UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA UFSC
CENTRO TECNOLGICO CTC
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM URBANISMO
HISTRIA E AQUITETURA DA CIDADE PGAU-CIDADE
O PLANO DIRETOR DE 1952-1955 E AS
REPERCUSSES NA ESTRUTURAO URBANA
DE FLORIANPOLIS
JSSICA PINTO DE SOUZA
Orientadora: Prof. Dra. Maria Ins Sugai
Florianpolis, SC
2010
3
JSSICA PINTO DE SOUZA
O PLANO DIRETOR DE 1952-1955 E AS
REPERCUSSES NA ESTRUTURAO URBANA
DE FLORIANPOLIS
Dissertao submetida ao Programa de Ps-
Graduao em Urbanismo, Histria e
Arquitetura da Cidade, PGAU-Cidade da
UFSC, como parte dos requisitos para a
obteno do ttulo de Mestre em Urbanismo,
Histria e Arquitetura da Cidade, Linha de
Pesquisa em Urbanismo, Cultura e Histria
da Cidade.
Orientadora: Prof. Dr. Maria Ins Sugai
Pesquisa financiada pela FAPESC.
Florianpolis, SC
2010
4
.
Catalogao na fonte pela Biblioteca Universitria
da Universidade Federal de Santa Catarina
S729p Souza, Jssica Pinto de
O plano diretor de 1952-1955 e as repercusses na
estruturao urbana de Florianpolis [dissertao] /
Jssica Pinto de Souza ; orientadora, Maria Ins Sugai.
Florianpolis, SC, 2010.
133 p.: il., mapas, plantas
Dissertao (mestrado) - Universidade Federal de Santa
Catarina, Centro Tecnolgico. Programa de Ps-Graduao em
Urbanismo, Histria e Arquitetura da Cidade.
Inclui referncias
1. Arquitetura. 2. Planejamento urbano - Florianpolis
(SC). 3. Cidades e vilas - Florianpolis (SC). I. Sugai,
Maria Ines. II. Universidade Federal de Santa Catarina.
Programa de Ps-Graduao em Urbanismo, Histria e
Arquitetura da Cidade. III. Ttulo.
CDU 72
5
FOLHA DE APROVAO
A dissertao, intitulada O PLANO DIRETOR DE 1952-1955 E AS
REPERCUSSES NA ESTRUTURAO URBANA DE FLORIANPOLIS, de autoria de Jssica Pinto de Souza, foi
submetida a processo de avaliao conduzido pela Banca Examinadora,
para a obteno do ttulo de Mestre em Urbanismo, Histria e
Arquitetura da Cidade, tendo sido aprovada sua verso final em 26 de
maio de 2010, em cumprimento s normas da Universidade Federal de
Santa Catarina e do Programa de Ps-Graduao em Urbanismo,
Histria e Arquitetura da Cidade, PGAU-Cidade.
Comisso examinadora:
__________________________________
Prof. Dr. Maria Ins Sugai
Presidente (Orientador) - PGAU-Cidade/UFSC
__________________________________
Prof. Dr. Luiz Eduardo Fontoura Teixeira
Membro ARQ/UFSC
__________________________________
Prof. Dr. Elson Manoel Pereira
Membro GCN/UFSC
__________________________________
Prof. Dr. Maria Cristina da Silva Leme
Membro Externo FAUUSP
6
7
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo analisar e compreender o Plano
Diretor de Florianpolis, desenvolvido em 1952, pelos urbanistas
Edvaldo Paiva, Demtrio Ribeiro e Edgar Graeff, luz do momento
histrico e econmico brasileiro e local, buscando o entendimento da
concepo desse plano, de sua abrangncia e de sua repercusso na
organizao scio-espacial da cidade. Esse trabalho tambm visa
contribuir para o debate e a compreenso do papel dos planos diretores
no planejamento e no ordenamento urbano e a sua eficcia na
regulamentao e na implementao das aes urbanas transformadoras.
O Plano Diretor elaborado para a capital catarinense, em um
momento que se disseminavam ideais de mudana e superao do atraso
econmico que se encontrava a cidade no incio da dcada de 50. Com a
progressiva reduo das atividades porturias, a economia da cidade se
apoiava na funo administrativa de capital do Estado. J os graves
problemas de infra-estrutura aliados ao precrio sistema rodovirio que
dificultava os acessos capital inibiam qualquer desenvolvimento
industrial que pudesse dinamizar a economia nesse perodo.
Em 1952, quando as grandes cidades brasileiras experimentavam
intenso crescimento demogrfico, que a cidade de Florianpolis, com
menos de 70.000 habitantes, tem seu primeiro Plano Diretor elaborado.
A proposta, que apresenta uma forte influncia do momento poltico
desenvolvimentista e do planejamento urbano nacional, representa a
crena existente neste perodo histrico, de que o planejamento traria a
soluo para diversos problemas que as cidades enfrentavam.
8
9
ABSTRACT
This paper has as the objective to analyze and to understand the
Managing Plan of Florianopolis, developed in 1952, for the city
planners Edvaldo Paiva, Demtrio Ribeiro and Edgar Graeff, to the light
of the historical moment and economic Brazilian and local place,
searching the agreement of the conception of this plan, its reach and its
repercussion in the partner-space organization of the city. This paper
also aims at to contribute for the debate and the understanding of the
paper of the managing plans in the planning and the urban order and its
effectiveness in the regulation and implementation of the transforming
urban actions.
The Managing Plan is developed for the city, at a moment that if
spread change ideals and overcoming of the economic delay that if at
the beginning found the city of the decade of 50. With the decay of the
port activity, the economy of the city was supported in the
administrative function of capital of the State. Already the serious
infrastructure problems allies to the precarious road system that made it
difficult the accesses to the capital inhibited any industrial development
that could improve the economy in this period.
In 1952, when the great Brazilian cities tried intense growth
demographic, that the city of Florianopolis, with less than 70.000
inhabitants, it has its first Managing Plan elaborated. The proposal, wich
presents a strong influence of the moment called desenvolvimentista politician and the national urban planning presents, represents the
existing belief in this historical period that the planning would bring the
solution for diverse problems that the cities faced.
10
11
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Pennsula central da Vila Nossa Senhora de Desterro em
1823 ....................................................................................................... 25
Figura 2: Linhas ordenadoras da praa .................................................. 26
Figura 3: Traado a partir da praa ....................................................... 26
Figura 4: Localizao da ocupao inicial e dos caminhos intra-urbanos
do ncleo urbano de Desterro ................................................................ 28
Figura 5: Localizao das Avenidas Herclio Luz e Mauro Ramos e da
Ponte Herclio Luz. ............................................................................... 34
Figura 6: Av. Felipe Schmidt ................................................................ 46
Figura 7: Movimento dos Portos de Santa Catarina em 1957 ............... 48
Figura 8: Mapa de uso do solo da rea central de Florianpolis ........... 50
Figura 9: Mapa da localizao das chcaras.......................................... 51
Figura 10: Espacializao da Lei n 073/51 .......................................... 55
Figura 11: Esquema do plano publicado em Um Plano de Urbanizao
por Edvaldo Paiva em 1943. ................................................................. 62
Figura 12: Fachada da Residncia Edvaldo Paiva 1948. .................... 64
Figura 13: Localizao da Populao por extremos de renda 1947 ... 74
Figura 14: Esquema da anlise da funo porturia .............................. 75
Figura 15: Esquema da proposta do Plano Diretor de 1955 .................. 77
Figura 16: Mapa da proposta do Plano Diretor de 1952 ....................... 81
12
Figura 17: Comparao do Sistema Virio existente com o Sistema
Virio proposto em 1952....................................................................... 84
Figura 18: Planta da Hierarquizao Viria do Plano Diretor de
Florianpolis de 1952 ........................................................................... 85
Figura 19: Praia da Saudade, no Continente, em 1940 ......................... 87
Figura 20: Planta da Hierarquizao Viria do Plano Diretor de
Florianpolis de 1952 ........................................................................... 87
Figura 21: Perfil da Avenida Tronco na baa sul da ilha ....................... 89
Figura 22: Perfil da Avenida Beira-Mar Norte ..................................... 91
Figura 23: Projeto da Avenida Beira-Mar Norte, 1963 Trecho 1 ...... 92
Figura 24: Projeto da Avenida Beira-Mar Norte, 1963 Trecho 2 ...... 93
Figura 25: Aterro na Praia de Fora para construo da Av. Beira-Mar
Norte. .................................................................................................... 94
Figura 26: Detalhe do traado virio da Cidade de Letchworth de
Ebenezer Howard .................................................................................. 96
Figura 27: Detalhe do traado urbano proposto .................................... 96
Figura 28: Ponte Herclio Luz na dcada de 60 .................................... 97
Figura 29: Sobreposio do traado da Avenida Othon Gama DEa e da
Avenida Prefeito Osmar Cunha sobre o sistema virio proposto pelo
Plano Diretor de 1952. .......................................................................... 98
Figura 30: Planta de Zoneamento do Plano Diretor de 1955 .............. 100
Figura 31: Planta das alturas das edificaes do Plano Diretor de 1955
............................................................................................................ 102
13
Figura 32: Simulao do impacto da proposta de verticalizao na
paisagem da rea central da cidade. .................................................... 103
Figura 33: Localizao das edificaes ............................................... 104
Figura 34: Simulao da avenida-tronco no continente. ..................... 105
Figura 35: Espacializao das alteraes na legislao ....................... 107
Figura 36: Planta das reas Verdes .................................................... 109
Figura 37: Parques Municipais nas cabeceiras da Ponte Herclio Luz 110
Figura 38: Perspectiva da proposta para o Centro Cvico ................... 114
Figura 39: Perspectiva da cidade Universitria ................................... 115
Figura 40: Projeto para Universidade do Brasil Lucio Costa, 1936 . 115
Figura 41: Projeto para a Faculdade de Arquitetura UFRGS, Demtrio
Ribeiro, Plnio Almeida, Frederico Mentz, Emil Bered, Carlos M. Fayet,
Leovegildo Paiva e Moacyr Moojen Marques, 1953. ......................... 117
Figura 42: Casa Prudente de Morais Neto. Edgar Graeff, 1948. ......... 117
Figura 43: Perspectiva geral da proposta do Plano Diretor de 1952 ... 118
Figura 44: Centro Metropolitano proposto no Plano Diretor de 1969. 120
14
SUMRIO
INTRODUO .................................................................................... 17
CAPTULO 1
A ORGANIZAO SCIO-ESPACIAL E O CENRIO POLTICO
DE FLORIANPOLIS NA DCADA DE 50 ..................................... 23
1.1. Perodo Colonial da Vila de Desterro ............ 23
1.2. Perodo Imperial e Primeira Repblica .......... 29
1.3. Dcadas de 1930 e 1940 ................................ 37
1.4. A Florianpolis da dcada de 50 ................... 43
CAPTULO 2
PRINCPIOS E INFLUNCIAS .......................................................... 59
2.1. Os autores ........................................................ 60
2.2. Edvaldo Paiva, idias, influncias e opinies . 66
2.3. Atuao dos arquitetos no planejamento urbano
......................................................................... 69
CAPTULO 3
O PLANO DIRETOR DE FLORIANPOLIS DE 1952 E SUAS
REPERCUSSES NO ESPAO URBANO ........................................ 71
3.1. A Proposta ....................................................... 72
3.2. Anlise do Plano a partir do Sistema Virio ... 83
3.3. A diviso funcional do territrio ..................... 99
15
3.4. A consolidao do processo de segregao
scio-espacial ................................................ 111
3.5. As Propostas Arquitetnicas ......................... 113
CONSIDERAES FINAIS .............................................................. 121
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................ 125
16
17
INTRODUO
O Brasil, nesse incio do sculo XXI, vive um momento
importante na histria do planejamento urbano, quando, desde 2001,
entrou em vigor o Estatuto da Cidade, Lei N10.2571. Concebido pelo
movimento de reforma urbana2, esse instrumento jurdico, juntamente
com a Constituio de 1988, constituem as estruturas fundamentais de
uma nova ordem jurdico-urbanstica que regulamenta as questes
referentes urbanizao. O Estatuto da Cidade oferece instrumentos
capazes de minimizar as desigualdades que estruturam nossas cidades,
atravs do controle da propriedade fundiria urbana e da gesto
democrtica das cidades, ainda que se mantenham em debate os limites,
as contradies e a forma como esses instrumentos esto sendo
implementados, e se realmente esto cumprindo com seu papel.
O principal instrumento disposio do poder pblico para
regulamentao espacial continua sendo o Plano Diretor, que se tornou
obrigatrio para os municpios com mais de vinte mil habitantes, de
acordo com a Constituio de 1988 e os novos dispositivos legais do
Estatuto da Cidade. E foi a partir dos novos paradigmas deste
instrumento jurdico, que o Plano Diretor passa a incluir a participao
popular como metodologia para sua elaborao, visando
regulamentao da propriedade urbana e ao controle do
desenvolvimento urbano de acordo com as necessidades e o bem-estar
da maior parte da populao.
Apesar de aparecerem oficialmente numa legislao federal
somente em 1988, os Planos Diretores so utilizados como instrumentos
do planejamento urbano brasileiro desde 1930, quando o termo
1 O Estatuto da Cidade foi promulgado em 10 de julho de 2001, e regulamenta os artigos 182 e
183 da Constituio Federal de 1988, referentes poltica urbana. Este documento tem como
um de seus objetivos garantir a funo social da propriedade urbana em prol do bem coletivo. 2 O Movimento pela Reforma Urbana ocorreu nos anos oitenta, juntamente com o processo de
redemocratizao dopais. Segundo Ermnia Maricato, o movimento nasceu de iniciativas de
setores da igreja catlica, como a CPT - Comisso Pastoral da Terra", que se dedicava
assessoria da luta dos trabalhadores no campo e passou, a partir de uma primeira reunio
realizada no Rio de Janeiro, no final dos anos 1970, a promover encontros destinados a
auxiliar a construo de uma entidade que assessorasse os movimentos urbanos.
(MARICATO, 1997).
18
apareceu pela primeira vez no pas no Plano de Alfred Agache para a
cidade do Rio de Janeiro. (VILLAA, 2005). Entretanto, planos
urbansticos j eram desenvolvidos desde o final do sculo XIX,
propondo reformas urbanas pontuais e obras de infra-estrutura como
saneamento e regularizao viria. (LEME, 1999) A partir da dcada de
40, este instrumento passa a ser difundido e largamente utilizado pelos
planejadores brasileiros, passando por diversas transformaes ao longo
da histria do planejamento urbano, at chegar forma como est sendo
desenvolvido na ltima dcada, utilizando-se da participao popular
como instrumento para sua elaborao.
A cidade de Florianpolis, nas primeiras dcadas do sculo XX,
j realizava grandes obras urbanas. Apesar de possuir apenas 41.338
habitantes em 1920 (IBGE), a capital realizou obras de melhoramentos
e saneamento, assim como as grandes capitais brasileiras estavam
executando. So Paulo, nesse mesmo perodo j contava com 579.033
habitantes; Rio de Janeiro, 1.157.873 e Porto Alegre 179.263 habitantes,
segundo dados do IBGE.
Durante o Estado Novo, os Planos Diretores mais abrangentes,
que visavam totalidade do conjunto urbano, foram responsveis por
grandes reformas na estrutura viria das grandes cidades brasileiras. Em
So Paulo foi implantado o Plano de Avenidas de Prestes Maia (1930),
no Rio de Janeiro, o Plano Agache (1930), em Porto Alegre, o Plano de
Arnaldo Gladosh (1943). Estes planos transformaram a rede viria
precria do perodo colonial para se adaptarem as novas necessidades
das cidades que surgiriam com o incio do processo de industrializao
brasileiro.
Nesse perodo, desenvolviam-se em Florianpolis pequenas
reformas urbanas pontuais, visando principalmente melhoramentos
virios. Essas aes no resultaram em uma reforma estrutural no
sistema virio, como ocorreu nas grandes cidades, o que fez com que a
malha urbana continuasse basicamente a mesma do perodo colonial.
A dcada de 50, no Brasil, marcada pela ampliao das relaes
econmicas do pas com a economia internacional atravs de um
processo de industrializao impulsionado pelo capital estrangeiro. Esse
processo resulta no rpido crescimento das taxas de urbanizao das
grandes cidades. A populao urbana do pas passa de 18.782.981
habitantes, em 1950, para 32.004.817 em 1960. (SANTOS, 2008)
A capital catarinense no se inseriu nesse processo nacional de
industrializao, e chegou dcada de 50, com menos de 69.122
19
habitantes, e com uma economia estagnada, baseada no setor tercirio, e
principalmente sustentada pela funo de capital do Estado. Essa
situao gerou um clima de insatisfao nos grupos sociais influentes
que resultou na contratao de um escritrio de urbanismo para a
elaborao de um Plano Diretor para Florianpolis, pois se acreditava
que o planejamento poderia determinar o desenvolvimento econmico
de uma cidade.
Esse Plano Diretor foi elaborado, em 1952, por um escritrio de
urbanistas gachos constitudo pelo Engenheiro Edvaldo Pereira Paiva e
pelos arquitetos Demtrio Ribeiro e Edgar Graeff. Esses profissionais j
possuam uma atuao de destaque no Rio Grande do Sul, e estavam
elaborando o primeiro Plano Diretor para a cidade de Porto Alegre,
nesse mesmo perodo.
A Florianpolis que os arquitetos encontraram no incio da
dcada de 50 foi uma cidade pequena, com aproximadamente 69.122
habitantes (IBGE), e que convivia com uma precria situao
econmica e com uma grande deficincia de infra-estrutura urbana. O
fato de Florianpolis estar localizada em uma ilha determinou que desde
a sua formao, as atividades porturias se tornassem o principal apoio
econmico da cidade. No sculo XIX, o porto da capital era um dos
mais importantes do sul do Brasil, com uma atividade bastante intensa.
Entretanto, na dcada de 50 a atividade porturia j estava entrando em
crise, devido falta de investimentos no seu desenvolvimento e
modernizao de suas instalaes.
Enquanto nesse perodo, setores produtivos do Vale do Itaja e do
Nordeste do Estado se desenvolviam e participavam cada vez mais da
dinmica do mercado nacional, a capital se mantinha isolada do eixo
econmico do Estado, tanto por seu atraso econmico, quando por sua
deficincia de conexes rodovirias com as demais regies do estado.
Com a pavimentao da rodovia BR-116, situada no Planalto Central, e
que efetuou a conexo entre o estado de Santa Catarina e o estado do
Paran, atravs das cidades de Lages e Mafra, Florianpolis passou
tambm a ficar deslocada do ento eixo rodovirio de Santa Catarina. A
ponte Herclio Luz, continuava sendo, desde a dcada de 20, o nico
acesso rodovirio ilha de Santa Catarina no incio da dcada de 50 e a
ligao entre a cidade e o interior do Estado era feita por apenas trs
rodovias.
Os autores conceberam a proposta para Florianpolis amparada
no imperativo do desenvolvimento de uma rea industrial a partir da
20
implantao de uma grande rea porturia na poro continental da
cidade. Essa proposta confrontava com os graves problemas de infra-
estrutura urbana que a cidade sofria, como por exemplo, a grande
deficincia nos servios de abastecimento de gua e de energia eltrica.
A esttica modernista direcionava essa nova proposta de transformao
da paisagem urbana da cidade, at ento predominantemente horizontal
e com o traado virio herdado do perodo colonial. Faziam parte do
Plano, entre outras propostas, a implantao de grandes avenidas, de
extensos aterros sobre o mar, reas verdes, bairros jardim, um campus
universitrio e um grande parque municipal.
O Plano Diretor, concludo em 1952, foi aprovado pela Cmara
de Vereadores de Florianpolis apenas em 1955, constituindo-se a Lei
n 246/55. Ficou em vigncia durante 21 anos, at 1976, quando foi
aprovado um novo Plano Diretor para a cidade. Algumas das
proposies relacionadas ao setor produtivo e algumas das intervenes
virias foram executadas, especialmente a Avenida Beira-Mar Norte.
No entanto, esse plano teve um papel manteve-se como referncia por
um longo perodo e teve papel importante nas transformaes urbanas
que a cidade presenciou a partir da dcada de 50, influenciando nas
aes do capital imobilirio e fundirio e na organizao scio-espacial
da cidade.
O presente trabalho desenvolve um estudo do Plano Diretor de
Florianpolis de 1952, luz do momento histrico e econmico
brasileiro e local, buscando o entendimento da concepo desse plano,
de sua abrangncia e de sua repercusso na organizao scio-espacial
da cidade. Esse trabalho tambm visa contribuir para o debate e a
compreenso do papel dos planos diretores no planejamento e no
ordenamento urbano e a sua eficcia na regulamentao e na
implementao das aes urbanas transformadoras.
No primeiro captulo, desenvolve-se uma anlise do processo de
produo do espao urbano de Florianpolis, visando caracterizao
da estrutura urbana que se configurava no momento de elaborao desse
plano diretor. O objetivo desse captulo contextualizar o Plano para
permitir a anlise e a compreenso dessa proposta luz do momento
histrico e poltico nacional e das caractersticas locais. Em um primeiro
momento, se investiga a formao da cidade e seu desenvolvimento
durante o perodo colonial. O segundo item corresponde ao perodo
Imperial e da Primeira Repblica. No terceiro, so abordadas as dcadas
de 30 e 40 para finalmente se entrar na dcada de 50, no quarto item,
21
onde se ilustra o contexto da cidade, e se busca compreender sua
organizao scio-espacial para que possa nortear as posteriores
anlises desta proposta.
No segundo captulo, procura-se traar os perfis dos autores
dessa proposta, buscando desvendar suas influncias, suas teorizaes e
vises de arquitetura e do planejamento urbano. feita ainda uma
rpida anlise dos Planos Diretores que esses profissionais j haviam
elaborado at o momento dessa proposta para a capital catarinense, para
poder identificar as semelhanas e diferenas existentes entre eles,
contribuindo para melhor compreenso de suas propostas.
O terceiro captulo traz os estudos e anlises do plano estudado,
bem como de suas repercusses na organizao scio-espacial da
cidade. Em um primeiro momento, so descritas as diretrizes gerais
desse Plano Diretor suas principais caractersticas e a metodologia
utilizada pelos autores na elaborao dessa proposta. Posteriormente so
desenvolvidas as anlises dessas propostas e de suas repercusses no
espao urbano aps a aprovao da lei, no que concerne ao setor virio,
diviso funcional do espao e das propostas arquitetnicas.
22
23
CAPTULO 1
A ORGANIZAO SCIO-ESPACIAL E O CENRIO
POLTICO E ECONMICO DE FLORIANPOLIS NA
DCADA DE 50
O objetivo deste captulo contextualizar a proposta do primeiro
Plano Diretor elaborado para Florianpolis, atravs da caracterizao da
cidade neste perodo histrico, bem como o estudo de sua organizao
scio-espacial para que se possa analisar e compreender as proposies
do Plano Diretor, considerando-se o momento histrico e poltico
nacional e as caractersticas locais por eles encontradas.
Para o entendimento da organizao scio-espacial da cidade no
incio da dcada de 50, necessrio um resgate de alguns aspectos
significativos do processo de produo do espao urbano de
Florianpolis ao longo de sua histria. Em um primeiro momento, se
apresenta uma anlise da formao da cidade e seu desenvolvimento
durante o perodo colonial. O segundo item trata do perodo Imperial e
da Primeira Repblica. No terceiro, so abordadas as dcadas de 30 e 40
para finalmente se abordar a dcada de 50, no quarto item, onde se
ilustra o contexto da cidade, e se busca compreender sua organizao
scio-espacial para que possa nortear as posteriores anlises desta
proposta.
1.1. O Perodo Colonial da Vila do Desterro
O perodo colonial da cidade de Florianpolis, ento chamada de
Vila de Nossa Senhora do Desterro, o perodo de consolidao da
ocupao da Vila e conformao do traado urbano que ir configurar a
malha viria da cidade. Nesse momento, a populao no configurava
nenhuma separao espacial por classes e nem separava a moradia do
comrcio. A economia da cidade se baseava na atividade porturia e em
um pequeno comrcio local incentivado pelo movimento de
embarcaes no porto.
24
Em 1739, foi criada a Capitania da Ilha de Santa Catarina,
quando a coroa portuguesa comeou a interessar-se mais pelo extremo
sul de seu domnio na Amrica devido s disputas territoriais com a
Espanha. A ocupao da Ilha de Santa Catarina se justifica por sua
localizao em um local estratgico para a coroa portuguesa, na metade
do percurso entre o Rio de Janeiro e Esturio do Prata, e por seu
cobiado porto, que permitia a atracao e o abastecimento das
embarcaes militares de forma mais segura em funo de suas duas
baas. De todos os tempos o porto de Santa Catharina (sic) foi
considerado, pelos mais abalizados navegantes,
historiadores e militares, como um dos principaes (sic)
do Sul, no s pela franqueza completa e absoluta de sua
barra, como pelos numerosos abrigos, angras, abras e
enseadas que existem dentro das duas grandes bahias
(sic) que ficam entre a ilha daquelle (sic) nome e a terra
firme. (PROENA apud VARZEA, 1900 p.178).
A criao da Capitania no ocorreu pelo interesse da coroa portuguesa na possibilidade de produo econmica da ilha e sim foi
motivada por interesses militares. A Ilha assumiu a funo de uma
Capitania fortificada para proteger a Colnia de Sacramento e impedir a
invaso dos espanhis no territrio portugus (CORRA, 2005), mas
no desenvolveu expressivamente nenhum tipo de produo econmica
que pudesse sustentar e propiciar o crescimento da cidade. Fato esse que
determinou, desde o incio de sua formao, uma relao de
dependncia econmica com o governo. (PELUSO, 1991).
O ncleo urbano de Nossa Senhora do Desterro se localizou na
chamada pennsula central da Ilha de Santa Catarina, conformada pelas
baas norte e sul e pelo macio rochoso mo Morro da Cruz, conforme a
Figura 1. A ocupao formou-se em torno do porto, na costa oeste da
Ilha, voltado para a Baa Sul, entre a ilha e o continente, pois essa rea
oferecia s embarcaes, abrigo e proteo contra os constantes ventos
da Ilha. As poucas edificaes que abrigavam residncias e um pequeno
comrcio localizaram-se nas reas em torno da praa XV de Novembro.
O traado das primeiras ruas foi determinado pela linha original da orla
e pela implantao da praa central e da Igreja Matriz, conforme as
normatizaes portuguesas.
25
A praa central teve sua forma irregular definida por duas linhas perpendiculares linha da orla (ver Figura 2), que delimitavam suas
laterais, fazendo com que tivesse uma face mais estreita na orla e mais
larga no topo da colina. nessa ltima que, no topo da colina, se
localiza a Igreja Matriz, voltada para a baa sul. Essa forma irregular da
praa ordenou o traado geral da cidade (ver Figura 3). (DIAS, 1947).
Figura 1 Pennsula central da Vila Nossa Senhora de Desterro em 1823
Fo
nte
: P
EL
US
O J
R, 199
1
26
Fo
nte
: D
IAS
(19
47/2
)
Figura 2: Linhas ordenadoras da praa
Linhas perpendiculares orla que deram origem ao
traado urbano da cidade definiram o traado geral da cidade.
Figura 3: Traado a partir da praa
Traado das quadras a partir das linhas da Praa XV de Novembro.
Fo
nte
: D
IAS
(19
47/2
)
27
Para garantir a manuteno da ordem, arrecadao fiscal e defesa
do territrio, o governo construiu as Fortalezas, o Palcio do Governo
(1765), a Casa de Cmara e Cadeia (1771-1780), a Igreja da Matriz
(1753-1773), e a Casa dos Abrigos Blicos (1775). As localizaes
destas edificaes eram definidas pelo Imprio e foram determinantes
para a configurao do traado da cidade e de sua posterior ocupao
territorial.
As comunicaes internas que ligavam o ncleo urbano da Vila
do Desterro eram feitas por caminhos que davam acesso ao forte de
Santana, ao forte de So Francisco, ao forte de So Luiz, na baa Norte,
entre o morro Sinai (morro do Anto) e o mar, Trindade, a leste do
forte de Santa Brbara ligando ao Saco dos Limes e outra ligao
Trindade atravs do morro. (PELUSO, 1991). Estes caminhos foram
determinantes para a posterior definio do traado urbano da cidade de
Florianpolis. O caminho em direo ao forte de So Francisco originou
a atual Rua Esteves Jnior. Na baa Norte, o caminho paralelo praia
at o forte de So Luiz deu origem s ruas Almirante Lamego,
Bocaiva, Heitor Luz. O caminho que ligava o centro ao forte So Luiz
deu origem s ruas Visconde de Ouro Preto, Almirante Alvim e Vitor
Konder. A trilha que dava acesso Trindade pelo morro, prolongada em
sua base, deu origem Avenida Mauro Ramos. (PELUSO, 1991). (Ver
Figura 4).
28
A caracterstica insular da Vila de Desterro e a sua formao geogrfica que conformava as baas norte e sul, fizeram com que a
atividade porturia se tornasse o principal recurso da economia da vila.
O porto era a nica porta de entrada de produtos para o consumo da
populao local e de sada do principal produto de exportao da poca,
a farinha, e a via martima era a nica forma de comunicao da vila
com o resto do mundo. (CABRAL, 1979). As atividades porturias estimularam o desenvolvimento do comrcio local, principalmente por receber muitas embarcaes
estrangeiras que se direcionavam para o Rio do Prata e acabavam
movimentando a economia local. Tambm contriburam para o
aparecimento de diversos hotis, penses, estalagens e ainda atraram o
Figura 4: Localizao da ocupao inicial e dos caminhos intra-urbanos do ncleo
urbano de Desterro
Caminhos intra-urbanos que deram origens s principais vias da cidade. O caminho para o Forte de So Francisco deu origem rua Esteves Jnior. O caminho para o forte So Luiz
originou as ruas Visconde de Ouro Preto, Almirante Alvim e Victor Konder. A Praa
XV de Novembro e Bo sentido da ocupao urbana inicial.
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29
desenvolvimento urbano da cidade para o lado oeste da Praa XV, em
funo do movimento de navios nesta direo, j que neste perodo, a
grande maioria das edificaes se concentrava no lado leste da praa.
Em 1797, o porto da Vila de Desterro foi o mais procurado do Estado:
os registros mostram que ali chegaram 116 embarcaes enquanto em
So Francisco, 13 e, em Laguna, 45 embarcaes. (CABRAL, 1979).
1.2. Perodo Imperial e Primeira Repblica
Esse perodo corresponde a um momento de grandes
transformaes no cenrio poltico e econmico brasileiro com a
Proclamao da Repblica. Em Florianpolis, abarca dois importantes
momentos na economia da cidade: o primeiro corresponde ao auge do
desenvolvimento da atividade porturia, e o segundo, sua primeira
grande crise, na virada do sculo. Com relao organizao scio-
espacial, na segunda metade do sculo XIX, que comea a se
configurar uma separao espacial das reas residenciais da populao
de alta renda. O perodo republicano tambm marcado pela troca de
nome da cidade, que passa a se chamar Florianpolis, e por uma srie de
intervenes do estado no espao urbano, como as grandes obras de
saneamento, a abertura da Avenida Herclio Luz e a construo da ponte
Herclio Luz.
Na dcada de 1860, o porto atingiu seus anos mais promissores,
com uma a atividade comercial-porturia bastante intensa. Este perodo
coincide com o perodo da Guerra do Paraguai, onde houve um grande
aumento nas exportaes de gneros alimentcios na regio sul.
Entretanto, a queda no valor da moeda nacional anulou os benefcios
que esse fato poderia ter proporcionado economia da cidade.
(HBENER, 1981). Em 1875, instalou-se na capital, a Companhia
Catarinense, empresa de barcos a vapor que faziam o transporte regular
de passageiros e cargas para a cidade de Laguna. (CABRAL, 1979).
J no final do sculo XIX, a atividade porturia da capital vai
sofrer sua primeira crise em decorrncia da navegao a vapor que
avanava para o uso de navios de grande calado que no eram
compatveis com as guas pouco profundas da baa da Ilha de Santa
Catarina (CECCA, 1997).
30
At a primeira metade do sculo XIX, a ocupao da cidade
ainda se concentrava principalmente a leste da Praa XV,
provavelmente em virtude da localizao do principal olho dgua. (CABRAL, apud SUGAI, 1994). Nesta rea se localizava a maioria da
populao, tanto ricos quanto pobres, sem existir ainda separao
espacial entre estes e entre os locais de comrcio e residenciais.
(SUGAI, 1994). A separao espacial entre classes sociais comeou a se configurar na segunda metade do sculo XIX, quando as reas
residenciais da populao de alta renda comearam a se concentrar nas
primeiras quadras a oeste da Praa XV de Novembro. Esse afastamento
fsico se deu em um momento de proliferao dos cortios, que se
localizavam, predominantemente, a leste da praa, a partir da quarta
quadra a oeste, nas margens do Rio da Bulha e nas encostas do macio
rochoso central.
A populao de alta renda, alm de ocupar a rea central, a oeste
da praa, passou a ocupar grandes chcaras ao redor do ncleo urbano
da cidade. Localizadas em sua maioria na poro norte da pennsula
central da ilha, inicialmente essas chcaras tinham carter de habitao
temporria, por se tratar de reas de cotas mais elevadas, portanto mais
favorecidas pelos ventos no vero. Tambm tinham carter de proteo
nas constantes epidemias que resultavam da falta de saneamento e infra-
estrutura das reas urbanas e tambm permitiam uma pequena produo
rural para abastecimento das residncias centrais. (SUGAI, 1997).
Este perodo marcado por um cenrio de transformaes
econmicas e sociais no Brasil, que resultaram na Proclamao da
Repblica, onde o governo, agora, passa a ter grande importncia
como centro de decises econmicas. A grande expanso da produo do caf, impulsionada pela
urbanizao dos Estados Unidos, iniciou o processo de migrao de
europeus para as regies em expanso, como o Brasil. Entretanto, essa
corrente migratria se deparou com uma estrutura latifundiria
consolidada, que inviabilizava o acesso propriedade de terra, o que
resultou em um processo de urbanizao desvinculado do processo de
industrializao. (FURTADO, 1979).
(...) a urbanizao no Brasil, desde a colnia e
principalmente no sculo XIX, avana a passos mais
31
largos do que aqueles que nos acostumamos a entender
que o fenmeno da urbanizao na sociedade e na
economia brasileira um fenmeno que se deflagra
apenas a partir da industrializao. (OLIVEIRA, 1982
p.38).
J no final do sculo XIX surgem os primeiros planos de
interveno do Estado no espao urbano no Brasil. Estes planos
urbansticos tinham a funo de garantir a reproduo do complexo
agro-exportador, ou seja:
(...) garantir que o fluxo das mercadorias no fosse
interrompido para os mercados externos em funo do
colapso criado pelas epidemias e a falta de saneamento
que paralisava a exportao dos produtos como caf,
acar, algodo etc. (QUINTO JR, 2006 p.4).
Nas ltimas dcadas do sculo XIX, o Estado passa a intervir no
espao urbano de Florianpolis atravs da legislao. Em 1880, foi
elaborado o primeiro Cdigo de Posturas, que visava regulamentar as
atividades urbanas e frear a multiplicao dos cortios nas reas
centrais. Novos servios urbanos tambm comearam a ser adotados
pelo Estado, como um servio de remoo de lixo, guas servidas e matrias fecais e tambm inaugurado o primeiro servio de transporte coletivo, utilizando bonde de trao animal. (SUGAI, 1997, p.5).
Esses primeiros planos urbansticos desenvolvidos no Brasil
fazem parte do chamado urbanismo sanitarista, que vai ser um dos
modelos de interveno do Estado no incio do sculo XX. Esses planos
aliavam o projeto de saneamento a um projeto urbanstico. O
engenheiro Saturnino de Brito foi o principal representante desse
urbanismo, realizando obras em todo o territrio nacional, onde alm
das obras de saneamento, tambm projetava as reas de expanso das
cidades.
J em 1896, Saturnino de Brito elabora o Projeto de um Novo Arrabalde dotado dos servios de abastecimento de gua e de drenagem
para Vitria, capital do Esprito Santo, onde alm da detalhada proposta de saneamento e abastecimento de gua, o engenheiro tambm
projeta o traado virio, os quarteires, lotes, tipo de casas, alm de
32
definir reas destinadas a hospitais, jardins, cemitrio e capela. (LEME,
1999).
Em 1905, elabora um plano de saneamento para Santos,
juntamente com a elaborao de um plano urbano. J para a cidade de
Recife, em 1909, alm do plano de saneamento tambm elabora um
conjunto de normas para regularizar reformas e construes.
Em 1909, se inicia na cidade de Florianpolis, um grande
investimento em obras de saneamento. Foram implantadas redes de
gua e esgoto, alm de uma adutora e um reservatrio situado no Morro
da Cruz. Diferentemente das aes do perodo colonial da Vila de
Desterro que faziam parte de determinaes pr-estabelecidas pelo
Imprio, as aes do perodo Republicano representavam aes pontuais
que visavam melhorias nas condies sanitrias da cidade, de acordo
com as aes do planejamento urbano brasileiro desse perodo.
Em 1911, o governador Vidal Ramos contratou o Engenheiro
Luiz Jos da Costa para orar, projetar e coordenar as obras de
saneamento da cidade. O engenheiro foi indicado pelo Prof. Saturnino
de Brito, que no pode, na poca, assumir a execuo da obra.
No final do sculo XIX, tambm surgiram no Brasil, os planos
de melhoramentos e embelezamento, a partir de um relatrio
desenvolvido pela Comisso de Melhoramentos da Cidade do Rio de
Janeiro, que foi o primeiro documento onde so utilizados conceitos
de plano e de conjunto em se tratando do espao urbano.
(VILLAA, 2004). Esses planos tinham a influncia do urbanismo renascentista francs que enfatizava a beleza monumental nas cidades, e tambm do
movimento City Beautiful dos Estados Unidos.3 As propostas se
detinham basicamente nas questes virias, sem abordar os problemas
sociais, e tinham uma maior aproximao com as aes prticas, pois
eram executados como planos de obras.
O termo embelezamento, no correspondia apenas a uma
imposio de novos valores estticos, mas tambm encobria uma srie
de estratgias da classe dominante, como por exemplo, a erradicao da
3 O movimento City Beautiful surge em 1893, com o projeto de Daniel Burnham para a cidade de Chicago, e se caracteriza por ser um planejamento altamente ideolgico, pois foi amplamente utilizado para glorificar e ajudar a impor o Estado e a classe dirigente
capitalistas, quando eram revolucionrios. (VILLAA, 2004 p.192).
33
classe trabalhadora das reas centrais das cidades, que passaram a
ocupar as reas de morro e de periferia.
Essas propostas de melhoramentos eram elaboradas sobre a
cidade j existente, por profissionais da rea de engenharia que
ocupavam cargos pblicos nas administraes das prefeituras e do governo do estado. (LEME, 1999).
Os planos de Pereira Passos para o Rio de Janeiro e de Prestes
Maia para So Paulo so os grandes representantes desse planejamento.
O plano de Pereira Passos, de 1903, denominado
Embelezamento e Saneamento da Cidade, foi inspirado nas reformas urbanas de Haussmann (1853 1870) na cidade de Paris. Com o objetivo de melhorar a fluidez do trfego, o plano se detinha no projeto
virio, e visava melhorar as condies estticas e sanitrias das
edificaes. Buscando a modernizao da cidade, o plano prev a
abertura de grandes avenidas, e a ocupao da orla martima.
Ao contrrio das principais capitais brasileiras que executaram grandes reformas urbanas no incio do sculo XX devido ao rpido
aumento populacional, Florianpolis no apresentava significativo
crescimento urbano nesse perodo, 0,182% ao ano com uma populao
de 38.585 habitantes, em 1910, segundo o IBGE. Essas grandes
reformas foram impulsionadas pelo anseio das elites locais em promover um amplo reajustamento social de sua populao aos
imperativos e s territorialidades burguesas de organizao social. (ARAJO, 1989 p.11). A grande diversificao social que a cidade
apresentou nesse perodo, com o aumento da populao de
comerciantes, funcionrios do Estado, profissionais autnomos, acabou
fortalecendo a burguesia local. (ARAJO, 1989).
Em 1918 iniciou-se em Florianpolis, a construo da Avenida
do Saneamento, posteriormente Avenida Herclio Luz (ver Figura 5),
como complemento das aes sanitaristas, e que provocou grandes
mudanas no traado urbano da cidade, por seguir as margens
irregulares do Rio da Bulha, para sua canalizao. (DIAS, 1947). O
responsvel por sua construo foi engenheiro Luiz Costa por indicao
do engenheiro Saturnino de Brito, o principal representante do
urbanismo sanitarista no Brasil.
A abertura da avenida foi resultado de uma ao higienista que determinou a remoo de moradores de baixa renda, e a destruio de
casebres e cortios, o que abriu uma nova possibilidade de
investimentos para o capital imobilirio. Esta rea tambm despertava o
34
interesse da classe dominante por fazer a conexo da rea central com
as reas ao sul da ilha e com a via de ligao norte-sul, nas bases do
morro, e tambm por ser o acesso ao Hospital de Caridade.
O projeto da Avenida Herclio Luz transformou o rio em canal e a rua recebeu uma vasta arborizao. Transformou a imagem da cidade
com ares de modernidade (DIAS, 1947). As preocupaes sanitrias
aliadas preocupao esttica, e ainda o interesse da classe dominante em erradicar as camadas populares das reas centrais, demonstram que
este projeto estava de acordo com os grandes projetos de
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Figura 5: Localizao das Avenidas Herclio Luz e Mauro Ramos e da Ponte Herclio
Luz.
35
melhoramentos e embelezamento caractersticos do planejamento
brasileiro do incio do sculo XX, que j foram explicitados
anteriormente.
A Avenida se constituiu assim em smbolo de um novo
tempo, onde novos hbitos (como o passeio de
automvel e o footing) e cdigos de conduta se
espacializariam. Foi tambm o primeiro espao urbano
desatrelado da malha urbana colonial, com novos e
maiores lotes, fruto de renovao urbana e onde as
edificaes obedeceriam a novos cdigos municipais,
com afastamentos laterais e outras recomendaes, alm
de atender a novas vogas estilsticas. (TEIXEIRA, 2009
p. 204).
Em 1922 o governo do Estado iniciou a montagem da ponte Herclio Luz para fazer a conexo rodoviria entre a Ilha de Santa
Catarina e o Distrito do Estreito, at ento pertencente cidade de So
Jos.4 Inaugurada em 1926, a ponte foi construda com recursos
externos, fazendo com que o Estado contrasse uma dvida duas vezes
maior que a receita oramentria anual. (ANDRADE, 1976 apud
SUGAI, 1994).
A estrutura da ponte foi fabricada nos EUA com 821,14 metros
de comprimento, 7,80 metros de largura e um vo de 339 metros. As
peas foram trazidas em navios para serem montadas em Florianpolis.
O projeto inicial da ponte pnsil tambm previa a sua utilizao para o
transporte de bondes eltricos, o que nunca foi efetivado. Alm da Ponte
Herclio Luz, mais duas pontes idnticas a ela foram construdas nos
EUA. A Silver Bridge em 1928, que desabou em 1967, matando 63
pessoas, e a St. Marys Bridge em 1929, que foi desmontada aps a tragdia de 67. (COELHO, 1997).
Na ocasio de sua construo, a ponte possua o maior vo
suspenso da Amrica Latina. Uma obra desse porte foi impulsionada
pelo interesse do setor imobilirio nas terras continentais (SUGAI,
1994) e legitimada pelo discurso dos governantes, o qual procurava
disseminar a idia de que o atraso econmico da cidade era
conseqncia da ausncia de conexo rodoviria entre a ilha e o
4 O Bairro do Estreito s foi anexado cidade de Florianpolis em 1943.
36
continente, e de que a obra seria a conquista da modernidade para uma
capital ameaada de perder seu posto para o interior do Estado.5
Entretanto, o desenvolvimento que se esperava no se
concretizou imediatamente aps sua construo. A ponte favoreceu a
expanso imobiliria que j se verificava no Estreito, mas com repercusses graduais em sua estrutura e na mobilidade residencial. (SUGAI 1997, p.14).
No lado ilhu, a cabeceira da ponte foi implantada no extremo
oeste da pennsula, em uma rea que nunca havia sido alvo do interesse
dos setores dominantes. Como foi anteriormente comentado, era
utilizada para abrigar atividades bastante depreciadas pela sociedade,
como cemitrio, forno de lixo, fbricas, vila operria e, no percurso, rea de prostituio. (SUGAI, 1994, p.54). Entretanto, j em 1924, o cemitrio foi transferido para o bairro Itacorubi, e as demais atividades
foram sendo transferidas conforme investimentos eram feitos no
entorno. (SUGAI, 1997).
As reas continentais da cidade que eram ocupadas
predominantemente por uma populao mais pobre, a partir da dcada
de 30, passaram a ser procuradas por investidores imobilirios dos
setores de alto poder aquisitivo, principalmente as faixas litorneas ao
norte e ao sul. Esse interesse, que j existia antes da implantao da
ponte, foi consolidado aps sua inaugurao. Nessa poca, parcelas da
classe dominante tambm estavam adquirindo terras nas praias do norte da Ilha, em reas que at ento eram de uso comunais. (SUGAI, 1994).
O fluxo interno que se direcionava para a orla da baa sul foi
gradativamente alterando sua direo para o eixo leste-oeste, em direo
ponte. As reas comerciais e residenciais prximas a este eixo, na rea
central prxima baa sul, passaram a ser mais valorizadas pelo
mercado imobilirio onde se localizavam as nicas ruas que permitiam
o acesso direto ponte. A falta de uma ligao direta da poro norte da
pennsula com a ponte tambm contribuiu para esse processo de
valorizao e densificao das reas centrais do entorno da Praa XV,
5 J no incio do sculo XX se discutia a mudana da capital para Lages ou para outro
municpio central no interior do Estado. Vieira da Rosa dizia em 1905: A creao (sic) da Capital na ilha foi uma das maiores calamidades para a nossa terra. E afirmava ainda que em 1748, o governador Manoel Escudeiro Ferreira de Souza, reconhecendo que o local da Villa do Desterro era inapropriado para a sede da Capital da Provncia, solicitou Corte a mudana
para stio em terra firme. (ROSA, 1905, p.183).
37
pois todo o fluxo da ilha passava obrigatoriamente por esse eixo central.
(SUGAI, 1994).
A ponte Herclio Luz significou,
(...) de acordo com os discursos das elites e dos polticos
na poca, muito mais do que um conforto para a
populao, pois passou a ser considerada como
monumento mximo a representar o empenho e os
anseios pela instaurao de uma modernidade burguesa
em Florianpolis. (ARAJO, 1989 p.126).
A economia brasileira chega ao final da dcada de 20 marcada
pela crise do setor produtivo tradicional que chega a seu pice com a
crise de 29. O caf, principal produto de exportao do pas, vinha
desde o final do sculo XIX sofrendo constantes crises agravadas pela
dificuldade de expanso dos ndices de exportao, que ficaram
praticamente estagnados durante os 30 primeiros anos do sculo XX e
com as conseqncias de uma superproduo. Frente a essa situao a
economia brasileira necessita se refazer sobre novas bases, criando um
sistema de produo capaz de suprir as necessidades da populao.
(PRADO JUNIOR, 1985).
1.3. Dcadas de 1930 e 1940
Este perodo foi marcado pelas conseqncias da crise de 29 e da
Segunda Guerra Mundial no cenrio poltico e econmico brasileiro.
nesse momento tambm, que o urbanismo se consolida no pas, como
uma rea de conhecimento e um campo profissional, resultando em uma
nova forma de concepo de planos urbanos, que passaram a visar
totalidade dos conjuntos das cidades.
Em Florianpolis, este perodo corresponde ao momento de
diversificao dos investimentos imobilirios do setor de alta renda, que
estava ocupando as reas litorneas do continente e as reas ao norte da
pennsula central. Tambm corresponde ao perodo de construo da
Avenida Mauro Ramos, que fazia a ligao da baa sul com a baa norte
38
da pennsula central; e a anexao do Distrito do Estreito ao municpio
de Florianpolis.
A crise de 29 afetou de tal forma o Brasil que determinou uma
grande interveno do Estado como regulador econmico quando
determina seu direito de explorao do subsolo, de aproveitamento de
energia hidrulica e instalao de organismos estatais dedicados ao
controle e direo dos negcios e das atividades econmicas.
(ALBUQUERQUE, 1986).
A desestruturao do setor externo da economia brasileira gerada
pela crise acarretou em uma diversificao da economia que tambm foi
impulsionada pelo intervencionismo do Estado. Alm do caf, outras
atividades agrrias e principalmente industriais passam a receber
incentivos do governo.
A partir da Revoluo de 30 a aristocracia rural vai perder sua
hegemonia como classe dominante para a burguesia industrial, que
ascender cada vez mais ao posto de classe dominante da sociedade
brasileira. Entretanto, o cenrio poltico e social faz com essa classe
necessite estar sempre modificando e reproduzindo os mecanismos para
manuteno de sua dominao, ao contrrio o que ocorria durante o
perodo republicano, onde as oligarquias no encontravam resistncia
frente a sua dominao. (VILLAA, 2004).
Esse perodo de crise das oligarquias resultou no governo
populista e autoritarista de Getlio Vargas. O populismo foi usado
como uma forma de conteno das massas populares que estavam ganhando fora com o crescimento da classe operria. (WEFFORT,
1979).
Nesse momento, o urbanismo se consolida no Brasil como uma
rea de conhecimento no meio acadmico, e como campo profissional
com a expanso da atuao dos urbanistas na maioria das cidades
brasileiras. (LEME, 1996). Os planos que visavam totalidade do
conjunto urbano e apresentavam propostas de zoneamento passaram a
ser utilizados de forma ideolgica para manuteno da dominao
social.
Instaura-se o predomnio de um novo discurso, onde as
lideranas polticas e sociais no utilizam mais os planos como
justificativa para as obras executadas, como nos planos de melhoramentos, mas como um instrumento moderno e cientfico que
traz diretrizes para soluo de diversos problemas da cidade.
39
Alm das influncias europias que estiveram presentes no
planejamento urbano brasileiro desde o final do sculo XIX, comeam a
se introduzir no Brasil, de forma mais marcante, princpios do
urbanismo das cidades-jardins de Howard, da verso americana para as
propostas de cidades-jardins, e do urbanismo modernista de Le
Corbusier.
A proposta do ingls Ebenezer Howard para as cidades-jardins se
baseava na idia de unir a qualidade de vida no campo com as
vantagens e facilidades da vida na cidade. Em 1902, publica o livro
Cidades-Jardins de Amanh onde mostra de uma forma muito simples e direta sua proposta de cidade, com determinao da populao
mxima, divida em setores por grandes boulevares arborizados que
circundam um grande parque central. Sua proposta estava centrada na
idia utpica da construo de um novo modelo de sociedade, baseada
em sistemas de cooperao e associao, onde o solo seria de
propriedade coletiva. A cidade seria autnoma, com a presena de
atividades econmicas e equipamentos coletivos, que garantissem sua
auto-suficincia.
A cidade de Letchworth, na Gr Bretanha, foi a primeira concretizao das idias de Howard, que confiou o projeto da cidade
aos arquitetos Raymond Unwin e Barry Parker, em 1903. A cidade, com
traado virio informal dividida em quatro setores, chamados de
unidades de vizinhana, com capacidade para 5.000 habitantes e dotadas
de equipamentos bsicos como comrcio, escolas, correios, etc.
O desenho aberto mantm a continuidade do espao livre
verde pela cidade, tornando-a agradvel e convidativa e
transforma-se na principal caracterstica da cidade.
(OTTONI, 2002).
O grande sucesso do livro de Howard faz com o modelo de
cidade-jardim sirva de inspirao para o planejamento em diversos
pases do mundo, inclusive no Brasil. Entretanto as adaptaes desse
modelo se restringiram a alguns aspectos formais dessa proposta e no
s proposies de reformas nas bases sociais, como por exemplo, na
propriedade da terra. Nos Estados Unidos, a Regional Plan Association, uma associao ligada aos ideais de Howard, ir exercer uma importante
influncia no movimento City Beautiful inserindo na pauta de
40
discusso questes polticas e sociais. Os profissionais que se
identificavam com essas idias, como Clarence Stein, Henry Wrigth,
Catherine Bauer, Frederick Ackerman e Lewis Munford, fizeram vrias
visitas s cidades-jardins inglesas e contaram com a presena de
Howard, Parker e Unwin na Amrica do Norte. Sunnyside Gardens
(1928) e Greenbelt (1935) so os mais importantes exemplos do
resultado desse movimento. (OTTONI, 2002).
Dois grandes planos so desenvolvidos nesse perodo para as
principais cidades brasileiras, o Plano de Prestes Maia para So Paulo, e
o Plano de Agache para o Rio de Janeiro.
O Plano de Avenidas, de 1930, de Prestes Maia, consiste na remodelao e extenso do setor virio. A proposta central desse Plano
consiste na utilizao um sistema radial perimetral, atravs de um anel
virio. este plano que vai consolidar o padro de expanso perifrica
da cidade de So Paulo nas dcadas posteriores (LEME, 1999) e
incentivar a expanso do uso dos veculos automotores. Essa proposta
ser absorvida pelos autores do Plano Diretor de Florianpolis de 1952,
que vieram a propor um anel virio para a rea da pennsula central da
Ilha de Santa Catarina.
O Plano Agache, elaborado em 1930 para a cidade do Rio de
Janeiro, vai introduzir uma nova lgica no desenvolvimento dos planos
diretores no Brasil. Ao contrrio dos planos do incio do sculo XX que
eram desenvolvidos por funcionrios das prefeituras, num processo
longo de discusses, os planos passaram a ser desenvolvidos por
tcnicos especialista, supostamente com poder do conhecimento
tcnico, e que passam a propor solues para diversos problemas
urbanos atravs do conhecimento cientfico. Esse novo sistema introduz
a prtica de contratao de profissionais capacitados, como no caso do Plano Diretor de 1952, para a cidade de Florianpolis, onde
especialistas de Porto Alegre so contratados para a elaborao de uma
proposta ampla, que aborde uma grande variedade de questes
referentes organizao e ao desenvolvimento da cidade.
O arquiteto francs Alfred Donat Agache foi o responsvel pela
elaborao do primeiro Plano Diretor da cidade do Rio de Janeiro.
Baseado em uma srie de estudos preliminares realizados na cidade,
incluindo estudos da histria econmica e social, alm de levantamentos
aerofotogramtricos, o plano apresentava grande destaque para as
propostas de infra-estrutura, principalmente saneamento e transportes e
continha um conjunto de leis urbansticas, inclusive de zoneamento,
41
alm de um conjunto de leis de mbito federal. Entretanto, seu foco
central era a questo esttica, dedicando vrios captulos ao
embelezamento.
Agache prope tambm duas ocupaes em forma de cidades-
jardins para as ilhas do Governador e Paquet. A partir de ento vrios
loteamentos seguindo essas idias foram implantados nos bairros da
Gvea, Laranjeiras e Jardim Botnico. Assim como ocorreu em So
Paulo, todos foram destinados a uma populao de alto poder
econmico. (OTTONI, 2002).
Essa circulao de idias urbansticas no meio profissional,
principalmente com a contratao de urbanistas estrangeiros exerceu
enorme influncia no planejamento urbano brasileiro. Assim como
Alfred Agache, o arquiteto franco-suo Le Corbusier tambm divulgou
suas idias em sua passagem pelo Rio de Janeiro, em 1929, onde
participou de conferncias e elaborou um rpido projeto para a cidade.
Em 1936, Le Corbusier, vem ao Brasil a convite do governo de
Getlio Vargas, proferir uma srie de palestras na cidade do Rio de
Janeiro, onde vai introduzir seus ideais de urbanismo modernista.
No incio dos anos 30, Florianpolis sofreu com um perodo de
restrio por parte do Governo Federal, em virtude do posicionamento
poltico da cidade, em favor dos legalistas na Revoluo de 30. Somente
em 1937, quando o catarinense Nereu Ramos foi nomeado Interventor
Estadual, que essa situao se modificou e a cidade foi beneficiada por
uma srie de intervenes e obras de melhoramentos, dentre elas o
alargamento e calamento de algumas ruas da rea central da cidade.
(TEIXEIRA, 2009).
Nos anos 40, foi construda a Avenida Mauro Ramos (ver Figura
5), a partir do antigo caminho que dava acesso ao Forte de So Luiz at
o largo Treze de Maio, um aterro j existente, localizado onde hoje se
encontra a Praa da Bandeira, fazendo a ligao entre a baa sul e a
Praia de Fora. Absorvendo algumas ruas e extinguindo becos e ruelas, a
implantao da via deslocou ainda mais os moradores de baixa renda
que j haviam sido expulsos das reas da Avenida Herclio Luz para as
reas do morro e do continente. (PELUSO, 1991). A Avenida Mauro
Ramos acabou se tornando o divisor entre a cidade legal e urbanizada e
a cidade informal das habitaes precrias das encostas do Macio do
Morro da Cruz. (TEIXEIRA, 2009).
42
Desde o final do sculo XIX, de maneira mais decidida, a
partir de 1910, quando foram inauguradas as primeiras
redes de gua encanada e energia eltrica, seguidas pela
construo da rede de esgotos (...) que na capital do
Estado, embora de maneira lenta e fragmentria, vinham
sendo instalados equipamentos que contriburam para
instaurar os domnios que as prticas e os discursos
poltico-higienistas prescreviam para modernizar e
racionalizar as relaes sociais em Florianpolis. (ARAJO, 1989 p.23).
Em 1944, o distrito do Estreito, que at ento pertencia ao
municpio de So Jos, foi anexado ao municpio de Florianpolis.
Nesse perodo, j se observava na rea continental o desenvolvimento
do setor imobilirio concomitante ao aumento das atividades porturias
locais em funo do surgimento de empresas de comrcio e exportao
de madeira. Essa dinmica gerou grandes interesses polticos e
econmicos que resultaram nessa ampliao da rea territorial da
capital. (SUGAI, 1994).
Neste perodo, alm da ocupao do Estreito predominantemente
pelas camadas de baixa renda, a Praia do Balnerio, na baa norte
continental, e a Praia de Coqueiros, na baa sul, eram reas que estavam
sendo ocupadas por uma populao de alta renda, embora se
localizassem fora do limite urbano estabelecido. Segundo Sugai, entre
as dcadas de 20 e 40, houve uma indeciso por parte das classes dominantes em relao a ocupao das reas ao norte da pennsula
central da Ilha ou das reas nas orlas norte e sul do continente. Essa
diversidade de investimentos imobilirios foi gerada principalmente
pela dificuldade de ocupao das grandes reas das antigas chcaras e
pela inexistncia de acessos diretos dessa rea com a Ponte Herclio
Luz. Entretanto, no incio da dcada de 50, j havia se estabelecido a
prioridade de investimentos na rea insular, principalmente na poro
norte da pennsula central, confirmando a escolha das elites em ocupar
esta rea da cidade. (SUGAI, 1994).
No incio dos anos 40, a exemplo das duas maiores capitais do
pas, as cidades de Porto Alegre e Salvador tambm desenvolveram
planos urbanos. O plano de Porto Alegre6 foi coordenado pelo arquiteto
6 Este Plano ser abordado com maiores detalhes no captulo 2, em virtude da participao do
arquiteto Edvaldo Pereira Paiva na elaborao dessa proposta.
43
Arnaldo Gladosh e o plano de Salvador pelo engenheiro Mrio Leal
Ferreira.
Em 1945, o fim da Segunda Guerra Mundial faz com que
aumentem as presses para a redemocratizao do pas o que leva a um
golpe de Estado que deps Getlio Vargas do poder e pe fim ao Estado
Novo.
1.4. Florianpolis na dcada de 50
O perodo ps Segunda Guerra Mundial no Brasil foi um perodo
de intensa transformao econmica e social no pas, marcado por um
clima de esperana, focado no desenvolvimento atravs da soluo dos
problemas sociais, do atraso econmico e cultural atravs da
industrializao. Tambm chamado de perodo do
desenvolvimentismo, se caracterizou pelo otimismo da vitria da democracia sobre os regimes nazifascistas da Segunda Guerra Mundial,
e pela crena na construo de um novo mundo de paz.
O Brasil sofreu rpidas transformaes na primeira metade do
sculo XX que culminaram no cenrio poltico e econmico da dcada
de 50. (...) em menos de meio sculo o pas se transformou de um aglomerado de plantaes tropicais em uma economia semi-industrial (FURTADO, 1979 p.2), o que gerou um grande deslocamento de
populao entre regies do pas, principalmente de reas rurais para
reas urbanas.
O processo de industrializao se acelera e o cenrio do conflito
poltico se altera.
Passa para o primeiro plano a nova confrontao entre o
iderio liberal que agora serve para encobrir todas as formas de defesa do status quo e as aspiraes confusas mas cada vez mais difceis de eludir das massas, cuja
satisfao exige no apenas reformas no Estado mas na
prpria sociedade. (FURTADO, 1979 p.11 e 12).
44
A Segunda Guerra Mundial deixou ao mundo um grande desenvolvimento cientfico e tecnolgico, com destaque para o
desenvolvimento da aviao e dos meios de comunicao, que alteraram
de forma profunda a vida da sociedade capitalista.
A urbanizao desse perodo, vinculada rpida industrializao
das cidades, gerou problemas que os Cdigos de Obras e as Legislaes
de Zoneamentos no conseguiam solucionar. Novos instrumentos
urbansticos se faziam necessrios no planejamento urbano. Alm das
preocupaes virias e sanitrias, os planos deveriam abranger
determinaes de uso e ocupao de solo, de localizao de
equipamentos e das condies de vida da populao.
A grande concentrao demogrfica das principais cidades
brasileiras e o agravamento dos problemas urbanos fizeram com que os
planos ampliassem seus objetivos, passando a tratar do uso e ocupao
do solo, da distribuio de equipamentos, de moradia. Ao contrrio dos
planos de ao que vinham sendo feitos at ento, se inicia um perodo
de discursos, onde se evidencia a distncia entre a proposta e a
execuo. (NYGAARD, 2005).
Em 1951, Getlio Vargas retorna presidncia do Brasil aps um
governo autoritrio que durou de 1937 a 1945. Agora eleito pelo voto
popular, se depara com um pas muito diferente com um processo de
industrializao e urbanizao muito mais fortalecido. A proposta de
governo de Vargas era a expanso industrial e o aumento da interveno
do Estado na economia. (SKIDMORE, 1982).
A industrializao no Brasil influenciada pela redefinio da
diviso internacional do trabalho aps a Segunda Guerra Mundial. A
restrio do espao do capitalismo internacional, com a consolidao da
Unio Sovitica, faz com que os pases centrais direcionem sua
industrializao para pases perifricos, como o caso do Brasil.
O capital externo, principalmente dos Estados Unidos, financiou
o desenvolvimento das indstrias de base, como por exemplo, a
implantao do complexo siderrgico de Volta Redonda, em 1946. Esse
complexo tambm pressionou o governo a melhorar o transporte
ferrovirio e martimo para garantir o seu pleno funcionamento.
(ALBUQUERQUE, 1986).
Para impulsionar a industrializao, o Estado tenta mudar o padro de acumulao, transferindo os excedentes de um grupo social
para outro. Ou seja, o Estado penaliza a produo agroexportadora,
45
direcionando seus mecanismos para a acumulao industrial.
(OLIVEIRA, 1982).
A rpida industrializao brasileira resulta no crescimento
populacional das cidades. Industrializao aqui usada com o significado
definido por Milton Santos, como:
(...) processo social complexo, que tanto inclui a
formao de um mercado nacional, quanto os esforos de
equipamento do territrio para torn-lo integrado, como a
expanso do consumo em formas diversas, o que
impulsiona a vida de relaes (leia-se terciarizao) e
ativa o prprio processo de urbanizao. (SANTOS, 2008 p.30).
Prova disso o fato de que em 1950, 36% da populao
brasileira era urbana, ao passo que em 1960, esse ndice sobe para 45%.
(...) quando a industrializao comea a ser o motor da
expanso capitalista no Brasil, ela tem que ser
simultaneamente urbana, e tem que ser
fundamentalmente urbana porque no pode apoiar-se em
nenhuma pretrita diviso social do trabalho no interior
das unidades agrcolas. (OLIVEIRA, 1982 p. 42).
Com o crescimento da industrializao se busca uma integrao do territrio nacional, atravs da interligao das estradas de ferro, e do
empreendimento de um ousado programa de investimentos em infra-
estrutura. (SANTOS, 2008).
Entretanto, a cidade de Florianpolis no estava inserida nesse
contexto nacional de crescimento populacional e de industrializao. Na
primeira metade do sculo XX, a cidade apresentou um processo de
crescimento lento em comparao com as demais capitais brasileiras.
De 1900 at 1950, teve um acrscimo na populao de 114%, enquanto
a cidade do Rio de Janeiro, nesse mesmo perodo, cresceu 249% e So
Paulo 829%. Segundo o IBGE, em 1950, a populao de Florianpolis
era de 69.122 habitantes. Um nmero bastante reduzido por se tratar da
capital do estado. Porto Alegre, por exemplo, em 1950, possua uma
populao de 401.213 habitantes, Rio de Janeiro 2.413.152 habitantes e
So Paulo 2.227.512 habitantes, que eram cidades industriais.
46
No incio da dcada de 50, apresentava um cenrio urbano
interiorano, como caracterizou o gegrafo Wilmar Dias em seu estudo
sobre o processo de urbanizao de Florianpolis, em 1947. A cidade
tambm apresentava uma intensa estagnao econmica e convivia com
graves problemas de infra-estrutura.
Vista do alto, das muitas elevaes que, pelo lado Leste,
lhe dificultam o crescimento e a expanso, a cidade
oferece um aspecto de sculo XIX que constitue (sic),
para o visitante curioso e apressado dos dias de hoje, um
verdadeiro presente para os olhos e uma legtima parada
no tempo. (DIAS, 1947, n1, p.67).
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Figura 6: Av. Felipe Schmidt
Paisagem interiorana da capital do Estado na dcada de 50.
47
Enquanto nesse perodo, as regies do Vale do Itaja e do Nordeste do Estado j se destacavam no mercado nacional por seu
desenvolvimento industrial, a capital se mantinha isolada do eixo
econmico do Estado de Santa Catarina. A pavimentao da rodovia
BR-116, acabou isolando Florianpolis tambm do eixo rodovirio
estadual, j que essa via passou a fazer a conexo entre o estado de
Santa Catarina e o estado do Paran, atravs do planalto central.
O porto de Florianpolis j apresentava um declnio de suas
atividades, em virtude das muitas deficincias de servio, dos
equipamentos ultrapassados e segundo diziam, sua pouca profundidade.
Entretanto o contato martimo ainda era uma das principais ligaes da
cidade com o restante do Brasil.
A decadncia do setor porturio em Florianpolis pode ser
explicada pela precariedade das atividades produtivas na cidade. A
pouca profundidade das guas, que ainda hoje se acredita ser o principal
motivo do declnio do porto tambm era um fato nos demais portos de
Santa Catarina que esto hoje entre os principais portos do pas. O porto
de So Francisco, na dcada de 50, possua um calado de 6 metros e o
porto de Itaja de 3 a 4,7 metros e o de Laguna 3,9 metros, enquanto
Florianpolis possua 4 a 4,7 metros de profundidade. (ATLAS GEOGRFICO DE SANTA CATARINA, 1958).
Ao contrrio dos demais portos, a regio de Florianpolis no
tinha uma produo industrial que sustentasse seu desenvolvimento
porturio e possua uma ligao rodoviria muito precria com outras
regies, alm de no possuir um sistema ferrovirio. Em 1957, j
mostrava atividade muito menor que os demais portos do Estado. (Ver
Figura 7). O porto de So Francisco do Sul era a porta de escoamento da
produo industrial da cidade de Joinvile, o porto de Itaja fazia o
escoamento da produo de Blumenau e Imbituba e Laguna faziam a
exportao do carvo beneficiado em Tubaro.
48
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Figura 7: Movimento dos Portos de Santa Catarina em 1957
No porto de So Francisco do Sul registrado um movimento de 700 navios
atracados, 2,2 bilhes de Cruzeiros em mercadorias de 495.000 toneladas. Itaja registra 900 navios, 2,25 bilhes de Cruzeiros e 295.000 toneladas de mercadorias.
Florianpolis registra 145 navios, 390 milhes de Cruzeiros e 100.000 toneladas. O
porto de Imbituba (Henrique Lage) registra 200 navios, 300 milhes de Cruzeiros e 735.000 toneladas. O porto de Laguna registra 100 navios, 240 milhes de
Cruzeiros e 70.000 toneladas de mercadorias.
49
O setor industrial era muito pequeno neste perodo. Formado por pequenas fbricas de mveis e esquadrias, materiais de construo,
manufatura de roupas e oficinas em geral para abastecimento e consumo
locais. Na rea continental, havia ainda, uma funilaria e uma fbrica de
roupas.
A funo administrativa sempre foi a principal funo da cidade.
Os servios pblicos se concentravam na ilha, com exceo apenas do
Matadouro Municipal, de quartis do Exrcito, de uma escola, de uma
repartio de arrecadao estadual e uma escola da Marinha, que se
localizavam no continente.
A cidade de Florianpolis enfrentava graves problemas de infra-
estrutura urbana. Apresentava deficincia nos servios de abastecimento
de gua e energia eltrica, o que era prejudicial ao desenvolvimento
industrial. As cariocas, usadas para o abastecimento de gua da antiga
Desterro, ainda eram utilizadas, (DIAS, 1948) em conjunto com as
adutoras que retiravam gua dos rios Itacorubi, Ressacada e Ana
dvila. Entretanto, o volume de gua aduzido j no atendia s necessidades da populao. Segundo Dias, a cidade sofria com
constantes perodos de falta de gua. Para ele, a soluo para esse
problema estava no trmino da construo de uma represa, que estava
em andamento, no Rio Vargem do Brao, localizado na cidade de Santo
Amaro da Imperatriz, na rea continental, a 24 km da cidade. O sistema
de esgoto utilizado ainda era o sistema que havia sido construdo em
1913, e era ineficiente frente ao crescimento urbano.
A ponte Herclio Luz, continuava sendo o nico acesso
rodovirio ilha de Santa Catarina no incio da dcada de 50. A ligao
entre a cidade e o interior do Estado era feita por apenas trs rodovias,
uma em direo Lages, outra em direo ao Vale do Itaja e a terceira
em direo Cricima. Em 1947, Wilmar Dias denunciava tambm, a
dificuldade de acesso ao interior da ilha, que era feito atravs de duas
estradas precrias orientadas no sentido Norte-Sul e acompanhando a
Costa Oeste, ao longo novo traado da atual SC401. (DIAS, 1947).
Segundo Dias, mais de um quarto da rea urbana de Florianpolis, nesse perodo, era constituda de terrenos vazios
(incluindo-se nesta estatstica as reas ocupadas por chcaras). Segundo
ele, esse fato ocorria devido grande especulao imobiliria em
virtude da rpida valorizao da terra. Esse fenmeno ocorreu de forma
acentuada nos bairros do Estreito e de Coqueiros, ambos no continente.
(DIAS, 1948).
50
Na parte norte da pennsula central da ilha ainda se concentravam grandes glebas remanescentes das antigas chcaras do sculo XIX. Essa
localizao dificultou a expanso urbana da cidade para o norte, criando
grandes vazios urbanos. (Ver Figura 9)
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Figura 8: Mapa de uso do solo da rea central de Florianpolis
Mapa de usos com destaque para o grande nmero de terrenos vazios em virtude da
especulao imobiliria.
51
Figura 9: Mapa da localizao das chcaras
Localizao das chcaras que impediam expanso urbana no interior da
pennsula central da ilha.
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52
Neste momento, a populao de alta renda j havia direcionado sua ocupao para as reas ao norte da pennsula central, caracterizando
um processo de homogeneizao social nessa rea da cidade. J a partir
da dcada de 40, os grandes investimentos pblicos e privados se
concentraram nessa rea. O Hospital Nerreu Ramos (1943), a Casa de
Sade So Sebastio (1941), o Hospital Naval e a residncia oficial do
governador, chamado Palcio da Agronmica (1954). (SUGAI, 1994).
A populao de baixa renda j ocupava as encostas dos morros e
as reas continentais do Bairro Estreito. J no fim dos anos 40, mais de
um quarto da populao morava no lado continental da cidade, onde o
preo da terra era menos elevado (DIAS, 1947). A populao de baixa
renda, desde o incio do sculo, ocupou as reas de encostas dos morros,
e tambm uma rea do Estreito. Essa ocupao no continente aumentou
com a implantao da Ponte Herclio Luz, mas foi a adoo do nibus
como meio de transporte urbano o fator que intensificou o processo de
periferizao da cidade, a partir de 1930. (SUGAI, 1997).
Destarte, so os morros reas residenciais pauprrimas,
de aspecto chocante que, visveis como so distncia e
primeira vista, contribuem para salientar o nvel
econmico baixo da populao e o deficiente
ajustamento ao meio, caracterstico das cidades
brasileiras em geral. (DIAS, 1947, n2, p.39).
A capital vivia na dcada de 50, um momento decisivo mo
cenrio poltico, onde a hegemonia poltica de Santa Catarina estava
sendo disputada por dois grandes partidos representantes de duas
estruturas familiares oligrquicas. O Partido Social Democrata (PSD),
liderado pela famlia dos Ramos e a Unio Democrtica Nacional
(UDN), pelas famlias Konder-Bornhausen.
O PSD, que detinha o poder do governo do Estado desde a
Revoluo de 30 e mantinha o seu domnio eleitoral na capital do
Estado, vai perder o poder para a UDN que elegeu Irineu Bornhausen
em 1950.
A concentrao da maioria eleitoral do PSD em Florianpolis
estava centrado na figura do populista governador Aderbal Ramos da
Silva. J a UDN possua o predomnio eleitoral nas reas de colonizao
alem: Vale do Itaja e Joinville.
53
Foi construda na cidade uma rede de distribuio de
recursos, favores e caridade, cujo centro era ocupado
pelo chefe poltico, o qual dispunha de uma autoridade
que aparecia com uma aura de bonomia e seu domnio
procurava amparar-se no poder das tradies religiosas e
na permanncia de hbitos ancestrais de dependncia
entre populao e governo. (LOHN, 2002, p. 39).
O afastamento do PSD do governo do Estado trazia tona a antiga discusso de mudana da capital para o interior do Estado,
levando-se em considerao a estagnao econmica que vivia
Florianpolis nesse perodo e o fato da UDN manter seu domnio
eleitoral em outra regio de Santa Catarina. Um agravante dessa
situao era o fato de que at aquele momento, o prefeito da capital no
era eleito e sim indicado pelo governador, o que aumentaria o risco de
Florianpolis perder ser posto.
Nesse contexto surgem discusses de que forma a capital
atingiria o urgente desenvolvimento econmico que garantiriam a
distribuio de poderes e riqueza na cidade. Segundo levantamento dos
jornais da poca feito por Reinaldo Lohn (LOHN, 2002), as correntes se
dividiam entre os que creditavam o desenvolvimento da cidade
implantao da universidade, os que defendiam o ideal do nacional-
desenvolvimentismo de que o crescimento econmico s seria possvel
atravs da industrializao e aqueles que acreditavam no turismo como
nica forma de tirar a capital do marasmo econmico.
A conquista do poder nesse momento em que se definia o futuro
da cidade significava o controle sobre os caminhos a serem seguidos, o
que possibilitava que se aliasse as aes do Estado ao interesses
privados de uma parcela da populao. Dominar o Estado significava controlar os meios de obter e ampliar o poderio econmico de uma elite
h muito estabelecida. (LOHN, 2002, p.77). O iderio do nacional desenvolvimentismo e do pensamento cepalino
7 de superao do subdesenvolvimento juntamente com esta
questo poltica de ameaa ao poder administrativo de Florianpolis fez
7 Referente ao CEPAL (Comisso Econmica para Amrica Latina), criada em 1948, pelas
Naes Unidas, com o objetivo de buscar solues para os problemas econmicos desses pases. Os estudos empricos e as formulaes tericas desenvolvidas pelos pesquisadores da
CEPAL se tornaram referncia e estiveram no centro das discusses acadmicas nos anos 50 e
60.
54
com que surgisse, por parte das classes dominantes, um esforo de
disseminao da idia de necessidade de modernizao da cidade.
A imprensa local, na poca, era formada por dois jornais
impressos, comprometidos com os interesses dos dois partidos polticos
dominantes, o PSD e a UDN. Tambm contava com duas rdios locais.
Tanto os jornais quanto as rdios, freqentemente divulgavam idias da
necessidade da capital transformar seu futuro e superar a distncia da
realidade das grandes capitais do pas8.
Os meios de comunicao divulgavam um discurso que veio de encontro aos anseios da classe mdia que vinha se consolidando, e (...) encontrava naqueles discursos que prometiam a construo do futuro
calcado na tecnologia e no bem-estar facilitado, uma maneira de
reconhecimento e distino. (LOHN, 2002 p.30). As classes dominantes visavam legitimar os ideais de progresso, mudana e
dinamismo atravs da imprensa, da publicidade e dos discursos
polticos.
Este cenrio faz com o Estado utilizasse o planejamento urbano
como instrumento para o desenvolvimento e a modernizao almejados na dcada de 50. A crena na tecnocracia que predominava
no cenrio do planejamento nacional credita aos Planos Diretores,
elaborados por profissionais especializados, o poder de dar soluo a
todos os problemas das cidades.
Um Plano Diretor significava impulsionar o crescimento
da cidade, dinamizar a vida urbana, inserir Florianpolis
no contexto poltico do movimento pela
redemocratizao e pelo desenvolvimento. (CASTRO,
2002, p.62).
Em 1951, a Cmara de Vereadores de Florianpolis aprova a lei n079 que autorizava a prefeitura da cidade a contratar um tcnico
especializado para a elaborao do primeiro Plano Diretor da cidade.
8 Em meados dos anos 40, um grupo de artistas e intelectuais formou o Crculo de Arte Moderna, o chamado Grupo Sul, que iniciou a introduzir um tardio modernismo na cidade de
Florianpolis. Sua principal influncia sobre a populao se deu atravs da Revista Sul, onde eram divulgadas as opinies e pensamentos deste grupo. A revista serviu de palco para inmeras discusses acerca do futuro e do desenvolvimento da cidade. (LOHN, 2002)
55
Mas antes desta lei, j havia sido aprovada uma lei que comeava
a esboar o desejo do poder pblico utilizar o planejamento urbano para
controlar a organizao espacial da cidade e mudar o cenrio urbano
predominantemente colonial que se apresentava.
A necessidade de adensamento da rea central da cidade em
funo da precariedade da infra-estrutura urbana da poca, aliada ao
ideal de modernidade, que nesse momento, estava ligado imagem dos
grandes edifcios em altura, fez com que a prefeitura aprovasse a lei n
073, em 1951. Determinava que as edificaes construdas na Praa XV
de Novembro, na Praa Pereira Oliveira, nas ruas Arcipreste Paiva,
Padre Miguelinho e trecho da rua Felipe Schmitd at o Largo Fagundes,
deveriam ter no mnimo seis pavimentos. Na rua Trajano, rua dos Ilhus
e rua Conselheiro Mafra (da Praa XV at a rua Deodoro), deveriam ter
no mnimo cinco pavimentos. Apenas edificaes destinadas s igrejas,
cinemas e teatros estariam excludas desta regra. (Ver Figura 10).
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Figura 10: Espacializao da Lei n 073/51
56
A partir dessa legislao, se inicia um processo de verticalizao da rea central da cidade. Em 1952 foi inaugurado o Edifcio So Jorge,
na rua Felipe Schmidt, com seis pavimentos, que abrigou o Hotel Lux e
foi um marco arquitetnico da verticalizao da cidade.
Em 1952, o prefeito Paulo de Tarso da Luz Fontes (UDN)
nomeado pelo governador do Estado. Nesse mesmo ano ele contrata um
escritrio de urbanistas gachos, liderado por Edvaldo Pereira Paiva
para elaborar o Plano Diretor de Florianpolis. Segundo informaes do
professor Nereu do Vale Pereira9, Fontes foi influenciado pelas idias
do gegrafo Victor Peluso Junior que naquele momento ocupava o
cargo de Secretrio da Agricultura e elab