Download - A Escrita Rizomática No Espaço Biográfico de Dina Sfat

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1 A ESCRITA RIZOMTICA NO ESPAO BIOGRFICO DEDI NA SFAT: PALMAS PRA QUE TE QUERO Fabiana Patrcia Lima PINTO Universidade Federal de So Joo del-Rei [email protected] Resumo: Atualmente, h um crescente interesse acerca das biografias, autobiografias, dirios, as chamadas escritas de si. Durante a modernidade, e como efeito do individualismo proposto pela revoluo industrial e pela burguesia, as escritas de si comearam a ganhar espao tanto naesferaparticularquantonapblica.Noentanto,acontemporaneidadeeasideias desconstrutivistasdofinaldosculoXXincentivaramaconstruodessasescritasdeuma formadiferentedaquelaaqueseestavaacostumado,fazendo-asfugirderegrasfixas,e tornando-asmaisabertasheterogeneidadeehibridez.Aintenodestetrabalhoade pesquisar sobre as questes que rodeiam as escritas de si como forma de arquivamento do eu naobraDinaSfat:palmaspraquetequero,privilegiandoocampodoespaobiogrfico desenvolvidoporLeonorArfuch. Acrescenta-seainda,aanlisedaescritarizomticano objeto,tendocomofundamentooconceitoderizomadesenvolvidoporDeleuzeeGuattari. Dina Sfat: palmas pra que te quero uma escrita de si construda por Dina Sfat em parceria comMaraCaballero,textoemqueseencontramumadiversidadedegnerostextuais,alm de ser uma escrita de si multi-autoral, heterognea e fragmentada, podendo ser nomeada como um corpo sem rgos. Palavras-chave: escritas de si, espao biogrfico, escrita rizomtica. 1. Introduo quasecerto,queentreasltimasleiturasmaisdignasdenota,queconfiamoso nossotempoestnomnimoumatipologiadasescritasdesi,cartas,biografias, autobiografias,dirios,ouatmesmoumaautofico.Estecrescenteinteressepela publicaodealgoqueatmuitotempoficourestritoaoespaoprivadotambmnotvel pelosconstanteslanamentosdebiografiasdeartistas,escritores,assimcomoestudos acadmicosacercadecartas,diriosdenomesconhecidosdaliteratura,histria,ouque possuemalgumaformadeatuaonasociedadeemqueviveram.Dessaforma,observa-se uma avalanche crescente de arquivamentos do eu. EmArquivaraprpriavida,PhilippeArtiresconstataquenosarquivamospara cumprir uma imposio social, uma obrigao, para assim sermos vistos como normais, pois o anormalosem-papis.(ARTIRES,1998,p.11).Portanto,diariamentee inconscientemente,nosarquivamosatravsdenotas,cartas,bilhetes,dirios,depoimentos, entrevistas. Com o passar do tempo, instituram-se regras sobre o modo e o lugar onde essas formasdearquivamentoselegitimariam.Porexemplo,conformePhilippeLejeune(2008), umestudiosoacercadateorizaodaautobiografiaedeoutrasescritasdesi,uma autobiografiapressupequehajaidentidadedenomeentreautor,narradoreapessoade Anais do SILEL. Volume 2, Nmero 2. Uberlndia: EDUFU, 2011.2 quemsefala(p.24),eoquedefineaautobiografiaparaqueml,antesdetudo,um contratodeidentidadequeseladopelonomeprprio.(p.33).Sobreoefeitodessas determinaes, a autobiografia aquela escrita de si que exige que o biografado (pessoa que esttendoavidacontadanabiografia)sejaoprprioautor,equeestafazerum levantamento sobre a sua prpria existncia, sendo destemodo, nico responsvel pelo livro (p.28).Noentanto,nopresentecontexto,algumastransformaessignificativasso percebidas, o que gera uma evaso quanto essas regras de enquadramento conceitual. Primeiramente,observa-seumamudanadoespaodearquivamento,esse deslocamento do lugar natural da privacidade para o universo pblico tem vrias razes: a buscadeummarketingpessoal(casodebiografiasdecelebridades),deliberdade/libertao (casodedirioscomodeespaoparaoauto-exameeautocontrole),deaprendizado(atravs dastrocasdecartasentreescritores,amigos,parentes),deensinamento(casode autobiografias histricas), ou at mesmo, de uma mera especulao sobre a vida alheia. Dessa forma,asescritasdesisofreramslidastransformaessobreasuafunoeformatao duranteotempo,fugindodasregrasformais,queatentoeramnecessriasquefossem seguidasafimdeseenquadraremumanomenclaturadefinida.Porexemplo,noperodo moderno, com o desenvolvimento do individualismo embasado nas idias renascentistas e na construodeumasubjetividade,ohomempassouasevercomoumsujeitoautnomo, racional,dandoassim,valorizaosescritasdesi.permitida,nestemomento,a introspeco-abuscapelainterioridade-oquelevouaumaprticaconstantede autorreflexo sobre a experincia particular de cada um na forma de escrita. No entanto, a contemporaneidade e as ideias desconstrutivistas do final do sculo XX incentivaramaconstruodessasescritasdeumaformadiferentedaquelaaqueseestava acostumado,noasobrigandoaseguirregrasfixas,dando-asaoportunidadedeabertura heterogeneidade e hibridez. Com isso, uma das caractersticas constatadas a dificuldade de conceituao, visto que as ideias desconstrutivistas rejeitam o enquadramento institudo pelas regras logocntricas e etnocntricas do crculo europeu. Portanto, verifica-se a crescente ateno no somente s caractersticas definidoras de umatipologiadeescrita,massimdolocalemqueasvriasformassearticulamese modificam,criandoumambientenovoecaracterstico:oespaobiogrfico.nesseespao que convivem tanto as formas cannicas quanto as mltiplas maneiras de se expor e arquivar o eu na contemporaneidade. 2. O espao biogrfico em Dina Sfat: palmas pra que te quero PhilippeLejeune(2008)umdosprimeiropesquisadoresqueutilizaanomenclatura espao biogrfico.O uso que o autor faz dessa expresso vem atravs da conscientizao da dificuldadeemcertificaracoincidnciaentreasidentidadesdoautor,donarradoredo personagem.Assim,Lejeunepropeaideiadepacto(contrato)autobiogrfico,queacolhe tambm o leitor como partcipe da conceituao. Destemodo,oquepassaavaleraposturaqueoleitorirdesempenharfrenteao pacto,nessenvelglobalquesedefineautobiografia:tantoummododeleituraquanto umtipodeescrita,umefeitocontratualhistoricamentevivel.(LEJEUNE,2008,p.46). Para entender esse efeito, o autor esclarece: Esse efeito de relevo obtido por esse processo a criaoparaoleitor,deumespaobiogrfico.(2008,p.43).Assim,oleitorpassaatera responsabilidade de selar (ou no) o contrato de crena da veracidade entre as trs pessoas. Seguindo as discusses acerca das questes trazidas pelas escritas de si, contudo sobre um diferentefoco est aestudiosa argentinaLeonor Arfuch. A autora deEspao biogrfico: dilemasdasubjetividadecontemporneapropeumdiferenteolharsobreasescritasdesi: no conceitual e nem essencialmente identitrio( totalizante), mas atravs de uma construo Anais do SILEL. Volume 2, Nmero 2. Uberlndia: EDUFU, 2011.3 dialgicadevriasediferentesvozes,almdeobservarasescritasdesicomoabertase incompletas, privilegiando o espao articulador. por entre a incerteza da verdade dos fatos, trazida pela trade formao identitria de Lejeune, que Arfuch (2010) se apropria do termo lejeuniano e extrapola-o para alm de suas fronteiras, transformando-o em um espao, onde h confluncia de mltiplas formas, gneros e horizontes de expectativas (p.58). Dessa forma, o espao biogrfico se tornar um ambiente combinador,ondeseprivilegiaaheterogeneidade,permiteaconsideraodas especificidadesrespectivassemperderdevistasuadimensorelacional(p.59),almde evitaranoounificadoradeunidade.Assimsendo,oespaobiogrficoadquiremaior valorizao,almdeservistocomoummovimento,oumelhor,umamaneiradeabordaro fenmeno biogrfico - em termos qualitativamente diferentes. (p.65). Um dos suportes utilizados por Arfuch (2010) para fundamentar toda a anlise sobre o espaobiogrficoodialogismodeBakthin.Esseconceitoconfereprefernciaao enunciador,poisseacreditaqueestejdeterminadoporoutrasvozesnaturalmente (destinatrioimaginrio/previsvel,tradies,etc.),nopodendofalarparasis.Esse pensamentodeBakhtinaprofundadoatoconceitodeexotopia:ano-coincidnciaentre criador e criatura, ou seja, entre autor/narrador e personagem, mesmo em uma autobiografia. Conforme as palavras do autor: (...) a coincidncia entre o heri e o autor umacontradictio in adjecto, na medidaemqueoautorparteintegrantedotodoartsticoecomotalno poderia,dentrodessetodo,coincidircomoheriquetambmparte integrante dele.A coincidnciadepessoasna vida, entreapessoadeque se fala e a pessoa que fala, no elimina a distino existente dentro do todo artstico; e, de fato, pode-se formular a pergunta: como me represento a mim mesmo?Perguntaestaquesedistinguirdestaoutra:quemsou,noque particulariza o autor em sua relao com o heri. (BAKHTIN, 1997, p.166) Atravs dessa reflexo, percebe-se a existncia de uma diferena entre quem escrevee sobre quem se escreve, o que leva o autor para alm, ou melhor, frente do personagem/narrador, j que aquele ( o outro) o nico capaz de dar o devido acabamento sobre o personagem. por entre esse acabamento que se instala a ideia de alteridade entre tais pessoas: Oautor,claro,comoumelementoconstitutivodaobradearte,jamais coincidecomoheri:elessodois,sementrartodavianumarelaode oposio, j que o contexto de seus respectivos valores da mesma natureza; o portador da unidade da vida - o heri -, e o portador da unidade da forma - oautor-pertencemambosaummesmomundodevalores.(...)Ambos,o herieoautor, soosoutros,epertencemaummesmomundodevalores dos outros que serve de norma. (BAKHTIN, 1997, p. 179). Ao se utilizar desses conceitos de Bakthin, que do ideia de articulao e hibridizao, Arfuch (2010) privilegia no o contedo substancial da escrita de si, no a verdade factual, aquepodeserverificada,massimasformasestratgicasutilizadasparaconstruiruma narrativa de si. porentreasestratgiasdearquivamentodoeuqueanalisamosoespaobiogrfico de Dina Sfat: palmas pra que te quero. Obra construda em parceria entre a atriz Dina Sfat e a jornalista Mara Caballero como um objeto reativo contra a descoberta de um cncer de mama.Como exemplo de uma obra ps-moderna, que evita o enquadramento em conceitos, a obracolecionaemseuespaoumavastadiversidadedegnerostextuais,partindodos momentos biografados por Mara sobre Dina (entrevistas), de Dina sobre si mesma (dirio), de curtosrelatosprpriosdeMara(escritabiogrfica),cartasremetidasedestinadasaDina,Anais do SILEL. Volume 2, Nmero 2. Uberlndia: EDUFU, 2011.4 depoimentosenotassobreela,almdefotosepsteresdepeas.porentreesseespao diversificadodevozes,deautores,depersonagens,quesearquivamvriasDinasem momentosdiferentes,porarquivistasdiferentes,equeposteriormentesofremum deslocamentodoseuprimeirolugar,paraformarumarquivopblicoemmultiplicidades.A estratgia utilizada pelas autoras parecida com a descrio utilizada por talo Calvino sobre a escrita do mundo no final do sculo XX: Quanto ao nosso mundo cotidiano, parece estar escrito mais num mosaico de lnguas, como uma parede coberta de grafites, cheia de rabiscos sobrepostos, comoumpalimpsestocujopergaminhofoiraspadoereescrito,como colagem de Schwitter, uma combinao de alfabetos, citaes heterogneas, grias e impresses de computadores. (CALVINO, 1998, p.145).

Em Dina Sfat: palmas pra que te quero h a materializao da impossibilidade que se disfaranasclssicastipologiasdeescritadesi,aincapacidadedecontaravidacomoela ocorreu, como uma forma constante de associao de fatos subsequentes e sujeitos coerentes. Dina Sfat: palmas pra que te quero a imagem da fragmentao do sujeito, da sua constante relao e articulao com seus e com outros fragmentos, a fim de construir subjetividades, j que no somos nicos,mas mltiplos e fragmentados. Dessa forma,Sfat define a motivao pela escrita do dirio: O desejo de escrever acabou vindo hoje de forma mais sria. Como um compromisso de ir guardando os meus pedaos para um dia junt-los e perceber o todo quesou.(CABALLERO;SFAT,1988,p.52)Naobra,asautoras(ambasassinamolivro, cabendo a Sfat a dedicao e a Mara os agradecimentos) no se preocupam nem se prendem ilusobiogrficadacronologiaedaunidade,pelocontrrio,doespaodesordem. ParecematseguiraregraqueRolandBarthes(2003)sugereemsuaescritadesiporquea incoerncia prefervel ordem que deforma (p.108).Para Barthes (2003) o que torna a vida inteligvel no o seu todo, nem a durao, mas sim os seus fragmentos, e estes valem por si s e no se ajustam a uma ordem, a uma genealogia. Outra caracterstica presente na obra de Sfat e Caballero o dilogo. Embora saibamos do carter constitutivo da linguagem - o dialogismo bakhtiniano-, o dilogo que se apresenta entrecadaautoraeoleitor,mesmoquesepercebamrastrosdeumaentrevista(sinaisde travesso), em nenhum momento fica sugerido que h um dilogo explcito entre elas.Inicialmente,otextoseconstricomoumaentrevista,masumaentrevistadiferente. Neste espao, no h perguntas e respostas, Caballero no pergunta nada para Sfat, nem muito menos Sfat responde para Caballero, no entanto, ambas falam, narram fatos e histrias de uma forma articulada para o leitor. Este , assim, um partcipe da obra, tem toda a sua importncia, ,naverdade,osuplemento1daobra,oexcesso,acarncia,oqueestdeforaeaomesmo tempo,dedentro.Assim,oleitor(eoseuprocessodeleitura)vivepelahesitaode interpretaes,buscandoeadicionandoobservaesespecficas,queforamcriadaspelo prprio processo de leitura, pelo leitor e pelo espao biogrfico utilizado.Nota-seaimportncianoespaobiogrficodeDinaSfat:palmaspraquetequero, pois atravs dessa coleo de gneros distintos, de heterogeneidades, de hibridizaes que ocorretambmasuplementaointerpretativa,levandooleitoraencontrarasvriasDinas porentreasmultiplicidadesdegnerostextuais.porentreaarticulaonoespao biogrficocriadopelasautorasquepodemosperceberafragmentao,amovimentaoea multiplicidadedosujeito,quesodesprezadas,muitasvezes,pelasregrasconceituais institudas na modernidade, j que se preocupavam com a busca de uma essncia.

1OconceitodesuplementoaquientendidoodesenvolvidoporJacquesDerrida.ConformeoGlossriode Derrida,suplementoumaadio,umsignificantedisponvelqueseacrescentaparasubstituiresupriruma falta do lado do significado e fornecer o excesso de que preciso. (SANTIAGO, 1976, p.88). Anais do SILEL. Volume 2, Nmero 2. Uberlndia: EDUFU, 2011.5 3. Dina Sfat: palmas pra que te quero como um rizoma

Dentrodaperspectivadasmultiplicidades,deextremarelevnciamencionaro conceitoderizomadesenvolvidoporGillesDeleuzeeFlixGuattari.EmMilPlats- Capitalismo e esquizofrenia, Deleuze e Guattari constroem o conceito de multiplicidades, que vaialmdobinarismounoxmltiplo,noseapoiandonemnaideiadonaturalenemdo transcendente.Noprefcioparaaedioitaliana,osautoresesclarecemqueas multiplicidadessoaprpriarealidade,enosupemnenhumaunidade,noentramem nenhumatotalidadeetampoucoremetemaumsujeito.(DELEUZE;GUATTARI,2009a,p. 8).ApropostadeDeleuzeeGuattari(2009a)sobreolivroficaexplcitanaintroduodo volumeumdaediobrasileira.Ambosacolhemolivrocomoumorganismoaberto, articulador,ouseja,umagenciamentodeexterioridades,eassimelesdeclaram:Numlivro, comoemqualqueroutracoisa,hlinhasdearticulaoousegmentaridade,estratos, territorialidades,mastambmlinhasdefuga,movimentosdedesterritorializaoe desestratificao.(p.11).EmaisadianteconcluemUmlivroexisteapenaspeloenofora (p.12).Ao reverenciar o fora, Deleuze e Guattari (2009a) elaboram a ideia do livro como um sistemaabertodeagenciamentos,deinfinitaspossibilidadesdeinterpretao-atravsde penetraes,fugasetc.-,ouseja,naimagemdorizoma.Comoefeitodessavalorizao,o leitor ganha novamente destaque como partcipe da obra. As multiplicidades permanecem sempre constantes no ato literrio (escrita e leitura), desde a produo at a interpretao. No livro, Deleuze e Guattari (2009a) fazem um trabalho emparceria,emmultiplicidades:Comocadaumdenseravrios,jeramuitagente. Utilizamos tudo o que nos aproximava, o mais prximo e o mais distante. (p.11). No entanto, mesmosenofosseumaproduoemcolaborao,jseriamltiplo,poisdeacordocoma ideia desenvolvida por eles, ningum uno, completo, fechado, mas sim vrios.Alm disso, aproduofinal,nuncaacabada,elafeitaparaofora,esomenteestedevedaro acabamento que lhe convm, ou seja, o leitor, que tambm carrega a ideia das multiplicidades.Interessante notar que o mesmo acontece em Dina Sfat: palmas pra que te quero, construda emcolaborao,totalmenteabertaeconstitudadelinhasdefuga,oquepossibilitaqueo prprio leitor construa o seu livro no seu processo de leitura. Aescritarizomticadetermina-seseguindoalgunsprincpios,etodosestesso encontradosnaobradeSfateCaballero.Osdoisprimeirossoaconectividade-qualquer pontodeumrizomapodeserconectadoaqualqueroutroedeves-lo(DELEUZE; GUATTARI,2009a,p.15)-eaheterogeneidade.Assimseapresentaolivroanalisado,uma escritacompostadegnerostextuaisheterogneos(cartas,fotografias,partesdedirios, comentriosemrevistasejornais,dentreoutras),queseconectamemmomentosdistintos, no seguindo uma regularidade, ou uma separao por gneros textuais, chegando a ser uma desordemaosolharesorganizadosdamodernidade.Porexemplo:dirioscortadospor fotografiasepsterdepea(CABALLERO;SFAT,1988,p.80-89),fragmentosde entrevistas de Dina Sfat e Paulo Jos entre a escrita de Caballero e os discursos de Dina Sfat, (CABALLERO;SFAT,1988,p.153-159),bilhetescoladosempartesdodirio (CABALLERO; SFAT, 1988, p. 90-91), dentre outras conexes diversas. Amultiplicidade,oterceiroprincpiopostuladoporDeleuzeeGuattari(2009a) definidocomoUmamultiplicidadenotemnemsujeitonemobjeto,massomente determinaes,grandezas,dimenses(p.16).OmesmoseencontranaobradeSfate Caballero,jqueavastadiversidadedegnerostextuaisfazcomqueseexcluaqualquer tentativa de unificao do sujeito Dina Sfate doobjetoDina Sfat: palmas pra que te quero. Anais do SILEL. Volume 2, Nmero 2. Uberlndia: EDUFU, 2011.6 Almdisso,nohnenhumatentativadehierarquizaodeumatipologiatextualsobrea outra, pois a multiplicidade se constri a partir do fora, e no na construo da obra em si. O quarto princpio denominado pelos autores como ruptura a-significante, ou seja, Umrizomapodeserrompido,quebradoemumlugarqualquer,etambm retomasegundoumaououtradesuaslinhasesegundooutraslinhas.(...) Todorizomacompreendelinhasdesegmentaridadesegundoasquaisele estratificado,territorializado,organizado,significado,atribudo,etc.;mas compreendetambmlinhasdedesterritorializaopelasquaiselefogesem parar. (DELEUZE; GUATTARI, 2009a, p.18). O prprio livro Mil Plats construdo dessa maneira, a leitura pode ser iniciada por qualquer captulodequalquervolume.Inexisteumaobrigaosequencialasercumpridacoma finalidade de atingir uma unidade compreensiva final.Assim tambm o livro em questo, a construo rizomtica permite que o leitor escolha um captulo qualquer da obra e faa a sua leitura,equeassimcontinue,nooobrigandoaestabelecerumaaodeterminadae ordenada,poisaprpriaescritadesideSfatcomacolaboraodeCaballero antigenealgica, fugindo sempre da imagem una da rvore.DeleuzeeGuattari(2009a)concluempostulandoosdoisltimosprincpios: cartografia e decalcomia. De acordo com os autores, um rizoma no deve seguir um padro de estruturanemdeproduo.(p.21).Comisso,nosedevefazerumdecalque,oumelhor, reproduzirtalequalummodelo,massimfazerummapa(p.22),poisomapaconstrudo conformeaspossibilidadesenecessidades,almdeserabertoeconstrudo,desconstrudoe reconstrudo, nunca objetivando um construto final igual aos demais. Caballero e Sfat (1988) tambm conseguem essa originalidade, pois fogem do modelo tradicional das escritas de si, a biografiaouautobiografiaclssicas,dispondodeformanomodelardiversosfragmentos distintosdeDinaSfat,depoimentosdepersonalidades,recortesvariados.Tudoissofeito com intuito de no totalizao e unificao de uma nica imagem representativa de Dina Sfat, mas sim de vrias Dinas.Outracaractersticarizomticapresentenolivroocompromissosomentecomo meio, um rizoma no comea nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser,intermezzo(DELEUZE;GUATTARI,2009a,p.37).Asautorasnose comprometeramemcriaremodelaroselementosdaorigemedefinalidade,pelocontrrio, quandodestacamagnese,fazemdeformaquenovalorizeaimagemdeDinaSfat,mas atravsdeumpasseiopelosantepassadoseirmos,semprevalorizandoasmultiplicidadese no a uma imagem de Dina Sfat. inegvel,dessaforma,apresenadaescritarizomticanaobraanalisada,uma escritaquesedeterminapelaanulaodopensamentounvocoemodelar,atravsdeum mapeamentoexperimentalemtornodevariedadestextuais,contribuindo paraumaexpanso das multiplicidades das Dinas. por entre as multiplicidades de possibilidades que associamos Dina Sfat: palmas pra quetequerocomocorposemrgos(CsO)deDeleuzeeGuattari.Emboraessa denominao de CsO no tenha partido dos autores (mas so eles que transformam o conceito em prtica), e sim do poeta e dramaturgo francs Antonin Artaud ao declarar: sequiserem,podemmeter-menumacamisadeforamasnoexistecoisa mais intil que um rgo. Quando tiverem conseguido um corpo sem rgos entooterolibertadodosseusautomatismosedevolvidosuaverdadeira liberdade. (ARTAUD, 1983, p.161). DeleuzeeGuattari(2009b)estabelecemanecessidadedecriarcorpossemrgos, corposquesesoltemdasregrasmoldadaseforadasinstitucionalmente,bemcomousufruir Anais do SILEL. Volume 2, Nmero 2. Uberlndia: EDUFU, 2011.7 depossibilidadesdiferentes.assimqueseascendeaideiadebagunarosrgos,de destruir os limites e as regras j solidificadas, transformando o corpo em um anarquista, pois segundo Deleuze e Guattari (2009b)o CsO no se ope aos rgos, mas, com seus rgos verdadeiros que devem ser compostos e colocados, ele se ope ao organismo, organizao orgnica dos rgos. (p. 21). Assim tambm foi construda a obra em destaque, um trabalho que se desvinculou das amarras do logocentrismo ditatorial da modernidade, e se estabeleceu comoumacoleoabertamultiplicidades,parcerias,sdesterritorializaese reterritorializaes, assim comoum CsO: Eisentooqueserianecessriofazer:instalar-sesobreumestrato, experimentarasoportunidadesqueelenosoferece,buscaraumlugar favorvel,eventuaismovimentosdedesterritorializao,linhasdefuga possveis,vivenci-las,asseguraraquiealiconjunesdefluxos, experimentarsegmentoporsegmentodoscontnuosdeintensidades,ter sempreumpequenopedaodeumanovaterra.(DELEUZE;GUATARRI, 2009b, p.24). 4. Consideraes Finais OquepodemosdepreenderdaanlisedeDinaSfat:palmaspraquetequeroa relevnciaemanalisaroespaodeconstruodassubjetividades,apoiando-senasvrias formas, na articulao entre elas, cedendo ao leitor uma tarefa importante no ato literrio, o de suplemento.Issoconcretizadoconformeoentendimentodaobracomoumobjetoaberto, incompleto e feito para o fora. interessanteobservarqueaarticulaoentreosfragmentosdiversosnoespao biogrfico permite a montagem das vrias subjetividades de Dina Sfat, alm de se esquivar do esteretipodeunidadequeasformasclssicasestoacostumadasaconstruir.Atravsdessa fragmentaoexemplifica-seaimpossibilidadedeunificaodeumavida,bemcomoa conscientizao das multiplicidades de cada um, consigo mesmo e em articulao com outro. Assimaescritadesiseconcretizanafiguradeumrizoma,poiscomoafirmaPhilippe Lejeune:Somossemprevriosquandoescrevemos,mesmosozinhos,mesmonossaprpria vida. (LEJEUNE, 2008, p. 118). 5. 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