8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
1/148
PEDRO RAFAEL LIPAROTTI CHAVES
DIREITOS DE PROPRIEDADE E DESMATAMENTO NA VELHA E NA NOVA
FRONTEIRA AGRCOLA: O CASO DOS ESTADOS DO PARAN E DO PAR
Dissertao apresentada como requisitoparcial para concluso do Curso de Mestradoem Desenvolvimento Econmico, doDepartamento de Cincias Econmicas, Setorde Cincias Sociais Aplicadas, da UniversidadeFederal do Paran.
CURITIBA
2008
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
2/148
PEDRO RAFAEL LIPAROTTI CHAVES
DIREITOS DE PROPRIEDADE E DESMATAMENTO NA VELHA E NA NOVA
FRONTEIRA AGRCOLA: O CASO DOS ESTADOS DO PARAN E DO PAR
Dissertao apresentada como requisitoparcial para concluso do Curso deMestrado em Desenvolvimento Econmico,do Departamento de Cincias Econmicas,Setor de Cincias Sociais Aplicadas, daUniversidade Federal do Paran.
ORIENTADOR: PROF. DR. MAURCIO AGUIAR SERRA
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
3/148
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
4/148
iii
SUMRIO
LISTA DE TABELAS ............................................................................................................................... V
LISTA DE GRFICOS ............................................................................................................................ VI
LISTA DE FIGURAS ............................................................................................................................. VII
RESUMO............................................................................................................................................... VIII
INTRODUO........................................................................................................................................... 9
CAPTULO 1 - DIREITOS DE PROPRIEDADE: UMA REVISO DA LITERATURA ....................... 12
1.1.ESCOLAINSTITUCIONALISTA E NOVOINSTITUCIONALISTA ............................... 12
1.2DIREITODEPROPRIEDADE ........................................................................................ 16
1.3DIREITODEPROPRIEDADEEMEIOAMBIENTE ...................................................... 20
1.4DIREITODEPROPRIEDADEEDESMATAMENTO .................................................... 26
1.4.1 Direito de propriedade e desmatamento no Brasil................................................ 32
1.5CONSIDERAESFINAIS ............................................................................................ 37
CAPTULO 2 - DIREITOS DE PROPRIEDADE E DESMATAMENTO NA VELHA FRONTEIRA: O
CASO DO SUDOESTE DO PARAN ................................................................................................... 39
2.1.ASPECTOSGEOGRFICOSEECONMICOSDOSUDOESTEPARANAENSE .. 39
2.2.FORMAOHISTRICAEDIREITOSDEPROPRIEDADENOSUDOESTE
PARANAENSE .................................................................................................................................... 42
2.3DESMATAMENTONOSUDOESTEPARANAENSE ................................................... 52
2.4POLTICASPBLICASELEGISLAOAMBIENTAL ................................................ 54
2.5.CONSIDERAESFINAIS ........................................................................................... 58
CAPTULO 3 - DIREITOS DE PROPRIEDADE E DESMATAMENTO NA NOVA FRONTEIRA: O
CASO DA TERRA DO MEIO NO PAR ............................................................................................... 60
3.1.DELIMITAODAREGIO .......................................................................................... 60
3.2.POLTICASPBLICASEDESENVOLVIMENTONAAMAZNIA ............................. 64
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
5/148
iv
3.2.1 Amaznia.................................................................................................................. 64
3.2.2 Terra do Meio........................................................................................................... 73
3.2.3 Questes Fundirias na Terra do Meio.................................................................. 76
3.3.DESMATAMENTO ......................................................................................................... 83
3.3.1 Razes do Desmatamento na Amaznia.............................................................. 83
3.3.2 Dinmica do Desmatamento................................................................................... 87
3.3.3 Desmatamento na Terra do Meio........................................................................... 88
3.4.LEGISLAOEPOLTICAPBLICASAMBIENTAIS ................................................ 89
3.5CONSIDERAESFINAIS ............................................................................................ 98
CAPTULO 4 - AS DUAS FRONTEIRAS AGRCOLAS EM QUESTO: UMA ANLISE
COMPARATIVA ENTRE O SUDOESTE DO PARAN E A TERRA DO MEIO NO PAR ........... 100
4.1.
DESMATAMENTO
NAS
FRONTEIRAS..................................................................... 101
4.1.1 Caractersticas do Processo de Desmatamento nas Fronteiras........................ 111
4.2DIREITOSDEPROPRIEDADENASFRONTEIRAS .................................................. 117
4.3DIREITOSDEPROPRIEDADEEDESMATAMENTONASFRONTEIRAS.............. 125
4.4CONSIDERAESFINAIS .......................................................................................... 129
CONCLUSO ........................................................................................................................................ 131
REFERNCIAS ..................................................................................................................................... 135
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
6/148
v
LISTADETABELAS
Tabela 4.1 Dados correlacionados ao Desmatamento no Sudoeste Paranaense
nos anos de 1920 a 1970
P.102
Tabela 4.2 Desmatamento e Populao em So Flix do Xingu de 2000 a 2007 P.107
Tabela 4.3 Dados correlacionados ao Desmatamento em So Flix do Xingu
nos anos de 1975 a 2006
P.108
Tabela 4.4 Dados correlacionados ao estabelecimento dos direitos de
propriedade no Sudoeste Paranaense nos anos de 1920 a 1970
P.117
Tabela 4.5 Dados correlacionados ao estabelecimento dos direitos de
propriedade em So Flix do Xingu nos anos de 1975 a 2006
P.118
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
7/148
vi
LISTADEGRFICOS
Grfico 4.1 Correlao entre as taxas de crescimento da populao e
crescimento das reas plantadas e de pasto artificial nos anos de 1940 a 1970 nosudoeste paranaense
P.104
Grfico 4.2 - Taxa de Desmatamento Anual na Amaznia Legal de
1988 a 2007
P.106
Grfico 4.3 Correlao entre a taxa de crescimento da populao
e a taxa anual de desmatamento de 2001 a 2007 em So Flix do Xingu.
P.108
Grfico 4.4 Correlao entre a taxa de crescimento da populaoe a taxa de crescimento da rea plantada e de pastos artificiais de 1980 a 2006
em So Flix do Xingu.
P.109
Grfico 4.5 Correlao entre reas plantadas e de pasto artificial e rea dos
estabelecimentos com direitos de propriedade reconhecidos no sudoeste
paranaense nos anos de 1920 a 1960.
P.124
Grfico 4.6 Correlao entre as taxas de crescimento das reas plantadas e de
pasto artificial e das reas dos estabelecimentos com direitos de propriedadereconhecidos no sudoeste paranaense nos anos de 1950 a 1970.
P.125
Grfico 4.7 Correlao entre reas plantadas e de pasto artificial e rea dos
estabelecimentos com direitos de propriedade reconhecidos em So Flix do
Xingu nos anos de 1975 a 1996
P.126
Grfico 4.8 Correlao entre as taxas de crescimento das reas plantadas e de
pasto artificial e das reas dos estabelecimentos com direitos de propriedade
reconhecidos em So Flix do Xingu nos anos de 1975 a 1996
P.127
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
8/148
vii
LISTADEFIGURAS
Figura 2.1 Sudoeste e Paran P.39
Figura 2.2 Municpios que atualmente formam o Sudoeste Paranaense P.40
Figura 3.1 Terra do Meio, Par e Brasil P.61
Figura 3.2 Rios, estradas e cidades na Regio da Terra do Meio P.62
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
9/148
viii
RESUMO
DIREITOS DE PROPRIEDADE E DESMATAMENTO NA VELHA E NA NOVA
FRONTEIRA AGRCOLA: O CASO DOS ESTADOS DO PARAN E DO PAR
A dissertao apresenta uma discusso sobre a relao entre o maufuncionamento das instituies e a degradao ambiental em regies de fronteira,mais especificamente a definio dos direitos de propriedade e o desmatamento.Utilizou-se para tanto as fronteiras agrcolas do sudoeste paranaense em meadosdo sculo XX e a Terra do Meio no Par do final do sc. XX. Primeiramente foirealizado um resgate na literatura econmica sobre o tema. A Escola dos Direitosde Propriedade est inserida na Economia Novo Institucionalista e tem comofundamento central a idia que um ambiente onde os direitos de propriedade
estejam mal definidos proporciona forte incentivo explorao excessiva dorecurso. A anlise histrica e institucional das regies de fronteira nos permiteverificar que, de fato, direitos de propriedade mal estabelecidos funcionam comoincentivo ao desmatamento. Alguns resultados foram obtidos atravs de grficos eapontam na mesma direo, embora poucos sejam os dados disponveis.
Palavras chaves: direitos de propriedade; desmatamento; Sudoeste Paranaense;Amaznia; Terra do Meio.
ABSTRACTThe dissertation presents a discussion on the relationship between the institutionsbad functionality and environmental degradation in regional borders, morespecifically the property rights definition and the deforestation. For that, were usedthe both issues: agricultural frontiers in southwest of Paran in the middle of thetwentieth century and Terra do Meio in Par in the end of the twentieth century.First of all, we had performed a research in the economic literature about the mainissue. The Property Rights School is inserted on the New Institutional Economicsand the main idea is that an environment which has the owners rights poorlydefined provides a strong incentive for resources overexploitation. The both
historical and institutional analysis of the regional border allows us to see that, infact, property rights, poorly established act as incentive to deforestation. Someresults were obtained using graphics and point in the same direction, although thefew data available.
Key Words: property rights; deforestation; southwest of Paran; Amazon; Terra doMeio
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
10/148
9
INTRODUO
Nas ltimas dcadas os problemas ambientais tm se mostrado cada vezmais evidentes e, conseqentemente, tornaram-se preocupao de muitos. Com a
degradao acelerada resultante da Revoluo Industrial, a sociedade comeou a
observar os limites do meio ambiente. Percebeu-se que o meio ambiente no
suportaria por muito mais tempo todo o desgaste a que estava sendo submetido, e
disso dependeria a qualidade de vida das pessoas e o futuro das espcies.
A Natureza possui sistema ecolgico j estabelecido que se demonstra
incompatvel com o sistema econmico criado pelo homem. H a necessidade de
que os homens se adaptem aos limites naturais. nesse nterim, que as Cincias
Econmicas passam a se preocupar com as questes ambientais. A Economia
trata de recursos, sendo que a natureza a principal fonte de recursos para os
homens.
A avaliao do meio ambiente sob o enfoque da Economia objetiva diminuir
a degradao ambiental atravs de valorao ambiental, utilizando normalmente o
instrumental neoclssico. Tais condutas so importantes, pois dimensionam os
impactos ambientais internalizando-os economia e evidenciando custos e
benefcios da expanso da atividade humana.
Valorar os impactos ambientais tem como objetivo garantir recursos
naturais para as geraes futuras, o chamado desenvolvimento sustentvel.
Assim, para que haja desenvolvimento sustentvel preciso que, do ponto de
vista econmico, o crescimento seja definido de acordo com a capacidade de
suporte dos ecossistemas.
Surge, na Teoria Novo Institucionalista, um novo enfoque acerca dequestes ambientais que utiliza, em grande medida, a Teoria Neoclssica. A
inovao dos novos institucionalistas a idia de que os direitos de propriedade
so cruciais para a criao de incentivos conservao de recursos naturais.
Alguns tericos da Escola Novo Institucionalista levam essa idia ao extremo e
passam a prescrever uma estrutura rgida de direitos de propriedade como forma
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
11/148
10
de resolver todos os problemas ambientais, desconsiderando outros fatores
causadores de degradao. Outros autores creditam poder limitado aos direitos de
propriedade.
O papel das instituies de governo no processo de expanso da fronteira
agrcola sobre reas florestais fundamental. reas de fronteira agrcola e
econmica, como ocorreu no sudoeste do Paran e ocorre na Terra do Meio no
Par, sofrem com uma fraca estrutura de direitos de propriedade e pouca
presena estatal. provvel, e esta a suposio, que tanto o desmatamento
quanto a violncia sofrem influncia de uma estrutura falha de direitos de
propriedade.
Essa nova abordagem acerca dos problemas ambientais proporcionada
pela Escola Novo Institucional leva a realizao do presente trabalho, onde sepretende verificar a relao entre direitos de propriedade e o desmatamento em
regies de fronteira, especificamente a velha fronteira representada pelo Paran
de meados do sc. XX e a nova fronteira, o Par do final do sc. XX.
O trabalho ser realizado utilizando-se a abordagem Novo Institucionalista,
no obstante, deve-se reconhecer que existe literatura que contesta tal referencial
terico. Porm, essa questo no ser tratada nessa dissertao, podendo ser
fruto de estudos posteriores.
A presente dissertao est dividida em quatro partes. No primeiro captulo,
ser apresentada uma reviso da literatura existente acerca das questes
ambientais e direitos de propriedade, partindo da Escola Velho Institucionalista e
chegando ao Novo Institucionalismo. No mbito da Nova Economia Institucional,
ser apresentada a Escola dos Direitos de Propriedade. Em seguida, as
aplicaes prticas dessa definio, iniciando com trabalhos que utilizam os
direitos de propriedade em situaes diversas, para, ao final, apresentar os
trabalhos que envolvem questes ambientais e desmatamentos em florestas
tropicais e no Brasil.
Na segunda seo, ser apresentada a situao da velha fronteira, ou
seja, o sudoeste paranaense nas dcadas de 1940 e 1950. A anlise institucional
abranger a formao histrica, a legislao regional e brasileira, o desmatamento
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
12/148
11
e as polticas pblicas para a regio. No terceiro captulo, a mesma anlise ser
desenvolvida, agora, levando-se em conta a nova fronteira, a Terra do Meio no
Par.
No ltimo captulo, ser realizada uma anlise comparativa entre a velha
fronteira representada pelo sudoeste do Paran de meados do sc. XX e a nova
fronteira, a Terra do Meio no Par atual, verificando a relao entre os direitos de
propriedade e o desmatamento em reas de fronteira. Pretende-se apontar as
diferenas e similaridades entre a nova e a velha fronteira agrcola. Os agentes
envolvidos e suas formas de ao, bem como a atuao do Estado e a
colonizao sero analisados no captulo quarto, em virtude de seus importantes
papis nesse contexto.
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
13/148
12
CAPTULO1-DIREITOSDEPROPRIEDADE:UMAREVISODALITERATURA
No trato de questes relacionadas ao meio ambiente, duas diferentes
perspectivas passam a tratar do tema, a Economia Ambiental Neoclssica e a
Economia Ecolgica. A abordagem ambiental e a abordagem ecolgica da
economia no tm obtido sucesso em explicar e resolver alguns dos problemas
advindos da crise ambiental. Uma terceira abordagem, que a derivada da Escola
Institucionalista, surge para tentar explicar as questes relativas a degradao
ambiental, atravs da Economia dos Direitos de Propriedade, tema tratado nesse
captulo.Segundo a Escola dos Direitos de Propriedade, a m definio destes tem
forte correlao com o desflorestamento. Um ambiente onde os direitos de
propriedade estejam mal definidos proporciona forte incentivo depredao
irresponsvel do meio ambiente.
Nesse captulo ser apresentada uma reviso da literatura acerca dos
direitos de propriedade e das questes ambientais, partindo desde a origem da
Escola Institucionalista at trabalhos aplicados aos casos brasileiros de
desmatamento.
1.1. ESCOLA INSTITUCIONALISTA e NOVO INSTITUCIONALISTA
A Escola Institucionalista da Economia teve sua origem nos Estados Unidos
no sculo XIX. Os principais autores desta Escola so: Thorstein Veblen, John
Commons, Wesley Mitchel, Ayres e Galbraith. Essa Escola percebe que as
instituies tm forte importncia na anlise econmica. As instituies modelam o
processo poltico e influenciam o andamento da economia, razo pela qual elas
devem ser incorporadas anlise. Eles defendem o princpio de que a anlise
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
14/148
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
15/148
14
As limitaes ao comportamento humano e s organizaes podem ser
oriundas de regras formais e informais. Instituies informais so aquelas
passadas hereditariamente como parte da cultura enraizada de uma coletividade,
como as convenes.
J as instituies formais so, por exemplo, as regras judiciais, econmicas
e sociais, tais como o direito de propriedade da terra e as leis de proteo ao Meio
Ambiente, que sero objeto de estudo do presente trabalho.
Quando os custos de transao so baixos ou inexistentes, os agentes so
capazes de obter a melhor forma de coordenao e cooperao, alcanando a
soluo competitiva eficiente da teoria neoclssica. No entanto, como cita Coase
(1937), quando existem custos de transao considerveis, as instituies
emergem e passam a importar. E, ainda segundo Coase (1937), no mundo real oscustos de transao importam.
As instituies so criadas freqentemente para servir aos interesses
daqueles que tm maior poder de barganha, visto que no buscam
necessariamente a eficincia social. No caso de baixo custo de transao, o poder
de barganha no afeta os resultados. O contrrio ocorre quando os custos de
transao no podem ser desprezados, e as instituies passam a influenciar as
mudanas de longo prazo.
Com Ronald Coase e seu artigo The Nature of the Firm de 1937, inicia-se
a Nova Economia Institucional, nome dado por Oliver Williamson em 1975. Os
principais autores dessa Escola so: Douglas North, Richard Posner, Ronald
Coase, Oliver Williamson, James Buchanan, Gordon Tulloc e Harold Demsetz. A
Escola Novo Institucionalista incorpora anlise econmica as instituies sob um
enfoque interdisciplinar, utilizando o Direito, a Economia e a Teoria das
Organizaes, na mesma linha que a Velha Economia Institucional.
A Escola Novo Institucionalista, em geral, mais voltada para o mercado e
menos propensa a aceitar intervenes do Estado no andamento Economia.
A diferena entre as duas escolas, segundo Coase (1960), que, embora
os velhos institucionalistas tenham importncia, eles no possuam base terica e,
por isso, no legaram muitas contribuies.
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
16/148
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
17/148
16
fundamental da escassez e, conseqentemente, da concorrncia, que princpio
da teoria da escolha subjacente microeconomia.
Para Hodgson (1998), o novo institucionalismo pressupe serem exgenos
os gostos e tecnologias, ao contrrio do velho que toma esses parmetros como
endgenos. O novo institucionalismo, de razes neoclssicas, insiste no equilbrio
e nas concepes mecanicistas de processo, em contraste com o evolucionismo
inspirado na biologia do velho institucionalismo.
O mesmo enfoque neoclssico utilizado pelos novos institucionalistas com
relao anlise dos problemas ambientais. A inovao dos novos
institucionalistas a idia de que os direitos de propriedade so cruciais para a
criao de incentivos conservao de recursos naturais.
Muitos representantes da Escola Novo Institucionalista levam essa idia aoextremo e passam a prescrever uma estrutura rgida de direitos de propriedade
como forma de resolver todos os problemas ambientais, desconsiderando outros
fatores causadores de degradao. Outros autores creditam poder limitado aos
direitos de propriedade.
1.2 DIREITO DE PROPRIEDADE
Bromley (2003) definiu direitos como sendo the capacity to call upon the
collective to stand behind ones claim to a benefit stream (p. 15). Segundo essa
definio, direito no a relao entre uma pessoa e um objeto, mas sim a
relao entre vrias pessoas com respeito a um objeto. Pode-se exercer o direito
contra algumas pessoas, como por exemplo, um contrato, ou contra todas as
pessoas, por exemplo, o direito de propriedade. o Estado que garante o respeitoaos direitos.
Propriedade, segundo o mesmo autor, is the benefit stream. Assim direito
de propriedade seria a triadic social relation involving the relationship between the
individual Who possesses the right, others that have to refrain from interfering with
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
18/148
17
the right holders exercise of those rights, and an institution to backup the claim
(BROMLEY, 2003, p. 15).
Para Randall (1981) outra importante caracterstica dos direitos de
propriedade so as penalidades impostas ao desrespeito desses direitos,
normalmente pelo Estado.
Do ponto de vista econmico, direito de propriedade a capacidade que um
indivduo possui de consumir determinado recurso de forma direta ou de forma
residual por meio de sua troca. A forma residual, ou seja, a possibilidade de
transferncia do direito de propriedade garante que o mesmo possa ser utilizado
de forma eficiente, visto que ser utilizado por quem mais o valoriza. Portanto,
para que o estabelecimento de direitos de propriedade privados seja suficiente
para garantir a utilizao eficiente dos recursos necessrio que os direitos depropriedade possam ser comercializados. Na impossibilidade de transacionar os
direitos de propriedade, os recursos seriam utilizados em nvel no eficiente. Da
mesma forma, quando o direito de propriedade concede ao seu detentor a
possibilidade de consumir o bem, simultaneamente incentiva a manuteno
apropriada do mesmo. o caso do detentor de direito de propriedade sobre uma
rea florestada, questo a ser analisada nesse trabalho. Assim, se os direitos de
propriedade no so garantidos, ento os seus proprietrios no se sentiro
incentivados a realizar investimentos.
No enfoque jurdico, os direitos de propriedade so os direitos reconhecidos
e garantidos pelo Estado. Para o detentor do direito de propriedade o Estado
garante 3 prerrogativas:
o direito de usar um ativo;
o direito de se apropriar dos retornos de um ativo e,
o direito de mudar sua forma.
Para Wong (2004) Jeremy Bentham foi o primeiro a reconhecer a
importncia do Governo para definio de direitos de propriedade atravs de leis.
Direitos de propriedade determinam quem tem acesso a bens e servios, quem se
beneficia dos seus frutos e quem deve pagar para utiliz-los (DEMSETZ, 1967). A
forma como as pessoas disputam os recursos ou se unem em cooperao e
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
19/148
18
comrcio depende de como os direitos de propriedade esto definidos.
(DEMSETZ, 1967).
Para Coase (1960) a eficincia econmica est relacionada com a correta
definio e a garantia dos direitos de propriedade. Na hiptese de os custos de
transao serem nulos, a alocao dos recursos eficiente, independente da
forma de direitos de propriedade adotada. Na inexistncia de custos de transao,
os agentes, com o passar do tempo, realocaro os direitos de forma eficiente. No
obstante, no mundo real, os custos de transao so significativos e os direitos de
propriedade no so definidos de forma perfeita e nem completamente seguros,
havendo custos para a sua aquisio e proteo. Para Williamson (1987), os
custos de transao so os custos relacionados especificao, monitoramento,
proteo e comercializao dos direitos de propriedade.Os custos de transao fazem com que seja mais custoso para as pessoas
cooperarem, pois recebero menos nas transaes e mais conflitos ocorrero. Da
a importncia de diretos de propriedade bem definidos, diminuir os conflitos e
aumentar as vantagens dos bens e servios.
The fundamental purpose of property rights, and their fundamental accomplishment, is thatthey eliminate destructive competition for control of economic resources. Well-defined andwell-protected property rights replace competition by violence with competition by peaceful
means. (ALCHIAN, 2007, p. 2)Quando surgem externalidades, positivas ou negativas, surge a
necessidade de definio de direitos de propriedade. Externalidade o efeito de
determinada ao sobre terceiros que no tem responsabilidade alguma pela
ao. Uma externalidade negativa surge quando um agente, no exerccio de seu
direito do uso da propriedade, impe custos a outros agentes. Externalidade
positiva representa os benefcios auferidos por um agente em razo da presena
de recursos ou facilidades disponveis pela ao do Estado ou de outro agente
econmico.
A correta definio dos direitos de propriedade privados permite que o
agente internalize as externalidades decorrentes da ao, sempre que os ganhos
da internalizao forem maiores do que o seu custo.
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
20/148
19
Num sistema de propriedade privada, os valores de mercado da
propriedade refletem as preferncias e demandas do restante da sociedade.
No matter who the owner is, the use of the resource is influenced by what the rest of thepublic thinks is the most valuable use. The reason is that an owner who chooses some
other use must forsake that highest-valued use - and the price that others would pay him forthe resource or for the use of it. This creates an interesting paradox: although property iscalled private, private decisions are based on public, or social, evaluation. (ALCHIAN,2007, p. 2).
Uma parbola escrita por Garrett Hardin chamada a Tragdia dos Comuns
explica por que o livre acesso aos recursos gera externalidades negativas e
produz o gerenciamento ineficiente e a conseqente exausto dos mesmos. A
questo principal nessa parbola que com o livre acesso aos recursos, os
indivduos no tm incentivos a agir de forma socialmente eficiente.
A histria ambientada numa cidade medieval cuja atividade econmica
mais importante a criao de ovelhas. As ovelhas de todas as famlias pastam
gratuitamente em terras de propriedade coletiva, visto que as mesmas so
abundantes. Com o passar do tempo, cada famlia, agindo individualmente, tem
um incentivo para criar ainda mais ovelhas. Assim cresce o nmero de ovelhas,
mas no cresce o tamanho do pasto. Cada um dos agentes ir extrair os
benefcios do pasto at o ponto em que seu benefcio marginal iguale seu custo
marginal. Uma vez que cada usurio no tem preocupao com os custos de suaextrao impostos a outros usurios, o total extrado ser maior que a extrao em
nvel timo. In essence each party is imposing an externality on the other party,
which leads to a sub-optimal outcome (MUELLER e MUELLER, 2002, p. 4). Com
isso, o pasto perde a capacidade de se recuperar, impossibilitando a criao de
ovelhas na cidade.
Outro ponto importante se refere escassez do recurso. Somente haver
demanda pelos direitos de propriedade de determinado recurso se houverescassez do mesmo. Quando h escassez, ocorre competio entre os agentes
econmicos para a apropriao dos diversos retornos do recurso, de forma que a
ausncia de direitos de propriedade seguros leva dissipao das rendas. Os
direitos de propriedade surgem visando eliminar essa dissipao de rendas.
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
21/148
20
A tragdia dos comuns ocorre devido a diferenas entre os incentivos
individuais e os sociais. A lio, segundo Garret Hardin, que se os direitos de
propriedade fossem corretamente estabelecidos, o pasto da cidade no teria
acabado. Em suma, quando h abundncia de determinado recurso, no h
competio. Quando h presso sob o recurso, causando escassez, aumenta a
incidncia de externalidades entre os agentes.
Para resolver o problema, passa-se a restringir o acesso de agentes
externos ao recurso. However, under a growing population, this strategy is rarely
sufficient and, to prevent efficiency losses and resource depletion, two institutional
evolutions are available (BALAND e PLATTEAU, 1998, p. 2). A primeira
regulando o uso comum do recurso por todos os agentes. A segunda criando
direitos de uso individualizados. So os direitos de propriedade coletivos ouindividuais.
Os direitos de propriedade bem estabelecidos e garantidos permitem que a
utilizao dos recursos ocorra de forma eficiente, por essa razo, a Economia dos
Direitos de Propriedade tem sido largamente utilizada em questes concernentes
a degradao ambiental.
1.3 DIREITO DE PROPRIEDADE E MEIO AMBIENTE
O papel dos direitos de propriedade tem sido enfatizado na teoria
econmica pelos tericos da nova economia institucional, como sendo crucial para
a criao de incentivos conservao de recursos naturais. Para essa teoria, o
livre acesso a recursos naturais gera externalidades negativas sociedade, alm
de produzir o gerenciamento ineficiente de recursos naturais com a provvel
exausto dos mesmos. O problema principal que o livre acesso no produz uma
estrutura de incentivos apropriada para que os indivduos ajam de uma maneira
socialmente eficiente.
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
22/148
21
Na ausncia de direitos de propriedade corretamente estabelecidos os
incentivos financeiros favorecem a explorao de curto prazo, uma vez que no
existe certeza quanto apropriao de retornos de longo prazo. Para Coase
(1960), a proteo legal dos direitos de propriedade cria, atravs da exclusividade
de uso por alguns membros da sociedade, os incentivos individuais para o uso
eficiente e proteo.
O estabelecimento de direitos de propriedade seria suficiente para
internalizar as externalidades e garantir o uso eficiente dos recursos, desde que
algumas circunstncias estejam presentes. Tais circunstncias incluem a ausncia
de custos na garantia dos contratos, que os direitos de propriedade estejam bem
definidos e os que os mercados sejam competitivos e completos. No entanto,
quando algumas dessas condies descritas no estiverem presentes, no possvel garantir que direitos privados sejam superiores a arranjos coletivos ou
comunais.
O raciocnio central da Economia do Direito de Propriedade que quando
os usurios so mais que simples usurios, mas tambm donos dos recursos,
eles tero mais incentivos para gerenciar eficientemente os recursos naturais. E
eles somente so donos dos recursos em virtude de um sistema que aloque
direitos de propriedade.
Os direitos de propriedade que visam o gerenciamento dos recursos
naturais podem tomar diferentes formas. Esses regimes de propriedade variam em
relao ao tipo de propriedade, acesso aos recursos e mecanismos de revogao
do direito.
Segundo Berkes (1996), os sistemas sociais e os sistemas naturais
interagem de diferentes maneiras dependendo do regime de propriedade que
vigora. A maioria dos autores divide em quatro os principais tipos de regime de
propriedade. (Hanna, Folke e Maler, 1996; Browley, 2003; Berkes, 1996; Feeny,
Berkes, McCay e Acheson, 1990). Abaixo, uma breve descrio dos principais
regimes de propriedade:
1. Livre Acesso
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
23/148
22
Nesse caso, o acesso aos recursos aberto a todos que se
interessarem e qualquer pessoa pode explorar os recursos sem que haja
limite para tanto. Nesse regime, uma vez que no h excluses, as
possibilidades de degradao so maiores. Esse regime somente
eficiente quando no h escassez do recurso ou quando a demanda pelo
mesmo muito reduzida, de forma que no h presso da economia e da
populao sobre o recurso.
Esse o caso da Tragdia dos Comuns de Garrett Hardin, que
explica por que o livre acesso aos recursos naturais gera externalidades
negativas e produz o gerenciamento ineficiente e a conseqente exausto
dos mesmos. Isso ocorre porque com o livre acesso aos recursos, os
indivduos no tm incentivos a agir de forma socialmente eficiente. Assim,cada um age de forma a maximizar individualmente seu lucro em
detrimento do timo sociamente estabelecido.
2. Propriedade do Estado
Nesse regime, o recurso natural esta sob a responsabilidade total
do Estado, de forma que o mesmo controla o acesso e regula o uso do
recurso. O Estado pode excluir qualquer um do uso do direito, contanto que
siga padres polticos aceitos para determinar quem pode e quem no pode
usar a propriedade do Estado.
Essa forma de proteo de recursos naturais se d de duas
maneiras. A primeira nacionalizando grande quantidade de recursos
naturais para a criao de parques ou reservas nacionais. A outra
possibilidade criando leis que objetivam proteger os recursos naturais.
Frequentemente o Estado gerencia seus recursos naturais atravs de
organizaes especializadas (WONG, 2004).
O grande risco dessa forma de regime que na prtica os recursos
sob a propriedade do Estado frequentemente se transformam em recursos
de livre acesso. Isso ocorre devido ao fraco poder de gerenciamento e
fiscalizao do Estado, que normalmente tende a priorizar objetivos
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
24/148
23
econmicos a preservao da natureza. Nevertheless, it has to be
mentioned that many state property regimes have transformed themselves
into open access regimes due to the lack of effective management and
enforcement (WONG, 2004, p. 9). Esse exatamente o caso brasileiro,
onde faltam recursos financeiros e informaes para gerenciar os recursos
naturais de propriedade do Estado, como veremos adiante no presente
trabalho.
3. Propriedade privada
Nesse caso, a comunidade reconhece ao proprietrio do direito o
poder de excluir outros da utilizao dos recursos. Uma pessoa fsica ou
jurdica regula o uso dos recursos naturais. Bromley (2003) explica queprivate property regimes appear to be stable and adaptive because they
have the social and legal sanction to exclude excess population, and
effectively to resist through the power of the state unwanted intrusions
(p. 13).
Do ponto de vista individual, esse sistema eficiente, visto que
cada um maximiza sua utilidade (ACHESON, 2000). No entanto, no
necessariamente haver o mesmo resultado eficiente do ponto de vista da
sustentabilidade. Essa questo da sustentabilidade depende das
caractersticas do mercado e do recurso em si. Pode ocorrer de o valor do
recurso crescer menos rapidamente que os custos de extra-lo, fazendo
com que o proprietrio tenha incentivo para extra-lo todo de uma s vez.
Incertezas com relao ao valor do recurso no futuro podem levar tambm
a uma super utilizao do recurso. Outra questo importante que pode levar
a explorao despreocupada com a sustentabilidade do recurso a longo
prazo so as condies econmicas do detentor do direito de propriedade,
que muitas vezes o fora a sobre explorar determinado recurso.
4. Propriedade Comum
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
25/148
24
Trata-se de um regime onde o direito pode ser exercido por todos
os membros de uma comunidade. O grupo proprietrio do direito pode
excluir outros e regular o uso do recurso. O Estado e os cidados no
podem interferir no exerccio individual de cada um no uso, no usufruto ou
no abuso de determinado bem ou direito. A propriedade comum a mais
antiga forma de regulao que existe.
Normalmente, a comunidade responsvel pela propriedade comum
tem conhecimento de longos anos no gerenciamento sustentvel do
referido recurso natural, e o fazem, muitas vezes, melhor que o Estado.
Sabendo que os direitos de propriedade podem beneficiar a preservao do
meio ambiente, governos em diferentes partes do mundo tomam o controle
de recursos naturais que anteriormente eram administrados por usurioslocais em regime de propriedade comum. Entretanto, conforme explica
Meinzen-Dick e Knox (2001) e Udaya (2000), os governos esquecem que,
os usurios locais que utilizaram os recursos por longos perodos de tempo,
e os conhecem bem, podem ser os melhores gerenciadores dos recursos.
s vezes, no obstante, pode ocorrer de o sistema de propriedade
comum de usurios locais entrar em colapso. De acordo com Acheson
(2000), isso pode ocorrer quando groups are large, when people have not
built up social capital and know who to trust, where boundaries cannot be
enforced, and where people do not have to live with the consequences of
their actions (p. 19).
O risco desse sistema que quando muitos tm o direito de usar
um recurso comum, existe incentivo para que ele seja super utilizado e,
conseqentemente, quando muitos dividem a obrigao de suprir um bem,
ele tende a ser sub oferecido. Quando o retorno residual muito dividido,
ningum tem o interesse de investir para aumentar o valor. Fuchs (2003)
explica que para solucionar estes problemas necessrio que o Estado (ou
um rgo superior qualquer) assegure que as expectativas para controlar o
uso do recurso sejam conhecidas. Sem o controle do Estado, h grandes
chances de o regime de propriedade comum se degenerar em um regime
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
26/148
25
de acesso livre. Assim, ainda segundo Fuchs (2003), o status legal de
propriedade extremamente importante para o meio ambiente.
So raros os casos de recursos que tenham regimes puros de direitos de
propriedade de recursos naturais. Na maior parte das vezes h uma mistura de
caractersticas de vrios tipos.
First it is important to determine the characteristics of the resources and the problems theyface; then it may be important to match them with the institutions capable of solving thoseproblems. Finally, this endeavor might need to combine various elements of the differentregimes. (WONG, 2004, p. 13).
Ainda em Wong (2004), in general, policies to establish property rights
regimes should consider the ecological, cultural, geographical, and economic
context in which property rights are to function. (p. 5).
A maioria dos estudos indica como melhor forma de conservao do meio
ambiente a propriedade privada e a estatal (WADE, 2003; NICITA, 2002).
Inmeros trabalhos tm aplicado a teoria dos direitos de propriedade a casos de
recursos naturais especficos visando benefcios ao meio ambiente. Trabalhos,
tais como Alesi (1998), Wilen e Homans (2000) e Repeto (2001), sugerem que o
Governo elabore regulamentos visando a conservao de recursos de propriedade
comum, caso das comunidades dependentes da pesca.Norton-Griffiths (1995) chegou a concluso que em pases pouco
desenvolvidos a diviso das florestas em propriedades privadas no suficiente
para garantir a conservao da vida selvagem. necessrio tambm que o
Governo atue criando zoneamentos e restries ao desenvolvimento evitando
especialmente a transformao de florestas em reas agrcolas.
Os direitos de irrigao de gua nas Filipinas foram analisados por Wong
(2004), que salientou que a melhor maneira de gerenciar recursos naturais uma
combinao entre a propriedade estatal e a propriedade comum na medida em
que ambas possuem caractersticas nicas que permitem, quando combinadas,
um gerenciamento de sucesso dos recursos naturais.
Udaya (2000), na ndia, e Gibson e Becker (2000), no Equador, analisaram
de maneira mais genrica os benefcios dos direitos de propriedade bem definidos
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
27/148
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
28/148
27
Os termos desflorestamento e desmatamento sero utilizados aqui como
sinnimos, embora exista diferena entre eles. Em geral desflorestamento
definido como a derrubada de reas de florestas e desmatamento, num sentido
mais genrico, refere-se derrubada de reas de floresta e outros tipos de
vegetao, como os cerrados e os campos naturais.
O desmatamento pode ocorrer por meios naturais ou como resultado de
atividade humana, meio este em que o presente trabalho ser focado. Uma
importante questo que se faz presente verificar quais as razes de promover
um gerenciamento sustentvel do meio ambiente ao invs de explor-lo
completamente de uma vez. Quais so os custos de oportunidade envolvidos
nessa questo.
A degradao ambiental e o desmatamento provocam custos sociais aos
agentes locais bem como aos indivduos distantes da regio afetada diretamente.
As possibilidades de crescimento futuro da regio ficam seriamente
comprometidas pela degradao ambiental. Alm dos evidentes benefcios sociais
e econmicos, importantes tambm so as funes ecolgicas da floresta.
Grande parte do desflorestamento ocorre por presso de atividades
econmicas como pecuria ou agricultura. Essa converso de florestas em pastos
ou plantaes muitas vezes irreversvel, pois exaure os nutrientes do solo
deixando-o em condies muito pobres (MOTTA e FERRAZ, 2000). O processo
de desmatamento prejudica outras atividades que poderiam ser, no futuro, fruto de
renda e sustentabilidade da floresta. The possibilities of future income with
sustainable forestry, use of biodiversity, eco-tourism, carbon sequestration and
other environmental services decrease considerably with the current deforestation
rate. (FERRAZ, 2001, p. 14).
Diversas so as formas de explorao sustentvel da floresta que soprejudicadas pelo desmatamento. Atividades relacionadas s funes de produo
no vinculadas ao corte da madeira na floresta, como alimentos, adubos e
remdios. Atividades relacionadas s funes de regulao, como mata ciliar,
fornecimento de gua, manuteno do solo e equilbrio do clima, atravs da
remoo do dixido de carbono do ar e outros benefcios.
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
29/148
28
As perdas com o desmatamento so enormes. Segundo o estudo A
Economia dos Ecossistemas e Biodiversidade - Teeb" (Sukhdev, 2008), divulgado
em meados de 2008 e realizado pela Unio Europia e o Deutsche Bank, os
desperdcios anuais com o desmatamento vo de US$ 2 trilhes a US$ 5 trilhes.
O nmero inclui o valor de vrios servios oferecidos pelas florestas, como gua
limpa e a absoro do dixido de carbono.
Uma das mais srias conseqncias do desmatamento a perda da
biodiversidade. A biodiversidade tem importncia fundamental para a humanidade.
Segundo o Ministrio do Meio Ambiente (2002a), biodiversidade refere-se
variedade de vida encontrada em uma regio (ou no mundo), incluindo a
variedade gentica dentro das populaes e espcies, a variedade de espcies da
flora, da fauna e de microorganismos, a variedade de funes ecolgicasdesempenhadas pelos organismos nos ecossistemas; e a variedade de
comunidades, habitats e ecossistemas formados pelos organismos. A
biodiversidade inclui assim, a totalidade dos recursos vivos, ou biolgicos, e dos
recursos genticos e seus componentes. A diversidade gentica original serve de
base, no s para a segurana alimentar, mas para a prpria sobrevivncia da
humanidade.
A perda de biodiversidade ocorre em razo de trs principais causas. A
primeira causa a super explorao que leva extino de espcies individuais.
A segunda a degradao e a modificao dos habitats naturais em razo do
desenvolvimento econmico, como a poluio e infra-estrutura de transportes. Por
fim, a terceira causa a converso por atacado de habitats naturais e virgens em
estado desenvolvido. Atualmente essa causa considerada a mais devastadora,
pois transforma reas de florestas virgens em reas para a agricultura ou pecuria
(NORTON-GRIFFITHS, 1995).
Existe uma considervel literatura que aponta para o fato de que quando h
m definio dos direitos de propriedade h um favorecimento ao desmatamento,
principalmente em reas de fronteira (ALTON, LIBECAP e MUELLER, 1999a e
1999b; ANGELSEN, 1999a; BARBIER, 1999; DEACON, 1995; REPETTO e
GILLIS, 1988; MUELLER, 1997).Neste sentido, Ferraz (2001) ressalta que: Weak
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
30/148
29
defined property right structures are known to be one of the main determinants of
land clearing processes in tropical forests (p.9).
Mendelsohn (1994) analisou o desflorestamento na Indonsia e
demonstrou, utilizando um modelo de controle timo do uso da terra em florestas
tropicais, que direitos de propriedade inseguros conduzem a padres destrutivos
de uso de terra. Os agentes que no possuem direitos de propriedade sobre terras
empregam um padro de super explorao dos recursos visando benefcios
mximos no curto prazo. Somente a imposio rpida de uma estrutura de direitos
de propriedade permite o gerenciamento sustentvel da floresta.
O caso indonsio foi igualmente analisado por Atje e Roesad (2004) que
no s chegaram a mesma concluso de Mendelsohn, como tambm chamaram a
ateno para a necessidade de se permitir a comercializao de direitos de
propriedade. Assim, os direitos de propriedade pertenceriam aos agentes que os
valorizassem mais, aumentando a eficincia no gerenciamento dos recursos
naturais.
Barbier e Burgess (1996) e Deininger e Minten (1999) analisaram o caso
das florestas no Mxico e os efeitos de direitos de propriedade inseguros. Para
eles, atributos espacialmente especficos, como acesso aos mercados, condies
climticas e estrutura de direitos de propriedade, representam candidatos usuais
para explicar variaes nas taxas de desmatamento ao longo das regies. Assim,
os efeitos econmicos positivos gerados por aglomeraes tambm podem gerar
resultados negativos em termos de degradao ambiental.
Chomitz e Gray (1996) aplicaram a teoria dos direitos de propriedade s
florestas de Belize e Angelsen (1999b) s florestas da Tanznia. Segundo estes
autores, existe forte correlao entre construo de estradas e desmatamento.
As causas imediatas do desmatamento esto intimamente ligadas aosincentivos econmicos. Mercados imperfeitos de bens agrcolas, trabalho e terra
induzem o processo de desmatamento. Alm desses fatores, a especulao
imobiliria tem tambm papel fundamental.
Quando os direitos de propriedade no so bem definidos, o horizonte de planejamentodos agentes diminui enormemente, de modo que as perdas com a minerao do capital
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
31/148
30
natural no se incorporam em suas decises (lucros) no curto prazo. Isto quer dizer que huma maior presso por desmatamentos. (MARGULIS, 2001, p. 12)
Segundo Atje e Roesad (2004), o desmatamento pode se originar de duas
falhas nos regimes de incentivos econmicos. A primeira delas ocorre quando o
mercado trata o meio ambiente como um recurso livre. Nesse caso, os recursosda floresta so de livre acesso, sendo que os direitos de propriedade so fracos
ou inexistentes. Esse o caso da Tragdia dos Comuns, onde no h incentivos
para o uso eficiente das florestas, visto que haver uma super explorao dos
recursos. Estes mesmos autores afirmam que pode ocorrer de no haver mercado
para muitos dos produtos das florestas tropicais.
Panayotou (1993) ressaltou que mesmo que haja mercado para os
produtos, ele deve apenas refletir os custos de oportunidade do trabalho e capital
empregados, sem refletir o valor real dos produtos e da rea florestada. Assim, as
florestas so subavaliadas, pois os preos de mercado de seus produtos no
refletem seus benefcios, muitas vezes ainda no conhecidos.
A segunda falha no regime de incentivos econmicos que as intervenes
do governo no mercado frequentemente alimentam o problema. De acordo com
Atje e Roesad (2004), as intervenes governamentais aumentam os problemas
de duas formas. Por um lado as instituies governamentais so ineficientes e
incapazes de monitorar e impor regulamentos, incentivando o desmatamento. Por
outro lado, a inteno do governo no era incentivar o desmatamento, como no
caso dos subsdios pecuria e agricultura.
Para Gray (2000) a madeira de florestas tropicais de fronteira ilegalmente
extrada at o ponto onde a renda marginal desta atividade arriscada for positiva.
J para Kaimowitz e Angelsen (1998):
Forests may be cleared beyond the point where the current net benefits are zero (the
private property solution) for at least three different reasons. (1) Forest is cleared up to thepoint where the net present value of land is zero. Even if the profit is negative the firstyears, technological progress, new roads, etc. will make it profitable in the future. (2) Forestis cleared to capture an expected profit through later sale, a situation that has similarities tophenomena in stock markets (rational bubbles). (3) In situations with few actors competingfor forest land (games), and deforestation by one agent is costly to the other, certain groupsmay have an incentive to squeeze the others by clearing more themselves. (KAIMOWITZe ANGELSEN, 1998, p. 94).
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
32/148
31
Atualmente, o problema do desmatamento mais preocupante em regies
pouco desenvolvidas, que so justamente onde se encontram as florestas mais
ricas em biodiversidade. Nesse sentido, Cropper, Griffiths e Mani (1999, p. 2)
afirmam que tropical deforestation is considered to be one of the major
environmental disasters of the 20th century.
Os pases menos desenvolvidos tendem a sofrer mais com os problemas
relacionados a direito de propriedade inseguro e desflorestamento. Uma das
razes que muitas vezes a transformao de reas florestadas em plantaes
uma forma de obter do governo a propriedade da terra. o caso da velha fronteira
no Paran e na nova fronteira do Par, objetos de estudo desta dissertao.
Ademais uma rea aberta mais fcil de proteger de invases do que uma rea
com mata fechada.Deacon (1995) argumenta tambm que instabilidade poltica resulta em
confisco peridico de terra e florestas, incentivando a super explorao dos
recursos visando o curto prazo. O proprietrio, mesmo possuindo legtimo direito
sobre a terra, teme perd-la em virtude de expropriao. Assim, ele busca explor-
la ao mximo, obtendo o mximo de renda no menor tempo possvel. Ademais,
como sua propriedade no esta completamente segura, o agente realiza poucos
investimentos na manuteno da floresta. Bohn e Deacon (2000) demonstram
como o risco de apreenso pelo Estado reduz os investimentos em uso
sustentvel das florestas.
Duas formas de incertezas relativas aos direitos de propriedade so
apontadas por Atje e Roesad (2004): 1) as incertezas podem derivar da
possibilidade de confisco das rendas florestais decorrentes de manejo sustentvel
da floresta, o que faria com que a floresta seja preservada, e 2) as incertezas
podem ser originadas tambm dos riscos associados com o corte ilegal de
madeira em terras de qualidade pior (fronteiras de florestas nativas), o que
possibilitaria que os cortadores de madeira analisassem as probabilidades de
serem pegos em flagrante delito.
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
33/148
32
1.4.1 Direito de propriedade e desmatamento no Brasil
Existe um considervel nmero de trabalhos que se utilizam do arcabouo
terico dos direitos de propriedade para explicar o desmatamento e degradao
ambiental no Brasil. O principal foco destes trabalhos a Amaznia, regio
detentora da maior floresta tropical do mundo que considerada um verdadeiro
patrimnio do Brasil e, por que no dizer, do mundo.
Vrios autores, tais como Almeida e Campari (1995), Mueller e Mueller
(2002), Claro, Zylbersztajn e Claro (2007), Schneider (1995), Alston, Libecap e
Mueller (1999a) e Alston, Libecap e Schneider (1995), encontraram uma forte
relao entre incentivos ao desmatamento e regimes inseguros de direito de
propriedade na Amaznia brasileira.Em sua anlise sobre o desmatamento da Amaznia brasileira, Alston,
Libecap e Mueller (1999a) salientaram que:
Insecure property rights may lead landowners to clear more of their forests than they wouldotherwise, as a means to signal occupancy () At the same time it may be that landownerswill not take into consideration the fact that when they clear they are destroying biodiversity,an action that would probably harm future generations. Even if each landowner did considerthat fact, there could be severe collective action problems in preserving biodiversity, givenits public good nature. (ALSTON, LIBECAP e MUELLER, 1999a, p. 12).
Reconhecidamente, diversas so as causas de desmatamento e em geral,este ocorre em razo de uma grande conjuno de fatores. Mesmo assim, o
desmatamento em reas de fronteira possui como caracterstica comum a falta de
um sistema de direito de propriedade sobre a terra bem definido. ... note that it is
often the prevailing property rights institutions that are at the root of the problem
(deforesting), as in cases of the common pool and externalities (MUELLER e
MUELLER, 2002, p. 11).
Nas dcadas de 1970 e 1980, a criao de gado era tida como a principalcausa de desmatamento na fronteira Amaznica. Para Becker (1991), a criao de
gado bovino para corte foi a principal forma de organizao da atividade produtiva
nas terras de fronteira. Isso ocorreu, segundo Fearnside (1992), em grande
medida devido aos incentivos fiscais aos criadores de bovinos.
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
34/148
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
35/148
34
Os grupos que assumem a posse da terra, por terem maior poder poltico e
econmico, frequentemente conseguem atravs de adulteraes e corrupo o
ttulo de propriedade da terra. O processo de titulao fraudulenta da propriedade
ocorre, portanto, em terras j demarcadas e com um maior grau de apropriao.
Na realidade, os direitos de propriedade na fronteira s podem ser
assegurados com a ocupao fsica da terra.
Esta ocupao nos momentos iniciais obviamente mais importante do que qualquereventual documento de posse. A grande incerteza sobre a posse da terra e a perspectivade uma eventual titulao posterior, mesmo que decorrente de uma invaso e ocupaoviolenta, induz a existncia de exrcitos de grileiros e posseiros, agentes especializadosem ocupar terras e garantir sua posse at uma eventual legalizao, muitas vezesfinanciados por grandes madeireiros e latifundirios. Estes grileiros freqentementeincentivam as invases de terras por pequenos colonos para depois compr-lasnovamente, o que lhes garantir a futura titulao. (MARGULIS, 2001, p. 11).
Depois disso, j com a propriedade definida e a floresta completamente
desmatada, as terras so vendidas a grandes produtores de soja (CLARO,
ZYLBERSZTAJN e CLARO, 2007). Assim, existindo m definio dos direitos
sobre a terra, logo aps a penetrao inicial, comea um processo de aquisio e
consolidao de direitos de propriedade. Ao mesmo tempo h uma evoluo do
mercado de terras na regio.
De forma mais especfica, para que haja a explorao inicial de novas
fronteiras, so necessrios dois fatores. O primeiro deles so os madeireiros quenecessitam da escassa mo-de-obra nas regies distantes onde a madeira
abundante, dando origem ao segundo fator, que so os trabalhadores rurais e
agricultores sem posses. Muitos desses trabalhadores pobres vm de outras
regies do pas. Por essa razo, a migrao tida como uma das razes da
degradao do meio ambiente na regio da Amaznia (FEARNSIDE, 1992;
ALMEIDA e CAMPARI, 1995).
A concesso fraudulenta de ttulos de propriedade e a corrupogeneralizada no mercado de terras permitem a converso de florestas em
propriedades particulares tituladas. Esse processo conduz h uma corrida pela
posse da terra. The open access characteristic of the Amazon forest induced a
race for property rights, both as direct government strategy and as a market
response to the possibility of obtaining land titles (FERRAZ, 2001, p. 9).
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
36/148
35
Ademais o desmatamento a principal forma de se garantir direitos de
propriedade. Conforme Claro, Zylbersztajn e Claro (2007), a legislao brasileira
obriga que determinado espao de terra seja convertido em rea produtiva para
que o posseiro se torne proprietrio, mesmo que isso signifique cortar as rvores
do terreno.
This relationship between squatters and deforestation dates from the beginning of thetwentieth century based on a traditional land legislation that requires the transformation ofthe forest into a productive activity (meaning agriculture, and cattle raising). (CLARO,ZYLBERSZTAJN e CLARO, 2007, p.17).
Esta necessidade de produo tambm foi requisito na dcada de 1970
para garantir aos usurios acesso a crditos financeiros e incentivos fiscais.
Embora a legislao ambiental deva ser respeitada, essa forma de incentivo ao
desflorestamento atualmente ainda uma realidade.
A violncia nas regies de fronteira tambm incentiva o desmatamento. A
pobreza e a desigualdade nestas regies conduzem a mais conflitos, de forma que
a remoo da floresta reduz as possibilidades de disputa por terra.
Land owners particularly, but also squatters as well, have incentives to clear in order to firmtheir claims to Amazon lands prior to a conflict. Regarding forested lands as unused landsand therefore subject to invasion and redistribution raises problems for efforts to set asidelarge tracts of Amazon rain forest. (ALSTON, LIBECAP e MUELLER, 1999a, p. 23).
SantAnna e Young (2000) demonstraram que existe uma relao direta
entre desmatamento e violncia no campo. Os dois so frutos de direitos de
propriedades mal definidos e excluso de acesso a terra. Eles estudaram o caso
amaznico, porm, certamente, a anlise serve a outros casos brasileiros. Nas
regies de fronteira, os direitos de propriedade sobre a terra no esto bem
definidos. Logo, a violncia na fronteira surge, dentre outros motivos, a partir dos
conflitos pela definio dos ttulos de posse entre posseiros, de um lado, e grileiros
e fazendeiros de outro. Os posseiros so mais frgeis diante da possibilidade douso da violncia por parte dos latifundirios e, ainda, pela fora poltica destes.
Dessa forma, so expulsos e obrigados a buscar novas terras para se estabelecer,
ampliando, dessa forma, a fronteira agrcola. Ao expandir a fronteira, o posseiro
tem, necessariamente, que preparar a terra para o cultivo, e consequentemente
levado a desmatar para delimitar o seu espao de ocupao.
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
37/148
36
Da mesma forma, Alston, Libecap e Mueller (1999a) explicam como se d a
relao entre os conflitos rurais por terras e o desmatamento na regio
amaznica. A insegurana com relao a expropriaes ou confisco de terras
tambm incentiva o desmatamento como forma de garantir o direito de
propriedade. Muitas vezes, com medo de ter suas terras confiscadas, os
proprietrios prematuramente transformam as florestas em pasto. Esta ao
diminui os riscos de confisco ao mesmo tempo em que, mesmo que a terra seja
confiscada, o proprietrio recebe do governo pela benfeitoria (corte das rvores)
na propriedade alm da propriedade ser avaliada como rea agrcola e no mais
floresta.
Claro, Zylbersztajn e Claro (2007) descreveram o desenvolvimento das
instituies na Floresta Amaznica brasileira. A concluso deles que devido aosaltos custos de transao, as instituies na Amaznia no foram capazes de
evitar o desmatamento e o corte ilegal de madeira. Na Amaznia, no lugar de
cooperao, tm-se conflitos. As principais razes disto so o tamanho e
caractersticas geogrficas da regio, a diversidade scio-cultural, o interesse do
Estado em outras questes e a ineficincia do Estado em monitorar aes contra
o desmatamento. Neste sentido, os trs autores (2007) recomendaram:
research on the role of the entrepreneurs in recent development of the region and theprivate production of rights, what is in line with the new legislation that aims to concedepublic land to private use through sustainable stewardship of natural resources. (CLARO,ZYLBERSZTAJN e CLARO, 2007, p. 21).
Os trabalhos acima mencionados tm em comum que qualquer que seja a
causa imediata do desmatamento, seja pecuria, agricultura, ou extrao de
madeira, caso os direitos de propriedade estivessem bem definidos o problema do
desmatamento na Amaznia seria bem menor.
No Paran das dcadas de 1940 a 1960, a velha fronteira a que se refere a
presente dissertao, a m definio de direitos de propriedade tida como uma
das principais causas do desmatamento ocorrido nessa poca. Embora no tratem
diretamente da relao direito de propriedade e desmatamento os trabalhos
Wachowicz (1985; 2001), Foweraker (1971) e Gomes (1987) sinalizam nessa
direo.
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
38/148
37
Alston, Libecap e Schneider (1995) e Alston, Libecap e Mueller (1999a) so
alguns dos raros trabalhos que comparam o Paran da dcada de 1940 a 1960 e
o Par de 1970 a 1990 em questes relacionadas a direitos de propriedade. Esses
trabalhos tm uma anlise economtrica comparativa entre a velha fronteira e a
nova fronteira atravs do mercado de terras. No entanto, ambos no focam na
questo do desmatamento. As variveis utilizadas foram: valor da terra, titulao e
investimentos especficos na terra, em ambas as regies. Os resultados so os
esperados, ou seja, quanto mais titulao, maior valor da terra. A titulao da
propriedade, previsivelmente, leva a mais investimentos especficos na terra,
como a agricultura e a pecuria. Investimentos tambm contribuem para o valor da
terra nas duas fronteiras.
1.5 CONSIDERAES FINAIS
A Escola dos Direitos de Propriedade est inserida na Economia Novo
Institucionalista e tem como fundamento central a idia de que um ambiente onde
os direitos de propriedade estejam mal definidos proporciona forte incentivo
explorao excessiva do recurso. Os direitos de propriedade bem estabelecidos e
garantidos permitem que a utilizao dos recursos ocorra de forma eficiente, por
essa razo, a Economia dos Direitos de Propriedade tem sido largamente utilizada
em questes concernentes a degradao ambiental.
Diversos trabalhos foram realizados analisando os direitos de propriedade
em casos concretos de problemas ambientais, como energia eltrica, irrigao de
gua, pesca, biodiversidade e desmatamento.
Atualmente, o problema do desmatamento mais preocupante em regiespouco desenvolvidas, que so justamente onde se encontram as florestas mais
ricas em biodiversidade. Os pases menos desenvolvidos tendem a sofrer mais
com os problemas relacionados a direito de propriedade inseguro e
desflorestamento, devido fragilidade de suas instituies. o caso da velha
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
39/148
38
fronteira no Paran e na nova fronteira do Par, objetos de estudo dos captulos
seguintes.
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
40/148
39
CAPTULO 2 - DIREITOS DE PROPRIEDADE E DESMATAMENTO NA VELHA
FRONTEIRA:OCASODOSUDOESTEDOPARAN
A maior parte da ocupao da regio do sudoeste do estado do Paran
ocorreu nas dcadas de 1940 e 1950, exatamente no mesmo perodo em que uma
das maiores reservas de araucrias do planeta foi praticamente dizimada. Nesse
captulo sero analisadas as relaes entre a colonizao da regio, os problemas
com os direitos de propriedade e o desmatamento ocorrido neste perodo.
As questes relativas a formao histrica da regio sero levadas em
conta, visto que podem explicar a origem dos problemas de m definio dedireitos de propriedade e conseqentemente a degradao do meio ambiente no
sudoeste paranaense.
A Legislao paranaense e a nacional, bem como as polticas pblicas
ambientais governamentais, tambm sero objeto de estudo, visando verificar sua
contribuio para a explorao irresponsvel ocorrida nas matas do sudoeste
paranaense.
2.1. ASPECTOS GEOGRFICOS E ECONMICOS DO SUDOESTE
PARANAENSE
A regio do sudoeste do estado do Paran a rea compreendida entre o
Rio Iguau como limite norte, a Argentina como limite oeste, Santa Catarina no
sul, e a regio do municpio de Palmas Leste. A mesorregio do SudoesteParanaense uma das dez mesorregies do estado do Paran. A rea total da
regio 11.651,833 km. formada por 37 municpios agrupados em trs
microrregies. So elas as microrregies de Capanema, Francisco Beltro e Pato
Branco.
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
41/148
40
Figura 2.1 Sudoeste e Paran
Figura 2.1 fonte IBGE (2008)
A vegetao do sudoeste paranaense era constituda de matas densas de
araucrias, at o seu quase total desmatamento nas dcadas de 1940, 1950 e1960. A Mata de Araucria, tambm chamada de Pinheiros-do-paran (Araucria
angustifolia), ou, cientificamente, de Floresta Ombrfila Mista desenvolve-se em
regies nas quais predomina o clima subtropical, que apresenta invernos rigorosos
e veres quentes com ndices pluviomtricos relativamente elevados e bem
distribudos durante o ano. A araucria um vegetal da famlia das conferas. As
rvores que compem essa particular cobertura vegetal possuem altitudes que
podem variar entre 25 e 50 metros e troncos com 2 metros de espessura. Assementes dessas rvores, conhecidas como pinho, podem ser ingeridas. Uma
particularidade das araucrias a restrita ocorrncia de flores. Outra caracterstica
comum nos pinheiros e que foi um dos fatores a contribuir para a quase extino
da espcie a alelopatia, ou seja, a tendncia que essas plantas tm de inibir o
crescimento de outras plantas prximas a elas facilitando sua extrao.
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
42/148
41
A ocupao territorial na Regio Sudoeste recente. A Densidade
demogrfica na regio de 40,2 hab./km. A populao atual da regio de 470
mil habitantes e existem apenas dois ncleos populacionais com mais de 50 mil
habitantes, que so Francisco Beltro com cerca de 80 mil, e Pato Branco com
cerca de 60 mil. Os demais 330 mil habitantes espalham-se pelas pequenas
cidades e por povoaes no interior dos municpios. Todavia atualmente h um
acelerado processo de urbanizao na regio. A parte urbana de Pato Branco por
exemplo, tem crescido a taxas de 3% ao ano desde 1991. Em Francisco Beltro o
crescimento urbano de 2% ao ano (IPARDES, 2006). Em todos os municpios do
sudoeste paranaense a populao rural apresenta forte retrao. O meio rural que
sempre foi baseado em minifundios apresenta agora um crescimento da
concentrao fundiria. As razes para isso so principalmente as consecutivasquebras na safra e a busca por melhores condies de vida do campons. No
entanto, o sudoeste ainda predominantemente rural. Possua em 2000 o menor
grau de urbanizao entre as dez mesorregies do Estado, segundo o IBGE, de
53,55%.
Figura 2.2 Municpios que atualmente formam o Sudoeste Paranaense
Figura 2.2 fonte IBGE (2008)
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
43/148
42
O sudoeste uma das mesorregies menos desenvolvidas do Paran. O
Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econmico e Social (IPARDES) aponta
como caracterstica especfica da regio Sudoeste, a sua baixa produtividade em
relao s outras microrregies do Estado do Paran. Em 1999, nove dos dez
principais produtos analisados apresentavam produtividades mdias inferiores s
verificadas para o Estado. Com relao ao IDH mdio, o sudoeste apresenta uma
taxa de 0,782, segundo o PNUD de 2000, pouco acima da mdia brasileira que foi
0,764.
2.2. FORMAO HISTRICA E DIREITOS DE PROPRIEDADE NO SUDOESTE
PARANAENSE
A regio atualmente conhecida como sudoeste paranaense foi alvo de
muitos conflitos por posse e propriedade em sua histria. Desde conflitos entre
pessoas, entre empresas, entre Estados da Federao e at entre pases. Os
direitos de propriedade sobre a terra na regio somente foram garantidos
definitivamente na dcada de 1970.
No incio foi a Questo de Palmas entre Brasil e Argentina. O Tratado de
Santo Ildefonso (1777) definia as fronteiras entre as terras portuguesas e
espanholas no Sul do Brasil. No entanto, nesse tratado ficaram mal definidas as
fronteiras entre estes pases por conta de uma confuso de nomes de rios. Os rios
Uruguai e Iguau no tiveram uma fronteira definida e, por cerca de 80 anos esse
assunto foi deixado de lado. A partir de meados do sculo XIX ambos os pases
passaram a disputar um territrio de 30.621 km, tendo como embasamento uma
interpretao favorvel aos seus interesses do Tratado de Santo Ildefonso. A esseconflito se denominou Questo de Palmas.
Havia na regio, dois ncleos urbanos formados por paranaenses, Palmas
e Clevelndia. Temendo uma possvel invaso da Argentina, o governo brasileiro
resolveu precaver-se, instalando, prximas ao local de conflito, duas colnias
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
44/148
43
agromilitares: Chapec e Chopim. Mas com a guerra do Paraguai (1864-1869), a
Questo de Palmas foi esquecida. Terminada a guerra, a situao volta a se
complicar.
Em 1889, antes da Proclamao da Repblica no Brasil, o governo
argentino props a diviso do territrio contestado, atravs de uma linha de
fronteira que fosse a mediana geogrfica das pretenses territoriais de ambos os
pases. O Brasil rejeitou a proposta. Os dois pases ento concordaram em
apontar um rbitro para solucionar a questo. O escolhido foi Grover S. Cleveland,
que era presidente norte-americano na poca. Em 5 de fevereiro de 1895, o
Presidente Cleveland apresentou sua deciso, dando razo ao Brasil, de forma
que a regio de conflito entre a Argentina e o Brasil, que perfaz o Sudoeste do
Paran e Oeste de Santa Catarina, passa a pertencer definitivamente ao territriobrasileiro.
Posteriormente, veio o litgio entre o Paran e Santa Catarina. O territrio
que compreende o atual Estado do Paran foi parte integrante da Capitania de
So Paulo at o ano de 1853, quando obteve sua elevao categoria de
Provncia, iniciando-se, ento, a questo de divisas com Santa Catarina. Essa m
definio de limites culminou na Guerra do Contestado entre 1912 e 1916. Nesse
perodo, tentou-se sem sucesso a criao do Estado das Misses, que englobaria
todo o centro e o oeste catarinense e ainda o sudoeste paranaense.
A Guerra do Contestado tinha vrias motivaes. Havia um forte movimento
messinico na regio, uma competio econmica violenta pela explorao de
riquezas naturais, uma questo de divisa entre Estados e uma disputa pela posse
de terras. Outro motivo foi, em 1908, a construo da ferrovia So Paulo Rio
Grande do Sul, a qual atravessava de norte a sul a regio contestada, percorrendo
o vale do Rio do Peixe, no Meio-Oeste catarinense, o que valorizava muito as
terras da regio. Os construtores da estrada obtiveram do governo federal uma
concesso de terras nas laterais da estrada. A rea total assim obtida era
demarcada, sem levar em conta sesmarias nem posses, dentro de uma zona de
trinta quilmetros, ou seja, quinze para cada lado. Segundo Fraga (2002), os
camponeses que viviam numa regio em liberdade, cultivando a terra e extraindo
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
45/148
44
as riquezas das florestas que compunham o interior catarinense, foram
surpreendidos com novas medidas de ocupao da rea. Ressalta ainda o citado
autor que o Contestado reuniu mais de 30 mil pessoas que habitavam a regio,
desde fazendeiros, posseiros, fanticos por promessas messinicas e seguidores
do monge Jos Maria, que era visto como curador e como sacerdote. Conforme
Busato (2001), em agosto de 1912, o monge e mais alguns seguidores cruzaram
o Rio do Peixe, saindo de Taquaruu em Santa Catarina e entrando no territrio
administrado pelo Paran, nos Campos do Irani. O governo paranaense
considerou essa passagem como sendo uma invaso e enviou foras policiais
para conter o grupo. No combate morreram o monge Jos Maria e o Capito Joo
Gualberto, chefe da expedio paranaense. Para Fraga (2002), a Guerra do
Contestado foi a mais violenta e sangrenta guerra que j acontecera no interior doBrasil. O principal motivo foi a disputa pelo direito de terras. Em 1916, foi assinado
um acordo de divisas entre Paran e Santa Catarina, entregando-se ao Paran
metade do territrio do Contestado, o que hoje compreende, em sua maior parte, o
sudoeste paranaense.
No entanto, embora tenha havido todas estas controvrsias, a regio era
pouco povoada. Segundo Barz (2002), o Sudoeste do Paran foi a ltima regio
do estado a ser povoada. At 1950 s existiam na regio os municpios de
Mangueirinha, Palmas e Clevelndia, bem como os distritos de Pato Branco e
Chopinzinho. No incio do governo de Bento Munhoz da Rocha Neto, esses
municpios foram desmembrados em 24 outros municpios e trs distritos.
A partir de 1938, o governo de Getlio Vargas estabelece a poltica da
"Marcha para Oeste", que consistia na colonizao e alargamento das fronteiras
agrcolas do pas visando aumentar a produo de alimentos e abastecer os
centros urbanos em rpido crescimento. Nesse contexto, um dos principais
objetivos do Estado Novo de Getlio Vargas era o preenchimento dos grandes
vazios demogrficos existentes na regio oeste e sudoeste do Estado do Paran.
Segundo a Dissertao de Mestrado 1957 - A Revolta dos Posseiros de Iria
Zanoni Gomes, com essa iniciativa, Vargas tambm promoveu a ocupao das
regies de fronteira com a Argentina e o Paraguai, atendeu a reivindicao por
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
46/148
45
terras de reservistas ex-agricultores e acomodou os grupos de pequenos
agricultores gachos que chegavam ao Paran.
Seguindo a campanha da Marcha para Oeste, em 1943, Getlio Vargas cria
a Colnia Agrcola Nacional General Osrio CANGO. A disponibilidade de terras
frteis, com rica reserva florestal e obteno de domnio sem nus para o
campons, foram fatores relevantes ao povoamento total da regio. Rapidamente
ela foi ocupada por migrantes oriundos do Rio Grande do Sul e Santa Catarina,
zonas de ocupao antigas e saturadas.
A colonizao dessa regio tambm se justifica pelo fato de tratar-se das
melhores terras do estado em regio fronteiria com a Argentina, entre os vales
dos rios Piquiri, Iguau e Paran, que possua na poca a maior reserva de
pinheiros do Brasil e uma das maiores do mundo, segundo Barz (2002).Segundo Alves, Lima e Piffer (2008), a criao da CANGO estava tambm
circunscrita articulao de uma srie de fatores correlatos, dentre os quais se
destacam: 1) a presso social estabelecida no Rio Grande do Sul pelo
esgotamento do modelo adotado em 1850 pela lei de terras; 2) a necessidade
apontada pelo movimento tenentista de ocupar e proteger as reas de fronteira
com a Argentina e o Paraguai; 3) a necessidade de produo de alimentos para a
crescente demanda de um setor urbano cada vez maior; 4) a produo de
matrias-primas para abastecer as indstrias que se expandiam no perodo ps-
guerra; 5) o atendimento das reivindicaes de reservistas gachos por terra para
o plantio e, 6) a necessidade de ocupar as glebas Misses e Chopim para pr fim
aos litgios sobre a sua posse.
Ainda em 1943, foi criado o Territrio Federal do Iguau por Getlio Vargas,
que abrangia reas do Oeste e do Sudoeste do Paran e do Oeste catarinense.
Aps apenas trs anos de sua criao, em 1946, ocorreu a extino do Territrio
do Iguau, em decorrncia de articulaes engendradas pelos polticos
paranaenses na Assemblia Nacional Constituinte.
Em 1918, antes da criao da CANGO, foi criada na regio da atual Pato
Branco, a Colnia Bom Retiro, visando receber colonos da regio do Contestado.
No entanto, a estratgia gerou poucos resultados.
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
47/148
46
A CANGO possua certa preocupao ambiental. Nunca permitia que um
colono se fixasse em regio em que havia mata fechada. Isso se deve tambm ao
fato de as terras abertas permitirem maior produtividade. Forewaker (1971, p. 34)
explica que only mato brancowas cleared for the planting of maize, beans, rice
and wheat.
Dessa forma, a Colnia Agrcola contratou um nmero significativo de
guardas florestais, que evitavam, principalmente, que queimadas trouxessem risco
para a mata. Mesmo tendo instalado uma serraria em Santa Rosa para construir
as casas dos colonos, havia preocupao com a preservao da floresta.
Enquanto a CANGO teve autoridade, a reserva florestal foi respeitada.
Segundo Colnaghi (apud Feres, 1990), a CANGO pretendia que o territrio
fosse ocupado por agricultores socialmente calmos, politicamente conservadorese articulados com o mercado. Esse tipo de ocupao visava implementar um
rpido e calmo processo de desenvolvimento econmico e social na regio, com o
objetivo de nela criar uma barreira contra as infiltraes de contrabandistas
argentinos e paraguaios.
Sendo assim, a CANGO incentivou a vinda de pequenos produtores rurais
de outras regies, principalmente Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Fazia-se
muita propaganda no interior gacho e catarinense. A CANGO tambm incorporou
pequenos posseiros que estavam em conflito com grileiros de terra no Oeste
paranaense.
A CANGO oferecia terras gratuitamente (embora sem os ttulos de
propriedade, como veremos adiante), madeira para a construo das casas,
ferramentas agrcolas e sementes, servios de sade e distribuio da produo.
Assim, segundo relatrio da prpria CANGO, em 1947 eram 476 famlias e esse
nmero subiu para 2.725 em 1956.
Essa iniciativa do governo federal trouxe ao Paran uma experincia de
reforma agrria que deu certo e que impulsionou o desenvolvimento econmico da
regio, ao menos nos primeiros anos.
No final da dcada de 1940, dois grupos polticos econmicos foram criados
na regio. Esses grupos aproveitaram-se da situao de desorganizao do final
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
48/148
47
do Governo Dutra para tentar lucrar na regio. O primeiro era a CITLA
(Clevelndia Industrial e Territorial Ltda.), ligada ao Grupo Lupion e ao PSD
(Partido Social Democrtico). A outra era a Pinho e Terras, ligada ao PTB (Partido
Trabalhista Brasileiro) e a UDN (Unio Democrtica Nacional).
A Pinho e Terras adquiriu da SEIPU (Superintendncia das Empresas
Incorporadas ao Patrimnio da Unio) uma parte da gleba Misses, que era alvo
de vrias disputas judiciais.
Vinculada ao Grupo Lupion, a CITLA foi a principal companhia colonizadora
na regio. Ela adquiriu da Unio parte da gleba Chopin e toda a gleba das
Misses, da qual parte j havia sido vendida empresa Pinho e Terras.
Moyss Willie Lupion de Troya, herdeiro poltico do ex-Interventor Manoel
Ribas, foi eleito governador pela primeira vez em 1947, cargo que voltaria aocupar de 1956 a 1960. Moyss Lupion dominou a cena poltica paranaense por
mais de 15 anos. o nico lder populista que o Paran teve entre o perodo
liberal de 1946 a 1964 (BARZ, 2002).
O Grupo Lupion era composto por mineradoras de carvo, serrarias,
fbricas de papel e de fsforos, agricultura, pecuria e participao em grupos de
comunicao, como a Gazeta do Povo e o jornal O Dia. Segundo Barz (2002), o
grande negcio do grupo era a madeira. O grupo se dedicava extrao,
beneficiamento e exportao de madeira. Em virtude disso, o Sudoeste
paranaense se transformou em alvo de grande interesse do Grupo, uma vez que
possua cobertura florestal muito densa e rica. nessa poca, ao final do primeiro
mandato de Lupion, que surge a Clevelndia Industrial e Territorial Ltda. (CITLA),
que veio explorar e comercializar as terras litigiosas da Gleba Misses e parte da
Chopim.
Segundo os autores que trataram do tema, Barz (2002), Wachowicz (1985)
e (2001), Foweraker (1971), Gomes (1987), a CITLA adquiriu a Gleba Misses em
uma transao envolta em irregularidades. O caso remonta dcada de 1920,
quando o Estado do Paran concedeu aproximadamente quinhentos mil hectares
de terras devolutas Brazil Railway Company, na rea das Misses, como
contrapartida pela construo de uma ferrovia entre Ponta Grossa e Guarapuava.
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
49/148
48
Ficava, pelo contrato, a companhia obrigada a colonizar a regio, o que no foi
cumprido. Aps a revoluo de 1930, General Mario Tourinho, nomeado
interventor federal no Paran, revoga a concesso South Brazilian Railway
Company e anula os ttulos de terra dados a ela. No entanto, a empresa ingressa
com ao na justia contra o Estado do Paran buscando reaver a posse. Foi
nesse nterim que o governo federal criou a CANGO na regio sub judice. Ou seja,
a CANGO, no pde conceder ttulos da terra aos colonos, visto que o caso
estava em juzo. Devido a essa situao de litgio, nenhuma das partes poderia
passar escritura legal aos colonos.
Em meio a este processo litigioso pelas terras concedidas Brazilian
Railway, surge um senhor chamado Jos Rupp. No final do sculo XIX, poca da
controvrsia entre o Paran e Santa Catarina, a famlia Rupp adquiriu um contratode arrendamento do governo catarinense de terras consideradas devolutas para
explorar erva mate e madeira da regio. Na ocasio da construo da estrada de
ferro, essas mesmas terras foram tituladas pelo Paran Empresa So Paulo
Rio Grande. Ento, em 1920, iniciou-se uma ao judicial para que a Justia
declarasse quem teria direito sobre a terra, a qual teve como vencedor Jos Rupp
em 1925. Jos Rupp entra novamente na justia para a fixao do quantume da
indenizao a que teria direito pelo cancelamento do contrato de arrendamento. O
resultado somente sai em 1945, quando no mais existia a So Paulo Rio
Grande, tendo seu patrimnio sido transferido SEIPU (Superintendncia das
Empresas Incorporadas ao Patrimnio da Unio).
A Unio, perdedora no litgio, decide no pagar a indenizao Rupp, visto
que nem havia sido citada no processo original. Em 1950, vendo a situao
praticamente perdida, Jos Rupp aproximou-se do Grupo Lupion e vendeu seus
direitos CITLA, empresa controlada pelo grupo. Moyss Lupion era governador
do Paran na poca e possua muita influncia no mbito nacional. Assim, poucos
meses depois, a CITLA requer novamente as glebas de Misses e Chopim e ainda
as de Chopinzinho, Silva Jardim e Andrada. Consegue ento, por um preo muito
baixo, a gleba de Misses e grande parte de Chopim, regio com inmeros
8/6/2019 142 - Pedro Rafael L. Chaves
50/148
49
recursos e com a maior reserva de pinheiros do Brasil, calculada em 3 milhes de
rvores adultas (GOMES, 1987).
A transao foi ilegal por vrias razes: tratava-se de terras de fronteira, de
no teve o parecer prvio do Senado da Repblica (obrigatrio nos caso de mais
de 10.000 hectares), nem do Conselho de Segurana Nacional, tambm no foi
ouvido o Tribunal de Contas da Unio, nem realizada concorrncia pblica.
Ademais, havia a controvrsia judicial sobre quem seria o legtimo proprietrio da
regio, se o Governo Federal, que j havia incorporado os direitos da South
Brazilian Railway Company, ou o Estado do Paran. Portanto, estes quinhentos
mil hectares foram adquiridos de modo irregular.
Diante dessa situao, o Conselho de Segurana Nacional oficiou a todos
os cartrios do Paran e Santa Catarina para que no lavrassem a escritura daCITLA. O Cartrio de Clevelndia se negou a registrar a escritura, conforme
Wachowicz (2001). O Governo Lupion decidiu ento, desmembrar o cartrio de
Clevelndia, criando o cartrio de Santo Antnio (atualmente Santo Antnio do
Sudoeste), que prontamente lavrou a escritura.
Nas eleies de 1950, com o apoio da conservadora UDN e de parte do
PTB, Bento Munhoz da Rocha Neto derrotou o candidato de Lupion e ordenou que
os cartrios imobilirios dificultassem o registro e a transferncia de terras. Bento
Munhoz freou a colonizao e a especulao de terras, tendo como objetivo
principal atingir seus adversrios polticos, de acordo com Barz (2002). A Unio,
por sua vez, ingressou com uma ao judicial para o cancelamento da escritura da
CITLA. Mas os problemas de terra se agravaram porque as empresas
colonizadoras no pararam sua atuao. Assim, em 1955, aproximadamente 65%
das terras da regio estavam de uma ou outra maneira sob ao das empresas
colonizadoras, conforme Barz (2002). Segundo Luiz Antonio Andrade, advogado
do INIC (Instituto Nacional de Imigrao e Colonizao), em depoimento CPI
instalada pela Cmara Federal para investigar os problemas de terra no sudoeste
paranaense em 1957, a CITLA desenv
Top Related