A (IN)EFICÁCIA DO INSTRUMENTO DAS OPERAÇÕES URBANAS
APÓS QUINZE ANOS DO ESTATUTO DA CIDADE: O CASO
BELORIZONTINO
R. M. de Almeida, J. L. B. Nizza, A.L. Grossi, I. B. de Oliveira, J. Petri e F. V.
Daldegan
RESUMO
Após quinze anos da aprovação do Estatuto da Cidade, alguns instrumentos de política
urbana, como as Operações Urbanas, merecem um estudo mais aprofundado. Em Belo
Horizonte, a Operação Urbana vem sendo aplicada desde a década de 1990. Envolvendo os
campos da Arquitetura e do Direito, este artigo apresenta parte dos resultados de uma
pesquisa apoiada pela Universidade FUMEC/MG e pela FUNADESP, sobre as
possibilidades da utilização das Operações Urbanas, considerando a eficácia ou a ineficácia
de sua aplicação. Estudou-se a Operação Urbana do Conjunto da Avenida Oiapoque, que
teve significativo impacto urbano e social na cidade, na primeira década do Século XX.
Utilizou-se dados disponibilizados em órgãos municipais e uma extensa revisão
bibliográfica. No final, conclui-se que apesar de avanços, a implementação das Operações
Urbanas pode acarretar contrapartidas e usos distantes dos reais interesses públicos,
atendendo aos anseios de um pequeno grupo. Assim, questiona-se a eficácia jurídica e
urbanística do instrumento.
1 INTRODUÇÃO
O instrumento urbanístico de política urbana denominado Operação Urbana Consorciada,
cada vez mais presente no planejamento e gestão do uso do solo urbano, caracteriza-se
pelo conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público Municipal, que,
agindo em conjunto com investidores privados, visa promover, em determinadas áreas,
transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental,
viabilizando a implantação de equipamentos na cidade e proporcionando uma melhor
convivência e uma maior qualidade de vida para o cidadão.
Em Belo Horizonte, esse instrumento vem sendo utilizado desde 1996, com a entrada em
vigor do Plano Diretor municipal (Lei 7.165/96). Até os dias atuais, foram aprovadas e
implantadas na cidade várias Operações Urbanas, destacando-se, dentre elas, a “Operação
Urbana do Conjunto da Avenida Oiapoque” (BELO HORIZONTE, 2003b). Essa Operação
Urbana teve, dentre outros, o objetivo de implantar um shopping popular, para acomodar
os ambulantes que ocupavam parte dos passeios das principais ruas na região central da
cidade. Em Belo Horizonte, o comércio de ambulantes em vias públicas aconteceu com
certa permissividade dos órgãos públicos até os anos 1990, quando passou a ser visto pela
população como um dos principais motivos para a degradação da região central.
Em 2003, o Código de Posturas de Belo Horizonte dispôs, que “[...] fica proibido o
exercício de camelôs em logradouros públicos” (Art. 118, da Lei n° 8.616/2003) e, de
modo a permitir que essas pessoas ainda mantivessem o seu negócio, a PBH propôs a
criação de espaços organizados para receber esses comerciantes (BELO HORIZONTE,
2003a). Dessa forma, surge o primeiro shopping popular de Belo Horizonte, o Shopping
Popular Oiapoque.
O propósito deste artigo é analisar a eficácia ou não eficácia desse importante instrumento
de política urbana, as Operações Urbanas Consorciadas, verificando se está ocorrendo a
sua utilização, sem possíveis desvios de finalidade. Objetiva-se identificar se os fins
pretendidos pelo poder público foram efetivamente alcançados com a sua implementação,
e assim almejada a eficácia da legislação proposta.
A implantação de uma legislação é um processo que se inicia com a idealização da lei,
passa por sua redação, apresentação ao Poder Legislativo, discussão, votação, aprovação,
promulgação e publicação em Diário Oficial. Já a implementação da lei só começa depois
que ela estiver implantada. Com relação à análise da implementação de uma legislação,
cabe verificar se ela está de fato sendo cumprida e se está produzindo os efeitos desejados
(SILVA, 2007).
Utiliza-se como estudo a Lei 8.728, de 30 de dezembro de 2003, denominada como
“Operação Urbana do Conjunto da Avenida Oiapoque” (BELO HORIZONTE, 2003b).
Essa avenida, situada na região central de Belo Horizonte, possui um singular conjunto
arquitetônico tombado pelo patrimônio histórico municipal, além de ser um importante nó
viário da cidade, por onde passa um grande número de linhas de transporte coletivo.
O enfoque da análise será dado sob a ótica da sociologia jurídica, já que se pretende
analisar se tal legislação observou os reais anseios da coletividade ou se acarretou a
determinação de contrapartidas afastadas dos interesses públicos, além do mau uso do
instituto da Operação Urbana, com o objetivo de transgredir diretrizes do Plano Diretor do
município de Belo Horizonte.
Os estudos foram baseados em ampla pesquisa e análise documental, baseadas nos
documentos arquivados pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e que estão disponíveis
ao acesso público. A análise envolveu também pesquisa em livros nos campos do Direto,
da Arquitetura e do Urbanismo, reportagens, teses e dissertações.
Este artigo faz parte de uma pesquisa aprovada em 2015, denominada “Possiblidades do
uso das Operações Urbanas Consorciadas como instrumento de regularização urbanística:
o caso de Belo Horizonte”. Esta pesquisa objetiva verificar as possibilidades da utilização
do instrumento denominado Operações Urbanas Consorciadas na prática de regularização
urbanística (fundiária e edilícia), a partir do estudo de operações aprovadas em Belo
Horizonte, no período compreendido entre 1996 e 2016. Conta com o apoio e
financiamento do Programa de Pesquisa e Iniciação Científica da Universidade FUMEC
(ProPic/FUMEC) e da FUNADESP. O grupo de pesquisadores é formado por professores e
alunos dos cursos de Arquitetura e Urbanismo e do Direito.
2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE OPERAÇÕES URBANAS
As Operações Urbanas são entendidas como um gênero que, de acordo com o doutrinador
e professor acadêmico José Afonso da Silva, em seu livro Direito Urbanístico Brasileiro,
abarca “toda atuação urbanística que envolve alteração da realidade urbana com vista a
obter nova configuração da área” (SILVA, 2006: 367).
O urbanista Pedro Jorgensen Júnior (2000: 10) explica que o termo “Operação Urbana” diz
respeito a gêneros de ação urbanística, “que embora conexos, podem diferir
consideravelmente dependendo do lugar e da circunstância”, identificando três acepções
para a expressão. A primeira, com uma conotação meramente genérica, aparecendo como
sinônimo de qualquer projeto ou intervenção urbana, a qual pode designar tanto a
“implantação de um novo conjunto residencial quanto a construção de uma nova via
expressa ou a urbanização de uma favela” (JÚNIOR, 2000: 11), por exemplo. A segunda
acepção descrita pelo urbanista, por ser mais afeta à administração corrente, foi
denominada pelo autor de “urbanismo operativo” e trata de uma “classe específica de
instrumentos normativos correntes”, o qual se refere às transferências de potencial
construtivo, leilões de índices, solo criado, dentre outros. E por fim, a terceira acepção, que
a compreende como:
Um tipo especial de intervenção urbanística, de iniciativa pública ou
privada, mas preferencialmente regida por critérios de interesse público,
voltada para a transformação estrutural do ambiente urbano existente e que envolve, simultânea ou alternativamente (1) a combinação de capital de
investimento público e privado, (2) o redesenho da estrutura fundiária, (3)
a apropriação e manejo (transação) dos direitos de uso e edificabilidade do
solo e das obrigações privadas de urbanização e (4) a apropriação e manejo das externalidades positivas e negativas da intervenção. (JÚNIOR, 2000:
12)
A última acepção é a que foi contemplada pelo Estatuto da Cidade, no que se refere às
Operações Urbanas Consorciadas. Adequadamente, a urbanista Raquel Rolnik, embasada
pela referida norma, conceituou o instrumento como:
[..] transformações específicas para uma certa área da cidade que se quer
transformar, que preveem um uso e uma ocupação distintos das regras
gerais que incidem sobre a cidade e que podem ser implantadas com a participação dos proprietários, moradores, usuários e investidores
privados.” (ROLNIK, 2002: 68)
Segundo os urbanistas Ermínia Maricato e João Sette Whitaker Ferreira (2002), apesar de
recente sua conceituação pelo Estatuto da Cidade, o instrumento já é conhecido e há
tempos vem sendo aplicado em diversos planos diretores do País, embora com
nomenclaturas e configurações diversas.
Do ponto de vista jurídico, o instituto da Operação Urbana Consorciada encontra-se
definido no artigo 32, §1º, do Estatuto da Cidade como:
O conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público
municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma
área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a
valorização ambiental. (BRASIL, 2001)
Pode-se inferir pela definição legal, que as Operações Urbanas têm como objetivo
proporcionar o desenvolvimento urbano e são “consorciadas” por se tratarem de uma
espécie de parceria público-privada, já que se faz necessária a cooperação entre poder
público municipal e diferentes agentes sociais. Nesse sentido, afirma José dos Santos
Carvalho Filho, em seu livro Comentários ao Estatuto da Cidade, “que o grande
fundamento das operações urbanas consorciadas é de fato a parceria entre o setor público e
o privado” (FILHO, 2009: 219).
A advogada Karlin Olbertz (2011), em seu livro Operação Urbana Consorciada, esclarece
bem os deveres do instrumento para alcançar os objetivos propostos pelo Estatuto da
Cidade. Segundo a autora, há uma necessidade de modificações dos espaços habitáveis,
bem como uma atenção com a melhoria social, que não se dará apenas pelas
transformações estruturais, mas também por ações, como a instituição de zonas especiais
de interesse social ou, até mesmo, a distribuição mais eficaz de escolas e postos de saúde.
Já no que tange a valorização ambiental, a advogada salienta não somente a preservação
dos recursos naturais, abarcando também “tudo que possa oferecer bem-estar no âmbito do
espaço habitável” (OLBERTZ, 2011: 67).
3 BREVE REFERÊNCIA À EFICÁCIA DAS NORMAS JURÍDICAS E SEUS
EFEITOS SOCIAIS
Inicialmente, pode-se considerar que o conceito de eficácia e validade das normas jurídicas
não se confundem. Segundo o magistrado e professor Sérgio Cavalieri Filho (1998: 75), o
conceito de validade liga-se à própria essência ou substância da coisa, seja esta uma norma,
um ato ou contrato, sem a qual ela não existiria. Para que uma norma seja válida, se faz
necessário o preenchimento de todas as exigências legais.
A eficácia de uma norma, por outro lado, é consequência de sua validade; dizer que uma
norma é eficaz significa dizer que ela produziu os efeitos almejados. Sob o enfoque da
sociologia jurídica, a eficácia liga-se à ideia de que uma norma jurídica é capaz de produzir
os efeitos sociais para os quais ela foi editada, isto é, importa verificar a possibilidade que
as normas têm de provocar efeitos substanciais, de se adequar aos interesses globais que
originaram sua criação.
Cavalieri Filho (1998: 76), em sua obra “Você Conhece Sociologia Jurídica”, conclui que a
eficácia “é a adequação entre as normas e as suas finalidades sociais. Em outras palavras, é
eficaz a norma que atinge os seus objetivos, que realiza as suas finalidades, que atinge o
alvo por que está ajustada ao fato.” Agrega-se a esse entendimento do autor que o
legislador, na tarefa de elaborar uma norma, deve procurar adequá-la à realidade social. A
edição de uma norma é impulsionada por questões sociais, que urgem ser regulamentadas,
e não o contrário. Assim, quanto mais adequada e atrelada a lei estiver à realidade social,
mais eficaz ela será, pois abarcará os verdadeiros conflitos e problemas para os quais foi
promulgada. Por outro lado, uma norma ineficaz é aquela que não se adequa aos seus fins
expressos, pois não realiza o fim social que a justifica.
O jurista e sociólogo Felippe Augusto de Miranda Rosa (2001: 132), na obra “Sociologia
do direito: o fenômeno jurídico como fato social”, disserta sobre a eficácia da norma legal
e sintetiza da seguinte forma:
Já ao se examinar a eficácia da norma legal, surge um elemento novo a
considerar, e que é certa qualidade do efeito que ela produz, ou seja, um efeito condizente com os fins para os quais foi editada, ou com os seus objetivos que,
segundo o consenso social possui. (...) Essa é questão de grande importância,
aliás, no tocante à interpretação das leis; mas adquire ainda maior significado
no exame sociológico da normatividade jurídica, pois realça a íntima relação e
os condicionamentos recíprocos entre o Direito e a realidade social que o
declara, mantém, transforma e aplica.
Destaca-se, que observar a técnica para a edição das leis é importante quando o objetivo a
ser alcançado refere-se apenas à sua validade. Contudo, ao buscar que tal norma cumpra
com as finalidades para as quais foi editada, deve o legislador atentar-se às necessidades da
população, buscando sempre a consecução dos interesses e anseios da coletividade quando
da sua implantação. Assim, pode-se concluir a partir de Cavalieri Filho (1998: 76), que “A
sociedade não espera o legislador, a sociedade condiciona o direito fato, moldando-o à sua
imagem e semelhança. Cabe ao legislado ajustar o direito positivo a essa realidade social,
sob pena de nunca elaborar uma lei eficaz”.
Salienta-se, lado outro, uma abordagem diferente sobre a validade e a eficácia da norma
dada pelo positivismo. Segundo Silva, em sua obra “Aplicabilidade das normas
constitucionais” (2007), a lição do jurista Hans Kelsen é bastante clara sobre o tema: a
vigência de uma norma significa a sua existência específica; por outro lado, uma norma é
eficaz quando todos os requisitos para a aplicação aos casos concretos foram observados,
ou seja, são normas que se revestem de aplicabilidade. Expressando o positivismo, Kelsen
(1962: 20) distingue a vigência da eficácia nos seguintes dizeres: “Dizer que uma norma
vale (é vigente) traduz algo diferente do que se diz quando se afirma que ela é efetivamente
aplicada e respeitada, se bem que entre vigência e eficácia possa existir certa conexão”.
A teoria positivista sobre a eficácia social e jurídica das normas jurídicas pode ser assim
sintetizada:
Tratando-se de normas jurídicas, a eficácia consiste na capacidade de
atingir os objetivos nela traduzidos, que vêm a ser, em última análise, realizar os ditames jurídicos objetivados pelo legislador. (...) Por isso é que,
tratando-se de normas jurídicas, se fala em eficácia social em relação à
efetividade, porque o produto final objetivado pela norma se consubstancia
no controle social que ela pretende, enquanto a eficácia jurídica é apenas a possibilidade de que isso venha a acontecer (SILVA, 2007: 66).
Entende-se que a análise da eficácia ou a ineficácia de uma legislação passa pela
comparação entre a finalidade prevista para a norma e a sua implementação. Considera-se
também, a análise da lei com relação a se ela é ou não seguida pelas pessoas a quem é
dirigida. Assim, consentindo com o jurista Norberto Bobbio (2005), é a eficácia ou a
ineficácia um critério de identificação de aceitação e prática por seus destinatários, ou seja,
dos envolvidos no processo.
4 A OPERAÇÃO URBANA DO CONJUNTO DA AVENIDA OIAPOQUE
Belo Horizonte possui um grande conjunto arquitetônico tombado pelo Conselho
Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte (CDPCM-BH). Uns
dos mais representativos conjuntos arquitetônicos situa-se próximo à avenida Oiapoque,
situada na região central de Belo Horizonte e que foi implantado no final do Século XIX e
início do Século XX (FIG. 1).
Figura 1. Vista da Avenida Oiapoque. Parte de seu conjunto arquitetônico refere-se ao início do
Século XX. Fonte: Os autores, 2016.
Nessa avenida está situado o edifício comercial, privado, conhecido como Shopping
Popular do Oiapoque, em uma construção que foi tombada pelo município em 1990 e é um
projeto de 1908, do arquiteto italiano Luiz Olivieri. O prédio foi concluído em 1910,
quando passou a abrigar a cervejaria Rhenânia e, em 1922, deu lugar à cervejaria Polar. Em
1928, a Polar vendeu suas ações para a cervejaria Antárctica. Nas décadas de 30 e 40, a
edificação sofreu diversas modificações arquitetônicas, passando por reformas. A
volumetria original, no entanto, não sofreu alterações (ABRITTA, 2005) (FIG. 2).
Figura 2. Antiga Cervejaria Antártica. Fonte: Portalsaofrancisco, 2016.
Em 2000, apesar de já ter sido tombado, o edifício encontrava-se em avançado estado de
degradação na parte interna, tendo sido retirada boa parte da cobertura dos prédios. Apesar
disso, as características arquitetônicas da edificação não foram alteradas e o CDPCM-BH
determinou o tombamento com diretrizes especiais de proteção e projeto. Em 2002, o
imóvel foi a leilão e arrematado por um empresário. Após a compra do imóvel, alegando
não possuir recursos suficientes, o proprietário procurou o governo municipal para propor
a restauração do edifício, já que era de interesse público, por se tratar de imóvel tombado.
Pretendia o proprietário a arrecadação de recursos, através da venda do potencial
construtivo (LAGE, 2008).
Paralela à questão do antigo prédio da cervejaria Antártica, no ano de 2002, um grupo de
empresários da área de shopping estava em negociação com a PBH para a possibilidade de
aprovação de um grande empreendimento comercial, em um tradicional bairro da cidade,
denominado Savassi, de grande efervescência cultural e noturna, onde não faltam
restaurantes, bares e boates, símbolos da vida diurna e noturna da região. Esse bairro,
referência também do comércio sofisticado, segundo dados da PBH (2015), no final do
Século XX, estava passando por um processo de modificação do seu comércio, ou seja, as
lojas destinadas para as classes de maior poder aquisitivo, estavam fechando, devido à
concorrência dos shopping center que estavam sendo instalados em outras regiões da
cidade. Desse modo, a implantação de um sofisticado empreendimento comercial na
Savassi poderia trazer de volta a vitalidade anterior da região (PBH, 2015). Porém, o
coeficiente de aproveitamento da zona onde estava previsto ser construído esse grande
empreendimento na Savassi era de 1,0 para as edificações não residenciais. Dessa forma,
para não extrapolar o coeficiente máximo permitido para aquela região, seria possível
apenas a construção de algumas lojas e um estacionamento coberto, o que não viabilizaria
o shopping, conforme as expectativas dos seus empreendedores. Era do interesse desses a
aquisição de potencial construtivo para exceder o coeficiente de aproveitamento de um
ponto zero (1,0).
Visando solucionar as duas questões, os proprietários dos dois empreendimentos entraram
em acordo para que o potencial construtivo da cervejaria Antárctica fosse vendido para ser
aplicado no projeto do shopping center na Savassi. Dois obstáculos, contudo, impediam
que essas medidas fossem tomadas; o primeiro era que a construção de um novo centro
comercial em uma região extremamente adensada, como a Savassi, poderia causar efeitos
caóticos para o sistema viário do entorno. Além disso, os proprietários desse shopping
center desejavam construir 60% acima do limite permitido pela Lei.
Assim, valendo-se de uma previsão contida no Art. 3º, IV, do Decreto nº 9.616/98, que
possibilita que imóveis integrantes de projeto específico de Operação Urbana sejam
admitidos como receptores da transferência do direito de construir, a PBH sancionou a Lei
8.728/2003, instituindo a “Operação Urbana do Conjunto da Avenida Oiapoque”.
Importante considerar que o Plano Diretor de Belo Horizonte não prevê limites para essas
situações e ainda possibilita que novos parâmetros urbanísticos sejam instituídos de acordo
com a situação (ABRITTA, 2005).
A área de intervenção definida pela legislação municipal específica, que instituiu tal
Operação Urbana Consorciada, foi constituída pelas avenidas do Contorno e Oiapoque e
pelas ruas São Paulo e Curitiba, bem como, pelos logradouros adjacentes (BELO
HORIZONTE, 2003b). A PBH objetivou a requalificação da área, incluindo a viabilização
da instalação de um terminal de ônibus na Avenida Oiapoque, de forma integrada ao
projeto de recuperação da Praça Rui Barbosa, bem como, a recuperação do conjunto
arquitetônico tombado, visando proporcionar à população atividades ligadas ao “lazer, à
cultura e à economia popular”, conforme estabelecido no Art. 1º, da Lei 8.728/2003
(BELO HORIZONTE, 2003b).
A restauração da antiga cervejaria Antártica atenderia à exigência contida no Plano Diretor
da cidade de que somente imóveis tombados em bom estado de conservação estariam aptos
a vender seu potencial construtivo (BELO HORIZONTE, 1996). Assim, com a
possibilidade de venda do seu potencial construtivo, implantou-se na antiga cervejaria, o
Shopping Popular Oiapoque, possibilitando a criação de um espaço para a transferência
dos camelôs que ocupavam as calçadas do centro da cidade (FIG. 3).
Figura 3 – Vista externa e interna do Shopping Popular Oiapoque. Fonte: Jornal o Tempo, 2016.
Adaptado pelos autores.
A implementação do terminal de ônibus na Avenida Oiapoque, do projeto de recuperação
da Praça Rui Barbosa e a recuperação do conjunto arquitetônico tombado foi dividida entre
os particulares envolvidos, quais sejam, o proprietário do imóvel tombado, também
denominado de proprietário do imóvel gerador (art. 5º da Lei 8.728/2003), e os
proprietários do shopping center no bairro Savassi (art. 6º da Lei 8.728/2003).
Em contrapartida à participação privada na Operação Urbana do Conjunto da Avenida
Oiapoque, foram previstos pelo município de Belo Horizonte mecanismos compensatórios,
estando estes elencados no artigo 4º, da Lei 8.728/2003. Assim, viabilizou-se com a
Operação Urbana do Conjunto da Avenida Oiapoque a transferência de potencial
construtivo do imóvel tombado para o imóvel receptor, autorizando-se um aumento em
60% (sessenta por cento) do coeficiente de aproveitamento (CA) do imóvel localizado na
região da Savassi, que originariamente era de 1,0, acarretando, assim, a venda de quase
50% (cinquenta por cento) do saldo do potencial construtivo do imóvel gerador. Isso
viabilizou a implantação do shopping center na Savassi (PBH, 2015) (FIG. 4).
Figura 4 - Foto do shopping center implantado na Savassi. Fonte: Multiplan, 2016.
Importante ressaltar, que a Lei 8.728/2003 que regularizou essa Operação Urbana não
mensura expressamente o ganho financeiro das partes, como é de praxe em outras leis que
tratam sobre o assunto. Percebe-se, contudo, que, mesmo que se encontrem dificuldades
em mensurar as melhorias de mobilidade com o fim dos incômodos camelôs, não se pode
desconsiderar que o centro comercial popular na região central da cidade e, numa
proporção muito maior, o sofisticado shopping center para uma seleta elite, geram lucros
incessantes com os ganhos da Operação Urbana (ABRITTA, 2005). No Shopping Popular
Oiapoque e no shopping center da Savassi, os lojistas, além de pagarem pelo aluguel dos boxes
ou lojas, arcam com as despesas do condomínio. Entretanto, segundo dados da própria
PBH (2015), muitos dos atuais ocupantes dos boxes do shopping popular, por não
conseguirem arcar com as despesas de aluguel, por exemplo, não são os antigos
ambulantes que ocupavam os passeios do centro da cidade. Ou seja, com o tempo, acabou
ocorrendo uma mudança no perfil dos ocupantes, como por exemplo, a chegada de
vendedores de países de descendência asiática.
Não obstante a PBH tenha deixado de gastar na construção de um local específico para os
ambulantes, o funcionamento do shopping center na região da Savassi, ou seja, de um
empreendimento para uma classe de maior poder aquisitivo e baseado no uso do automóvel
individual, promoveu, segundo pesquisas, o aumento considerável do fluxo de veículos,
congestionamentos e acidentes no seu entorno e bairros próximos (PBH, 2015) (ESTADO
DE MINAS, 2016). Para tentar mitigar esses impactos gerados, a PBH vem executando
obras viárias como alargamento de ruas, novas interseções, diminuição dos canteiros
centrais das vias, com significativo gasto de recursos públicos.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados produzidos pelas normas podem ser compatíveis ou contrários aos interesses
da sociedade. Considerando essa ótica, questiona-se a eficácia da Operação Urbana do
Conjunto da Avenida Oiapoque, já que foram observados os anseios de um pequeno grupo
interessado, para que determinada situação fosse regulamentada dessa ou daquela forma,
mas sem qualquer ajuste à realidade social. Nesse caso, dois interesses do setor privado se
encontraram em uma aliança gerida pelo poder público: os proprietários de um shopping
center na área nobre da cidade necessitando de maior potencial construtivo que a lei lhe
permitia e o proprietário de um edifício tombado pelo CDPCM-BH, precisando de recursos
para dar uma utilização rentável para seu imóvel.
Após breve análise sobre o conceito de Operações Urbanas Consorciadas, verifica-se, que
de acordo com o Estatuto da Cidade, tal instrumento de política urbana objetiva
potencializar transformações urbanísticas estruturais, além de melhorias sociais e a
valorização do patrimônio ambiental e cultural. Uma lei municipal específica para cada
Operação Urbana Consorciada delimita a área para a aplicação de tal instrumento,
podendo, assim, acontecer em qualquer espaço da cidade definido no Plano Diretor e na
própria lei de Operação Urbana.
Conclui-se, portanto, que não houve a preocupação do legislador em delimitar a aplicação
do instrumento a regiões degradadas ou ao centro das cidades, conferindo-lhe aplicação
ampla, contudo, restrita à observância do Plano Diretor da cidade. Dessa forma, para a
correta aplicação do instrumento das operações urbanas, sua eficácia como norma jurídica,
bem como, para que as modificações e alterações de uso e ocupação do solo almejadas
com a utilização desse instrumento estejam em consonância com as diretrizes previstas
pelo Plano Diretor municipal, urge que o legislador considere os princípios da função
social da cidade e da propriedade, explicitados no Estatuto da Cidade, como por exemplo,
a distribuição justa dos benefícios e ônus do processo de urbanização e a cooperação entre
Estado e a iniciativa privada em atendimento ao interesse social.
Apesar dos avanços que ocorreram na tentativa de regulamentar o instrumento das
Operações Urbanas em âmbito federal e municipal, as legislações pertinentes ao tema
abrem inúmeras possibilidades de negociação, onde o Poder Público acaba atendendo aos
interesses capitalistas da iniciativa privada. Isso acarreta a determinação de contrapartidas
afastadas dos reais interesses públicos, além do inadequado uso do instrumento, com o
objetivo de transgredir as determinações do Plano Diretor da cidade, como por exemplo,
modificando parâmetros urbanísticos, tornando-os mais permissíveis.
No que se refere ao conceito de eficácia jurídica, constata-se que analisar a eficácia de uma
norma que institui determinada Operação Urbana é tarefa estreitamente ligada à
verificação, na prática, se tal legislação está adequada e atrelada à realidade social,
abarcando os verdadeiros conflitos e problemas para os quais foi promulgada. Lado outro,
a ineficácia de uma norma jurídica pode ser constatada, por exemplo, em razão da
existência de interesses ocultos impulsionando sua criação, como grandes interesses
políticos e econômicos. As leis serão editadas sob uma justificativa social; contudo, uma
análise de sua aplicação prática levará à conclusão de sua ineficácia, já que apenas foram
observados os anseios de um pequeno grupo interessado que determinada situação fosse
regulamentada dessa ou daquela forma, mas sem qualquer ajuste à realidade social.
Analisando a Operação Urbana do Conjunto da Avenida Oiapoque, instituída pela Lei nº
8.728/2003, é possível constatar que a prioridade foi o atendimento dos interesses
privados, ao permitir as mudanças dos valores dos parâmetros do Plano Diretor da cidade
para permitir a implantação de um grande empreendimento comercial. Além disso, o
governo municipal não mensurou adequadamente as consequências de um
empreendimento do porte de um shopping center no bairro Savassi, bem como para a toda
a região do entorno. Constata-se, assim, que a Operação Urbana do Conjunto da Avenida
Oiapoque teve por objetivo criar condições para a atuação conjunta do poder público e do
setor privado no que tange o processo de produção do espaço urbano, atuando como
promotores de operações imobiliárias. Na prática, portanto, mostrou-se ser instrumento
ineficaz, uma vez que, privilegiou o atendimento dos interesses de investidores privados
envolvidos, em detrimento dos interesses da sociedade local.
Isto, contudo, não significa que o instrumento jurídico da Operação Urbana seja ineficaz,
mas que é necessário considerar, quando da sua implantação e implementação, uma
participação popular mais consciente, de modo que os verdadeiros anseios da coletividade
sejam alcançados e, consequentemente, tal instrumento de política urbana cumpra sua
eficácia substancial.
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