1955

133
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA UFSC CENTRO TECNOLÓGICO CTC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM URBANISMO HISTÓRIA E AQUITETURA DA CIDADE PGAU-CIDADE O PLANO DIRETOR DE 1952-1955 E AS REPERCUSSÕES NA ESTRUTURAÇÃO URBANA DE FLORIANÓPOLIS JÉSSICA PINTO DE SOUZA Orientadora: Prof.ª Dra. Maria Inês Sugai Florianópolis, SC 2010

description

1955

Transcript of 1955

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA UFSC

    CENTRO TECNOLGICO CTC

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM URBANISMO

    HISTRIA E AQUITETURA DA CIDADE PGAU-CIDADE

    O PLANO DIRETOR DE 1952-1955 E AS

    REPERCUSSES NA ESTRUTURAO URBANA

    DE FLORIANPOLIS

    JSSICA PINTO DE SOUZA

    Orientadora: Prof. Dra. Maria Ins Sugai

    Florianpolis, SC

    2010

  • 3

    JSSICA PINTO DE SOUZA

    O PLANO DIRETOR DE 1952-1955 E AS

    REPERCUSSES NA ESTRUTURAO URBANA

    DE FLORIANPOLIS

    Dissertao submetida ao Programa de Ps-

    Graduao em Urbanismo, Histria e

    Arquitetura da Cidade, PGAU-Cidade da

    UFSC, como parte dos requisitos para a

    obteno do ttulo de Mestre em Urbanismo,

    Histria e Arquitetura da Cidade, Linha de

    Pesquisa em Urbanismo, Cultura e Histria

    da Cidade.

    Orientadora: Prof. Dr. Maria Ins Sugai

    Pesquisa financiada pela FAPESC.

    Florianpolis, SC

    2010

  • 4

    .

    Catalogao na fonte pela Biblioteca Universitria

    da Universidade Federal de Santa Catarina

    S729p Souza, Jssica Pinto de

    O plano diretor de 1952-1955 e as repercusses na

    estruturao urbana de Florianpolis [dissertao] /

    Jssica Pinto de Souza ; orientadora, Maria Ins Sugai.

    Florianpolis, SC, 2010.

    133 p.: il., mapas, plantas

    Dissertao (mestrado) - Universidade Federal de Santa

    Catarina, Centro Tecnolgico. Programa de Ps-Graduao em

    Urbanismo, Histria e Arquitetura da Cidade.

    Inclui referncias

    1. Arquitetura. 2. Planejamento urbano - Florianpolis

    (SC). 3. Cidades e vilas - Florianpolis (SC). I. Sugai,

    Maria Ines. II. Universidade Federal de Santa Catarina.

    Programa de Ps-Graduao em Urbanismo, Histria e

    Arquitetura da Cidade. III. Ttulo.

    CDU 72

  • 5

    FOLHA DE APROVAO

    A dissertao, intitulada O PLANO DIRETOR DE 1952-1955 E AS

    REPERCUSSES NA ESTRUTURAO URBANA DE FLORIANPOLIS, de autoria de Jssica Pinto de Souza, foi

    submetida a processo de avaliao conduzido pela Banca Examinadora,

    para a obteno do ttulo de Mestre em Urbanismo, Histria e

    Arquitetura da Cidade, tendo sido aprovada sua verso final em 26 de

    maio de 2010, em cumprimento s normas da Universidade Federal de

    Santa Catarina e do Programa de Ps-Graduao em Urbanismo,

    Histria e Arquitetura da Cidade, PGAU-Cidade.

    Comisso examinadora:

    __________________________________

    Prof. Dr. Maria Ins Sugai

    Presidente (Orientador) - PGAU-Cidade/UFSC

    __________________________________

    Prof. Dr. Luiz Eduardo Fontoura Teixeira

    Membro ARQ/UFSC

    __________________________________

    Prof. Dr. Elson Manoel Pereira

    Membro GCN/UFSC

    __________________________________

    Prof. Dr. Maria Cristina da Silva Leme

    Membro Externo FAUUSP

  • 6

  • 7

    RESUMO

    Este trabalho tem como objetivo analisar e compreender o Plano

    Diretor de Florianpolis, desenvolvido em 1952, pelos urbanistas

    Edvaldo Paiva, Demtrio Ribeiro e Edgar Graeff, luz do momento

    histrico e econmico brasileiro e local, buscando o entendimento da

    concepo desse plano, de sua abrangncia e de sua repercusso na

    organizao scio-espacial da cidade. Esse trabalho tambm visa

    contribuir para o debate e a compreenso do papel dos planos diretores

    no planejamento e no ordenamento urbano e a sua eficcia na

    regulamentao e na implementao das aes urbanas transformadoras.

    O Plano Diretor elaborado para a capital catarinense, em um

    momento que se disseminavam ideais de mudana e superao do atraso

    econmico que se encontrava a cidade no incio da dcada de 50. Com a

    progressiva reduo das atividades porturias, a economia da cidade se

    apoiava na funo administrativa de capital do Estado. J os graves

    problemas de infra-estrutura aliados ao precrio sistema rodovirio que

    dificultava os acessos capital inibiam qualquer desenvolvimento

    industrial que pudesse dinamizar a economia nesse perodo.

    Em 1952, quando as grandes cidades brasileiras experimentavam

    intenso crescimento demogrfico, que a cidade de Florianpolis, com

    menos de 70.000 habitantes, tem seu primeiro Plano Diretor elaborado.

    A proposta, que apresenta uma forte influncia do momento poltico

    desenvolvimentista e do planejamento urbano nacional, representa a

    crena existente neste perodo histrico, de que o planejamento traria a

    soluo para diversos problemas que as cidades enfrentavam.

  • 8

  • 9

    ABSTRACT

    This paper has as the objective to analyze and to understand the

    Managing Plan of Florianopolis, developed in 1952, for the city

    planners Edvaldo Paiva, Demtrio Ribeiro and Edgar Graeff, to the light

    of the historical moment and economic Brazilian and local place,

    searching the agreement of the conception of this plan, its reach and its

    repercussion in the partner-space organization of the city. This paper

    also aims at to contribute for the debate and the understanding of the

    paper of the managing plans in the planning and the urban order and its

    effectiveness in the regulation and implementation of the transforming

    urban actions.

    The Managing Plan is developed for the city, at a moment that if

    spread change ideals and overcoming of the economic delay that if at

    the beginning found the city of the decade of 50. With the decay of the

    port activity, the economy of the city was supported in the

    administrative function of capital of the State. Already the serious

    infrastructure problems allies to the precarious road system that made it

    difficult the accesses to the capital inhibited any industrial development

    that could improve the economy in this period.

    In 1952, when the great Brazilian cities tried intense growth

    demographic, that the city of Florianopolis, with less than 70.000

    inhabitants, it has its first Managing Plan elaborated. The proposal, wich

    presents a strong influence of the moment called desenvolvimentista politician and the national urban planning presents, represents the

    existing belief in this historical period that the planning would bring the

    solution for diverse problems that the cities faced.

  • 10

  • 11

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Pennsula central da Vila Nossa Senhora de Desterro em

    1823 ....................................................................................................... 25

    Figura 2: Linhas ordenadoras da praa .................................................. 26

    Figura 3: Traado a partir da praa ....................................................... 26

    Figura 4: Localizao da ocupao inicial e dos caminhos intra-urbanos

    do ncleo urbano de Desterro ................................................................ 28

    Figura 5: Localizao das Avenidas Herclio Luz e Mauro Ramos e da

    Ponte Herclio Luz. ............................................................................... 34

    Figura 6: Av. Felipe Schmidt ................................................................ 46

    Figura 7: Movimento dos Portos de Santa Catarina em 1957 ............... 48

    Figura 8: Mapa de uso do solo da rea central de Florianpolis ........... 50

    Figura 9: Mapa da localizao das chcaras.......................................... 51

    Figura 10: Espacializao da Lei n 073/51 .......................................... 55

    Figura 11: Esquema do plano publicado em Um Plano de Urbanizao

    por Edvaldo Paiva em 1943. ................................................................. 62

    Figura 12: Fachada da Residncia Edvaldo Paiva 1948. .................... 64

    Figura 13: Localizao da Populao por extremos de renda 1947 ... 74

    Figura 14: Esquema da anlise da funo porturia .............................. 75

    Figura 15: Esquema da proposta do Plano Diretor de 1955 .................. 77

    Figura 16: Mapa da proposta do Plano Diretor de 1952 ....................... 81

  • 12

    Figura 17: Comparao do Sistema Virio existente com o Sistema

    Virio proposto em 1952....................................................................... 84

    Figura 18: Planta da Hierarquizao Viria do Plano Diretor de

    Florianpolis de 1952 ........................................................................... 85

    Figura 19: Praia da Saudade, no Continente, em 1940 ......................... 87

    Figura 20: Planta da Hierarquizao Viria do Plano Diretor de

    Florianpolis de 1952 ........................................................................... 87

    Figura 21: Perfil da Avenida Tronco na baa sul da ilha ....................... 89

    Figura 22: Perfil da Avenida Beira-Mar Norte ..................................... 91

    Figura 23: Projeto da Avenida Beira-Mar Norte, 1963 Trecho 1 ...... 92

    Figura 24: Projeto da Avenida Beira-Mar Norte, 1963 Trecho 2 ...... 93

    Figura 25: Aterro na Praia de Fora para construo da Av. Beira-Mar

    Norte. .................................................................................................... 94

    Figura 26: Detalhe do traado virio da Cidade de Letchworth de

    Ebenezer Howard .................................................................................. 96

    Figura 27: Detalhe do traado urbano proposto .................................... 96

    Figura 28: Ponte Herclio Luz na dcada de 60 .................................... 97

    Figura 29: Sobreposio do traado da Avenida Othon Gama DEa e da

    Avenida Prefeito Osmar Cunha sobre o sistema virio proposto pelo

    Plano Diretor de 1952. .......................................................................... 98

    Figura 30: Planta de Zoneamento do Plano Diretor de 1955 .............. 100

    Figura 31: Planta das alturas das edificaes do Plano Diretor de 1955

    ............................................................................................................ 102

  • 13

    Figura 32: Simulao do impacto da proposta de verticalizao na

    paisagem da rea central da cidade. .................................................... 103

    Figura 33: Localizao das edificaes ............................................... 104

    Figura 34: Simulao da avenida-tronco no continente. ..................... 105

    Figura 35: Espacializao das alteraes na legislao ....................... 107

    Figura 36: Planta das reas Verdes .................................................... 109

    Figura 37: Parques Municipais nas cabeceiras da Ponte Herclio Luz 110

    Figura 38: Perspectiva da proposta para o Centro Cvico ................... 114

    Figura 39: Perspectiva da cidade Universitria ................................... 115

    Figura 40: Projeto para Universidade do Brasil Lucio Costa, 1936 . 115

    Figura 41: Projeto para a Faculdade de Arquitetura UFRGS, Demtrio

    Ribeiro, Plnio Almeida, Frederico Mentz, Emil Bered, Carlos M. Fayet,

    Leovegildo Paiva e Moacyr Moojen Marques, 1953. ......................... 117

    Figura 42: Casa Prudente de Morais Neto. Edgar Graeff, 1948. ......... 117

    Figura 43: Perspectiva geral da proposta do Plano Diretor de 1952 ... 118

    Figura 44: Centro Metropolitano proposto no Plano Diretor de 1969. 120

  • 14

    SUMRIO

    INTRODUO .................................................................................... 17

    CAPTULO 1

    A ORGANIZAO SCIO-ESPACIAL E O CENRIO POLTICO

    DE FLORIANPOLIS NA DCADA DE 50 ..................................... 23

    1.1. Perodo Colonial da Vila de Desterro ............ 23

    1.2. Perodo Imperial e Primeira Repblica .......... 29

    1.3. Dcadas de 1930 e 1940 ................................ 37

    1.4. A Florianpolis da dcada de 50 ................... 43

    CAPTULO 2

    PRINCPIOS E INFLUNCIAS .......................................................... 59

    2.1. Os autores ........................................................ 60

    2.2. Edvaldo Paiva, idias, influncias e opinies . 66

    2.3. Atuao dos arquitetos no planejamento urbano

    ......................................................................... 69

    CAPTULO 3

    O PLANO DIRETOR DE FLORIANPOLIS DE 1952 E SUAS

    REPERCUSSES NO ESPAO URBANO ........................................ 71

    3.1. A Proposta ....................................................... 72

    3.2. Anlise do Plano a partir do Sistema Virio ... 83

    3.3. A diviso funcional do territrio ..................... 99

  • 15

    3.4. A consolidao do processo de segregao

    scio-espacial ................................................ 111

    3.5. As Propostas Arquitetnicas ......................... 113

    CONSIDERAES FINAIS .............................................................. 121

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................ 125

  • 16

  • 17

    INTRODUO

    O Brasil, nesse incio do sculo XXI, vive um momento

    importante na histria do planejamento urbano, quando, desde 2001,

    entrou em vigor o Estatuto da Cidade, Lei N10.2571. Concebido pelo

    movimento de reforma urbana2, esse instrumento jurdico, juntamente

    com a Constituio de 1988, constituem as estruturas fundamentais de

    uma nova ordem jurdico-urbanstica que regulamenta as questes

    referentes urbanizao. O Estatuto da Cidade oferece instrumentos

    capazes de minimizar as desigualdades que estruturam nossas cidades,

    atravs do controle da propriedade fundiria urbana e da gesto

    democrtica das cidades, ainda que se mantenham em debate os limites,

    as contradies e a forma como esses instrumentos esto sendo

    implementados, e se realmente esto cumprindo com seu papel.

    O principal instrumento disposio do poder pblico para

    regulamentao espacial continua sendo o Plano Diretor, que se tornou

    obrigatrio para os municpios com mais de vinte mil habitantes, de

    acordo com a Constituio de 1988 e os novos dispositivos legais do

    Estatuto da Cidade. E foi a partir dos novos paradigmas deste

    instrumento jurdico, que o Plano Diretor passa a incluir a participao

    popular como metodologia para sua elaborao, visando

    regulamentao da propriedade urbana e ao controle do

    desenvolvimento urbano de acordo com as necessidades e o bem-estar

    da maior parte da populao.

    Apesar de aparecerem oficialmente numa legislao federal

    somente em 1988, os Planos Diretores so utilizados como instrumentos

    do planejamento urbano brasileiro desde 1930, quando o termo

    1 O Estatuto da Cidade foi promulgado em 10 de julho de 2001, e regulamenta os artigos 182 e

    183 da Constituio Federal de 1988, referentes poltica urbana. Este documento tem como

    um de seus objetivos garantir a funo social da propriedade urbana em prol do bem coletivo. 2 O Movimento pela Reforma Urbana ocorreu nos anos oitenta, juntamente com o processo de

    redemocratizao dopais. Segundo Ermnia Maricato, o movimento nasceu de iniciativas de

    setores da igreja catlica, como a CPT - Comisso Pastoral da Terra", que se dedicava

    assessoria da luta dos trabalhadores no campo e passou, a partir de uma primeira reunio

    realizada no Rio de Janeiro, no final dos anos 1970, a promover encontros destinados a

    auxiliar a construo de uma entidade que assessorasse os movimentos urbanos.

    (MARICATO, 1997).

  • 18

    apareceu pela primeira vez no pas no Plano de Alfred Agache para a

    cidade do Rio de Janeiro. (VILLAA, 2005). Entretanto, planos

    urbansticos j eram desenvolvidos desde o final do sculo XIX,

    propondo reformas urbanas pontuais e obras de infra-estrutura como

    saneamento e regularizao viria. (LEME, 1999) A partir da dcada de

    40, este instrumento passa a ser difundido e largamente utilizado pelos

    planejadores brasileiros, passando por diversas transformaes ao longo

    da histria do planejamento urbano, at chegar forma como est sendo

    desenvolvido na ltima dcada, utilizando-se da participao popular

    como instrumento para sua elaborao.

    A cidade de Florianpolis, nas primeiras dcadas do sculo XX,

    j realizava grandes obras urbanas. Apesar de possuir apenas 41.338

    habitantes em 1920 (IBGE), a capital realizou obras de melhoramentos

    e saneamento, assim como as grandes capitais brasileiras estavam

    executando. So Paulo, nesse mesmo perodo j contava com 579.033

    habitantes; Rio de Janeiro, 1.157.873 e Porto Alegre 179.263 habitantes,

    segundo dados do IBGE.

    Durante o Estado Novo, os Planos Diretores mais abrangentes,

    que visavam totalidade do conjunto urbano, foram responsveis por

    grandes reformas na estrutura viria das grandes cidades brasileiras. Em

    So Paulo foi implantado o Plano de Avenidas de Prestes Maia (1930),

    no Rio de Janeiro, o Plano Agache (1930), em Porto Alegre, o Plano de

    Arnaldo Gladosh (1943). Estes planos transformaram a rede viria

    precria do perodo colonial para se adaptarem as novas necessidades

    das cidades que surgiriam com o incio do processo de industrializao

    brasileiro.

    Nesse perodo, desenvolviam-se em Florianpolis pequenas

    reformas urbanas pontuais, visando principalmente melhoramentos

    virios. Essas aes no resultaram em uma reforma estrutural no

    sistema virio, como ocorreu nas grandes cidades, o que fez com que a

    malha urbana continuasse basicamente a mesma do perodo colonial.

    A dcada de 50, no Brasil, marcada pela ampliao das relaes

    econmicas do pas com a economia internacional atravs de um

    processo de industrializao impulsionado pelo capital estrangeiro. Esse

    processo resulta no rpido crescimento das taxas de urbanizao das

    grandes cidades. A populao urbana do pas passa de 18.782.981

    habitantes, em 1950, para 32.004.817 em 1960. (SANTOS, 2008)

    A capital catarinense no se inseriu nesse processo nacional de

    industrializao, e chegou dcada de 50, com menos de 69.122

  • 19

    habitantes, e com uma economia estagnada, baseada no setor tercirio, e

    principalmente sustentada pela funo de capital do Estado. Essa

    situao gerou um clima de insatisfao nos grupos sociais influentes

    que resultou na contratao de um escritrio de urbanismo para a

    elaborao de um Plano Diretor para Florianpolis, pois se acreditava

    que o planejamento poderia determinar o desenvolvimento econmico

    de uma cidade.

    Esse Plano Diretor foi elaborado, em 1952, por um escritrio de

    urbanistas gachos constitudo pelo Engenheiro Edvaldo Pereira Paiva e

    pelos arquitetos Demtrio Ribeiro e Edgar Graeff. Esses profissionais j

    possuam uma atuao de destaque no Rio Grande do Sul, e estavam

    elaborando o primeiro Plano Diretor para a cidade de Porto Alegre,

    nesse mesmo perodo.

    A Florianpolis que os arquitetos encontraram no incio da

    dcada de 50 foi uma cidade pequena, com aproximadamente 69.122

    habitantes (IBGE), e que convivia com uma precria situao

    econmica e com uma grande deficincia de infra-estrutura urbana. O

    fato de Florianpolis estar localizada em uma ilha determinou que desde

    a sua formao, as atividades porturias se tornassem o principal apoio

    econmico da cidade. No sculo XIX, o porto da capital era um dos

    mais importantes do sul do Brasil, com uma atividade bastante intensa.

    Entretanto, na dcada de 50 a atividade porturia j estava entrando em

    crise, devido falta de investimentos no seu desenvolvimento e

    modernizao de suas instalaes.

    Enquanto nesse perodo, setores produtivos do Vale do Itaja e do

    Nordeste do Estado se desenvolviam e participavam cada vez mais da

    dinmica do mercado nacional, a capital se mantinha isolada do eixo

    econmico do Estado, tanto por seu atraso econmico, quando por sua

    deficincia de conexes rodovirias com as demais regies do estado.

    Com a pavimentao da rodovia BR-116, situada no Planalto Central, e

    que efetuou a conexo entre o estado de Santa Catarina e o estado do

    Paran, atravs das cidades de Lages e Mafra, Florianpolis passou

    tambm a ficar deslocada do ento eixo rodovirio de Santa Catarina. A

    ponte Herclio Luz, continuava sendo, desde a dcada de 20, o nico

    acesso rodovirio ilha de Santa Catarina no incio da dcada de 50 e a

    ligao entre a cidade e o interior do Estado era feita por apenas trs

    rodovias.

    Os autores conceberam a proposta para Florianpolis amparada

    no imperativo do desenvolvimento de uma rea industrial a partir da

  • 20

    implantao de uma grande rea porturia na poro continental da

    cidade. Essa proposta confrontava com os graves problemas de infra-

    estrutura urbana que a cidade sofria, como por exemplo, a grande

    deficincia nos servios de abastecimento de gua e de energia eltrica.

    A esttica modernista direcionava essa nova proposta de transformao

    da paisagem urbana da cidade, at ento predominantemente horizontal

    e com o traado virio herdado do perodo colonial. Faziam parte do

    Plano, entre outras propostas, a implantao de grandes avenidas, de

    extensos aterros sobre o mar, reas verdes, bairros jardim, um campus

    universitrio e um grande parque municipal.

    O Plano Diretor, concludo em 1952, foi aprovado pela Cmara

    de Vereadores de Florianpolis apenas em 1955, constituindo-se a Lei

    n 246/55. Ficou em vigncia durante 21 anos, at 1976, quando foi

    aprovado um novo Plano Diretor para a cidade. Algumas das

    proposies relacionadas ao setor produtivo e algumas das intervenes

    virias foram executadas, especialmente a Avenida Beira-Mar Norte.

    No entanto, esse plano teve um papel manteve-se como referncia por

    um longo perodo e teve papel importante nas transformaes urbanas

    que a cidade presenciou a partir da dcada de 50, influenciando nas

    aes do capital imobilirio e fundirio e na organizao scio-espacial

    da cidade.

    O presente trabalho desenvolve um estudo do Plano Diretor de

    Florianpolis de 1952, luz do momento histrico e econmico

    brasileiro e local, buscando o entendimento da concepo desse plano,

    de sua abrangncia e de sua repercusso na organizao scio-espacial

    da cidade. Esse trabalho tambm visa contribuir para o debate e a

    compreenso do papel dos planos diretores no planejamento e no

    ordenamento urbano e a sua eficcia na regulamentao e na

    implementao das aes urbanas transformadoras.

    No primeiro captulo, desenvolve-se uma anlise do processo de

    produo do espao urbano de Florianpolis, visando caracterizao

    da estrutura urbana que se configurava no momento de elaborao desse

    plano diretor. O objetivo desse captulo contextualizar o Plano para

    permitir a anlise e a compreenso dessa proposta luz do momento

    histrico e poltico nacional e das caractersticas locais. Em um primeiro

    momento, se investiga a formao da cidade e seu desenvolvimento

    durante o perodo colonial. O segundo item corresponde ao perodo

    Imperial e da Primeira Repblica. No terceiro, so abordadas as dcadas

    de 30 e 40 para finalmente se entrar na dcada de 50, no quarto item,

  • 21

    onde se ilustra o contexto da cidade, e se busca compreender sua

    organizao scio-espacial para que possa nortear as posteriores

    anlises desta proposta.

    No segundo captulo, procura-se traar os perfis dos autores

    dessa proposta, buscando desvendar suas influncias, suas teorizaes e

    vises de arquitetura e do planejamento urbano. feita ainda uma

    rpida anlise dos Planos Diretores que esses profissionais j haviam

    elaborado at o momento dessa proposta para a capital catarinense, para

    poder identificar as semelhanas e diferenas existentes entre eles,

    contribuindo para melhor compreenso de suas propostas.

    O terceiro captulo traz os estudos e anlises do plano estudado,

    bem como de suas repercusses na organizao scio-espacial da

    cidade. Em um primeiro momento, so descritas as diretrizes gerais

    desse Plano Diretor suas principais caractersticas e a metodologia

    utilizada pelos autores na elaborao dessa proposta. Posteriormente so

    desenvolvidas as anlises dessas propostas e de suas repercusses no

    espao urbano aps a aprovao da lei, no que concerne ao setor virio,

    diviso funcional do espao e das propostas arquitetnicas.

  • 22

  • 23

    CAPTULO 1

    A ORGANIZAO SCIO-ESPACIAL E O CENRIO

    POLTICO E ECONMICO DE FLORIANPOLIS NA

    DCADA DE 50

    O objetivo deste captulo contextualizar a proposta do primeiro

    Plano Diretor elaborado para Florianpolis, atravs da caracterizao da

    cidade neste perodo histrico, bem como o estudo de sua organizao

    scio-espacial para que se possa analisar e compreender as proposies

    do Plano Diretor, considerando-se o momento histrico e poltico

    nacional e as caractersticas locais por eles encontradas.

    Para o entendimento da organizao scio-espacial da cidade no

    incio da dcada de 50, necessrio um resgate de alguns aspectos

    significativos do processo de produo do espao urbano de

    Florianpolis ao longo de sua histria. Em um primeiro momento, se

    apresenta uma anlise da formao da cidade e seu desenvolvimento

    durante o perodo colonial. O segundo item trata do perodo Imperial e

    da Primeira Repblica. No terceiro, so abordadas as dcadas de 30 e 40

    para finalmente se abordar a dcada de 50, no quarto item, onde se

    ilustra o contexto da cidade, e se busca compreender sua organizao

    scio-espacial para que possa nortear as posteriores anlises desta

    proposta.

    1.1. O Perodo Colonial da Vila do Desterro

    O perodo colonial da cidade de Florianpolis, ento chamada de

    Vila de Nossa Senhora do Desterro, o perodo de consolidao da

    ocupao da Vila e conformao do traado urbano que ir configurar a

    malha viria da cidade. Nesse momento, a populao no configurava

    nenhuma separao espacial por classes e nem separava a moradia do

    comrcio. A economia da cidade se baseava na atividade porturia e em

    um pequeno comrcio local incentivado pelo movimento de

    embarcaes no porto.

  • 24

    Em 1739, foi criada a Capitania da Ilha de Santa Catarina,

    quando a coroa portuguesa comeou a interessar-se mais pelo extremo

    sul de seu domnio na Amrica devido s disputas territoriais com a

    Espanha. A ocupao da Ilha de Santa Catarina se justifica por sua

    localizao em um local estratgico para a coroa portuguesa, na metade

    do percurso entre o Rio de Janeiro e Esturio do Prata, e por seu

    cobiado porto, que permitia a atracao e o abastecimento das

    embarcaes militares de forma mais segura em funo de suas duas

    baas. De todos os tempos o porto de Santa Catharina (sic) foi

    considerado, pelos mais abalizados navegantes,

    historiadores e militares, como um dos principaes (sic)

    do Sul, no s pela franqueza completa e absoluta de sua

    barra, como pelos numerosos abrigos, angras, abras e

    enseadas que existem dentro das duas grandes bahias

    (sic) que ficam entre a ilha daquelle (sic) nome e a terra

    firme. (PROENA apud VARZEA, 1900 p.178).

    A criao da Capitania no ocorreu pelo interesse da coroa portuguesa na possibilidade de produo econmica da ilha e sim foi

    motivada por interesses militares. A Ilha assumiu a funo de uma

    Capitania fortificada para proteger a Colnia de Sacramento e impedir a

    invaso dos espanhis no territrio portugus (CORRA, 2005), mas

    no desenvolveu expressivamente nenhum tipo de produo econmica

    que pudesse sustentar e propiciar o crescimento da cidade. Fato esse que

    determinou, desde o incio de sua formao, uma relao de

    dependncia econmica com o governo. (PELUSO, 1991).

    O ncleo urbano de Nossa Senhora do Desterro se localizou na

    chamada pennsula central da Ilha de Santa Catarina, conformada pelas

    baas norte e sul e pelo macio rochoso mo Morro da Cruz, conforme a

    Figura 1. A ocupao formou-se em torno do porto, na costa oeste da

    Ilha, voltado para a Baa Sul, entre a ilha e o continente, pois essa rea

    oferecia s embarcaes, abrigo e proteo contra os constantes ventos

    da Ilha. As poucas edificaes que abrigavam residncias e um pequeno

    comrcio localizaram-se nas reas em torno da praa XV de Novembro.

    O traado das primeiras ruas foi determinado pela linha original da orla

    e pela implantao da praa central e da Igreja Matriz, conforme as

    normatizaes portuguesas.

  • 25

    A praa central teve sua forma irregular definida por duas linhas perpendiculares linha da orla (ver Figura 2), que delimitavam suas

    laterais, fazendo com que tivesse uma face mais estreita na orla e mais

    larga no topo da colina. nessa ltima que, no topo da colina, se

    localiza a Igreja Matriz, voltada para a baa sul. Essa forma irregular da

    praa ordenou o traado geral da cidade (ver Figura 3). (DIAS, 1947).

    Figura 1 Pennsula central da Vila Nossa Senhora de Desterro em 1823

    Fo

    nte

    : P

    EL

    US

    O J

    R, 199

    1

  • 26

    Fo

    nte

    : D

    IAS

    (19

    47/2

    )

    Figura 2: Linhas ordenadoras da praa

    Linhas perpendiculares orla que deram origem ao

    traado urbano da cidade definiram o traado geral da cidade.

    Figura 3: Traado a partir da praa

    Traado das quadras a partir das linhas da Praa XV de Novembro.

    Fo

    nte

    : D

    IAS

    (19

    47/2

    )

  • 27

    Para garantir a manuteno da ordem, arrecadao fiscal e defesa

    do territrio, o governo construiu as Fortalezas, o Palcio do Governo

    (1765), a Casa de Cmara e Cadeia (1771-1780), a Igreja da Matriz

    (1753-1773), e a Casa dos Abrigos Blicos (1775). As localizaes

    destas edificaes eram definidas pelo Imprio e foram determinantes

    para a configurao do traado da cidade e de sua posterior ocupao

    territorial.

    As comunicaes internas que ligavam o ncleo urbano da Vila

    do Desterro eram feitas por caminhos que davam acesso ao forte de

    Santana, ao forte de So Francisco, ao forte de So Luiz, na baa Norte,

    entre o morro Sinai (morro do Anto) e o mar, Trindade, a leste do

    forte de Santa Brbara ligando ao Saco dos Limes e outra ligao

    Trindade atravs do morro. (PELUSO, 1991). Estes caminhos foram

    determinantes para a posterior definio do traado urbano da cidade de

    Florianpolis. O caminho em direo ao forte de So Francisco originou

    a atual Rua Esteves Jnior. Na baa Norte, o caminho paralelo praia

    at o forte de So Luiz deu origem s ruas Almirante Lamego,

    Bocaiva, Heitor Luz. O caminho que ligava o centro ao forte So Luiz

    deu origem s ruas Visconde de Ouro Preto, Almirante Alvim e Vitor

    Konder. A trilha que dava acesso Trindade pelo morro, prolongada em

    sua base, deu origem Avenida Mauro Ramos. (PELUSO, 1991). (Ver

    Figura 4).

  • 28

    A caracterstica insular da Vila de Desterro e a sua formao geogrfica que conformava as baas norte e sul, fizeram com que a

    atividade porturia se tornasse o principal recurso da economia da vila.

    O porto era a nica porta de entrada de produtos para o consumo da

    populao local e de sada do principal produto de exportao da poca,

    a farinha, e a via martima era a nica forma de comunicao da vila

    com o resto do mundo. (CABRAL, 1979). As atividades porturias estimularam o desenvolvimento do comrcio local, principalmente por receber muitas embarcaes

    estrangeiras que se direcionavam para o Rio do Prata e acabavam

    movimentando a economia local. Tambm contriburam para o

    aparecimento de diversos hotis, penses, estalagens e ainda atraram o

    Figura 4: Localizao da ocupao inicial e dos caminhos intra-urbanos do ncleo

    urbano de Desterro

    Caminhos intra-urbanos que deram origens s principais vias da cidade. O caminho para o Forte de So Francisco deu origem rua Esteves Jnior. O caminho para o forte So Luiz

    originou as ruas Visconde de Ouro Preto, Almirante Alvim e Victor Konder. A Praa

    XV de Novembro e Bo sentido da ocupao urbana inicial.

    Fo

    nte

    : S

    UA

    GA

    I, 1

    99

    4.

  • 29

    desenvolvimento urbano da cidade para o lado oeste da Praa XV, em

    funo do movimento de navios nesta direo, j que neste perodo, a

    grande maioria das edificaes se concentrava no lado leste da praa.

    Em 1797, o porto da Vila de Desterro foi o mais procurado do Estado:

    os registros mostram que ali chegaram 116 embarcaes enquanto em

    So Francisco, 13 e, em Laguna, 45 embarcaes. (CABRAL, 1979).

    1.2. Perodo Imperial e Primeira Repblica

    Esse perodo corresponde a um momento de grandes

    transformaes no cenrio poltico e econmico brasileiro com a

    Proclamao da Repblica. Em Florianpolis, abarca dois importantes

    momentos na economia da cidade: o primeiro corresponde ao auge do

    desenvolvimento da atividade porturia, e o segundo, sua primeira

    grande crise, na virada do sculo. Com relao organizao scio-

    espacial, na segunda metade do sculo XIX, que comea a se

    configurar uma separao espacial das reas residenciais da populao

    de alta renda. O perodo republicano tambm marcado pela troca de

    nome da cidade, que passa a se chamar Florianpolis, e por uma srie de

    intervenes do estado no espao urbano, como as grandes obras de

    saneamento, a abertura da Avenida Herclio Luz e a construo da ponte

    Herclio Luz.

    Na dcada de 1860, o porto atingiu seus anos mais promissores,

    com uma a atividade comercial-porturia bastante intensa. Este perodo

    coincide com o perodo da Guerra do Paraguai, onde houve um grande

    aumento nas exportaes de gneros alimentcios na regio sul.

    Entretanto, a queda no valor da moeda nacional anulou os benefcios

    que esse fato poderia ter proporcionado economia da cidade.

    (HBENER, 1981). Em 1875, instalou-se na capital, a Companhia

    Catarinense, empresa de barcos a vapor que faziam o transporte regular

    de passageiros e cargas para a cidade de Laguna. (CABRAL, 1979).

    J no final do sculo XIX, a atividade porturia da capital vai

    sofrer sua primeira crise em decorrncia da navegao a vapor que

    avanava para o uso de navios de grande calado que no eram

    compatveis com as guas pouco profundas da baa da Ilha de Santa

    Catarina (CECCA, 1997).

  • 30

    At a primeira metade do sculo XIX, a ocupao da cidade

    ainda se concentrava principalmente a leste da Praa XV,

    provavelmente em virtude da localizao do principal olho dgua. (CABRAL, apud SUGAI, 1994). Nesta rea se localizava a maioria da

    populao, tanto ricos quanto pobres, sem existir ainda separao

    espacial entre estes e entre os locais de comrcio e residenciais.

    (SUGAI, 1994). A separao espacial entre classes sociais comeou a se configurar na segunda metade do sculo XIX, quando as reas

    residenciais da populao de alta renda comearam a se concentrar nas

    primeiras quadras a oeste da Praa XV de Novembro. Esse afastamento

    fsico se deu em um momento de proliferao dos cortios, que se

    localizavam, predominantemente, a leste da praa, a partir da quarta

    quadra a oeste, nas margens do Rio da Bulha e nas encostas do macio

    rochoso central.

    A populao de alta renda, alm de ocupar a rea central, a oeste

    da praa, passou a ocupar grandes chcaras ao redor do ncleo urbano

    da cidade. Localizadas em sua maioria na poro norte da pennsula

    central da ilha, inicialmente essas chcaras tinham carter de habitao

    temporria, por se tratar de reas de cotas mais elevadas, portanto mais

    favorecidas pelos ventos no vero. Tambm tinham carter de proteo

    nas constantes epidemias que resultavam da falta de saneamento e infra-

    estrutura das reas urbanas e tambm permitiam uma pequena produo

    rural para abastecimento das residncias centrais. (SUGAI, 1997).

    Este perodo marcado por um cenrio de transformaes

    econmicas e sociais no Brasil, que resultaram na Proclamao da

    Repblica, onde o governo, agora, passa a ter grande importncia

    como centro de decises econmicas. A grande expanso da produo do caf, impulsionada pela

    urbanizao dos Estados Unidos, iniciou o processo de migrao de

    europeus para as regies em expanso, como o Brasil. Entretanto, essa

    corrente migratria se deparou com uma estrutura latifundiria

    consolidada, que inviabilizava o acesso propriedade de terra, o que

    resultou em um processo de urbanizao desvinculado do processo de

    industrializao. (FURTADO, 1979).

    (...) a urbanizao no Brasil, desde a colnia e

    principalmente no sculo XIX, avana a passos mais

  • 31

    largos do que aqueles que nos acostumamos a entender

    que o fenmeno da urbanizao na sociedade e na

    economia brasileira um fenmeno que se deflagra

    apenas a partir da industrializao. (OLIVEIRA, 1982

    p.38).

    J no final do sculo XIX surgem os primeiros planos de

    interveno do Estado no espao urbano no Brasil. Estes planos

    urbansticos tinham a funo de garantir a reproduo do complexo

    agro-exportador, ou seja:

    (...) garantir que o fluxo das mercadorias no fosse

    interrompido para os mercados externos em funo do

    colapso criado pelas epidemias e a falta de saneamento

    que paralisava a exportao dos produtos como caf,

    acar, algodo etc. (QUINTO JR, 2006 p.4).

    Nas ltimas dcadas do sculo XIX, o Estado passa a intervir no

    espao urbano de Florianpolis atravs da legislao. Em 1880, foi

    elaborado o primeiro Cdigo de Posturas, que visava regulamentar as

    atividades urbanas e frear a multiplicao dos cortios nas reas

    centrais. Novos servios urbanos tambm comearam a ser adotados

    pelo Estado, como um servio de remoo de lixo, guas servidas e matrias fecais e tambm inaugurado o primeiro servio de transporte coletivo, utilizando bonde de trao animal. (SUGAI, 1997, p.5).

    Esses primeiros planos urbansticos desenvolvidos no Brasil

    fazem parte do chamado urbanismo sanitarista, que vai ser um dos

    modelos de interveno do Estado no incio do sculo XX. Esses planos

    aliavam o projeto de saneamento a um projeto urbanstico. O

    engenheiro Saturnino de Brito foi o principal representante desse

    urbanismo, realizando obras em todo o territrio nacional, onde alm

    das obras de saneamento, tambm projetava as reas de expanso das

    cidades.

    J em 1896, Saturnino de Brito elabora o Projeto de um Novo Arrabalde dotado dos servios de abastecimento de gua e de drenagem

    para Vitria, capital do Esprito Santo, onde alm da detalhada proposta de saneamento e abastecimento de gua, o engenheiro tambm

    projeta o traado virio, os quarteires, lotes, tipo de casas, alm de

  • 32

    definir reas destinadas a hospitais, jardins, cemitrio e capela. (LEME,

    1999).

    Em 1905, elabora um plano de saneamento para Santos,

    juntamente com a elaborao de um plano urbano. J para a cidade de

    Recife, em 1909, alm do plano de saneamento tambm elabora um

    conjunto de normas para regularizar reformas e construes.

    Em 1909, se inicia na cidade de Florianpolis, um grande

    investimento em obras de saneamento. Foram implantadas redes de

    gua e esgoto, alm de uma adutora e um reservatrio situado no Morro

    da Cruz. Diferentemente das aes do perodo colonial da Vila de

    Desterro que faziam parte de determinaes pr-estabelecidas pelo

    Imprio, as aes do perodo Republicano representavam aes pontuais

    que visavam melhorias nas condies sanitrias da cidade, de acordo

    com as aes do planejamento urbano brasileiro desse perodo.

    Em 1911, o governador Vidal Ramos contratou o Engenheiro

    Luiz Jos da Costa para orar, projetar e coordenar as obras de

    saneamento da cidade. O engenheiro foi indicado pelo Prof. Saturnino

    de Brito, que no pode, na poca, assumir a execuo da obra.

    No final do sculo XIX, tambm surgiram no Brasil, os planos

    de melhoramentos e embelezamento, a partir de um relatrio

    desenvolvido pela Comisso de Melhoramentos da Cidade do Rio de

    Janeiro, que foi o primeiro documento onde so utilizados conceitos

    de plano e de conjunto em se tratando do espao urbano.

    (VILLAA, 2004). Esses planos tinham a influncia do urbanismo renascentista francs que enfatizava a beleza monumental nas cidades, e tambm do

    movimento City Beautiful dos Estados Unidos.3 As propostas se

    detinham basicamente nas questes virias, sem abordar os problemas

    sociais, e tinham uma maior aproximao com as aes prticas, pois

    eram executados como planos de obras.

    O termo embelezamento, no correspondia apenas a uma

    imposio de novos valores estticos, mas tambm encobria uma srie

    de estratgias da classe dominante, como por exemplo, a erradicao da

    3 O movimento City Beautiful surge em 1893, com o projeto de Daniel Burnham para a cidade de Chicago, e se caracteriza por ser um planejamento altamente ideolgico, pois foi amplamente utilizado para glorificar e ajudar a impor o Estado e a classe dirigente

    capitalistas, quando eram revolucionrios. (VILLAA, 2004 p.192).

  • 33

    classe trabalhadora das reas centrais das cidades, que passaram a

    ocupar as reas de morro e de periferia.

    Essas propostas de melhoramentos eram elaboradas sobre a

    cidade j existente, por profissionais da rea de engenharia que

    ocupavam cargos pblicos nas administraes das prefeituras e do governo do estado. (LEME, 1999).

    Os planos de Pereira Passos para o Rio de Janeiro e de Prestes

    Maia para So Paulo so os grandes representantes desse planejamento.

    O plano de Pereira Passos, de 1903, denominado

    Embelezamento e Saneamento da Cidade, foi inspirado nas reformas urbanas de Haussmann (1853 1870) na cidade de Paris. Com o objetivo de melhorar a fluidez do trfego, o plano se detinha no projeto

    virio, e visava melhorar as condies estticas e sanitrias das

    edificaes. Buscando a modernizao da cidade, o plano prev a

    abertura de grandes avenidas, e a ocupao da orla martima.

    Ao contrrio das principais capitais brasileiras que executaram grandes reformas urbanas no incio do sculo XX devido ao rpido

    aumento populacional, Florianpolis no apresentava significativo

    crescimento urbano nesse perodo, 0,182% ao ano com uma populao

    de 38.585 habitantes, em 1910, segundo o IBGE. Essas grandes

    reformas foram impulsionadas pelo anseio das elites locais em promover um amplo reajustamento social de sua populao aos

    imperativos e s territorialidades burguesas de organizao social. (ARAJO, 1989 p.11). A grande diversificao social que a cidade

    apresentou nesse perodo, com o aumento da populao de

    comerciantes, funcionrios do Estado, profissionais autnomos, acabou

    fortalecendo a burguesia local. (ARAJO, 1989).

    Em 1918 iniciou-se em Florianpolis, a construo da Avenida

    do Saneamento, posteriormente Avenida Herclio Luz (ver Figura 5),

    como complemento das aes sanitaristas, e que provocou grandes

    mudanas no traado urbano da cidade, por seguir as margens

    irregulares do Rio da Bulha, para sua canalizao. (DIAS, 1947). O

    responsvel por sua construo foi engenheiro Luiz Costa por indicao

    do engenheiro Saturnino de Brito, o principal representante do

    urbanismo sanitarista no Brasil.

    A abertura da avenida foi resultado de uma ao higienista que determinou a remoo de moradores de baixa renda, e a destruio de

    casebres e cortios, o que abriu uma nova possibilidade de

    investimentos para o capital imobilirio. Esta rea tambm despertava o

  • 34

    interesse da classe dominante por fazer a conexo da rea central com

    as reas ao sul da ilha e com a via de ligao norte-sul, nas bases do

    morro, e tambm por ser o acesso ao Hospital de Caridade.

    O projeto da Avenida Herclio Luz transformou o rio em canal e a rua recebeu uma vasta arborizao. Transformou a imagem da cidade

    com ares de modernidade (DIAS, 1947). As preocupaes sanitrias

    aliadas preocupao esttica, e ainda o interesse da classe dominante em erradicar as camadas populares das reas centrais, demonstram que

    este projeto estava de acordo com os grandes projetos de

    Fo

    nte

    : E

    lab

    ora

    o

    da

    auto

    ra s

    ob

    re m

    apa

    reti

    rado

    de

    LO

    HN

    , 20

    02

    .

    Figura 5: Localizao das Avenidas Herclio Luz e Mauro Ramos e da Ponte Herclio

    Luz.

  • 35

    melhoramentos e embelezamento caractersticos do planejamento

    brasileiro do incio do sculo XX, que j foram explicitados

    anteriormente.

    A Avenida se constituiu assim em smbolo de um novo

    tempo, onde novos hbitos (como o passeio de

    automvel e o footing) e cdigos de conduta se

    espacializariam. Foi tambm o primeiro espao urbano

    desatrelado da malha urbana colonial, com novos e

    maiores lotes, fruto de renovao urbana e onde as

    edificaes obedeceriam a novos cdigos municipais,

    com afastamentos laterais e outras recomendaes, alm

    de atender a novas vogas estilsticas. (TEIXEIRA, 2009

    p. 204).

    Em 1922 o governo do Estado iniciou a montagem da ponte Herclio Luz para fazer a conexo rodoviria entre a Ilha de Santa

    Catarina e o Distrito do Estreito, at ento pertencente cidade de So

    Jos.4 Inaugurada em 1926, a ponte foi construda com recursos

    externos, fazendo com que o Estado contrasse uma dvida duas vezes

    maior que a receita oramentria anual. (ANDRADE, 1976 apud

    SUGAI, 1994).

    A estrutura da ponte foi fabricada nos EUA com 821,14 metros

    de comprimento, 7,80 metros de largura e um vo de 339 metros. As

    peas foram trazidas em navios para serem montadas em Florianpolis.

    O projeto inicial da ponte pnsil tambm previa a sua utilizao para o

    transporte de bondes eltricos, o que nunca foi efetivado. Alm da Ponte

    Herclio Luz, mais duas pontes idnticas a ela foram construdas nos

    EUA. A Silver Bridge em 1928, que desabou em 1967, matando 63

    pessoas, e a St. Marys Bridge em 1929, que foi desmontada aps a tragdia de 67. (COELHO, 1997).

    Na ocasio de sua construo, a ponte possua o maior vo

    suspenso da Amrica Latina. Uma obra desse porte foi impulsionada

    pelo interesse do setor imobilirio nas terras continentais (SUGAI,

    1994) e legitimada pelo discurso dos governantes, o qual procurava

    disseminar a idia de que o atraso econmico da cidade era

    conseqncia da ausncia de conexo rodoviria entre a ilha e o

    4 O Bairro do Estreito s foi anexado cidade de Florianpolis em 1943.

  • 36

    continente, e de que a obra seria a conquista da modernidade para uma

    capital ameaada de perder seu posto para o interior do Estado.5

    Entretanto, o desenvolvimento que se esperava no se

    concretizou imediatamente aps sua construo. A ponte favoreceu a

    expanso imobiliria que j se verificava no Estreito, mas com repercusses graduais em sua estrutura e na mobilidade residencial. (SUGAI 1997, p.14).

    No lado ilhu, a cabeceira da ponte foi implantada no extremo

    oeste da pennsula, em uma rea que nunca havia sido alvo do interesse

    dos setores dominantes. Como foi anteriormente comentado, era

    utilizada para abrigar atividades bastante depreciadas pela sociedade,

    como cemitrio, forno de lixo, fbricas, vila operria e, no percurso, rea de prostituio. (SUGAI, 1994, p.54). Entretanto, j em 1924, o cemitrio foi transferido para o bairro Itacorubi, e as demais atividades

    foram sendo transferidas conforme investimentos eram feitos no

    entorno. (SUGAI, 1997).

    As reas continentais da cidade que eram ocupadas

    predominantemente por uma populao mais pobre, a partir da dcada

    de 30, passaram a ser procuradas por investidores imobilirios dos

    setores de alto poder aquisitivo, principalmente as faixas litorneas ao

    norte e ao sul. Esse interesse, que j existia antes da implantao da

    ponte, foi consolidado aps sua inaugurao. Nessa poca, parcelas da

    classe dominante tambm estavam adquirindo terras nas praias do norte da Ilha, em reas que at ento eram de uso comunais. (SUGAI, 1994).

    O fluxo interno que se direcionava para a orla da baa sul foi

    gradativamente alterando sua direo para o eixo leste-oeste, em direo

    ponte. As reas comerciais e residenciais prximas a este eixo, na rea

    central prxima baa sul, passaram a ser mais valorizadas pelo

    mercado imobilirio onde se localizavam as nicas ruas que permitiam

    o acesso direto ponte. A falta de uma ligao direta da poro norte da

    pennsula com a ponte tambm contribuiu para esse processo de

    valorizao e densificao das reas centrais do entorno da Praa XV,

    5 J no incio do sculo XX se discutia a mudana da capital para Lages ou para outro

    municpio central no interior do Estado. Vieira da Rosa dizia em 1905: A creao (sic) da Capital na ilha foi uma das maiores calamidades para a nossa terra. E afirmava ainda que em 1748, o governador Manoel Escudeiro Ferreira de Souza, reconhecendo que o local da Villa do Desterro era inapropriado para a sede da Capital da Provncia, solicitou Corte a mudana

    para stio em terra firme. (ROSA, 1905, p.183).

  • 37

    pois todo o fluxo da ilha passava obrigatoriamente por esse eixo central.

    (SUGAI, 1994).

    A ponte Herclio Luz significou,

    (...) de acordo com os discursos das elites e dos polticos

    na poca, muito mais do que um conforto para a

    populao, pois passou a ser considerada como

    monumento mximo a representar o empenho e os

    anseios pela instaurao de uma modernidade burguesa

    em Florianpolis. (ARAJO, 1989 p.126).

    A economia brasileira chega ao final da dcada de 20 marcada

    pela crise do setor produtivo tradicional que chega a seu pice com a

    crise de 29. O caf, principal produto de exportao do pas, vinha

    desde o final do sculo XIX sofrendo constantes crises agravadas pela

    dificuldade de expanso dos ndices de exportao, que ficaram

    praticamente estagnados durante os 30 primeiros anos do sculo XX e

    com as conseqncias de uma superproduo. Frente a essa situao a

    economia brasileira necessita se refazer sobre novas bases, criando um

    sistema de produo capaz de suprir as necessidades da populao.

    (PRADO JUNIOR, 1985).

    1.3. Dcadas de 1930 e 1940

    Este perodo foi marcado pelas conseqncias da crise de 29 e da

    Segunda Guerra Mundial no cenrio poltico e econmico brasileiro.

    nesse momento tambm, que o urbanismo se consolida no pas, como

    uma rea de conhecimento e um campo profissional, resultando em uma

    nova forma de concepo de planos urbanos, que passaram a visar

    totalidade dos conjuntos das cidades.

    Em Florianpolis, este perodo corresponde ao momento de

    diversificao dos investimentos imobilirios do setor de alta renda, que

    estava ocupando as reas litorneas do continente e as reas ao norte da

    pennsula central. Tambm corresponde ao perodo de construo da

    Avenida Mauro Ramos, que fazia a ligao da baa sul com a baa norte

  • 38

    da pennsula central; e a anexao do Distrito do Estreito ao municpio

    de Florianpolis.

    A crise de 29 afetou de tal forma o Brasil que determinou uma

    grande interveno do Estado como regulador econmico quando

    determina seu direito de explorao do subsolo, de aproveitamento de

    energia hidrulica e instalao de organismos estatais dedicados ao

    controle e direo dos negcios e das atividades econmicas.

    (ALBUQUERQUE, 1986).

    A desestruturao do setor externo da economia brasileira gerada

    pela crise acarretou em uma diversificao da economia que tambm foi

    impulsionada pelo intervencionismo do Estado. Alm do caf, outras

    atividades agrrias e principalmente industriais passam a receber

    incentivos do governo.

    A partir da Revoluo de 30 a aristocracia rural vai perder sua

    hegemonia como classe dominante para a burguesia industrial, que

    ascender cada vez mais ao posto de classe dominante da sociedade

    brasileira. Entretanto, o cenrio poltico e social faz com essa classe

    necessite estar sempre modificando e reproduzindo os mecanismos para

    manuteno de sua dominao, ao contrrio o que ocorria durante o

    perodo republicano, onde as oligarquias no encontravam resistncia

    frente a sua dominao. (VILLAA, 2004).

    Esse perodo de crise das oligarquias resultou no governo

    populista e autoritarista de Getlio Vargas. O populismo foi usado

    como uma forma de conteno das massas populares que estavam ganhando fora com o crescimento da classe operria. (WEFFORT,

    1979).

    Nesse momento, o urbanismo se consolida no Brasil como uma

    rea de conhecimento no meio acadmico, e como campo profissional

    com a expanso da atuao dos urbanistas na maioria das cidades

    brasileiras. (LEME, 1996). Os planos que visavam totalidade do

    conjunto urbano e apresentavam propostas de zoneamento passaram a

    ser utilizados de forma ideolgica para manuteno da dominao

    social.

    Instaura-se o predomnio de um novo discurso, onde as

    lideranas polticas e sociais no utilizam mais os planos como

    justificativa para as obras executadas, como nos planos de melhoramentos, mas como um instrumento moderno e cientfico que

    traz diretrizes para soluo de diversos problemas da cidade.

  • 39

    Alm das influncias europias que estiveram presentes no

    planejamento urbano brasileiro desde o final do sculo XIX, comeam a

    se introduzir no Brasil, de forma mais marcante, princpios do

    urbanismo das cidades-jardins de Howard, da verso americana para as

    propostas de cidades-jardins, e do urbanismo modernista de Le

    Corbusier.

    A proposta do ingls Ebenezer Howard para as cidades-jardins se

    baseava na idia de unir a qualidade de vida no campo com as

    vantagens e facilidades da vida na cidade. Em 1902, publica o livro

    Cidades-Jardins de Amanh onde mostra de uma forma muito simples e direta sua proposta de cidade, com determinao da populao

    mxima, divida em setores por grandes boulevares arborizados que

    circundam um grande parque central. Sua proposta estava centrada na

    idia utpica da construo de um novo modelo de sociedade, baseada

    em sistemas de cooperao e associao, onde o solo seria de

    propriedade coletiva. A cidade seria autnoma, com a presena de

    atividades econmicas e equipamentos coletivos, que garantissem sua

    auto-suficincia.

    A cidade de Letchworth, na Gr Bretanha, foi a primeira concretizao das idias de Howard, que confiou o projeto da cidade

    aos arquitetos Raymond Unwin e Barry Parker, em 1903. A cidade, com

    traado virio informal dividida em quatro setores, chamados de

    unidades de vizinhana, com capacidade para 5.000 habitantes e dotadas

    de equipamentos bsicos como comrcio, escolas, correios, etc.

    O desenho aberto mantm a continuidade do espao livre

    verde pela cidade, tornando-a agradvel e convidativa e

    transforma-se na principal caracterstica da cidade.

    (OTTONI, 2002).

    O grande sucesso do livro de Howard faz com o modelo de

    cidade-jardim sirva de inspirao para o planejamento em diversos

    pases do mundo, inclusive no Brasil. Entretanto as adaptaes desse

    modelo se restringiram a alguns aspectos formais dessa proposta e no

    s proposies de reformas nas bases sociais, como por exemplo, na

    propriedade da terra. Nos Estados Unidos, a Regional Plan Association, uma associao ligada aos ideais de Howard, ir exercer uma importante

    influncia no movimento City Beautiful inserindo na pauta de

  • 40

    discusso questes polticas e sociais. Os profissionais que se

    identificavam com essas idias, como Clarence Stein, Henry Wrigth,

    Catherine Bauer, Frederick Ackerman e Lewis Munford, fizeram vrias

    visitas s cidades-jardins inglesas e contaram com a presena de

    Howard, Parker e Unwin na Amrica do Norte. Sunnyside Gardens

    (1928) e Greenbelt (1935) so os mais importantes exemplos do

    resultado desse movimento. (OTTONI, 2002).

    Dois grandes planos so desenvolvidos nesse perodo para as

    principais cidades brasileiras, o Plano de Prestes Maia para So Paulo, e

    o Plano de Agache para o Rio de Janeiro.

    O Plano de Avenidas, de 1930, de Prestes Maia, consiste na remodelao e extenso do setor virio. A proposta central desse Plano

    consiste na utilizao um sistema radial perimetral, atravs de um anel

    virio. este plano que vai consolidar o padro de expanso perifrica

    da cidade de So Paulo nas dcadas posteriores (LEME, 1999) e

    incentivar a expanso do uso dos veculos automotores. Essa proposta

    ser absorvida pelos autores do Plano Diretor de Florianpolis de 1952,

    que vieram a propor um anel virio para a rea da pennsula central da

    Ilha de Santa Catarina.

    O Plano Agache, elaborado em 1930 para a cidade do Rio de

    Janeiro, vai introduzir uma nova lgica no desenvolvimento dos planos

    diretores no Brasil. Ao contrrio dos planos do incio do sculo XX que

    eram desenvolvidos por funcionrios das prefeituras, num processo

    longo de discusses, os planos passaram a ser desenvolvidos por

    tcnicos especialista, supostamente com poder do conhecimento

    tcnico, e que passam a propor solues para diversos problemas

    urbanos atravs do conhecimento cientfico. Esse novo sistema introduz

    a prtica de contratao de profissionais capacitados, como no caso do Plano Diretor de 1952, para a cidade de Florianpolis, onde

    especialistas de Porto Alegre so contratados para a elaborao de uma

    proposta ampla, que aborde uma grande variedade de questes

    referentes organizao e ao desenvolvimento da cidade.

    O arquiteto francs Alfred Donat Agache foi o responsvel pela

    elaborao do primeiro Plano Diretor da cidade do Rio de Janeiro.

    Baseado em uma srie de estudos preliminares realizados na cidade,

    incluindo estudos da histria econmica e social, alm de levantamentos

    aerofotogramtricos, o plano apresentava grande destaque para as

    propostas de infra-estrutura, principalmente saneamento e transportes e

    continha um conjunto de leis urbansticas, inclusive de zoneamento,

  • 41

    alm de um conjunto de leis de mbito federal. Entretanto, seu foco

    central era a questo esttica, dedicando vrios captulos ao

    embelezamento.

    Agache prope tambm duas ocupaes em forma de cidades-

    jardins para as ilhas do Governador e Paquet. A partir de ento vrios

    loteamentos seguindo essas idias foram implantados nos bairros da

    Gvea, Laranjeiras e Jardim Botnico. Assim como ocorreu em So

    Paulo, todos foram destinados a uma populao de alto poder

    econmico. (OTTONI, 2002).

    Essa circulao de idias urbansticas no meio profissional,

    principalmente com a contratao de urbanistas estrangeiros exerceu

    enorme influncia no planejamento urbano brasileiro. Assim como

    Alfred Agache, o arquiteto franco-suo Le Corbusier tambm divulgou

    suas idias em sua passagem pelo Rio de Janeiro, em 1929, onde

    participou de conferncias e elaborou um rpido projeto para a cidade.

    Em 1936, Le Corbusier, vem ao Brasil a convite do governo de

    Getlio Vargas, proferir uma srie de palestras na cidade do Rio de

    Janeiro, onde vai introduzir seus ideais de urbanismo modernista.

    No incio dos anos 30, Florianpolis sofreu com um perodo de

    restrio por parte do Governo Federal, em virtude do posicionamento

    poltico da cidade, em favor dos legalistas na Revoluo de 30. Somente

    em 1937, quando o catarinense Nereu Ramos foi nomeado Interventor

    Estadual, que essa situao se modificou e a cidade foi beneficiada por

    uma srie de intervenes e obras de melhoramentos, dentre elas o

    alargamento e calamento de algumas ruas da rea central da cidade.

    (TEIXEIRA, 2009).

    Nos anos 40, foi construda a Avenida Mauro Ramos (ver Figura

    5), a partir do antigo caminho que dava acesso ao Forte de So Luiz at

    o largo Treze de Maio, um aterro j existente, localizado onde hoje se

    encontra a Praa da Bandeira, fazendo a ligao entre a baa sul e a

    Praia de Fora. Absorvendo algumas ruas e extinguindo becos e ruelas, a

    implantao da via deslocou ainda mais os moradores de baixa renda

    que j haviam sido expulsos das reas da Avenida Herclio Luz para as

    reas do morro e do continente. (PELUSO, 1991). A Avenida Mauro

    Ramos acabou se tornando o divisor entre a cidade legal e urbanizada e

    a cidade informal das habitaes precrias das encostas do Macio do

    Morro da Cruz. (TEIXEIRA, 2009).

  • 42

    Desde o final do sculo XIX, de maneira mais decidida, a

    partir de 1910, quando foram inauguradas as primeiras

    redes de gua encanada e energia eltrica, seguidas pela

    construo da rede de esgotos (...) que na capital do

    Estado, embora de maneira lenta e fragmentria, vinham

    sendo instalados equipamentos que contriburam para

    instaurar os domnios que as prticas e os discursos

    poltico-higienistas prescreviam para modernizar e

    racionalizar as relaes sociais em Florianpolis. (ARAJO, 1989 p.23).

    Em 1944, o distrito do Estreito, que at ento pertencia ao

    municpio de So Jos, foi anexado ao municpio de Florianpolis.

    Nesse perodo, j se observava na rea continental o desenvolvimento

    do setor imobilirio concomitante ao aumento das atividades porturias

    locais em funo do surgimento de empresas de comrcio e exportao

    de madeira. Essa dinmica gerou grandes interesses polticos e

    econmicos que resultaram nessa ampliao da rea territorial da

    capital. (SUGAI, 1994).

    Neste perodo, alm da ocupao do Estreito predominantemente

    pelas camadas de baixa renda, a Praia do Balnerio, na baa norte

    continental, e a Praia de Coqueiros, na baa sul, eram reas que estavam

    sendo ocupadas por uma populao de alta renda, embora se

    localizassem fora do limite urbano estabelecido. Segundo Sugai, entre

    as dcadas de 20 e 40, houve uma indeciso por parte das classes dominantes em relao a ocupao das reas ao norte da pennsula

    central da Ilha ou das reas nas orlas norte e sul do continente. Essa

    diversidade de investimentos imobilirios foi gerada principalmente

    pela dificuldade de ocupao das grandes reas das antigas chcaras e

    pela inexistncia de acessos diretos dessa rea com a Ponte Herclio

    Luz. Entretanto, no incio da dcada de 50, j havia se estabelecido a

    prioridade de investimentos na rea insular, principalmente na poro

    norte da pennsula central, confirmando a escolha das elites em ocupar

    esta rea da cidade. (SUGAI, 1994).

    No incio dos anos 40, a exemplo das duas maiores capitais do

    pas, as cidades de Porto Alegre e Salvador tambm desenvolveram

    planos urbanos. O plano de Porto Alegre6 foi coordenado pelo arquiteto

    6 Este Plano ser abordado com maiores detalhes no captulo 2, em virtude da participao do

    arquiteto Edvaldo Pereira Paiva na elaborao dessa proposta.

  • 43

    Arnaldo Gladosh e o plano de Salvador pelo engenheiro Mrio Leal

    Ferreira.

    Em 1945, o fim da Segunda Guerra Mundial faz com que

    aumentem as presses para a redemocratizao do pas o que leva a um

    golpe de Estado que deps Getlio Vargas do poder e pe fim ao Estado

    Novo.

    1.4. Florianpolis na dcada de 50

    O perodo ps Segunda Guerra Mundial no Brasil foi um perodo

    de intensa transformao econmica e social no pas, marcado por um

    clima de esperana, focado no desenvolvimento atravs da soluo dos

    problemas sociais, do atraso econmico e cultural atravs da

    industrializao. Tambm chamado de perodo do

    desenvolvimentismo, se caracterizou pelo otimismo da vitria da democracia sobre os regimes nazifascistas da Segunda Guerra Mundial,

    e pela crena na construo de um novo mundo de paz.

    O Brasil sofreu rpidas transformaes na primeira metade do

    sculo XX que culminaram no cenrio poltico e econmico da dcada

    de 50. (...) em menos de meio sculo o pas se transformou de um aglomerado de plantaes tropicais em uma economia semi-industrial (FURTADO, 1979 p.2), o que gerou um grande deslocamento de

    populao entre regies do pas, principalmente de reas rurais para

    reas urbanas.

    O processo de industrializao se acelera e o cenrio do conflito

    poltico se altera.

    Passa para o primeiro plano a nova confrontao entre o

    iderio liberal que agora serve para encobrir todas as formas de defesa do status quo e as aspiraes confusas mas cada vez mais difceis de eludir das massas, cuja

    satisfao exige no apenas reformas no Estado mas na

    prpria sociedade. (FURTADO, 1979 p.11 e 12).

  • 44

    A Segunda Guerra Mundial deixou ao mundo um grande desenvolvimento cientfico e tecnolgico, com destaque para o

    desenvolvimento da aviao e dos meios de comunicao, que alteraram

    de forma profunda a vida da sociedade capitalista.

    A urbanizao desse perodo, vinculada rpida industrializao

    das cidades, gerou problemas que os Cdigos de Obras e as Legislaes

    de Zoneamentos no conseguiam solucionar. Novos instrumentos

    urbansticos se faziam necessrios no planejamento urbano. Alm das

    preocupaes virias e sanitrias, os planos deveriam abranger

    determinaes de uso e ocupao de solo, de localizao de

    equipamentos e das condies de vida da populao.

    A grande concentrao demogrfica das principais cidades

    brasileiras e o agravamento dos problemas urbanos fizeram com que os

    planos ampliassem seus objetivos, passando a tratar do uso e ocupao

    do solo, da distribuio de equipamentos, de moradia. Ao contrrio dos

    planos de ao que vinham sendo feitos at ento, se inicia um perodo

    de discursos, onde se evidencia a distncia entre a proposta e a

    execuo. (NYGAARD, 2005).

    Em 1951, Getlio Vargas retorna presidncia do Brasil aps um

    governo autoritrio que durou de 1937 a 1945. Agora eleito pelo voto

    popular, se depara com um pas muito diferente com um processo de

    industrializao e urbanizao muito mais fortalecido. A proposta de

    governo de Vargas era a expanso industrial e o aumento da interveno

    do Estado na economia. (SKIDMORE, 1982).

    A industrializao no Brasil influenciada pela redefinio da

    diviso internacional do trabalho aps a Segunda Guerra Mundial. A

    restrio do espao do capitalismo internacional, com a consolidao da

    Unio Sovitica, faz com que os pases centrais direcionem sua

    industrializao para pases perifricos, como o caso do Brasil.

    O capital externo, principalmente dos Estados Unidos, financiou

    o desenvolvimento das indstrias de base, como por exemplo, a

    implantao do complexo siderrgico de Volta Redonda, em 1946. Esse

    complexo tambm pressionou o governo a melhorar o transporte

    ferrovirio e martimo para garantir o seu pleno funcionamento.

    (ALBUQUERQUE, 1986).

    Para impulsionar a industrializao, o Estado tenta mudar o padro de acumulao, transferindo os excedentes de um grupo social

    para outro. Ou seja, o Estado penaliza a produo agroexportadora,

  • 45

    direcionando seus mecanismos para a acumulao industrial.

    (OLIVEIRA, 1982).

    A rpida industrializao brasileira resulta no crescimento

    populacional das cidades. Industrializao aqui usada com o significado

    definido por Milton Santos, como:

    (...) processo social complexo, que tanto inclui a

    formao de um mercado nacional, quanto os esforos de

    equipamento do territrio para torn-lo integrado, como a

    expanso do consumo em formas diversas, o que

    impulsiona a vida de relaes (leia-se terciarizao) e

    ativa o prprio processo de urbanizao. (SANTOS, 2008 p.30).

    Prova disso o fato de que em 1950, 36% da populao

    brasileira era urbana, ao passo que em 1960, esse ndice sobe para 45%.

    (...) quando a industrializao comea a ser o motor da

    expanso capitalista no Brasil, ela tem que ser

    simultaneamente urbana, e tem que ser

    fundamentalmente urbana porque no pode apoiar-se em

    nenhuma pretrita diviso social do trabalho no interior

    das unidades agrcolas. (OLIVEIRA, 1982 p. 42).

    Com o crescimento da industrializao se busca uma integrao do territrio nacional, atravs da interligao das estradas de ferro, e do

    empreendimento de um ousado programa de investimentos em infra-

    estrutura. (SANTOS, 2008).

    Entretanto, a cidade de Florianpolis no estava inserida nesse

    contexto nacional de crescimento populacional e de industrializao. Na

    primeira metade do sculo XX, a cidade apresentou um processo de

    crescimento lento em comparao com as demais capitais brasileiras.

    De 1900 at 1950, teve um acrscimo na populao de 114%, enquanto

    a cidade do Rio de Janeiro, nesse mesmo perodo, cresceu 249% e So

    Paulo 829%. Segundo o IBGE, em 1950, a populao de Florianpolis

    era de 69.122 habitantes. Um nmero bastante reduzido por se tratar da

    capital do estado. Porto Alegre, por exemplo, em 1950, possua uma

    populao de 401.213 habitantes, Rio de Janeiro 2.413.152 habitantes e

    So Paulo 2.227.512 habitantes, que eram cidades industriais.

  • 46

    No incio da dcada de 50, apresentava um cenrio urbano

    interiorano, como caracterizou o gegrafo Wilmar Dias em seu estudo

    sobre o processo de urbanizao de Florianpolis, em 1947. A cidade

    tambm apresentava uma intensa estagnao econmica e convivia com

    graves problemas de infra-estrutura.

    Vista do alto, das muitas elevaes que, pelo lado Leste,

    lhe dificultam o crescimento e a expanso, a cidade

    oferece um aspecto de sculo XIX que constitue (sic),

    para o visitante curioso e apressado dos dias de hoje, um

    verdadeiro presente para os olhos e uma legtima parada

    no tempo. (DIAS, 1947, n1, p.67).

    Fo

    nte

    : P

    AIV

    A,

    RIB

    EIR

    O,

    GR

    AE

    FF

    (1

    952

    )

    Figura 6: Av. Felipe Schmidt

    Paisagem interiorana da capital do Estado na dcada de 50.

  • 47

    Enquanto nesse perodo, as regies do Vale do Itaja e do Nordeste do Estado j se destacavam no mercado nacional por seu

    desenvolvimento industrial, a capital se mantinha isolada do eixo

    econmico do Estado de Santa Catarina. A pavimentao da rodovia

    BR-116, acabou isolando Florianpolis tambm do eixo rodovirio

    estadual, j que essa via passou a fazer a conexo entre o estado de

    Santa Catarina e o estado do Paran, atravs do planalto central.

    O porto de Florianpolis j apresentava um declnio de suas

    atividades, em virtude das muitas deficincias de servio, dos

    equipamentos ultrapassados e segundo diziam, sua pouca profundidade.

    Entretanto o contato martimo ainda era uma das principais ligaes da

    cidade com o restante do Brasil.

    A decadncia do setor porturio em Florianpolis pode ser

    explicada pela precariedade das atividades produtivas na cidade. A

    pouca profundidade das guas, que ainda hoje se acredita ser o principal

    motivo do declnio do porto tambm era um fato nos demais portos de

    Santa Catarina que esto hoje entre os principais portos do pas. O porto

    de So Francisco, na dcada de 50, possua um calado de 6 metros e o

    porto de Itaja de 3 a 4,7 metros e o de Laguna 3,9 metros, enquanto

    Florianpolis possua 4 a 4,7 metros de profundidade. (ATLAS GEOGRFICO DE SANTA CATARINA, 1958).

    Ao contrrio dos demais portos, a regio de Florianpolis no

    tinha uma produo industrial que sustentasse seu desenvolvimento

    porturio e possua uma ligao rodoviria muito precria com outras

    regies, alm de no possuir um sistema ferrovirio. Em 1957, j

    mostrava atividade muito menor que os demais portos do Estado. (Ver

    Figura 7). O porto de So Francisco do Sul era a porta de escoamento da

    produo industrial da cidade de Joinvile, o porto de Itaja fazia o

    escoamento da produo de Blumenau e Imbituba e Laguna faziam a

    exportao do carvo beneficiado em Tubaro.

  • 48

    Fo

    nte

    : A

    TL

    AS

    GE

    OG

    R

    FIC

    O D

    E S

    AN

    TA

    CA

    TA

    RIN

    A (

    195

    8)

    Figura 7: Movimento dos Portos de Santa Catarina em 1957

    No porto de So Francisco do Sul registrado um movimento de 700 navios

    atracados, 2,2 bilhes de Cruzeiros em mercadorias de 495.000 toneladas. Itaja registra 900 navios, 2,25 bilhes de Cruzeiros e 295.000 toneladas de mercadorias.

    Florianpolis registra 145 navios, 390 milhes de Cruzeiros e 100.000 toneladas. O

    porto de Imbituba (Henrique Lage) registra 200 navios, 300 milhes de Cruzeiros e 735.000 toneladas. O porto de Laguna registra 100 navios, 240 milhes de

    Cruzeiros e 70.000 toneladas de mercadorias.

  • 49

    O setor industrial era muito pequeno neste perodo. Formado por pequenas fbricas de mveis e esquadrias, materiais de construo,

    manufatura de roupas e oficinas em geral para abastecimento e consumo

    locais. Na rea continental, havia ainda, uma funilaria e uma fbrica de

    roupas.

    A funo administrativa sempre foi a principal funo da cidade.

    Os servios pblicos se concentravam na ilha, com exceo apenas do

    Matadouro Municipal, de quartis do Exrcito, de uma escola, de uma

    repartio de arrecadao estadual e uma escola da Marinha, que se

    localizavam no continente.

    A cidade de Florianpolis enfrentava graves problemas de infra-

    estrutura urbana. Apresentava deficincia nos servios de abastecimento

    de gua e energia eltrica, o que era prejudicial ao desenvolvimento

    industrial. As cariocas, usadas para o abastecimento de gua da antiga

    Desterro, ainda eram utilizadas, (DIAS, 1948) em conjunto com as

    adutoras que retiravam gua dos rios Itacorubi, Ressacada e Ana

    dvila. Entretanto, o volume de gua aduzido j no atendia s necessidades da populao. Segundo Dias, a cidade sofria com

    constantes perodos de falta de gua. Para ele, a soluo para esse

    problema estava no trmino da construo de uma represa, que estava

    em andamento, no Rio Vargem do Brao, localizado na cidade de Santo

    Amaro da Imperatriz, na rea continental, a 24 km da cidade. O sistema

    de esgoto utilizado ainda era o sistema que havia sido construdo em

    1913, e era ineficiente frente ao crescimento urbano.

    A ponte Herclio Luz, continuava sendo o nico acesso

    rodovirio ilha de Santa Catarina no incio da dcada de 50. A ligao

    entre a cidade e o interior do Estado era feita por apenas trs rodovias,

    uma em direo Lages, outra em direo ao Vale do Itaja e a terceira

    em direo Cricima. Em 1947, Wilmar Dias denunciava tambm, a

    dificuldade de acesso ao interior da ilha, que era feito atravs de duas

    estradas precrias orientadas no sentido Norte-Sul e acompanhando a

    Costa Oeste, ao longo novo traado da atual SC401. (DIAS, 1947).

    Segundo Dias, mais de um quarto da rea urbana de Florianpolis, nesse perodo, era constituda de terrenos vazios

    (incluindo-se nesta estatstica as reas ocupadas por chcaras). Segundo

    ele, esse fato ocorria devido grande especulao imobiliria em

    virtude da rpida valorizao da terra. Esse fenmeno ocorreu de forma

    acentuada nos bairros do Estreito e de Coqueiros, ambos no continente.

    (DIAS, 1948).

  • 50

    Na parte norte da pennsula central da ilha ainda se concentravam grandes glebas remanescentes das antigas chcaras do sculo XIX. Essa

    localizao dificultou a expanso urbana da cidade para o norte, criando

    grandes vazios urbanos. (Ver Figura 9)

    Fo

    nte

    : M

    apa

    ori

    gin

    al D

    IAS

    (19

    47

    /2)

    Qu

    alif

    ica

    o d

    a Im

    agem

    :

    SO

    UZ

    A,

    J.

    Figura 8: Mapa de uso do solo da rea central de Florianpolis

    Mapa de usos com destaque para o grande nmero de terrenos vazios em virtude da

    especulao imobiliria.

  • 51

    Figura 9: Mapa da localizao das chcaras

    Localizao das chcaras que impediam expanso urbana no interior da

    pennsula central da ilha.

    Fo

    nte

    : D

    IAS

    (19

    47

    )

  • 52

    Neste momento, a populao de alta renda j havia direcionado sua ocupao para as reas ao norte da pennsula central, caracterizando

    um processo de homogeneizao social nessa rea da cidade. J a partir

    da dcada de 40, os grandes investimentos pblicos e privados se

    concentraram nessa rea. O Hospital Nerreu Ramos (1943), a Casa de

    Sade So Sebastio (1941), o Hospital Naval e a residncia oficial do

    governador, chamado Palcio da Agronmica (1954). (SUGAI, 1994).

    A populao de baixa renda j ocupava as encostas dos morros e

    as reas continentais do Bairro Estreito. J no fim dos anos 40, mais de

    um quarto da populao morava no lado continental da cidade, onde o

    preo da terra era menos elevado (DIAS, 1947). A populao de baixa

    renda, desde o incio do sculo, ocupou as reas de encostas dos morros,

    e tambm uma rea do Estreito. Essa ocupao no continente aumentou

    com a implantao da Ponte Herclio Luz, mas foi a adoo do nibus

    como meio de transporte urbano o fator que intensificou o processo de

    periferizao da cidade, a partir de 1930. (SUGAI, 1997).

    Destarte, so os morros reas residenciais pauprrimas,

    de aspecto chocante que, visveis como so distncia e

    primeira vista, contribuem para salientar o nvel

    econmico baixo da populao e o deficiente

    ajustamento ao meio, caracterstico das cidades

    brasileiras em geral. (DIAS, 1947, n2, p.39).

    A capital vivia na dcada de 50, um momento decisivo mo

    cenrio poltico, onde a hegemonia poltica de Santa Catarina estava

    sendo disputada por dois grandes partidos representantes de duas

    estruturas familiares oligrquicas. O Partido Social Democrata (PSD),

    liderado pela famlia dos Ramos e a Unio Democrtica Nacional

    (UDN), pelas famlias Konder-Bornhausen.

    O PSD, que detinha o poder do governo do Estado desde a

    Revoluo de 30 e mantinha o seu domnio eleitoral na capital do

    Estado, vai perder o poder para a UDN que elegeu Irineu Bornhausen

    em 1950.

    A concentrao da maioria eleitoral do PSD em Florianpolis

    estava centrado na figura do populista governador Aderbal Ramos da

    Silva. J a UDN possua o predomnio eleitoral nas reas de colonizao

    alem: Vale do Itaja e Joinville.

  • 53

    Foi construda na cidade uma rede de distribuio de

    recursos, favores e caridade, cujo centro era ocupado

    pelo chefe poltico, o qual dispunha de uma autoridade

    que aparecia com uma aura de bonomia e seu domnio

    procurava amparar-se no poder das tradies religiosas e

    na permanncia de hbitos ancestrais de dependncia

    entre populao e governo. (LOHN, 2002, p. 39).

    O afastamento do PSD do governo do Estado trazia tona a antiga discusso de mudana da capital para o interior do Estado,

    levando-se em considerao a estagnao econmica que vivia

    Florianpolis nesse perodo e o fato da UDN manter seu domnio

    eleitoral em outra regio de Santa Catarina. Um agravante dessa

    situao era o fato de que at aquele momento, o prefeito da capital no

    era eleito e sim indicado pelo governador, o que aumentaria o risco de

    Florianpolis perder ser posto.

    Nesse contexto surgem discusses de que forma a capital

    atingiria o urgente desenvolvimento econmico que garantiriam a

    distribuio de poderes e riqueza na cidade. Segundo levantamento dos

    jornais da poca feito por Reinaldo Lohn (LOHN, 2002), as correntes se

    dividiam entre os que creditavam o desenvolvimento da cidade

    implantao da universidade, os que defendiam o ideal do nacional-

    desenvolvimentismo de que o crescimento econmico s seria possvel

    atravs da industrializao e aqueles que acreditavam no turismo como

    nica forma de tirar a capital do marasmo econmico.

    A conquista do poder nesse momento em que se definia o futuro

    da cidade significava o controle sobre os caminhos a serem seguidos, o

    que possibilitava que se aliasse as aes do Estado ao interesses

    privados de uma parcela da populao. Dominar o Estado significava controlar os meios de obter e ampliar o poderio econmico de uma elite

    h muito estabelecida. (LOHN, 2002, p.77). O iderio do nacional desenvolvimentismo e do pensamento cepalino

    7 de superao do subdesenvolvimento juntamente com esta

    questo poltica de ameaa ao poder administrativo de Florianpolis fez

    7 Referente ao CEPAL (Comisso Econmica para Amrica Latina), criada em 1948, pelas

    Naes Unidas, com o objetivo de buscar solues para os problemas econmicos desses pases. Os estudos empricos e as formulaes tericas desenvolvidas pelos pesquisadores da

    CEPAL se tornaram referncia e estiveram no centro das discusses acadmicas nos anos 50 e

    60.

  • 54

    com que surgisse, por parte das classes dominantes, um esforo de

    disseminao da idia de necessidade de modernizao da cidade.

    A imprensa local, na poca, era formada por dois jornais

    impressos, comprometidos com os interesses dos dois partidos polticos

    dominantes, o PSD e a UDN. Tambm contava com duas rdios locais.

    Tanto os jornais quanto as rdios, freqentemente divulgavam idias da

    necessidade da capital transformar seu futuro e superar a distncia da

    realidade das grandes capitais do pas8.

    Os meios de comunicao divulgavam um discurso que veio de encontro aos anseios da classe mdia que vinha se consolidando, e (...) encontrava naqueles discursos que prometiam a construo do futuro

    calcado na tecnologia e no bem-estar facilitado, uma maneira de

    reconhecimento e distino. (LOHN, 2002 p.30). As classes dominantes visavam legitimar os ideais de progresso, mudana e

    dinamismo atravs da imprensa, da publicidade e dos discursos

    polticos.

    Este cenrio faz com o Estado utilizasse o planejamento urbano

    como instrumento para o desenvolvimento e a modernizao almejados na dcada de 50. A crena na tecnocracia que predominava

    no cenrio do planejamento nacional credita aos Planos Diretores,

    elaborados por profissionais especializados, o poder de dar soluo a

    todos os problemas das cidades.

    Um Plano Diretor significava impulsionar o crescimento

    da cidade, dinamizar a vida urbana, inserir Florianpolis

    no contexto poltico do movimento pela

    redemocratizao e pelo desenvolvimento. (CASTRO,

    2002, p.62).

    Em 1951, a Cmara de Vereadores de Florianpolis aprova a lei n079 que autorizava a prefeitura da cidade a contratar um tcnico

    especializado para a elaborao do primeiro Plano Diretor da cidade.

    8 Em meados dos anos 40, um grupo de artistas e intelectuais formou o Crculo de Arte Moderna, o chamado Grupo Sul, que iniciou a introduzir um tardio modernismo na cidade de

    Florianpolis. Sua principal influncia sobre a populao se deu atravs da Revista Sul, onde eram divulgadas as opinies e pensamentos deste grupo. A revista serviu de palco para inmeras discusses acerca do futuro e do desenvolvimento da cidade. (LOHN, 2002)

  • 55

    Mas antes desta lei, j havia sido aprovada uma lei que comeava

    a esboar o desejo do poder pblico utilizar o planejamento urbano para

    controlar a organizao espacial da cidade e mudar o cenrio urbano

    predominantemente colonial que se apresentava.

    A necessidade de adensamento da rea central da cidade em

    funo da precariedade da infra-estrutura urbana da poca, aliada ao

    ideal de modernidade, que nesse momento, estava ligado imagem dos

    grandes edifcios em altura, fez com que a prefeitura aprovasse a lei n

    073, em 1951. Determinava que as edificaes construdas na Praa XV

    de Novembro, na Praa Pereira Oliveira, nas ruas Arcipreste Paiva,

    Padre Miguelinho e trecho da rua Felipe Schmitd at o Largo Fagundes,

    deveriam ter no mnimo seis pavimentos. Na rua Trajano, rua dos Ilhus

    e rua Conselheiro Mafra (da Praa XV at a rua Deodoro), deveriam ter

    no mnimo cinco pavimentos. Apenas edificaes destinadas s igrejas,

    cinemas e teatros estariam excludas desta regra. (Ver Figura 10).

    Fo

    nte

    : E

    lab

    ora

    o

    da

    auto

    ra s

    ob

    re m

    apa

    reti

    rado

    de

    LO

    HN

    , 20

    02

    .

    Figura 10: Espacializao da Lei n 073/51

  • 56

    A partir dessa legislao, se inicia um processo de verticalizao da rea central da cidade. Em 1952 foi inaugurado o Edifcio So Jorge,

    na rua Felipe Schmidt, com seis pavimentos, que abrigou o Hotel Lux e

    foi um marco arquitetnico da verticalizao da cidade.

    Em 1952, o prefeito Paulo de Tarso da Luz Fontes (UDN)

    nomeado pelo governador do Estado. Nesse mesmo ano ele contrata um

    escritrio de urbanistas gachos, liderado por Edvaldo Pereira Paiva

    para elaborar o Plano Diretor de Florianpolis. Segundo informaes do

    professor Nereu do Vale Pereira9, Fontes foi influenciado pelas idias

    do gegrafo Victor Peluso Junior que naquele momento ocupava o

    cargo de Secretrio da Agricultura e elab