A Arte na InfânciaFases de desenvolvimento do Desenho
“Quando a criança pinta, o mundo encolhe-se até às dimensões de uma folha de
papel, a folha torna-se o mundo. Não é mais uma superfície branca, mas sim um
écran onde se desenrola uma aventura.” (Stern, 1974, p. 59)
Ao longo de várias décadas muitas foram as tentativas de perceber o
desenho infantil, diversos autores escreveram e abordaram o tema de forma a
interpretar o desenho dividindo-o em fases que para a maior parte dos autores se
evidenciam nos primeiros anos de vida e que são definidas pelo estádio do
desenvolvimento infantil em que a criança se encontra.
“O desenho é uma das manifestações semióticas, isto é, uma das formas
através das quais a função de atribuição da significação se expressa e se constrói.
Desenvolve-se concomitantemente às outras manifestações, entre as quais o
brinquedo e a linguagem verbal (Piaget, 1973).
Tendo em conta que o desenho evolui através do desenvolvimento cognitivo e motor da criança, Piaget (1973) define 5 fases da evolução do desenho Infantil:
Garatuja/ fase sensório motora ( 0 a 2 anos) e parte da fase pré-operacional (2 a 7 anos). A criança demonstra extremo prazer nesta fase. A figura humana é inexistente ou pode aparecer da maneira imaginária. Não existindo interesse pela representação. Divide-se em:
• Desordenada: movimentos amplos e desordenados. Com relação a expressão, vemos a imitação "eu imito, porém não represento". Ainda é um exercício.
• Ordenada: movimentos longitudinais e circulares; coordenação viso-motora. A figura humana pode aparecer de maneira imaginária, pois aqui existe a exploração do traçado; interesse pelas formas (Diagrama).
Aqui a expressão é o jogo simbólico: "eu represento sozinho".
Pré- Esquematismo/ fase Pré-operatório: aparece a descoberta da relação entre desenho, pensamento e realidade, as primeiras relações espaciais, surgindo devido a vínculos emocionais. A figura humana torna-se uma procura de um conceito que depende do seu conhecimento ativo. Dentro da expressão, o jogo simbólico aparece como: "nós representamos juntos".
Esquematismo/ fase das Operações concretas (7 a 10 anos): Carateriza-se pelos esquemas representativos, afirmação de si mediante repetição flexível do esquema; experiências novas são expressas pelo desvio do esquema. Quanto ao espaço, é o primeiro conceito definido de espaço: linha de base. Já tem um conceito definido quanto a figura humana, porém aparecem desvios do esquema como: exagero, negligência, omissão ou mudança de símbolo. Aparece na expressão o jogo simbólico coletivo ou jogo dramático e a regra.
Realismo / final da fase das Operações concretas (9/10 anos): Esta fase carateriza-se pela existência de uma consciência maior do sexo e autocrítica pronunciada. No espaço é descoberto o plano e a sobreposição. Na figura humana aparece o abandono das linhas. Tanto no Esquematismo como no Realismo, o jogo simbólico é coletivo, jogo dramático e regras existiram.
Pseudo Naturalismo/ Operações abstratas (A partir dos 10 anos): É o fim da arte como atividade espontânea. Inicia a investigação de sua própria personalidade. Aparecem aqui dois tipos de tendência: visual (realismo, objetividade) e háptico (expressão subjetividade). No espaço já apresenta a profundidade ou a preocupação com experiências emocionais (espaço subjetivo). A expressão aparece para que o outro a veja.
À semelhança de Piaget, também Luquet, em 1969, definiu quatro fases do
Desenho Infantil tentando interpreta-lo e definir o que a criança faz, e porque o faz
em cada uma delas. Luquet (1969) dividiu então o Desenho Infantil em:
Realismo Fortuito (1,5 aos 2 anos) que este define como a fase do prazer pela
energia neuro muscular que incita a recomeçar a observação dos traços produzidos
reconhecendo a sua autoria, a sua atividade, a sua personalidade. O desenho não é
um meio mas um fim sem interpretação, a criança não consegue ainda repetir o
mesmo grafismo. Não existindo assim intenção representativa.
A criança começa por fazer traços sem qualquer objectivo. Sabendo muito bem que os traços desenhados por outrem podem querer representar um objecto determinado e representá-lo efectivamente, não atribui a si mesma virtude aos traços desenhados por si própria. Não chega a desenhá-los com a intenção de representar alguma coisa, e só mais tarde verifica que os seus traços produziram acidentalmente uma parecença não procurada. A primeira fase do desenho infantil é um realismo fortuito que se transforma em realismo intencional por uma série contínua de transições” (Luquet, 1969, p. 144-145).
Realismo Falhado (2 aos 3,5 anos) Esta fase é caraterizada pelo autor pelos
obstáculos de ordem física e gráfica pelos quais a criança passa, havendo uma falta
de controlo visuomanual mas também uma dificuldade em pensar e executar o
desenho em simultâneo. Nesta fase a criança já tenta representar mas ainda não
consegue estabelecer as relações e proporções corretas.
Realismo Intelectual (3,5 aos 7 anos) definida pela utilização de vários
processos: sentido sintético, a relação entre objetos representados e os
pormenores; exemplaridade, destaca os pormenores; a transparência, contém
todos os elementos reais do objeto mesmo invisíveis; a planificação, em projeção no
solo e a mudança de vários pontos de vista usados em simultâneo.
Realismo Visual (A partir dos 7/8 anos) Esta fase caracteriza-se pela opacidade
por oposição à transparência referida na fase anterior. Aqui o desenho assemelha-
se com a fotografia do objeto, com reprodução de todos os pormenores visíveis. No
entanto, a perspetiva por oposição à mudança de pontos de vista nem sempre é
atingida nos adultos sem cultura gráfica e sem a prática do desenho natural.
O realismo visual tem de lutar contra os hábitos contrários profundamente
enraizados; também não se fixa logo a seguir à sua aparição. Não só o
realismo intelectual reaparece em desenhos posteriores a outros em que
se manifestava o realismo visual, mais ainda, num mesmo desenho, certas
partes são conformes a este e outras àquele (Luquet, 1969, p. 191).
Por fim, e segundo Widlocher (1965) as fases do desenho infantil dividem-se
em:
Início da expressão gráfica (1 ano) – O desenho é definido por manchas e traços,
a criança sente prazer pelo movimento, percebendo que existe uma Relação causa-
efeito (de causalidade) entre o seu gesto e o traço (resultado) e fazendo-o para
deixar uma marca.
Fase da garatuja (1- 4 Anos) – A criança começa a ter um controlo progressivo da
atividade motora riscando e furando por prazer.
- Garatuja Desordenada: Esta fase carateriza-se pelo 1º gesto gráfico que
oscila entre movimentos de flexão – inflexão. A criança não controla ainda o
ponto de partida nem o ponto de chegada, realizando riscos sem intenção
representativa.
- Garatuja Ordenada: Nesta fase a criança começa a controlar o polegar, o
ponto de partida e do ponto de chegada; substitui as grandes linhas e por ovóides e
traços mais pequenos; controla da velocidade do gesto. Inicia assim o controlo olho
– mão, o olho não segue a mão mas guia-a.
Início da intenção representativa (2/4 anos) – Nesta fase a criança encontra-se
biologicamente preparada para o desenho figurativo/ representativo, estando esta
ligada às disposições subjetivas e não a dados objetivos da forma. Existe assim uma
aprendizagem progressiva de imagens cada vez mais complexas, a criança vai
corrigir o desenho para torna-lo mais semelhante ao objeto, iniciando assim a
intenção representativa.
Fase do realismo infantil (4-7 anos) – Nesta fase a criança desenha o modelo
interno do objeto (o que a criança tem na cabeça) e não o que vê/ perceção. A sua
principal preocupação é dar significado à realidade externa e por tal aparecem: os
Procedimentos (contrariam o realismo percetivo/ visual);a transparência; o
rebatimento; a planificação; a mudança de ponto de vista e o detalhe exemplar.
Em suma, e de forma a esquematizar os estádios de desenvolvimento do
desenho infantil, dos três autores referidos, é apresentado de seguida um quadro
que apresenta as diversas fases tendo em conta a idade em que se inserem. Este
foi realizado de forma que se perceba que muito embora estes três autores definam
nomes diferentes para fases diferentes, e embora existam fases de que apenas
alguns destes autores falam, as idades e as descrições do que é natural ser
realizado ao longo das várias idades são muito semelhantes entre os três autores.
Piaget, 1973 Luquet, 1969 Widlocher, 1965 Idade
Garatuja Realismo Fortuito
Início da Expressão Gráfica
1 ano
Fase da Garatuja 1-2 anos Garatuja Desordenada
1 – 1,5 /
Pré-Esquematismo
Realismo Falhado
Garatuja Ordenada
2 – ¾ anos
Início da Intenção Representativa
2 - ¾ anos
Realismo Intelectual
Realismo Infantil ¾ - 7 anos
EsquematismoRealismo Visual
7 - 10 anosRealismo 9/10 anosPseudonaturalismo
A partir dos 10 anos
De seguida são ainda apresentados vários desenhos que representam as
principais fases do desenho infantil:
GARATUJA DESORDENADA GARATUJA ORDENADA
INÍCIO DA INTENÇÃO REPRESENTATIVA
"Antes eu desenhava como Rafael,
mas precisei de toda uma existência
para aprender a desenhar como as
crianças".
(Picasso)
Realismo Visual
Referências Bibliográficas
REALISMO INFANTIL
- Luquet ,G.(1969) O desenho Infantil. Porto: Livraria Civilização Ed.
- Piaget, J. (1971) A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Zahar.
- Stern, A. (1974) Uma Nova Compreensão da Arte Infantil. Lisboa: Livros Horizonte
- Bordoni (S/d) http://www.profala.com/arteducesp62.htm consultado em 24 de
Janeiro de 2015.