar nas antigas cavernas iniciáticas, nas próprias minas, ou buscando um
sentido mais profundo, o interior de nós mesmos, de tudo aquilo que nos constitui. Esse
material encontr ado equivaleria a uma “pedra bruta” que necessita de todo um processo
(opus alquímica) para que possa enfim tornar-se íntegro e completar sua meta.
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Assim, a palavra Vitriol com suas sete letras, simboliza a busca de cada alquimista
para integrar e trabalhar o seu Si mesmo. Conhecer a matéria prima de seu trabalho é o
primeiro passo.
Nos ritos de iniciações de tradição hermética, o neófito em um momento especifico
do ritual, é levado a uma câmara de reflexão, onde se deparará com essa expressão
medieval alquímica. A ideia é que nessa câmara, o neófito morra nessa vida para que possa
renascer como iniciado.
A câmara de reflexões pode ser entendida como um vaso alquímico. Acima de tudo,
representa o útero no qual será colocada a matéria prima a fim de ser transmutada. Outra
representação análoga seriam as cavernas onde muitas das antigas iniciações eram feitas.
Von Franz nos lembra que, nessas cerimônias, o neófito permanecia certo tempo na
caverna (no útero da mãe) e saía desta por uma fenda ou orifício, como se estivesse
nascendo, simbolizando a morte de alguém num plano mundano para seu ressurgimento
como um ser espiritual.
A matéria prima morrerá no vaso alquímico (mortificatio) para renascer através deste
como o próprio lápis philosoforum.
A primeira fase do processo alquímico é a nigredo, onde a matéria prima ainda se
encontra num estado indiferenciado, um estado de massa confusa, representando o próprio
Caos, inconsciente coletivo e também a própria morte da prima materia.
Os alquimistas equivalem a nigredo e seu caos gerador, ao próprio elemento terra.
Por essa razão, a prima materia coincide às vezes com a noção
do estado inicial do processo, a "nigredo" (negrume). É a terra
negra na qual é semeado o ouro(...) É a terra negra, mágica e
fértil trazida do Paraíso por Adão, e que também é denominada
antimônio e descrita como "o negro mais negro do que o negro"
(nigrum nigrius nigro) (Jung, 2011b, p.335, PP. 433)
La palabra alquimia deriva de la voz árabe al-kimiya, que, a su
vez, proviene, al parecer, del egipcio keme y designa la «tierra
negra», que puede ser tanto la denominación del propio país de
Egipto, como el símbolo de la materia prima de los alquimistas.
(Burckhardt, 1979, p.6)
A palavra alquimia vem do árabe al-Kimiya, que, por sua vez,
aparentemente é originária da palavra keme egípcia que designa
a "terra preta", que pode ser tanto o nome do país de origem do
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Egito, como o símbolo da a matéria-prima dos alquimistas.
(tradução livre da autora)
Existem diversas especulações que dizem que a palavra Alquimia seria originada da
palavra árabe kimia, derivação do termo egípcio que significa terra negra.
Não é mera coincidência que diversos alquimistas empreguem como matéria prima a
própria terra, recolhida de local sagrado, pois a terra está impregnada com energia
cósmica.Os metais são os espíritos planetários da terra, pois em seu interior se daria toda a
sua evolução.
A terra na alquimia é considerada assim, a mãe dos metais. Assim como o céu
guarda em si as estrelas, a terra carrega os metais em seu ventre.
Ora, a base de fundação de todos os elementos, é a
terra, pois ela é o objeto, sujeito e receptáculo de todos os
raios e influências celestiais; nela estão contidas as sementes e
as virtudes seminais de todas as coisas ; e por isso se diz que
ela é animal, vegetal e mineral. Frutificada pelos outros
elementos e pelos céus, ela gera tudo de si; recebe a
abundância de todas as coisas e, sendo a primeira fonte, é
dela que brotam todas as coisas. Ela é o centro, a fundação e a
mãe de todas as coisas. (Agrippa, 2008, p. 89)
A substância de nossa matéria demonstra ainda outras conexões com o símbolo
“terra”; muitas vezes é chamada terra adâmica, por ter sido a terra que Deus utilizara para a
criação do ser humano.
7. O Senhor Deus formou, pois, o homem do barro da terra, e
inspirou-lhe nas narinas um sopro de vida e o homem se tornouum ser vivente. (Bíblia Sagrada, Gênesis, 2)
Essa terra é uma matéria primordial de onde as coisas podem ser esculpidas.
Através dela Deus poderá criar sua estátua viva, a estátua de Adão.
Como materia vilis carrega em si o caos da inimizade entre os elementos. Essa
energia ainda muito primitiva, indiscriminada, indiferenciada deverá nascer à consciência
através da forma que tomará. O Si mesmo sempre esteve presente na opus, pois ele já
existia de forma caótica na prima matéria; a opus apenas trabalhará em tornar essasubstância o mais organizada em sua essência, o mais de Si mesmo em Si mesmo.
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Há de certo modo quatro etapas no processo alquímico
(tetrameria), caracterizadas pelas quatro cores, por sobre as
quais a caótica substância do arcano atinge a unidade final, que é
o Unum (o Um), isto é, o lápis (pedra), o qual é simultaneamente
um homunculus (homúnculo, homenzinho). Deste modo o filósofo
alquimista repete expressis verbis (expressamente, na expressão
da palavra) a obra criadora de Deus no Gênesis. Por isso não é
de admirar que ele designe sua prima matéria como Adão. (Jung,
2011, p.170)
No processo alquímico, o alquimista torna-se criador e repete a obra de Deus.
Podemos dizer que de forma análoga, Adão é pedra filosofal de Deus, daí o símbolo
do homúnculo como meta da opus. Esse homúnculo é tradicionalmente descrito como uma
pequena cópia viva do alquimista. Logo, realmente, para cada alquimista existe um lápis,
aqui descrito como símbolo de sua integração. Esse lápis é criado a partir da prima matéria,
feito à imagem e semelhança do alquimista, tal qual Adão teria sido criado por Deus.
Designa-se também a prima materia com o título de Adão primitivo, o Adão que
precisará passar por toda uma série de transformações para que possa tornar-se Adão
Cósmico, sua meta, esse correlato ao próprio Jesus cristo.
O primeiro Adão e seus filhos foram criados de elementos
efêmeros; conseqüentemente, aquilo que era composto devia ser
decomposto; o segundo Adão designado como o homem
filosófico foi criado de elementos puros que se tomarão eternos.
(Jung, 2011g, p. 408 PP.473)
Jung em Mysterium Coniunctiones II (2011e) nos explica que o alquimistaparacelsiano Dorneus havia chamado seu lápis de Adão. Este, dentro de si, guardava sua
“Eva invisível” representante de sua anima. Ao integrar-se com ela tornaria-se o “verdadeiro
Adão hermafrodito”.
Na doutrina gnóstica eles chamam este segundo homem de Adamas, o homem
perfeito e verdadeiro. Adão é, então, o homo maximus que não é apenas a matéria prima da
obra, mas, a anima universalis de todos os homens. Na Cabalah judaica, um exemplo deste
homem universal é o Adão Kadmon representante do homem arquetípico e primordial, a
própria síntese da árvore da vida.
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O médico e alquimista Paracelso escrevia em seus textos, tanto sobre Medicina
quanto Alquimia. Ao discorrer acerca do macro e microcosmo, considera ainda uma terceira
instância.
Da mesma forma que o macrocosmo corresponde a Deus e o microcosmo ao ser
humano, ele relaciona o que chama de “matriz” à mulher. Com essa distinção, ele busca
esclarecer a função feminina no mundo, tomando por base sua função biológica de gerar a
vida, e ressaltando que homem e mulher possuem uma natureza diferente. Essa dupla
natureza do ser humano, também se reflete na prima materia da opus, que consiste na
reprodução laboratorial da concepção. Dessa forma, a natureza masculina da prima matéria
se apresenta através do sêmen, ou como Paracelso prefere chamar ens seminis (espírito do
sêmen). Este sêmen será recebido pela matriz, representada pelo corpo da mulher; analogia
perfeita com uma semente que será gestada pela terra, até que esta possa sobreviver ao
mundo exterior.
Sobre a semente, ou ainda sobre o sêmen, esse alquimista escreve:
Toda semente é tríplice, ou melhor, contém três substâncias
misturadas, já que tudo que está na semente está junto e não
dividido. Por isso, a semente representa a própria junção da
unidade. (Paracelso,1973, p. 208)
Essa essência tríplice, muito descrita por Paracelso, está presente em todas as
coisas. Esses elementos primordiais, nomeados pelo próprio, seriam mercúrio, enxofre e sal.
Os alimentos para que a semente humana possa se alimentar e desenvolver estão
presentes unicamente na matriz. Esta matriz é puramente feminina. A semente só poderá
viver diretamente conectada ao macrocosmo após passar pela gestação na matriz; ela
guarda e é responsável pelo espírito divino no interior do homem. Relevante que Paracelso
também considera a prima matéria de forma bastante paradoxal.
Como podemos falar da natureza da matriz se ninguém nunca viu
a sua primeira matéria? E quem poderia ver o que existiu antes
de cada um? O certo é que todos viemos da matriz e ninguém a
viu por que ela existiu antes do homem. (Paracelso, 1973, p.328)
A ideia de matriz está fundamentada na ideia de regressus ad uterum (regresso ao
útero), regresso ao feminino primordial. Esse retorno representa a morte de uma vida para o
início de outra.
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No artigo Alquimia, Ocultismo, Maçonaria: o ouro e o simbolismo hermético dos
cadinhos (séculos XVIII e XIX) (Silva, 2003), é explicitado o simbolismo iniciático da Ordem
Maçônica e outras doutrinas herméticas:
Simbolicamente a Ordem discorre, através dele, sobre morte e
ressurreição associadas à transmutação, à redenção que permite
ressurgir para uma nova vida, no plano macrocósmico,
microcósmico ou individual, e iniciático. (p.30)
Dessa forma, o iniciado é aquele que nasceu duas vezes na mesma vida. Esse
segundo nascimento tem como premissa a ideia de morte em vida. A morte da vida
mundana é o nascimento para a vida espiritual, e é apenas na matriz que essa
transformação de nascimento – morte – renascimento é possível.
Como já foi dito acima, a prima materia tem muitos nomes, e sua relação com o
feminino é bastante relevante.
Os alquimistas a descrevem como uma matéria intocada, virgem por nunca ter tido
nenhum contato com um princípio masculino; ao mesmo tempo, como prostituta porque está
aberta ao contato com todos os metais, e mãe, pois ela é capaz de carregá-los em si e
transformá-los, trazendo algo novo à vida, e purificando os metais em seu uterus.
Jung, em seu livro MysteriumConiunctionis / 1, cap. II (2011e), escreve acerca do
chamado Enigma bolognese, nomeado desta forma por ter sido encontrado num epitáfio em
Bolonha. Este evidencia o caráter paradoxal da prima matéria, paradoxal tal qual a ideia de
plenitude ou de todo potencial. Segue o primeiro trecho do epitáfio:
Aelia Laelia Crispis não é nem homem, nem mulher, nem andrógena, nem menina,
nem jovem, nem velha, nem casta, nem meretriz, nem pudica, mas tudo isso.(p.84)
A prima materia possui outra característica bastante relevante: ela é criadora em si
mesma, pois é matéria para que todas as coisas existam. Dessa forma, seu marido só pode
ser seu filho, pois ela é a Senhora da qual nascem todas as coisas; ela é a mãe do lápis philosoforum. A temática do incesto filho-mãe está presente em muitos tratados e textos
alquímicos.
Segundo Jung (2011), a deusa Ísis é considerada muitas vezes como Mater Alquimia
(mãe da Alquimia), aparecendo como uma mestra tida como discípula ou filha do próprio
Hermes Trismegisto.
No texto se alude com frequência à Isis como «a Viúva», daí que
do começo mesmo da alquimia se chame à pedra filosofal, aomistério, o mistério da viúva,a pedra da viúva ou a pedra do órfão;
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havia uma conexão entre a viúva e o desamparado, mas tudo
aponta à Isis. (vonFranz, 1996, p. 44)
Sua característica
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