A importncia da Literatura Luiz Gonzaga de Carvalho Neto
Ento vamos l. O tema de hoje seria a importncia da literatura ou a
importncia da leitura de grandes obras de fico. Este um tema que no est
completamente desligado dos temas das aulas que eu dei para vocs. Vocs devem se
lembrar de que no comeo das aulas de tica, ns falamos que um dos meios de o
sujeito se instruir em matria de tica justamente por meio da leitura de biografias e de
se informar sobre vidas humanas.
E a literatura, ou pelo menos o melhor da literatura, tem como qualidade
justamente apresentar ao leitor um horizonte humano mais amplo, que ele dificilmente
pode experimentar na sua vida individual. Por exemplo, suponha que voc v trabalhar
no servio diplomtico e voc ter que tomar decises acerca de dois pases que estejam
h cinquenta anos em guerra, num estado constante ou intermitente de guerra. Imagine
que essas decises tero um peso sobre milhares ou at milhes de vidas que esto
passando ou tm passado s vezes a vida inteira em situao de guerra. Voc no pode
tomar essas decises coerentemente se voc no tiver a menor ideia do que essa
experincia. Mas, provavelmente, voc nunca vai vive-la. Voc j vai tomar essas
decises aos quarenta, cinquenta anos. Ou voc tem que tomar, por exemplo, decises
voc trabalha no servio mdico e voc tem que tomar decises sobre um paciente
terminal. Voc provavelmente tambm no vai ter essa experincia ou pelo menos voc
no teve essa experincia pessoalmente at aquele momento.
Existem inmeras situaes humanas sobre as quais no temos nenhuma
experincia direta. A nica experincia que ns temos o testemunho de outras pessoas
acerca delas. Por exemplo, ns no temos a experincia direta do que estar num
continente no meio de uma guerra mundial ou viver num pas logo depois de uma
grande guerra; ns no sabemos o que isso, existencialmente. Claro, eu posso me
informar sobre essa situao lendo nmeros e estatsticas acerca da situao daquele
pas durante a guerra ou depois da guerra ou lendo a histria daquele pas
macroscopicamente; estudar a histria mesmo daquele pas e como aquela guerra ou
aquela epidemia ou uma situao qualquer afetou o pas como um todo. Ainda assim,
isso no experincia humana direta. Voc no sabe o que isso significou
concretamente para os indivduos humanos que estavam l. Como voc vai fazer? Voc
vai entrevistar cada um deles? Voc vai entrevistar duzentas, trezentas, quatrocentas,
mim, cinco mil pessoas para saber o que era viver naquela guerra? Ou ento voc vai
entrevistar mil, dois mil pacientes terminais para saber o que aquilo? Alm de isso
demandar muito tempo, isso pode no te dar muita informao do que seja aquilo. Por
qu? Porque as prprias pessoas que voc entrevista podem no ser hbeis em expressar
a sua experincia; elas podem ser relativamente incapazes de expressar aquela
experincia. No caso de experincias traumticas ou experincias crticas, mais ainda. A
prpria experincia pode t-la tornado incapaz de comunicar a experincia. Mesmo
experincias positivas, quando so extremas, tambm podem tornar o sujeito incapaz de
express-las. Isso significa que, se ns dependemos exclusivamente da conversao
diria ou mesmo do trabalho sistemtico de entrevistas, as informaes que obtemos
sobre a condio humana so muito nfimas, so mnimas. A grande funo, talvez a
maior funo da literatura de primeira ordem justamente transmitir experincias
humanas que so difceis de se reproduzirem e cujo entendimento crucial para uma
melhora na sua prpria vida ou, s vezes, na vida de sua esposa ou de seu irmo ou de
seu pai ou de seu filho. s vezes, pode ser uma experincia que para voc mesmo no
crucial compreender, mas s vezes compreendendo-a, voc entende algo sobre o seu
vizinho ou seu filho ou sua esposa que voc nem imaginava.
Na maior parte do tempo mesmo, quando convivemos com as pessoas que nos
so muito prximas, ns vivemos cercados de desconhecidos e ns somos um
desconhecido para eles tambm. Por qu? Porque no basta a simples convivncia para
que voc possa compreender um outro, uma outra pessoa. A convivncia vai te dar um
nmero muito maior de informaes acerca da pessoa; ento voc vai conhecer cada um
dos hbitos cotidianos dela, do que ela gosta e do que no gosta, mas muitas vezes voc
no encontra a chave explicativa que unifica todos aqueles hbitos. Voc no sabe por
que aquela pessoa daquele jeito, voc no encontra o que d coerncia a ela; voc tem
s uma coleo de informaes. Encontrar o que d coerncia a uma pessoa um
trabalho que, s na observao, s vezes demanda vinte ou trinta anos. muito comum
casais, depois de vinte ou trinta anos de casados, descobrirem: nossa, eu no sabia
quem voc era e, agora que eu sei, no quero estar mais casado com voc. S descobri
quem era voc agora. Essa uma experincia chocante, mas comum.
Ns nascemos completamente ignorantes acerca da natureza humana e a simples
experincia cotidiana no suficiente para nos explicar o que essa situao. Primeiro
porque a condio humana incrivelmente rica; a diversidade interior que existe nas
pessoas muito maior do que, por exemplo, a biodiversidade do planeta Terra inteiro. O
grau de diferenciao das reaes, emoes, pensamentos e vontades das pessoas
muito maior do que todas as espcies animais e vegetais que existem na face da Terra.
um campo de experincia muito vasto. muito comum voc encontrar pessoas que tm
uma vaga sensao de solido, mesmo quando elas tm amigos s vezes so casadas,
tm famlia, mas elas tm uma certa sensao meio vaga de solido ou de
incompreenso. Vocs provavelmente j perceberam isso em pessoas, talvez at em
vocs mesmos. De onde vem essa sensao? Essa sensao vem justamente do fato de a
pessoa, apesar de ter todas aquelas informaes sobre as outras pessoas, no saber nada
sobre elas; ela nunca entendeu uma nica pessoa sequer. Voc pode conhecer muitas
pessoas e conviver com muitas pessoas e ainda assim no compreender nenhuma.
Quantas pessoas, por exemplo, compreendem os seus pais ou seus filhos? A maior parte
no os compreende como pessoas. As reaes das pessoas sempre nos causam alguma
estranheza, porque no as compreendemos como pessoas. Uma das grandezas da
literatura justamente isso; as grandes obras da literatura sempre nos do as chaves
explicativas de um ou dois ou trs tipos humanos. muito raro uma obra que v te dar a
chave explicativa de trs tipos humanos, mas de um ou dois todas as grandes obras, de
repente, como se elas te dessem um tipo de lente com a qual voc pode ver um tipo de
pessoa e entender o que est acontecendo l dentro. O que est acontecendo com a
pessoa, est acontecendo dentro dela; o que est acontecendo com a pessoa o que est
acontecendo com as emoes dela, com os sentimentos dela, com as vontades dela, com
os pensamentos dela. Ento est tudo acontecendo l dentro; voc s sabe disso o que
ela te fala, mas ela te d indicaes esparsas e imprecisas, porque a maior parte das
pessoas no consegue expressar o que ela mesmo no de maneira completa.
Justamente o que as grandes obras de literatura vo, em primeiro lugar, te dar isso:
chaves explicativas de diversos tipos humanos, que vo como te permitir ver
determinados tipos humanos de dentro, e no de fora. Ento, antes de verem as decises
que a pessoa toma ou os sentimentos que ela tem ou as coisas em que ela cr, voc vai
ver o porqu ela toma essas decises, ela tem esses sentimentos e ela cr nessas coisas e
no em outras. Isso quer dizer que a literatura, primeiro, vai te dar um senso de
profundidade para perceber as pessoas. A experincia cotidiana como o sujeito que
tem um olho s; voc depender da experincia cotidiana para entender uma pessoa
como o sujeito que tem um olho s. Vocs j perceberam que, com um olho s, voc
no consegue avaliar distncias? a viso binocular que permite a avaliao de
distncias. Quando ramos moleques, fazamos uma brincadeira muito fcil, muito
simples: voc pega, pendura um fio, fala para o outro moleque tapar um olho e d um
pregador para ele. Depois de dois minutos com o olho s, fale a ele para encaixar o
pregador no fio: ele vai por para trs, para frente, no vai achar. Porque voc no tem o
senso da profundidade com um olho s. Ento o sujeito depender s da experincia
cotidiana para entender uma pessoa a mesma coisa; voc tem uma viso chapada dela,
voc no tem ideia do que est afetando-a profundamente ou superficialmente. O outro
olho justamente o olho da literatura, em que a experincia humana est condensada e
expressa, primeiro, por pessoas que eram excepcionais, exmias na arte de expressar;
segundo, por pessoas que passaram por experincias pelas quais talvez voc nunca
passe. Ento, por exemplo, como voc vai saber o que crescer numa casa em que o pai
alcolatra? Como voc vai entender uma pessoa que viveu isso? Por que ela te conta
ainda que ela te conte tudo o que aconteceu l, voc ainda assim no a entende. Voc
precisa de algum capaz de como te fazer passar por aquela mesma experincia de
modo imaginativo. Essa a primeira e mais bsica funo da literatura.
Alm disso, a literatura tem outra grande funo, que a te por em contato no
apenas com a extenso horizontal da humanidade quer dizer, com a diversidade de
tipos humanos , como tambm de te por em contato com a humanidade enquanto
sucesso histrica, enquanto sucesso temporal. Isso tambm quer dizer, a experincia
de como o passado te afeta muito pequena diretamente. Voc sabe: o que meus pais
fizeram afetou a minha vida. O que meus avs fizeram afetou a deles e deve ter afetado
a minha de algum jeito. Mas voc no tem a ideia de como uma grande parte de sua
vida, hoje, decidida por coisas que foram feitas mil ou dois mil anos atrs. Existem
certos temas que se colocaram para a humanidade mil ou dois mil anos atrs e as
propostas de soluo para estes temas determinam as nossas vidas at hoje. Ento, por
exemplo, as discusses e as decises polticas: todas as discusses e decises e aes
polticas feitas hoje no Ocidente tm, no mnimo, uma histria de trs mil anos; no
mnimo. Voc pode retraar as decises e as aes e as posies polticas de hoje, no
mnimo, at a Bblia. Como, ento, um pensamento se origina trs mil anos atrs e vai
mudando at chegar deciso que um poltico toma no Brasil hoje e afeta a nossa vida.
Isso outra coisa que a literatura vai te dar; ela vai te mostrar o processo de
transformao das ideias em situao. As ideias geralmente demoram sculos para virar
situao, para virar fato consumado. Quando elas viram fato consumado, parece para
voc que aquele fato faz parte do cenrio do real; ele to natural quanto uma rvore ou
quanto um planeta: isso simplesmente existe, voc no pode fazer nada a respeito.
Mas se voc retraa a origem daquele fato, voc v: espere, isso aqui no um dado da
natureza, isso aqui foi um negcio que fulano-de-tal pensou h setecentos anos. Depois
dele, cem anos depois, teve outro um sujeito que props que aquilo seja deste jeito
assim. A mais cem anos depois, aconteceu no-sei-o-qu em tal pas e eles propuseram
isso como lei. E assim a coisa foi indo e hoje em dia ela simplesmente parece um dado
natural e imutvel, to invencvel quanto as leis da fsica. Voc no pode mudar as leis
da fsica; voc pode se aproveitar delas para realizar algumas coisas, mas voc no pode
mud-las. Mas existem muitas coisas na vida humana que parecem to firmes,
imutveis e estveis quanto as leis da fsica e, no entanto, no so. Foram um dia apenas
pensamentos.
Essa outra sensao que as pessoas tm e elas no sabem da onde. A
inteligncia humana como que tem um faro para a realidade; ela tem uma intuio
natural do que a realidade. Ento, por exemplo, muitas pessoas tm a impresso ou a
sensao de estarem aprisionadas ou de serem tiranizadas por um sistema, alguma coisa
que manda nelas e simplesmente faz parte do real e no tem como elas mudarem.
Muitas pessoas tm essa sensao muitas vezes. s por que todas elas so paranoicas?
No ; isso um faro da inteligncia para perceber: espere, tem um monte de coisas
aqui que estou considerando como peas do real e so s invenes da mente humana.
E enquanto eu no retraar o processo pelo qual essas invenes passaram de
pensamento a fato, eu no tenho como modificar esse fato. Ele , de fato, senhor da
minha vida.
Existem duas funes bsicas para a literatura universal. A primeira justamente
isso: voc compreender os seres humanos, compreend-los como pessoas; compreender
o que est dentro deles, a parte deles a qual voc no tem acesso direto. Nisso a se
inclui tambm a compreenso das situaes da vida humana. E, por outro lado,
compreender na vida humana o que criado pelo ser humano e o que no . O que faz
realmente parte do cenrio natural e realmente um limite objetivo e efetivo ao
humana e tambm a base para qualquer ao humana e o que no, o que s parece ser
natural, mas no ; interveno humana sobre o real. Essas duas sensaes
permanentes que so quase permanentes nas pessoas, elas so quase palpveis , que
, uma, de uma certa solido ou incompreenso e, a outra, de restrio, aprisionamento,
de estar submetido a uma espcie de tirania ou de estar dentro de uma espcie de priso;
essas duas sensaes vagas para as quais as pessoas nunca encontram uma causa
imediata. Voc pergunta a elas: no, mas por qu? Voc tem tantos amigos No,
no isso Mas por qu? Seu casamento vai to bem No, no isso. A pessoa
no consegue captar o que est causando aquilo nela; ela s sabe que tem alguma coisa
piorando a vida dela, num nvel muito bsico e profundo. E no sabe o que seja. Essas
duas sensaes vm, so como que um grito da inteligncia do sujeito: olha, voc no
completo enquanto no compreender mais sobre a natureza humana. impossvel que
sua vida seja boa enquanto voc no compreender mais sobre o que a existncia
humana, porque voc estar sempre s se voc no compreender uma pessoa, pelo
menos uma. Ccero j dizia: um amigo mais necessrio do que a gua. Mas
impossvel uma amizade real sem compreender o que o outro. Existe muita, claro,
simpatia natural, ns simpatizamos com algumas pessoas e antipatiza com outras. E
assim ns formamos nosso crculo de amigos. Mas quanto de nossos amigos ns
compreendemos? E mais, quantos de nossos inimigos compreendemos? s vezes,
aquele sujeito que nosso inimigo o nosso verdadeiro amigo, mas no temos a menor
ideia de quem ele seja e pensamos: mas eu no gosto dele. s vezes, os fatores que
levaram inimizade so perfeitamente irrelevantes considerando a realidade como um
todo. Ento a mesma coisa para os amigos. E ainda: e os membros da nossa famlia, os
quais fazem parte de nossa vida, querendo ou no; ningum escolheu seus pais nem seus
irmos, nem seus filhos. Eles so do jeito deles e simplesmente esto l. Mais urgente
ainda voc ter alguma compreenso de quem eles sejam; eles esto inexoravelmente
ligados a sua vida.
A linguagem humana, a linguagem articulada o nico meio at hoje, com todo
o desenvolvimento da cincia e da tcnica, continua sendo o nico meio pelo qual voc
sabe o que se passa pela cabea do outro; no tem outro meio. Mas justamente o sujeito
que est submetido a uma situao humana , muitas vezes, o sujeito menos capaz de
expressar aquela mesma situao. Mais ainda: a pessoa que voc queira compreender
pode ela mesmo compreender a si mesma. Pode no se compreender, pode se ignorar
completamente; ela pode ter uma viso de si mesma que totalmente irreal. Os fatores
que levam um ser humano a ignorar completamente o que sejam os outros seres
humanos so muito grandes. por causa disso que o ser humano inventou esse negcio
que chama cultura; a transmisso para uma gerao de experincias de uma outra
gerao. Essa transmisso continuada permite que num determinado momento um povo
ou uma civilizao tenha um certo conhecimento suficiente do que seja a condio
humana estocado ali. Hoje em dia, a civilizao ocidental tem alguns milhares de anos;
nesses milhares de anos, eu digo, se produziram obras que transmitem mais do que o
suficiente sobre a vida humana, sobre a condio humana, sobre os tipos humanos para
qualquer pessoa compreender a sua prpria vida e a vida dos que o cercam; qualquer
um. Na verdade, ela produziu muito mais do que isso. A prpria cultura ocidental nos
seus dois ou trs mil anos de histria tem matria suficiente para duas ou trs vidas;
voc no consegue numa vida s assimilar tudo aquilo. Isso quer dizer que, simples,
voc pode compreender cada vez mais sobre as pessoas em torno e, s vezes, num
momento por acidente, numa obra voc descobre uma informao crucial sobre as
pessoas mais prximas de voc. s vezes, sobre voc mesmo; no tem pessoa mais
prxima a voc do que voc mesmo e, no entanto, pode ser a pessoa que voc mais
ignora. E ali numa obra de literatura que a pessoa: caramba, eu sou assim. Isto o
que eu sou e eu no sabia. evidente que nem toda produo literria dos ltimos
sculos ou milnios chegou a esse patamar. Muito dela, a imensa maior parte na
verdade, perfeitamente irrelevante e tem um prazo de validade de uma ou duas
semanas. Tem menos validade do que um copo de iogurte. No vale a pena ler isso. Mas
nesse tempo ns conseguimos acumular algumas centenas de obras que no
brincadeira, eu digo todos os seres humanos deveriam ler. Pelo menos todos os seres
humanos que vivem sob a civilizao ocidental. Porque essas obras vo dar a ele os
meios de viver uma vida plenamente humana.
Existe, no mundo em que vivemos, uma fora natural que nos atrai para
vivermos como animais. Claro, a nossa maneira de viver como animais diferente da
maneira dos cachorros ou dos lees ou das baleias. Mas existe uma dimenso animal na
nossa vida e que no menos animal do que a dos animais s porque do nosso tipo.
Ento o animal l no meio da floresta s pensa: eu preciso de uma toca, eu preciso de
uma fmea e eu preciso de comida. Tenho trs necessidades bsicas. Pois , existe uma
fora que nos arrasta na mesma direo; todo dia, ns: preciso de pagar as contas,
preciso de no-sei-o-qu. No assim? Todos os dias vocs no esto com essa
preocupao? Preciso de mandar algum para consertar isso aqui, preciso de limpar
aquilo l, preciso de organizar no-sei-o-qu, preciso de pagar as contas. Pois , essa
a nossa animalidade. Parece tudo tremendamente civilizado e bonito e humano, mas
isso exatamente a mesma coisa do que um boi procurando grama; no mais nobre ou
mais excelente. exatamente a mesma coisa. Claro, natural, ns temos um corpo, isso
parte da nossa vida, mas isso no toda a nossa vida. Um boi nunca vai poder parar
para refletir por que os bois agem daquele jeito e no de outro. Ah, por que os bois so
diferentes dos cachorros? Um boi nunca vai entender outro boi, ele nunca vai entender
a si mesmo, ele nunca vai entender nem a vaca. Ele no tem essa possiblidade. Ento, o
que acontece? Quando ele no realiza essa possibilidade, ele no se frustra, ele no
sente que tem alguma coisa estranha. Para ele, perfeitamente natural: existe eu, existe
grama e pronto. Thats all. Quando no tem grama ruim e quando tem grama bom.
Ele no tem problemas existenciais; ele pode ter apenas problemas ecolgicos. Neste
lugar no tem grama ou neste lugar no tem vacas. Srios problemas, mas no so
problemas interiores. Ns podemos ter tambm estes problemas que o boi tem, e muitas
vezes temos. Quando temos uma conta: ih, meu carto de crdito est estourado; essa
a mesma coisa, o mesmo problema que o boi tem quando no tem grama, exatamente
o mesmo. Parece um pouco mais humano ou sofisticado, parece civilizado, mas no ,
no isso que civilizao. Isso o modo humano de ser animal; isso s o jeito da
nossa espcie. Se isso em algo melhor do que a situao do boi quando procura a
grama, por influncia justamente dessa outra parte da vida humana e do ser humano,
que a possibilidade de compreender. Se a nossa situao material em algo melhor do
que a do boi, e ela , por influncia dessa outra parte da vida humana que no tem
quase nenhuma ligao com a parte material: que a necessidade real e efetiva de
compreender os seres humanos. Essa necessidade pode no ser sentida, s vezes voc
no a sente do mesmo jeito que s vezes voc no sente fome e s vezes voc no
sente vontade de ir ao banheiro , mas no quer dizer que essa necessidade no exista.
O que acontece que o objeto dessa necessidade indefinido em sua prpria
mente. Ento voc a sente de maneira vaga. Quando ramos bebs, as necessidades
fsicas eram a mesma coisa: todas elas eram indefinidas. Quando um beb sente uma
coisa, ele no sabe se aquilo fome, se aquilo frio, se aquilo vontade de fazer xixi,
ele no sabe. Ele s sabe: tem alguma coisa me incomodando. Eu no sei exatamente o
que . Vocs j se viram diante desta situao? O beb est chorando e voc quer dar
alguma coisa a ele; a voc faz tudo para ele e nada resolve. porque ele mesmo ainda
no sabe o que ele quer, ele mesmo no sabe o que est o incomodando. E ns
chegamos aos dois, trs, quatro anos e j compreendemos direitinho os diversos tipos de
necessidades materiais; quando temos uma: isso aqui fome. Aquele l frio. Esse
aqui dor. E assim por diante. Mas com as necessidades intelectuais demora muito
mais tempo. Ns comeamos a ter uma ideia geralmente aos trinta anos, se dermos
sorte. Muita gente vai passar a vida toda s sentindo algo que o perturba, que o
incomoda e nunca vai identificar. Ele s vai pensar: isso deve ser um defeito estrutural
da realidade. Ou de algum, exatamente: culpa do Presidente. Geralmente,
tambm [risos]. Ento o que acontece justamente isso: as primeiras vezes em que
sentimos uma necessidade, ela aparece de maneira vaga e indistinta. Ela no vai
aparecer como uma ideia em sua mente: preciso compreender o ser humano. Preciso
compreender a vida humana. No vai aparecer assim. Do mesmo jeito que no aparece
ao beb: voc agora precisa mamar. Ou agora voc precisa fazer xixi. Ou agora voc
precisa de um cobertor. No lhe aparece assim; aparece como um vago e indistinto
sentimento de insatisfao.
Ento outra coisa que as pessoas sentem: um desejo de realizao. Elas sentem:
parece que estou fazendo menos da minha vida do que ela poderia ter sido. Este
outro sentimento frequente. Talvez nove entre dez pessoas que voc entrevistar e
perguntar acerca disso, elas vo falar: puxa, mesmo. Eu podia ser tanto e estou sendo
to pouco Por qu? Em parte, pelo menos metade desse sentimento est simplesmente
mal direcionado; ela pensa que precisa fazer alguma coisa, realizar alguma coisa.
Porque metade disso que voc s precisava compreender, e como voc no satisfez
essa parte, voc ficou infeliz. E a outra parte consequncia de voc no ter
compreendido. Por qu? Se voc realizou menos com sua vida do que poderia realizar
porque voc no conhece o prprio instrumento de realizao, que voc mesmo. Se
voc no conhece, voc no compreende as ferramentas de que voc dispe para
realizar os seus objetivos, porque voc no conhece voc. Ento, por exemplo, voc no
sabe quais so as dificuldades que voc capaz de suportar e quais so as que voc no
. Das diversas coisas que voc quer, voc no sabe realmente quais so aquelas sem as
quais voc no vai poder viver e quais so aquelas que, na verdade, eram dispensveis.
Voc vai tomando as suas decises tateando: no, eu acho isso, eu acho aquilo, eu acho
aquilo outro. Mas voc tambm se conhece to pouco que voc no pode aproveitar
esse instrumento que voc para realizar sua vida. Como se fosse um mecnico que, de
repente, entra na oficina do marceneiro e tenta usar aquelas ferramentas para consertar o
carro; ele no compreende aquelas ferramentas. Ele vai fazer o melhor que ele pode,
mas ele no vai fazer nada muito bom.
Essas sensaes que temos acerca do mundo no existem porque o mundo
injusto; estou dizendo a vocs, no porque existe um defeito estrutural na realidade
que impede os seres humanos de serem felizes; no mesmo. Existe um axioma da
filosofia natural que toda natureza que naturalmente frustrada inexiste; no existe
nenhuma natureza naturalmente frustrada. No existe nada nesse mundo que tenha um
propsito natural que seja naturalmente impossvel de alcanar. Essas sensaes no
existem porque existe um defeito geral na realidade; elas existem porque ns no
lanamos mo dessa propriedade comum que a cultura. verdade que um nico
indivduo humano, por si mesmo, sozinho, no poderia satisfazer todas essas
necessidades; existe cultura justamente por causa disso. Sozinho, no vai dar, ele no
vai conseguir. Claro que isso vlido at para a satisfao das necessidades biolgicas:
sozinho, tambm no vai dar. Algum teve que te ensinar tudo do zero. O processo de
satisfao das necessidades intelectuais ou espirituais semelhante, anlogo em tudo ao
processo da satisfao das necessidades fsicas ou biolgicas. Qual a nica diferena?
A diferena que progredimos muito nas ltimas centenas de anos, avanamos muito
no meio de satisfao das necessidades naturais. Hoje em dia, como ns dissemos
noutro dia, somos muito mais ricos do que os reis medievais. Qualquer um aqui nesta
sala tem mais do que Lus IX. Para voc ter ideia, Lus IX foi um rei medieval ele no
tinha nem uma empregada que arrumasse o quarto dele, porque no tinha dinheiro para
isso. O nvel de conforto hoje em dia muito maior do que a humanidade podia
imaginar. Mas para a satisfao das necessidades intelectuais e espirituais, ns
continuamos tendo um nico instrumento, que a linguagem articulada. No se
progrediu nenhum centmetro, nenhum milmetro nisso a. E, na verdade, praticamente
impossvel que se progrida muito nesse sentido; mesmo no dia em que inventarem uma
mquina que voc ponha na cabea do outro e saiba exatamente o que ele est sentindo
voc sente o que ele est sentindo, voc pensa o que ele est pensando , esta mquina
no vai te dar os meios de compreender o outro, vai te dar apenas uma experincia mais
intensa do que o outro. Ento, at hoje, o nico meio de voc entender o outro ser
humano por meio da linguagem; portanto, por meio da literatura. Os seres humanos
no escreveram os livros apenas por diverso; verdade, muitos escritores escreveram
apenas por diverso, porque era divertido para eles escrever ou porque eles queriam que
voc se divertisse lendo o que eles escreveram. E, claro, de vez em quando devemos nos
dedicar a isso tambm, muito embora esse tipo de literatura tenha sido superado em
muito pelo cinema, pela televiso etc. A internet d muito mais diverso do que
qualquer livro escrito apenas para divertir; mesmo porque geralmente voc encontra
esse livro l tambm. Mas tambm muitos autores no escreveram porque era divertido
escrever ou com a finalidade de divertir o leitor, mas escreveram porque eles tinham
captado algo crucial sobre a vida humana e tinham uma necessidade intensa de
transmitir isso para as geraes futuras. Opa, isso aqui faz uma grande diferena na
vida das pessoas e elas no percebem. s vezes, elas percebem de modo to tnue que a
ateno delas no consegue se fixar naquilo. Ento, me deixe tentar transmitir essa
experincia, esse fato sobre a vida humana de maneira estvel. Antes da literatura, os
povos todos tinham tradies de contadores de histrias que possuam uma memria
fenomenal; um dado comprovado pelos antroplogos que os povos que no possuem
linguagem escrita tm uma memria do discurso muito mais aguada, muito mais forte.
Praticamente, qualquer tribo de ndios possui uma tradio literria quase to vasta
quanto qualquer outro povo que viveu no mesmo tempo que eles, mesmo que este outro
povo tenha literatura, possua uma linguagem escrita. Mas ainda assim a mesma coisa,
porque a linguagem escrita s o registro fsico da linguagem falada. A literatura, a
linguagem escrita tem a vantagem de permitir que a experincia seja retraada depois de
um lapso de tempo. Um sujeito escreve um livro hoje, talvez ningum o leia durante
cem anos, esqueam aquilo, mas daqui a cem anos algum o descubra e leia e perceba
de novo. Essa uma vantagem sobre a tradio oral; a tradio oral, uma vez
interrompida, no pode ser retomada. Talvez o nico advento tecnolgico na
transmisso do conhecimento humano tenha sido justamente a inveno da linguagem
escrita; esse foi o nico salto, o nico avano tecnolgico na vida espiritual humana.
Depois disso, no inventaram nada que melhorou ainda o negcio.
O que eu estou tentando dizer a vocs aqui simplesmente que impossvel
viver uma vida completamente humana sem lanar mo dessa herana. Isto no
brincadeira: impossvel. Do mesmo jeito que teria sido impossvel a sobrevivncia se
nos primeiros anos da nossa vida algum no tivesse cuidado de ns. Ns sempre
pensamos: no, mas com essa parte interior eu me viro. Todo mundo possui uma
espcie de complexo de Moiss ou complexo de Buda: a parte interior, a parte de
compreenso do ser humano, eu sento aqui e entendo. Eu tiro de letra. O que todo
mundo esquece que Buda, antes de fazer isso, se beneficiou passando quatorze lendo
toda a tradio hindu acerca do que era a vida humana; e Moiss, a mesma coisa. Antes
de eles sentarem agora eu vou resolver o problema da humanidade por mim mesmo,
sozinho aqui , eles passaram dcadas assimilando toda a tradio cultural do seu povo,
lendo. Eles passaram dcadas lendo e pensando. claro, dificilmente algum de ns aqui
nesta sala vai passar algumas dcadas lendo e pensando e depois disso vai mudar o
mundo como Buda mudou ou como Moiss mudou ou como Jesus Cristo mudou. Mas o
nosso objetivo, na verdade, muito mais modesto: ns no queremos mudar o mundo,
queremos mudar apenas a nossa prpria vida.
Aluno: [?]
Exatamente. Mas que ele provavelmente estava sendo ensinado justamente da
tradio cultural judaica. Embora o pai dele no exercesse o ofcio de sacerdote, no
podemos esquecer que ele era da casta sacerdotal. Jos pertencia justamente tribo
sacerdotal. No h nenhum caso na histria da humanidade em que um sujeito resolveu
tudo do nada; na ndia, existe um dito: do nada, voc vira lobo. Porque na ndia tem
muitos casos de crianas abandonadas na selva por famlias pobres e que foram criadas
por lobos; existem at uns casos recentes da dcada de 60 e 70 que foram filmados e
estudados por antroplogos. O que acontece? O sujeito vira lobo. Ele no sabe andar,
no anda de p, s anda de quatro; ele s come carne crua; ele no sabe falar e no
aprende mais. Para ns nos tornamos um ser humano, no do nada. Quando falamos
essas coisas, no queremos diminuir a grandeza do Buda, de Moiss ou de Jesus Cristo;
s estamos a enquadrando na realidade, mostrando que at esses caras fizeram isso, nem
eles estavam dispensados desse trabalho. Logo, no sou eu aqui, Luiz Gonzaga no
Brasil que estarei dispensado dele. mais ainda.
Como falamos, o propsito deste trabalho para cada um tem que ser, primeiro,
mudar a sua prpria vida, melhorar a sua prpria vida, identificar as causas exatas
dessas insatisfaes. Entendam bem, ser humano conhecer; ser humano no pagar as
contas, isso qualquer minhoca faz. Evidentemente, as minhocas pagam as contas delas
com o real, tanto que elas vivem. Ser humano compreender e o principal objeto desse
estudo o prprio ser humano. Claro, conhecer a fsica, a qumica, a matemtica
muito bonito, maravilhoso. Mas tudo isso no serve para nada se o sujeito no
compreender o ser humano. Existe uma obra notvel sobre isso, a obra chamada A
defesa de um matemtico, de Thomas Hardy [G. H. Hardy]; foi um grande matemtico
do sculo XX. Nesse livro, ele vai escrever o seguinte eu vou dar o resumo da obra :
olha, matemtica um negcio maravilhoso, genial, incrvel. Eu passei a minha
vida toda s estudando matemtica e a minha vida foi uma merda. No valeu a pena,
no entendi sobre mim mesmo. Tudo o que eu quis, deu errado. Todas as pessoas de
quem eu gostava se afastaram de mim. No entendi nada, ningum gosta de mim. A
vida do matemtico uma droga. Porque essa foi a nica coisa que eu quis compreender
da realidade ele mesmo fala eu posso at ter sido uma pessoa brilhante porque
foi de fato um matemtico brilhante mas eu deveria ter usado essa inteligncia para
um objeto mais interessante, mais til, que o ser humano. A obra interessantssima,
porque tem vrios detalhes autobiogrficos e vrias coisas sobre matemtica por
exemplo, nessa obra tem um captulo, um ensaio sobre a apreciao esttica das
frmulas matemticas. Provavelmente, a pessoa que tenha gostado um pouco de
matemtica aquilo l um negcio brilhante, o sujeito era um gnio mesmo. Mas est
l um registro de que isso aqui no basta. Vocs podem ser tornar um sujeito perfeito,
um excelente profissional, um grande mdico, um grande matemtico, um grande
poltico, um grande advogado, um grande ator; eu digo que isto no valer nada.
Quando chegar ao final, voc ir dizer: no valeu a pena. Por qu? Porque o ser
humano, enquanto ser humano, s serve para uma coisa: compreender. E ele no deve
gastar essa vocao com ninharias. Essa uma vocao to sublime que est abaixo da
dignidade dela ser desperdiada exclusivamente com objetos pequenos e mesquinhos.
Essa coisa, que a inteligncia humana, voc a usa para entender do ser humano para
cima; do ser humano para baixo, no vale. Para entender o ser humano ou coisas
melhores. Menos do que isso, voc est jogando fora o seu talento.
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Tomando um cafezinho, eu estava conversando com alguns dos alunos e
levantou-se uma questo interessante que o quanto a vida humana curta para esse
trabalho da inteligncia; o quanto oitenta, noventa anos pouco para isso. E a se
levantou uma questo: mas se h uma vida depois da morte, voc pode continuar. Esta
uma questo interessante, porque se h uma vida depois da morte, ela puramente
espiritual. Ento, se voc levou uma vida como a do boi, s pensando em pagar as
contas e resolver esses problemas, na hora em que esta vida te for tirada, vai ser muito
pior para voc se tiver outra vida depois dessa; se tiver uma vida puramente espiritual,
na qual essa vida no existe mais. Tudo o que te definia como pessoa no existe mais,
voc perdeu. Ento, havendo uma vida aps a morte, ela s de alguma maneira
interessante para quem durante a sua vida nesse mundo se interessou de algum modo
por uma atividade que fosse ela mesma tambm puramente espiritual. justamente s
para a pessoa que dedicou a vida dela todo dia, uma ou duas horas por dia para esse
trabalho da inteligncia, s para essa pessoa uma vida espiritual depois da morte tem
algum interesse. Para as outras pessoas, essa vida seria um tormento, seria s um
sofrimento.
O prprio Cristo falou que o seu corao est onde esto os seus tesouros. O que
um tesouro? uma coisa que sua mente acalenta como valiosa; uma coisa para a
qual a ateno de sua mente se volta naturalmente. Se a sua mente est o tempo todo
ocupada tenho que pagar a conta disso, tenho que fazer no-sei-o-qu, tenho que
arrumar aquilo , est s na vida biolgica, quando voc morrer ela vai continuar na
vida biolgica. Se ela continua funcionando depois da morte, ela vai continuar no
mesmo processo, porque esse o seu tesouro; s que esse tesouro estar longe de voc.
Isto o inferno. A meditao tem que ter como base um tema que chamou a ateno.
Existe um clssico sobre a meditao, uma grande obra sobre a meditao chamada
Opsculo sobre a arte de aprender e de meditar, de Hugo de So Vtor. Hugo de So
Vtor foi um pensador que viveu no sculo XI, passagem do sculo X ao XI. Ele fala:
sim, uma das atividades mais importantes da vida humana meditar. A vida humana
meditar. Mas ele mesmo fala: mas a meditao impossvel sem voc recoletar certo
material acerca do tema da meditao, porque toda meditao acerca de algo. Onde
voc vai achar esses temas? Ele dizia: s tem duas fontes de temas para a inteligncia
humana: a natureza e os livros. No tem outras. Claro, se voc tiver a felicidade de
morar no meio de um bosque maravilhoso, voc pode tomar como base para a maior
parte de suas meditaes esse cenrio idlico. Voc sai da sua casa, senta do lado do
riacho, fica ouvindo o barulhinho, v as rvores, o ventinho passando e a voc vai usar
isso como temas de meditao. Se voc vive em um apartamento em Curitiba, eu sugiro
que voc compre alguns livros; mais barato do que comprar o bosque.
Aluno: [?]
Sim, esse exerccio diz que s isso vida. O resto no vida, o resto um
mecanismo cclico que nunca avana. Ns pensamos assim: se eu tiver mais dinheiro, o
problema das contas vai sumir. Mentira. Se eu tiver mais dinheiro, o problema das
contas vai mudar de escala e vai continuar existindo do mesmo jeito; se eu tiver um
bilho de reais, o problema de contas ser na escala de um bilho de reais. Por qu?
Porque isto um mecanismo cclico que no tem sada. como a necessidade de
alimento, a necessidade de sono ou a necessidade de sexo tudo isso a so mecanismos
cclicos. Vai dar uma volta no relgio e voc vai precisar disso de novo. E depois vai
acontecer de novo, de novo, de novo, de novo e assim vai ser sua vida toda. Isso no
vida, isso um mecanismo. somente na parte intelectual e espiritual que voc possui
uma vida, quer dizer, um processo de desenvolvimento que no se repete, mas que se
abre para universos cada vez mais amplos. Somente a existe um desenvolvimento real.
Alis, esse um dos temas favoritos dos orientais em meditao: este mundo samsara;
uma srie de ciclos que se repetem e que no se resolvem nunca. Essa a figura que o
oriental tem do mundo natural e essa figura verdadeira, porque o mundo natural
assim mesmo, ele uma indicao que no se resolve. Existe inclusive um grande
clssico sobre o pensamento oriental a respeito disso em lngua portuguesa: A doutrina
zen da no-mente, de D. T. Suzuki. Este livro foi traduzido para o portugus e est uma
traduo at razovel. Da quem se interesse por coisas orientais o que o oriental acha
o que a meditao, o que ele acha o que o mundo, o que ele acha o que o ser
humano d uma lida nesse livro. Foi um dos maiores pensadores orientais do sculo
XX. Ele era considerado um sujeito to avanado nesse negcio de Budismo e Zen que,
apesar de ser um leigo pai de famlia, ele era o diretor espiritual de muitos monges;
muitos mosteiros o convidavam para instru-los acerca do que era meditao oriental, do
que era vida espiritual.
Diga.
Aluno: [?]
A mente o sujeito do pensamento. A mente o lugar onde se do os
pensamentos; de maneira que a sala o lugar onde se d a aula, a mente o lugar onde
se do os pensamentos. Os pensamentos e sentimentos vivem na mente do mesmo jeito
que ns vivemos na Terra. Quem tem interesse sobre doutrinas orientais pode ler esse
livro com grande proveito. Apesar de ser um livretinho, cento e vinte ou centro e trinta
pginas, um negcio que pode acompanhar o sujeito pela vida toda; ele pode ler e
reler e reler aquilo que sempre vai sair frutos.
Isso a que pe o sujeito na dimenso realmente humana; s isso que nos
distingue dos animais. No o nosso jeito de pagar as contas com o real. Os animais
pagam com o esforo fsico; o boi tem que andar at a grama para pegar. E ns pagamos
com um pedao de papel, mas esse pedao de papel significa esforo fsico, a mesma
coisa. E pensem nisso: se existe uma vida aps a morte, ela um tormento para quem
no viveu uma vida intelectual e espiritual antes da morte. Ela s perder o que voc
tinha. Ento, com este pensamento, eu vos deixo. Se existe uma vida aps a morte, ela
um tormento para quem no tinha uma vida intelectual e espiritual antes da morte; ela
s perder tudo. Boa noite a todos.
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