Zero - Edição Especial Abril 2014

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CURSO DE JORNALISMO DA UFSC - FLORIANÓPOLIS, ABRIL DE 2014 - ANO XXXIII, NÚMERO 1 CHOQUE Ação das polícias militar e federal provoca crise na universidade, inflama discursos e impõe debates sobre segurança no campus, drogas e desmilitarização EDIÇÃO ESPECIAL

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CHOQUE - Ação das polícias militar e federal provoca crise na universidade, inflama discursos e impõe debates sobre segurança no campus, drogas e desmilitarização.

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CUrsO De JOrnaLisMO Da UFsC - FLOrianÓPOLis, aBriL De 2014 - anO XXXiii, nÚMerO 1

CHOQUEAção das polícias

militar e federal provoca crise

na universidade, infl ama discursos e impõe debates

sobre segurança no campus, drogas e

desmilitarização

EDIÇÃO ESPECIAL

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Melhor Peça Gráfi ca Set Universitário / PUC-RS 1988, 1989, 1990, 1991, 1992 e 1998

Melhor Jornal Laboratório - I Prêmio FocaSindicato dos Jornalistas de SC 2000

Não há imparcialidade, somente honestidade

JORNAL LABORATÓRIO ZERO Ano XXXIII - Nº 1 - Abril de 2014 REPORTAGEM Bianca Bertoli, Beatriz Nedel, Caio Spechoto, Gabriel Shiozawa, Gabriela Damaceno, Isadora Ruschel, Janine Silva, Luan Martendal, Luciana Paula, Luísa Tavares, Marianne Ternes, Mateus Boaventura, Mateus Vargas, Murici Balbinot, Poliana Dallabrida, Rafael Gomes, Raíssa Turci, Rosângela Menezes, Thaís Ferraz FOTOGRAFIA Luísa Tavares, Mateus Vargas, Raíssa Turci, Karem Kilim, Verônica Mackoviak EDIÇÃO Amanda Simione, Fernanda Ferretti, Gabriel Shiozawa, Géssica Silva, Iuri Barcellos, Júlia Schutz, Mariana Petry, Stefanie Damazio DIAGRAMAÇÃO Bianca Bertoli, Caio Spechoto, Fernanda Ferretti, Flávio Crispim, Gabriel Shiozawa, Géssica Silva, Júlia Schutz, Luísa Tavares, Mariana Petry, Mateus Boaventura, Mateus Vargas, Rosângela Menezes, Tulio Kruse INFOGRAFIA Rosângela Menezes APOIO Carlos Augusto Locatelli PROFESSOR-RESPONSÁVEL Marcelo Barcelos MTb/SP 25041 MONITORIA Tulio Kruse e Flávio Crispim IMPRESSÃO Gráfi ca Grafi norte TIRAGEM 5 mil exemplares DISTRIBUIÇÃO Nacional FECHAMENTO 9 de abril

3º melhor Jornal-Laboratório do BrasilEXPOCOM 1994

Depois do confl ito com a polícia no Bosque do CFH, na terça-feira (25), os repórteres do Zero que fi caram sabendo, ou que haviam presenciado o acontecimento,

se encontraram na redação para uma reunião de pauta emergencial. No dia, resolvemos dar um es-paço de oito páginas ao assunto. Mas depois dos desdobramentos daquela semana, culminando na manifestação de sexta-feira (28), decidimos que melhor seria se esta edição fosse um especial, apro-fundando os temas relacionados e contando com mais detalhes o que aconteceu.

Em um momento em que a imprensa é impedi-da de entrar na UFSC por conta da insatisfação dos envolvidos com o que foi veiculado, a perspectiva interna dos acontecimentos que o Zero traz nesta edição é necessária para entender o que ainda não foi dito. Por serem estudantes, nossos repórteres conseguiram o acesso que as mídias tradicionais

não tiveram, e trazem uma vivência da qual outros não compartilham.

Todos temos um ponto de vista sobre o confl i-to. Na redação não existe um consenso de opinião sobre os assuntos que tratamos aqui. Alguns são favoráveis à ocupação, outros contrários. Alguns aprovam a ideia da polícia militar no campus, ou-tros não. Cada um vivenciou o ocorrido de uma maneira, como estudantes desta universidade e repórteres. Nas matérias, contribuimos com a nossa experiência. As perguntas que escolhemos fazer aos entrevistados, a forma como percebemos as cenas e o viés que decidimos dar ao texto, tudo isso infl uencia como contamos o que aconteceu. Não só para nós, esta é uma condição de qualquer veículo jornalístico.

Não podemos, portanto, prometer imparcia-lidade. Podemos, sim, dizer que somos honestos com os leitores. Relatamos o que vimos e ouvimos,

sem modifi car ou suprimir informações por conta de nosso julgamento da situação. Abrimos espaço para a pluralidade de discursos, concordando ou não com o que foi dito. Não temos como objetivo esgotar o assunto, mas contribuir para o debate de um tema complexo. Porque este é um contexto político onde não cabe dizer que existe uma uni-dade de pensamento, em qualquer uma das partes envolvidas.

Assim, temos em mente o que Adelmo Genro Fi-lho, teórico do jornalismo e ex-professor do curso deste curso na UFSC, disse em seu livro O Segredo da Pirâmide: “A maioria dos autores reconhece que a objetividade plena é impossível no jornalismo, mas admite isso como uma limitação, um sinal da impotência humana diante da própria subjetivida-de, ao invés de perceber essa impossibilidade como um sinal da potência subjetiva do homem diante da objetividade.”

O que o leitor vai encontrar, nas páginas seguintes, é o exercício le-gítimo do jornalismo: investigação, equilíbrio e a busca mais próxima da verdade dos fatos. Foi o que as duas turmas de Jornal Laboratório fi zeram ao produzirem uma edição especial que traz, do começo ao fi m, pergun-tas e respostas a respeito da ação da polícia no bosque do Centro de Filo-sofi a e Ciências Humanas (CFH), na tarde de 25 de março.

Desde aquela tarde, a redação do

Zero não parou, aliás, nunca parou. Foram centenas de e-mails, reuniões (presenciais e virtuais) e troca de ideias, às vezes, madrugada adentro. O resultado desta atividade está dis-tribuído em 16 páginas que exaltam um direito constitucional: o acesso à livre informação. E é só assim que poderemos oferecer conteúdo jor-nalístico de qualidade para que os leitores refl itam sobre um aconteci-mento que marcou, historicamente, a comunidade acadêmica.

OPINIÃOONDE O LEITOR TEM VOZ

NOTA DA REDAÇÃO

“Éramos impulsionados por algo que está muito além da prática do jornalismo. Éramos movidos por um êxtase, por uma busca de liberdade plena, de leveza, de experiência. O que se movia ali não era um jornal, mas uma fábrica de espíritos indomáveis. O que sou é o que aprendi a ser nas madrugadas do Zero”

PARTICIPE!Mande críticas, sugestões e comentáriosE-mail - [email protected] - (48) 3721-4833 Facebook - /jornalzeroCartas - Departamento de JornalismoCentro de Comunicação e ExpressãoUFSC - Trindade Florianópolis (SC)CEP: 88040-900

Marques Casara, fundador da ONG Papel Social

Marcelo Barcelos, professor da disciplina“Hoje, recém formado, me lembro do Zero como o período em que mais fi z o que gosto em jornalismo: reportagem. Reportagem pra valer, indo pra rua atrás das informações e histórias, sempre com boa orientação e troca de ideias. Chegando no mercado de trabalho vejo como isso é raro: reportagem pra valer, com tempo, espaço e orientação.”

Victor Hugo Bittencourt, trainee no Grupo Paranaense de

Comunicação/RPC TV

2 | eDitOriaL

, abril de 2014

chOqueediçãO especial

Ação das polícias militar e federal provoca

crise na universidade, inflama discursos e impõe debates até

então negligenciados sobre segurança no

campus, drogas e desmilitarização

CURSO DE JORNALISMO DA UFSC - FLORIANÓPOLIS, DEZEMBRO DE 2013 - ANO XXXII, NÚMERO 7

CHOQUEAção das polícias

federal e militar provoca crise na

Universidade, inflama discursos e impõe debates

até então negligenciados

sobre segurança no campus, drogas e desmilitarização

CURSO DE JORNALISMO DA UFSC - FLORIANÓPOLIS, ABRIL DE 2014 ANO XXXIII, NÚMERO 1

CHOQUECHOQUECHOQUECHOQUECHOQUECHOQUECHOQUECHOQUECHOQUECHOQUECHOQUEEDIÇÃO ESPECIAL

CURSO DE JORNALISMO DA UFSC - FLORIANÓPOLIS, ABRIL DE 2014 - ANO XXXIII, NÚMERO 1

embateAção truculenta das polícias instala caos

na Universidade, escancara discursos

opostos e provoca debates antes

negligenciados

edição especial

Evolução das capas do Zero mostra as opções que foram discutidas em busca da melhor representação editorial e gráfi ca para a edição

Page 3: Zero - Edição Especial Abril 2014

“Nós vamos acabar com a Amsterdam da UFSC” foi o que prometeu um dos poli-ciais federais à paisana à professora Sô-nia Maluf, vice-diretora do Centro de Fi-

losofi a e Ciências Humanas (CFH), durante revista a alunos na tarde do último dia 25. Mas a ação em conjunto da Polícia Federal e da Polícia Mili-tar no Bosque provocou outro efeito: causou uma situação de confl ito entre as instituições e abalou a autonomia universitária - garantida pelo artigo 207 da Constituição Federal - e a credibilidade da reitora Roselane Neckel perante a opinião pública.

Havia um acordo verbal prévio entre Universi-dade e Polícia Federal em que estava permitida a entrada de policiais da inteligência na UFSC a fi m de investigar o tráfi co de drogas na região, mas ele exigia que as apreensões e prisões dos envolvidos se daria fora do campus. O superintendente da PF em Santa Catarina, Clyton Eustáquio Xavier, afi rmou que “a autonomia da UFSC existe para fi ns admi-nistrativos, e não para fi ns criminais”, conforme entrevista na página 5.

“Trabalhamos junto à Polícia Militar para combater o tráfi co com excelentes resultados” de-clarou a vice-reitora Lucia Helena Martins Pache-co. O delegado Cassiano insinuou, em entrevista, que a reitoria teria sido conivente com os fatos e pretende transformar a UFSC numa “república de maconheiros”.

De acordo com Lucia, a própria PM fi cou decepcionada com a operação, já que a os fatos mancharam a imagem de uma cooperação com a Universidade contra o tráfi co que vinha dando resultados positivos sem causar escândalo. Ela diz que o CFH é um espaço de discussões infl amadas e que a reação dos estudantes foi natural.

A inteligência da PF encontrou um único usu-ário e cerca de dez gramas de maconha no mo-mento em que o Deseg registra o menor número de ocorrências - de todos os tipos - nos últimos cinco anos. Luiz Carlos Korff Rosa Filho, delegado da Po-lícia Federal, afi rmou que a principal preocupação da PF é o combate ao tráfi co internacional de dro-gas e que resolveram dar uma atenção à maconha

e à Universidade. “Não foi uma ope-

ração contra o tráfi co”, dispara o professor Pau-lo Pinheiro Machado, diretor do CFH. Machado afi rma que as posições políticas da reitora em relação a interesses lo-

cais devem ser encarados como contexto da ope-ração.

Sônia Maluf falou que espera uma investigação detalhada para encontrar os culpados pela ação. “A Universidade e a reitora foram desmoralizados. A UFSC é maior que isso”, concluiu.

A administração central assume que foi um forte golpe e que a Universidade saiu pre-judicada. A intituição pretende se defender de todos os ataques e já anunciou, que haverá re-presentações contra o delegado responsável pela operação.

Uma das primeiras pessoas a chegar ao local na tarde do dia 25, a professora Sônia, que até aquele momen-to não compreendera o que acontecia, indagou um dos policiais que insistiam em levar o aluno para o carro sobre quem eles estavam procurando especi-fi camente e ouviu como resposta que não importa-va quem fosse para a delegacia, “a ordem era levar alguém preso, pode ser qualquer um”.

A Polícia Federal abriu inquérito para investi-gar a participação de professores e alunos no con-fronto. Os citados serão acusados de dano, desaca-to, resistência e incitação.

, abril de 2014

Operação não erapara combater o tráfi co, diz diretorPM fi cou decepcionada com ação, diz vice-reitora

Chefe de Gabinete da UFSC, Carlos Vieira, representando a administração central durante ocupação da reitoria

Mat

eus V

arga

s/Ze

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Murici [email protected]

O que diz a legislação “As universidades gozam de autonomia didático-científi ca, administrativa e de gestão fi nanceira e patrimonial”

Trecho do artigo 207 da

Constituição Federal

Acordo verbal prévio permitia entrada de policiais na UFSC para investigação

esPeCiaL | 3Instabilidade política

Ação da polícia abalou a autonomia da UFSC e a imagem da reitora Roselane Neckel (à esq.)

Professor do CFH Paulo Pinheiro mediou negociação entre estudantes e polícia

Mat

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ação

“A proibição da entrada da polícia no campus é um mito”

Lucia Pacheco, Vice-Reitora

O que diz a reitoria

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SEQUÊNCIA DO CAOS

A evolução do confl ito que polarizou a UFSC

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25 de Março

14:30 - Cinco pessoas são detidas numa ação da PF em parceria com a

PM e o Batalhão de Choque. Estudantes, servidores e professores

tentam impedir que os cinco sejam levados para a delegacia. No confl i-

to, 13 pessoas fi cam feridas e duas viaturas foram danifi cadas.

19:00 - Estudantes criam o movimen-to Levante do Bosque, ocupam a reito-ria e prometem sair do prédio apenas com a suspensão do memorando que autoriza a entrada da PM no campus.

11:00 - Os estudantes fazem assembleia para decidir quais as reivindicações que serão feitas à reitora. Além de não querer mais a presença da polícia no Campus, os alunos pedem um plano de iluminação para a UFSC, edital para contratação de seguranças, legalização das festas e aumento da bolsa permanência e vagas na Moradia Estudantil.

16:00 - Roselane Neckel recebe a comunidade acadêmica no auditório do Centro de Cultura e Eventos e repudia a ação das polícias. A reitora promete enviar para o Levante do Bosque um Termo de Compromisso que atende os 13 pontos reivindicados pelos estudantes.

15:00 - Os alunos afavor da polícia na UFSC fazem pro-

testo em frente ao prédio da Reitoria II. Entre as pautas estão o

hasteamento da bandeira nacional, a criação de uma base da PM no

campus, a desocupação da reitoria e punição dos alunos envolvidos em

depredação do patrimônio público.

18:00 - A reitoria é desocupada depois dos estudantes terem oito dos 13 pontos aceitos pela administração

da UFSC, entre eles a anulação do documento 022/2014/PRAE que

permite a entrada da PM no campus.

10:00 - A reitora recebe os estudan-tes em assembleia e se comprome-te a manter o diálogo iniciado em decorrência da ação truculenta da polícia. Além disso, ela afi rma que o movimento de ocupação foi legítimo e dentro da lei.

25 de Março

26 de Março

25 de Março

26 de Março

28 de Março

28 de Março

31 de Março

NÚMEROS DA OPERAÇÃO

5 detidos

5 baseados 25 policiais 2 viaturas quebradas

13 BO’s

3

4

5

6

7

8

1

9

Infografi a: rosângela [email protected]

18:00 - Logo após o confronto com a PM, a PF e a Tropa de Choque, os es-tudantes seguem para a reitoria, onde montam barricadas e pedem providências da administração para que os alunos presos por porte de drogas sejam liberados.

Page 5: Zero - Edição Especial Abril 2014

, abril de 2014

“Minoria quer bagunça e maconha”Apesar das críticas, a Polícia Federal segue em defesa da ação realizada em 25 de março no campus. O delegado Paulo Cassiano Júnior, responsável pela operação, está proibido de falar oficialmente sobre o caso. Para responder às questões sobre a atuação da PF, o Zero conversou com Clyton Eustáquio Xavier, representante máximo da instituição em Santa Catarina.

Operação Bosque

entrevista | 5

ZERO: Como ocorreu a operação? Há várias versões de como e quantos alu-nos foram abordados. E do quanto que foi apreendido. O senhor tem essas in-formações?Superintendente: Os policiais estavam realizando uma investigação de urgência para levantamento de dados, identificação de tráfico e substância entorpecente. A notí-cia que se tinha é que havia drogas enterra-das no Bosque, local com histórico de uso e tráfico dentro da UFSC. Até levamos um cão farejador e, não encontrando drogas en-terradas, os cinco policiais que lá estavam viram algumas pessoas usando maconha. Então resolveram abordar. Essas pessoas poderiam ser traficantes ou consumido-ras. Você aborda e entrevista essas pessoas pra saber se estavam distribuindo ou só fumando. Independentemente do usuário ser ou não traficante, a polícia não poderia agir diferente, senão estariam cometendo o crime de prevaricação. Abordaram e detec-taram que eles realmente traziam consigo substância entorpecente, pouca, caracteri-zando a condição de uso e então eles preci-sariam ser trazidos até aqui para lavrar os termos circunstanciados. Outros estudantes que lá estavam começaram a se opor à ação da polícia. Houve grande aglomeração de pessoas dizendo que era pra liberar, que não iam deixar a polícia prender os estu-dantes, que não iam deixar a polícia cum-prir a lei. Mandamos reforço da Superin-tendência e houve um intenso processo de negociação. Solicitamos o apoio do BOPE, porque já havia muitas pessoas aglomera-das, insufladas por professores. As imagens mostram uma professora sentada em cima da viatura, num espírito de liderança dos alunos. Eles foram, inclusive, encorajados pela atitude de professores da UFSC.

Versões diferentes dão conta que poli-ciais observaram estudantes suspeitos e então fizeram a abordagem, pedindo para revistar a mochila de um deles. Já o senhor afirma que esses estudantes estavam fumando maconha naquele momento. O que realmente aconteceu? S: Esse detalhe eu não tenho, não sei se essa pessoa da mochila estava fumando ou esta-va ali só com a mochila.

Nesse caso, se a maconha estava dentro da mochila, os policiais mesmo assim poderiam fazer a abordagem? Sem fla-grante e sem comunicar a reitoria? S: Qualquer policial pode abordar as pesso-as em situação suspeita, em qualquer lugar. Na análise subjetiva dos policiais, eles eram suspeitos. É bom deixar claro que o policial

não tem a obrigação legal de avisar ou pedir autorização pra reitor, Ministério da Educação ou quem quer que seja, para in-vestigar e reprimir a criminalidade dentro do campus ou em qualquer lugar.

Isso não fere a autonomia universitá-ria?S: A autonomia universitária é para fins administrativos, não criminais. Exemplo, se alguém estiver estuprando uma pessoa dentro do campus, a polícia não tem que ligar pra reitoria e avisar “tô indo ai”, não tem essa obrigação. Está sendo cometido um crime. A polícia vai e age, porque ali também é um território brasileiro.

Para uma pequena quantidade de ma-conha, cinco alunos detidos, quatro policiais feridos e pedidos de esclareci-mentos do MEC ao Ministério da Justi-ça. Ainda assim a ação é considerada bem sucedida? S: Bem sucedida! O conflito que sucedeu as negociações não ocorreu em virtude do ob-jeto. Poderia ser 500 kg de cocaína ou duas trouxinhas de maconha. Só houve conflito porque pessoas impediram a polícia de re-alizar o seu trabalho, de cumprir a lei. Não tem que fazer essa relação de proporciona-lidade. A polícia obviamente se preocupou no uso moderado da força. Sem as autori-dades, o Estado fica refém. É preciso deixar

claro que as pessoas que lá estavam não eram manifestantes. Lógico que a manifes-tação é constitucional, é lícita; manifestar contra a corrupção, manifestar contra a liberação da maconha... isso é um debate que está na sociedade.

Se eles não eram manifestantes, eram o quê?S: Eles estavam resistindo ao cumprimento da lei. Estavam praticando crimes, inde-pendentemente de ser na UFSC. Se a polí-cia vai ao Mercado Municipal e pega um traficante, aborda uma pessoa que está em situação suspeita e faz a prisão dessa pes-soa, tem que ser encaminhada a autoridade policial. Se pessoas ali se juntam, evitando que o suspeito seja trazido pra cá, a situa-ção é a mesma. Estão resistindo a uma or-

dem da autoridade, no cumprimento da lei, cometendo crime de resistência.

O senhor acredita que, depois da Tropa de Choque entrar na universidade, a situação saiu do controle?S: Não. O doutor Cassiano agiu perante a minha autorização e nós mantivemos contato aquela tarde inteira pelo telefone. Acompanhei e autorizei todos os fatos. O BOPE estava ali, acompanhando e dando apoio à atuação da PF. O que diz o regu-lamento? Negociar, negociar, negociar. Não foi possível negociação? Parte para ação tática, para fazer valer a legislação. Quan-do o BOPE agiu, as negociações já tinham terminado. Os policiais federais avançaram para resgatar as viaturas, os policiais sitia-dos e os presos, e foram recebidos a pedra-das. A viatura estava sendo depredada, com policiais lá dentro. Os federais tiveram que recuar e o Choque fez o seu trabalho.

Mas a reação dos manifestantes acon-teceu antes ou depois da Tropa de Cho-que chegar e começar o confronto?S: Não sei dizer se foi antes ou depois. Para ter uma ideia, todos os policiais fe-derais portavam arma de fogo. Você nem vê as armas, em nenhum momento qual-quer tiro foi disparado. A ação da Tropa de Choque foi para dispersar o pessoal, com bombas de gás. Dispersaram, resgataram os policiais e os detidos. Não foi possível resgatar os veículos porque estavam muito danificados.

O senhor concorda com o delegado Cassiano quando ele afirma que não houve truculência por parte da polícia?S: Se tivesse havido violência, estudante teria morrido, muitos outros teriam sido machucados. Parece que só um se machu-cou, né?

Zero: Foram 13.S: Pois é. Se tivesse havido violência...Agora, uma ação tática é uma ação enérgi-ca, mas, na nossa avaliação, o uso da força foi moderado. Nas imagens não há policial com cassetete.

Bomba de gás lacrimogêneo, bomba de luz e som, bala de borracha: isso é uma violência moderada?S: Com certeza. Mesmo porque se uma pe-dra daquele tamanho acerta a cabeça de um policial, o mataria.

A Polícia Federal, mesmo depois desse desgaste, caso considere necessário, entrará na UFSC novamente?

S: Sempre que achar necessário! Para pren-der traficante e fazer qualquer outro traba-lho de perícia como rotineiramente nós fazemos. A investigação de tráfico continua. Lógico que houve prejuízo, mas a Polícia continua fazendo seu trabalho dentro do campus, independentemente de aceitação da reitora.

É certo que a PF tentará criminalizar os responsáveis pelos prejuízos mate-riais?S: Evidentemente. Seja quem for, professor ou estudante. Inclusive poderão responder a procedimentos disciplinares na própria UFSC. É nossa obrigação encaminhar para a Controladoria Geral de União, mas isso já é um problema administrativo.

Várias testemunham afirmam ter ouvi-do repetidamente de policiais que “só precisamos de um exemplo”, “só quero um”. Isso é verdade? É um procedimen-to comum?S: Nesse contexto eu não sei dizer o que se passou. Não ouvi falar nisso. E eu gostaria de dizer que os estudantes que estavam lá, graças a Deus, são minoria. Os outros 39 mil estudantes da UFSC são pessoas de bem. Tenho certeza. Tanto é que, se você abrir os comentários em sites, nos jornais, a maio-ria é a favor da polícia. São pessoas que não querem baderna, usuários e nem trafican-tes dentro da Universidade. Se eu tivesse um

filho dentro da Universidade, jamais ficaria a favor da minoria que quer bagunça, ba-derna e maconha. Jamais, jamais.Falando em filhos, a ação ocorreu pró-ximo ao Núcleo de Desenvolvimento Infantil, o NDI. S: Exatamente. Estudantes fumando, trafi-cando próximo...

Mas a ação da Tropa de Choque não foi intransigente? S: Mas os estudantes saíram do local, não? Houve um período de negociação e não tinha menor ali, no local. O que não con-cordamos é que a reitoria permita o uso e tráfico de drogas próximo a crianças. Tem uma creche, um planetário, que eles fre-quentam. Isso que é um absurdo. Quando a polícia agiu não tinha mais criança ali. Em nossa opinião um grupo minoritário pre-tende inverter os valores. Antigamente as pessoas que fumavam maconha, fumavam escondido. Hoje em dia acham que estão no direito de cometer qualquer ilegalidade, usar drogas. E volto a dizer: esses estudan-tes que estavam lá não eram manifestantes, pois não estavam manifestando em relação a nada, estavam resistindo a uma ação da polícia, cometendo um crime. Tanto é que serão indiciados. Já sairão da universidade com a ficha carimbada, o que é lamentável.

Superintendente diz que PF se preocupou com uso moderado da força

“Se houvesse violência, alunos teriam morrido, muitos seriam machucados”

Poliana Dallabrida

[email protected]

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Page 6: Zero - Edição Especial Abril 2014

A reportagem do Zero entrou em contato com o gabinete da Reitoria na segunda-feira, dia 31. A primeira posição para o pedido de entrevista veio da diretora de Comunicação. Ela informou que a agenda da reitora estava lotada e

havia a decisão de que Roselane não receberia qualquer veículo de imprensa para comentar sobre o ocorrido. A reitora só responderia por email. Na segunda tentativa, os

repórteres foram avisados de que havia uma viagem agen-

dada para Roselane naquela semana.

As ne-gociações continu-a r a m , m e d i a -

das pela d i r e t o r a

de Comuni-cação. Surgiu possibi l idade

de horário

para segunda-feira, 7 de abril. A redação do jornal decidiu adiar a conclusão da edição para esta data, devido à entrevista. Na quinta--feira, a reunião foi confirmada sob a condição de que as perguntas fossem enviadas com antecedência. Parte delas foi enviada. Outras sur-giriam adiante e seriam apresenta-das apenas durante a conversa.

Segunda-feira, dia 7, 10h30. Três repórteres aguardavam a rei-tora no gabinete para a entrevista que ocorreria às 11h. A diretora de Comunicação informou que pro-vavelmente a conversa atrasaria, já que Roselane estava em outra reunião. Minutos depois, os repór-teres foram informados de que não seriam recebidos naquela manhã: acabara de chegar à reitora do-cumentos que deveriam ser res-pondidos com urgência. Tattiana Teixeira ainda ressaltou que Rose-lane não responderia a acusações das polícias: “Não vamos tensionar com a PF”, alertou. Por fim, disse que tentaria encaixar a entrevista na agenda da tarde.

Não houve retorno da Reitoria. A partir das 16h, os repórteres vol-taram a tentar contato por telefone, sem resposta. Foram novamente ao gabinete. Tattiana Teixeira disse que não encontrou folga na agen-

da à tarde. Os repórteres, con-siderando o tempo escasso para

concluir a edição, alertaram que a página reservada para

a matéria seria publica-da apenas com as per-

guntas, deixando em branco o espaço

das respostas. Ela garantiu

que faria o possível para que a entrevista aconteces-

se, apesar de Roselane es-

tar em

reunião naquele momento.Ainda no gabinete, no fim da

tarde, a diretora de Comunicação avisou que a reunião iria noite adentro e perguntou se poderiam voltar no dia seguinte, terça, às 10h30. Também propôs que ela mesma poderia realizar a entre-vista com a reitora, considerando o tempo curto para concluir a edi-ção do jornal. Os alunos concor-daram em voltar no dia posterior, mas deixaram claro que a ideia da entrevista feita por assessores, utilizando perguntas previamente enviadas, não os agradava.

Depois de várias negociações, a primeira resposta definitiva: na manhã de terça-feira, a diretora de Comunicação disse que seria im-possível entrevistar a reitora dentro do prazo do jornal. Roselane Ne-

ckel estava em reunião convocada emergencialmente para avaliar o impacto da greve dos servido-res técnico-administrativos, que ocuparam a Reitoria II naquela manhã. Os alunos tentaram entre-vistar somente a vice-reitora. Não foi aceito. Os repórteres deixaram o prédio da Reitoria sem realizar a entrevista, mas com as respostas para as perguntas enviadas dias antes. Estas respostas foram redigi-das pela reitora, revisadas por um assessor e entregues aos repórteres com algumas alterações de Tattia-na Teixeira, feitas à mão. No início da tarde, por email, a diretora de Comunicação enviou outra corre-ção.

ZERO: Desde que a crise se ins-taurou, que hábitos pessoais e profi ssionais a reitora adotou? O que mudou na rotina? Quais

meios a senhora usa para se informar das novidades em re-lação ao caso? Roselane: Temos realizado diver-sas reuniões e por meio delas me mantenho informada sobre o que está acontecendo. Claro que tam-bém acompanhamos o que sai na imprensa. Meus hábitos pessoais continuam os mesmos. Sempre trabalhei muito e continuo traba-lhando.

Passadas duas semanas do

acontecido, qual sua avaliação sobre onde a Universidade er-rou? Onde está sendo omissa?R: A UFSC é uma instituição séria, com mais de 50 anos de serviços prestados à sociedade catarinen-se e brasileira. Há uma comissão analisando o que aconteceu, a qual produzirá um relatório detalhado. Por ora, o que podemos dizer é que a instituição estava contribuindo continuamente para combater o tráfico de drogas na região do cam-pus. Não houve omissão de nenhu-ma ordem. Quanto às declarações sobre nossa postura diante do uso de drogas e do tráfico, gostaria que muitos do que se pronunciaram acompanhassem nossa história mais de perto. Perceberiam que uma das poucas pessoas que, como gestora, combateu o tráfico e o uso de drogas dentro da UFSC foi esta reitora que agora alguns acusam. Entre 2005 e 2012 foram realiza-das reuniões sobre o tema junto ao Conselho de Unidade do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH) e a coordenadores de curso de graduação. Em 2005 e 2011 fo-ram desmontados pontos de tráfico na região da UFSC a partir de ações de inteligência e de caráter pedagó-gico e socioeducativo, com o apoio da Procuradoria Federal. Em 2011 e 2012, a polícia foi informada de ameaças à minha vida, tanto quan-do diretora do CFH quanto agora, já reitora, em função de meu en-volvimento no combate ao tráfico de drogas.

A Universidade irá, de alguma maneira, dar apoio aos estu-dantes e professores acusados durante as investigações? Se sim, quais medidas serão toma-das? Quando? Quem vai decidí--las?R: A Reitoria está tomando todas as providências para defender a Universidade Federal de Santa Ca-tarina, reestabelecendo a tranquili-dade institucional e o respeito entre as pessoas e as instituições. As ações a partir dos inquéritos serão discu-tidas com a Procuradoria Federal.

Como a Reitoria se posiciona so-bre o uso de drogas, sobretudo a maconha, dentro do campus?R: Acreditamos que é hora de dis-tensionar, de buscar entendimen-tos e não atritos. Sabemos que a questão do consumo de drogas ilícitas em campi universitários não é, infelizmente, novidade. Um

, abril de 2014

Roselane: “é hora de evitar atritos”Para reitora, prioridade é retomar diálogo sobre segurança junto à comunidade universitária

Às 12h12 de terça-feira, dia 8, a repórter Janine Silva recebeu em seu email uma mensagem da diretora de Comunicação da UFSC, Tattiana Teixeira, informando que, em anexo, estavam as respostas da entrevista que o Zero tentou agendar por três

vezes com a reitora Roselane Neckel, desde o dia 31 de março. O que o leitor encontra logo abaixo é diferente do que a redação do Zero imaginou apresentar, já que todas as outras reportagens puderam ser apuradas pes-soalmente com as fontes envolvidas.

Posição ofi cial

6 | esPeCiaL

No momento da foto, terca-feira (8), Administração Central estava em reunião sobre greve dos STAE’s

veio da diretora de Comunicação. Ela informou que a agenda da reitora estava lotada e

por email. Na segunda tentativa, os repórteres foram avisados de

que havia uma viagem agen-

dada para Roselane naquela semana.

As ne-gociações continu-a r a m , m e d i a -

das pela d i r e t o r a

de Comuni-cação. Surgiu possibi l idade

de horário

que ocorreria às 11h. A diretora de Comunicação informou que pro-vavelmente a conversa atrasaria, já que Roselane estava em outra reunião. Minutos depois, os repór-teres foram informados de que não seriam recebidos naquela manhã: acabara de chegar à reitora do-cumentos que deveriam ser res-pondidos com urgência. Tattiana Teixeira ainda ressaltou que Rose-lane não responderia a acusações das polícias: “Não vamos tensionar com a PF”, alertou. Por fim, disse que tentaria encaixar a entrevista na agenda da tarde.

Não houve retorno da Reitoria. A partir das 16h, os repórteres vol-taram a tentar contato por telefone, sem resposta. Foram novamente ao gabinete. Tattiana Teixeira disse que não encontrou folga na agen-

da à tarde. Os repórteres, con-siderando o tempo escasso para

concluir a edição, alertaram que a página reservada para

a matéria seria publica-da apenas com as per-

guntas, deixando em branco o espaço

das respostas. Ela garantiu

que faria o possível para que a entrevista aconteces-

se, apesar de Roselane es-

tar em

Leon

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SC

“Claro que houve um desgaste à imagem da UFSC”

Page 7: Zero - Edição Especial Abril 2014

levantamento nacional feito em 2010 pela Secretaria Nacional An-tidrogas, envolvendo universitários de 27 capitais, já mostrava dados alarmantes – entre eles, o fato de quase metade dos universitários (48,7%) ter relatado já ter consu-mido alguma substância psicoativa (exceto álcool ou produtos do taba-co) pelo menos uma vez na vida, sendo que pouco mais de um terço deles (35,8%) nos últimos 12 meses e cerca de um quarto (25,9%) nos últimos 30 dias. Em relação ao uso na vida, as drogas relatadas com maior frequência foram: álcool (86,2%), tabaco (46,7%), maco-nha (26,1%), inalantes e solventes (20,4%), anfetamínicos (13,8%), tranquilizantes (12,4%), cloridrato de cocaína (7,7%), alucinógenos (7,6%) e ecstasy (7,5%). Esta é uma realidade e, no que depender de nós, vamos buscar formas de re-verter essa situação ao menos aqui na UFSC. Não por acaso, no ano passado, na abertura de um curso que oferecemos em parceria com o Ministério da Justiça, já coloca-mos a Universidade à disposição para projetos-pilotos de combate ao uso abusivo de drogas. Nesse curso, formamos mais de 80 mil agentes, líderes comunitários para atuar no país inteiro. Esta é uma questão so-cial e de saúde pública. O consumo abusivo de drogas é um problema da sociedade, tanto no Brasil como em outros países.

Os recentes acontecimentos in-flamaram e deixaram evidente a polarização ideológica que exis-te dentro da Comunidade Uni-versitária. Como reitora, qual é a melhor maneira de lidar com isso? A senhora considera esta divisão saudável?R: Questões ideológicas fazem par-te da universidade desde sempre. Temos de ser institucionais e buscar ações que sejam importantes para toda a comunidade. Por isso, sobre a questão da segurança, especifica-mente, vamos promover mais fó-runs abertos a toda a comunidade e vamos discutir o tema nos órgãos colegiados, incluindo o Conselho Universitário.

*Por email, a reitora utilizou a mesma resposta para as questões abaixo

No documento assinado em acordo com os estudantes que ocupavam a Reitoria, o ponto número 3, que exigia o compro-misso em não autorizar a entra-da de forças policiais no cam-pus, foi retirado do documento original. O delegado Xavier disse em entrevista que a PF continu-ará a entrar no campus “sem-

pre que achar necessário”. Para evitar que a situação se repita, quais medidas serão adotadas?

Em entrevista ao DC, no dia 26, a senhora comentou que deixa-ria a situação se acalmar para posteriormente retomar o con-tato com os representantes da PF no estado. Esse contato já foi retomado? Como fica o acordo firmado em agosto do ano pas-sado?R: Sempre tivemos uma relação de

respeito em relação à Polícia Fede-ral. Por isso, o episódio do dia 25 nos surpreendeu. Obviamente que a polícia tem de estar no campus em situações como assaltos, estu-pros, crimes de diversas naturezas. No entanto, até aqui sempre se agiu com cautela para não colocar em risco a integridade física ou mesmo a vida das mais de 40 mil pessoas que circulam em nosso campus. Sa-bemos que o que aconteceu dia 25 foi um episódio isolado, lamentável e que não deve se repetir. Estamos trabalhando para aperfeiçoar nossa política de segurança e a participa-ção da comunidade será essencial neste processo – consideramos im-portante que as próprias autorida-des policiais sejam integradas a este debate.

Como a senhora avalia as ações dos estudantes no momento do ocorrido no Bosque?R: Não vamos nos pronunciar sobre este tipo de declaração antes de ter-mos acesso aos autos.

No dia 25, que tipo de assistên-cia a Universidade prestou aos que foram presos - alunos e professores?R: Estamos acompanhando o caso e seus desdobramentos. No dia do episódio, representantes da Reitoria tentaram negociar com a Polícia Federal (PF) e também foram à sede da PF, após a prisão de alguns alunos.

Como a reitora avalia o desgaste que a UFSC sofreu perante à co-munidade, perante o Brasil?R: Claro que houve um desgaste à imagem da UFSC, sobretudo na medida em que a instituição foi acusada injustamente em rede na-cional. Nossos professores, técnicos

e estudantes desenvolvem trabalhos muito relevantes, que ajudaram a fazer da Universidade uma ins-tituição de referência nacional e internacional. No passado recente, já se tentou imputar uma imagem equivocada da instituição, com re-portagens sobre o consumo de dro-gas no campus. É preciso destacar as muitas moções de apoio à UFSC e/ou de repúdio a ação ocorrida no campus. Até hoje, 08 de abril, rece-bemos notas do Sindicato dos Jor-nalistas de Santa Catarina (SJSC) e Federação nacional dos Jornalis-tas (FENAJ), Direção da Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina (FAED/Udesc), Sintufsc, Pós Graduação em Antropologia Social, Memorial dos Direitos Humanos da UFSC, Núcleo Catarinense da Associação Juízes para a Democracia, Andes – SN, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra , Colegiado do Núcleo de Desenvolvimento Infantil da UFSC, sem contar uma moção assinada por professores de diversos centros de ensino da Universidade. Estamos todos trabalhando para reverter isto em diversas instâncias. O apoio de entidades tão represen-tativas é essencial.

A senhora tem algum documen-to que comprove que foi intima-da pela PF em 2013?R: Sim, tenho o e-mail com a inti-mação. Isto será apensado aos au-tos no momento oportuno.

O que muda a partir de agora? Haverá novidades quanto à se-gurança dos estudantes no cam-pus, já que a própria chefia da Deseg relata que sofre com a falta de efetivo? A polícia será bem-vinda em quaisquer outras situações?R: A política de segurança da UFSC estava em pauta desde o ano pas-sado, quando fizemos um fórum aberto à comunidade, do qual par-ticiparam mais de 200 pessoas, lo-tando o auditório da Reitoria. Esses debates serão intensificados este ano. Temos o compromisso firma-do de discutir com a comunidade a questão da segurança pública – que, aliás, interessa não só à UFSC, mas a toda a sociedade. Como es-paço de produção de conhecimen-to, temos a obrigação de construir alternativas. Vamos convidar a comunidade a construir conosco o aprimoramento da política de segu-rança. Esta é uma das metas priori-tárias neste momento.

esPeCiaL | 7

Com a greve dos Técnicos, sem restaurante e biblioteca universitária, o Diretório Central dos

Estudantes (DCE) organiza um protesto para cobrar providências. O ato termina em vigília - estudantes acamparam com o prédio em funcionamento - na reitoria até uma assembleia deliberar pela ocupação, que dura de 25 a 29 de agosto e é encerrada com o reajuste da bolsa-permanência de R$ 364 para R$ 420.

A situação precária de vários cursos - como Geografia e Serviço Social, que entram em greve

estudantil -, do RU, da BU, da moradia estudantil e das políticas de permanência incita a maior ocupação da reitoria recentemen-te. Os estudantes, que também pautavam oposição ao Reuni, permanecem por nove dias no prédio. Saem pacificamente após a expedição de uma reintegração de posse e a chegada da Polícia Federal. Processos contra 11 estudantes são abertos, mas não levados para a frente.

Numa sessão do Conselho Universitário (CUn) que delibera sobre a bolsa treinamento é

fechada para os estudantes. Bolsistas entram em greve, assim como alguns discentes de vários cursos, e a reitoria é ocupada. Há ganhos, mas a ocupação só acaba com uma reitegração de posse e a Polícia Federal na porta. Os estudantes saem pacifica-mente, mas sofrem processos, têm de pagar multas e correram o risco de perder o diploma.

Histórico de ocupações no prédio da Reitoria2011

2007

2005

Janine [email protected]

isadora [email protected]

Mateus [email protected]

Gabriel [email protected]

, abril de 2014

“A instituição contribuía para combater o tráfico de drogas na região do campus”

UFSC quer responsabilizar delegado criminalmente

Atra´ves de sua Procuradoria Federal, a UFSC entrou, no dia 7, com duas representações contra o delegado Paulo Cassiano, chefe da operação da Polícia Federal, realiza-da no dia 25 de março. Uma delas é administrativa e notifica a Correge-doria-Geral da PF sobre indícios de desacordo entre as atitudes de Cas-siano e a conduta adequada de um servidor público. A outra é criminal e foi encaminhada ao Ministério Pú-blico Federal (MPF), contendo evi-dências documentadas que podem denunciar o delegado por calúnia e difamação à reitora Roselane Neckel.

O documento enviado ao MPF contém trechos de entrevistas do delegado. Nelas, ele acusa a reitora Roselane Neckel de não ter pulso firme na administração da UFSC e compactuar com o uso de drogas no campus, o que chamou de “repúbli-ca de maconheiros” e um ”antro na prática de crimes.” Ainda consta as insinuações do delegado de que a reitora não tem interesse em manter a ordem no campus e de que ela tem problemas de memória e caráter. Um outro ponto será avaliado junto às

declarações de Cassiano: a entrada da polícia sem comunicar à auto-ridade máxima da autarquia pode ser interpretado como “violação de domicílio”, o que fere a autonomia universitária.

A Procuradoria também incluiu as disposições da lei dos funcionários policiais civis que diz, em seus três primeiros itens que são transgressões disciplinares “referir-se de modo de-preciativo às autoridades e atos da administração pública[..] divulgar fatos ocorridos na repartição [...] promover manifestação contra atos da administração pública”

A Procuradoria Federal/UFSC também protocolou ofício ao su-perintendente da Polícia Federal, Clyton Eustáquio Xavier, datado de 26 de março, onde informa sobre as ações ocorridas no bosque e suas consequências a professores, alunos, funcionários e ao patrimônio pú-blico, e pede que seja marcada uma reunião entre Superintendência, Procuradoria Federal/UFSC e Reito-ria. Xavier ainda não havia retorna-do até o dia 7 de abril.

Page 8: Zero - Edição Especial Abril 2014

No terceiro andar do Centro de Filosofi a e Ciências Humanas (CFH) da UFSC, um professor ministrava sua aula a uma turma de calouros quando o estudan-

te parou ofegante à porta: “professor, posso falar com o senhor? É urgente”. Pouco depois, voltando à sala, o jovem dispara: “Gente, a Polícia Federal pegou alunos com maconha no bosque, o pesso-al tá segurando os carros pra não levarem eles, e precisamos de ajuda”. Com o consentimento de todos, a turma foi dispensada. O professor achou que seria um incidente “de, no máximo, 30 mi-nutos”. Cerca de três horas mais tarde, bombas de efeito moral explodiam no bosque adjacente ao CFH. Tiros de bala de borracha eram dispara-dos para dispersar uma multidão. Todos corriam para longe, cobrindo nariz e boca, deixando para trás muito gás lacrimogênio e dois carros destruídos.

Por volta das três horas da tarde de terça-feira (25), cerca de 30 pessoas rodeavam dois carros no bosque - um Astra prateado da polícia, des-caracterizado, e uma caminhonete da segurança da UFSC. O grupo gritava: “não vai sair! não vai sair!”. Na caminhonete estava um dos estudantes detidos por portar maconha. “Dizem que ele nem tava fumando, que os P2 acharam revistando a mochila”. Os “P2”, policiais à paisana, eram dois homens fortes de cabelo cortado rente, boné, ócu-los escuros e bermuda. Além deles, estavam lá mais cinco ou seis policiais federais. Um deles di-zia: “eu fi z de tudo pra não ter confusão, só que-ria levar um, disseram pra levar um!” Gesticulava

e discutia com Carlos Vieira,

chefe de gabinete da reitoria. Vieira, o professor Paulo Machado e a colega Sônia Maluf – diretor e vice-diretora do CFH – tentavam encontrar uma maneira de cumprir os procedimentos legais (no caso, a assinatura de um Termo Circunstancia-do) sem que isso causasse um confl ito com o grupo que estava lá. Estudantes, professores e servidores se somavam aos demais, avisados por colegas. Havia mais de 300 pessoas.

Em pouco tempo, o Batalhão de Choque da Po-lícia Militar estava na en-trada do bosque. Em fi la, prontos: coturnos, escudos, máscaras, capacetes. Con-versavam entre si, fazendo piada: “se eu fi zer uma cagada aqui, será que me transferem de batalhão?” Começaram as nego-

ciações entre os estudantes e o delegado da Polícia Federal Paulo Cassiano (recém

chegado ao local), intermediadas pelos professores, Carlos Vieira e o tenente-coronel da Polícia Militar Araújo Gomes. Os estu-

dantes gritavam: “Não acabou, tem que acabar, eu quero o fi m da

polícia militar!”.A primeira proposta levada a Cassia-

no foi a assinatura do termo ali mesmo. O delegado negou. Na formulação da segunda alternativa com os estudantes, mais revolta:

“na real, nem vai assinar nada!”. A caminho-nete servia de palco para falas: “A gente tá aqui pra dizer que a polícia militar não entra no

campus!”, protestavam os estudantes. A se-gunda proposta foi apresentada: a polícia

sai da universidade e as autoridades da UFSC acompanham o aluno até a delegacia. O diretor do CFH, Pau-

lo Machado, insistia com o delega-do: “Quero fazer um apelo pro se-nhor, de coração, pra que não haja um incidente de grandes proporções

aqui”. Cassiano negou novamente. Deu as costas e chamou o Choque.

Os estudantes, percebendo a movimentação, organizaram

defesa com tábuas e tapumes. Chegando a dez metros de dis-

tância, a PM fi cou para-da durante alguns

segundos. O professor Ma-chado ainda

tentava evitar o confl ito. Duas ou

três pedras voaram em direção à polí-

cia, sob protesto da maioria dos

estudantes. “Não! Sem violência!” Como se fosse um sinal, os policiais entraram em ação. Alguns estudantes fi caram resistindo perto do carro onde estava o detido. Os demais iam de um lado a ou-tro do bosque, fugindo, agora, das bombas e do gás pimenta. “Nossa, essa passou zunindo pelo meu ouvido! Bala de borracha”, exclamou um estudante. Por conta do gás, nem sempre era pos-

sível identifi car de onde vinham os disparos.Em poucos minutos os poli-ciais levaram o estudante detido. Mesmo recuando, continuaram lançando bombas e atirando. Pesso-as corriam, lágrimas nos olhos. Enquanto alguns

diziam “Reitoria galera! Ocupar a reitoria!” e sa-íam do bosque, outros foram até os dois carros deixados para trás, que nesse ponto já tinham os vidros quebrados, e os viraram. Saindo do bosque, os estudantes ocuparam a reitoria, exigindo que a reitora Roselane Neckel assinasse um termo proi-bindo a entrada da polícia no campus.

O episódio, desde então, tornou-se o centro das discussões sobre a autonomia da universidade, o consumo e tráfi co de drogas e a legitimidade (e limites) da ação policial dentro do campus.

de efeito moral explodiam no bosque adjacente ao CFH. Tiros de bala de borracha eram dispara-dos para dispersar uma multidão. Todos corriam para longe, cobrindo nariz e boca, deixando para trás muito gás lacrimogênio e dois carros destruídos.

ria levar um, disseram pra levar um!” Gesticulava e discutia com

Carlos Vieira,

trada do bosque. Em fi la, prontos: coturnos, escudos, máscaras, capacetes. Con-versavam entre si, fazendo piada: “se eu fi zer uma cagada aqui, será que me transferem de batalhão?” Começaram as nego-

ciações entre os estudantes e o delegado da Polícia Federal Paulo Cassiano (recém

chegado ao local), intermediadas pelos professores, Carlos Vieira e o tenente-coronel da Polícia Militar Araújo Gomes. Os estu-

dantes gritavam: “Não acabou, tem que acabar, eu quero o fi m da

polícia militar!”.A primeira proposta levada a Cassia-

no foi a assinatura do termo ali mesmo. O delegado negou. Na formulação da segunda alternativa com os estudantes, mais revolta:

“na real, nem vai assinar nada!”. A caminho-nete servia de palco para falas: “A gente tá aqui pra dizer que a polícia militar não entra no

campus!”, protestavam os estudantes. A se-gunda proposta foi apresentada: a polícia

sai da universidade e as autoridades da UFSC acompanham o aluno até a delegacia. O diretor do CFH, Pau-

lo Machado, insistia com o delega-do: “Quero fazer um apelo pro se-nhor, de coração, pra que não haja um incidente de grandes proporções

aqui”. Cassiano negou novamente. Deu as costas e chamou o Choque.

Os estudantes, percebendo a movimentação, organizaram

defesa com tábuas e tapumes. Chegando a dez metros de dis-

tância, a PM fi cou para-da durante alguns

segundos. O professor Ma-chado ainda

tentava evitar o confl ito. Duas ou

três pedras voaram em direção à polí-

cia, sob protesto da maioria dos

25 de março: o dia em que a UFSC virou campo de batalhaEstudantes protestam contra ação e a permanência da Polícia Militar dentro da Universidade

8 e 9 | esPeCiaLEstopim

Tropa de Choque da PM entra no campus e dispersa multidão com bombas e gás

Liderando as negociações, delegado da Polícia Federal Paulo Cassiano deu ordens ao Batalhão de Choque da PMSC para que reprimisse a manifestação com uso da força, iniciando o confl ito que desestabilizou a política da UFSC

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Luísa [email protected]

Page 9: Zero - Edição Especial Abril 2014

estudantes. “Não! Sem violência!” Como se fosse um sinal, os policiais entraram em ação. Alguns estudantes fi caram resistindo perto do carro onde estava o detido. Os demais iam de um lado a ou-tro do bosque, fugindo, agora, das bombas e do gás pimenta. “Nossa, essa passou zunindo pelo meu ouvido! Bala de borracha”, exclamou um estudante. Por conta do gás, nem sempre era pos-

sível identifi car de onde vinham os disparos.Em poucos minutos os poli-ciais levaram o estudante detido. Mesmo recuando, continuaram lançando bombas e atirando. Pesso-as corriam, lágrimas nos olhos. Enquanto alguns

diziam “Reitoria galera! Ocupar a reitoria!” e sa-íam do bosque, outros foram até os dois carros deixados para trás, que nesse ponto já tinham os vidros quebrados, e os viraram. Saindo do bosque, os estudantes ocuparam a reitoria, exigindo que a reitora Roselane Neckel assinasse um termo proi-bindo a entrada da polícia no campus.

O episódio, desde então, tornou-se o centro das discussões sobre a autonomia da universidade, o consumo e tráfi co de drogas e a legitimidade (e limites) da ação policial dentro do campus.

25 de março: o dia em que a UFSC virou campo de batalhaEstudantes protestam contra ação e a permanência da Polícia Militar dentro da Universidade

, abril de 2014

Liderando as negociações, delegado da Polícia Federal Paulo Cassiano deu ordens ao Batalhão de Choque da PMSC para que reprimisse a manifestação com uso da força, iniciando o confl ito que desestabilizou a política da UFSC

Luísa [email protected]

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Page 10: Zero - Edição Especial Abril 2014

Ignorando o calor intenso que fazia às cinco horas da tarde do dia 29 de março, mais de 100 estudantes de braços entrelaça-

dos formavam um cordão humano de isolamento em frente à reitoria da UFSC. A formação assistia à chegada de outro grupo, não muito maior, que se aproximava com o objetivo de recolocar a bandeira do Brasil no mastro central da praça. Encarando--se os grupos hesitaram por alguns segundos- e, quase ao mesmo tempo, começaram a bradar seus gritos de ordem.

Os recém-chegados vinham do Edifício Santa Clara-Prédio II da Reitoria, onde haviam entregado um abaixo-assinado para a reitora Ro-selane Neckel. No documento, cerca

de duas mil pessoas faziam seis rei-vindicações. O movimento, nomeado “Chega de Baderna”, foi criado atra-vés de um evento no Facebook e não tinha uma unidade política. Entre os pontos em comum, estavam a exi-gência da reco-locação da ban-deira nacional, o apoio à presença da polícia no campus e a críti-ca ao movimen-to que ocupava a reitoria desde terça-feira. Segu-rando cartazes, o grupo ora cantava o hino nacional, ora trechos de uma canção do desenho animado japonês Dragon Ball Z. Sugeriam, também,

que os opositores “fossem trabalhar”.A resposta do outro grupo vinha

na forma de gritos de ordem contra todos os tipos de opressão e a favor da ocupação que, durante quatro dias, realizou assembléias e debates. Na

noite do dia 27 de março, o mo-vimento entre-gou ao gabinete da reitoria uma carta com 13 reivindicações, envolvendo te-mas como se-gurança, saúde,

combate a opressões e festas. A rei-tora acatou integralmente oito itens; os cinco restantes foram aceitos de forma parcial. Considerando o diálo-

go satisfatório, o movimento decidiu desocupar a reitoria na manhã de sexta-feira e trabalhava na limpeza do prédio quando o grupo que exigia a desocupação chegou ao local.

Em meio ao enfrentamento ver-bal, um dos organizadores do movi-mento “Chega de Baderna” decidiu que era hora de hastear a bandeira. Aplaudido pelos colegas, subiu no mastro central, mas não passou da metade. Com a ajuda de uma escada, tentou novamente, sem sucesso. Um guindaste da prefeitura da UFSC foi solicitado. Enquanto um profissio-nal subia para fazer o hasteamento, os recém-chegados voltaram a gri-tar “vai trabalhar!”; em resposta, os defensores da ocupação gritavam “viva o trabalhador!”. A bandeira foi,

enfim, hasteada, ao som de aplausos, vaias, provocações e hinos.

A multidão começava a se dis-persar. “Vamos trabalhar! Vamos es-tudar!”, se justificavam, em voz alta e ritmada, os membros do Chega de Baderna. Algumas provocações isola-das continuaram sendo disparadas. O expediente não havia terminado. Um rapaz se destacou rapidamente da multidão que defendia a ocupação. Em poucos segundos, escalou outro mastro, retirando do bolso uma ban-deira de sete cores. Hasteadas lado a lado, os dois símbolos indicavam a divergência político-ideológica entre os estudantes da UFSC.

Embate gera polarização no campusDurante desocupação, grupos com diferentes pautas se enfrentam na Praça da Cidadania

Saída da reitoria já havia sido decidida, mas membros do movimento Levante do Bosque fizeram cordão de isolamento para evitar confronto com manifestação Chega de Baderna

thaís [email protected]

10 | esPeCiaLDivisão ideológica

, abril de 2014

Gritos de “vai trabalhar” eram respondidos com brados de “viva o trabalhador”

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Para hastear a bandeira nacional no mastro, foram necessárias três tentativas, escada, corda e guindaste; enquanto a bandeira da pluralidade foi colocada na primeira tentativa

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Page 11: Zero - Edição Especial Abril 2014

O grupo que considerou um desrespeito a colocação de uma bandeira vermelha no mastro em que se costuma

ver a bandeira nacional organizou-se em um dia para protestar e hasteá--la novamente. A grande indignação motivou universitários a criarem o movimento “Chega de baderna”, que formulou seis reivindicações, como o hasteamento da bandeira, instalação de base da PM dentro do campus, apuração das responsabilidades da depredação de patrimônio público e desocupação da reitoria.

Os alunos se concentraram no Centro Tecnológico (CTC) cerca de três horas antes de partirem rumo ao prédio da Reitoria II, por volta das 15h, para entregar um documento com suas reivindicações. Os mani-festantes levantavam bandeiras do Brasil e de Santa Catarina e cartazes com dizeres “Cem não representam a maioria”, “Policiamento Já” e “Ocu-pação não me representa”. Duas via-turas da PM estacionaram em fren-te ao local e foram aplaudidas. Os alunos conversavam bastante com o tenente-coronel Araújo Gomes, sen-tado no banco do carona de um dos

carros. A reitora, Roselane Neckel, foi até a concentração e se comprome-teu a retomar as negociações com as polícias, realizar um referendo eletrônico sobre a PM na UFSC, cons-tituir um Conselho de Segurança e apresentar respostas em até 30 dias para as exigências do grupo. Inicial-mente, ela aceitou acompanhá-los até o mastro, mas mudou de ideia logo depois.

O estudante de Física que tentou hastear a bandeira, Brener Martins, um dos organizadores do movimen-to, contou que não havia lideranças no grupo e os gritos entoados no mo-mento não tinham sido previamente preparados – embora alguns deles tenham sido escritos e votados logo antes, na concentração. “Isso exige certo profissionalismo em manifes-tações, coisa que a gente não gasta tempo fazendo”.

Quanto à ocupação da reitoria, o estudante disparou: “eles não nos representam e nós não queremos que eles nos representem. Qual a legitimidade de 100 estudantes de-cidirem algo entre eles em assem-bleias presenciais que acontecem em horários questionáveis? Por que

esses questionamentos não são feitos online?”. Para ele, os gritos do grupo da ocupação, como por universida-de popular, foram “completamente fora de contexto” e algumas pautas “só podem ser piada, estão distantes da capacidade de atuação da UFSC e fogem ao propósito da discussão. Não era só por causa da agressão física?”.

O grupo entregou cópias das rei-vindicações e duas mil assinaturas para a reitoria, Polícia Federal e Ministério Público Federal. A PF in-formou aos alunos que está instau-rando inquéritos criminais. “Isso nos tranquiliza quanto à restauração da ordem”, disse Brener.

O grupo ainda não definiu quem, nem como irá acompanhar a reito-ra para garantir que ela cumpra o prometido. Brener disse que pode se responsabilizar, mas Henrique Car-minatti, estudante de Engenharia Mecânica e também organizador do movimento, disse que “ainda não sa-bemos se vamos ter tempo para isso, uma vez que já será meio do semes-tre. Mas, deveríamos”.

, abril de 2014

Os estudantes que ocuparam a reitoria durante quatro dias e três noites – fundan-do o Levante do Bosque – se

reconhecem ideologicamente como esquerda. Num ato que simbolizou a organização do grupo, os alunos que conversaram com a reportagem do Zero – João Vitor Araújo, Geografia, Marina Caixeta, Engenharia Civil e Tainam Marinho Pessoto, Ciências Econômicas – foram eleitos em as-sembleia.

Eles explicaram que a ocupação não foi deliberada coletivamente, sendo uma resposta “espontânea” ao conflito com a Polícia Federal, assim como a reação dos manifestantes que viraram duas viaturas, mas que a partir dela foi possível organizar os alunos a favor de causas comuns.

Araújo avaliou que “se não hou-vesse a unificação, não seria possível pressionar e concretizar de fato o que foi prometido pela reitora”. Pessoto complementa: “a ocupação nos ensi-nou que é possível agir independente de instituições como os CAs e o DCE”.

O movimento conseguiu que a reitora se comprometesse a priorizar o projeto de iluminação que está sen-do avaliado pelo Departamento de

Projetos de Arquitetura e Engenha-ria (DPAE) e executá-lo num prazo de seis meses, assim como contratar seguranças universitários que “visem a segurança de todos os estudantes, professores e técnicos administra-tivos em educação, e não apenas o patrimônio material da UFSC”, como ocorre nos contratos vigentes. Tam-bém são reivindicações a elaboração de um plano de segurança para uni-versidade com ampla participação da comunidade e a realização da 1ª Semana de Desmilitarização da PM. Caixeta argumenta que “a PM nos remete ao período ditatorial, e sua desmilitarização é inclusive uma recomendação da Organização das Nações Unidas (ONU)”.

Outras reivindicações são o deba-te sobre o uso do espaço da univer-sidade – com a reativação imediata da Comissão de Festas e ampliação de sua composição –, garantias so-bre o auxílio-creche, debates sobre a adesão do Hospital Universitário à Empresa Brasileira de Serviços Hos-pitalares (EBSERH) e o combate a racismo, machismo, homofobia, transfobia e trote violento. Este últi-mo ponto de pauta foi emblemático, uma vez que houve denúncias de

opressões dentro da própria ocupa-ção. “As opressões ocorrem em todos os lugares, mas temos consciência de que é preciso combatê-las”, comenta Caixeta.

O movimento Levante do Bosque é fortemente marcado pela diversi-dade, mas pretende se manter unido para acompanhar o cumprimento de suas reivindicações. Cabe ressal-tar que seguem no Centro de Con-vivência da universidade estudantes contrários a assembléia de decidiu a desocupação.

O Zero identificou algumas orga-nizações e coletivos presentes na ocu-pação: Grupo Negro 4P; Coletivos Ku-rima, Feminista SOMOS PAGU, UFSC à Esquerda de Luta, Vadias Desterro, Brigadas Populares e Coletivo pela Diversidade Sexual - Gozze!. Pas-sa Palavra, Movimento Passe Livre, Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU); Partido Comu-nista Brasileiro (PCB); a Juventude Comunista Avançando ( JCA; o Par-tido Socialismo e Liberdade (PSOL).

Pluralidade: membros de diversos coletivos participam da ocupação

Contrários ao Levante combinaram manifestação pelas redes sociais

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Outro lado pede polícia, fim de “baderna” e bandeira no mastro

Luciana Paula [email protected]

Luan [email protected]

Ao ocupar reitoria, estudantes de esquerda exigem PM fora da UFSC

Enquanto tentavam hastear a bandeira, estudantes cantavam o hino

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Reitora aceitou oito reivindicações das 13 apresentadas pelos alunos

Page 12: Zero - Edição Especial Abril 2014

O tenente-coronel da Polícia Mili-tar (PM), Araújo Gomes, parti-cipou das negociações entre po-liciais, professores e estudantes.

Foi ele que levou a Tropa de Choque para o bosque do CFH no dia 25 de março e co-mandou as ações da PM. Em entrevista ao Zero, o coronel afirmou que a ação dos policiais não foi desproporcional.

Zero: A PM pode entrar no campus sem autorização da reitora ou exis-tem exceções, como quando é cha-mada pela Polícia Federal? Coronel Araújo Gomes: O entendimen-to da PM é que o campus é aberto. Por ele ser cortado por vias públicas, a PM pode sim entrar naquela área sem necessaria-mente ter autorização prévia ou coisa pa-recida. Seja para rondas de rotina ou para intervir em crises. Por opção, não fazemos rondas de rotina naquela área porque en-tendemos que, sendo uma autarquia fede-ral, com recursos e obrigação de prover a própria segurança em caráter de norma-lidade, não faria sentido tirar recursos estaduais para fazer proteção ordinária lá dentro. Porém, quando há um crime em andamento, nós podemos entrar com cer-teza, e entramos.

A Tropa de Choque já acompanhou apreensão de porte de maconha? Gomes: Não, porque...qual é o papel da tropa de choque? Ela tem várias missões, faz intervenções em presídios, segurança de eventos considerados críticos ou inter-

venções quando precisa do uso da força, envolvendo multidões ou turbas. Nós não tínhamos tido ainda nenhuma ocorrência da Polícia Federal com essa característica.

O delegado Cassiano solicitou auxí-lio, mas o senhor poderia controlar se liberaria a ação da Tropa de Cho-que?Gomes: Eu participei da negociação, mas não tinha a voz final porque envolvia dois órgãos federais. O uso da força só aconte-ceu quando a Polícia Federal se mostrou incapaz de vencer a resistência e a situ-ação se mostrou potencialmente perigosa.

Mas a voz que dá o aval para a Tro-pa de Choque agir é a do senhor?Gomes: É minha. Claro.

O senhor acha que realmente havia necessidade?Gomes: Da maneira como evoluiu, sim.

Dois policiais da PM e 13 alunos fi-caram feridos. Não houve uma rea-ção exagerada da polícia?Gomes: Na verdade, é muito interessante que alguns meios que nós utilizamos te-nham uma estética pesada, negativa, com

resultados poucos ruins. Então, quando você fala do gás lacrimogêneo, ele veio substituir o uso do cassetete. Também é interessante achar que deve haver uma proporção no número de feridos, esque-cendo que do lado do Estado, do lado da polícia, o que você tem são trabalhadores realizando seu trabalho. Então, é natural que eles tenham equipamentos e técnicas de proteção, para que se machuquem me-nos. E pelo contrário, o que é lamentável é que dois trabalhadores tenham se ma-chucado por ação intencional de terceiros. Se a gente fizer uma relação com outras profissões, vai ver que em nenhuma outra profissão se considera natural levar pedra-da, ser chutado, xingado, ser atingido por coquetel molotov, como parece que se tor-nou senso comum de ser parte do trabalho policial. E não é.

Encontramos uma das granadas de pimenta que foi jogada no bosque, com validade de março de 2013. Na embalagem está escrito que a gra-nada oferece risco se utilizada fora da data de validade. O senhor sabia disso? Sabe quais são os riscos?Gomes: Eu não sabia, porque a Tropa de Choque administra o próprio material. O risco é de ela não ser acionada, que foi o que aconteceu.

Mas na embalagem está escrito que oferece risco se utilizada...Gomes: Claro, para o policial, se ela não funciona.

Há um protocolo que diz que o elas-tômero (bala de borracha) deve ser mirado da cintura pra baixo. Esse protocolo foi seguido no dia?Gomes: Foi, sempre se procura fazer isso. Lembrando que quando se trabalha com manifestações em diferentes distân-cias, para acertar a baixa distância, a 50 metros, se tiver alguém mais próximo pode acontecer de acertar um pouco mais alto...o tiro descreve um arco, né?

Leia a entrevista na íntegra na nos-sa página no Facebook: www.facebook.com/jornalzero

, abril de 2014

12 | esPeCiaL Segurança

Araújo Gomes é o tenente-coronel responsável por ter acionado Tropa de Choque após chamado da PF

A última vez que houve a re-novação do quadro de traba-lhadores do Departamento de Segurança Física e Patrimonial (DESEG) da UFSC foi em 1994. Hoje, a vigilância dos quatro campi (Araranguá, Curitibanos, Florianópolis e Joinville) é feita por 47 servidores e 265 funcio-nários da empresa Khronos, que mantém contratos com a univer-sidade desde 2005. A segurança universitária está em processo de terceirização desde que a vaga foi extinta pelo Governo Federal. Há quatro anos, o quadro era um pouco diferente: 61 agentes da universidade e 167 terceirizados da mesma empresa.

Metade do atual efetivo pode se aposentar hoje – al-guns funcionários têm 37 anos de carreira –, e 15 servidores aderiram à greve da categoria, que iniciou no dia 17 de março.

Uma das queixas do diretor do departamento Leandro Luiz de Oliveira é o acúmulo das funções operacionais e adminis-trativas. “O maior problema é a falta do efetivo no quadro”, disse Oliveira, que não está autoriza-do a responder perguntas sobre o confronto entre policiais e es-tudantes.

O departamento funciona em um prédio que tem mais de 70 anos, onde é fácil encontrar in-filtrações. O acesso ao primeiro andar é através de uma escada de madeira. O espaço é coberto por assoalho e abriga a central de monitoramento dos campi. O setor é terceirizado e conta com oito funcionários que se reve-zam em plantões com pelo me-nos dois seguranças por turno. Sob farelos que caem do forro por causa dos cupins, os vigilan-tes monitoram 1.100 câmeras.

Pelos computadores, eles acom-panham 272 centrais de alarme que protegem 4.500 salas.

Os servidores do DESEG tra-balham com três viaturas, duas motos, rádios transceptores com frequência exclusiva da UFSC controlada pela Agência Nacio-nal de Telecomunicações (Ana-tel), bastões elétricos, algemas, spray de pimenta, coletes balís-ticos e pistolas Taser. A UFSC é a única universidade do país que utiliza armas de choque - 15 agentes estão habilitados.

A média salarial bruta de cada servidor é R$ 4.000,00.

Segurança terceirizadaO Grupo Khronos tem qua-

tro contratos em vigência com a UFSC: a Khronos Segurança Pri-vada possui três convênios para prestação de serviço de vigilân-cia num total de R$ 6.765.409,40

por ano, e a Khronos Indústria Comércio e Serviços em Eletrô-nica recebe R$ 559.200,00 anu-ais para manutenção dos equi-pamentos de segurança.

Um vigilante terceirizado cus-ta à UFSC, por mês, R$ 2.127,48. O salário bruto do funcionário é

R$ 1.700,00. A empresa tem um lucro total de aproximadamente R$ 1.041.409,40 por ano.

apenas 15% dos vigilantes são servidores

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Prédio em que funcionários trabalham é mais antigo que a UFSC

Policial esteve na negociação do Bosque

Para militar, uso da força foi necessário

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“A PM pode entrar na UFSC sem ter autorização prévia”

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O consumo de drogas faz parte da rotina univer-sitária. Um levantamen-to feito em 2010 pela

Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), que entre-vistou quase 18 mil universitá-rios de 100 instituições públicas e privadas em 27 capitais, apontou que 49% dos estudantes já expe-rimentaram algum tipo de droga ilícita pelo menos uma vez na vida.

O estudo também revela que entre os menores de 18 anos, 80% já consumiram bebidas alcoó-licas. Para a psicóloga Daniela Schneider, o consumo de álcool e outras drogas é parte do contexto social e do imaginário da uni-versidade. “Os jovens associam a entrada na universidade com um upgrade no processo de entrar na vida adulta, e isso inclui beber mais e usar drogas.

É o que constitui a base da identidade universitária e é bem visível nos trotes. Lá, os colegas mostram para os que estão che-gando o que é ser universitário”, afirma. Ainda de acordo com o Senad, 22% dos universitários es-tão sob risco de desenvolver de-pendência de álcool.

Estudante do curso de Design, M. diz que usa droga como recre-ação. “Já fumava maconha antes

de ir à universidade, mas não com frequência. Acho que uso menos do que muitos estudantes bebem cerveja, por exemplo. Assim como alguns gostam de fumar cigarro ou beber nas horas vagas, eu gos-to de fumar maconha.”

Embora tenha sido o estopim para o conflito no bosque do Cen-tro de Filosofia e Ciências Huma-nas (CFH), a maconha não é a droga mais consumida na Univer-sidade. “Existe muito preconceito com a maconha, caracterizando o uso dela apenas por alunos do CFH. Nem todas as pessoas que vão ao bosque são de lá. Existem casos mais sérios em outros cen-tros. Recentemente tivemos um grande trabalho para resolver o tráfico de drogas no Centro de Ciências Físicas e Matemáticas (CFM). Temos casos de desvio de substâncias de laboratórios para a produção de drogas”, explica Sergio Schlatter Junior, diretor do Departamento de Assuntos Es-tudantis (DeAE).

Segundo Schlatter, existem diversos casos identificados pela Pró-Reitoria de Assuntos Estu-dantis (PRAE). “Os casos de uso de substâncias psicodélicas são em maior número, mas não são tão perceptíveis. Muitas pessoas tomam Ritalina e outras substân-cias para virar a noite estudando.

Essa é uma realidade muito forte no Centro Tecnológico (CTC), por exemplo. Isso também é uso abu-sivo de drogas”, comenta.

O vício depende de diversos fatores: ambiente em que o estu-dante vive, situação familiar, psi-cológica, entre outros. Schlatter aponta a mudança de hábito e a exclusão social como alguns dos motivos para a iniciação no con-sumo de drogas. “Os alunos estão entrando cada vez mais jovens na universidade e muitas vezes mo-ram sozinhos pela primeira vez. Alguns vêm de cidades pequenas e quando chegam a Florianópolis passam por uma mudança radi-cal de vida”, analisa.

Prevenção e integraçãoAtualmente a UFSC não possui

nenhum programa exclusivo de acompanhamento e prevenção ao uso de drogas. O Serviço de Aten-ção Psicológica (SAPSI) atende esse tipo de caso, mas não oferece atividades específicas.

No fim do ano passado, a Pró--Reitoria começou a elaborar um programa de integração social que também tratará de alunos viciados em drogas. O projeto ainda não saiu do papel devido à pluralidade de opiniões sobre o assunto e a falta de profissionais capacitados.

São quase 20h e o caminho está completamente escuro, exce-to pelos faróis dos carros esporti-vos e de luxo, táxis e motos que sobem a rua Andreza Pinheiro Gonçalves da Silva, transversal da Avenida Capitão Romualdo de Barros, geral da Carvoeira. Ali, a dois minutos de caminhada da entrada da UFSC, fica a boca de fumo mais conhecida da região, gerida pelo traficante conhecido como Tiaguinho.

Alvo de frequentes investiga-ções da Polícia Federal, o ponto serve de fonte para a venda de drogas em outros morros e, ain-da, para traficantes de pequeno porte que atuam na universidade. Ao lado de uma casa e um portão de ferro, uma passagem leva até uma porta que só permite enxer-gar os olhos de quem fala. Caso haja suspeita de investigação policial, a resposta é categórica: “não, irmão, aqui é pessoal de família. Casa de família mesmo”.

Mas, ao passar pela porta, o comprador é levado para dentro da boca de fumo, onde é escolta-do por corredores até o local de negócios. “Já ouvi sirenes tocan-do lá quando a polícia chegou perto”, conta V., estudante de His-tória da UFSC. Ele afirma ter ou-vido sobre a existência de túneis subterrâneos dentro da estrutura. “Mas eles nunca deixam a gente ver, a segurança é muito forte”.

Nos arredores do campus, os bairros da Trindade, Pantanal, Saco dos Limões, Serrinha, Cór-rego Grande e Carvoeira abrigam diversos pontos de venda de dro-gas acessíveis aos estudantes. A Boca do Cesinha, no Pantanal, é ponto do ex-traficante Paulo Ce-sar Alves, assassinado com sete ti-ros em 2009. Na época, a morte de Cesinha causou a diminuição do abastecimento e o aumento dos

preços das drogas nos morros da capital. A filha de Cesinha, Sue-len Sabino Alves, também foi as-sassinada, em dezembro de 2011.

Hoje, quem comanda a boca é a viúva de Cesinha, Adriana Sabi-no Alves, e seu outro filho, conhe-cido como Piolho. O tráfico ocor-re às vistas após o anoitecer, nas escadarias da Servidão Crescên-cio Francisco Mariano e da rua Capitão Osmar Silva, transversais da Rua Antônio Edu Vieira. Ali se vende principalmente maconha, cocaína e crack.

Há ainda quem não goste de subir o morro. Nestes casos, a venda de entorpecentes ocorre por meio de funcionários dos ba-res da Avenida Antônio Edu Viei-ra. Lá, os “aviões”, usuários que revendem drogas, marcam ponto quase diariamente. O preço, em geral, é mais alto: a cocaína cus-ta R$20 para 0,5 grama compra-da (na Boca do Cesinha, pode-se conseguir por metade do valor). Segundo usuários, a qualidade da cocaína revendida é mais baixa, pois o pó costuma vir “batizado” com bicarbonato de sódio para render mais.

UFSC - Apesar de ser uma área vigiada, a universidade con-ta com um intrincado sistema de venda de drogas em suas depen-dências, como no Bosque do CFH. “Eles escondem as drogas em ca-naletas e debaixo de pedras”, con-ta L., frequentador das festas da UFSC. De acordo com o Delegado Cláudio Monteiro, da Divisão de Repressão a Entorpecentes (DRE) da Diretoria Estadual de Investi-gações Criminais, a hipótese de que os traficantes teriam territó-rios para venda de entorpecentes dentro da universidade é verda-deira. “Inclusive, há alunos que só vendem para [em nome de] certos grupos”, conta ele.

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Consumo de drogas ronda universidadesMetade dos estudantes universitários já usou entorpecentes

Baseado em estudo

Traficantes vendem crack, cocaína e maconha nos arredores da UFSC

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Escadaria no bairro Pantanal é um dos pontos de tráfico da região

Plano para tratar viciados começou a ser elaborado pela PRAE no fim de 2013 e ainda não está em vigor

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Quem são os atingidos pelas bombasManifestantes relatam os ferimentos sofridos e demora para registrar o caso na DP

Por volta das 20h30 havia uma atmosfera de perplexidade na sala de espera da 5ª DP, na Trindade, onde um grupo com

cerca de 15 estudantes aguardava sua vez de relatar à Polícia Civil a violência das Polícias Federal e Militar. Tentavam entender o que acabara de acontecer na Universidade e, alguns, conter a indig-nação que era potencializada pela de-mora no atendimento. Ainda contribuía para o desconforto dos jovens a presença de um homem que ouvia todas as con-versas, tentava ver as fotos do confronto que uma moça mostrava para os outros estudantes - eles também manuseavam bombas de gás lacrimogêneo com vali-dade vencida encontradas no local do ação - e, minutos antes, circulava no Distrito Policial com a naturalidade de quem anda por lá cotidianamente.

A graduanda em jornalismo Luara Loth tinha quatro pontos em um corte próximo ao joelho direito, na lateral da perna. Quase 25 anos depois de seu pai, o jornalista Moacir Loth, ter sido espancado por dois policiais na cober-tura da Novembrada, ela agora esperava para relatar algo parecido. Assim como escoriações menores, o corte foi causado por estilhaços de uma bomba, provavel-mente de efeito moral, jogada pela polícia. A fe-rida infeccionou, obrigando a es-tudante a tomar antibióticos.

Quando o gás lacrimogênio tomou o Bosque, Luara se abaixou para tentar evitar a fumaça. Em seguida, decidiu correr - tinha visto gente levando pan-cadas e ficou com medo de ser agredida também. Ao se levantar, viu a poucos centrímetros de seu pé a bomba, que ex-plodiu imediatamente. Correu sangran-do por alguns metros, mas foi carregada que chegou às proximidades do Restau-rante Universitário, de onde foi levada de carro para o hospital. “Eu nunca uso calça, mas dessa vez estava com uma bem grossa. Se não, talvez o corte fosse maior.” Do hospital foi à delegacia, onde ficou um bom tempo. Tentou fazer o exame de corpo de delito, mas àquela hora o Instituto Geral de Perícias já es-tava fechado. O compromisso teve que ficar para o dia seguinte.

Depois de cerca de meia hora de espera, as ocorrências começaram a ser registradas. Os estudantes tinham a impressão de que os policiais civis não estavam empenhados em atender os re-latos, e isso os deixava mais nervosos. O

advogado Robson Ceron acompanhava os feridos na delegacia, fazendo o possí-vel para manter a calma. Dizia que era provável que houvesse provocações por parte dos agentes.

O primeiro a registrar ocorrência foi Leandro Oliveira, estudante de Ciências Sociais. Ele ficou alguns minutos sem o advogado na sala em que o BO seria fei-to, e conta que nesse tempo foi repreen-dido por um agente civil por querer pres-tar queixa, aumentando seu desconforto por estar relatando para policiais atos de outros policiais (mesmo que de catego-rias diferentes). O procedimento passou a ser cumprido normalmente quando Ceron entrou na sala.

Oliveira tinha um corte no super-cílio esquerdo, região onde pequenos ferimentos causam sangramentos con-sideráveis. Quando um policial saiu de um dos carros que estavam no Bosque, o estudante foi derrubado de costas, no chão, pela porta do veículo. Na sequên-cia foi acertado com a porta novamen-te, num gesto que ele desconfia não ter sido acidental. Só foi ao hospital tratar o ferimento depois de sair da delegacia,

e não pôde levar pontos pois o cor-te ficara aberto por muito mais tempo do que o r e c o m e n d a d o para receber uma sutura.Há relatos de pessoas que ti-veram problemas de audição cau-sadas por bombas de efeito moral,

atingidas por balas de borracha em di-versas partes do corpo - inclusive acima da cintura, o que não é recomendado -, com ferimentos na boca, que passaram mal por causa do gás. Ninguém sabe ao certo quantas pessoas saíram feridas da ação, já que nem todas foram registrar formalmente.

A cortina de gás lacrimogênio já era bem grossa quando Victor Cunha, calouro do Curso de História, tentava manter um cordão de isolamento dan-do os braços a seus companheiros. Uma granada de pimenta caiu à sua frente e, em seguida, uma bomba de efeito moral explodiu na região próxima a ele. Com o susto, Cunha aspirou de uma só vez grande quantidade de ar e gás, e saiu do Bosque passando mal. Vomitou no corredor entre o CFH e o CED, foi carre-gado até a Reitoria - que começava a ser ocupada - e vomitou lá também. Foi le-vado ao HU, onde o ar condicionado da sala de espera piorava sua respiração já irritada. Esperou por uma hora e meia o atendimento e resolveu voltar para casa sem ver um médico.

Do grupo que foi até a 5ª DP, alguns perderam a paciência e deixaram a Delegacia sem prestar queixa. Mesmo assim, só na noite de terça-feira, foram registrados 13 boletins de ocorrência re-latando ferimentos decorrentes do con-fronto no Bosque. Agora a Polícia Civil deve esperar os laudos do IML/IGP para anexar aos BO’s dos estudantes que fize-ram exame de Corpo de Delito e encami-nhar para o órgão que tem competência para investigar a PF, a sua Corregedoria.

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14 | esPeCiaLRepressão

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Balas de borracha, bombas de efeito moral e gás lacrimogênio: esse foi o arsenal utilizado pelo Choque

Bomba da PM venceu há um ano

Treze boletins de ocorrência foram registrados relatando ferimentos

Policial civil deu sermão em um dos estudantes que queria relatar as agressões cometidas pela PM no Bosque do CFH

Page 15: Zero - Edição Especial Abril 2014

Diretora do Núcleo de Desen-volvimento Infantil (NDI) da UFSC, Marilene Raupp ligou na tarde do dia 25 de

março para o chefe do Departamento de Segurança, Leandro Luiz de Olivei-ra. A ideia era pedir aumento em me-didas de proteção, como a instalação de mais câmeras, já que totalizando alunos, pais e trabalhadores, 700 pes-soas circulam pelo local diariamente. Oliveira explicou que a polícia havia entrado no bosque e a situação pode-ria se agravar, orientando que todos ficassem dentro do NDI - 100 metros da área do conflito.

Em seguida, a instrução clara e precisa chegou pelo rádio da segu-rança da guarita: “Tirem as crianças do parque”. As professoras Caroline Momm e Ligia Santos estavam no horto do Departamento de Botânica com os pequenos de dois anos quan-do receberam o aviso para voltarem às pressas.

“Estávamos na Botânica, mas po-deríamos ter levado as crianças até o bosque, o que não é raro acontecer”, disse Caroline. Outras 70, das 105 crianças matriculadas no período vespertino, estavam nos brinquedos externos da escola. Todas foram leva-das aos cômodos, que permaneceram de portas e janelas fechadas até o anoitecer.

Mesmo com a atitude, o gás la-crimogêneo lançado pelos policiais entrou pelas frestas, chegando na cozinha e sala dos bebês. Ligia ten-tou buscar água para eles, mas não conseguiu pelo mal-estar que sentiu em ir até a copa. As três mulheres que trabalhavam na produção das refeições, Suelen Alves de Melo, Ana

Cristina e Nelsi de Oliveira, ficaram com dificuldade de respirar, olhos irritados e desconforto na garganta, devido à fumaça trazida pelo vento. “Ninguém imagina que ocorra algo as-sim, com toda essa violência, dentro da Universidade”, co-mentou Ligia.

A educadora Pri-cilla Trierweiller viu duas bombas explo-dir na rua em frente à instituição. Várias crianças choraram, assustadas, ao ouvir os estrondos e tiros com bala de borracha. Os professores tenta-ram amenizar a situação ao chamar

a atenção delas para atividades e fecharam as cortinas. Nos dias pos-teriores à confusão, muitas tiveram

reações como diarreia e vômito.

A direção reunirá relatos escritos por pais sobre o quanto o confronto afetou seus filhos, com o intuito de anexar os depoimentos ao dossiê que será en-caminhado à Bra-sília pela reitoria.

A turma mais velha do NDI, for-mada por crianças de cinco anos, brincou de “ninja” ao amarrar ca-misa no rosto. A estratégia lúdica

de Sônia Jordão era para que seus alunos não se preocupassem com os barulhos. A ideia também serviu para protegê-los dos resquícios de gás, quando os pais chegavam nervosos e saiam rapidamente com medo que a rua fosse fechada por barricadas. Outros responsáveis chegaram la-crimejando, ofegantes, preocupados e indignados, mas esperaram até a situação acalmar para ir embora.

A nota de repúdio à atuação po-licial já foi emitida pelo NDI. Nela, o colegiado manifesta sua preocupa-ção com as consequências psicológi-cas e emocionais que podem atingir os pequenos pela tensão que presen-ciaram.

Segundo o documento, a “incon-sequência e truculência” do ato das Polícias Federal e Militar “culminou num verdadeiro cenário de guerra colocando em risco a segurança das crianças e dos profissionais que ali estavam”.

Um grupo de pais moverá “ação de responsabilidade contra a Polícia Federal, assegurada pela lei 4.898 por abuso de autoridade dirigida ao de-legado”, como conta Bianca Barbosa, mãe de um menino matriculado no NDI.

“Isso não pode acontecer de novo. As crianças frequentam o bosque”, lembrou Bianca. “Os policiais foram avisados que tinha duas instituições com criança perto do bosque e mes-mo assim não reavaliaram a ação. Quem era para trazer segurança, ameaça”, desabafou a professora Li-gia Santos.

, abril de 2014

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Mãe corre para proteger filho logo após gás ter invadido salas de aula do Núcleo de Desenvolvimento Infantil. Unidade repudiou ação por entender que crianças foram prejudicadas

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NDI também viveu o conflitoNuvem de gás lacrimogêneo chegou às salas de aula da escola infantil

Para o Colegiado do Núcleo, atuação das polícias foi “descomedida”

Professora do NDI inventou brincadeira com camisetas para proteger os alunos dos efeitos do gás

Bianca [email protected]

PF recebe notas de repúdio

No dia 25 de março a UFSC, através da reitora Roselane Neckel, publicou nota tratando como lamen-tável o episódio vivido pela comunidade universitária. No texto, a reitora afirma que não solicitou e sequer foi informada sobre a ação.

No dia 31 de março, o Colegiado do Núcleo de De-senvolvimento Infantil (NDI) da UFSC tornou público o desagrado da instituição com a ação policial. A nota afirma que a PF havia sido alertada sobre a presença de crianças nas proximidades do acontecimento, mas ignorou o aviso.

Professores de diversos centros da UFSC emitiram, no dia 02 de abril, nota assinada expondo a estranheza da categoria pela ação policial promovida na instituição que tem se destacado como uma das melhores universidades do país e do exterior.

Também o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, no dia 27 de março, emitiu nota de repudio à ação policial promovida na UFSC. De acordo com o movimento social, o ato reflete a incapa-cidade do Estado e da própria polícia em dialogar e buscar saídas permanentes com re-lação aos conflitos existentes no Brasil.

Bianca Bertoli/Zero

Perigo na escola

Page 16: Zero - Edição Especial Abril 2014

Unidos contra a violência policial, mas em constante desacordo quanto ao pro-pósito do movimento, estu-

dantes com diversos perfis políticos e culturais ocuparam a reitoria duran-te quatro dias e três noites de longos debates.

“Ocupem a reitoria!”A fumaça das explosões se espa-

lhava e ecoavam os tiros de borracha da ação policial quando os primeiros gritos repetidos de “ocupa a reito-ria!” surgiram no Bosque. Em mi-nutos, estudantes tomaram o prédio, ainda com olhos vermelhos do gás de pimenta e expondo ferimentos trazi-dos do conflito. O movimento ganha força e nome: Levante do Bosque, e uma página no Facebook é criada para reunir relatos e imagens. No fim do dia, barracas foram montadas e comissões definidas para viabilizar a ocupação, como de limpeza, comuni-cação e debate sobre opressões.

Duas decisões foram acordadas: a proibição da entrada da imprensa e a não depredação do prédio. Um pequeno grupo considerou ilegítima a assembleia e o prédio amanheceu com frases na parede, como “desmi-litarização já!” e “Rose lendas” - tro-cadilho com o nome da reitora. Na noite seguinte, surgiu a proposta de redigir uma nota para mostrar que as pixações desrespeitavam a deci-são coletiva. “Tu é polícia agora pra criminalizar pixação?”, ouviu-se no meio da plateia. A nota não foi aceita pela maioria.

Pluraridade e repetição de ideias Em geral, o conteúdo das falas nas

assembleias se repetia, com o acrésci-

mo da citação do nome do grupo polí-tico que o ocupante representava. Vo-tações como a de desocupar a reitoria tiveram de ser refeitas na última reu-nião, que durou mais de cinco horas. Cada proposta era alterada por vários ocupantes, como uma lei que recebe centenas de emendas. Com o decorrer do movimento, semblantes ficaram cansados e as vozes mais roucas. Os olhares despertavam quando o tema era “fora PM do campus” ou algum escracho à atual gestão do Diretório Central dos Estudantes (DCE).

Movimento organizadoServiços básicos funcionavam

para garantir a permanência: o local se manteve limpo o suficiente para ficar por lá o tempo que fosse preciso. O panelão de comida preparado por servidores técnico-administrativos, em uma cozinha improvisada ao lado do setor de informações, dava

conta de matar a fome. O cardápio variava de sopão à carreteiro, in-cluindo massa. As placas dos banhei-ros que separavam homens e mu-lheres foram retiradas. A equipe de Comunicação transformou a sala de protocolos em redação da fan page do Levante do Bosque, com mais de seis mil curtidas no Facebook. Docu-mentos da burocracia universitária ficaram intactos. A polêmica bandei-

ra vermelha subiu no mastro na ma-nhã de quarta-feira. A bandeira que havia antes, do Brasil, foi retirada por um servidor ao final do expediente do dia anterior, como de costume.

Cultura contra repressãoO documento de reivindicações

dos alunos obtido em assembleia não resume os dias na reitoria. O Levante do Bosque foi espaço de diversas in-terações políticas e culturais. Da fo-gueira na grama, ao lado do mastro, ouvia-se reggae; em volta dos sofás, formavam-se rodas de conversa sobre opressão de gênero e raça; na madru-gada de quarta-feira, ao mesmo tem-po da assembleia, o grupo acompa-nhava a execução perfeita de choros de Heitor Villa-Lobos no violão, com-partilhando bebida y otras cositas más; a banda Circo Quebra Copos tocou em frente a reitoria na quinta--feira à noite. Em qualquer momen-to, um cachorro entrava no prédio e deitava no colchão. Em qualquer instante, ouvia-se o choro ou riso de uma criança, filho de ocupantes.

Tensão e desconfiança Era latente o temor de que agen-

tes infiltrados ou pessoas contrárias ao movimento rondassem a ocupa-ção. Na sexta-feira, estudantes foram até a reitoria para hastear a bandeira nacional, em ato simbólico contra o Levante do Bosque. Os ocupantes se uniram em cordão humano, blo-queando a entrada do prédio. Como combinado, não houve tumulto. Os ocupantes até colaboraram com o outro lado: chamaram reforço da Prefeitura Universitária para recolo-car a bandeira nacional no mastro. Antes, houve duas tentativas frustra-

das dos alunos contrários, acompa-nhadas com humor pelos ocupantes.

A reitoria foi esvaziada na sexta--feira à tarde. A imagem que marca o fim do movimento é da bandeira que representa a pluralidade do Levante no topo da universidade, ao lado da

bandeira nacional. Alguns ocupantes saíram descontentes. Pediam mais debates sobre opressões de gênero e raça: “essa luta não me representa”, falavam na última assembleia. Já os mais tradicionais no movimento estudantil, consideraram vitoriosa a estada na reitoria.

Ocupação de ideias

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16 | COntra CaPa“Aqui PM não entra”

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Ocupação acabou na sexta-feira

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Havia o temor de infiltrados e contrários ao movimento no prédio da reitoria

Bastidores de conflitos e debates entre manifestantes durante os quatro dias de protesto

Parte dos alunos considerou ilegítima decisão de não pixar o prédio

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O Levante do Bosque foi espaço de política, com instantes de ócio, arte e cultura