MAX WEBER
ANTHONY T. KRONMAN
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MAX WEBER
ANTHONY T. KRONMAN
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
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K94m
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Kronman, Anthony T.Max Weber / Anthony T. Kronman; tradução John Milton. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.360 p. (Teoria e filosofia do direito)
Tradução de: Max WeberInclui bibliografia e índiceISBN 978-85-352-3034-5
1. Weber, Marx, 1864-1920. 2. Sociologia jurídica. I. Título. II. Série.
09-2439. CDU: 34:316.334.4
Do original: Max WeberTradução autorizada do idioma inglês da edição publicada por Edward Arnold(Publishers) Ltd, Londres, 1983 © 1983, by Anthony Kronman
© 2009, Elsevier Editora Ltda.
Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei no 9.610, de 19/02/1998.Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográfi cos, gravação ou quaisquer outros.
Copidesque: Livia Maria de BritoRevisão Gráfica: Emidia Maria de BritoEditoração Eletrônica: SBNIGRI Artes e Textos Ltda.
Coordenação Acadêmica: Ronaldo Porto Macedo
Elsevier Editora Ltda.Conhecimento sem FronteirasRua Sete de Setembro, 111 – 16o andar20050-006 – Centro – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
Rua Quintana, 753 – 8o andar04569-011 – Brooklin – São Paulo – SP
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ISBN 978-85-352-3034-5
Nota: Muito zelo e técnica foram empregados na edição desta obra. No entanto, podem ocorrer erros de digitação, impressão ou dúvida conceitual. Em qualquer das hipóteses, solicitamos a comunicação ao nosso Serviço de Atendimento ao Cliente, para que possamos esclarecer ou encaminhar a questão.
Nem a editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoas ou bens, originados do uso desta publicação.
AGRADECIMENTOS
O meu primeiro contato com a obra de Max Weber se deu mais de dez
anos atrás, quando eu era aluno de pós-graduação do programa de filosofia
de Yale, e sou grato ao meu amigo e professor Kenley Dove por ter chama-
do a minha atenção para a importância filosófica da obra de Weber. Bruce
Ackerman, Joshua Cohen, Robert Cover, Mirjan Damaska, Owen Fiss, Reinier
Kraakman, Arthur Leff, Adina Schwartz e William Twining teceram preciosos
comentários sobre os primeiros esboços deste livro e suas sugestões me foram
de grande valia. Arthur Leff faleceu antes da conclusão do livro, deixando-
-me com uma permanente dívida de gratidão por sua generosidade e crítica
construtiva. Diane Hart me ajudou a elaborar o manuscrito e agradeço-lhe
por sua paciência e apoio profissional. Também agradeço à Yale Law School
pelas duas bolsas de pesquisa de verão que me foram concedidas, bem como
a Harry Wellington, Diretor da Faculdade de Direito, pelo encorajamento e
apoio que dele recebi.
À minha esposa, Nancy, devo o sentimento de completude que a tudo
confere encanto e prazer.
RELAÇÃO DAS OBRAS DE MAX WEBER
Textos em alemão1. Zur Geschichte der Handelsgesellschaften im Mittelalter (Stuttgart,
1889).2. Die römische Agrargeschichte im ihrer Bedeutung für das Staats-und
Privatrecht (Stuttgart, 1891).3. Die Verhältnisse der Landarbeiter im ostelbischen Deutschland
(Berlin, 1892).4. Gesammelte Aufsätze zur Religionssoziologie (Tübingen, 1924).5. Gesammelte Aufsätze zur Soziologie und Sozialpolitik (Tübingen,
1924).6. Gesammelte Aufsätze zur Sozial- und Wirtschaftgeschichte (Tübingen,
1924).7. Gesammelte Aufsätze zur Wissenschaftslehre, 2. ed. (Tübingen, 1951).8. Wirstschaft und Gesellschaft. Grundriss der verstehenden Soziologie,
4. ed. (Tübingen, 1956).9. Gesammelte Politische Schriften, 2. ed. (Tübingen, 1958).10. Wirstschaftgeschichte. Abriss der universalen Sozial- und Wirstschaft-
geschichte, 2. ed. (Berlin, 1958).
Traduções para o inglês1. The Methodology of the Social Sciences (trad. E. Shils e H.
Finch, Glencoe, I11., 1949).2. Roscher and Knies: The Logical Problems of Historical Econo-
mics (trad. G. Oakes, Nova Iorque, 1975).3. Critique of Stammler (trad. G. Oakes, Nova Iorque, 1977). 4. From Max Weber: Essays in Sociology (trad. H. Gerth e C.
Wright Mills, Nova Iorque, 1946).
MSS
RKCS
FMW
5. The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism (trad. T. Parsons, Nova Iorque, 1958).
6. The Religion of China: Confucianism and Taoism (trad. H. Gerth, Glencoe, I11., 1952).
7. Ancient Judaism (trad. H. Gerth e D. Martindale, Glencoe, I11., 1958).
8. The Religion of India: The Sociology of Hinduism and Buddhism (trad. H. Gerth e D. Martindale, Glencoe, I11., 1958).
9. Economy and Society. An Outline of Interpretive Sociology (ed. G. Roth e C. Wittich, Nova Iorque, 1968).
10. Max Weber on Law in Economy and Society (trad. M. Rheins-tein e E. Shils, Cambridge, Mass., 1954).
11. General Economic History (trad. F. Knight, Nova Iorque, 1961).
12. The Rational and Social Foundations of Music (trad. D. Mar-tingale, J. Riedel e G. Neuwirth, Carbondale, I11., 1958).
13. Max Weber on Universities (trad. E. Shils, Chicago, 1973).14. The Agrarian Sociology of Ancient Civilization (trad. R. I.
Frank, Londres, 1976).15. “The Social Causes of the Decay of Ancient Civilization”
(1950) Journal of General Education, p. 75-88 (trad. C. Mackauer).
16. “Socialism” in Max Weber: The Interpretation of Social Reality (trad. J. E. T. Eldridge, Londres, 1971) p. 191-219.
Todas as referências do texto dizem respeito a traduções de textos de Max
Weber para o inglês. São utilizadas abreviações para algumas obras citadas
com frequência. Para a conveniência do leitor, as referências à Rechtssoziologie mencionam o respectivo trecho tanto em Economy and Society como na edição
da Rechtssoziologie publicada separadamente sob o título Max Weber on Law in Economy and Society.
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No final da Antiguidade, em meio a um mundo nivelado que havia perdido a fé, o indivíduo encontrava apoio na filosofia estóica. Na filosofia, quem lide-rou foi Sócrates, pois, enquanto homem de verdade, ele havia sido, feito e sofrido aquilo que a filosofia lutou durante séculos depois para compreender. No mundo em que estamos ingressando, numa época de massificação e dominação de massa, do utilitarismo universal, de uma infelicidade avassaladora e uma felicidade frí-vola, o indivíduo terá novamente a tarefa de buscar a sua verdade filosófica. Não há objetividade que possa ensiná-lo. É possível que a revelação do segredo de um homem como Max Weber dialogue com esse indivíduo e o incite. Caso isso ocorra, poderemos afirmar que: Aqueles que compreendem o fracasso e a morte conseguem se aproximar dele. Weber permanecerá incompreensível àqueles indivíduos que, enfeitiçados pelas belezas do mundo que Weber também desfrutou em momentos de serenidade, esquecem-se da morte.
Karl Jaspers
PREFÁCIO
Um pensador vigoroso e erudito, mas permanentemente angustiado e
atormentado por conflitos internos. Um intelectual que trabalhou com os grandes
temas de seu tempo, como o materialismo histórico, a integração moral, o poder
político, a burocracia como forma instrumental de domínio e a influência da
ascese protestante no desenvolvimento capitalista, mas que ficou marcado pelo
dilema entre reflexão e ação – mais precisamente, entre a pretensão de objetividade
científica, que a seu ver exige neutralidade e isenção, e a sedução pela política, que
envolve ira e paixão e requer pragmatismo, opções e posicionamentos. Assim foi
Max Weber – um liberal in despair, conforme foi chamado por alguns de seus
críticos e biógrafos, ou um sábio trágico, como foi descrito por outros.
Pertencente a uma influente e austera família da alta burguesia renana,
Weber nasceu em 21 de abril de 1864, na cidade alemã de Erfurt, e morreu
em Munique, no dia 14 de julho de 1920. Sua trajetória política, intelectual
e acadêmica se deu, assim, num período que vai da unificação da Alema-
nha promovida por Bismarck e do advento de uma industrialização tardia,
comparada com a da Inglaterra, à afirmação de uma burocracia forte sobre
uma burguesia fraca e o eclipse político e militar do país, com a derrota na
guerra entre 1914 e 1918 e a subsequente marginalização de tradicionais e
cultas nações europeias. Formado em Berlim, com uma tese sobre as socie-
dades mercantis medievais, Weber passou a estudar a história das estruturas
agrárias romanas, com o objetivo de tentar compreender o papel histórico do
latifúndio, por ele apontado como um dos fatores responsáveis pelo declínio
da civilização antiga. O estudo seguinte foi sobre a situação dos trabalhadores
rurais no leste da Alemanha, região então dominada pelos junkers prussianos.
O primeiro posto universitário foi obtido em 1893, quando substituiu um
antigo professor na Universidade de Berlim, tendo, no ano seguinte, passado
a lecionar economia política em Friburgo, de onde se desvinculou em 1987,
para assumir a cátedra de Heildelberg, à época a instituição de ensino supe-
rior mais liberal e universal entre as universidades alemãs, por ser integrada
por minorias intelectuais austríacas, húngaras e russas. Em 1919, passou
a ocupar a cadeira de sociologia em Munique, tendo dedicado suas últimas
aulas à história econômica, a pedido dos alunos.
Contemporâneo de Sigmund Freud, John Dewey, Émile Durkheim e Henri
Bergson, Weber é um intelectual que se caracteriza pela complexidade de seu
raciocínio, por um profundo conhecimento da história e pela abrangência dos
temas explorados, que vão da política à religião e do direito à economia, passan-
do pela sociologia. As análises de Weber são tão complexas e interdisciplinares
que se torna difícil, nos estreitos limites de um prefácio, discernir quais seriam
os temas – além da questão da racionalidade – que efetivamente constituem o
denominador comum de sua obra. Suas reflexões metodológicas, sempre a favor
de uma objetividade científica irrestrita e de uma teoria social isenta de juízos de
valor, levaram-no à convicção de que a função precípua do cientista social é a
de compreender fatos com base em evidências empíricas e objetivas. Seu papel
básico é descrever as coisas, mostrando as conexões entre eles, e não opinar
sobre sua conveniência, o que seria missão do político. Mesmo que estude os
efeitos sociais, políticos ou econômicos de determinados valores, o cientista social
não pode deixar-se levar por suas próprias inclinações políticas e opções éticas.
Opiniões sobre o que é útil ao bem comum são puramente subjetivas,
diz Weber. A noção de valor se converte em sinônimo de convicção irracional,
uma vez que, fora da ciência, não haveria nada mais do que opções ou escolhas.
É por isso que embates sobre a definição de uma ordem justa são irredutíveis,
consistindo em batalhas sem soluções possíveis. A teoria da racionalização
de Weber desemboca assim num ceticismo sobre juízos de valores e sobre
imperativos morais. Crítico pertinaz do determinismo econômico marxista,
Weber sempre defendeu a liberdade de cátedra dos marxistas, convicto de que
o desengajamento ideológico do intelectual é condição sine qua de sua ativi-
dade. E, estimulado à ação pelos complexos eventos da política alemã, foi um
dos precursores da social-democracia, tendo exercido influência decisiva, por
meio de discursos, artigos jornalísticos e conferências, na criação do Partido
Socialista Alemão, no estabelecimento do regime parlamentarista e ns redação
da Constituição da República de Weimar.
As esferas pública e familiar, que se entrelaçam da juventude à maturi-
dade de Weber, são fundamentais para a compreensão de sua forte e complexa
personalidade. Em termos intelectuais, três forças significativas em sua for-
mação são Henrich Rickert, Wilhelm Dilthey e Georg Simmel, para quem uma
ciência da cultura capaz de captar as realidades históricas tenderiam a passar
despercebidas pelas malhas das chamadas “ciências físicas”. Enquanto Dilthey e
Simmel representam uma reação contra o positivismo, especialmente contra as
teorias que negam a possibilidade de se penetrar na natureza da realidade, Rickert
afirma que os aspectos humanos da história não podem ser compreendidos
pelos métodos de generalização das ciências naturais. Ao contrário do material
manejado por estas ciências, que é o mesmo em toda parte e que só pode ser
entendido e explicado por leis universais que abarcam todo o espaço e o tempo, a
cultura humana aparece sob uma variedade infinita de tipos diferentes – e cada
um deles tem de ser captado por uma compreensão particular de sua própria
unicidade, por meio de um reconhecimento intuitivo de seu caráter específico.
O que Rickert e Dilthey estabelecem é uma forma de existência histó-
rica, que pode ser captada pelas ciências humanas por meio de um modo de
compreensão e por métodos que lhes são próprios. Essa forma de existência
histórica é que se converte na fonte e na base do “tipo ideal” da metodologia
weberiana. O “tipo ideal” não é uma reprodução fiel dos fenômenos sociais na
vida real; é apenas uma espécie de abstração que permite uma definição dos
fenômenos por meio da ênfase a um ou vários de seus aspectos, valorizando
sua interdependência, seus nexos causais e seus significados. O “tipo ideal”
também não é uma hipótese para explicar fatos concretos – acima de tudo, é
a percepção intuitiva do cientista social, que acentua unilateralmente diversos
pontos de vista, encadeando fenômenos a partir de um critério seletivo, com
o objetivo de atingir um enquadramento conceitual homogêneo e operacio-
nal. Cada “tipo ideal”, como feudalismo, patrimonialismo, protestantismo
e capitalismo, corresponde a uma experiência histórica variada e múltipla,
cabendo ao cientista social desprezar os detalhes menos relevantes e destacar
os mais importantes, convertendo-o assim num instrumento heurístico ca-
paz de guiar a pesquisa científica. O “tipo ideal” também não é um modelo
prescritivo nem, muito menos, tem qualquer sentido ético. Ele é simplesmente
um instrumento lógico, por meio do qual o cientista social não reconstrói a
História, mas analisa suas instituições a partir do comportamento dos indi-
víduos – não o comportamento isolado nem o comportamento coletivo, mas
o comportamento do homem com seus semelhantes guiado ou motivado
por algum valor ou por um interesse; mais precisamente, o comportamento
humano cujo sentido se reporta à ação de outras pessoas.
Esse é o célebre conceito weberiano de “ação social”, a conduta humana
dotada de sentido. Com o olhar voltado à dinâmica dos interesses e da razão, We-
ber não se preocupa com o sujeito em si, mas com sua vivência social, com sua
experiência, com suas representações e as condutas por ela orientadas, com o modo
como interage com seus semelhantes – em suma, o foco da análise weberiana recai
sobre o “caráter significativo” da ação e a tarefa do sociólogo, nesta perspectiva,
é reconstruir antes o sentido das ações do que a própria figura do agente social.
O conceito de ação designa qualquer comportamento humano dotado
de sentido ou orientação, qualquer comportamento que vise a determinadas
metas e determinados objetivos. O sentido é o que motiva a ação individual e,
quando não é formulado de modo expresso pelo agente, está implícito em sua
conduta. A ação social é aquela em que esse comportamento tem por referência
o comportamento de outros indivíduos; é a ação que se orienta pelas ações e
reações dos demais agentes sociais, sejam elas presentes, passadas ou futuras.
Quando os homens têm consciência dos interesses que os motivam, passando a
avaliar as consequências de seus atos e decisões neles baseados e a realizar opões
com base no cálculo de meios e fins, a ação social da qual são protagonistas
é racional. E, quando agem motivadamente, mas sem terem consciência dos
valores e dos interesses que os motivam e sem avaliar os efeitos de seus atos e
decisões, como ocorre nas condutas repetidas acriticamente ao longo da vida,
das quais os hábitos, rotinas e costumes são os melhores exemplos, ou nos
atos de “arrebatamento”, como a ira e a paixão, a ação social é irracional. As
ações sociais reciprocamente referidas constituem, por sua vez, o que Weber
chama de “relações sociais”. Uma “relação social” representa ações sociais de
pelo menos dois indivíduos cujos sentidos se orientam mutuamente, de modo
que o comportamento de um é determinado pelo comportamento de outro.
Assim, se o pressuposto de uma ação social é uma motivação ou um
valor orientado pelas ações e reações de indivíduos e grupos, um sistema social
somente pode ser captado por uma organização formal separada para cada tipo de
sociedade – e é isto que, além de entreabrir o papel que atribui aos “tipos ideais”,
justifica a abordagem compreensiva que Weber tem da sociologia. Ele não rejeita a
sociologia clássica, entendida como a disciplina que estuda de modo globalizante as
relações sociais gerais. Mas procura completá-la com uma teoria da interpretação
que compreenda e explique as causas dos intercâmbios e dos conflitos. Na medida
em que o ato de compreensão significa captar a evidência do sentido de um dado
comportamento social, os “tipos ideais” permitem a Weber mostrar como as
estruturas sociais dependem da significação determinada pela ação humana – o
que o leva, como um cientista atento ao intrincado entrelaçamento de forças na
vida social, a investigar quais seriam os tipos de ação que formam as bases das
organizações políticas, econômicas, jurídicas, culturais, religiosas etc.
Já na esfera privada, o ambiente familiar formal, austero erudito e extre-
mamente conservador no qual Weber foi formado estava imbuído da vigorosa
tradição religiosa do protestantismo alemão. Essa tradição era tão forte e enraizada
que Weber, em sua devoção e em seus princípios éticos, identificou no temor a
Deus e na devoção ao trabalho dos protestantes um dos impulsos criadores do
capitalismo, a partir dos séculos 17 e 18. Outros importantes fatores foram a
racionalidade, que levou ao progressivo “desencantamento do mundo” e acelerou
a expansão da ciência, permitindo ao homem precisar melhor as metas a serem
perseguidas e os meios de atingi-los, e a legislação – além do surgimento tanto do
trabalhador livre, sem qualquer outro meio de subsistência a não ser sua própria
capacidade de trabalho, quanto do empresário industrial, cuja acumulação de
riquezas é consequência das atividades mercantis dos séculos anteriores.
Buscando respostas
Para Weber, o protestantismo – mais precisamente, a ética calvinista
– expressa uma mudança radical no pensamento e no sentimento religiosos.
Ao contrário do catolicismo, que busca a realização de um fim transcendente,
enfatizando a salvação do homem por meio de uma graça divina sacramenta-
da pela Igreja, o protestantismo se ocuparia da vida terrena como condição de
consagração dos valores cristãos. Para os protestantes, em sua maioria oriundos
das classes médias, essa vocação terrena cristã se definiria como o devedor diário
no comércio, nos negócios e no trabalho. Nesse sentido, o esforço sistemático,
orientado para a obtenção de satisfações que permitem poupar recursos para
convertê-los em investimentos futuros, teria o mesmo significado do ascetismo
monástico, desprezando o luxo e concentrando riquezas. Dito de outro modo,
o protestantismo calvinista libera o cidadão comum cristão da culpa católica
de acumulação privada. Mais preocupado com as más condições de vida dos
trabalhadores rurais do que com as esperanças dos trabalhadores urbanos,
a relação que Weber faz entre os ensinamentos morais do protestantismo de
caráter calvinista e a mentalidade capitalista, no sentido de que o espírito é
mais poderoso do que a natureza, inclusive do que as “forças inconscientes” da
economia, também expressa uma recusa do materialismo histórico, que afir-
mava justamente o inverso, enfatizando a influência determinante das razões
de ordem econômica nas mudanças da mentalidade religiosa.
A tese de Weber, em suma, era de que a ética calvinista seria uma das
muitas condições que favoreceram a formação de um tipo de mentalidade
que, por sua vez, exerceu um papel decisivo no nascimento e na expansão do
capitalismo. Em outras palavras, se por um lado as estruturas do capitalismo
influem os homens, por outro elas dependem de convicções e pautas de valor
para serem implementadas. A partir daí, um dos problemas centrais estuda-
dos por Weber é saber por que o poder político da burguesia, as instituições
democrático liberais, a ciência baseada na matemática, o jogo econômico
fundado nas relações de mercado e a administração burocrático racional se
desenvolveram no Ocidente. Por que motivo, indaga ele, a expansão do capita-
lismo não se deu nas sociedades do Oriente, onde, pelo menos até o século 17,
o desenvolvimento da ciência e da tecnologia era comparativamente superior
e havia riqueza mercantil e mão de obra disponível?
Na busca de respostas, sempre entrelaçando perspectiva histórica e
construções sistemáticas, o mérito de Weber foi ter sido um dos primeiros a
demonstrar as premissas da dinâmica socioeconômica sobre as bases de uma
análise da natureza e do desenvolvimento capitalista, convencido de que o mundo
moderno se caracteriza pela racionalização, pela intelectualização, pelas atitudes
calculistas, pela previsibilidade, pela burocracia e pela democracia política. Essas
características, dizia ele, podem ser percebidas desde a democracia da polis grega
e das racionalizações jurídicas dos romanos, na Antiguidade, às conquistas po-
líticas de artesãos e burgueses na Comunas, na Idade Média, convergindo para
o desenvolvimento cultural, social, econômico e político do Ocidente.
Estudando o islamismo, o judaísmo e a China antiga, Weber mostra como
a história moderna é caracterizada pela progressiva racionalização de todos
os setores da vida, convertendo a eficiência e o cálculo em critérios supremos.
A ação racional daí advinda envolve o domínio da relação entre meios e fins,
subdividindo-se em três tipos. A primeira é a ação racional prática, que envolve
a escolha dos meios disponíveis mais eficientes para se atingir um determinado
fim. A segunda é a ação racional substantiva ou material, pela qual os indivíduos
pautam seu comportamento por princípios valorativos livremente escolhidos,
conforme suas convicções. A terceira é a ação racional formal, que permite
ordenar e padronizar atos e atividades sociais por meio de regras impessoais,
abstratas e gerais encadeadas de maneira lógica. Por fixar marcos referenciais e
gerar expectativas no sentido de que sejam respeitados e jamais transgredidos, a
ação racional formal é a que mais oferece previsibilidade e probabilidade de sua
ocorrência. Um exemplo emblemático de racionalidade formal apontado por
Weber é o direito positivo, por ele visto como um mecanismo para aumentar
a probabilidade de que certas ações ocorram de modo determinado, ou seja,
da maneira como foram prescritos por códigos e leis. Por garantir o respeito à
propriedade, assegurar a validade e o cumprimento dos contratos, oferecer aos
agentes econômicos a segurança de que precisam para investir e tornar previsí-
veis até mesmo as mudanças de suas próprias regras e procedimentos, o direito
positivo funciona como um “mitigador” da indeterminação das ações sociais,
como mecanismo facilitador das interações humanas e como marco referencial
para as chamadas “regras do jogo”. É com base nessa linha de raciocínio que
Weber explica como o pensamento político, a legislação, a administração da
justiça e as práticas econômicas vão, na passagem do mundo medieval para o
mundo moderno, libertando-se de todos os grilhões expressos por mitos, ta-
bus e mistérios, de tal modo que a separação entre o Deus transcendente e um
mundo sem magias é concluída pelo protestantismo de natureza calvinista e
pelo subsequente advento da modernidade e do capitalismo.
Ao lado do direito positivo, outro importante fator para essa progressiva
dessacralização do conhecimento e racionalização de todas as esferas da vida
social é a burocracia. Baseada na gestão impessoal realizada por funcionários
profissionais escolhidos pelo critério de mérito e fundada em regras gerais e
abstratas, para evitar o arbítrio administrativo e as interferências irracionais,
a burocracia é o meio pelo qual o Estado atua para atingir determinados
objetivos. É um recurso racional pelo qual o poder público pode exercer sua
dominação de modo universal, fazendo dos códigos e leis um instrumento de
segurança jurídica. Inerentes às instituições públicas, às corporações milita-
res, às empresas ou à própria Igreja, os quadros burocráticos se baseiam nos
seguintes princípios: 1) os assuntos oficiais são tratados de um modo regular
contínuo; 2) as regras de tratamento são estipuladas por uma agência adminis-
trativa operada por funcionários especializados, segundo critérios impessoais
e com sua margem de intervenção previamente definida; 3) a responsabilidade
e a autoridade de cada funcionário formam parte de uma hierarquia adminis-
trativa; 4) os funcionários não são donos dos recursos que necessitam para
o cumprimento de suas funções; 5) os cargos não são propriedade de seus
titulares; 6) os assuntos tramitam mediante documentos escritos.
Graças a esse processo de racionalização, que encontra na burocracia uma
organização superior a todas as outras formas de administração, do ponto de
vista técnico, o homem tudo pode dominar pela razão e pelo cálculo de meios e
fins – inclusive estabilizar determinadas formas de sociabilidade em contextos
com disparidades sociais, econômicas, setoriais e simbólicas. E é isso que leva
Weber a entender a política como a luta do homem contra o homem e a ver a
sociedade, nessa perspectiva, como um locus de interação entre agentes sociais
capazes de tomar decisões e avaliar seus efeitos, de mapear as alternativas em
jogo e optar por uma delas, de definir objetivos – enfim, de planejar e impor
condutas. No entanto, quem está efetivamente preparado para comandar? E
como se desenrolam os embates pela apropriação dos instrumentos de coerção?
Se a luta pela condução dos indivíduos é uma dimensão sempre pre-
sente na vida social, perpassando toda e qualquer modalidade de ação social,
a questão que agora se coloca para Weber é a do consenso e do conflito. E se
a política é o reino da imposição, ainda que as ações políticas não se esgotem
em disputas materiais pelo poder, no mundo moderno ela supõe o exercício
da coação monopolizada pelo Estado. Por que cumprimos uma ordem? Por
que obedecemos? Por que acatamos determinados comandos? – indaga ele em
conferência célebre. Como o poder tem uma natureza amorfa, na medida em
que expressa a possibilidade de cada homem impor sua vontade aos demais,
independentemente do argumento ou mesmo da eventual resistência destes, o
problema da legitimidade é visto por Weber a partir de uma dupla perspectiva:
quais os instrumentos externos em que se deve basear a dominação do homem
pelo homem? Em que justificativas internas se fundamenta essa dominação?
Ao responder essas questões, que configuram sua conhecida sociologia
política e jurídica, Weber distingue três tipos basilares de autoridade. A primei-
ra é a autoridade tradicional, que é exercida sobre pessoas que a aceitam em
face do fato de sempre ter sido assim. A segunda é a autoridade carismática,
que assoma de líderes tomados por inspirações proféticas ou com “qualidades
excepcionais”, como a habilidade para liderar pela força da personalidade e
da convicção e do poder de persuasão. A terceira é a autoridade legal racional, fundada em critérios objetivos e que se expressam por meio de leis abstratas,
gerais e impessoais. Cada um desses três tipos de autoridade corresponde a um
contexto histórico-cultural. A autoridade tradicional, por exemplo, emerge
nas sociedades pré-modernas; a autoridade carismática, que se auto-legitima,
desprezando usos, costumes e limites legais, provém de épocas de mudanças
profundas e de crise ou nos períodos de formação de determinados povos; e
a autoridade legal-racional advinda do progressivo processo de secularização
do mundo ocidental moderno, quando a capacidade do Estado de impor ou
proibir comportamentos, baseada no monopólio do uso da força, passa a
ser enquadrada ou institucionalizada por leis, constituições e declarações de
direitos. No contexto da modernidade política do mundo ocidental emerge
uma ideia de “mandato”, que é a noção de contrato dos pensadores liberais
do século 18. O “mandato”, diz Weber, se por um lado permite passar do
nível externo da violência para o nível interno da obediência, por outro se
funda na probabilidade de se encontrar os meios necessários de imposição.
Em suas análises, Weber não abre mão da política, enquanto imposição, nem
da violência, enquanto instrumento específico do argumento político mais
importante, que é o Estado. Contudo, ele não se limita ao reconhecimento
da existência da coação como condição básica da noção de poder, procurando
identificar, nas relações entre condutas e valores, as conexões que conduzem
as justificativas internas que levam os governados a aceitarem os comandos
e as obrigações impostas pelos governantes.
Por isso, diz Weber, as relações políticas na modernidade ocidental não são
apenas relações de força material – são, igualmente, relações de “dominação”
(do latim dominus, isto é, senhor). O “domínio” expressa a existência de opor-
tunidade de obediência em função de um mandato, dando origem a um agru-
pamento político quando o comando consegue firmar-se, de modo contínuo,
numa base geográfica, valendo-se do monopólio da força para ter originalidade
de competência político-legislativa. O que, por extensão, o permite redefinir a
política como os esforços que os diferentes grupos sociais desenvolvem com a
finalidade de conquistar o poder do Estado e, assim, de impor condutas e iden-
tidades obrigatórias, estabelecer metas e objetivos, definir meios e mobilizar
recursos materiais para atingi-los, plasmando a sociedade com seus valores.
Evidentemente, se a legitimidade moderna é a probabilidade de uma or-
dem orientar-se pela representação, sua identificação com a legalidade levanta
alguns problemas fundamentais, como o da relação entre as maiorias e as
minorias, o da tensão entre a irracionalidade inerente à política e a racionalidade
burocrática, o da outorga e o do decreto – enfim, questões que dizem respeito
a possibilidade de um regime efetivamente democrático. Ironicamente, é nesse
momento em que se torna possível perceber o “outro lado” da burocracia, ou
seja, a possibilidade de que ela cresça e ganhe vida própria, convertendo-se
num fim em si e, com isso, ameaçando a vitalidade e a autenticidade do jogo
democrático. É nesse momento em que também se pode perceber o paradoxo
do processo de racionalização – quanto mais ele avança, mais burocratiza
e mais juridifica a vida social, erodindo a liberdade de escolha dos sujeitos e
comprometendo a autonomia individual. A mesma razão que libertou os ho-
mens dos temores e mistérios da religião, propiciando a transição do mundo
das trevas para o mundo das luzes, também pode levar ao desenvolvimento
de organizações formais que minam a discricionariedade, o poder de escolha
e a liberdade. A mesma razão que permitiu ao homem tomar consciência dos
valores que o motivam e dão sentido à sua vida, pode levá-lo à alienação, à
indiferença e ao inconformismo, bem como submetê-lo a forças explícitas ou
difusas de controle, submissão e obediência servil. No limite, quanto mais a
racionalização se aprofunda e o mundo se “desencanta”, mais o homem corre
o risco de acabar numa “jaula de ferro da servidão burocrática”, que esvazia
ou expropria sua autonomia, seu livre arbítrio e sua vontade, deixando-o ao
arbítrio de “especialistas sem espírito”.
É nesse momento, em síntese, em que o sábio se torna trágico, em que
Weber se converte num liberal in despair1. Se por um lado estava convencido
de que não se pode viver no mundo moderno sem regras e sem organizações
administrativas, por outro percebeu em tempo os perigos que elas acarretam,
na medida em que podem escapar ao controle e transformarem-se em ameaça,
corrompendo a política, degradando o instituto da representação parlamentar
e atrofiando a vida, a pretexto de regulá-la. São as burocracias que acabam
exercendo, com maior ou menor eficiência, o monopólio do poder na sociedade.
Seja numa agremiação política ou numa casa legislativa, é sempre a minoria
que manda, uma vez que os pequenos grupos dispõem de estrutura organi-
zacional e maior capacidade de voz e ação. Em outras palavras, o poder tende
a escoar dos muitos para os poucos. Por isso, apesar de defender a democracia
constitucional como militante político, na esperança de que o Poder Legisla-
tivo alemão se tornasse um fator de equilíbrio contra o peso esmagador da
burocracia prussiana, como cientista social Weber duvidava da exequibilidade
de um regime democrático efetivamente capaz de converter representação em
poder. Embora no plano formal os governados possam dar sua aprovação às
decisões dos governantes por meio do voto, em termos concretos a legitimidade
irá derivar da capacidade de um representante parlamentar ou de um partido
de resolver questões substantivas que exigem decisões técnicas, racionais e,
na maioria das vezes, fora do alcance da compreensão dos cidadãos comuns.
Consequentemente, as eleições, quando não se convertem em palco para líde-
res carismáticos, transformam-se em verdadeiros plebiscitos, pois a disputa
das agremiações partidárias por apoio às suas propostas envolve estratégias
de manipulação do consentimento dos homens – o que hoje a mídia rotula
como marketing político e alguns sociólogos chamam de violência simbólica.
Cético e pessimista
Weber, como foi dito, teve consciência do potencial corrosivo da burocra-
cia nos regimes democráticos dos Estados capitalistas, do mesmo modo como
percebeu os perigos inerentes à crescente perda de autonomia dos indivíduos,
à burocratização da política, ao enrijecimento dos processos de representação
e à ascensão ao poder de líderes carismáticos. Tanto sua visão de democracia
quanto sua ideia de carisma entreabrem um homem profundamente cético,
pessimista e amargo que, frente ao socialismo que então se apresentava como a
principal alternativa aos riscos de perversão da democracia, não hesitou. Estava
convencido de que, apesar de seus problemas, riscos e perigos, na democracia o
homem ao menos pode lutar e revoltar-se, ao contrário da alternativa socialista
– esta, sob o pretexto de salvá-lo, apenas o sufocaria, deixando a sociedade sem
qualquer meio de defesa contra burocracias estatais sem controle.
Embora tenha tido consciência do “ovo da serpente” totalitária nas de-
mocracias protagonizadas por líderes carismáticos, demagogos e cesaristas, não podia engajar-se em posições abertamente críticas, sob risco de compro-
meter sua fé na objetividade científica e na neutralidade ética e política do
intelectual. Ação ou reflexão, paixão ou isenção – esse é o dilema que tanto o
atormentou e angustiou, a ponto de ter sido obrigado a passar um período
internado. Mas, quaisquer que sejam as ilações psicológicas, metodológicas,
sociológicas e políticas que se possa fazer do dilema que enfrentou ao longo
de sua vida2, é bom voltar a lembrar que o tormentoso e reprimido Max
morreu em 1920 – antes, portanto, que a preocupação de muitos com o fu-
turo da Alemanha se convertesse em nacionalismo fanático e a substituição
da monarquia alemã pelas lideranças carismáticas da República de Weimar
degenerasse no culto ao Fuhrer e, mais tarde, no nazifascismo e na barbárie
dos campos de concentração e de uma nova guerra mundial3.
Conciso, seco, extremamente cuidadoso em seus conceitos e sempre
preocupado com o rigor metodológico e com a objetividade irrestrita na
análise das condições históricas e estruturais da sociedade, Weber jamais foi
um autor fácil de ser lido. Uma parte dessa dificuldade provém de sua forte
disciplina conceitual e da maneira como articula informações históricas, cons-
truções sistemáticas e tipologias. Outra parte decorre de problemas na forma
de apresentação de alguns seus trabalhos. Nos textos em distingue “poder”
(macht) de “dominação” (herrschaft), por exemplo, há conceitos que vêm da
tradição jurídica romano-germânica, não tendo qualquer correspondência em
outras línguas ou tradições jurídicas. Nesse sentido, indaga o sociólogo que
hoje é responsável pela edição das obras completas de Weber, de que modo
traduzir herrschaft, expressão alemã que não existe em inglês? Como decidir
entre power, domination ou authority?4 Além disso, vários textos de Weber são
inacabados, por causa de sua morte, e outros, apesar de concluídos, ficaram
sem sua revisão final. Há ainda trabalhos que foram deixados de lado depois
de iniciados, tendo sido retomados anos depois, apresentando assim proble-
mas de continuidade e até de estrutura lógica. É esse o caso de Economia e Sociedade, que foi publicado postumamente por sua viúva, Marianne, a
partir do prolífico material por ele deixado. Trata-se de um ambicioso trabalho
desenvolvido em diferentes etapas e que deveria compor um projeto coletivo
sob sua liderança intelectual e coordenação acadêmica que jamais foi concluído.
A primeira etapa transcorreu entre 1910 e 1912, com a coleta de material. A
segunda fase começa em 1913, mas teve de ser interrompida abruptamente
por causa da guerra. Weber retoma o trabalho em 1919, utilizando os velhos
manuscritos para escrever os novos, mas morre antes de concluir a emprei-
tada. É por isso que alguns de seus comentadores sugerem que Economia e Sociedade, para ser melhor compreendido, seja lido de trás para a frente.
O livro de Anthony Kronman, que se concentra basicamente no exame
da sociologia jurídica de Weber, enfrenta com competência e rigor todas as difi-
culdades e armadilhas acima apontadas. Envolvendo as relações entre economia
e direito e combinando os diferentes tipos de autoridade, a racionalidade formal
legal e as formas de associação contratual subjacentes ao desenvolvimento
capitalista, a sociologia jurídica weberiana foi originariamente desenvolvida
num longo ensaio que acabou sendo publicado como antepenúltimo capítulo
de Economia e Sociedade. Os comentadores de Weber costumam apontar
problemas de estrutura e de unidade nesse texto, por ser excessivamente con-
ceitual e por se intercruzar tanto com a sociologia econômica quanto com
a sociologia da dominação, além de enveredar pela análise do poder político.
Kronman, no entanto, foge das abordagens usuais dos trabalhos introdutórios
ao pensamento weberiano e surpreende ao defender a tese de que esse texto
tem mais coerência conceitual e unidade programática do que outros festejados
ensaios de Weber, especialmente os relativos à ação econômica.
Aqui reside a originalidade do livro de Kronman. Em vez de se limitar a
sintetizar ou resumir a sociologia jurídica weberiana, ele tenta reconstruí-la a
partir das próprias premissas filosóficas de Weber, enfatizando a interconexão
entre sua metodologia e suas análises concretas, entre sua perspectiva histórica
e suas construções sistemáticas. Se é dessa união do histórico com o sistemático
que emerge o sentido que a noção de “tipos ideais” possuía para Weber, a partir
do conceito de ação social Kronman mostra como os quatro tipos weberianos
de ação – a efetiva, a tradicional, ação de acordo com valores e a ação com
vista a um fim – são decisivos para compreender o papel dos quatro tipos
básicos de direito – direito material irracional, direito material racional, direito
irracional material e direito formal racional – no entrelaçamento conflito de
interesses e na estabilização de determinados padrões de sociabilidade. Com
base na ideia weberiana de racionalidade, Kronman também mostra como
Weber faz a correlação entre secularização da autoridade e crescimento da
importância as leis em todos os ramos do direito. Nesta perspectiva, o processo
de racionalização caminha historicamente para um modo de organização da
vida social em cujo âmbito as relações entre os homens tendem a ser previsíveis
em seus efeitos – e, portanto, aptos para a consecução dos fins desejados. Esse
processo alcança sua expansão máxima no capitalismo, visto como atividade
empresarial racional orientada às trocas mercantis, onde o direito se destaca
por facilitar as formas de ação social ao propiciar uma estrutura de sentido
comum. Não por caso, Kronman é um especialista em legislação mercantil e
societária, ensinando há décadas na veneranda e tricentenária Yale University.
Seu livro é preciso, claro e, acima de tudo, didático. Os critérios que
Kronmam utilizou para interpretar os fundamentos metodológicos e os pres-
supostos filosóficos de Weber, o ponto de partida compreender e apresentar
a intrincada e complexa sociologia jurídica weberiana, tiveram enorme re-
percussão na época de lançamento do livro, em 1983, mas estão longe de ser
pacíficos, tendo, na época, sido objeto de acirradas polêmicas5. Desde então,
o livro de Kronman, um clássico que finalmente é publicado em português,
depois de circular durante anos sucessivos em nossos cursos de pós-graduação
em direito e em ciências sociais por meio de disputadas cópias xerografadas,
vem ocupando um lugar de destaque e um espaço próprio entre os mais im-
portantes trabalhos sobre Weber.
José Eduardo FariaProfessor Titular da Faculdade de Direito da USP
1 Cf. Anthony Kronman, Max Weber, Stanford, Stanford University Press, 1983;
Wolfgang Mommsen, The Political and Social Theory of Max Weber, Cambridge, Polity
Press, 1989; Stephen Turner e Regis Factor, Max Weber: the lawyer as social thinker,
London, Routledge, 1994. 2 Ver Arthur Mitzman, “Personal conflict and ideological options in Sombart and
Weber”, in Max Weber and his contemporaries, Wolfgand Mommnsen and Jurgen Os-
terhammel orgs., London, Allen and Unwin, 1987, e Colin Gordon, “The soul of the
citizen: Max Weber and Michel Foucault on rationality and government”, in Max Weber:
rationality and modernity, Sam Whimster e Scott Lash orgs., London, Allen and Unwin,
1987, ver, também: Otto Stammer, Max Weber and Sociology Today, New York, Harper
& Row, 1971; Wolfgand Mommnsen, The Age of Bureacracy, London, Harper and Row,
1974; Gabriel Cohn, Crítica e Resignação, São Paulo, T. A. Queiroz, 1979; e Charles
Turner, Modernity and Politics in the Work of Max Weber, London, Routledge, 1995.3 Ver, nesse sentido, Edward Shills, “Max Weber and the world since 1920”, in Max
Weber and his contemporaries, Wolfgang Mommsen e Jurgen Osterhammel orgs., op. cit.4 Cf. Wolfgang Schluchter, entrevista ao jornal Clarín, edição de 11 de novembro de
2006.5 Para uma crítica aos pressupostos metodológicos utilizados por Kronmam, ver Joan
Tronto, “Law and Modernity: the significance of Max Weber’s Sociology of Law”, in
Texas Law Review, volume 63, n. 3, 1984.
SUMÁRIO
Relação das Obras de Max WeberRelação das Obras de Max Weber ................................................... ................................................... IXIX
PrefácioPrefácio ....................................................................................... ....................................................................................... XIIIXIII
Capítulo 1 – IntroduçãoCapítulo 1 – Introdução .................................................................. ..................................................................1
Capítulo 2 – Princípios MetodológicosCapítulo 2 – Princípios Metodológicos ............................................. .............................................9
Capítulo 3 – AutoridadeCapítulo 3 – Autoridade ................................................................ ................................................................5757
Capítulo 4 – Racionalidade jurídica formalCapítulo 4 – Racionalidade jurídica formal .................................. ..................................111111
Capítulo 5 – As formas de associação contratualCapítulo 5 – As formas de associação contratual ......................... .........................149149
Capítulo 6 – O direito e o capitalismoCapítulo 6 – O direito e o capitalismo .......................................... ..........................................181181
Capítulo 7 – A religião do desencantoCapítulo 7 – A religião do desencanto .......................................... ..........................................227227
Capítulo 8 – A ModernidadeCapítulo 8 – A Modernidade ........................................................ ........................................................255255
Notas BiográficasNotas Biográficas ........................................................................ ........................................................................289289
Outras leituras sugeridasOutras leituras sugeridas ............................................................ ............................................................297297
Referências Referências ................................................................................. .................................................................................303303
Índice remissivoÍndice remissivo .......................................................................... ..........................................................................323323