MARIA ISABEL AMPHILO
A GÊNESE, O DESENVOLVIMENTO E A DIFUSÃO
DA FOLKCOMUNICAÇÃO
Universidade Metodista de São Paulo
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
São Bernardo do Campo - SP, 2010.
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MARIA ISABEL AMPHILO
A GÊNESE, O DESENVOLVIMENTO E A DIFUSÃO
DA FOLKCOMUNICAÇÃO
Tese apresentada em cumprimento parcial às exigências
do Programa de Pós-graduação em Comunicação Social,
da UMESP – Universidade Metodista de São Paulo,
para obtenção do grau de Doutor.
Orientador: Prof. Dr. José Marques de Melo
Universidade Metodista de São Paulo
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
São Bernardo do Campo - SP, 2010.
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FOLHA DE APROVAÇÃO
A Tese de Doutorado sob o título “A gênese, o desenvolvimento e a difusão da
Folkcomunicação”, elaborada por Maria Isabel Amphilo, foi defendida e aprovada em 20
de maio de 2010, perante a banca examinadora composta por Dr. José Marques de Melo
(orientador), Dr. Jorge A. González Sánchez, Dr. Antonio Carlos Hohlfeldt, Dra. Cicília M.
Krohling Peruzzo e Dra. Maria Cristina Gobbi.
Declaro que a autora incorporou as modificações sugeridas pela banca examinadora, sob a
minha anuência enquanto orientador, nos termos do Art. 34 do Regulamento dos Cursos de
Pós-graduação.
Assinatura do orientador: ____________________________________________________
Nome do orientador: Dr. José Marques de Melo
Data: São Bernardo do Campo, 20 de junho de 2010.
Visto do Coordenador do Programa de Pós-graduação: ___________________________
Área de Concentração: Processos Comunicacionais
Linha de Pesquisa: Midiologia Brasileira
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À minha mãezinha, Maria
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In Memoriam
Luiz Beltrão de Andrade Lima (1918-1986)
Joseph Maria Luyten (1941-2006)
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As revoluções se estão fazendo por décadas e não por séculos e têm o seu suporte na tecnologia e na
comunicação, juntas, de mãos dadas para reformar a face da terra e conferir novos padrões de vida à
humanidade. Não temos mais tempo para esperar a lenta germinação das sementes que se acham, em
estágios variáveis de evolução, no espírito de um e de outro Brasil. Que precisam entender-se,
comunicar-se, com vistas à interação, a fim de que sovreviva o Brasil com o patrimônio físico e
espiritual que recebemos das gerações antecedentes e que temos o dever de transmitir, integral e
enriquecido, aos nossos pósteros. (...) É, portanto, da importância vital para o nosso País (...) o
encaminhamento de soluções para a Comunicação do Brasil que, como assinalávamos no início, é o
problema fundamental da sociedade contemporânea.
LUIZ BELTRÃO
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PUEDES LLEGAR
Composição: Gloria Estefan
Soñar con lo que más queremos
Aquello difícil de lograr
Es ofrecer llevar la meta a su fin
Y creer que la veremos cumplir
Arriesgar de una vez
Lo que soy por lo que puedo ser
Puedes llegar... lejos
A las estrellas alcanzar
A hacer de sueños realidad
Y puedes volar... alto
Sobre las alas de la fe
Sin más temores por vencer
Puedes llegar
Hay días que pasan a la historia
Son días difícil de olvidar
Sé muy bien que puedo triunfar
Seguiré con toda mi voluntad
Hasta el destino enfrentar
Y por siempre mis huellas dejar
Puedes llegar... lejos
A las estrellas alcanzar
A hacer de sueños realidad
Y puedes volar... alto
Sobre las alas de la fe
Sin más temores por vencer
Puedes llegar
Puedes llegar... lejos
A las estrellas alcanzar
A hacer de sueños realidad
Y puedes volar... alto
Sobre las alas de la fe
Sin más temores por vencer
Puedes llegar
Puedes llegar
Quieres llegar
Sobre las alas de la fe
Sin más temores por vencer
Puedes llegar
Que el más allá
Puedes llegar
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AGRADECIMENTOS
A Deus pelo dom da vida, pela saúde, pela proteção e por iluminar meu caminho.
Agradeço, primeiramente e especialmente, ao meu orientador, Prof. Dr. José Marques de
Melo, que me ajudou muito desde a origem desta tese, me orientou e guiou pelos caminhos do
conhecimento, dando-me força, coragem e motivação. Além de encaminhar-me ao Estágio
Doutoral com o Prof. Dr. Jorge González. Muitíssimo obrigada!
Agradeço, também, ao meu co-orientador Prof. Dr. Jorge Alejandro González Sanchez,
pelas efetivas contribuições à tese, pelas aulas, viagens de pesquisa e pelo incentivo e
motivação a ser uma pesquisadora, pela amizade e suporte. Como também, pelo grande
presente de poder conhecer o pueblo e a rádio comunitária, em que realizou suas pesquisas,
em Zilacatipán, Vera Cruz. Minha gratidão!
À FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, que financiou
esta pesquisa e possibilitou o Estágio Doutoral realizado na Universidad Nacional Autônoma
de México - UNAM.
À UMESP – Universidade Metodista de São Paulo, onde estudei desde 1998, realizando
estudos de graduação, especialização, mestrado e doutorado. Aos meus Professores, que
contribuíram para o meu desenvolvimento intelectual, especialmente aos professores Dr.
Joseph Luyten (in memoriam), Dra. Cecília Peruzzo, Dr. Daniel Galindo, Dra. Sandra
Reimão, Dra. Beth Gonçalves, Dra. Anamaria Fadul e Dr. Isaac Epstein. À Profa. Dra. Maria
Cristina Gobbi pelas importantes conversas sobre a tese, como também, pela utilização do
acervo da Cátedra Unesco. Às bibliotecárias das Bibliotecas: Central, Ecumênica e de
Teologia, principalmente, à Noemi.
À UNAM – Universidad Nacional Autónoma de México/DF, especialmente a Direção
do Centro de Investigaciones Interdisciplinárias en Ciencias e Humanidades (CEIICH),
LABcomPLEX – Laboratório de Comunicación Compleja, em que agradeço por ter me
recebido para a realização do Estágio Doutoral com o Prof. Dr. Jorge A. González, como
também, pelas importantes e significativas contribuições dos professores Dr. José
Amozzurrutia, Dra. Margarita Maass e da amiga e Dra. Laura González. Agradeço,
especialmente, também, ao Prof. Dr. Rolando Garcia com quem tivemos a oportunidade de
estudar História de la Ciência, e ao Prof. Dr. Gilberto Gimenez, pelas aulas e conferências, no
Seminário de Cultura y Representaciones Sociales, no Centro de Investigaciones en Ciéncias
Sociales - UNAM. Também agradeço, de maneira muito especial, as efetivas contribuições
dos amigos de pesquisa Dr. Manuel Meza, Ms. Mônica Carles e Dr. Manuel Herrera, em que
juntos crescemos no conhecimento. Ao Prof. Dr. Manuel Velazquez Mejía, pela gentileza em
conceder-me o livro de Alberto Cirese: Cultura hegemónica y culturas subalternas. Agradeço,
também, pela disposição dos bibliotecários do CEIICH, que sempre me ajudaram com
dedicação, Sr. Sérgio e seu auxiliar, como também da dedicada amiga e assistente do
laboratório, Jenny Sámano.
Ao Prof. Dr. Nestor Garcia Canclini pela atenção, pela conversa motivadora sobre a
cultura popular, além de suas aulas na UAM – Universidad Autônoma Metropolitana
(Iztapalapa), División de Ciéncias Sociales y Humanidades, Departamento de Antropologia,
em novembro de 2007. Ao Prof. Dr. Enrique Sánches Ruiz pela disponibilidade em atender-
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me, como também agradeço às bibliotecárias da Pós-graduação em Ciências Sociais e
Humanidades da Universidad de Guadalajara/Jalisco, no contexto do Ibercom/Guadalajara.
Aos Professores da Rede Folkcom, que sempre me apoiaram, Prof. Dr. Roberto
Benjamin, Prof. Dr. Osvaldo Trigueiro, Profa. Dra. Cristina Schimidt, Prof. Dr. Antonio
Hohlfeldt, e todos aqueles que de alguma maneira contribuíram para esta pesquisa.
À minha família, pelo amor, carinho e suporte. Obrigada mãe, pai e Eduardo. E à minha
família mexicana (Guadalajara) ao casal Noé Alfaro e Célia Galindo e minha companheira de
passeios culturais Hortência Alfaro, além das crianças Liz, Daniel e Samy. Obrigada pela
amizade, pelo cuidado e atenção. Muchissimas gracias por todo! Saudades!
Aos familiares e amigos, que me motivaram, incentivaram e me ajudaram a chegar até
aqui: Roseli e Claudemir Ferreira, Cris Gobbi, Cláudia Simões, Edmar e Adriana, Valdirene e
Alfredo, Virgínia e Bernardo, David Morales, Manuel e Sophia, Jorge e Mônica, Margarita e
Hector, Pepe e Busy, Rev. Edman e Rosi, entre vários amigos e amigas que me ajudaram e
motivaram nesse período e, especialmente, às amigas Ms. Ester Marçal Fér, Ms. Andréa
Eugênio e a Lic. Márcia Dias, pelas efetivas contribuições e correções realizadas. Também ao
doutorando Francisco de Assis, que realizou correções. Super obrigada a todos vocês!
Ao Bispo Nelson Luiz Campos Leite pelo apoio constante e oração. Ao Prof. Dr. Josias
Pereira pelo acompanhamento e pelo cuidado e ao Rev. Laurindo Prieto, pela orientação,
compreensão e acolhida ao seio da Igreja Metodista.
A Lucineide Caixeta, da Secretaria Acadêmica, pelos trâmites burocráticos, como
também agradeço às secretárias da Cátedra Damiana Rosa e Ronia Francisca e à secretária da
pós-graduação Kátia França. Ao Rev. Oswaldo de Souza, pela maneira generosa com que
realizou os acertos finaneiros, além do apoio, amizade e compreensão.
A todos, que de alguma maneira contribuíram para que eu chegasse ao final desta etapa
importante da minha vida e concluísse meu Doutorado. Sinceramente, muito obrigada a todos
vocês!
Abraços,
Com Carinho,
Isabel Amphilo
Sorocaba, Verão de 2010.
10
Mural da Rádio Comunitária em Huayacocotla, Veracruz, México.
Fotografia de Maria Isabel Amphilo, 21 de fevereiro de 2009.
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LISTA DE TABELAS
TABELA 0-1: População Urbana e Rural (1960-2000) ....................................................................... 48
TABELA 0-2: Taxa de mortalidade e expectativa de vida ................................................................... 49
Tabela 0-3: Taxa de Alfabetização acima de 15 anos, por sexo e Região brasileira. ............................ 50
Tabela 0-4: Miscigenação racial brasileira. ........................................................................................... 51
Tabela 0-1: Autores mais citados na Tese de Doutorado de Luiz Beltrão (1967/2001) ..................... 131
Tabela 0-2: Sistema de Comunicação Popular (Marques de Melo e Luyten) ..................................... 230
Tabela 0-1: Temas e Linhas de Investigação - FOLKCOM 1998....................................................... 269
Tabela 0-2: Temas e Linhas de Investigação - FOLKCOM 1999...................................................... 281
Tabela 0-3: Temas e Linhas de Investigação - FOLKCOM 2000...................................................... 284
Tabela 0-4: Temas e Linhas de Investigação - FOLKCOM 2001...................................................... 291
Tabela 0-5: Temas e Linhas de Investigação - FOLKCOM 2002...................................................... 302
Tabela 0-6: Simpósios FOLKCOM 2002 ........................................................................................... 302
Tabela 0-7: Temas e Linhas de Investigação - FOLKCOM 2003...................................................... 305
Tabela 0-8: Temas e Linhas de Investigação - FOLKCOM 2004...................................................... 313
Tabela 0-9: Temas e Linhas de Investigação - FOLKCOM 2005...................................................... 325
Tabela 0-10: Temas e Linhas de Investigação - FOLKCOM 2006.................................................... 338
Tabela 0-11: Temas e Linhas de Investigação - FOLKCOM 2007.................................................... 353
Tabela 0-12: 10 Anos de Produção Científica do Congresso FOLKCOM ........................................ 365
Tabela 0-13: Gráfico Comparativo da Produção (1998-2007) ............................................................ 366
Tabela 0-14: Quadro Comparativo das Universidades ........................................................................ 367
Tabela 0-15: Sub-áreas da Folkcomunicação e Folkmídia ................................................................. 367
Tabela 0-16: Quadro Atual dos Temas e Linhas de Investigação ....................................................... 368
Tabela 0-17: Linhas de Pesquisa - NP INTERCOM (2007) ............................................................... 369
Tabela 0-18: ARTIGOS - INTERCOM 1998 ..................................................................................... 371
Tabela 0-19: ARTIGOS INTERCOM 1999 ....................................................................................... 373
Tabela 0-20: ARTIGOS INTERCOM 2000 ....................................................................................... 380
Tabela 0-21: ARTIGOS INTERCOM 2001 ....................................................................................... 383
Tabela 0-22: ARTIGOS INTERCOM 2002 ....................................................................................... 387
Tabela 0-23: ARTIGOS INTERCOM 2003 ....................................................................................... 397
Tabela 0-24: ARTIGOS INTERCOM 2004 ....................................................................................... 408
Tabela 0-25: ARTIGOS INTERCOM 2005 ....................................................................................... 411
Tabela 0-26: ARTIGOS INTERCOM 2006 ....................................................................................... 415
Tabela 0-27: ARTIGOS INTERCOM 2007 ...................................................................................... 423
Tabela 0-28: TOTAL PRODUÇÃO ARTIGOS INTERCOM (1998-2007) ...................................... 432
Tabela 0-29: Gráfico Evolutivo........................................................................................................... 433
Tabela 0-30: Quadro GT (Alterações)................................................................................................. 433
Tabela 0-31: CONGRESSO BRASILEIRO DE FOLCLORE 2007 .................................................. 437
Tabela 0-32: CONGRESSO BRASILEIRO DE FOLCLORE - ARTIGOS ....................................... 438
Tabela 0-33: QUADRO ARTIGOS ALAIC 1998 .............................................................................. 441
Tabela 0-35: QUADRO ARTIGOS ALAIC 2002 ............................................................................. 448
Tabela 0-36: QUADRO ARTIGOS ALAIC 2004 .............................................................................. 454
Tabela 0-37: QUADRO ARTIGOS ALAIC 2006. ............................................................................ 462
Tabela 0-38: QUADRO ARTIGOS ALAIC 2008 .............................................................................. 465
Tabela 0-39: TOTAL PRODUÇÃO CONGRESSOS ALAIC (1998-2008) ...................................... 470
Tabela 0-40: Gráfico Comparativo Produção Cientifica ..................................................................... 470
Tabela 0-41: GRÁFICO COMPARATIVO PRODUÇÃO CIENTIFICA ......................................... 472
Tabela 0-42: QUADRO DA INCURSÃO DE ESTRANGEIROS NA FOLKCOMUNICAÇÃO ..... 473
Tabela 0-1: Quadro da CAPES da Área de Avaliação das Disciplinas em Comunicação .................. 555
Tabela 0-2: Quadro dos Pesquisadores em Folclore, Cultura Popular e Meios de Comunicação....... 556
Tabela 0-3: Quadro dos Pesquisadores em Folkcomunicação e Folkmídia registrados...................... 556
Tabela 0-4: LINHAS DE PESQUISA EM FOLKCOMUNICAÇÃO E FOLKMÍDIA ..................... 558
Tabela 0-1: A Produção Acadêmica em Folkcomunicação nas Universidades Brasileiras ............... 566
Tabela 0-2: PESQUISADORES QUE MAIS ORIENTARAM TESES NA ÁREA .......................... 567
12
LISTA DE FIGURAS
13
LISTA DE ESQUEMAS
Esquema 1 – Estrutura Teórica Da Folkcomunicação .......................................................................p. 77
Esquema 2 - Meios De Expressão Popular ......................................................................................p. 162
Esquema 3 - Grupos Marginalizados ...............................................................................................p. 179
Esquema 4 – A Estrutura Da Folkcomunicação – Beltrão ..............................................................p. 188
Esquema 5 - Mapa Conceitual De Folkcomunicação ......................................................................p. 212
Esquema 6 – Processo 1: Partindo dos MCM...................................................................................p. 214
Esquema 7 – Processo 2: Fonte MCM, Fato/Acontecimento/Situação Vivencial ..........................p. 217
Esquema 8 – Canal = MCM (Meios De Comunicação De Massa) .................................................p. 218
Esquema 9 – Canal = MCF (Meios De Comunicação Folk) ...........................................................p. 219
Esquema 10 – Canal - Comunicação Alternativa ............................................................................p. 225
Esquema 11 – Folkcomunicação Na Época Colonial ......................................................................p. 229
Esquema 12 - As Três Dimensões Da Folkcomunicação ................................................................p. 233
Esquema 13 – Relações de Primeira Ordem ....................................................................................p. 234
Esquema 14 – Relações de Relações de Segunda Ordem ..............................................................p. 235
Esquema 15 – Relações de Terceira Ordem ................................................................................... p. 236
Esquema 16 – Relações De Quarta Ordem (MCM e Institucionalizada) ........................................p. 498
Esquema 17 – Comunicação Cultural – Luiz Beltrão ......................................................................p. 586
14
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO _________________________________________________________________ 22
MARCO TEÓRICO E METODOLÓGICO _________________________________ 23 Marco epistêmico ______________________________________________________ 29
Hipóteses ____________________________________________________________ 30
Objetivo da Pesquisa ___________________________________________________ 33
Geral ________________________________________________________________ 33
Específicos ___________________________________________________________ 33
Justificativa ___________________________________________________________ 33
Metodologia __________________________________________________________ 34
Relevância científica____________________________________________________ 37
Relevância Social ______________________________________________________ 38
ANÁLISE DE CONJUNTURA_____________________________________________________ 40 Introdução ____________________________________________________________ 40
Cenário Mundial _______________________________________________________ 40
Cenário latino-americano ________________________________________________ 41
Brasil, década de 1960 __________________________________________________ 42
Contexto Social _______________________________________________________ 46
O Brasil em números ___________________________________________________ 47
PARTE I – GÊNESE - A GÊNESE E OS FUNDAMENTOS DA FOLKCOMUNICAÇÃO ___ 55
CAPÍTULO I - MATRIZES EPISTEMOLÓGICAS ___________________________________ 56 1.1. Marco epistêmico de Luiz Beltrão _____________________________________ 59
1.2. Um problema a resolver _____________________________________________ 63
1.3. Um problema a investigar ____________________________________________ 69
1.4. Marco metodológico ________________________________________________ 71
1.5. Problemáticas epistemológicas ________________________________________ 73
1.6. Predição suicida ____________________________________________________ 84
CAPÍTULO II - MATRIZES ANTROPOLÓGICAS E SOCIOLÓGICAS DA
FOLKCOMUNICAÇÃO __________________________________________________________ 88
1. Estudos Científicos do Folclore Brasileiro _________________________________ 89
2. A Folkcomunicação e a Sociologia Brasileira _____________________________ 107 2.1. A formação da sociedade brasileira ____________________________________ 108
2.2. As relações e a formação da cultura brasileira ___________________________ 111
2.3. Casa Grande & Senzala: comunicação intercultural _______________________ 114
2.4. A abolição da escravatura e os processos decorrentes _____________________ 120
Conclusão ___________________________________________________________ 123
CAPÍTULO III - MATRIZES COMUNICACIONAIS DA FOLKCOMUNICAÇÃO _______ 125
1. A Gênese ___________________________________________________________ 126
15
1.1. A formação da teoria _______________________________________________ 129
1.2. O Agente de Folk __________________________________________________ 134
1.3. Os grupos ________________________________________________________ 139
1.4. A distinção _______________________________________________________ 142
1.5. Classificação e tipologias ___________________________________________ 143
2. Teoria da Folkcomunicação ____________________________________________ 147 2.1. Delimitação e Características do Campo ________________________________ 154
2.2. Rede de conceitos _________________________________________________ 158
2.3. O Folkcomunicador – um mediador ___________________________________ 180
2.4. Mapa Conceitual da Folkcomunicação _________________________________ 187
2.6. Proposta metodológica para a Folkcomunicação _________________________ 189
3. Processos Folkcomunicacionais _________________________________________ 199 3.1. Elementos do Processo _____________________________________________ 204
3.2. As Variantes do Processo ___________________________________________ 220
3.2.1. Enfoques da Pesquisa em Folkcomunicação ___________________________ 221
3.3. Sistemas Folkcomunicacionais _______________________________________ 222
3.4. As redes de relações da comunicação popular ___________________________ 231
PARTE II - DESENVOLVIMENTO: O DESENVOLVIMENTO DAS IDÉIAS PELOS
AGENTES E O CONFRONTO COM OUTRAS TEORIAS ____________________________ 244
CAPÍTULO I - A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA FOLKCOMUNICAÇÃO _____________ 245
INTRODUÇÃO ________________________________________________________________ 245
1. Marcos Históricos ____________________________________________________ 246 1.1. Geração Precursora ________________________________________________ 246
1.2. Geração Pioneira (década de 60-70) ___________________________________ 251
1.3. Geração Inovadora (década de 80-90) __________________________________ 254
1.4. Geração Renovadora (1998 aos nossos dias) ____________________________ 262
CAPÍTULO II - ANÁLISE DOS CONGRESSOS: 10 ANOS DE PRODUÇÃO CIENTÍFICA 266
1. CONGRESSOS NACIONAIS __________________________________________ 267
1.1. FOLKCOM – Conferência Brasileira de Folkcomunicação. _______________ 267 1.1.1. FOLKCOM 1998: Universidade Metodista de São Paulo (SP) ____________ 268
1.1.2. FOLKCOM 1999: Universidade Federal de São João Del-Rey (MG) _______ 279
1.1.3. FOLKCOM 2000: Universidade Federal da Paraíba (PB) ________________ 282
1.1.4. FOLKCOM 2001: Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (MS) ______ 289
1.1.5. FOLKCOM 2002: Centro Universitário Mont Serrat (SP) ________________ 301
1.1.6. FOLKCOM 2003: Faculdade de Filosofia de Campos (RJ) _______________ 303
1.1.7. FOLKCOM 2004: Centro Universitário do Vale do Taquari (RS) __________ 312
1.1.8. FOLKCOM 2005: Centro Universitário de Teresina (PI) _________________ 323
1.1.9. FOLKCOM 2006: Universidade Metodista de São Paulo (SP) ____________ 338
1.1.10. FOLKCOM 2007: Universidade Estadual de Ponta Grossa (PR) _________ 353
Conclusões __________________________________________________________ 365
2. INTERCOM – Associação Brasileira de Estudos Interdisciplinares em
Comunicação __________________________________________________________ 369 2.1. INTERCOM 1998: Universidade Católica de Pernambuco (PE) ____________ 370
2.2. INTERCOM 1999: Universidade Gama Filho (RJ) _______________________ 373
2.3. INTERCOM 2000: Universidade do Amazonas (AM) _____________________ 380
16
2.4. INTERCOM 2001: Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do
Pantanal (MS) _______________________________________________________ 383
2.5. INTERCOM 2002: Universidade do Estado da Bahia (BA) ________________ 387
2.6. INTERCOM 2003: Pontificia Universidade Católica de Minas Gerais (MG) __ 397
2.7. INTERCOM 2004: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (RS) 408
2.8. INTERCOM 2005: Universidade do Estado do Rio de Janeiro (RJ) __________ 411
2.9. INTERCOM 2006: Universidade de Brasília (DF) _______________________ 415
2.10. INTERCOM 2007: Católica de Santos, Sta. Cecília e Monte Serrat (SP) _____ 423
Conclusões __________________________________________________________ 432
1.2. CNF: Congresso Nacional De Folclore _________________________________ 434
2. CONGRESSOS INTERNACIONAIS ___________________________________ 440
2.1. ALAIC – Asociación Latino-americana de Investigadores en Comunicación __ 440 2.1.1. ALAIC 1998: Universidade Católica de Pernambuco/UFRPE (Brasil) ______ 441
2.1.2. ALAIC 2000: Universidad Diego Portales (Chile) ______________________ 444
2.1.3. ALAIC 2002: Universidad Privada de Santa Cruz de la Sierra (Bolivia) ____ 447
2.1.3. ALAIC 2004: Universidad Nacional de La Plata (Argentina) _____________ 454
2.1.4. ALAIC 2006: Universidade do Vale do Rio Sinos (Brasil) ________________ 461
2.1.5. ALAIC 2008: Centro Tecnológico de Monterrey (Mexico) _______________ 465
Conclusões __________________________________________________________ 469
Considerações Finais sobre os Congressos _________________________________ 472
CAPITULO III - FOLKCOMUNICAÇÃO EM CONFRONTO COM OUTRAS TEORIAS _ 474 1. Folkcomunicação e as Teorias Sociais ___________________________________ 475
2. Folkcomunicação e as Mediações Culturais _______________________________ 486
3. Folkcomunicação e a Teoria das Representações Sociais ____________________ 488
4. Folkcomunicação e a Teoria das Frentes Culturais _________________________ 500
PARTE III – DIFUSÃO: A DIFUSÃO DA FOLKCOMUNICAÇÃO E A LEGITIMAÇÃO
ACADÊMICA _________________________________________________________________ 520
CAPÍTULO I - PROBLEMÁTICAS QUE FREARAM A DIFUSÃO ____________________ 521 1. Problemáticas na difusão da Folkcomunicação ____________________________ 522
1.1. A aplicação das categorias de Rogers ________________________________ 527
2. A Incursão de estrangeiros na Folkcomunicação ___________________________ 533
3. A internacionalização da Folkcomunicação _______________________________ 534
CAPÍTULO II - LEGITIMAÇÃO ACADÊMICA ____________________________________ 539
INTRODUÇÃO ________________________________________________________________ 539 1. As primeiras pesquisas em Folkcomunicação _____________________________ 540
2. Ações legitimadoras _________________________________________________ 546
3. A Folkcomunicação enquanto disciplina cientifica _________________________ 551
1.1. Pesquisadores em Folkcomunicação _________________________________ 554
1.2. Linhas de Pesquisa ______________________________________________ 557
CAPÍTULO III - PRÁTICAS ACADÊMICAS _______________________________________ 561
1. Teses e dissertações sobre Mídia e Cultura Popular ________________________ 561 1.1.Geração Pioneira___________________________________________________ 562
1.2.Geração Inovadora _________________________________________________ 562
1.3. Geração Renovadora _______________________________________________ 565
2. Escolas de Comunicação e Orientadores Em Folkcomunicação e Folkmídia ___ 567
17
3. A Folkcomunicação nas Revistas de Comunicação _________________________ 568 3.1. REVINTFOLK ___________________________________________________ 568
3.2. Revista Comunicação & Sociedade ____________________________________ 577
3.3. Revista Intercom __________________________________________________ 577
3.4. Anuário UNESCO _________________________________________________ 577
3.5. PCLA - Pensamento Comunicacional Latino-Americano___________________ 577
3.6. ALAIC __________________________________________________________ 577
3.7. Anais ELACOM __________________________________________________ 578
3.8. Razón Y Palabra __________________________________________________ 578
4. Livros e Artigos ______________________________________________________ 580
5. Produção Científica Total _____________________________________________ 582
CAPÍTULO IV - FOLKCOMUNICAÇÃO E FOLKMÍDIA: A OPERACIONALIZAÇÃO DA
INFORMAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO REGIONAL____________________________ 585
1. Folkcomunicação ____________________________________________________ 588 1.2. Folkcomunicação musical ___________________________________________ 595
1.4. Folkcomunicação Visual ____________________________________________ 597
1.5. Folkcomunicação Icônica ___________________________________________ 598
1.6. Folkcomunicação de Conduta (Cinética) _______________________________ 600
2. Folk - Publicidade e Propaganda _______________________________________ 603
3. Folk - Relações Públicas _______________________________________________ 605
4. Folk – Turismo ______________________________________________________ 605
5. Folkarte: a alta comunicabilidade folclórica ______________________________ 607 5.1. Teatro Popular e as Danças __________________________________________ 607
5.2. Feiras e Festas Populares ____________________________________________ 610
5.3. Pintura __________________________________________________________ 614
6. Folkmídia – A indústria cultural ________________________________________ 615
6.1. Interfaces midiáticas _______________________________________________ 618
6.2. Cultura de massa __________________________________________________ 623
CONCLUSÃO _________________________________________________________________ 631 Conclusões da Parte I __________________________________________________ 631
Conclusões da Parte II _________________________________________________ 633
Conclusões da Parte III _________________________________________________ 634
Considerações Finais __________________________________________________ 635
BIBLIOGRAFIA _______________________________________________________________ 636
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RESUMO
AMPHILO, Maria Isabel. A Gênese, o Desenvolvimento e a Difusão da Folkcomunicação.
2010. Tese (Doutorado em Comunicação Social) – Universidade Metodista de São Paulo, São
Bernardo do Campo, 2010.
Investigação sobre a gênese da teoria da Folkcomunicação, tendo por objetivo identificar suas
matrizes epistemológicas e suas raízes metodológicas, bem como caracterizar sua natureza
interdisciplinar, gravitando em torno das ciências da comunicação e da cultura. O estudo parte
da análise do desenvolvimento dos conceitos de Luiz Beltrão, contextualizando sua
ancoragem inicial na teoria do jornalismo (1967) e sua posterior ampliação para incluir as
dimensões do processo social da comunicação (1980). Com base na exegese da obra seminal
do fundador da Folkcomunicação, buscamos extrair as contribuições do autor para o avanço
das teorias da comunicação ao adaptar dimensões de bilateralidade e de formas de expressão
da cultura popular nos processos da comunicação. Realizamos, também, a análise crítica dos
avanços teóricos e das estratégias metodológicas construídas pelos estudiosos que deram
continuidade aos estudos de Luiz Beltrão. Em seguida, investigamos a disseminação dos
conhecimentos sobre folkcomunicação no Brasil e no âmbito acadêmico internacional. O
corpus analisado foi a obra de Beltrão sobre o tema, bem como, dissertações, teses, livros,
artigos e comunicações cientificas, que tratam da folkcomunicação. A metodologia utilizada
terá por base a pesquisa bibliográfica e documental e a análise taxonômica. O período
analisado compreenderá os estudos publicados sobre a Folkcomunicação desde a obra original
de Beltrão, em 1967 até 2007.
Palavras-chave: Teoria da Comunicação, Midiologia Brasileira, Folkcomunicação, Luiz
Beltrão.
19
RESUMEN
AMPHILO, Maria Isabel. La génesis, el desarrollo y la difusión de la Teoría de la
Folkcomunicación. 2010. Tesis (Doctorado en Comunicación Social) – Universidade
Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2010.
Investigación sobre la génesis de la teoría de la Folkcomunicación, objetivando
identificar sus matrices epistemológicas y sus raíces metodológicas, bien como caracterizar su
naturaleza interdisciplinaria, gravitando alrededor de las ciencias de la comunicación y de la
cultura. El estudio es parte de la análisis de desarrollo de los conceptos de Luiz Beltrão, en el
contexto de su retención inicial en la teoría del periodismo (1967) y su posterior ampliación
para incluir las dimensiones del proceso social de la comunicación (1980). Basado en la
exégesis de la obra original del fundador de la Folkcomunicación, buzcamos extraer las
contribuciones del autor para el avance de las teorías de la comunicación al adaptar las
dimensiones de bilateralidad y de formas de expresión de la cultura popular en los procesos de
la comunicación. Realizamos, también, la análisis crítica de los avances teóricos y de las
estrategias metodológicas construidas por los estudiosos que dieran continuidad a los estudios
de Luiz Beltrão. En seguida, investigamos la diseminación de los conocimientos sobre
folkcomunicación en Brasil y en el ámbito académico internacional. El corpus a ser analizado
será la obra de Luiz Beltrão sobre el tema, así como disertaciones, tesis, libros, artículos y
comunicaciones científicas que tratan de la Folkcomunicación. La metodología utilizada
tendrá por base la investigación bibliográfica y documental y el análisis taxonómico. El
período analizado comprenderá los estudios publicados sobre la Folkcomunicación desde la
obra primera de Beltrão, en 1967, hasta 2007.
Palabras-clave: Teoría de la Comunicación, Midiología Brasileña, Folkcomunicación, Luiz
Beltrão.
20
ABSTRACT
AMPHILO, Maria Isabel. The genesis and the development of the Folk-communication
Theory’s in Brazil and your diffusion. Thesis (Doctoral Thesis in Social Communication) –
Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2010.
The research project examines the folk-communication theory and pretends to identify his
epistemological and methodological sources, likewise to answer how we could characterize
his inter-subjected nature, dealing with the communication and culture sciences. The study
starts out with a survey of the developments of Luiz Beltrão‟s ideas and concepts, after that it
links an initial Beltrão‟s ground with a journalism theory (1967) and with his further
enlargement, which includes the social process dimensions of communication (1980). On the
base of exegesis of the main work of the communication theory founder, we draw out author‟s
contributions for an advance of communication theories, which applies opposite-side
dimensions and dimensions of expression forms of a popular culture to the communication
process. We maked the critical analysis of the theoretical developments and methodological
strategies outlined by the scholars, which continued Luis Beltrão‟s researches. Afterwards, we
examine the dissemination of folk-communication knowledge‟s in Brazil and in the
international academic society. The corpus, that will be analyzed, is Beltrão‟s work about the
subject, likewise dissertations, theses, books, essays and scientific passages that deal with the
folk-communication. The methodology used is based on the bibliographical and documental
research and on the taxonomical analysis. The analyzed period consists of the studies about a
Folk-communication published since the main Beltrão‟s work in 1968 until 2006.
Key-words: Communication Theory, Midiology Brazilian, Folk-communication, Luiz
Beltrão.
21
As revoluções se estão fazendo por décadas e não por séculos e têm o seu suporte na
tecnologia e na comunicação, juntas, de mãos dadas para reformar a face da terra e conferir
novos padrões de vida à humanidade. Não temos mais tempo para esperar a lenta
germinação das sementes que se acham, em estágios variáveis de evolução, no espírito de um
e de outro Brasil. Que precisam entender-se, comunicar-se, com vistas à interação, a fim de
que sovreviva o Brasil com o patrimônio físico e espiritual que recebemos das gerações
antecedentes e que temos o dever de transmitir, integral e enriquecido, aos nossos pósteros.
(...) É, portanto, a da importância vital para o nosso País (...) o encaminhamento de soluções
para a Comunicação do Brasil que, como assinalávamos no início, é o problema
fundamental da sociedade contemporânea.
LUIZ BELTRÃO
22
INTRODUÇÃO
A Folkcomunicação é a tese elaborada pelo primeiro Doutor em Comunicação Social no
Brasil, Luiz Beltrão de Andrade Lima. A tese, defendida em 1967, sob o regime militar, foi
considerada subversiva, por sua linha neomarxista. Por esse motivo, sua publicação se deu em
1971, intitulada “Comunicação e Folclore”, com a parte teórica mutilada.
A proposta desta pesquisa, inicialmente, era o estudo apenas da gênese da
Folkcomunicação. Porém, após conversas com o orientador, decidimos abraçar o
desenvolvimento, averiguando as práticas científicas (artigos científicos e congressos) e a sua
difusão, fazendo praticamente um inventário das práticas acadêmicas (teses e dissertações). O
objetivo foi averiguar o respaldo científico e acadêmico que sustenta a Folkcomunicação,
enquanto disciplina científica nos cursos de comunicação social.
Esta pesquisa aborda a gênese da Folkcomunicação, enquanto teoria da comunicação
popular, mostrando como se deu o processo da gênese e as matrizes epistemológicas,
sociológicas e comunicacionais, que originaram e sustentam a folkcomunicação; do
desenvolvimento dos conceitos realizados pelos pesquisadores nos congressos FOLKCOM
(específico da área), INTERCOM (GT - nacional) e ALAIC (GT - latino-americano); e a
difusão, enquanto práticas acadêmicas que dão suporte à pesquisa, como também a
internacionalização da folkcomunicação, que começa com Joseph Luyten após o término de
seu doutorado; e a incursão de latino-americanos, principalmente o mexicano Jorge González
(UNAM), que aborda a comunicação popular a partir da análise semiótica da cultura.
Percebemos que alguns pesquisadores, embora não citem o termo “folkcomunicação”,
realizam em suas pesquisas trabalhos nesta linha, averiguando o discurso popular e os
processos comunicacionais populares: isso é folkcomunicação.
O objetivo principal deste trabalho, em primeira instância, é investigar as origens da
folkcomunicação, identificando não somente os teóricos da comunicação, cientistas sociais e
folcloristas que respaldaram a tese de Beltrão, mas também, as teorias e metodologias que
deram sustentação às pesquisas em folkcomunicação e outras que identificamos no decorrer
da pesquisa, como também os problemas epistemológicos, teóricos e a dificuldade da difusão
desta inovação científica, devido a sua complexidade, de natureza interdisciplinar.
23
MARCO TEÓRICO E METODOLÓGICO
A mass communication (Escola de Chicago) foi fortemente influenciada por uma teoria
de linha positivista, que emergiu em finais do século XIX e meados do século XX: o
Difusionismo. Inicialmente na Europa e, posteriormente, nos Estados Unidos, o difusionismo
encontrou adeptos que desenvolveram pesquisas em comunicação a partir da pesquisa
empírica, apontando como se dava o processo comunicacional nas eleições americanas numa
perspectiva sincrônica (analisando o processo comunicacional em si), bem como numa
perspectiva diacrônica (desenvolvendo um viés histórico-crítico) das pesquisas em
comunicação.
O difusionismo americano, ou Escola Americana, tem como seu principal expoente
Franz Boas. Conforme Mello (2005, p. 230), “a principal característica desta escola foi talvez
ter delimitado o campo de estudo da antropologia”. Para ele, a cultura é ampla e complexa,
assim sistematizou delimitando em campos pequenos visando um estudo histórico-cultural.
“Foi esta consciência, com certeza, que levou a escola americana a um aperfeiçoamento
metodológico. Deu-se preferência às informações e dados primários. Vale dizer que a
prioridade absoluta foi dada aos estudos e pesquisa de campo” (MELLO, 2005, p. 231).
A prioridade nesse período era a coleta de dados e sistematização das informações,
sobre grupos primitivos (tribo, clã ou federação) transformando-os em unidade de estudo.
Essa postura acadêmica resultou aprofundamento de estudos e ampliação temática. Assim,
esta escola foi a que mais contribuiu para a teoria antropológica.
A obra de Franz Boas “Race, Language & Culture”, em que Boaz afirma que “o
material para a reconstrução de cultura é sempre mais fragmentário porque os mais amplos e
mais importantes aspectos de cultura não deixam traços na terra; linguagem, organização
social, religião – em resumo, tudo o que não é material – desaparecem com a vida de cada
geração” (MELLO, 2005, p. 250)
Na verdade, Boas em seu texto aponta que esse processo de difusão entre as culturas
(gera sua hibridização) acaba por dificultar o estudo histórico de determinada cultura, pelo
fenômeno da hibridização. Porém, uma informação de Mello nos salta aos olhos (MELLO,
2005, p. 232):
O que se pode dizer é que os propósitos dos evolucionistas e dos
difusionistas são diversos daqueles defendidos pelo funcionalismo.
Enquanto os primeiros se preocupavam com a explicação diacrônica, o
funcionalismo abraçara a explicação sincrônica.
24
Enquanto os difusionistas preocupavam-se com a reconstrução histórico-crítica dos
povos apontando os momentos em que foram perceptíveis a difusão de informações culturais,
de valor simbólico; o funcionalismo procurava ater-se a explicação desse processo de difusão
de informações.
A importância da difusão foi tão firmemente estabelecida pela investigação
da cultura material norte-americana, cerimônias, arte, mitologia, assim
como pelo estudo das formas culturais africanas e pelo da pré-história da
Europa, que não podemos negar sua existência no desenvolvimento de
qualquer tipo cultural local. Não só se provou objetivamente por meio de
estudos comparativos, como também o investigador de campo tem amplas
provas das maneiras de atuar da difusão. Sabemos de casos em que um só
indivíduo introduziu toda uma série de mitos importantes. Podemos
mencionar, como exemplo disso, a lenda da origem do corvo (...) A
introdução de novas idéias não se deve de forma alguma considerar como
resultante puramente mecânica de adições ao padrão cultural, mas ao
mesmo tempo como um importante estímulo de novos desenvolvimentos
internos. Um estudo puramente indutivo dos fenômenos étnicos leva à
conclusão de que tipos culturais mesclados geográfica ou historicamente
situados como intermediários entre dois extremos fornecem provas da
difusão (BOAZ apud MELLO, 2005, p. 232-233).
Em 1963, Everett Rogers, renova o “modelo difusionista”, sob o prisma
comunicacional, em que conceitua difusão como “o processo pelo qual uma inovação é
comunicada por intermédio de certos canais durante um corte temporal aos componentes de
um sistema social” (ROGERS, 1995, p. 5). Para Rogers, o processo de difusão é um tipo
especial de comunicação, em que as mensagens são concernentes com novas idéias. Dessa
maneira, os indivíduos que participam desse processo comunicacional têm o compromisso
mútuo de informar com o objetivo de obter entendimento nesse intercâmbio de informações.
A difusão de uma inovação está condicionada a alguns fatores que possam garantir a
disseminação de idéias, pois, quanto mais simples e adaptada aos valores dos grupos, maiores
serão as chances de adoção de uma inovação (MIÈGE, 2000, p. 78).
O processo comunicacional para Rogers é uma “via de mão dupla”, em que a
comunicação acontece de maneira linear, com o objetivo de atingir efeitos seguros (apud
ROGERS, KINCAID, 1981). Conforme uma concepção linear da comunicação, o processo de
difusão pode ser entendido como um ato comunicacional, como o ato persuasivo de um
agente tentando convencer seu cliente a adotar determinada inovação. Porém, Rogers abre-nos
uma outra possibilidade, a da interação entre agente-cliente. “Por exemplo, o cliente pode vir
para o agente de transformação com um problema e a inovação é recomendada como uma
25
solução possível para esta necessidade.” Mas, essa interação pode continuar depois através
de ciclos, como um processo de intercâmbio de informações. Dessa maneira, o modelo
difusionista adota quatro etapas de difusão: informação, persuasão, decisão, aplicação,
confirmação (MIÈGE, 2000, p. 78). Esse feedback pode proporcionar um conhecimento
mútuo sobre o problema, tanto no lado do agente que quer vender um produto tecnológico de
melhor qualidade que supra as necessidades de seu cliente; quanto o cliente tem interesse em
ter um produto que venha de encontro às suas expectativas, com um melhor aproveitamento
do produto, ou com um custo baixo, ou algum outro benefício possível.
Se assim é, na concepção de Rogers, difusão é um “tipo especial de comunicação”, pois
as mensagens são carregas de uma nova idéia e esta novidade deu ao conteúdo da mensagem
um caráter especial. Dessa maneira, podemos entender a difusão como “um tipo de
comunicação, no qual as mensagens são sobre uma nova idéia”. Ou seja, a inovação da idéia
no conteúdo da mensagem dá a difusão um caráter especial.
Porém, por ter esse caráter inovador, a difusão gera incertezas. Esse grau de incerteza do
novo faz parte do processo de difusão, pois entra a variável da “probabilidade”. “O incerto
envolve uma necessidade de predição de estrutura de informação”. Através da informação, as
incertezas tendem a diminuir. Rogers define a informação como: “Informação é uma
diferença em energia-motriz que influencia sobre incertezas em uma situação onde uma
mudança existe entre um conjunto de alternativas” (apud ROGERS; KINCAID, 1981, p. 64).
Entendemos que, para Rogers, a informação, como uma energia-motriz, tem o poder de
reduzir as incertezas sobre determinados problemas. Assim, a difusão pode ser entendida
como uma espécie de “transformador social”, sendo o processo no qual ocorrem alterações na
estrutura e função de um sistema social. A partir do momento em que essas novas idéias, que
foram intercambiadas, discutidas, desenvolvidas e foram adotadas, podem conduzir para
conseqüências mais seguras, de maneira a proporcionar uma transformação social.
Rogers questiona, porém, autores que restringem o significado de difusão, a uma
simples disseminação de idéias, sem considerar as idéias que estão embutidas no conteúdo das
mensagens, nem seu aspecto inovador. Porém, de nada vale todo um processo de difusão, sem
que o sistema seja adotado. Persuadir o cliente é fundamental para que a difusão possa chegar
ao seu objetivo-primeiro: a transformação social.
Autores franceses, como Michel Callon e Bruno Latour (1985, p. 13-25), criticam o
modelo difusionista devido a mudança de várias realidades mundiais, que levam
interlocutores para novas redes, o que pode gerar uma interdependência. Eles defendem que
os inovadores devem ter a possibilidade de traduzir (Michel Serres) uma inovação para sua
26
realidade, assim, as contribuições desses novos aliados podem gerar um “interesse” pelas
novas tecnologias (MIÈGE, 2000, p. 78). A questão levanta é que, se nesse processo de rede,
se ela não teria uma função abranger a noção de ator, dessa maneira os autores questionam se
a rede se modifica aleatoriamente, ou se é manipulada pelo ator, que desempenha um papel
estratégico. Assim, a pergunta que fica é: “será que o inovador é, afinal de contas, um hábil
manipulador que sabe tirar partido de todos os elementos? Será que inovar equivale,
essencialmente, a criar uma relação de forças a seu favor?” (MIÈGE, 2000, p. 78).
Refutando essa idéia, Patrice Flichy acredita que se deve levar em consideração os
movimentos tecnológicos e sociais, entendendo os processos num movimento circular e
interativo, ou seja, “uma vez captada, a demanda ajuda a modificar a oferta”. Porém, Flichy,
retoma essa tese e propõe a noção de “quadro de referência sócio-tecnológico”, defendendo
que “uma inovação só se torna estável se os atores tecnológicos conseguirem criar uma
ligação entre quadro de funcionamento e quadro de utilização” (MIÈGE, 2000, p. 79).
Ex-aluno de Rogers, o boliviano Luis Ramiro Beltrán, critica o modelo de difusão de
inovações, na medida em que alicerçado na Teoria da Modernização, prega a utilização dos
meios de comunicação de massa, como canal para a difusão, principalmente em lugares
longínquos, os modelos de desenvolvimento dos países de Primeiro Mundo, porém Beltrán
critica esse modelo, na medida em que não dá margem para conceitos próprios e não leva em
consideração a estrutura social, os problemas sócio-econômicos e as especificidades culturais
da região. “Na essência, objetivava-se fazer com que os países tidos como „sub-
desenvolvidos‟ imitassem passivamente os países „desenvolvidos‟, como forma de alcançar o
desenvolvimento” (PERUZZO, 1998, p. 89).
Há três correntes na América Latina, que tratam da temática do desenvolvimento e da
modernização. A Teoria da Modernização (Walter Rostow, Thomas Tufte) considera o
desenvolvimento um processo linear, que é obtido através de uma estratégia de modernização.
A Teoria da Dependência (Celso Furtado, Fernando Henrique Cardoso) rompe com os
postulados da modernização e defendem que através da difusão de bens simbólicos, os países
subdesenvolvidos continuariam dependentes culturalmente dos países de Primeiro Mundo. E,
finalmente, a Teoria do Desenvolvimento participativo baseia-se na ação comunitária
participativa, em que o desenvolvimento é visto como um processo de construção da realidade
(PERUZZO, 1998, p. 89-90).
Beltrán apresenta-nos três equívocos do paradigma da difusão de inovações:
27
a. a crença de que a comunicação, por si mesma pode gerar
desenvolvimento, independente das condições sócio-econômicas e
políticas;
b. a idéia de que o incremento da produção, o consumo de bens e serviços,
constituem a essência do desenvolvimento e que no devido tempo levaria
a distribuição justa da riqueza;
c. pressuposto de que o segredo para o incremento da produtividade estaria
no uso de tecnologias avançadas.
Conforme a crítica que Peruzzo apresenta-nos de Moragas, que este modelo de
desenvolvimento exposto pela teoria difusionista não dava conta da realidade Latino-
americana, por esses motivos. Para Beltrán, a pura e simples transferência de tecnologia
acentuava os vínculo de dependência.
Absorvendo o modelo difusionista, a Folkcomunicação, na realidade, pode
proporcionar, a partir da inter-relação entre uma inovação tecnológica e as manifestações
folclóricas, a preservação de conteúdos simbólicos de uma cultura que podem estar
definhando, ou ter acontecido no passado e através da reconstituição folclórica e do cinema,
conseguirmos a preservação histórica, como por exemplo, o filme: Cafundó, que conta a
história de um homem místico chamado João de Camargo, interpretado por Lázaro Ramos,
em que é resgatada a história de um quilombo existente na região de Sorocaba, estado de São
Paulo.
A difusão de manifestações folclóricas, através dos meios de comunicação de massa,
pode alavancar o desenvolvimento local e regional, na medida em que uma manifestação
folclórica, entra na grade de programação da TV Regional e esta projeta na TV aberta, uma
programação local, divulgando, por exemplo, “O Círio de Nazaré” (AMPHILO, 2006),
incentivando a participação do receptor, que vem de várias partes do país e do exterior a
Belém do Pará, que tem um aumento significativo de turistas nesse período, movimentando a
economia formal e informal. Dessa forma, a TV regional, disponibiliza via satélite, via cabo e
via internet, suprindo essa brecha no mercado audiovisual. Nesse sentido, as Festas Populares
têm sido acompanhadas pelos seus fiéis e admiradores, através dos meios de comunicação que
lhe são dispostos. Além disso, percebemos que a partir da publicização das Festas Populares,
neste caso a Festa do Círio de Nazaré, que é um evento religioso, há um impulso ao
desenvolvimento regional, movimentando o turismo e o comércio da região na época do
evento.
(...) a concepção de desenvolvimento que prevalece é a de modernização
(...) que incentivam outras mudanças na estrutura da sociedade, como:
industrialização, urbanização, alfabetização, exposição dos cidadãos aos
28
mass media e participação coletiva nas decisões nacionais e comunitárias
(MARQUES DE MELO, 1998, p. 292).
Sem essa visão de macro-estrutura, o investimento em comunicação para o
desenvolvimento regional fica fragmentado. Dessa forma, a participação comunitária nas
festas populares gera emprego e renda aos cidadãos locais. Marques de Melo afirma (1998, p.
294-295) que:
“o desenvolvimento é, inevitavelmente, um processo de participação. As
pessoas somente podem fazer as coisas novas que o planejamento do
desenvolvimento diz que podem ser feitas. Quando a atenção das pessoas é
mobilizada e o interesse delas atraído (...) então a participação criativa está
operando e o avanço do desenvolvimento tem probabilidade de se acelerar”.
Os meios de comunicação de massa criam, portanto, o ambiente fértil à
participação e cumprem sua função-motriz no processo de
desenvolvimento.
Dessa forma, entendemos que a mídia regional pode contribuir para o desenvolvimento
regional, na medida em que realiza a cobertura de um evento local ou regional e o projeta nos
meios de comunicação de massa, alcançando, no caso específico da Festa do Círio de Nazaré,
fiéis católicos do mundo inteiro, através da TV via satélite, via cabo, via internet, via rádio,
proporcionando a publicização de um espetáculo religioso a fiéis do mundo inteiro.
Porém, se adaptarmos o modelo difusionista à nossa realidade brasileira, com as devidas
variações, perceberemos que num país com dimensões continentais como o Brasil, os meios
de comunicação social podem ser utilizados para a difusão de bens simbólicos. A TV aberta,
que diariamente apresenta-nos conteúdos de dominação cultural, também pode ser utilizada
para a veiculação de conteúdos do folclore brasileiro, manifestando a crítica e a opinião
pública popular, além de resgatar conteúdos de resistência cultural.
A apropriação da cultura popular pelos meios de comunicação de massa tem realizado o
fenômeno da destribalização, defendido por Marques de Melo (2001) em que na era da
globalização da cultura, abordado por García Canclini em sua obra Culturas Híbridas (2005),
os meios de comunicação de massa, em nível de TV aberta, TV a cabo, Rádio, Internet,
Webrádio, entre outros meios de difusão; a cultura popular tornou-se acessível a qualquer
indivíduo que queira adquirir por exemplo, um CD de um artista brasileiro, um DVD do Auto
da Compadecida (AMPHILO, 2004), isso em escala global. A possibilidade de difusão de
bens simbólicos, culturais, consolidando o fenômeno da glocalização, defendido por Roland
Robertson, possibilita-nos a publicização, a democratização da cultura, o resgate de certas
manifestações populares, que se perderam com o passar do tempo e subsistem em lugares
29
longínquos do país, onde somente pesquisadores podem ter acesso a essas pequenas
comunidades e conhecendo seus costumes e sua cultura, com seus mitos, ritos, crenças.
Marco epistêmico
O marco epistêmico é o condicionador ideológico do discurso do investigador, em que
se pode identificar sua cosmovisão. Para a definição de marco epistêmico, utilizaremos a tese
de Rolando Garcia, que define:
Marco epistémico como el conjunto de preguntas o interrogantes que un
investigador se plantea con respecto al domínio de la realidad que se há
propuesto estudiar. Dicho marco epistémico representa cierta concepción
del mundo y, en muchas ocasiones, expresa la yerarquia de valores del
investigador. Las categorias sociales bajo las que se formula una pregunta
inicial de investigacion, no constituyen un hecho empírico observable sino
una construcción condicionada por el marco epistémico (GARCIA, 2006, p.
35).
Dessa maneira, nosso marco epistémico emerge como um conjunto de perguntas
norteadoras da Teoria da Folkcomunicação. Nossa proposta de estudo pretende ser
epistemológica, buscando identificar os conceitos e idéias, bem como, os procedimentos
metodológicos que geraram a teoria da folkcomunicação. Para isso, levantamos algumas
questões norteadoras, que pretendemos responder nesta pesquisa:
1. Em que matrizes epistemológicas se fundou Luiz Beltrão para a elaboração da teoria
da folkcomunicação e qual a sua relação com os acontecimentos da época?
2. Qual a metodologia utilizada por Beltrão para chegar aos resultados desejados?
3. Quais os objetos comuns que vem sendo estudados? O que se estuda em
folkcomunicação?
4. Quais os avanços teóricos que têm sido alcançados pelos pesquisadores em
folkcomunicação?
5. Qual a contribuição efetiva dos congressos FOLKCOM (já na sua 13ª edição, em
2010), para a difusão do pensamento de Luiz Beltrão?
6. Qual a dimensão atual das pesquisas em folkcomunicação, visto que, já se percebe
sua internacionalização, através de artigos apresentados em congressos
internacionais (América Latina e Europa), como: ALAIC, LUSOCOM, IBERCOM.
30
Hipóteses
A teoria da folkcomunicação é o resultado da observação de Luiz Beltrão, enquanto
profissional de jornalismo e professor de comunicação, em que concentrava seus
conhecimentos na cultura popular nordestina e, com sua sensibilidade, transforma o registro
jornalístico em objeto de pesquisa acadêmica. Beltrão, apesar da prática jornalística, só
tomará contato com as teorias da comunicação existentes na época, na sua experiência
enquanto professor. No CIESPAL, Beltrão conhece teorias comunicacionais de pesquisadores
paradigmáticos da comunicação, como: os norte-americanos Danielson, Schramm, Nixon,
McNelly, Deutschmann; os franceses Kayser, Godechot, Dumazedier e Leauté; o alemão
Maletzke; o espanhol Beneyto (que fez parte de sua banca de doutorado); o belga Clausse; o
italiano Rovigati; o russo Kachaturov etc. A eles agregam-se os pesquisadores pioneiros
latino-americanos, como: Jobim, Rios, Cortez Ponce, Fernandez e Samaniego (MARQUES
DE MELO, 1999, p. 20).
A Folkcomunicação vem contribuir para o avanço da teoria da comunicação, a partir da
constatação de uma lacuna teórico-metodológica no âmbito acadêmico latino-americano. As
teorias da comunicação oriundas da Europa e dos Estados Unidos “não davam conta” da
realidade conjuntural latino-americana (no contexto global da Guerra Fria). Assim, enquanto
alguns pesquisadores utilizavam postulados funcionalistas, outros relativizavam as
metodologias dialéticas, para superar a perspectiva de denúncia. Em conseqüência disso,
emerge a consciência da inadequação desses modelos teóricos e metodológicos forâneos, o
que começa a gerar caminhos alternativos, objetivando a superação da dependência
intelectual.
A independência do pensamento latino-americano sobre comunicação
social, assumindo uma fisionomia distinta das escolas forâneas que lhe
deram origem, já vinha sendo reconhecida tanto por cientistas europeus
(Moragas Spa, 1981; Schlesinger, 1989; McAnany, 1986; White, 1989). Os
traços distintivos da escola latino-americana estão, por um lado, na
superação da dicotomia metodológica, combinando métodos quantitativos e
qualitativos, e, por outro lado, na inovação teórica resultante da
interatividade entre reflexão e ação (MARQUES DE MELO, 1996, p. 13).
Nesse contexto, Beltrão vem com a proposta de analisar a comunicação popular (visto
que os olhos dos pesquisadores estavam sobre a imprensa formal) e publica, em 1965, O ex-
31
voto como veículo jornalístico1 (2004, p. 117-124). Beltrão propõe uma reflexão sobre um
modelo de comunicação comunitária/horizontal, que seria “embrião” da folkcomunicação. Ele
afirma que “um dos grandes canais de comunicação coletiva é, sem dúvida, o folclore”
(BELTRÃO, 2004, p. 117).
Beltrão percebe um bloqueio no sistema comunicacional, um entrave que não permite o
avanço do país e mais, Beltrão questiona que se os intelectuais e a elite não se voltassem às
classes populares, um problema maior poderia emergir, estremecendo a unidade nacional.
Beltrão cita de maneira enfática (2001, p. 64) os dramáticos dias de Agosto de 1961:
Naqueles dramáticos dias de Agosto-Setembro de 1961, em que se registrou
o impressionante e inédito episódio da reação unânime contra o expresso
veto dos comandantes supremos das Forças Armadas à posse legítima do
vice-presidente da República, com a renúncia do titular. Fomos todos
testemunhas dessa manifestação espontânea, global, esmagadora, contra
decisão personalista, que pretendia sobrepujar-se à letra e ao espírito da lei e
da justiça. Sobre os meios convencionais de comunicação, exerceu-se estrita
censura. As classes populares valeram-se, então, de seus próprios
veículos - folhetos, volantes, atos de presença - opondo à força militar a
sua vontade soberana. (grifo meu)
Em consonância com o pensamento comunicacional latino-americano, Beltrão aborda
de maneira paralela com o funcionalismo norte-americano e o materialismo histórico,
trabalhando em duas fases: primeiro mostrando os processos comunicacionais e os elementos
do processo, concentrando-se no discurso popular; num segundo momento, averiguando os
processos históricos e as mudanças sociais, os processos de aculturação. Essa confluência é
acrescida ao contato com os pressupostos teóricos dos cientistas sociais brasileiros,
antropólogos e folcloristas, aos quais citamos os mais evidenciados na pesquisa de Beltrão:
Câmara Cascudo (9ª Edição, S/D), Gilberto Freyre (1947, 1961), Djacir Menezes (1938) e,
principalmente, Edison Carneiro (1965), que afirma que, assim como a sociedade é dinâmica,
o folclore também o é. A partir desta tese, Edison Carneiro defende que “o processo mais
constante, nas coisas do populário, é o da recomposição folclórica” (1965, p. 20). Para Edison
Carneiro, o povo atualiza e recompõe suas manifestações folclóricas, manifestando suas idéias
e opiniões e, dialeticamente, as atualiza. Como exemplo, ele nos dá a capoeira, que
(...) era a forma de afirmação pessoal do liberto ou do negro emancipado da
cidade – os „moleques de sinhá‟ lembrados nas cantigas da diversão.
Enquanto esses negros foram perseguidos, e na medida em que o foram, a
1 Publicado pela primeira vez na revista: Comunicação & Problemas, vol. 1, nº1, Recife, ICINFORM, 1965, p. 9-
15.
32
capoeira se manteve, praticamente inabalada, mas, quando novas condições
surgiram, com a República, a luta de Angola perdeu a sua agressividade e se
tornou um folguedo inocente ou, como no Recife, se resolveu no passo
(CARNEIRO, 1965, p. 20, grifo nosso).
Na realidade, Beltrão despertava no meio acadêmico um objeto de pesquisa, que,
conforme Marques de Melo (2001, prefácio), já vinha sendo competentemente estudado pelos
antropólogos, sociólogos e folcloristas, mas negligenciado pelos comunicólogos. Dessa
forma, Marques de Melo afirma:
Seu argumento implícito era o de que as manifestações populares, acionadas
por agentes de “informação de fatos e expressão de idéias”, tinham tanta
importância comunicacional, quanto àquelas difundidas pelos mass media.
Por isso mesmo ele recorria ao arsenal metodológico já testado e
aperfeiçoado no estudo das manifestações convencionais do mass-
journalism (formatadas de acordo com os canais pós-gutenbergianos) e as
transportava para analisar as ricas expressões daquilo que ele sugeria como
integrantes do folk-journalism (veiculadas em canais pré-gutenbergianos ou
usando tecnologias tão rudimentares quanto a prensa de Mogúncia) (2001,
prefácio).
Assim, para provar que as manifestações populares também revelavam a opinião
popular, Beltrão lança mão dos pressupostos teóricos da escola norte-americana de
comunicação, de base empírico-funcionalista, primeiramente nas teorias da Comunicação de
Paul Lazarsfeld e Elihu Katz (1941), especialmente sobre o papel do líder de opinião como
mediador e, nos desdobramentos da Teoria da Comunicação de Schramm (1954a.), que
defende a comunicação em múltiplos estágios e o campo de experência em comum. Ou seja,
Luiz Beltrão inter-relaciona e conflui as Teorias da Comunicação com que tivera contato e a
Teoria Sócio-cultural brasileira, gerando, assim, a Folkcomunicação. Dessa forma, a
Folkcomunicação emerge da realidade conjuntural, particularmente da região do nordeste do
Brasil e conquista seu espaço na academia.
Hoje, a Folkcomunicação, pertencente ao quadro da Escola Latino-americana de
Comunicação e é difundida no Brasil e, de maneira mais tímida, na América Latina e na
Europa, através de publicações e do trânsito de pesquisadores. A Intercom (Sociedade
Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação) criou o Prêmio Luiz Beltrão, em
que são homenageados os recém-pesquisadores que sobressaem na academia. A Cátedra
UNESCO/UMESP de Comunicação para o Desenvolvimento Regional que criou, em 2005, o
Portal Luiz Beltrão, que tem por objetivo principal não somente difundir as idéias de Luiz
Beltrão, mas apoiar pesquisadores e estudantes de comunicação nas pesquisas da área de
33
Folkcomunicação. Também, há que se destacar a Universidade Autônoma de Barcelona, que
instituiu 2006 como o “Ano Luiz Beltrão”, em que o foco das pesquisas acadêmicas estará
sobre o pensamento comunicacional de Luiz Beltrão e, conseqüentemente, sobre a
Folkcomunicação, contribuindo ainda mais para a sua difusão.
Objetivo da Pesquisa
Geral
O objetivo principal deste trabalho, em primeira instância, é investigar sobre as origens
da folkcomunicação, identificando, não somente os teóricos da comunicação, cientistas
sociais e folcloristas que respaldaram a tese de Beltrão, mas também, as teorias que deram
sustentação às pesquisas em folkcomunicação. Num segundo momento, verificar como se deu
o desenvolvimento das idéias de Beltrão veiculadas nos congressos nacionais e internacionais
e, num terceiro momento, iremos verificar o processo de difusão desta teoria em âmbito
nacional, alcançando universidades no exterior, através do trânsito de pesquisadores entre as
universidades, bem como a presença destes em congressos comunicacionais trazendo
contribuições significativas para a disseminação do pensamento comunicacional de Beltrão.
Específicos
Investigar sobre as teorias da comunicação e teorias sócio-culturais brasileiras que
deram origem à Folkcomunicação, bem como, seus pensadores;
Identificar como se deu esse processo inicial da gestação da folkcomunicação;
Verificar os avanços teóricos construídos pelos inovadores e renovadores que deram
continuidade aos estudos de Luiz Beltrão;
Averiguar de que forma se deu o processo de difusão da folkcomunicação e quais
foram seus pilares;
Traçar o mapa da sedimentação da Folkcomunicação.
Justificativa
A principal justificativa é a atualidade do tema. O estudo da folkcomunicação está se
expandindo, não somente no Brasil, como também no exterior. A internacionalização da
Folkcomunicação deve-se à circulação de pesquisadores, em que a teoria da folkcomunicação,
34
nascida em solo brasileiro, está servindo de referencial teórico às pesquisas sobre os mass
media e a cultura popular. Ou seja, a teoria de Beltrão se expandiu, rompendo as fronteiras
brasileiras e difundiu-se internacionalmente. Essa constatação pode ser verificada a partir das
comunicações apresentadas em congressos nacionais e internacionais, através dos anais dos
congressos e, também, nas revistas cientificas, em que a teoria da folkcomunicação tem sido
utilizada como referencial teórico-metodológico para as pesquisas que tratam da cultura
popular e a intermediação dos mass media.
Metodologia
Esta pesquisa foi dividida em três partes, com o objetivo de abordar os processos pelos
quais passou a folkcomunicação em termos teóricos, como também, de difusão, sedimentação
e institucionalização da folkcomunicação, principalmente a sua legitimidade acadêmica.
Esta tese apresenta-se de maneira característica latino-americana, em seu hibridismo
teórico e metodológico, o que foi um ponto complexo de trabalho. Buscamos seguir, na
verdade, a linha do Orientador, Prof. Dr. José Marques de Melo, que trabalha sob o viés
Positivista de cunho funcionalista, com o objetivo de explicitar as matrizes epistemológicas
da Folkcomunicação.
Ressaltamos que buscamos trabalhar de maneira científica, utilizando meta-teorias, com
o objetivo de validar a Folkcomunicação, enquanto uma teoria da comunicação que busca
operacionalizar a informação no espaço social, independente de classes sociais. Fazer circular
a informação no espaço social é o objetivo da folkcomunicação e é o que buscamos mostrar.
Assim, utilizamos, nesse processo, várias teorias da comunicação e teorias sociais para
explicar esses processos, ora assimilando posições, ora confrontando-as.
Trata-se de pesquisa bibliográfica e documental, em que foram realizadas a coleta de
dados e análises quantitativa e qualitativa, na Parte II, na Análise dos Congressos; além de
pesquisa taxionômica, na Parte III, em relação às teses e dissertações, e inventário da
produção bibliográfica e documental.
A mestiçagem metodológica ocorreu devido às metas traçadas. Para isso, em cada parte,
foi utilizado um viés. Para a primeira parte, em que o objetivo era abordar A Gênese e os
Fundamentos da Folkcomunicação, trabalhamos a partir do estrutural-funcionalismo,
mostrando de que maneira foi elaborada a teoria, apontando suas principais matrizes:
epistemológicas, antropológicas e sociológicas, e comunicacionais. O objetivo foi apresentar
35
os fundamentos da Folkcomunicação, em termos epistemológicos e teóricos, bem como,
fechar as arestas que pediam dois novos componentes no processo de intelecção, que são a
doxa e o habitus.
A segunda parte, a que denominamos Desenvolvimento: O desenvolvimento das idéias
pelos agentes e o confronto com outras Teorias, teve como respaldo científico a pesquisa
quantitativa e qualitativa de 10% da produção científica dos Congressos Folkcom (específico
da área), Intercom (âmbito nacional) e Alaic (âmbito latino-americano), ou o mínimo de um
artigo por congresso. As categorias analíticas foram: Autor, Assunto, Metodologia, Objetivo
da Pesquisa, Principais Conceitos e Referências Bibliográficas, nortearam a investigação.
Além da identificação da incursão de pesquisadores de sete países nas pesquisas
folkcomunicacionais, pudemos averiguar a existência de gerações de pesquisadores.
Finalizando, buscamos, ainda, abordar a Folkcomunicação no confronto com outras teorias
sociais e culturalistas, com o objetivo de averiguar sua validade e fortalecimento de conceitos.
A terceira parte, denominada A Difusão da Folkcomunicação: as práticas acadêmicas e
científicas, buscou identificar, através do difusionismo e das categorias propostas por Everett
Rogers (Diffusion of Innovations, 1995), para averiguar os problemas que frearam a difusão
da folkcomunicação no meio acadêmico e a superação desses entraves para o seu
desenvolvimento e difusão.
Everett Rogers (1995, p. 5), conceitua o termo “difusão”, entendendo-o como o
“processo através do qual uma inovação é comunicada por intermédio de certos canais
durante um corte temporal aos componentes de um sistema social”. A partir dessa
conceituação e utilizando esses indicadores como parâmetros para esta pesquisa, utilizamos a
sistematização de Marques de Melo (1996, p. 15) para redefinirmos a nossa pesquisa,
conforme segue:
Inovadores : realizamos uma divisão histórica-contextual das gerações da
Folkcomunicação, subdividindo-os entre: Geração Precursora, Geração Pioneira (década de
60-70), Geração inovadora (década de 80-90), Geração Renovadora (1998 a atualidade).
Os canais de comunicação que nos propomos a verificar são as publicações
acadêmicas (dissertações, teses, livros e periódicos), comunicações científicas (anais dos
congressos Folkcom, Intercom, Alaic) e comunicações didáticas (aulas , palestras e
conferências).
O corte temporal abrigou o período correspondente a 10 anos de pesquisa
acadêmica e científica, de 1998 a 2007.
36
O sistema social abordado foi a comunidade acadêmica, integrada por
professores e pesquisadores, identificados a partir de suas participações nos Congressos
Folkcom, Intercom e Alaic (nos grupos de trabalho de folkcomunicação), além do Congresso
Nacional (Brasileiro) de Folclore, que, em 2007, abriu um grupo de trabalho em
Folkcomunicação; bem como da produção de teses e dissertações em que identificamos os
orientadores e as Escolas de Comunicação que mais produzem material científico sobre a
área.
Dessa forma, com o objetivo de pesquisar não somente a gênese, mas a difusão da
folkcomunicação, buscamos identificar de que forma se deu esse processo, tendo como
agentes principais da difusão das idéias de Beltrão os professores e pesquisadores que
disseminam os conceitos teóricos da folkcomunicação, através do trânsito em congressos
nacionais e internacionais.
Realizamos, também, uma pesquisa taxionômica da produção intelectual, não somente
denominada Folkcomunicação e Folkmídia, mas a partir de palavras-chave como “Folclore”,
“cultura popular” e as suas relações com a “Comunicação” ou com a “Mídia”. Essas palavras
foram obtidas, não somente nos títulos, ou palavras-chave das pesquisas, mas também nos
resumos e considerando, algumas vezes, a linha de pesquisa do orientador. Assim, realizamos
um inventário da produção intelectual nos estudos de “Comunicação Popular” no Brasil,
verificando teses e dissertações, que nos levaram às Escolas de Comunicação do país e os
orientadores, que são os formadores de pesquisadores-docentes. O material levantado poderá
contribuir para pesquisas posteriores.
Como corpus pesquisado, selecionamos as unidades de estudo correspondentes a três
núcleos de difusão, conforme Marques de Melo (1996, p.16-17):
Revistas especializadas: a) Revista Internacional de Folkcomunicação; b) Comunicação &
Sociedade; c) Revista Brasileira de Ciências da Comunicação (INTERCOM); d) Anuário
UNESCO/METODISTA de Comunicação Regional; e) Pensamento Comunicacional Latino-
Americano (PCLA); f) Revista ALAIC; g) Anais ELACOM; h) Razón y Palabra.
Anais dos Congressos: a) FOLKCOM (específico da área); b) INTERCOM (nacional); c)
ALAIC (latino-americano).
Escolas de Comunicação: as Escolas de Comunicação são centros permanentes de difusão de
conhecimento e paradigmas científicos. Dessa forma, a partir da pesquisa taxionômica, foram
37
reveladas as escolas que produzem conhecimento sobre os estudos de Comunicação, Folclore
e Cultura Popular, ou ainda Estudos de Mídia e Cultura Popular. Para esta pesquisa, foram
utilizados como fonte:
1. MARQUES DE MELO, J. Inventário da pesquisa em comunicação no Brasil – 1883-
1983.PORT-COM, INTERCOM/ALAIC/CIID/CNPq, São Paulo, Brasil, 1984.
2. KUNSCH, Margarida M. Krohling. & DENCKER, Ada de Feitas M. (coord.)
Produção cientifica Brasileira em Comunicação Década de 80 – análises, tendencias e
perspectivas. PORTCOM/INTERCOM/EDICON, São Paulo: ECA/USP, 1997.
3. STUMPF, Ida Regina C. & CAPPARELLI, Sérgio. (org.) Teses e dissertações em
comunicação no Brasil (1992-1996). Resumos. Porto Alegre: PPGCom/UFRGS, 1998.
4. STUMPF, Ida Regina C. & CAPPARELLI, Sérgio. (org.) Teses e dissertações em
comunicação no Brasil (1997-1999). Resumos. Porto Alegre: PPGCom/UFRGS, 2001.
5. Portal Capes (2003-2007): www.capes.br.
Esta pesquisa possibilitou a identificação dos orientadores que são formadores de
docentes no país.
Relevância científica
A iniciativa deste projeto deve-se à importância fundamental e paradigmática de Luiz
Beltrão no pensamento comunicacional brasileiro e latino-americano. Sua contribuição
atribui-se não somente à sua tese de doutorado, mas à sua atuação enquanto professor e
pesquisador, sendo o seu pioneirismo multifacetado, como exposto por Marques de Melo
(1998, 2001, 2004).
Nossa proposta é, através desta pesquisa, identificar as matrizes epistemológicas e as
raízes metodológicas de Beltrão, caracterizando a interdisciplinaridade presente na
folkcomunicação, que tem na sua essência uma relação dialógica entre as ciências da cultura e
as ciências da comunicação e da linguagem. Para isso, pesquisamos os congressos e os
pesquisadores que sobressaíram em folkcomunicação e folkmídia, elaboradas no contexto
brasileiro, além das incursões feitas por outros latino-americanos, o que expande a teoria
folkcomunicacional para a América Latina e Europa. Dessa forma, esta pesquisa
proporcionará uma visão panorâmica da folkcomunicação e os pesquisadores que se
38
esmeraram em compreendê-la, adaptá-la ao seu contexto sócio-cultural e difundi-la no âmbito
acadêmico.
Como resultado, temos uma visão global da folkcomunicação, como também seus
principais pesquisadores e sublinhas de pesquisa, como, por exemplo: folkmídia e as relações
entre a cultura popular e os meios de comunicação, que já estão sendo estudadas em
disciplinas, em algumas universidades no Brasil.
Relevância Social
O avanço da teoria folkcomunicacional coloca o Brasil no cenário latino-americano,
com a maior contribuição brasileira às Ciências da Comunicação. Uma teoria que emerge no
cenário brasileiro da década de 1960, quando o Brasil vivia em pleno regime militar, o que, de
certa forma, reprimiu a difusão das idéias de Beltrão, consideradas subversivas na época. A
teoria da folkcomunicação surge a partir da percepção da realidade vivida por Beltrão,
enquanto repórter do jornal “Diário de Pernambuco”, quando trabalhava diretamente com
pessoas consideradas marginalizadas. Beltrão, porém, percebeu que, entre essas pessoas,
havia uma forma de articulação de suas idéias e manifestações expressivas. Beltrão verificou
que a informação não fluía no espaço social e era necessário averiguar os “porquês”. Quais os
motivos e em que partes do processo comunicacional a informação não fluía? Onde estava o
problema comunicacional?
A investigação da natureza dos elementos e da estrutura, dos agentes e
usuários, do processo, das modalidades e dos efeitos da Folkcomunicação é
absolutamente necessária, notadamente em países como o nosso, de elevado
índice de analfabetos, de disseminação populacional irregular, de
reconhecida má distribuição de renda e acentuado nível de pauperismo e
caracterizado, em conseqüência destes e de outros fatores, por freqüentes
crises institucionais que conduzem à inevitável instabilidade política
(BELTRÃO, 2004, p. 72).
Beltrão estava decidido a estudar os efeitos que esses meios informais de comunicação
tinham em relação aos meios convencionais de comunicação, entre a população marginalizada
(social e culturalmente). Uma de suas descobertas foi à percepção de um líder de opinião
entre esses grupos marginalizados - “personagem quase sempre do mesmo nível social e de
franco convívio com os que deixavam influenciar, levando sobre eles uma vantagem: estava
mais sujeito aos meios de comunicação do que aos seus liderados” (BELTRÃO, 2001, p. 67-
68). A recepção sem esse intermediário ocorre somente quando o destinatário domina os
39
códigos e sua técnica, tendo a capacidade de usá-los, relacionando-se com a mensagem
inicial. Assim, a folkcomunicação caracteriza-se como um processo artesanal e horizontal,
semelhante em sua essência aos processos de comunicação interpessoal (BELTRÃO, 2004, p.
74).
40
ANÁLISE DE CONJUNTURA
Naqueles dramáticos dias de Agosto-Setembro de 1961, em que se registrou
o impressionante e inédito episódio da reação unânime contra o expresso
veto dos comandantes supremos das Forças Armadas à posse legítima do
vice-presidente da República, com a renúncia do titular. Fomos todos
testemunhas dessa manifestação espontânea, global, esmagadora, contra
decisão personalista, que pretendia sobrepujar-se à letra e ao espírito da lei e
da justiça. Sobre os meios convencionais de comunicação, exerceu-se estrita
censura. As classes populares valeram-se, então, de seus próprios
veículos - folhetos, volantes, atos de presença - opondo à força militar a
sua vontade soberana.
Luiz Beltrão
Introdução
Primeiro doutor em Comunicação do país, Luis Beltrão defende sua tese de doutorado
em 1967, pela Universidade de Brasília, porém recebe a titulação somente após a abertura
política do país. Enquanto intelectual da nação, Beltrão sentia-se responsável por buscar
respostas à realidade de conflitos vividos no Brasil, que não era de exclusividade nossa, pois a
América Latina estava em plena crise política-econômica e social, como resultado dos
processos colonizatórios, mas também em conseqüência das crises mundiais, contando com a
Primeira Grande Guerra Mundial, Queda da Bolsa de Nova York (1929), Segunda Guerra
Mundial e, posterior, Guerra Fria entre Estados Unidos e União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas, a Rússia.
Cenário Mundial
O século XX emerge sob conflitos mundiais, sociais, políticos e econômicos, que vão se
desencadear na Primeira Grande Guerra Mundial, que deixou a Europa devastada e a América
Latina imersa numa crise intensa. Devido à guerra e, conseqüentemente, a dificuldade do ir e
vir de matéria-prima e alimentos básicos, além de epidemias que exterminavam milhares de
pessoas, grande massa da população européia começa a migrar para a América,
principalmente para a América do Sul. Mas, o pior ainda estava por vir: eclode a Segunda
41
Guerra Mundial e em meios às crises políticas e econômicas mundiais, a grande massa da
população na Europa e América se vê faminta.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial é criada a ONU (Organização das Nações
Unidas), com o objetivo de reconstruir os países arrasados pelas duas grandes guerras
mundiais, como também, tinha por objetivo socorrer os países subdesenvolvidos, em que
milhões de pessoas viviam em intensa miséria e pobreza. Posterioremente, foi criada a
UNESCO, com o objetivo de promover a educação, cultura e o avanço dos países devastados.
É sob esse prisma que a folkcomunicação deve ser vista, como um mecanismo de superação,
com vistas ao desenvolvimento dos países sul-americanos a partir da comunicação, respaldada
pelas pesquisas de Wilbur Schramm, Everett Rogers, Dumazedier entre outros pesquisadores.
Cenário latino-americano
Os países latino-americanos fazem financiamentos junto ao FMI (Fundo Monetário
Internacional) para minimizar os problemas sociais, porém afundam-se em uma divida que se
torna impagável, com o passar dos anos. Os países chamados subdesenvolvidos, sofrem
intensas crises e conflitos, como a eclosão de movimentos populares e de guerrilha, que
instalam-se em vários países latino-americanos e o Brasil começava a perder o controle social.
Estávamos em vias de uma Revolução Civil, um Golpe de Estado, um estado de caos e
descontrole. Em 1961, o povo reage contra o expresso veto dos comandantes das Forças
Armadas, que querem deter a posse do vice, frente a renúncia do titular.
No cenário comunicacional, entre os anos de 1960 e 1962 se realizam diversas pesquisas
com o objetivo de definir o papel da comunicação massiva nos países de Terceiro Mundo. Os
meios de comunicação encontram-se em expansão e pesquisadores como Hyman (1967), Frey
Lerner (1967, 1978), Pye (1963) colocam a pesquisaa serviço desta política de expansão.
Como exemplo dessa interrrelação há a pesquisa de Lerner e Schramm: Communication and
change in the developping countries (1967) (MORAGAS, 1981, p. 68). Porém, embora
Schramm fosse um dos pioneiros nessas pesquisas, especialista reconhecido pela UNESCO
internacionalmente, os países de Terceiro Mundo não aceitariam os pontos de vista propostos
por ele e pelos pesquisadores de seu núcleo, sobre as políticas de comunicação, para abordar a
relação entre os meios de comunicação massivos e o desenvolvimento. O tema central das
pesquisas norte-americanas sobre a cultura dos anos quarenta e cinqüenta, tinham como foco
o estudo das transformações, benefícios e prejuízos, que o surgimento dos meios de
42
comunicação de massa trouxeram para a cultura (MORAGAS, 1981, p. 73). Nesse contexto,
emerge o debate entre os “apocalípticos” e “integrados”.
A Folkcomunicação, porém, de linha funcionalista, identifica-se com a posição de
Schramm, que visa uma comunicação em benefício da grande massa da população e a
integração social dos marginalizados. Beltrão defende a responsabilidade social da imprensa e
dos meios de comunicação de massa, com o objetivo de promover a difusão de informações e
inovações em benefício da massa, visando mudanças e transformações sociais, através de
políticas públicas que atendam as necessidades e reivindicações populares expressas nas
práticas culturais e nas manifestações folclóricas.
Brasil, década de 1960
As guerras mundias trouxeram conseqüências, também, para o Brasil, que para “driblar”
a crise, realizava financiamentos junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Porém, as
altas taxas de juros tornavam a dívida cada vez mais impagável. Essa situação era
compartilhada por vários países latino-americanos que, muitas vezes, pagavam apenas os
juros e a dívida permanecia, elevando cada vez mais a inflação e empobrecendo cada vez
mais a população brasileira. O Governo Dutra (1946-1951) foi marcado pela Guerra Fria
(USA- capitalismo x URSS - socialismo), que ocasionou tensões politico-ideológicas e
econômicas também, pelas suas conseqüências aos países de Terceiro Mundo. Buscando
combater a inflação, coordenando os gastos públicos e dirigindo investimentos prioritários,
Gaspar Dutra criou o Plano SALTE, que tinha por objetivo: investir em saúde, alimentação,
transporte e energia. O Salário Mínimo deixara as classes trabalhadoras em situação de
miséria, o que sucedeu em graves conseqüências para a economia brasileira (COTRIM, 2001,
p. 290).
Vargas retorna ao poder (1951-1954) e realiza um governo nacionalista e empenha-se
pela independência econômica do país. Assim, os nacionalistas defendiam que a extração do
petróleo fosse realizada por uma empresa brasileira e inicia a campanha “O Petróleo é nosso”.
Esta campanha nacionalista leva Beltrão e alguns colegas da Faculdade de Direito aos morros
e favelas do Recife, com o objetivo de explicar às camadas mais pobres da população quais as
implicações da nacionalização do petróleo. Beltrão, já nessa época, acreditava que era preciso
traduzir, interpretar e reelaborar a mensagem transmitida pelos meios de comunicação de
massa, pois os meios de comunicação não davam conta de fazerem-se inteligíveis à grande
massa analfabeta, ou com pouca escolaridade, em compreender a complexidade desta
43
inovação. Era necessária a atuação de líderes de opinião, de pessoas que entendessem a
complexidade da informação e os benefícios que acarretariam à população (BENJAMIN,
1998).
Finalmente, a campanha teve seu êxito. Em 1953, foi criada a Petrobrás, “empresa
estatal responsável pelo monopólio total da extração e, parcialmente, do refino do petróleo
brasileiro. Atualmente, a Petrobrás é uma estatal que tem total monopólio, não só na extração,
como também no refino do petróleo nacional, como também exporta essa tecnologia criando
“filiais”, em países latino-americanos. Ela não transfere a tecnologia, apenas exporta a
tecnologia capaz de realizar todo o processo de extração e refino do petróleo, como é o que
acontece na Bolívia.
Também chamado de “Pai dos pobres”, Getúlio Vargas irrita profundamente a classe
patronal ao conceder um aumento real de 100% do salário mínimo da época, atendendo à
proposta de João Goulart. Em 24 de agosto de 1954 foi publicada a notícia do suicídio de
Vargas, juntamente com uma Carta-Testamento dirigida ao povo brasileiro, o que provocou
uma intensa comoção popular, paralisando as críticas da oposição, como também o exílio de
seu crítico mais atroz, Carlos Lacerda.
Para completar o mandato de Vargas, ocorreu uma sucessão de nomeações à presidência
da república, respectivamente: Café Filho, Carlos Luz e Nereu Ramos. Com as eleições
presidenciais de 1955, sobe ao poder Juscelino Kubitschek de Oliveira e seu vice João Goulart
(PTB-PSD). Kubitschek tinha por slogan político “50 anos em 5”. Sua meta
desenvolvimentista priorizava cinco setores: energia, transporte, alimentação, indústrias de
base e educação. Em seu governo, foi criada a SUDENE (Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste), que resultou em pouco resultado efetivo para a região. Os
anos 1950, conhecidos como os “anos dourados”, foram dedicados a uma política
industrializante “progressista” e de internacionalização da economia.
Em 1961, é eleito Jânio Quadros, como sucessor de Juscelino Kubitschek, que tem
como lema de sua campanha “varrer toda a sujeira de nossa administração pública” e adota
como símbolo de seu governo uma vassoura (COTRIM, 2001, p. 298). Enquanto consegue a
simpatia da grande massa da população, o ápice da revolta oposicionista acontece em 19 de
agosto de 1961, quando homenageia o ministro da economia cubano, socialista, Ernesto Che
Guevara.
A imagem do Che foi a principal imagem que marcou a década,
especialmente depois da sua morte, em outubro de 1967. Suas citações –
44
além da já mencionada sobre o Vietnã – povoaram as lutas e os imaginários
políticos e ideológicos: “O dever de todo revolucionário é fazer a
revolução”; “É preciso endurecer, sem perder a ternura, jamais.”; “o
verdadeiro revolucionário é feito de grandes sentimentos de amor.” Sua
imagem passou a representar a rebeldia, o compromisso ético da militância
revolucionária, a solidariedade internacionalista, expressa da forma mais
concreta na sua gesta no Congo, primeiro, na Bolívia em seguida. O
movimento dos anos 60 tinha um forte componente internacionalista,
solidário. Todas as lutas dos povos do mundo eram reivindicadas pelas
mobilizações, pelos movimentos, pelas publicações, pelas palavras-de-
ordem (SADER, on-line).
O cenário político do país passava por um período conturbado de levantes populares. E é
nesse episódio da história, em que Luiz Beltrão se pergunta como a massa conseguiu
articular-se de tal maneira a impedir o golpe militar, naquele momento, mas que aconteceria
posteriormente, em 1964, quando Jango foi deposto e foi instituído um período sombrio de
ditadura militar no Brasil. O período de ditadura alavancou o país para a modernização. Com
a imposição de pacotes econômicos e de medidas e projetos desenvolvimentistas, o país
conheceu um período de “milagre econômico”. Conforme o jornalista Franklin Martins (O
BRASIL..., on-line), a manobra política arriscada de Jânio não teve o feedback esperado que,
após dois anos, renuncia ao governo e é substituído por João Goulart, conhecido
popularmente como Jango. Sua renúncia foi aceita em questão de horas. A questão seria a sua
sucessão.
(...) a renúncia de Jânio foi uma manobra política de alto risco para livrar-se
da oposição e reforçar seus poderes: aproveitando-se de que o vice-
presidente João Goulart estava ausente do país, numa viagem à China, e
apostando que os chefes militares não aceitariam ver Jango no Palácio do
Planalto, Jânio renuncia à Presidência da República. Jogava no impasse, na
crise e numa volta nos braços do povo _ e nos ombros das Forças Armadas.
Mas o tiro saiu pela culatra. Sem apoio do PTB (Partido Trabalhista
Brasileiro), do PSD (Partido Social Democrático) e da esquerda, que
derrotara nas urnas, e da UDN (União Democrática Nacional), que
humilhara no poder, Jânio foi rapidamente ultrapassado pelos
acontecimentos. A renúncia foi aceita em questão de horas. O problema
passou a ser sua sucessão. Nas semanas seguintes, o país chegaria à beira da
guerra civil (JOÃO GOULART, on-line).
Com a renúncia de Jânio Quadros, dias depois, em 25 de agosto de 1961, é empossado o
seu vice: João Goulart, conhecido como Jango, que nessa ocasião encontrava-se em missão
diplomática na China comunista, de Mao Tse Tung. Enquanto o retorno de Jango, acusado de
aderir ao comunismo, era aguardado no país, os militares tentaram a instauração do regime
militar para impedir a sua posse.
45
O discurso de Leonel Brizola, transmitido no dia 28 de agosto de 1961, convocando o
povo brasileiro foi, praticamente o cenário descrito por Beltrão em suas entrevistas, como
algo que lhe deixou estarrecido, da força da comunicação popular e a resistência popular ao
veto, quando fala dos “dramáticos dias de agosto de 1961”, Brizola convoca a resistência ao
golpe. Em seu discurso no rádio, em Porto Alegre,
em resposta ao veto dos ministros militares à posse de João Goulart na
Presidência da República, o governador do Rio Grande do Sul, Leonel
Brizola, convoca os gaúchos e os brasileiros a defenderem a Constituição.
Entricheira-se no Palácio Piratini, mobiliza a Brigada Militar e, através da
“Cadeia da Legalidade”, formada por dezenas de emissoras de rádio,
convoca o país a resistir ao golpe. A firme atitude Brizola divide as Forças
Armadas, com a adesão do poderoso III Exército, sediado no Sul e
comandado pelo general Machado Lopes, à tese do respeito à Constituição.
(MARTINS, O BRASIL..., on-line)
A posse de Jango dividia posições: os oposicionistas eram os militares, udenistas,
grandes empresários nacionais e estrangeiros; e os favoráveis eram sindicalistas e
trabalhadores, profissionais liberais e pequenos empresários. A solução encontrada foi uma
emenda constitucional, aprovada em 2 de setembro de 1961, instaurando o regime
parlamentarista no país.
Franklin Martins (O BRASIL..., on-line) explica que, quando os chefes militares se
vêem obrigados a retirar o veto à posse de Goulart, solicitam que os governistas se
comprometam a instituir o regime parlamentarista, conseguindo, assim, a redução dos poderes
do presidente, condição essa aceita por Jango. Assim, em 7 de setembro (dia em que é
comemorada a Independência do Brasil) de 1961, Jango é empossado Presidente da
República. Dois anos depois, é extinto o regime parlamentarista e é devolvido ao presidente
os poderes constitucionais.
O Governo João Goulart fica no poder entre os anos de 1961-1964, quando foi deposto
pelas Forças Armadas, sendo instaurado no país o regime militar. Jango defendia a
necessidade de 5 (cinco) reformas no país: a reforma agrária, urbana, educacional, eleitoral e
tributária. Em oposição ao governo de Jango, foi organizada a passeata “Família com Deus
pela Liberdade”. Em 31 de março de 1964 eclodiu a rebelião das Forças armadas e iniciava-se
um período sombrio no país: a ditadura militar.
46
FIGURA 1: Quadro Actancial das Relações de Poder de que fala Beltrão em 1961
OBJETO (HEGEMONIA)
Presidência da República
DESTINADOR DESTINATÁRIO
Leonel Brizola povo brasileiro
Denuncia o golpe
ADJUVANTE SUJEITO OPONENTE
sindicalistas GOVERNO – João Goulart (PTB-PSD) militares, Udenistas
trabalhadores empresários nacionais
profissionais liberais e estrangeiros
pequenos empresários
UNE
*Elaboração própria a partir de coleta de dados.
Estabelecem-se relações de força, de luta pela hegemonia no governo brasileiro. E é
nesse cenário de luta pela hegemonia, entre militares, governo e povo, que Luiz Beltrão
percebe uma forte articulação popular. É dessa força persuasiva da comunicação popular, que
emerge a idéia sobre a Folkcomunicação que, para Beltrão, deve promover a inclusão social e
a integração nacional, que neste contexto estava ameaçada. Era preciso que os intelectuais da
nação, a classe dirigente, desse uma resposta plausível e explicasse o que estava acontecendo,
o que aproxima em muito as idéias de Beltrão a Gramsci na Itália, no sentido de que cabe aos
intelectuais da nação buscar soluções cabíveis aos problemas do país (GRAMSCI, S/D).
Esse era o movimento citado por Luiz Beltrão em suas entrevistas. Nessa época, o
economista Celso Furtado divulgava um plano para combater a inflação e alavancar o
desenvolvimento do país. Eram anunciadas também várias reformas, como a agrária,
tributária, administrativa, bancária e educacional. Porém, o plano econômico elaborado por
Celso Furtado foi boicotado pelos setores reacionários e o governo brasileiro viu-se obrigado
a negociar empréstimos junto ao FMI – Fundo Monetário Internacional, ressaltando que os
Estados Unidos exigiram cortes significativos nos investimentos nacionais.
Contexto Social
Emergem movimentos sociais civis, que abriram espaço a uma revolução
comportamental e a Psicologia Social busca entender a causa e as possíveis conseqüências,
47
pedindo direitos iguais em relação aos marginalizados, às mulheres e crianças, aos negros, aos
homossexuais, que também manifestavam a indignação das insuportáveis guerras, seguindo-
se de protestos contra a Guerra do Vietña.
A América Latina assiste à Revolução Cubana, que leva Fidel Castro ao poder (1959),
permanecendo como presidente daquele país durante mais de quarenta anos.
Simultaneamente, alguns países da África e do Caribe lutam pela independência e pelo
processo de descolonização das antigas colônias européias.
O inimigo principal é o neoliberalismo, que, nos anos 60, ainda não existia
na versão atual de irrestrita liberdade do mercado. A gente lutava contra a
ditadura e pelo socialismo. Nos inspiravam revoluções populares como a
cubana, a vietnamita e a chinesa; queríamos trazê-las para o Brasil.
Pretendíamos não apenas derrubar a ditadura, mas, também, mudar o
mundo. Éramos idealistas e ousados. O inimigo da nossa geração usava
farda; (...) Na nossa época, muito menos gente chegava a concluir o curso
superior, o que garantia emprego a quase todos que obtivessem o diploma
(POERNER, on-line).
Artistas, como Caetano Veloso e Gilberto Gil, projetavam-se no cenário mundial com
músicas engajadas, que cantavam as transformações sociais necessárias ao mundo, de cunho
ideológico, utilizando-se de figuras de linguagem e de pensamento, para a expressão de suas
idéias e opiniões, frente a uma realidade de conseqüências das duas grandes guerras, da guerra
Fria e movimentos revolucionários que eclodiam em várias partes do mundo.
O Brasil em números
O Rio de Janeiro deixava de ser a capital da República. Oscar Niemayer projetava a
cidade satélite e o presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961) passava o núcleo político do
país para Brasília, construída por centenas de nordestinos trazidos em pau-de-arara. Pesquisas
sociais revelavam, em 2000, conforme citação abaixo, as transformações sociais ocorridas no
país durante o período de 60 anos (1940-2000), contando com grandes diferenças em diversos
âmbitos. Porém, o mais interessante, à Folkcomunicação, é a taxa de analfabetismo, pois
refere-se ao entendimento da informação transmitida pelos meios massivos de comunicação.
Tem-se que o percentual de escolarização entre as crianças de 7 a 14 anos subiu de 30,6%
para 94,5%, conforme consta abaixo, em um estudo do Censo brasileiro que revela as
transformações sociais que ocorreram no Brasil, na década de 1960.
48
Entre os Censos de 1940 e 2000, a população brasileira cresceu quatro
vezes. O Brasil rural tornou-se urbano (31,3% para 81,2% de taxa de
urbanização). Nesse período, houve o envelhecimento da população
brasileira, que na faixa de 15 a 59 anos, aumentou de 53% para 61,8%. O
número de pessoas autodeclaradas pardas aumentou de 21,2% para 38,5%,
reflexo do processo de miscigenação racial. Quanto à religião, nesses 60
anos, os evangélicos cresceram de 2,6% para 15,4% da população. O país
conseguiu reduzir em cinco vezes a taxa de analfabetismo, que caiu de
56,8% para 12,1%. A taxa de escolarização, entre crianças de 7 a 14 anos,
aumentou de 30,6% para 94,5%. Já o percentual de casados cresceu de
42,2% para 49,5%. Os brasileiros natos passaram de 96,6% para 99,6%. No
período em foco, agricultura, pecuária e silvicultura, que em 1940
representava 32,6% da população ocupada, declinou para 17,9%, em 2000
(IBGE, on-line).
Os dados mostram o grande êxodo rural, em busca de trabalho e melhores salários nas
grandes capitais, principalmente no eixo Rio-São Paulo, centros econômicos do país.
Enfatizamos, porém, a reduação em 5 (cinco) vezes da taxa de analfabetismo, que cai de
56,8% para 12,1% e a taxa de escolarização de crianças, que passa de 30,6% para 94,5%, o
que melhora em muito o nivel de intelecção do receptor massivo.
TABELA 0-1: População Urbana e Rural (1960-2000)
0
20000000
40000000
60000000
80000000
100000000
120000000
140000000
1960 1970 1980 2000
P.Urbana
P. Rural
49
Entendemos que quanto maior for a taxa de analfabetismo, maior a necessidade de um
líder folk (que utiliza os MCF), ou de um folkcomunicador (que tem acesso aos MCM),
considerando o acesso do receptor aos meios de difusão de informações.
A realidade de dívida externa impagável frente ao FMI (Fundo Monetário Internacional)
deixava a América Latina em situação de intensa pobreza, o que desencadeava outras
conseqüências.
Taxa de urbanização. Nos anos 60, o Brasil ainda era um país agrícola,
com uma taxa de urbanização de apenas 44,7%. Em 1980, 67,6% do total da
população já vivia em cidades. Entre 1991 e 1996, houve um acréscimo de
12,1 milhões de habitantes urbanos, o que se reflete na elevada taxa de
urbanização (78,4%).
Os dados estatísticos do IBGE revelam a População Urbana e Rural brasileira, desde a
década de 1960 aos anos 2000 (últimos dados conseguidos). Já o próximo gráfico revela a
taxa de mortalidade infantil, que na década de 1960 estava em cerca de 12 e hoje em cerca de
7 anos de idade; além de revelar a expectativa de vida do brasileiro, que na década de 1960
estava na casa dos 50 anos e hoje, beira aos 70 anos de idade.
TABELA 0-2: Taxa de mortalidade e expectativa de vida2
0
10
20
30
40
50
60
70
1960 1970 1980 1990 2000
Taxa Bruta deMortalidade
Expectativa de Vida
O gráfico revela a progressão nas últimas décadas no Brasil, em termos de alfabetização
do país. O que muito interessa a folkcomunicação para tentar medir a possibilidade de
compreensão da mensagem emitida nos meios de comunicação massivos. Ou seja, a
mensagem emitida é inteligível a uma pessoa analfabeta, semi-analfabeta, ou alfabetizada?
2 Dados do IBGE.
50
Em que grau de complexidade? Total, parcial, ininteligível. São exemplos de pesquisas que
podem ser elaboradas e realizadas em folkcomunicação, para buscar averiguar o grau de
intelecção popular em determinados assuntos importantes ao povo, porém de difícil
compreensão.
Tabela 0-3: Taxa de Alfabetização acima de 15 anos, por sexo e Região brasileira3.
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
1970 1980 1991 2000
1970 67,1 62,9 47,1 45,3 68,5 62 81,1 73 79,6 73 67,1
1980 70,6 68,1 54,2 55 77,8 74,8 85,8 80,6 86 81,6 74,6
1991 74,9 75,8 59,9 64,6 83,5 83 89 86,4 89,4 86,9 79,9
2000 83 84,4 71,7 75,8 89,2 89,2 92,6 91,1 93,2 91,5 86,4
Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher TOTAL
Norte Nordeste Centro Sudeste Sul BRASIL
O IBGE revela a taxa de alfabetização, que compreende pessoas acima de 15 anos de
idade, portanto que possivelmente trabalham e de alguma maneira produzem para o país.
Segundo os dados fornecidos, ainda há 12% da população brasileira, ou seja, cerca de
21.600.000 milhões de pessoas, acima dos 15 anos de idade, que não sabe ler e escrever: é
analfabeta num mundo globalizado. Num contexto, em que as informações transitam em fluxo
e contra-fluxo, do global ao local e do local ao global. Na realidade, o analfabetismo é apenas
um índice dentre vários outros que seriam necessários para provarmos, com maior exatidão, a
dimensão dessa desigualdade econômica e social no Brasil.
O próximo gráfico revela-nos a miscigenação racial brasileira, que desencadeou outros
processos, principalmente de aculturação e de intercâmbio de costumes, culinária,
religiosidade e, principalmente, comunicacionais, que devem ser averiguados.
3 Dados do IBGE.
51
Tabela 0-4: Miscigenação racial brasileira.4
0
10
20
30
40
50
60
BRANCA PARDA INDIGENA AMARELA PRETA
RURAL
URBANA
BRASIL
Aqui, a miscigenação racial do povo brasileiro está expressa em números e com a
miscigenação, conseqüentemente, emergem vários fenômenos sociais, religiosos e culturais.
Como por exemplo, uma pessoa afro-descendente, que preserva seus costumes, pode casar-se
com uma pessoa branca, descendente de imigrantes com outra religião e cultura, podendo
gerar no núcleo familiar um sincretismo, em alguns momentos e, em outros, a resistência. A
pluralidade das “culturas brasileiras” é enorme e tem uma diversidade muito rica, falando a
partir da abordagem da antropologia contemporânea que admite a várias culturas inseridas no
contexto de uma cultura nacional, portanto, consegue identificar vários brasis, mas um só
povo-nação.
Economicamente, o Brasil apresenta um crescimento no PIB e na renda per capita, que
vai se refletir na qualidade de vida da grande massa da população. Rodrigo Celoto apresenta-
nos uma análise sintética da renda per capita brasileira nas ultimas décadas em comparação
com o crescimento do PIB brasileiro, em 5,4% no ano anterior. O autor apresenta-nos uma
perspectiva:
O PIB brasileiro cresceu 5,4% no ano passado e completamos quatro anos de
crescimento médio de 4,5%. O Brasil não crescia quatro anos a essa
magnitude de taxa desde 1988 - 20 anos atrás. Tivemos um crescimento per
capita de 3,05% nos últimos quatro anos, uma taxa não alcançada em 20 anos.
Nos últimos dez anos a renda per capita cresceu 1,52% ao ano. Nos últimos
cem anos, o Brasil só obteve crescimento per capita abaixo de 3% ao ano na
década de 80, quando apresentou um crescimento per capita de 1,62% e na
década de 90, quando obteve um decrescimento de 0,07% ao ano.
Considerando o retrospecto das duas décadas anteriores, o crescimento da
renda per capita nos últimos quatro anos de 3,05% não é nada ruim.
Infelizmente, ainda está longe dos 7,2% na década de 70, dos 5,18% na
década de 60 e dos 5,18% na década de 50. A década de 90 já acumula um
crescimento per capita de 1,94% ao ano e provavelmente superará o
4 Dados do IBGE.
52
crescimento da década de 80. Ou seja, será a primeira década depois de duas
décadas em que vamos ter uma elevação da taxa de crescimento per capita.
Estamos caminhando para um crescimento per capita de 2% ao ano na
década. Esse crescimento de 2% é muito mais realista para a realidade
brasileira (CELOTO, 2008, on-line).
Com o golpe de 1964, o país passou a ser governado pelos militares. Em 1967, o
Congresso Nacional promulga uma nova Constituição que, na verdade, retomaria a suspensão
dos direitos políticos dos cidadãos e caçaria os mandatos de parlamentares. De teor altamente
centralizador, esta Constituição, também, outorgava plenos poderes ao Presidente da
República. Porém, no ano de 1968, a Constituição foi revogada pelo Ato Institucional nº 5,
marcando um momento de grande centralização de poder e de crise política prolongada no
país (VIANA, 1997). No mesmo ano ocorreu a revolta internacional dos estudantes, que a
CIA classificava de “juventude agitada”.
Mundo afora, na televisão, no cinema, na academia, celebra-se o
quadragésimo aniversário da revolta internacional dos estudantes em 1968:
imagens, debates, seções de jornais, livros trazem a memória do ano em que
"a juventude agitada", nas palavras que abrem o relatório da CIA sobre os
impressionantes acontecimentos em curso, ocupava, sem pedir licença,
escolas, praças, ruas, enfrentando a violência policial com "paus e pedras".
Ao mesmo tempo, emergiam comportamentos transgressores, escolhas
culturais marginais, falas e sons inéditos e irreverentes, que traziam à
superfície profundos anseios de transformação radical do status quo. Da
Califórnia ao Japão, dos grandes centros políticos e culturais do Ocidente e
do leste da Europa até as grandes universidades da América Latina, os
poderes constituídos se deparavam com uma avalanche crescente e
incontrolável de movimentos contestatórios que exigiam mutações radicais,
prometendo, ou ameaçando, virar o mundo de ponta-cabeça (COMITÊ
EDITORIAL, Educação & Sociedade).
Porém, nessa realidade tão conturbada, algo inquieta o nosso scholar brasileiro: se os
meios de comunicação coletiva estavam sob severa censura, bem como os aparelhos
ideológicos do Estado, como houve tamanha comoção popular? Como se comunicaram as
massas populares? Como funcionava a comunicação popular de maneira tão efetiva, que
resultou em uma reação eficaz da massa? Como se comunicavam as comunidades isoladas?
A Folkcomunicação emerge num momento de crise política e de intensa perseguição aos
intelectuais, aos jornalistas, meios de comunicação social e a todos aqueles que, de alguma
forma, se manifestassem contrários ao regime militar. Aqui começa também a nossa
inquietação na investigação em descortinar a Folkcomunicação. O que está por trás da Teoria
da Folkcomunicação elaborada por Beltrão? Qual era o seu problema prático e o seu problema
de investigação? O que Beltrão queria saber com sua investigação? Quais os reais problemas
53
da Folkcomunicação? Esse é o nosso desafio, que não sabemos se vamos conseguir, mas
vamos nos empenhar para descobrir.
54
55
PARTE I – GÊNESE
A Gênese e os
Fundamentos da Folkcomunicação
56
CAPÍTULO I
Matrizes Epistemológicas
Comunicar é uma capacidade adquirida pelo ser humano, com o passar dos anos e do
seu desenvolvimento biológico e sua interação social com outros seres vivos. Desde a pré-
história, o ser humano estabeleceu certos códigos essenciais para comunicar-se, muitas vezes
visando a sua sobrevivência no ecossistema.
Encarado como instrumento elementar de comunicação, sucedeu a
simbólica, mediata e indireta, concebida para representar os fatos cuja
lembrança se queria resguardar e transmitir. Até onde chega a nossa
penetração na Antiguidade, lá encontramos – em pedra, pau metal, barro,
concha, fibra, pele e papel – o jornal, isto é, a informação rudimentar de
algum acontecimento contemporâneo conservado pelos símbolos; fossem
eles mnemônicos, fixando valores arbitrários supletivos da memória, como
as cintas de conchas variegaas dos iroqueses e as cordas de nós coloridos
dos peruanos;fossem pitográficos, reproduzindo objetovs e figurando idéas,
tais os hieróglifos e os sinais assírios, persas e astecas fossem enfim
fonéticos, traduzindo as vozes nas letras do alfabeto, prodigioso invento (...)
(RIZZINI, 1998, p. 3-4).
A linguagem foi se formando e foram criados símbolos para que significassem um
determinado sentido, gestos, pinturas, danças, ritos, mitos, festas, que passaram a ter
determinados significados, naquele contexto específico, inteligível aos indivíduos daquela
determinada comunidade. Ernest Cassirer aborda essa capacidade criativa de comunicar do
ser humano, afirmando que “o homem é o único animal simbólico”, que tem a capacidade de
criar, expressar e compreender as idéias abstratas e valores morais. Cassirer afirma que
O homem não vive mais em universo somente físico, mas também um
universo simbólico. A linguagem, o mito, a arte e a religião são partes desse
universo, são os fios que constituem o tecido simbólico, a intricada trama da
experiência humana. Todo progresso no campo do pensamento e da
experiência fortalece e adensa essa malha (REALE & ANTISERI, 1991, p.
419).
57
Quando crianças, são introduzidas a uma comunidade através de ritos religiosos, que
comunicam o lugar social que esta criança passará a ocupar em determinada sociedade.
Conforme a criança vai crescendo, vai aprendendo e assimilando o modo de ser e estar no
mundo, o habitus e o modus vivendi de sua comunidade, como também, é incentivada a
produzir, ou melhor, reproduzir os conteúdos simbólicos existentes em sua comunidade, a
partir do seu ethos, sua visão de mundo ética social, como também, do seu lugar social,
expressando suas idéias em suas produções simbólicas.
O ethos de um povo é o tom, o caráter e a qualidade de sua vida, seu estilo
moral e estético, e sua disposição é a atitude subjacente em relação a ele
mesmo e ao seu mundo que a vida reflete. A visão de mundo que esse povo
tem é o quadro que elabora das coisas como elas são na simples realidade,
seu conceito da natureza, de si mesmo, da sociedade (GEERTZ, 1989, p.
93).
O ethos representa um tipo de vida implícito na realidade concreta e a “visão de mundo”
é aceita pela sociedade, por representar a imagem de um estado de coisas, em que esse modo
de viver torna-se uma expressão autêntica de um povo. É a maneira de ser e ver o mundo, de
ser-no-mundo, de ver a realidade e expressar-se em sua essência. É essa essência que se
coloca perante o outro e acontece a distinção. Martin Buber afirma, que: “O Eu se realiza na
relação com o Tu; é tornando Eu que digo Tu” (BUBER, 1977, p. 13). O ser humano conhece
a si mesmo e seus limites no confronto com o outro, o que acontece também relação as
culturas; é no confronto entre as culturas que podemos, por exemplo, estabelecer as
distinções. No Brasil, há uma pluralidade de tribos indígenas, porém cada uma delas tem suas
especificidades e determinações, que as fazem distintas umas das outras. Há uma diversidade
cultural indígena, com dialetos diferentes, por exemplo.
O espaço social é um campo de relações de forças, em que se estabelecem relações de
comunicação, ou de interação simbólica, visto que as relações de comunicação estão
intrinsecamente, segundo Bourdieu, relacionadas às relações de poder em luta pela
hegemonia.
A tradição marxista privilegia as funções políticas dos “sistemas
simbólicos” em detrimento da sua estrutura lógica e da função gnoseologica
(ainda que Engels fale de “expressão sistemática” a respeito do direito); este
funcionalismo – que nada tem de comum com o estruturo-funcionalismo à
maneira de Durkheim ou de Radcliffe-Brown – explica as produções
simbólicas relacionando-as com os interesses da classe dominante. (...) A
cultura dominante contribui para a integração real da classe dominante
(assegurando uma comunicação imediata entre todos os seus membros e
58
distinguindo-os das outras classes); para a integração fictícia da sociedade
no seu conjunto, portanto, à desmobilização (falsa consciência) das classes
dominadas; para a legitimação da ordem estabelecida por meio do
estabelecimento das distinções (hierarquias) e para a legitimação dessas
distinções. Esse efeito ideológico, produ-lo a cultura dominante
dissimulando a função de divisão na função da comunicação: a cultura que
une (intermediário de comunicação) é também a cultura que separa
(instrumento de distinção) e que legitima as distinções compelindo todas as
culturas (designadas como sub-culturas) a definirem-se pela sua distancia
em relação à cultura dominante (BOURDIEU, 2002, p. 10-11).
A distinção entre a cultura dominante e as demais sub-culturas encontra-se presente em
diversos períodos da história. Conforme Arthur Ramos (apud MARQUES DE MELO, 1998,
p. 185), “a cultura é a soma total da criação humana. É tudo o que o homem faz ou produz, no
sentido material ou não-material”. Assim, a noção de cultura funde-se com a noção de
sociedade, porém, ao mesmo tempo em que ela tem o poder aglutinador na sociedade, realiza
a distinção, sendo sub-dividida entre cultura erudita e cultura popular e, em nossos tempos,
cultura de massa. Deve-se levar em consideração, porém, o movimento não somente cíclico
entre os conteúdos dessas culturas, mas por vezes dialético, em que pode-se identificar
conteúdos da cultura popular na cultura erudita, e conteúdos da cultura erudita na cultura de
massa, e conteúdos da cultura de massa na cultura popular, em que seus conteúdos são
sintetizados e emergem de maneira híbrida nos produtos culturais.
É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de
conhecimento que “os sistemas simbólicos” cumprem a sua função política
de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que
contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre outra
(violência simbólica) dando o reforço da sua própria força às relações de
força que as fundamentam e contribuindo assim, segundo a expressão de
Weber, para a “domesticação dos dominados” (BOURDIEU, 2002, p. 11).
Assim, a Folkcomunicação, enquanto subárea da comunicação, é uma linha de
investigação recente, porém seu objeto de estudo – os processos comunicacionais presentes na
produção simbólica de seres humanos, que vêm de determinada comunidade, língua (ou
dialeto), povo, enfim, seres humanos que estão inseridos em um determinado contexto sócio-
político-econômico e cultural – existe desde a antiguidade e vem sendo estudado desde o
prisma de sociólogos, antropólogos, lingüistas, mas não desde o prisma comunicacional, que é
o que propõe Luiz Beltrão. São as formas simbólicas que dão sentido ao mundo, conforme
Ernest Cassirer (REALE & ANTISERI, 1991, p. 444): “As formas simbólicas – isto é, a
linguagem, a arte, o mito e a ciência – „dão forma e sentido‟, vale dizer, estruturam o modo
59
de ver o mundo, criam mundo de significados, organizam a experiência”. Ou seja, Luiz
Beltrão propõe estudar esses fenômenos, porém, do ponto de vista comunicacional,
averiguando o que comunica essa produção simbólica, o que quer comunicar esse ser humano,
a partir de seu lugar social.
(...) el principio de la accion histórica – la del artista, la del cientifico o la
del gobernante, como también la del pequeño funcionario -, no radica en un
sujeto que enfrentaria a la sociedad como a un objeto constituido en la
exterioridad. Dicho principio no radica ni en la conciencia ni en las cosas,
sino, en la relación entre dos estados de lo social, es decir, la historia
objetivada en las cosas bajo forma de instituiciones, y la historia encarnada
en los cuerpos bajo la forma del sistema de disposiciones duraderas que
llamo habitus (BOURDIEU, 1982, p. 37-38).
Mas, o que esse ser humano quer comunicar, quer expressar? E de que maneira
comunica? Como o faz? Quais os materiais disponíveis e acessíveis a ser utilizados? Quais os
processos comunicacionais que estão implícitos em sua produção simbólica? A quem esse ser
humano quer transmitir alguma informação? Quem ele quer atingir? Que efeitos espera
provocar no receptor? Ele já sabe, ou precisa aprender a utilizar as ferramentas para produzir
um conteúdo simbólico? Que perguntas esse ser humano faz? E a quem quer responder, com
suas expressões? Que idéias estão implícitas em seu conteúdo simbólico?
Para responder a essas perguntas, e a outras que possam porventura surgir, nosso objeto
de estudo – a teoria da folkcomunicação - nos pede um trabalho interdisciplinar, em que
tenhamos um mesmo marco epistêmico, teórico e metodológico, para que possamos trabalhar
desde a Antropologia Cultural, Sociologia da Cultura, História Cultural e Folkcomunicação,
para compreendermos o que quer comunicar uma determinada produção cultural.
Estudar a cultura do ponto de vista científico significa elaborarmos um discurso
controlado e refutável sobre ela. Conforme Gilberto Gimenez (1994, p. 33)
Lo de „controlado‟ se refere a la necesidad de someter a controles
específicos el léxico, los paradigmas y los modelos que generan ese
discurso. Lo de „refutable‟ quiere decir que el discurso en cuestión tiene que
definir y prever los criterios especificos de su propia validación, según
parámetros compartidos por la comunidad científica.
1.1. Marco epistêmico de Luiz Beltrão
60
A Teoria da Folkcomunicação nasce a partir do olhar clínico de um pesquisador e
repórter. Algo chama a atenção aos olhos observadores de Luiz Beltrão. Para o empirismo, a
constatação de uma realidade é uma irritação sentida a partir da observação de um objeto.
Beltrão percebe que algo estava “entravando” os planos do progresso nacional e as metas
desenvolvimentistas do governo. Havia dois Brasis (elite e massa popular) que andavam em
descompasso: um em franco desenvolvimento econômico e outro marginalizado, que
entravava os planos de progresso e essa problemática tinha origens comunicacionais, antes de
mais nada.
Um acreditando em metas desenvolvimentistas e mudando seus padrões de
comportamento aos influxos das idéias e das técnicas novas, difundidas,
sobretudo pelos veículos jornalísticos; outro crendo apenas nos seus
“catimbós” e rejeitando até mesmo uma argumentação lógica,
fundamentada em causas e efeitos para aferrar-se aos seus preconceitos,
hábitos e costumes tradicionais e permanecendo surdo às mensagens
jornalísticas convencionais (BELTRÃO, 2001, p.74, grifo nosso).
Aqui, nos deparamos com o problema a ser enfrentado por esse scholar brasileiro e,
portanto, latino-americano. A grande massa da população não assimilava, não absorvia o
conteúdo das mensagens jornalísticas, por diversos fatores perceptíveis por Beltrão.
1. O primeiro a ser considerado é a alta taxa de analfabetismo no país e a renda per
capita. Considerando que 70%
da população brasileira era de
analfabetos5;
2. Meios massivos de
comunicação acessíveis.
Estávamos na década de 1960,
em plena Era do Rádio. O
rádio foi, na realidade, o
grande meio de comunicação e
pelo seu baixo custo, era mais acessível às camadas populares, visto que a
televisão era acessível apenas a uma pequena parcela da população brasileira. A
televisão chega em 1950 e é acessível apenas à elite da população. A
democratização da televisão acontece na década de 1970, quando o “aparelho”,
5 Valor aproximado, a partir dos dados coletados no site do IBGE e que constam na Análise de Conjuntura,
sendo que seus respectivos gráficos encontram-se nos Anexos.
61
como era chamado na época, passa a ser vendido em até 24 prestações, para que
o povo pudesse assistir a “Copa de 70”, realizada no México;
3. Formação dos profissionais de comunicação, que vinham, na sua maioria, do
Direito e da Filosofia, só então, depois migravam para a Comunicação e o
Jornalismo. As primeiras Escolas de Comunicação do Brasil emergem na
década de 1950 (Universidade Católica de Pernambuco, Faculdade Cásper
Líbero e Universidade de São Paulo);
4. A linguagem jornalística da época, que devido a formação dos profissionais, era
rebuscada. O fazer jornalístico, no cotidiano, é que moldava o profissional, a
partir da empresa, do meio de comunicação e do público-alvo.
A dificuldade de uma informação, enquanto inovação, chegar ao povo e ser assimilada
por ele, que tem suas idéias cristalizadas pelo senso comum, pela tradição, pelo habitus, pelo
ethos, pela sua visão de mundo sacramentadas pela doxa, passam necessariamente pela
subjetividade do receptor, que pode assimilar ou não uma inovação.
No entanto, “teimosa , obstinadamente, o povo conserva a sua inteligência e,
através dela, passam os episódios e fatos gerais que julgamos comuns e
irresistíveis”. Teimosa e obstinadamente, resiste ao imperialismo cultural,
defende as “características nacionais contra o nivelamento pela cultura
internacional, dirigida e comum”, facilmente vitorioso nas classes altas e
médias. Valendo-se de formas tradicionais e rudimentares de maior extensão,
ao seu alcance – já que privados dos meios e veículos de maior extensão mas
de manejo reservado às camadas privilegiadas – oferecem uma resistência
épica à arrancada cultural alienígena, como os anglo-saxões o fizeram ante o
domínio francês dos normandos (BELTRÃO, 2001, p. 62).
O carnaval, por exemplo, enquanto um momento de relacionamento social, que
conforme Leopoldi (apud BELTRÃO, 1980, p. 93) é uma manifestação sui generis em que,
sob o congraçamento dos agentes, acontece uma supressão aparente das barreiras sociais,
seria um período de “distensão social”, causando um abrandamento social e,
conseqüentemente, proporcionando um ambiente propício às relações sociais
indiscriminadamente, incentivando a integração social dos grupos que formam as sociedades,
compensando os desníveis sociais existentes na realidade; é como se “o „inconsciente
coletivo‟ da sociedade reafirmasse periodicamente a integração de todas as categorias
sociais sobre as dissenções (sic) que a própria estrutura acarreta ...” (BELTRÃO, 1980, p.
93).
62
Os mass media veiculam as idéias já consagradas, mas também as idéias
que se pretendem incutir. Os valores políticos, religiosos, nacionais são
transmitidos pelos mass media de maneira direta (propaganda, discursos,
debates, etc.) ou indireta (uma mensagem estética pode servir para “fazer
passar” uma mensagem política) (VANOYE, 1996, p. 199).
Assim, Beltrão propõe a decodificação das mensagens, do discurso carnavalesco, que
são carregados de simbolismo e representações sociais e que são “indubitavelmente, um
discurso nacional das camadas mais carentes da nossa população” (BELTRÃO, 1980, p.
100). Ou seja, a Folkcomunicação analisa os processos comunicacionais populares e sua
mensagem crítica e ideológica, averiguando o discurso das práticas culturais e suas
representações simbólicas.
O problema levantado por Beltrão, a ser pensado sob o prisma comunicacional, é de que
a elite quer que o povo assimile a mensagem transmitida pelos meios massivos de
comunicação, mas não se interessa em saber nada sobre esse povo. Os intelectuais viviam de
costas para o povo brasileiro, alheios a sua realidade e necessidades. A partir dessa realidade,
emerge o marco epistêmico de Beltrão, ou as perguntas epistemológicas que norteiam a
Folkcomunicação (BELTRÃO, 2001, p. 74):
1. Como se informavam as populações rudes e tardas do interior do
nosso país continental?
2. Por que meios, por quais veículos manifestavam seu pensamento, a
sua opinião?
3. Que espécie de jornalismo, que forma – ou formas – atenderia à sua
necessidade vital de comunicação?
4. Teria essa espécie de intercambio de informações algo em comum
com o jornalismo, que passei a classificar de “ortodoxo”?
5. E não seria uma ameaça a unidade nacional, aos programas
desenvolvimentistas, aos nossos ideais políticos e à mesma sobrevivência
do homem brasileiro, como tipo social definido, o alheamento em que nós,
jornalistas e os nossos governantes, nos mantínhamos ante essa realidade
enigmática, que é a comunicação sub-repticia de alguns milhões de
cidadãos alienados do pensamento das elites dirigentes?
São essas as perguntas que permeiam toda a investigação de Beltrão. E a partir desse
marco epistêmico (GONZÁLEZ, 2009), ou melhor, dessas “perguntas perguntáveis”,
possíveis de buscar por respostas satisfatórias durante a investigação, que Beltrão vai tentar
responder em suas pesquisas. Emergem, então, os problemas a serem resolvidos.
Os meios de comunicação que a ciência e a tecnologia lançam
sucessivamente, buscando idealmente a integração dos sistemas, esbarram na
realidade social contemporânea da oposição entre grupos organizados – que
63
constituem o que se convencionou chamar de elite – que detêm o poder
econômico, exercem a dominação cultural e o controle político, e os grupos
não-organizados, a massa – urbana ou rural – de baixa renda, excluída da
cultura erudita e das atividades políticas. Os primeiros estão expostos, captam
e decodificam as mensagens dos meios de comunicação massivos, todos
grandes empreendimentos econômicos, de que são proprietários,
patrocinadores e colaboradores conscientes; os últimos, não expostos ou
apenas consumidores passivos de tais meios que, como o livro, exigem
“alfabetização” para que suas mensagens sejam entendidas, inclusive em seu
significado latente. Por isso, sem poder decisório, excluídos de uma
participação ativa no processo civilizatório, em uma palavra, marginalizados
(BELTRÃO, 1980, p. 2).
Aqui, nos deparamos com um problema sócio-político e ideológico dos desníveis
sociais, abordado pelo intelectual italiano Alberto Cirese e a questão da luta pela hegemonia.
Há um confronto entre dois Brasis: das elites dirigentes e da grande massa da população e dos
ideais da classe dirigente que não é absorvida e assimilada pelas classes populares.
A realidade brasileira era constatada por sociólogos, psicólogos sociais,
antropologistas, políticos e economistas: dois brasis se defrontavam. Um
em franco desenvolvimento cultural e econômico, outro marginalizado,
entravando os planos de progresso. Um respondendo com maior ou
menor desenvoltura aos apelos dos meios de comunicação coletiva; outro
não suscetível dessa influência e, por conseguinte, alienado dos objetivos
pretenditos pela elite. Um acreditando nas metas desenvolvimentistas e
mudando os seus padrões de comportamento ao influxo das idéias e técnicas
novas, difundidas, sobretudo, pelos veículos jornalísticos; outro crendo
apenas nos seus “catimbós” e rejeitando até mesmo a argumentação
lógica, fundamentada em causas e efeitos para aferrar-se aos seus
preconceitos, hábitos e costumes tradicionais, e permanecendo surdo às
mensagens jornalísticas convencionais (BELTRÃO, 2001, p. 74, grifo
nosso).
Ou seja, as mensagens eram persuasivas a elite intelectual. Era inteligível e atendia aos
interesses sócio-político e econômicos deste público, deixando a grande massa da população
alienada de todo esse processo de construção da realidade, de desenvolvimento do país.
1.2. Um problema a resolver
Comunicação é o problema fundamental da sociedade contemporânea –
sociedade composta de uma imensa variedade de grupos, que vivem
separados uns dos outros pela heterogeneidade de cultura, diferença de
origens étnicas e pela própria distância social e espacial (BELTRÃO, 2001,
p 53).
64
Beltrão afirma que a variedade dos grupos sociais da sociedade brasileira tem suas
origens em duas categorias: cultura e a desigualdade social6. Voltemos um pouco ao período
colonial para compreendermos problemas comunicacionais relacionados às relações sociais,
que se estabeleciam já na colonização do país e problemas decorrentes de políticas
econômicas que resultaram em uma multidão de marginalizados sociais e culturais, que
buscavam sobreviver e, para sobreviver, precisavam comunicar-se. Comunicação era questão
de subsistência social, econômica e cultural.
Nertan Macedo diagnostica a cisão ética e política ao analisar o quadro do
Segundo Reinado: “O Brasil era aquilo: uma realeza em que o monarca não
desejava representar a instituição; uma religião oficial perseguida pelo
Estado; um país real, confinado nos sertões, fiel aos hábitos morais e
religiosos dos seus antepassados; esse mundo encouraçado, desabrido e
selvagem como um vaqueiro, não se reconhecia no „país legal‟ dos doutores
de Olinda. O espaço geográfico era o „divorcium aquarum‟ entre duas
comunidades. O drama brasileiro, que ainda perdura, vem desse
tempo.” E quando, na década de 20, se intentou o inicio da Revolução
Brasileira – em nossa opinião ainda em curso – observou-se mais uma vez o
status bipartido. Djacir Menezes (...) Tinha-se quase a impressão de falar
outra língua. Outra nação que nos olhava admirada, sem atinar com os
objetivos. Estranhos e atônitos. Ouvindo os oradores como se ouvissem
algo incompreensível... Que, no significado do voto, sabiam o ato material
de meter uma célula na urna, gatafunhando o nome quase ilegível. Esse
povo cria nos seus catimbós (BELTRÃO, 1980, p. 17, grifo nosso).
Beltrão percebeu, através de sua vivência enquanto repórter e, depois, em pesquisa
bibliográfica e documental, que existiam dois brasis, dois países que viviam no mesmo espaço
social, porém em desníveis sociais marcantes. Um em franco desenvolvimento e outro
primitivo; um país ideal, sonhado pelas elites e outro real, longe das grandes capitais; um país
fragmentado pelas desigualdades sociais e a falta de conscientização popular do valor do voto.
O povo não tinha consciência do poder e da importância do voto, era apenas uma obrigação
frente ao Estado de nomear um político, representante da elite dominante, que, quem sabe, em
algum momento se lembrasse dos famintos da nação em alguma política pública de benefício
popular. Para Beltrão, eles criam mesmo era nos seus catimbós, na sua religiosidade, pois
quando a realidade é dura demais, o povo se apega a Deus e nos seus santos intercessores7.
A comunicação acontecia de maneira “truncada”, não fluía, devido a variáveis, que
influenciavam os processos comunicaionais. Dentre essas variáveis destacamos: a) o ruído
6 Veremos mais adiante a proximidade dessa afirmação de Beltrão, com a Tese de Cirese dos Desníveis Internos
de Cultura. 7 Realidade que é retratada na obra de Ariano Suassuna “Auto da compadecida”, que fora adaptada à TV e
Cinema em 2000 (AMPHILO, 2003).
65
(semântico ou técnico); a doxa (filtro com que percebemos o mundo); o habitus e o modus
vivendi; e o contexto (de produção e recepção das mensagens, que podem ter o sentido da
mensagem alterado em contextos diferentes). Essas variáveis podem alterar no feedback.
O ruído semântico acontece no âmbito da significação e do sentido, visto que há uma
distância considerável entre “o que se disse” e “o que se quiz dizer”, o que a esse fenômeno
Carlos Vogt chama de “intervalo semântico” (VOGT, 1977), admitindo uma distância entre o
enunciado e a enunciação, onde habita a subjetividade do receptor e de cada ser humano em
particular, que se deve levar em consideração no contexto da produção do discurso. Para
Beltrão, a linguagem era rebuscada demais para a grande massa da população, na época,
tornando-se ininteligível e formando um bloqueio comunicacional, o que gerava um entrave
em relação a outros processos necessários ao desenvolvimento do país. Dessa maneira, para
Beltrão é importante a atuação do agente de folk (MCF) e a sua atuação junto aos grupos.
É no intervalo entre a língua e a fala, entre a competência e a performance,
entre o enunciado e a enunciação, que estes marcadores de subjetividade
habitam, pondo em xeque a rigidez destas dicotomias e criando sob a
barra(/) do silêncio lógico os túneis de passagem dos murmúrios da história
(VOGT, 1977, p. 32).
Outra questão, porém, identificada por Beltrão é que o próprio governo e as elites
estavam de “costas viradas” à grande massa da população e se negavam a ouvir seus
clamores, expressos através das suas tribunas populares, principalmente utilizando as
representações simbólicas presentes nas práticas culturais e nos fatos folclóricos, como por
exemplo, as manifestações carnavalescas e na literatura de cordel.
Aqui está o problema prático de Luiz Beltrão. Problema prático, conforme GONZÁLEZ
(2009, p. 2) é “una situación experimentada en el mundo que sea relevante y significativa que
no queremos que siga sucediendo y cuyos costos materiales consideramos negativos”. A
Espaço
Social Desníveis sociais
C
U
L
T
U
R
A
66
multidão alienada do pensamento das elites entravava o progresso nacional, porque não
respondia, através de ações, ou seja, através do voto às mensagens transmitidas pelos meios
de comunicação coletiva. O povo não reagia às inovações políticas propostas, na realidade,
não por oposição política, mas por ignorância dos benefícios que essas inovações trariam ao
povo (citamos como exemplo a “Revolta da Vacina).
Nem mesmo a oposição efetiva aos programas de desenvolvimento nacional
– oposições efetiva aos programas de desenvolvimento nacional – oposição
que é antes de desconhecimento, de incapacidade receptiva, de que de
caráter político – desperta as nossas lideranças para o problema da
comunicação, como ponto de partida da nossa caminhada para o progresso.
(BELTRÃO, 2001, p. 64)
Não se faz uma revolução sem o apoio popular. Na história das revoluções pelo mundo,
há uma forte participação popular. Gramsci perdeu as eleições na Itália por que não levou em
consideração a concepção de mundo do campesino italiano, por isso escreve Literatura e vida
nacional. Falhou o Partido Comunista de Gramsci em não conhecer a força da comunicação
popular, o folclore, e, assim, perdeu as eleições e acabou na prisão, de onde escreveu os
famosos Cadernos do Cárcere (GONZÁLEZ, 2009, Anotações). Esse é o pano de fundo da
Folkcomunicação, que traz um grande problema prático a ser resolvido pelo nosso scholar
brasileiro.
Beltrão (2001, p. 61) se dá conta do mesmo problema, com o qual se deparou Antonio
Gramsci:
(...) Não obstante essa advertência, não se procurou sistematicamente
investigar, descobrir esses “catimbós”. Continuaram as elites do poder, as
classes bem pensantes, a assumir posições e a tomar decisões sem ter em
conta o processo mental do homem do povo, menosprezando-o, a
despeito do registro cientifico de Boas (...) Não se preocupou pesquisar a
maneira pela qual o povo reage às sugestões que lhe são feitas. Nem situar
os meios de que se pode dispor para fazer com que a população menos
dotada aceite princípios e normas de mudança social, adote novas maneiras
de trabalhar, de agir, de divertir-se, um outro modo de crer e decidir
(BELTRÃO, 1980, p.17).
A grande massa da população, conforme afirma Beltrão, que se comunica através de
meios informais, ligados direta ou indiretamente ao folclore, na realidade expõem de maneira
irônica e sarcástica, nas práticas culturais, como nas manifestações carnavalescas, “pinturas e
desenhos pixados em muros” e, principalmente, na literatura de cordel ; na religião, através da
fé com seus ex-votos, que expressam uma realidade vivida; nos movimentos sociais,
67
reivindicando seus direitos; são organizadas por um líder de opinião que emerge do seu meio
e torna-se aquele que aponta o caminho.
Seria possível perfeitamente indicar as moléstias comuns em determinadas
regiões, a insistência regular de certos males numa área geográfica
delimitada, pelo exame dos ex-votos, denunciadores nosológicos e mesmo
teratológicos. Sendo a maioria um trabalho e escultura artesanal, rude,
rústico, bravio, com a intenção da fidelidade expressionista, esses modelos
testificam os níveis artísticos do povo nas camadas mais profundas de sua
conservação estética e impulsão recriadora. Nenhuma, ou quase nenhuma
interferência dos padrões moderadores mais altos, converge para o ex-voto
autêntico. Sua feiúra é uma credencial de legitimidade (CÂMARA
CASCUDO apud BENJAMIN, 1998, p. 275).
Para Câmara Cascudo, acima citado, seria perfeitamente possível saber quais os maiores
problemas populares, a partir de uma investigação sobre os ex-votos populares. Seria possível,
por exemplo, reconhecer o maior número de moléstias comuns em determinadas regiões, que
em outras. As práticas folclóricas e populares refletem as necessidades populares. Nelas estão
expressas suas reivindicações. O desenvolvimento do país, no entanto, passava por outra
questão: uma política econômica que fortalecesse o país nacional e internacionalmente. Ou
seja, a solução para os conflitos do país passava necessariamente pela economia.
No Brasil, também o fortalecimento da Nação vai ser atrelado à questão
econômica. Em sua raiz, o conceito de Nação é entendido como uma
estrutura dotada de autodeterminação, devendo possuir um elevado grau de
autonomia, o que passa, necessariamente, pelo controle de sua inserção
econômica no mercado mundial. Um país “forte” não pode estar à mercê
das decisões externas, como historicamente esteve no período colonial,
tanto pela submissão à metrópole (dependência política strictu senso), como
pela subseqüente submissão às oscilações de mercado, que tão duramente
influenciavam o sistema nacional. Cabe lembrar que o modelo colonial é
marcado pela aguda dependência do mercado internacional, característica
da economia agrário-exportadora. É no mercado internacional que a
produção brasileira se realiza, portanto, onde se formam os preços dos
produtos e o estímulo ou não a produzir localmente. A alta especialização
do modelo nos faz simultaneamente exportadores de poucos gêneros e
importadores de tudo aquilo que não fabricamos aqui (envolvendo não só
manufaturas, mas principalmente bens de produção e bens de capital). Ao
obedecer ao padrão de inserção na divisão internacional do comércio,
herdado da colônia, impede-se a autonomia decisória e, em última instância,
os princípios básicos da Nação (CEPÊDA, on-line, p. 3).
O economista brasileiro, Celso Furtado, como Beltrão, buscava o fortalecimento da
Nação brasileira, considerando o movimento nacionalista que já vinha de algumas décadas
68
atrás, cujo objetivo era promover a unidade nacional, visto que a fragmentação da nação era
notória. Celso Furtado, porém, “puxa” a questão para a economia e, como intelectual da
nação, busca respostas com o objetivo de “cimentar a nacionalidade”.
O termo usado por Furtado para definir as alternativas que se abrem à
economia nacional é “internalização dos centros de decisão”. A
importância deste fato é de tal magnitude que pode dar resposta a um
persistente problema da formação brasileira, cimentar a nacionalidade
(CEPÊDA, on-line, p. 5).
Como afirma Gramsci, as soluções dos problemas sociais devem emergir do seu
contexto, intelectuais que vivenciaram a problemática e tem o desejo de sanar os problemas
sociais daquele povo, pois saiu dele, é parte de sua essência, de seu ser-aí. Então, na realidade,
o que vemos nas práticas culturais são reivindicações populares que só podem ser satisfeitas
através do governo, com políticas públicas que atendam a massa. O feedback da
folkcomunicação, esse diálogo entre o governo e o povo, de que fala Beltrão, se resolve, na
realidade, com políticas públicas que promovam as necessidades básicas de subsistência do
ser-humano.
A Constituição Federal de 1988 e as legislações complementares do
CONAMA consolidaram o arcabouço legal sobre meio ambiente existente
hoje no Brasil, uma referência internacional. São fruto das mobilizações
sociais e conquistas populares das Diretas Já. Esse processo gerou a
regulamentação da obrigatoriedade de relatórios e estudos de impactos
ambientais e políticas de compensação e mitigação de danos sócio-
ambientais com participação da sociedade. É o arcabouço legal que
perdurou até o desmonte atual de Lula e seu escudeiro fiel Carlos Minc.
(KENZO, 2009, on-line).
A pesquisa de Beltrão caminha paralelamente ao processo de desenvolvimento do país,
suas peculiaridades, e a implantação de políticas públicas, visando a integração nacional,
através de medidas para atender as reivindicações populares, sendo que na medida em que
essas reivindicações são atendidas, o governo recebe apoio popular, o que pode ser medido,
hoje, pelo Ibope, pelo nível de prestígio do governo. Na realidade, nos parece que a intenção
de Beltrão era persuadir o povo, a grande massa da população, a mudar de opinião e atitude,
em termos de voto popular, em favor do governo, visando à implantação de projetos
desenvolvimentistas, para a implantação de inovações em diversas áreas, em que, por vezes, é
difícil à compreensão popular. Isso, devido a complexidade da implantação de determinados
projetos, como por exemplo, a campanha “O Petróleo é nosso”, da época de Beltrão.
69
1.3. Um problema a investigar
Problema de investigação é um problema que nos faz falta saber e que é necessário
investigar, pois a falta desse conhecimento gera custos à sociedade. Conforme Jorge González
(2009, p. 2), é “una situación de conocimiento que nos hace falta y los costos de no saber
sobre esa situación”. O problema de investigação de Beltrão, que ele toma de Edison
Carneiro, é relatado por ele (2001, p. 62, grifo nosso):
Não se procurou pesquisar a maneira pela qual o povo reage às
sugestões que lhe são feitas. Nem situar os meios de que se pode dispor
para fazer com que a população menos culta aceite princípios e normas de
mudança social, adote novas maneiras de trabalhar, de agir, de divetir-se,
um outro modo de crer e decidir (...) os costumes dessas camadas sociais, os
seus meios de informação e de expressão – continuam sendo ignorados em
toda a sua força e verdade. O que impossibilita a comunicação e a
comunhão entre Governo e povo, elite e massa.
Beltrão vai mais além, quer a mudança e a harmonia social. O objetivo de Beltrão é a
transformação social, revelando sua linha difusionista. Na realidade, essa é uma investigação
proposta por Beltrão, a partir de Edson Carneiro. Apesar de não citá-lo nesse trecho, essa
afirmação está em “A dinâmica do folclore”, e nos dá a entender que vem das idéias de
Saintyves. Vejamos:
Saintyves reconheceu a importância destas influências, quando advertiu: “A
vida popular, ... embora seja uma vida particular, é difusa em toda a vida
civilizada. Não se deve considerá-la como uma atividade em compartimento
estanque. Certamente, desenvolve-se no quadro constringente da vida
oficial, mas reage, por sua vez, sobre esta ... O estudo das sociedades
civilizadas requer ... o estudo aprofundado do folclore, das maneiras por
que o povo reage às sugestões que lhe são feitas, dos meios empregados
para fazer com que as aceite, para criar nele novas maneiras de agir, de se
divertir e de trabalhar, novos modos de crer e de pensar”. Falta, aqui, a
outra fase da medalha – as maneiras por que as camadas populares levam as
classes dirigentes a tolerar e mesmo a aceitar e incorporar ao seu cabedal as
formas de expressão que lhes são próprias (CARNEIRO, 1967, p. 13, grifo
nosso).
Assim, Beltrão, após de “se dar conta” da realidade vivida em sua época, e dos
problemas comunicacionais contextuais (como uma formação ainda deficiente, por uma série
de fatores, dentre eles a censura aos intelectuais; o acesso à aquisição do “aparelho de TV”; a
linguagem jornalística rebuscada), decide investigar a proposta de Edison Carneiro, em se
estudar os efeitos comunicacionais, no contexto da audiência e recepção, através da análise do
70
discurso popular expresso nas manifestações folclóricas, nas práticas culturais e religiosas,
averiguando a reação popular ao que é veiculado nos meios de comunicação de massa, como
também, suas reivindicações.
Beltrão vê, nos meios de comunicação, um mecanismo de transformação social. Porém,
constata que o povo não estava reagindo positivamente ao estímulo dos meios massivos e
questionamos: se o povo não reage às sugestões que lhes são feitas, há duas possibilidades:
ele não compreendeu a mensagem e por isso não reagiu, ou a mensagem não atende às suas
necessidades e reivindicações. Há que se lembrar que, ao que nos parece, Beltrão está
preocupado em saber porque o povo não atende as mensagens do governo, que por sua vez,
são os anseios da classe dominante da época: para fazer com que a população menos culta
aceite princípios e normas de mudança social, visando o progresso do país.
Esses veículos, e muitos outros meios informais de comunicação popular
continuam, hoje, a conter o pensamento da massa, embora aquela explosão
opinativa não tenha conseguido sensibilizar ao ponto ideal de atenção das
elites dirigentes e culturais. Nem mesmo a oposição efetiva aos
programas de desenvolvimento nacional – oposição que é antes de
desconhecimento, de incapacidade receptiva, de que de caráter político –
desperta as nossas lideranças para o problema da comunicação, como
ponto de partida da nossa caminhada para o progresso (BELTRÃO,
2001, p. 4, grifo nosso).
Essa perspectiva de Beltrão, o aproxima às pesquisas de Lazarsfeld, Berelson y Gaudet,
em “The people‟s choice. How the voter makes up his mind in the Presidential Campaing”
(1948). Beltrão segue o funcionalismo norte-americano ao declarar sua preocupação na
“mudança de atitude”, ou seja, no investimento em uma comunicação mais eficiente e eficaz.
Entre los resultados más importantes de esta investigación destacan los
siguientes: en primer lugar, se llega a la conclusión de que la decisión del
voto, más que ser un resultado de la influencia puntual del mensaje, es el
resultado de una experiencia de grupo. La función de los mensajes
transmitidos por los medios de comunicación de masas, considerando aquí
especialmente los mensajes con fines persuasivos, tienen como función no
tanto el cambio como el refuerzo de actitudes pre-existentes (MORAGAS,
1981, p. 46).
Ou seja, a pesquisa mostrou que, mais importante que a mudança de atitude, revertida
em votos, a experiência em grupo era decisiva no processo de persuasão e, conseqüente,
decisão pelo voto; e a mensagem tem a função não tanto em relação à mudança, mas em
reforçar atitudes pré-existentes, ou seja, a força persuasiva está no grupo, cujos líderes de
71
opinião atuam como pessoas mais esclarecidas, que tem acesso a outros mecanismos de
difusão e alguns são especialistas em determinados assuntos. Porém, há que se promover um
entendimento entre os grupos, visando a paz social.
Através de um exame sistemático das relações entre os indígenas e os
brancos (franceses e holandeses, entre os estrangeiros; jesuítas e
portugueses, entre os colonizadores) pretendemos fixar a subordinação do
nosso desenvolvimento cultural, social e econômico à existência de um
entendimento entre os grupos heterogêneos da colônia, mesmo quando se
combatiam e exterminavam, visando, consciente ou inconscientemente, a
constituição de uma sociedade espiritualmente autônoma, homogênea e
progressista (BELTRÃO, 2001, p. 95, grifo nosso).
Assim, Beltrão através de sua investigação, defendia que o progresso do país passava
necessariamente pela comunicação, pelas relações entre a elite e o povo, pelo diálogo e
entendimento das classes em prol das metas de desenvolvimento, ou seja, Beltrão revela-se
positivista, de cunho funcionalista.
1.4. Marco metodológico
A partir de nossa pesquisa, constatamos que Beltrão utiliza o Método Indutivo de
pesquisa,
“processo mental por intermédio do qual, partindo de dados particulares,
suficientemente constatados, infere-se uma verdade geral ou universal, não
contida nas partes examinadas. Portanto, o objetivo dos argumentos indutivos é
levar a conclusões cujo conteúdo é muito mais amplo do que o das premissas”
(LAKATOS, 1986, p. 46).
Ou seja, parte-se da observação dos fenômenos, em que se observa os fatos e os analisa
para descobrir as causas de sua manifestação, ou melhor, de que forma esses fenômenos se
expressam; depois se procura a relação entre esses fenômenos, em que busca, a partir do
método comparativo, aproximar os fatos ou fenômenos; e, finalmente, a generalização dessa
relação. (LAKATOS, 1986, p. 46).
Por outro lado, Beltrão vale-se do Método de Investigação Funcionalista, que é
específico das ciências sociais, em que se estuda a sociedade do ponto de vista da função de
suas unidades, isto é, como um sistema organizado de atividades. “Utilizado por Malinowski,
é, a rigor, mais um método de interpretação do que de investigação” (LAKATOS, 1986, p.
82-83). Seu interesse está em averiguar cientificamente os fenômenos, com a intenção de
elaborar a sua estrutura e funcionamento visando, não somente explicar o fluxo
72
comunicacional popular, mas de que maneira integrá-lo a sociedade, com o objetivo de
promover o diálogo e a interação social.
Conforme Marques de Melo (2008, p. 28), Beltrão resgatou o “arsenal metodológico
testado e comprovado no estudo das manifestações convencionais do mass journalism, ele as
transportou para analisar as expressões integrantes do folk journalism”. Dessa forma, a partir
da observação do fenômeno e sua seleção, ou delimitação, ele vai averiguar de que forma se
dão os processos comunicacionais no fenômeno selecionado. Porém, para isso, há um
processo de intelecção das mensagens populares, com o objetivo de realizar uma “análise do
discurso” popular, considerando as condições de produção do discurso, averiguando,
posteriormente, quem são os atores sociais e os elementos do processo comunicacional. Por
exemplo, os cantadores de viola. Beltrão seleciona esse grupo, que tem a sua origem nômade,
que anda pelos sertões, nas festas e fazendas, “cantando versões coloridas de fatos e „causos‟,
versões que respondem aos instintos de revolta ou às esperanças da população desassistida e
ignorante da hinterlândia”, e vai traçar o perfil desse cantador, primeiramente de forma
pessoal, depois da sua influência nas comunidades por onde passa levando a notícia, já
interpretada, ou seja, fazendo a sua forma um jornalismo interpretativo.
Beltrão, citando José Teixeira, afirma que “a poesia popular, além de registro dos fatos
políticos, econômicos e sociais de uma época, dos usos e costumes de um povo, é também a
catalizadora dos ideais, aspirações e sentimentos coletivos” (BELTRÃO, 2001, p. 128).
Assim, essa poesia, através da cantoria, que é fixada na memória do povo, resiste ao tempo,
passando por gerações a fio. Beltrão foca-se na compreensão, primeiramente, da mensagem
popular, considerando-a como registro jornalístico de uma época.
Analisando a ação dos cantadores, Beltrão afirma que “a ação dos cantadores brasileiros,
a tradição desses versos e sátiras rimadas, com que o povo registra e comenta os fatos
marcantes da vida social, vem do século II, guardada pela memória das gerações seguintes”
(BELTRÃO, 2001, p. 131). Para comprovar essa afirmação, Beltrão exemplifica com versos
que passaram por gerações, em que falavam de forma satírica, de um boi que iria voar, para se
safar dos pedágios impostos por Nassau. Aqui, percebemos o jornalismo interpretativo feito
pelo povo e, ainda, de forma literária, muito comum nos primeiros séculos no Brasil.
Generalizando as relações entre os cantadores, Beltrão acentuou que estes cantadores
permitiram à posteridade o conhecimento dessas manifestações e a perpetuação da nossa
cultura popular em versos. “O feito passou à posteridade nos versos de um anônimo poeta da
época” (BELTRÃO, 2001, p. 131).
73
1.5. Problemáticas epistemológicas
A tese de doutorado de Beltrão, publicada em “Folkcomunicação: um estudo dos
agentes e dos meios populares de informação de fatos e expressão de idéias” (2001) e
“Folkcomunicação: a comunicação dos marginalizados” (1980), foram utilizadas como base
para esta pesquisa. Beltrão elabora a parte teórica de sua tese baseado nos resultados das
pesquisas de Lazarsfeld, Katz, Schramm, entre outros pesquisadores da Escola Norte-
americana, de linha positivista, de cunho funcionalista, mostrando a importância: 1. dos
líderes de opinião, que ele passa a chamá-los de líder folk; 2. dos grupos, que têm um grande
poder persuasivo e onde as pessoas, diluídas na grande massa da população, têm nome e
liberdade de expressão; 3. das mensagens veiculadas pelos meios de expressão informais; 4.
dos meios de difusão populares, considerando o folclore como a “tribuna” popular; 5. dos
efeitos, que geravam uma mudança de atitude no receptor. Beltrão avança em relação a
Lazarsfeld, ao admitir a dimensão da coletividade expressa “coesão grupal”, que é altamente
persuasiva.
Mais do que isso: ele identificou teoricamente uma semelhança entre tais
processos e aqueles que Lazarsfed e seus discípulos haviam observado na
sociedade norte-americana, mais conhecido como o paradigma do “two-
step-flow-of-communication”. As hipóteses de Luiz Beltrão representaram,
na verdade, um passo adiante em relação aos postulados de Paul Lazarsfeld
e Elihu Katz. Enquanto aqueles cientistas atribuíam um caráter linear e
individualista ao fluxo comunicacional em duas etapas, porque dependente
da ação persuasiva dos “líderes de opinião”, o pesquisador brasileiro teve a
premonição de que o fenômeno era mais complexo. Comporta uma
interação bi-polar (pois inclui o “ feed-back” protagonizado pelos “agentes
populares” no contato com os “ meios massivos”) e revela natureza
eminentemente coletiva (MARQUES DE MELO, 2005, p. 8).
A Folkcomunicação parte dos pressupostos funcionalistas, com vistas ao diálogo, ao
desenvolvimento, à integração social, às transformações sociais e à inte-relação,
principalmente, dos sistemas comunicacionais, formais e informais, fazendo fluir a
informação no espaço social, vencendo a “incomunicação”, promovendo a paz social e
integrando o país. Porém, o desenvolvimento de suas pesquisas refletem uma contradição
ideológica ao integrar na base de sua investigação, de cunho funcionalista/difusionista,
categorias marxistas, como superestrutura, marginalizados, alienados entre outras, e o
entusiasmo de Beltrão ao assimilar o processo de “recomposição folclórica” do sociólogo
Edison Carneiro, de linha neomarxista, que aborda a dinâmica social sob o prisma da
74
dialética. Com o objetivo de vencer a “incomunicação” e compreender as mensagens
codificadas e complexas, das “tribunas” populares, Beltrão cria um “desvio ideológico” em
sua pesquisa, gerando uma certa confusão de ordem epistemológica, de linha investigativa
para o pesquisador. Em sua tese de doutorado, ele realizou uma pesquisa bibliográfica e
documental, sobre a comunicação, no Brasil colonial, porém, a partir do materialismo
histórico e dialético.
Compreendemos esse “desvio” de Beltrão, na medida em que se dispõe a estudar os
elementos do processo de comunicação popular, considerando-os em seu contexto, mas se
perde da proposta difusionista de mudança de atitude, integração nacional e inclusão social,
apreciados por Beneyto no Julgamento da Tese de Doutorado de Luiz Beltrão (ver anexo 1).
Para realizar um estudo sistemático sobre a comunicação popular no Brasil colonial, Beltrão
julga necessário pesquisar, primeiramente, o ser humano em seu contexto histórico e social,
para, então, identificar os grupos sociais, seus líderes de opinião, seus mecanismos de
persuasão, suas mensagens, suas linguagens e meta-linguagens, discursos. Assim, Beltrão se
desvia da linha ideológica de sua pesquisa, funcionalista/difusionista, traçado na parte teórica
de sua tese e sente-se desafiado a compreender a mentalidade do homem do povo e suas
mensagens. Esse respaldo, Beltrão encontra nos estudos sociológicos e antropológicos de
Gilberto Freyre, Arthur Ramos, Edison Carneiro e em folcloristas, como Câmara Cascudo. A
intenção de Beltrão, porém, não está em promover ou valorizar o folclore nacional, mas em
compreender as mensagens codificadas e democratizá-las, promovendo o diálogo sobre
problemáticas sociais.
A dificuldade em se trabalhar de maneira transdisdiplinar, torna a folkcomunicação uma
disciplina complexa. Ao estudar o folclore e as práticas culturais é preciso compreender os
processos históricos pelos quais passaram determinados fenômenos, para depois, então,
averiguar as relações estabelecidas e os processos comunicacionais, dependendo da meta do
pesquisador.
A Folkcomunicação vem fechar essa brecha teórica e conceitual de uma realidade do
cotidiano que, antes, era descartada pelos investigadores, que se detinham na comunicação
formal, que era perceptível, porém, não explorada devidamente, por antropólogos, sociólogos
e lingüistas. Faltava-nos o estudo dos grupos sociais e seu poder persuasivo, o que Beltrão
realiza com Folkcomunicação: a comunicação dos marginalizados (1980), em que estuda os
grupos marginalizados. É no grupo que o ser humano massificado, retoma sua identidade e
pode ter sua liberdade de expressão resgatada.
75
Não obstante o valor cultural e histórico dos estudos sobre
Folkcomunicação, é impossível esconder que neles estão presentes algumas
contradições e ambigüidades. A leitura dos textos indica que tais problemas
são percebidos, mas parece que a saída encontrada é a de não enfrenta-los.
Daí a impressão de certas impropriedades conceituais que na verdade são
marcas de indefinição ideológica. Por exemplo, ao proclamar a
folkcomunicação como um conjunto de formas de expressão das camadas
marginalizadas da nossa sociedade, Beltrão foge inegavelmente à discussão
sobre a questão das classes sociais no Brasil e deixa de identificar tais
manifestações aparentemente marginais como práticas sociais e culturais
que traduzem uma ação política dissimulada das classes trabalhadoras. Mas
também Beltrão não nega essa essência. E o que fica é, portanto a idéia de
nebulosidade teórica, que traduz uma vacilação ontológica (MARQUES DE
MELO, 2001, p.26).
Essa é uma questão a ser discutida pelos investigadores em Folkcomunicação, pois ao
mesmo tempo que Beltrão utiliza categorias marxistas, como superestrutura, por exemplo, ele
não discute a formação social brasileira, apenas lança a questão. Isso pode ser explicado,
talvez, pelas questões de sua época. A tese sobre a Folkcomunicação foi defendida em 1967,
período em que o país encontrava-se em pleno regime militar, com uma censura intensa às
idéias e formas de expressão. Havia uma resistência ideológica muito forte ao socialismo e a
sua tese foi considerada subversiva. Por outro lado, Beltrão afirma que a Folkcomunicação
não é uma comunicação classista. Isso porque, numa sociedade de massas, o indivíduo torna-
se o “homem-massa” (ORTEGA Y GASSET), perdendo sua identidade.
A reinterpretação das mensagens não se fazia apenas em função da “leitura”
individual e diferenciada das lideranças comunitárias. Mesmo sintonizadas
com as “normas de conduta” do grupo social, ela continha fortemente o
sentido da “coesão” grupal, captando os signos da “mudança social”, típico de
sociedades que sofrem as agruras do meio ambiente e necessitam transformar-
se para sobreviver (MARQUES DE MELO, 2008, p. 29).
É no grupo em que o homem-massa pode voltar a “tornar-se pessoa” (Carl Rogers), em
que o indivíduo volta a ser chamado pelo nome e lá tem voz e vez. Assim, a cultura, no
espaço social, tem a função de integrar a sociedade, independente de classe social, religião,
sexo, idade, enfim, indistintamente, em prol do bem-comum.
A questão exposta por Marques de Melo tem o foco na identidade nacional e na coesão
grupal. As Forças Armadas expressavam um sentimento nacionalista de amor à pátria e
buscavam incutir no povo que eram seus representantes. Falando dos desfiles militares que
acontecem todos os anos e despertam na população um sentimento cívico, Beltrão afirma que
76
ao ver as três corporações militares: Marinha, Exército e Aeronáutica, o povo sente-se
representado, fortalecido e protegido contra um possível inimigo exterior.
Como a farda é símbolo do poder nacional e como, nos momentos críticos da
vida brasileira, por tradição buscara corresponder aos ideais populares
(fazendo a República, a Revolução de 1930 como tentativa de implantar as
sementes dos movimentos renovadores de 1922, 1924 e 1926, e promovendo
a redemocratização, pela entrega do poder aos cidadãos legitimamente eleitos,
sempre que, circunstancialmente, a nação era submetida períodos políticos de
exceção), as Forças Armadas despertam na massa a consciência do seu
próprio poder, de sua capacidade de decisão (BELTRÃO, 1980, p. 85).
Naquela ocasião, porém, o povo se uniu contra a tomada de poder pelos militares e uma
questão de luta pela hegemonia. Porém, a Folkcomunicação, para Beltrão, não é uma
comunicação classista, mas, poderíamos dizer, uma “comunicação contextual”. Em que seu
objetivo é promover o diálogo sobre problemáticas sociais, visando inclusão social. Por isso, a
importância de se esclarecer que a comuncação é uma linha de pesquisa que visa o
desenvolvimento e políticas de inclusão social.
(...) às vezes me vem à idéia de que a pessoa pode confundir a
folkcomunicação com uma comunicação classista. Mas ela não é exatamente
uma comunicação classista. (...) Então eu vi que alguns desses grupos têm
capacidade de integração na sociedade apenas não concordam com essa
sociedade. Os grupos a que me refiro são os culturalmente marginalizados
contestam a cultura dominante. Eles contestam, por exemplo, as crenças
dominantes na sociedade e as religiões estabelecidas (BELTRÃO, 2001, p.
206, grifo nosso).
Embora Beltrão lance mão de conceitos marxistas, a partir de Edson Carneiro e outros
autores8, Beltrão tem como linha ideológica de investigação o funcionalismo e o difusionismo
norte-americano, visto que seu foco é a “difusão de informações”, seu objetivo é fazer fluir a
informação no espaço social, inclusive com o intuito de persuadir a massa a aceitar as
propostas inovadoras do governo, como a adesão à campanha “O Petróleo é nosso”. Abaixo
sistematizamos os meios de expressão popular, a partir de suas práticas:
8 Há várias citações de Beltrão sem “endereço”. É certo que Beltrão teve acesso a obras marxistas e neo-
marxistas, mas ele não as cita em nenhum momento, evitando o rótulo ideológico.
77
ESQUEMA 1 - Meios de Expressão Popular
Fatos sociais Folclore Cultura popular
Relações Sociais Mitos e Ritos Produção Simbólica
Práticas Sociais Práticas folclóricas Práticas culturais
Grupos Habitus Modus Operandi
Agente de Folk Modus Vivendi Representações Simbólicas
Doxa
Beltrão entra no materialismo histórico quando cita Edson Carneiro, que afirma que
“os ideais da classe dominante foram algum dia, os ideais de todo o povo, embora
permaneçam apenas no seio dos setores politicamente mais atrasados” (CARNEIRO apud
BELTRÃO, 2001, p. 60), tomado de Marx, em Materialismo Histórico. Porém, para Marx, os
ideais dominantes são ideais da classe dominante, não do povo, como afirma Edson Carneiro.
Essa idéia emerge da idéia de que a história verdadeira é aquela dos indivíduos reais, sua ação
para transformar a natureza e de condições materiais de vida, da realidade estabelecida antes
de sua existência e, também, da sua produção enquanto ser humano.
A consciência e as idéias derivam dessa história e se entrelaçam com ela: “a
moral, a religião, a metafísica e qualquer outra forma ideológica” não são
autônomas e propriamente não têm história, pois, quando muda a base
econômica, mudam com ela. Como escrevem Marx e Engels: “As idéias
dominantes de uma época foram sempre as idéias da classe dominante. E
essas idéias, precisamente, são ideologia, visão da realidade histórica de
cabeça para baixo, justificação da ordem social existente através das leis, da
moral, da filosofia, etc. (REALE, 1981, p.195-196).
A partir de uma filosofia da práxis, Beltrão descortina a estrutura social brasileira, desde
a época colonial e suas problemáticas relacionais, que respaldam suas afirmações de uma
78
atenção especial à comunicação. Essa filosofia da práxis, de Gramsci, deriva de uma
concepção “imanentista da realidade”. Gramsci rejeita a “filosofia especulativa” e busca uma
“filosofia da práxis”, em busca da historicidade, do humanismo.
Beltrão entra, de maneira bem sutil, na questão das classes sociais no Brasil, mas não se
aprofunda no tema, talvez devido a questões políticas e ideológicas de sua época, ou porque
este não era seu interesse. Entendemos que seu foco era encontrar soluções para fazer fluir a
informação na sociedade, inclusive nos grupos e nas regiões mais isoladas do país,
promovendo a integração nacional, conquistada pelo folclore e pelas práticas culturais, como
o futebol, por exemplo. Assim, Beltrão busca pelas soluções cabíveis àquela situação de crise
instalada na sociedade, que para ele, tinha suas origens no período colonial, nas relações entre
o clero, o senhor e os escravos.
É uma questão de luta pela hegemonia, que Beltrão percebe sob os olhos
comunicacionais, do empirista. “Continuaram as elites do poder, as classes bem pensantes, a
assumir posições e a tomar decisões sem ter em conta o processo mental do homem do povo,
menosprezando-o, a despeito do registro cientifico de Boas (...)” (BELTRÃO, 2001, p. 61). A
filosofia da práxis, de Gramsci, tem sua base em uma concepção em que os acontecimentos
estruturais se entrelaçam e interagem com elementos humanos, como a vontade e o
pensamento.
A partir dessa concepção, Gramsci elabora uma teoria da hegemonia, afirmando que a
sociedade se estrutura em classes, porém para que uma classe se estabilize como “sujeito
histórico”, que guia a sociedade, deve configurar-se como força que, baseada em sua própria
ideologia, organização e superioridade moral e intelectual, torna-a classe dirigente da nação.
Uma classe torna-se dirigente da nação após fomentar capacidades necessárias e tendo a
consciência de sua importância e capacidade, reclama seu poder de dirigir toda a sociedade,
isso com o consentimento das classes subalternas, o que forma um “bloco histórico”, ou seja,
um sistema articulado e orgânico de alianças sociais ligadas por ideologia comum e por uma
cultura comum. Aqui, percebe-se a distinção entre a classe dirigente e a classe dominante,
pois a classe dirigente adquire o domínio através da “direção intelectual e moral”, quando a
dominante, exerce o domínio pela força.
Dessa maneira, entendemos que a hegemonia é uma construção social, em que a classe
dirigente deve ter a capacidade de indicar as soluções para os problemas de uma sociedade e
concretizá-los, promovendo a paz social. Assim, a direção constrói o domínio com o
consentimento das demais classes. O problema surge quando a capacidade de dirigir a nação
decai, fazendo com que os dirigentes percam o controle social. Então emerge a crise
79
hegemônica e outros grupos se vêem no direito de pleitear a direção social, propondo novas
soluções para as crises sociais.
Quando decai a capacidade de dirigir, de indicar a solução para os
problemas, a hegemonia entra em crise: o domínio ainda manterá aquelas
forças sociais e políticas no poder por certo período, mas elas já estão
condenadas (L.Gruppi). E então teremos a revolução, que explode e abre
caminho no interior do vazio de direção criado por uma classe que controla
a cidadela, mas que não sabe mais dirigir e perde o consentimento das
classes subalternas. E o perde porque, nesse meio tempo, nasceu e se
desenvolveu nova classe dirigente e hegemônica, que ainda não é
dominante, mas que percebendo com força o seu direito a sê-lo, se tornará
tal – e, se preciso for, com violência (REALE, 1981, p.832-833).
Esses conflitos são gerados pelos desníveis sociais, que interfere no fluxo da informação
no país, e, conseqüentemente, no apoio popular às decisões desenvolvimentistas do governo.
“O que impossibilita a comunicação e a comunhão entre Governo e povo, elite e massa”
(BELTRÃO, 2001, p. 62). Porém, além da questão hegemônica, a classe dirigente tinha outro
problema que era a implementação de inovações pelo governo, de mudanças e transformações
que, conforme Beltrão, tinham resistência social de implementação. A questão é que uma
inovação deve obedecer a quatro elementos: a inovação, os canais de comunicação, tempo e o
sistema social. Quando esses elementos necessários não são estabelecidos, ou infringidos,
dificilmente se estabelece a difusão de uma inovação, pois esta deve ser compatível com o
sistema de valores e normas de um sistema social (ROGERS, 1995, p.10-11).
Porém, há variantes nesse processo comunicacional, e a primeira é a necessidade de se
conhecer a doxa, o filtro com que selecionamos as informações que recebemos a todo o
momento e a partir da qual abordamos os assuntos do cotidiano. É o conhecimento popular
que está cristalizado e se reflete nas práticas culturais e folclóricas.
Esas redes de redes de correspondência y de critérios de clasificación
operan como um enorme sistema de información que tieneun rasgo
muy particular: nadie es directamente responsable del establecimiento
del vínculo del sentido, del “filtro” com que percibimos el mundo, las
personas e las cosas (GONZÁLEZ, 2007, p. 38).
Beltrão afirma: No entanto, “teimosa, obstinadamente, o povo conserva a sua
inteligência e, através dela, passam os episódios e fatos gerais que julgamos comuns e
irresistíveis”. Beltrão não nos dá a direção dessa citação (BELTRÃO, 2001, p. 62), mas é ela
que nos revela a variante da presença da mentalidade popular e aqui entra a categoria de
80
Bourdieu, em Folkcomunicação, de habitus. É através do habitus, dessa maneira de pensar do
povo, que vai influenciar em suas tomadas de decisões. Se a inovação a ser implementada
pelo governo, “bater de frente” com o habitus, dificilmente este será aceito, pois confronta a
Doxa.
Assim, Beltrão se propõe a realizar uma “análise do conteúdo” das mensagens
populares, expressas pelas manifestações folclóricas, porém realiza, na verdade, uma “análise
do discurso” popular, no desenrolar histórico de fatos sociais e políticos reais. Ou seja, ele
contextualiza as mensagens codificadas das manifestações folclóricas, no sitz in lebem, dentro
do contexto vivencial. “A poesia popular, além de registro dos fatos políticos, econômicos e
sociais de uma época, dos usos e costumes de um povo, é também a cristalizadora dos ideais,
aspirações e sentimentos coletivos” (TEIXEIRA apud BELTRÃO, 2001, p. 128). O que
caracteriza a utilização do materialismo histórico e dialético, pois, é um movimento dialético
da informação, que acontece simultaneamente e intrinsecamente ao processo histórico.
Por outro lado, Beltrão registra sua preocupação frente à alienação popular em relação
aos acontecimentos políticos da nação. Na realidade, encontravam-se apáticos por não
entenderem o processo histórico dos eventos, o que Beltrão transfere à imprensa, quando
transcreve a afirmação de J.E. Gerald, em seu ensaio sobre a responsabilidade social da
imprensa.
Numa época em que a sociedade se está transformando de alto a baixo, a
imprensa não tem auxiliado o público na compreensão do que está
ocorrendo (...). Ajudar o povo a descobrir centros de poder e torná-lo
cônscio em questões de política não mais parece dever jornalístico
(BELTRÃO, 2001, p. 64-65).
A preocupação de Beltrão está no papel social da imprensa perante a sociedade. Para
ele, a imprensa tem a responsabilidade social em transmitir a informação de maneira
inteligível à grande massa da população. E mais, deve conscientizar o povo em compreender
as decisões e articulações do governo. Nesse sentido, o jornalismo interpretativo pode ser um
aliado no processo de intelecção da mensagem.. A escolha de códigos decifráveis e a
utilização de meta-linguagens são decisivos nesse processo.
Outra questão abordada por Beltrão é a importância do ensino e da pesquisa em
comunicação, como também, das publicações, enquanto práticas científicas, do acesso dos
intelectuais da nação aos meios de comunicação massivos, para difundirem suas pesquisas,
que beneficiariam o governo no controle estatal e na preservação da hegemonia. Essa maneira
de pensar de Beltrão está em plena consonância com Gramsci, em “Os intelectuais e a
organização da cultura”.
81
(...) as fases de rápido crescimento da ciência ocorrem quando é possível
utilizar pessoal abundante e diverso na solução dos problemas novos e dos
que tem resistido durante muito tempo ao espírito inventivo de outros” e em
que “novas necessidades, novos materiais e novos instrumentos contribuem
para formar uma situação em que é possível uma mobilização do talento
humano em larga escala (apud BELTRÃO, 2001, p.63).
Assim como Gramsci, Beltrão ressalta a importância do cientista nas pesquisas para a
“solução de problemas”, mobilizando um pessoal de alto nível. De acordo com Hogben (apud
BELTRÃO, 2001, p. 63, grifo nosso): “Os meios de comunicação científica são defeituosos
e impedem a livre circulação das informações, relacionadas com estas atividades e a
coordenação dos novos conhecimentos, mediante sínteses teóricas globais”. A questão era a
dificuldade na difusão das pesquisas científicas e o acesso dos pesquisadores aos meios de
comunicação massivos. Há, portanto, uma falha comunicacional no que diz respeito à “ponte”
entre o conhecimento acadêmico e a difusão das pesquisas e, conseqüentemente, o
aproveitamento desse conhecimento, pelo governo e pela sociedade em geral, a fim de
resolver problemas sociais.
(...) quando os meios de comunicação de que a ciência dispõe limitam a
participação recíproca do teórico e dos que fazem o trabalho quotidiano, nesta
continua interfertilização de teoria e prática, uma cultura se aproxima do seu
ocaso (BELTRÃO, 2001, p. 63).
A limitação do científico ao acesso aos meios de comunicação de massa restringem a
difusão da pesquisa científica e seus resultados em benefício da sociedade. Numa sociedade
de massas, deveria funcionar uma comunicação de massa e que proporcionasse acesso à
informação a todas as classes, para que funcionassem os projetos desenvolvimentistas do
governo.
Essa conquista de liderança está intimamente ligada à credibilidade que
merece no seu ambiente e à habilidade do agente dos seus receptores. Em
função da estrutura social discriminatória mantida em nações como a nossa, a
massa camponesa, as populações marginais urbanas e até mesmo extensas
áreas proletárias se comunicam através de um vocabulário escasso e
organizado dentro de grupos de significados funcionais próprios (BELTRÃO,
2001, p. 69).
Para Beltrão, uma saída seria contar com o agente folk para promover essa função de
comunicabilidade entre o governo e a massa; entre as classes sociais. E agora, sim, envia uma
mensagem ao governo, através de sua pesquisa.
82
Quando se pretende transmitir uma mensagem a essas porções de
indivíduos – e, especialmente, quando a mensagem insere um novo sistema
de valores e conceitos, como no caso de campanhas mundancistas – é
preciso “traduzir-lhes” a idéia, adequando-a aos esquemas habituais de
valoração.” (BELTRÃO, 2001, p. 70)
Ou seja, é preciso adequar a inovação do governo ao habitus social, levando-se em
consideração, principalmente a doxa, que é o filtro pessoal do indivíduo, caso contrário a
inovação não será aceita e ocorrerá reação contrária popular, que se refletirá no contra-
discurso popular realizado através das práticas sociais e culturais e em suas representações
simbólicas.
Não se deve esquecer que enquanto os discursos da comunicação social são
dirigidos ao mundo, os da folkcomunicação se destinam a um mundo em
que palavras, signos gráficos, gestos, atitudes, linhas e formas mantêm
relações muito tênues com o idioma, a escrita, a dança, os rituais, as artes
plásticas, o trabalho e o lazer, com a conduta, enfim, das classes integradas
da sociedade. (BELTRÃO, 1980, p. 40)
Assim, Beltrão identificava em suas pesquisas dois caminhos de pesquisa, em
folkcomunicação: através do líder de opinião, traduzir as idéias do governo ao povo, de
maneira, que seu discurso não se choque com o habitus social; e, descobrir os processos de
comunicação popular:
Descobrir seus catimbós em que cria o homem do hinterland e surpreender o
processo mediante o qual as camadas menos cultas e economicamente mais
frágeis da sociedade urbana e rural se informavam e cristalizavam as suas
opiniões para uma ação próxima ou remota – ia-se tornando uma obsessão
para o pesquisador. Poderia ser uma meta inatingível, mas, sem duvida,
constituía um poderoso atrativo para quem sempre se considerou antes de
tudo um repórter. (BELTRÃO, 2001, p.74)
Beltrão afirma que lhe foi “(...) preciso recorrer às páginas da história. Reler os cronistas
coloniais. Retornar à época em que, no Brasil, não havia estradas, nem meios de transporte e,
muito menos, folhas impressas” (BELTRÃO, 2001, p.75). Dessa maneira, a cada movimento
da história, Beltrão parava com sua “lupa sherloquiana” e ia averiguar como se davam os
processos comunicacionais em determinados momentos da história.
Saber como se comunicavam os indígenas, senhores da terra, mesmo antes
que aqui chegassem as velas lusitanas. E acompanhar, através dos séculos
83
do povoamento a evolução dos meios primitivos de contato social. Para
ver, afinal, os que tinham subsistido, resistindo às mudanças, inovações e
circunstâncias envolvendo-se embora noutras roupagens, disfarçando-se,
travestindo-se de tal modo que nós, os cronistas modernos, não os
identificamos e classificamos como tais, perdendo em argúcia para os
Thevet, Lery, Anchieta e Gabriel Soares de Souza nos idos dos I e II
séculos (BELTRÃO, 2001, p.75, grifo nosso).
Beltrão, através de uma pesquisa diacrônica, procurou averiguar os meios pelos quais se
comunicavam comunidades indígenas e a evolução desses veículos que subsistiram com o
passar do tempo, resistindo às inovações, como as antigas prensas artesanais, que ainda são
encontradas em lugares longínquos do nosso Brasil. A questão era averiguar como eram os
sistemas de comunicação e os meios utilizados para promover o desenvolvimento do Brasil
colônia.
Uma característica predominante surgia nos agentes-comunicadores
selecionados e nas modalidades que adotavam para a transmissão das suas
mensagens – a característica folclórica. Com muita precisão Pedro Calmon
havia apontado, na fase agitada da Regência, o inicio do divorcio entre as
classes sociais da pátria nascente: “fragmentava-se a Nação”. E
fragmentava-se exatamente quando entravam na liça os primeiros
periódicos, tornando-se logo, porta-vozes das elites dirigentes e cultas. Essa
fragmentação prosseguiria por toso o século IV e teria o seu ciclo
completado com a abolição da escravatura, que retiraria à influencia da
casa-grande a significativa população da senzala. Os negros forros iriam
engrossar a camada social dos alienados do pensamento e da cultura da
elite. E incorporariam vigorosamente ao patrimônio sócio-cultural da
favela, do mocambo e da tapera as suas tradicionais formas de expressão.
Que o sobrado, o palacete e a casa-de-fazenda não compreenderiam,
agravando-se a cada passo o abismo hoje constatado. (BELTRÃO, 2001, p.
77, grifo nosso).
Beltrão identifica já na época colonial a fragmentação da nação através do acesso aos
primeiros periódicos, em que somente a elite dirigente e culta tinha acesso aos saberes, às
inovações sociais e políticas da nação. Afirmando que “os negros forros” iriam aumentar essa
multidão de alienados à informação, pois pouquíssimos eram alfabetizados. Assim, resquícios
de mensagens que chegavam a eles, já interpretadas e com viés opinativo, era o material na
qual iria trabalhar o agente de folk para retransmitir a informação.
Achava-me de acordo com a tese de Edson Carneiro, segundo a qual “sob a
pressão da vida social, o povo atualiza, reinterpreta e readapta
constantemente os seus modos de sentir, pensar e agir em relação aos fatos
da sociedade e aos dados culturais do tempo”, fazendo-o através do folclore
que é dinâmico porque “não obstante partilhar, em boa porcentagem, da
tradição e caracteriza-se pela resistência à moda (...) é sempre, ao mesmo
84
tempo que uma acomodação, um comentário e uma reivindicação”
(BELTRÃO, 2001, p.78).
O ideal neomarxista de Edson Carneiro é extraída do materialismo dialético. O processo
de recomposição folclórica é um processo dialético descrito por Edson Carneiro e assimilado
por Beltrão. Porém, nesse processo de recomposição folclórica, há a atualização das
representações sociais. Mudam-se as representações sociais, mudam as práticas. Esse
processo se dá com as mudanças sociais e políticas de um povo. O povo manifesta suas
opiniões em relação ao governo, através do seu contra-discurso expresso através de elementos
representativos em suas práticas culturais.
A cada atitude do governo que “bata de frente” com a doxa, ou com o habitus, com o
modus vivendi, modus operandi; essa atitude, na visão do povo, vai refletir-se nas suas
representações simbólicas, expressas nas práticas culturais. Por exemplo, corre a informação
de uma atitude corrupta do governo. Essa informação fere a doxa, que está relacionada à
moral e a ética da sociedade. Por outro lado, a falta de políticas públicas que supram as
necessidades básicas do povo, o aproxima cada vez mais das religiões, pois quando não tem
mais para onde correr, o povo se apega com o sagrado. Quanto mais intensa a crise
econômica, mais aumenta a busca por milagres, ou seja, pela religião. Daí as maiores
manifestações populares estarem relacionadas à religiosidade popular.
1.6. Predição suicida
A folkcomunicação foi uma predição suicida realizada por Beltrão, a partir de seu olhar
de cientista social. Beltrão foi um pioneiro dos estudos comunicacionais no Brasil e buscava,
naquele momento, identificar os problemas comunicacionais pelos quais passava o país, com
o intuito de encontrar soluções, como um investigador que busca respostas para contribuir
com o bom funcionamento da sociedade. Porém, Beltrão acabou realizando uma predição
suicida. O que é uma predição suicida?
Não é um poder, por si mesmo, mas a medida de nossa fraqueza, talvez
exija todo nosso esforço para descobri-lo; no entanto, uma vez que o
tenhamos descoberto, te-lo-emos exorcizado, em certo sentido, ele não
alterará sua política em relação a um assunto já decidido, com a mera
intenção de confundir-nos ainda mais (WIENER apud EPSTEIN, s/d, p. 18,
grifo nosso).
85
O demônio agostiniano da descoberta, uma vez encontrado e exorcizado, torna-se
neutralizado. Porém, uma antítese do demônio agostiniano é o demônio maniqueu. Se, por um
lado, o conhecimento é poder - a partir do conhecimento podemos resolver problemas -
porém, esse conhecimento pode tornar-se manipulação, a partir do momento em que sabemos
como o objeto pode se comportar em determinadas circunstâncias. E assim, exercer o poder
diretamente, através de sua ação, sobre os indivíduos ou grupos sociais. Isto pode conduzir à
dominação e também possibilitar a emancipação através da autoconsciência.
O tremendo perigo que esses desconhecimento dos meios de
comunicação do povo representa para uma civilização, seja
desenvolvida ou em vias de desenvolvimento, foi bem fixado por Lancelot
Hogben, em seu estudo sobre a evolução da pintura ao indagar “se algumas
das civilizações do passado não sucumbiram à pressão exterior até que
perderam a sua capacidade de ulterior crescimento porque seus meios de
comunicação eram inadequados para obter o esforço da comunidade
para o desenvolvimento cultural” (BELTRÃO, 2001, p. 63, grifo nosso).
Assim, temos que a descoberta de Beltrão pode levar a dois caminhos: 1. O despertar de
líderes de opinião populares da eficiência e eficácia dos meios de expressão populares,
possibilitando um fortalecimento popular de articulação, tendo a noção do seu poder de
persuasão; 2. A conscientização do governo da possibilidade de manipular o povo, visto que
foi descoberto o demônio agostiniano; o problema foi descoberto e agora é necessário
exorcizá-lo e controlá-lo.
Num cumprimento da sua missão na sociedade – e até mesmo no seu
próprio interesse de sobrevivência e manutenção da posição de
liderança – esses grupos dirigentes precisam valer-se não somente dos
grandes meios de comunicação do seu patrimônio e dos comunicadores de
seu próprio ambiente como, ainda, dos lideres de opinião populares,
armados, por seu turno, de recursos e veículos que apenas eles possuem e
sabem manejar (BELTRÃO, 2001, p. 72, grifo nosso).
Beltrão adverte os grupos dirigentes a valer-se dos comunicadores, dos líderes e dos
veículos para a promoção da hegemonia das classes dirigentes e a preservação do status quo.
Conhecer os meios de expressão popular e decifrar seus códigos seria uma necessidade para a
promoção da integração e da paz social, considerando o contexto de ditaduta militar. Mas, se
pelo lado classe dominante há o perigo de conhecer e ter o poder de “conhecer para
manipular”, em contrapartida, se o objeto de estudo percebe que está sendo analisado e é
consciente das leis e regularidades, por exemplo, das práticas culturais, os atores sociais que
86
estão posicionados, podem alterar uma representação simbólica, uma informação, uma
característica especifica para que o código não seja decifrado. Enfatizamos que Beltrão tem
por objetivo a paz social e a integração nacional.
El trabajo culmina en una sintesis que lleva al autor a conclusiones del mayor
empeño: La unidad del Brasil ha de dejar de ser bifronte porque es urgente
incorporar a atrasada interlandia (sic) al progresivo litoral. Para ello es preciso
atender a la existencia del tipo especifico de comunicación que documenta en
su pesquisa y que, como subraya el dectorante (sic) de acuerdo con los
critérios de los expertos en “mass comunication” (sic), presenta un carater
periodístico, por lo qual se deduce que la “folkcomunicação” estudiada por el
ha de ser equiparada a los outros “media” de información de acontecimientos
y de expressión (sic) de ideas. Sin esta integración – dice – la Nación
brasileña no podra asegurarse el liderazgo que por las condiciones de su
desenvolvimento (sic) se debe augurar (BENEYTO apud BENJAMIN, 1998,
Anexo 1).
A importância da Folkcomunicação está em “desatar os nós” comunicacionais em nível
popular, vencendo o fenômeno da “incomunicação” e exercer sua função jornalística, que é
fazer circular a informação no espaço social. Folkcomunicação é comunicação para o
desenvolvimento, traduzindo “idéias” e a importância da implementação de determinados
projetos para o bem-estar social. Nessa perspectiva, o folclore e a cultura popular tem um
importante papel, pois detém o soft power (poder brando), além, de serem os principais
veículos de expressão das idéias e opiniões populares, porém, codificada em diversas
linguagens (escrita, oral, pictórica) e expressas por diferentes meios de expressão. O desafio
está em fazer fluir a informação, reafirmo, e promover a integração nacional.
Ao trabalhar constantemente em seus livros a importância da inteligibilidade da
mensagem, sendo um formador de intelectuais, Beltrão plantou uma semente contra ele
mesmo. Ao identificar os problemas comunicacionais pelos quais passava o Brasil, seus
alunos e estudantes de comunicação de todo país das gerações seguintes tiveram acesso ao seu
material, de cunho intelectual e didático. Beltrão escrevia para fazer-se entender aos seus
alunos. Assim, além de escrever identificando os problemas comunicacionais brasileiros,
Beltrão lecionava, produzia material didático, formava currículos de comunicação por todo
país, inclusive no foco político e ideológico do país, que é a capital da república brasileira,
Brasília e formava pensadores.
Que queremos dizer com essas palavras? Que o demônio na descrição de Wiener,
utilizado também por Epstein, foi exorcizado da comunicação brasileira. Beltrão identifica
dois problemas: o problema hegemônico que está relacionado à comunicação, advindo de uma
articulação popular que consegue impedir um golpe militar em 1960 (o que não acontece em
87
1964, ano em que se concretiza o golpe militar), e um problema social relacionado às altas
taxas de analfabetismo e o acesso aos meios de comunicação de massa, os quais, no entende
de Beltrão, entravavam o progresso brasileiro. Dessa forma, a comunicação que não atingia a
grande massa da população, numa mensagem que não era inteligível ao povo, Beltrão e seus
contemporâneos através de seus livros, docência e de seus discípulos, transformou a maneira
de “fazer jornalismo” no Brasil.
Hoje, a realidade é outra, fatores variáveis devem ser
considerados, principalmente os níveis de analfabetismo,
no Brasil, que na época de Beltrão batia na casa dos 70%
de analfabetos9. Atualmente, segundo informações da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD),
realizada em 2005, a região de maior índice de
analfabetismo do país é a Região Nordeste com 21,9%.10
Além disso, mudou o tratamento da informação. Na
época de Beltrão, os jornalistas eram formados em
Filosofia e Direito, numa linguagem rebuscada e intelectualizada. O jornalista passa a cada
década a ser um tradutor de mensagens do governo para o povo, comum jornalismo
interpretativo e especializado, no telejornalismo brasileiro, por exemplo. Aparecem os
jornalistas especialistas em economia, como Miriam Leitão, que vão traduzir ao povo quais as
implicações da subida de preço do barril de petróleo, para o bujão de gás utilizado pela dona
de casa. Politicamente, jornalistas especializados nessa área começam a interpretar ao povo as
implicações das decisões do Senado e do Congresso no cotidiano. A atuação popular se
fortalece também, com a atuação da Igreja Católica com as Comunidades Eclesiais de Base e
a sua participação ativa na política, como formadores da opinião popular.
Emergem jornalistas especializados e realizam um jornalismo cidadão, a partir,
justamente, das aulas, orientações e livros de Luiz Beltrão. Um de seus alunos, hoje, é
considerado um dos formadores de jornalistas brasileiros, através de seus livros e sua atuação
docente, José Marques de Melo. Assim, Luiz Beltrão e seus dedicados discípulos formaram
parte do pensamento comunicacional brasileiro, disseminando a importância de um
jornalismo opinativo e interpretativo, provocando uma ruptura no fazer jornalístico. E essa
mudança na formação repercutiu na prática jornalística, o que redundou numa predição
suicida.
9 Valor aproximado. Ver dados em Análise de conjuntura.
10 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, PNAD, 2005.
88
CAPÍTULO II
MATRIZES ANTROPOLÓGICAS E SOCIOLÓGICAS DA
FOLKCOMUNICAÇÃO
A Antropologia tem como seu objeto de estudo a humanidade, considerando o universo
e os seus fenômenos. Assim, a antropologia é a ciência da humanidade e da cultura, sendo
uma ciência social e comportamental “e mais, na sua relação com as artes e no empenho do
antropólogo de sentir e comunicar o modo de viver total de povos específicos” (HOEBEL &
FROST, 1995, p. 3). Etimologicamente, o termo antropologia remete-nos ao grego (antropos
+ logia) significando o estudo do homem, sendo uma disciplina humanística. Seus
pesquisadores estudam o ser humano social, independente do tempo (seu lugar na história) e
do espaço (localização de comunidades ou aldeias).
O antropólogo cultural estuda e compara o maior número possível de
sociedades humanas, primitivas e civilizadas, em todas as partes do mundo,
as características sociais e culturais comuns e únicas do comportamento da
humanidade. (...) Esta, por sua vez, tem muitas subdivisões, das quais as
mais notáveis são a arqueologia, a etnografia, a etnologia e a antropologia
social (HOEBEL & FROST, 1995, p. 5-7).
A Folkcomunicação trabalha interdisciplinariamente com a antropologia cultural, a
sociologia da cultura, a psicologia social, a história cultural, a comunicação e outras áreas do
conhecimento que o pesquisador julgue necessário para a análise do seu objeto de pesquisa.
Dessa maneira, será o objeto a ser investigado e as metas estabelecidas pelo pesquisador, que
definirão os caminhos a serem trilhados metodologicamente, porém é certo que no estudo do
universo simbólico do ser humano e das expressões de suas idéias e opiniões, presentes nas
suas manifestações folclóricas, práticas culturais e sociais, é necessário ao pesquisador o
trabalho interdisciplinar. Dessa maneira, enfatizamos que nos deteremos nos estudos
científicos a respeito do folclore e da cultura popular e suas interações simbólicas com os
meios de difusão, formais e informais, sendo esses os principais objetos de análise
folkcomunicacionais.
89
O termo folkcomunicação emerge do próprio objeto de estudo em Folkcomunicação,
que é a Comunicação Popular, relacionada ao folclore e a cultura popular. Conforme
Florestan Fernandes (1978, p. 38), o folclore é, enquanto um conhecimento científico, uma
das mais audaciosas aventuras do século XIX.
Ele nasceu de uma necessidade da filosofia positiva de Augusto Comte e do
evolucionismo inglês de Darwin e Herbert Spencer; e, também, de uma
necessidade histórica da burguesia. Pois, ele se propõe um problema
essencialmente prático: determinar o conhecimento peculiar ao povo,
através dos elementos materiais e não-materiais que constituíam a cultura.
Ou seja, o folclore propunha-se estudar os modos de ser, de pensar e de agir
peculiares ao “povo”, por meio de fatos de natureza ergológica, como
técnicas de trabalhar a roça, ou manipular materiais, de transporte ou de
esculpir objetos etc., e de natureza não material, como as lendas, as
superstições, as danças, as adivinhas, os provérbios etc.
No Brasil, um dos pioneiros a estudar o folclore de maneira científica foi Florestan
Fernandes, quando, em seus primeiros trabalhos, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), elaborou um conjunto de trabalhos
durante seu “primeiro período de formação” (1941-1953), quando buscava, naquela época, a
definição de sociologia, enquanto ciência compatível com a realidade brasileira, visto que seu
objeto de estudo para essa comprovação foi exatamente o folclore brasileiro, para a
elaboração da sociologia como ciência, no Brasil. Para essa pesquisa, Florestan propõe três
linhas complementares de análise: “1. as explicações sociológicas das manifestações
folclóricas; 2. as explicações sociológicas dos estudos folclóricos na sociedade moderna; 3. a
redefinição de folclore como método sociológico” (GARCIA, 2001, p.143).
1. Estudos Científicos do Folclore Brasileiro
Florestan Fernandes foi um dos primeiros intelectuais brasileiros a buscar fundamentar
suas teses sociológicas com base no Folclore Nacional. A intenção de Florestan era formar a
disciplina sociologia, com um marco teórico e conceptual autóctone.
A orientação científica se instaurou nos estudos folclóricos em São Paulo
por duas vias diferentes. De um lado, pela preocupação de estudar o paulista
antigo, por meio de evidencia das tradições orais. Semelhante preocupação
se revela originalmente na obra de Afonso de Freitas, na qual se combinam
intuitos históricos, sociológicos e folclóricos. De outro, pela influencia das
investigações folclóricas, realizadas em várias regiões do País, por Celso de
Magalhães, Sílvio Romero, João Ribeiro e tantos outros. As contribuições
de Edmundo Kreeg, de Alberto Faria e de Amadeu Amaral sofreram essa
90
influencia, antes estimuladora que formativa. Nelas prevalece a aspiração de
dar um cunho cientifico positivo à pesquisa folclórica, o que fez com que
aqueles autores se interessassem, sobretudo, pela formação de coleções pela
análise genético-comparativa (antes erudita, que sistemática, ou pelos
problemas teóricos e metodológicos do folclore) (FERNANDES, 1978, p
9).
A tentativa de se pesquisar o folclore em diferentes perspectivas, sincrônica e
diacrônicamente, colocava Florestan Fernandes frente-a-frente com seus contrários: os
folcloristas que viam na investigação científica uma ameaça à deturpação do folclore e os
intelectuais que não viam no folclore a possibilidade se ser estudado sob uma perspectiva
científica. Florestan Fernandes tornou-se referência dos estudos folclóricos de perspectiva
científica no país, além da formação da sociologia como disciplina científica no Brasil e com
a pesquisa empírica realizada em São Paulo.
A afirmação de Florestan Fernandes não nos deixa dúvidas frente à possibilidade do
folclore ser tomado, como já tem sido, por outras áreas das ciências sociais e aplicadas.
Vejamos o que ele diz, sendo um dos mais respeitados e importantes intelectuais brasileiros,
reconhecidos internacionalmente:
As transformações por que passaram os estudos folclóricos em São Paulo, são
facilmente compreensíveis. A idéia de converter o folclore e ciência positiva
autônoma trazia, consigo, limitações e dificuldades insuperáveis. Esta fora de
qualquer duvida que o folclore pode ser objeto de investigação cientifica.
Mas, conforme o aspecto do folclore que se considere cientificamente, a
investigação deverá desenvolver-se no campo da história, da lingüística, da
psicologia, da antropologia ou da sociologia. O Folclore, como ponto de vista
especial, só se justifica como disciplina humanística, na qual se poderão
aproveitar as investigações cientificas sobre o folclore ou técnicas e métodos
científicos de levantamento e ordenação dos materiais folclóricos. (...) o
folclore, como realidade objetiva, pode e deve ser investigado
cientificamente, porém esse estudo não pode ser unificado, pois cada ciência
social o analisa desde um prisma diferente (FERNANDES, 1978, p. 10, grifo
nosso).
Florestan Fernandes defende declaradamente o estudo científico do folclore, utilizando
inclusive pesquisas já realizadas por antropólogos, sociólogos e cientistas da linguagem.
Porém, por outro lado valoriza a importância da investigação interdisciplinar entre o folclore e
as ciências sociais, devido a importância dos estudos da significação social das formas de
produção criadoras. Assim, ele afirma ser de grande valor as contribuições específicas dos
folcloristas, que podem contribuir com a pesquisa dos cientistas sociais.
Já quanto ao campo de pesquisa, Florestan Fernandes vê de maneira muito positiva a
investigação de cientistas sociais e a contribuição de folcloristas para a compreensão da
91
significação dos conteúdos folclóricos. O que se deve considerar é o valor do conhecimento
do folclorista, que pode auxiliar na pesquisa científica, com seus conhecimentos, o cientista
social, que não deve pretender discernir o campo e as tarefas do folclore, como o fazem com
propriedade os folcloristas. Na realidade, o trabalho conjunto e interdisciplinar, pode trazer
valiosas contribuições à pesquisa cientifica no Brasil.
O folclore oferece um campo ideal de investigação para os cientistas
sociais. É que ele permite observar fenômenos que lançam enorme luz sobre
o comportamento humano, como a natureza dos valores culturais de uma
coletividade, as circunstancias ou condições em que eles se atualizam, a
importância deles na formação do horizonte cultural de seus portadores e na
criação ou na motivação de seus centros de interesse, a relação deles e das
situações sociais em que emergem com os sentimentos compartilhados
coletivamente, a sua significação como índices do tipo de integração, do
grau de estabilidade e do nível civilizatório do sistema sócio-cultural etc
(FERNANDES, 1978, p.31).
É conhecida a luta dos folcloristas para delimitar o campo de trabalho, como também, de
determinar a natureza do folclore, enquanto disciplina autônoma, visto a sua amplitude e a
necessidade de sistematização e explicação dos fatos folclóricos. Dessa maneira, a
delimitação dos estudos folclóricos deve privilegiar os fatos folclóricos, para a pesquisa
cientifica, o que não quer dizer que não possa ser pesquisado em outros âmbitos, onde as
relações podem ser inferidas e os processos comunicacionais percebidos de maneira mais
clara.
Para Câmara Cascudo (S/D, 9ª edição, p. 400-401), o Folclore “é a cultura do popular,
tornada normativa pela tradição. Compreende técnicas e processos utilitários que se valorizam
numa ampliação emocional, além do ângulo do funcionamento racional”. Dessa forma, o
processo comunicacional da tradição folclórica contribuiu para a disseminação da
mentalidade, móbil e plástica, sedimentando a cultura nacional e fazendo permanecer uma
manifestação, ou expressão popular, através dos anos.
En el folclore, la relación entre la obra de arte y su objetivación, o sea las así
llamadas variantes de la obra introducidas por las diversas personas que la recitan,
corresponde exactamente a la relación entre langue y parole. La obra del folclore
es extrapersonal como la langue, y vive de una vida puramente potencial no es
más que un conjunto de determinadas normas e impulsos, una trama de tradición
actual que los recitantes animan con sus aportaciones individuales, como hacen
los creadores de la parole respecto a la langue. En la medida en que esas
innovaciones individuales de la lengua (o del folclore) responden a las exigencias
de la comunidad y anticipan la evolución regular de la langue (o del folclore),
92
ellas son socializadas y se convierten en hechos de la langue (o elementos de la
obra folclórica) (CIRESE, 1997, p. 210-211).
Assim, como a língua é um fato social, conforme Saussure, o folclore é a concretização
das determinações de uma comunidade, em se falando de normas e convenções culturais em
termos sociais, ou seja, o fato folclórico é fruto da coletividade, da comunidade, assim como a
língua, que só é útil, para a socialização, se é inteligível a todos, da mesma maneira, acontece
com o folclore, que é fruto de uma realidade social.
Na realidade, Florestan Fernandes defende aqui a mesma idéia de Pierre Bourdieu
quanto às categorias antropológicas de habitus e o modus vivendi. Florestan Fernandes,
enquanto sociólogo, mostra a necessidade de se estudar o Folclore, na década de 1970,
quando os intelectuais brasileiros se voltam para o povo, com o objetivo de estudar o modo de
pensar popular e as suas conseqüências na definição dos dois brasis: elite intelectual e massa
popular. Era necessário se estudar o folclore, enquanto gênero, e o modo de compreender a
vida humana e os fenômenos a elas relacionados, principalmente os culturais, pelos
positivistas e evolucionistas. O termo folclore, porém, emerge como uma distinção à
civilização. O que não é próprio da civilização, do erudito, da elite, da classe dominante, é
folclórico. O folclore nasce então como uma distinção à cultura de elite (BOURDIEU, 1979).
O Dicionário do Folclore Brasileiro, de Câmara Cascudo, afirma que “o Folclore estuda
a solução popular na vida em sociedade” (S/D, 9ª edição, p. 401). Assim, o povo busca
soluções para o seu viver, por exemplo, na religiosidade popular, quando o homem não vê
mais saída nenhuma, Deus é o todo-poderoso, aquele que tem solução para tudo e, se acredita,
que as coisas assim acontecem “porque Deus quiz assim”. Na sabedoria popular, a tradição e
os costumes devem ser obedecidos e não questionados, fazem parte da doxa. Para Câmara
Cascudo, o Folclore é “a mentalidade, móbil e plástica, torna tradicional os dados recentes,
integrando-os na mecânica assimiladora do fato coletivo, como a imóvel enseada dá a ilusão
da permanência estática, embora renovada na dinâmica das águas vivas.” (CASCUDO, S/D,
9ª edição, p. 400).
O Folclore é o cultivo, a preservação das práticas populares, que se tornam tradicionais
pela sua importância para a comunidade. É preciso recordar do que passou e projetar o futuro.
Olhar para o passado, viver o presente de maneira mais “esperta”, crítica, para que o futuro
seja melhor. O folclore tem em sua essência a motivação e a esperança numa mudança social
para melhor, mas em beneficio de toda comunidade, todo o grupo. Câmara Cascudo nos traz a
origem do termo Folclore:
93
O conteúdo do Folclore ultrapassa o enunciado de 22 de agosto de 1846,
quando William John Thoms (1803-1885) criou o vocábulo. Nenhuma
disciplina de investigação humana imobilizou-se nos limites impostos,
quando do seu nascimento. Qualquer objeto se projete interesse humano,
além de sua finalidade imediata, material e lógica, é folclórico. Desde que o
laboratório químico, o transatlântico, o avião atômico, o parque industrial
determinem projeção cultural no plano popular, acima do seu programa
especifico de produção e destino normais, estão incluídos no folclore. “The
industrial folk-tales and songs are evidence enough that machinery does not
destroy folklore,” diz Botkin (CASCUDO, S/D, 9ª edição, p.401).
Assim, a evolução tecnológica não conseguiu, nem conseguirá destruir o folclore, pois
ele faz parte da essência do ser humano, na sua forma mais rudimentar e primitiva. No
folclore e na cultura popular o ser humano tem o seu lugar de pertença, seu habitus e modus
vivendi, sua maneira de ser e pensar mais essencial, enquanto pessoa. É uma questão de
identidade pessoal e social, além da consciência de quem sou e de que comunidade social
faço parte, que pertenço.
Em qualquer deles haverá uma cultura sagrada, hierárquica, veneranda,
reservada para a iniciação, e a cultura popular, aberta à transmissão oral e
coletiva, estórias e acessos às técnicas habituais do grupo, destinada à
manutenção dos usos e costumes no plano do convívio diário (CASCUDO,
S/D, 9ª edição, p. 401).
Então, a cultura popular, na realidade, preserva o folclore, na sua essência, cultivando os
hábitos e as representações simbólicas, o que torna os fenômenos folclóricos como
manifestações de resistência, preservados pela cultura popular resistindo ao tempo. A
evolução tecnológica proporciona, a partir da sensibilidade de alguns membros do grupo e
acesso aos mecanismos de poder, a difusão de manifestações folclóricas através dos meios de
comunicação, publicizando o fato folclórico e movimentando a indústria da criatividade e a
economia das pequenas cidades, fortalecendo os laços comunitários, através da solidariedade.
Para Câmara Cascudo, os problemas delimitadores do folclore são idênticos aos das
ciências sociais. “O folclore deve estudar todas as manifestações tradicionais na vida coletiva
(...)‟ e a „(...) solução popular na vida em sociedade‟, (...) onde estiver um homem aí viverá
uma fonte de criação e divulgação folclórica” (S/D, 9ª edição, p. 400-401, grifo nosso). O que
é de comum interesse a Folkcomunicação e a investigação das maneiras como o ser humano
individualmente, ou em grupo, em sua mais essencial e rudimentar maneira de viver se
comunica, se expressa, emite suas opiniões e se faz ouvir aos governantes, aos políticos, que
foram eleitos para administrar a máquina pública em beneficio da sociedade, convertendo as
94
verbas de impostos em melhorias para toda a população em suas necessidades básicas.
Interessa, porém, à Folkcomunicação saber a respeito desse “entendimento” entre os líderes
políticos, os projetos do governo e as necessidades do povo.
Florestan elabora uma sociologia do folclore brasileiro, mas isso à custa de discussões
intensas com folcloristas, que abordavam o tema de maneira simplista e não científica. O
esforço de Florestan vai no sentido da configuração de um campo especializado de estudos,
buscando a integração “do pensamento sociológico ao sistema sócio-cultural brasileiro e a
história das relações entre sociedade e ciência no Brasil moderno” (GARCIA, 2001, p. 143).
Florestan defende o folclore como um objeto específico de estudos, fazendo isso através
de uma crítica severa dos trabalhos de estudiosos da crítica tradicional e popular brasileira.
Dessa maneira, Florestan trava uma discussão intensa com os folcloristas, veiculada em seus
escritos para o jornal O Estado de S. Paulo. Nesses artigos, Florestan inicia um processo,
descrito por Cavalcanti & Vilhena (1990), como o início do “processo de marginalização do
folclore do campo de estudos acadêmicos de sociologia e antropologia no Brasil” (GARCIA,
1990, p 145-146).
Os folcloristas agrupam-se em uma das vertentes de estudos impulsionadas
pela valorização das tradições populares e da pesquisa histórica que marca o
cenário cultural paulista desde os anos 20. No decênio de 30, rumo à
institucionalização, em torno do Departamento de Cultura da cidade, dirigido
por Mário de Andrade entre 1935 e 1938. O auge do debate entre a sociologia
e o folclore, representados respectivamente por Florestan Fernandes e Edison
Carneiro, só vai ocorrer na segunda metade da década de 50, quando o
movimento folclórico atinge o auge no Brasil, institucionalizado na Comissão
Nacional do Folclore, do Ministério do Exterior, e na Campanha Brasileira de
Defesa do Folclore, do Ministério da Educação e Cultura (CAVALCANTI &
VILHENA apud GARCIA, 1990, p. 146).
Dos trabalhos mais importantes de Florestan Fernandes, nesse sentido, temos as
publicações Folclore e grupos infantis (1942); Educação e cultura infantil (1943); As
trocinhas do Bom Retiro, considerada por seus críticos como a obra de maior impacto nessa
temática. Florestan toma como ponto de partida os fatos folclóricos, como fatores de
associação, ou seja, no âmbito sociológico, o folclore promove a socialização em âmbito
infantil.
O folclore foi produto da vida social do passado (...), no presente, não é a
vida social dos grupos infantis que gera os elementos folclóricos, mas são
os elementos tradicionais que provocam e organizam a experiência social
das crianças no interior dos grupos de folguedos. Definem-se assim, os
aspectos socializadores do folclore através da diferenciação entre cultura
95
adulta e cultura infantil para, analisando o funcionamento desta última,
mostrar como ela atualiza para as crianças os mesmos padrões da cultura
adulta, reafirmando dessa maneira unidade dos valores e padrões de conduta
de uma sociedade (GARCIA, 1990, p.147).
Dessa maneira, entendemos que Florestan Fernandes aponta para o aspecto socializador
do folclore, e mais que isso, ele vê o folclore também como Bourdieu, como uma estrutura
estruturante, ou seja, ele provoca e organiza a experiência social e, poderíamos dizer, re-
adapta também, porque o folclore, assim, como a sociedade, é dinâmico e a sua dinamicidade
envolve-se com a sociedade num movimento dialético, em que a ideologia popular é expressa
através das práticas sociais e culturais.
A segunda dimensão de socialização do folclore, elaborada por Florestan Fernandes, é a
observação do funcionamento dos grupos, descrevendo os conflitos e a solidariedade entre as
crianças de um mesmo grupo e de diferentes traços brasileiros, estrangeiros e filhos de
estrangeiros, crianças pobres, ricas e de classe média. Ou seja, os grupos sociais se formam
através da identificação, dos valores e contexto social. E o folclore, nesse processo de
socialização consegue organizar essa realidade social, ou seja, é uma estrutura estruturante da
realidade social e organizadora, delimitando os que são ou não aceitos no grupo.
Citamos um exemplo, nesse sentido, exposto por Beltrão, descrevendo como acontecia o
processo de codificação e decodificação pelos índios do Brasil, que ele extrai de Sérgio
Buarque de Holanda.
Soube o nosso indígena, como depois o quilombola, ou o jagunço, ou o
cangaceiro e, ainda agora, o romeiro, o retirante ou o foragido, valer-se de
recursos diversos para “desenvolver ao máximo um poder invertido
orientado para o bem do grupo, como se deve esperar de homens para
quem o viver era antes e acima de tudo um conviver. Precisamente a
indústria com que sabia recorrer à comunicação indireta a fim de transmitir
advertências e notícias sempre que uma necessidade se apresentava serve
como prova de tal aptidão. É conhecido o exemplo do trocano ou tambor de
aviso... Pode-se lembrar, além desse, o processo de sinalização por meio
de fogueiras e rolos de fumaça, usado até hoje pelas nossas populações
rurais. Viajantes que percorreram os rios do Brasil Central atestam como,
para indicar que determinado local é abundante em determinada casta
de peixes, os índios usam às vezes o sistema de desenhar nas areias da
margem a figura desse peixe. Quem venha depois e esteja a par do processo
não correrá o risco de enganar-se. É só lançar o anzol” (HOLANDA, S.B.
apud BELTRÃO, 1980, p.11, grifo nosso).
Beltrão fala sobre grupos ou comunidades marginalizadas que utilizaram meios diversos
para desenvolver um “poder invertido”. Que poder invertido é esse, senão a luta por tomada
de posições no espaço social? É a luta pelo poder hegemônico, em fazer ouvir sua voz e suas
96
reivindicações, em prol do bem comum. Por outro lado, são lembrados os processos de
codificação de sinais emitidos pelos índios, cujo objetivo era a sobrevivência de tribos e
comunidades quilombolas, numa realidade vivida na época do Brasil colônia.
Se averiguarmos o discurso popular, veremos que este é um contra-discurso do discurso
hegemônico. Assim, o povo, por vezes, se utiliza do humor para rir da própria desgraça e
realiza seu contra-discurso de maneira satírica e crítica, para reivindicar seus direitos frente às
injustiças sociais e termina seu discurso dizendo sobre sua reivindicação, o que quer, um
futuro melhor. O povo olha para o passado, lamentando o sofrimento vivido, e procura viver
no presente com fé e esperança, lutando sempre, para que no futuro possa viver de maneira
digna. Ou seja, o folclore é uma estrutura estruturante da sociedade, sociologicamente
falando, e como tal exerce seu contra-discurso.
Para Florestan Fernandes, se considerarmos o desenvolvimento social, que é
dinâmico e gradual, a sociedade está, paulatinamente, em constante
transformação e de maneira evolutiva. Para explicarmos esse fenômeno,
dever-se-ia estudar a persistência de elementos sobreviventes desses
fenômenos na sociedade e que eram formas de condutas incompatíveis com
os valores característicos e dominantes num estado qualquer considerado –
o positivo, por exemplo, para Comte – estabelecido teoricamente
(FERNANDES, 1978, p. 40).
Esse se tornou o ponto de partida para os pesquisadores em folclore: “o progresso não se
processa uniformemente na sociedade, havendo por isso camadas da população que não
participam do desenvolvimento da mesma sociedade ou apenas o acompanham com
retardamento evidente” (FERNANDES, 1978, p. 40). Esta era uma inquietação de Luiz
Beltrão, que a grande massa da população estava alienada, como que ensurdecida à crise
vivida pelo país, alienada da realidade, do processo de desenvolvimento, como também das
metas desenvolvimentistas. Assim como Beltrão, Florestan Fernandes via que
os elementos culturais, que constituem o patrimônio cultural dos indivíduos
a elas pertencentes, não se sintonizam dinamicamente com a cultura tomada
como um sistema ou como um todo orgânico e por isso deixam de refletir
integralmente a evolução cultural da sociedade (FERNANDES, 1978, p.40).
Dessa maneira, a partir desse esquema evolucionista, Florestan Fernandes admite que os
primeiros folcloristas entendiam que “o folclore abrangia tudo o que culturalmente se
explicasse como apego ao passado”, assim todos os fatos não explicáveis pela ciência eram
explicados pelo folclore, reportando-se ao passado, “compreendendo todos os elementos que a
secularização da cultura substituía por outros novos (...), e ainda os elementos característicos
97
de estilos de vida considerados típicos, particulares a certos agrupamentos (...)”. Assim, o
folclore era não só o modo de pensar, mas o modo de ser no mundo, de existir, enquanto
indivíduo e enquanto comunidade, em se falando dos microcosmos sociais, mas que se
expande para toda a sociedade, pois através da língua e do folclore, pode-se conseguir a
aglutinação do povo. Ao pensar, porém, no folclore como objeto de estudo, para Florestan
Fernandes (1978, p. 40):
Em síntese, o objeto do folclore seria pode-se falar assim, dentro desse
esquema – o estudo dos elementos culturais praticamente ultrapassados: as
“sobrevivências”. Ou seja, como o definiu Sébillot: (3) “a ciência do saber
popular”, partindo da significação do próprio vocábulo (folk=povo;
lore=saber), tal como o propusera seu criador, William Thoms. (4) Essa é a
pista seguida por Saintyves na definição que apresentou mais tarde e que
logo se tornou clássica, principalmente entre os folcloristas latinos: “o
folclore é a ciência da cultura tradicional nos meios populares dos países
civilizados”. (5) Essa definição, entretanto, é um verdadeiro juízo de valor,
que no que se refere aos “meios populares”, como no que concerne aos
chamados “países civilizados” – e não poderia ser diferente, levando-se em
conta o que apontamos acima: havia um compromisso muito forte em
relação aos pontos de vista da filosofia do “pouco a pouco”, do século XIX.
Em 1878, na cidade de Londres, Inglaterra, foi fundada a Sociedade de Folclore,
formada por um grupo de tradicionalistas, mitólogos, arqueólogos, pré-historiadores,
etnógrafos, antropólogos, psicólogos e filósofos, e consideravam como objetos de estudos:
a. As narrativas tradicionais, como os contos populares, os mitos,
lendas e estórias de adultos ou de crianças, as baladas, “romandes” e
canções;
b.Os costumes tradicionais preservados e transmitidos oralmente de
uma geração à outra, os códigos sociais de orientação da conduta, as
celebrações cerimoniais populares;
c. Os sistemas populares de crenças e superstições ligados à vida e ao
trabalho, englobando, por exemplo, o saber da tecnologia rústica, da
magia e feitiçaria, das chamadas ciências populares;
d.Os sistemas e formas populares de linguagem, seus dialetos, ditos e
frases feitas, seus refrões e advinhas (BRANDÃO, 1983, p. 28-29).
Para Arthur Ramos, pioneiro dos estudos sistemáticos do folclore brasileiro, o folclore é
“uma divisão da Antropologia Cultural que estuda os aspectos da cultura de qualquer povo,
que dizem respeito à literatura tradicional: mitos, contos, fábulas, adivinhas, música e poesia,
provérbios, sabedoria tradicional e anônima” (apud BRANDÃO, 1983, p. 30).
98
Na interpretação de Florestan Fernandes, a cultura popular, enquanto cultivo, é a
produção de bens simbólicos produzidos por um povo e está inserida dentro de um contexto
maior que é o folclore. É interessante que para Florestan Fernandes, enquanto sociólogo, o
folclore é a cultura do inculto (em contraposição ao culto), ou seja, é um contra-discurso da
cultura popular à cultura de elite. Edison Carneiro, no entanto, já remete ao trabalho dos
primeiros antropólogos norte-americanos, que viam o folclore como um fenômeno social,
portanto sujeito às mudanças e transformações sociais e não como algo cristalizado e
imutável, mas vivo e dinâmico.
O objeto do folclore nada tem de morto, parado ou imutável. Os tratadistas
já o haviam reconhecido, mas de maneira formal, admitindo somente como
folclore as formas atuais de expressão popular – seja “o fato vivo, direto”,
de Van Gennep, seja o “bem popular” de Ismael Moyá. Quanto ao
funcionamento interno do folclore, as teorias dos empréstimos de Bentley e
das transferências de Varagnac, processos aquisitivo e desintegrativo, não
saíam da mecânica – eram os mesmos movimentos centrípeto e centrifugo
da matéria... A teoria mais recente, que concebe o folclore como um
“fenômeno social”, portanto sujeito aos processos comuns a esses
fenômenos, se deve a Boas e especialmente a Ruth Benedict. De acordo
com esta nova concepção, o fato folclórico se individualiza no processo da
sua incorporação à cultura local, processo que envolve a aceitação do
pormenor cultural próprio à região, e, por outro lado, se desintegra e se
recompõe ou recombina à medida que passa de uma a outra área, de um a
outro povo (CARNEIRO, 1965, p. 20).
Assim, a dinamicidade do folclore está relacionada à sua concepção enquanto um
fenômeno social e, dessa maneira, está relacionado aos processos de inculturação e
aculturação (já expressos como conceitos), em que resulta na recomposição folclórica com a
expressão da ideologia popular e seu jornalismo interpretativo e opinativo popular, que, por
vezes, emerge como um contra-discurso. Que na realidade é a linha de raciocínio de Edson
Carneiro, em A dinâmica do Folclore, quando defende a dinamicidade do folclore e a sua
atualização constante, através das transformações.
O processo mais constante, nas coisas do populário, é o da recomposição
folclórica. A diversão popular se recompõe ao infinito, e às vezes com
extrema rapidez. Basta comparar, por exemplo, as versões do bumba-meu-
boi11
devidas a Silvio Romero e a Ascenso Ferreira. Nem sempre a
11
O “bumba-meu-boi” é uma das mais tradicionais manifestações populares e culturais brasileiras. As suas
raízes estão no Ciclo do Gado, no século XVIII, e nas relações raciais marcadas pelas desigualdades entre
senhores dos engenhos e servos da senzala. Contado e recontado através dos tempos, na tradição oral nordestina,
e depois espalhada pelo Brasil, a lenda fundadora adquire contornos de sátira, comédia, tragédia e drama,
conforme o lugar em que se inscreve, mas sempre levando em consideração a estória de um homem e um boi, ou
seja, o contraste entre, por um lado, a fragilidade do homem e a força bruta do boi e, por outro lado, a
99
recomposição se dá por acréscimo, como neste caso, mas pela insistência
sobre um dos aspectos da diversão, como no maculelê e na pernada carioca,
ou ainda por uma nova criação, que só remotamente lembra o seu ponto de
partida, como o passo. O processo de recomposição é também, por sua vez,
dialético – entra em função em conseqüência de determinadas condições,
dando em resultado uma síntese dos contrários (CARNEIRO, 1965, p. 20).
O contra-discurso emerge de uma necessidade de resposta a um discurso dominante e de
repressão que dita normas e regras a uma sociedade. Edson Carneiro defende que
o folclore se projeta no futuro, como expressão das “aspirações e
expectativas populares” e da sede de justiça do povo. Vimos que o folclore
reflete as relações de produção em vigor na sociedade em que vivemos,
embora do ponto de vista dos setores da população que, não tendo acesso ao
Poder, se solidarizam com os desejos e interesses da classe operária. Vimos,
também, que o folclore, em virtude do processo dialético que o rege, se
caracteriza pela sua atualidade, pelo constante reajustamento dos seus temas
às realidades do dia. Ora, estes processos são essencialmente políticos, já
que envolvem uma concepção particular da sociedade no seu conjunto e, em
conseqüência, uma ação. O folclore, com efeito, se nutre dos desejos de
bem-estar econômico, social e político do povo e, por isso mesmo, constitui
uma revindicação social (CARNEIRO, 1965, p. 22).
Há uma grande reivindicação social na manifestação folclórica. É expressão critica do
povo. O folclore expressa a crítica popular como um contra-discurso ao poder hegemônico da
classe dominante, de cunho social, político e ideológico, e que remete ao futuro, a uma
transformação social e isso é algo essencial para o povo. É uma questão de luta pela
sobrevivência.
O povo utiliza formas antigas para se exprimir, não o faz apenas porque
essas formas tenham tido importância no passado – no passado que, para os
tratadistas, é o seu presente – mas porque tem importância para o seu futuro.
(...) Teatro e escola, as diversões populares suprem as deficiências da
educação oficial, desenvolvem a força de criação independente do povo,
dão nascimento a uma consciência popular – e disciplinam essa consciência
(CARNEIRO, 1965, p.23).
inteligência do homem e a estupidez do animal.Do ponto de vista teatral e estético, o folguedo deriva da tradição
portuguesa e espanhola, não só do ponto de vista do desfile como ainda na representação, reconstituindo
permanentemente a tradição encenarem peças religiosas de inspiração erudita, mas destinadas ao povo para
comemorar festas católicas nascidas na luta da Igreja contra o paganismo. Esse costume foi retomado no Brasil
pelos Jesuítas em sua obra de evangelização dos indígenas, negros e dos próprios portugueses aventureiros e
conquistadores no catolicismo, por meio da encenação de pequenas peças. Como dança dramática, o bumba-
meu-boi adquire através dos tempos, algumas características dos autos medievais, o que lhe dá o seu caráter de
veículo de comunicação. Simples, emocional, direto, linguagem oral, narrativa clara e uma ampla identificação
por parte do público, tomando semelhanças com a comédia satírica ou tragicomédia pela estrutura dramática dos
seus personagens alegóricos, os incidentes cômicos e contextuais, a gravidade dos conflitos e o desenlace quase
sempre alegre, que funciona como um processo catártico (SÁ MARQUES, on-line, 2009).
100
Aqui já aparece a dimensão educativa do folclore, também abordada por Luiz Beltrão.
Em que o folclore estimula a criatividade, a inteligência, a perspicácia, a critica com humor, a
interpretação de fatos para aguçar o senso crítico do povo.
Reivindica para si o que a sociedade lhe tem negado, em países como o
Brasil, ou lhe está tirando, em outros – o direito ao trabalho, à paz, à
liberdade civil, ao bem-estar econômico, à felicidade sobre a Terra.
Podemos dizer que, através do folclore, o povo se faz presente na sociedade,
se afirma no âmbito da superestrutura ideológica - e nela encontra a sua
tribuna (CARNEIRO, 1965, p. 23).
O folclore é, então, para Edson Carneiro a tribuna popular, onde o povo expressa sua
indignação com a sua realidade e critica os donos do poder, o governo, a elite, e faz ouvir sua
voz através da religiosidade popular, música, dança, teatro, enfim, de manifestações artísticas
populares, que lutam por mudanças de posição no espaço social, são reivindicações e
denuncias de injustiças sociais e luta por igualdade. É uma questão de luta por hegemonia e de
mudanças de posição no espaço social, é um sistema de lutas, o que Jorge González defende
como “frentes culturales”.
Para Jorge González (1994, p. 21), “cultura popular” nasce com uma dupla significação.
Primeiro, é necessário nos inteirarmos do conceito de cultura e depois de popular, para então
buscarmos uma conceituação do que se pode entender por “cultura popular”. Cuche 12
(2002)
elaborou uma importante obra sobre a gênese social do termo cultura e seu desenvolvimento
conceitual. Para refletirmos sobre a Cultura, é preciso pensarmos a humanidade como uma
unidade e, ao mesmo tempo, contemplar sua diversidade, ou seja, podemos falar da cultura de
vários povos, que formam a humanidade.
Conforme a Declaração Universal de Diversidade Cultural (UNESCO, 2002, p. 2), a
cultura,
(...) deve ser considerada como o conjunto dos traços distintivos espirituais
e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um
grupo social e que abrange, além das artes e das letras, os modos de vida, as
maneiras de viver juntos, os sistemas de valores, as tradições e as
crenças[2], Constatando que a cultura se encontra no centro dos debates
contemporâneos sobre a identidade, a coesão social e o desenvolvimento de
uma economia fundada no saber (...).
12
Denys Cuche, doutor em Etnologia pela Sorbonne, sob a orientação de Roger Bastide (1976), atualmente
professor da Universidade de Paris V, escreveu um interessante livro para o estudo da cultura: A noção de
cultura nas ciências sociais “La notion de culture dans les sciences sociales”, tradução de Viviane Ribeiro,
2002.
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