XIII Encontro Estadual de História da ANPUH-RS - SOCIEDADE … · 2016. 9. 5. · Na época, a...
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SOCIEDADE RECREATIVA E CULTURAL OS ZÍNGAROS:
APONTAMENTOS INICIAIS SOBRE A TRAJETÓRIA DE UM CLUBE
NEGRO DA CIDADE DE BAGÉ/RS NO PÓS-ABOLIÇÃO
Tiago Rosa da Silva
Mestrando em História pela UFPel
Resumo
O objetivo do texto a seguir é expor apontamentos iniciais da pesquisa que versa sobre a
trajetória do clube Recreativo e Cultural Os Zíngaros, situado na cidade de Bagé/RS.
Forjado no pós-abolição, esta sociedade de negros e negras bageense que permanece em
atividade até os dias atuais, buscou de várias formas manter-se ativa no cenário
recreativo e social de Bagé, oferecendo uma alternativa de lazer e sociabilidade para a
comunidade negra local. O carnaval aparece como uma importante ferramenta que o
clube utilizava para a sua inserção no cenário recreativo da cidade, visto que nesta data
o clube se projetava mais efetivamente, mostrando, assim, uma organização frente aos
demais clubes sociais locais. A partir disso, também será esboçado alguns aspectos
sobre a importância conferida pelo clube ao período do carnaval.
Palavras-chave: associativismo negro; pós-abolição; negros; Bagé.
Introdução
As narrativas construídas sobre a história de Bagé1 cidade localizada no interior
do Rio Grande do Sul e que faz fronteira com o Uruguai, sempre deram conta de
privilegiar alguns nomes de cidadãos que representam o progresso local, seja no âmbito
da economia como também no cenário cultural. Um detalhe torna-se interessante: esses
sujeitos (brancos) são as representações e os anseios de uma elite local, que não quis
perceber a pluralidade dos sujeitos que historicamente ajudaram na constituição deste
espaço, principalmente os negros e indígenas.
1 Cidade localizada no sul do Rio Grande do Sul, distante 374 km da capital Porto Alegre.
A atuação de negros em Bagé no pós-abolição se deu principalmente na
constituição de sociedades recreativas, blocos carnavalescos e no futebol amador.
Diversos foram os cordões, ranchos e blocos que congregavam a comunidade negra
local em torno dos festejos do Momo, bem como existiram também na cidade clubes
sociais voltados para a sociabilidade negra, como é o caso do Clube Recreativo
Palmeiras, Saca-Rolha, Primavera, Aurora Social Clube e o Clube Os Zíngaros.
A partir disso, o principal objetivo do texto a seguir é expor um pouco da
trajetória da Sociedade Recreativa e Cultural Os Zíngaros na cidade de Bagé, no qual
buscaremos perceber alguns projetos e as perspectivas de atuação desta sociedade de
negros(as) bageenses.
Para tal propósito, utilizaremos como fontes o Caderno de Estatutos do Clube,
jornais locais e a metodologia da História Oral. Infelizmente são escassos os registros
documentais do Zíngaros, restando apenas três cadernos de atas, que remetem aos anos
de 1989 até 1998. Sabemos da importância de se conferir analise nos documentos
produzidos pelos sujeitos estudados, pois como bem pontua Silva, essas fontes “são
tidas enquanto constructos narrativos culturais os quais necessitam ser analisados na sua
historicidade” (SILVA, 2013, p. 1). Porém, como tais documentos do Clube são
escassos, iremos analisar os registros documentais que dispomos.
Sobre a metodologia da História Oral, esta permite “mergulharmos” nas
memórias acerca da experiência do clube, possibilitando, através de entrevistas, obter
“outras” compreensões acerca das relações sociais em Bagé. Para Alberti (2008), a
importância da História Oral se dá pelo fato de ser um “caminho interessante para se
conhecer e registrar múltiplas possibilidades que se manifestam e dão sentidos a formas
de vida e escolhas de diferentes grupos sociais, em todas as camadas da sociedade”
(ALBERTI, 2008, p. 164).
Cabe frisar a importância da conjuntura no qual o Zíngaros emergiram, no caso
o pós-abolição. Nesse contexto de acentuação das relações raciais no Brasil, a
comunidade negra buscou meios de driblar e lutar contra o preconceito racial e os
estigmas que as teorias racialistas2 pregavam para este grupo.
O período pós-abolicionista será tomado aqui enquanto campo de disputas, no
qual os sujeitos negros (re) elaboraram identidades e acionaram práticas e ações
políticas para sua afirmação dentro de um cenário, que evidentemente, estavam em
desvantagem. Mesmo estando em condições desfavoráveis os negros não foram sujeitos
submissos e que assistiram calados a implementação da República brasileira. Nesse
sentido, a afirmação de Domingues (2009) torna-se fundamental para entendermos as
(re) elaborações identitárias dos negros no pós-abolição, no qual segundo o autor,
As experiências acumuladas durante a escravidão (a saber: as
identidades plurais; a valorização da família; os laços de amizade,
solidariedade e compadrio; os padrões de moralidade, ética e honra; o
papel da mulher nas relações de gênero; as estratégias de negociação,
acomodação, conflito e politização do cotidiano; a vida associativa em
irmandades, confrarias e agremiações mutualistas) não foram
apagadas da memória, mas reelaboradas e projetadas dinamicamente
no período do pós-abolição (DOMINGUES, 2009, p. 239).
Na cidade de Bagé acreditamos não ter sido diferente, pois na pesquisa em
jornais locais e os relatos obtidos através da História Oral nos mostram que a
comunidade negra bageense buscou sua visibilidade numa sociedade demarcada
racialmente, seja através da formação de blocos de carnaval, de clubes recreativos e
inclusive na formação de uma liga de futebol voltada para o segmento negro3.
Para Silva (2013), estes espaços forjados pelo grupo negro foram criados como
resposta à sociedade ao qual estavam inseridos, configurando-se enquanto espaços
racializados. Interessante notar que em Bagé houve locais em que negros não
circulavam, como é o caso da calçada do clube Comercial, situado na Avenida Sete de
2Sobre as teorias racialistas, a análise de Lilia Schwarcz se torna interessante, em que a autora afirma que
tais teorias, gestadas na Europa do século XVIII foram muito bem recebidas no Brasil, “servindo assim
“para explicar as diferenças e [justificar] hierarquias” (SCHWARCZ, 1993, p. 65). 3 Encontramos referência a uma liga de futebol de negros em Bagé, a liga 13 de Maio. Tal competição
reunia times de futebol amador da cidade, tais como o Sport Club Palmeiras, Riachuelo Foot-Ball Clube e
o Sport Clube União. Houve também disputas de partidas amistosas entre times de Bagé contra equipes
de Pelotas que disputavam a Liga José do Patrocínio. Fontes pesquisadas: O Palmeira, 06/11/1927 e A
Revolta, 25/05/1925.
Setembro, no centro da cidade 4 . Esses episódios evidenciam que numa sociedade
marcada pelo preconceito racial, para além de espaços públicos racializados, “as redes
sociais – de amizades, famílias, de contatos, de colaboração profissional – tendem a ser
racializadas” (MONSMA, 2013, p. 12).
Nesse sentido, a localidade de Bagé torna-se um importante lócus de estudo
sobre as relações raciais e sociais empreendidas pelos sujeitos negros no pós-abolição,
em que através da pratica da sociabilidade, os negros bageenses buscaram a valorização
do grupo mantendo diversas atividades entre os seus.
“De Qualquer Geito” surge os Zíngaros.
Com o objetivo de festejar o carnaval de rua em Bagé no ano de 1936, onze
homens acabaram por fundar, em dois de Janeiro deste ano, o Bloco Carnavalesco Os
Zíngaros5. O objetivo era o de congregar a comunidade negra bageense, proporcionando
um espaço de lazer e de folia pelas ruas da cidade. Em quatro de Abril de 1944, o bloco
é elevado à categoria de Sociedade Recreativa Os Zíngaros, mostrando, quem sabe
assim, seu crescimento na cidade e a necessidade de expandir suas atividades sociais e
recreativas. Já em quinze de Novembro de 1975, o clube passa a denominar-se
Sociedade Recreativa e Cultural os Zíngaros.
Desde o ano de seu surgimento que o clube ocupa lugar nas alternativas de
recreação local em Bagé, porém com um diferencial dos demais: é considerado pelos
bageenses como um espaço pertencente à comunidade negra, assim como os diversos
clubes negros que foram forjados no Rio Grande do Sul e demais estados brasileiros,
demarcando espaços de sociabilidade em um contexto de exclusão e discriminação
racial da população negra brasileira.
4 Segundo relato do Sr. Luis Barbosa, que pertenceu ao quadro diretivo do Zíngaros na década de 1970,
havia por parte da comunidade negra local consenso em ao chegar na calçada do clube Comercial,
atravessar a rua. 5 Fundaram o Bloco Carnavalesco Os Zíngaros: Pedro Mendes, Nadir Alves da Costa, Martím c.
Fernandes, Constantino Monteiro, Antonio Alves, Antonio S. Alves, Claudio Cavalheiro, Edmar C.
Madruga, Ferdinando Saraiva, Elias Bell e Gervasio Rodrigues. Estatutos da Sociedade Recreativa Os
Zíngaros. 1948. Typografia da Casa Maciel, Bagé.
Em entrevista realizada com o Sr. Ivoncléo Monteiro, homem negro e professor
aposentado, que foi presidente do Zíngaros de 1965 a 1992, o mesmo disse que o bloco
dos Zíngaros foi fundado a partir do Rancho Carnavalesco De Qualquer Geito6. Como
observamos na pesquisa nos jornais locais, ainda no ano de 1938 encontra-se referência
ao Qualquer Geito no carnaval de rua de Bagé7. A partir disso, podemos cogitar a
hipótese de que o bloco do Zíngaros surgiu de uma dissidência do rancho De Qualquer
Geito. Essas dissidências eram comuns dentro dos espaços recreativos dos negros, pois
nem sempre tais espaços foram permeados por laços harmoniosos e houveram muitas
disputas em torno de projetos, cargos diretivos e os rumos que muitas sociedades
tomariam. Dentro do próprio Zíngaros aconteceu uma dissidência na década de 1960, no
qual alguns sócios, dentre eles o Sr. Ivoncléo Monteiro, fundaram o Aurora Social
Clube.
Este clube, que teve uma duração efêmera dentro do cenário recreativo negro
bageense, se caracterizou por manter certo padrão de exigência por parte da direção,
principalmente no que tange as vestimentas dos seus associados. Infelizmente não há
nenhum documento do clube que tenha resistido ao tempo, porém este ainda está
presente nas memórias do grupo negro bageense8.
Com relação ao Zíngaros, a partir do ano de 1944 este bloco torna-se uma
sociedade Recreativa, utilizando os salões da Sociedade União Operária para a
realização de seus bailes e festejos, localizado na atual rua João Teles, no centro da
cidade. No dia vinte e um de março ano de 1948 é aprovado em assembleia geral
extraordinária o primeiro estatuto da sociedade, que foi elaborada por uma comissão
composta por Manoel Arideu Monteiro, José Moraes de Lima, José Antônio Corrêa e
Santiago da Rosa.
Na época, a direção da sociedade era composta pelos seguintes sujeitos:
6 Depoimento do Sr. Ivoncléo Monteiro. Concedido ao autor no dia 16/05/2016. 7 Correio do Sul, 18/02/1938. 8 Em entrevista realizada pelo autor com o Sr. Vilmar Paiva dos Santos, no dia 10/05/2016, o mesmo
afirma que na década de 1960 o Aurora Social Clube recebeu a visita do cantor e sambista Jamelão, sendo
este um dos momentos mais marcantes da rápida existência do referido clube.
Nome Cargo Profissão
Antônio Alves Presidente de Honra --------------
Fonte: Estatutos da
Sociedade Recreativa
Os Zíngaros.
1948. Typografia
da Casa Maciel,
Bagé. SRCZ.
Com relação a profissão dos membros da diretoria presentes no quadro acima,
percebe-se que há empregos que eram de difícil acesso para negros naquele contexto,
como é o caso de Manoel Arideu Monteiro, que era professor, e Norberto Moreira e
Oscar Martins Presidente de Honra --------------
Elias Bell Presidente de Honra Sapateiro
Santiago da Rosa Presidente Efetivo Escriturário
Amancio F. do Prado Vice-presidente --------------
José Antônio Corrêa 1º Secretário --------------
Eugênio Machado 2º Secretário --------------
Norberto Moura Moreira 1º Tesoureiro Escriturário
Hormar Santos Ramos 2º Tesoureiro --------------
Gregorio Dutra 1º Procurador --------------
Vilmar Rodrigues 2º Procurador --------------
José Moraes de Lima Orador --------------
Adão Silva Mércio Orador --------------
Constantino Monteiro Diretor Fiscal Pintor
Manoel C. Bittencourt Diretor --------------
Vicente Lopes Diretor --------------
Walter Santos Bell Diretor Sapateiro
Pedro Mendes Diretor Ferroviário
Elias Santos Bell Diretor Sapateiro
José Carlos Lima Diretor --------------
Moacir Corrêa Vieira Diretor --------------
Luiz Gonçalves Diretor --------------
Adão Santana Lacrote Diretor --------------
Nadir Alves da Costa Diretor Sapateiro
Manoel Arideu Monteiro Diretor Professor
Danglares C. Moraes Diretor --------------
Sebastião Santos Diretor --------------
Antonio P. Machado Diretor --------------
Martin Corrêa Fernandes Comissão de contas Marceneiro
Teodoro Gomes Garcês Comissão de contas --------------
João Pereira Moraes Comissão de contas --------------
Santiago da Rosa, que exerciam a profissão de escriturário. O interessante é que se
levarmos em conta os empregos dos fundadores do bloco do Zíngaros, ainda no ano de
1936, dos onze nomes, seis aparecem com a profissão de sapateiro, um como pintor, um
eletricista, um enfermeiro, um ferroviário e um marceneiro. Atentando para essas
profissões, nota-se que na grande maioria eram empregos considerados estáveis
financeiramente.
Nesse sentido, a análise de Escobar (2010) se torna interessante, pois segundo a
autora, estar empregado e ser um profissional assalariado significava mobilidade social
para a população negra. O trabalho livre estável somado com a organização destes
profissionais negros viabilizou a formação de elites negras (ESCOBAR, 2010, p. 72).
Acredito que esses critérios devem ser levados em consideração com os membros
fundadores do Zíngaros, pois estes tinham cargos empregatícios que a grande maioria
dos negros não tinham acesso, como é o caso de Antonio Alves, cuja profissão era a de
enfermeiro.
Sobre o estatuto da sociedade, percebemos que há certa rigidez com relação a
postura que se deve ter para se associar, como é observado no artigo número dois do
referido estatuto, no qual escreve-se que “todo o cidadão para ser admitido como sócio é
preciso ser moralizado e que não se dê á prática de maus costumes, assim como a
senhora ou senhorita é preciso ser de conduta inatacável 9 . Observa-se assim certa
similaridade com as práticas adotadas pelo clube Fica Ahí da cidade de Pelotas, pois
segundo Loner E Gill (2007),
“O clube Fica Aí era o mais exigente em termos de seus estatutos e
contava com uma estrita vigilância por parte da diretoria sobre o
comportamento de seus membros, especialmente do sexo feminino,
mantendo uma acesa e feroz discriminação contra aqueles que não
aceitavam suas imposições sobre a moral e os costumes (LONER e
GILL, 2007, p. 2-3).
No Zíngaros também havia uma vigilância por parte da direção no
comportamento feminino, e isso se reflete não só em algumas partes do estatuto, como
também em relatos orais. No artigo 35 do estatuto observa-se que “só poderão fazer
parte da sociedade como sócias efetivas, as senhoras e senhoritas, cuja honestidade não
se possa por em duvida”10. Em depoimento do Sr. Ivoncléo Monteiro, o mesmo afirmou
que na década de 1960 presenciou uma cena no clube em que uma moça não pôde
9 Estatutos da Sociedade Recreativa Os Zíngaros. 1948. Typografia da Casa Maciel, Bagé. p. 4. 10 Estatutos da Sociedade Recreativa Os Zíngaros. p. 19.
dançar, pois um membro da equipe diretiva descobriu que esta não era mais virgem. A
partir disso, a moça teve de permanecer sentada todo o momento em que os demais
sócios dançavam11.
Ao mesmo tempo em que eram submetidas a certos constrangimentos e
humilhações em um espaço regido majoritariamente por homens, as mulheres negras
presentes nos clubes sociais eram as principais responsáveis por certas atividades e
muitas vezes por ajudar a tirar os clubes de situações financeiras de risco.
Analisando a trajetória do Clube [negro] Gaúcho, forjado na cidade de Caxias do
Sul no ano de 1934, Fabrício Gomes (2008) percebeu que a ala feminina deste clube era
a principal responsável por ajudar nos momentos que a sociedade passava por
dificuldades financeiras. Também nesse sentido Taiane Lopes (2015) observou que a
atuação das mulheres negras do Clube Social negro 24 de Agosto foi fundamental na
consolidação de diversas atividades, mostrando que mesmo envolto de vários conjuntos
de normas e padrões impostos pelos homens, as mulheres negras presentes nos espaços
dos clubes sociais protagonizaram muitas ações e lutas e foram fundamentais para a
manutenção destes espaços.
Até o momento da pesquisa encontramos apenas uma referência a um centro
feminino que atuava dentro do clube Os Zíngaros, no ano de 194912. Ademais, além de
atuarem de forma decisiva para a manutenção do clube, mesmo não fazendo parte de
quadros diretivos, as mulheres também protagonizavam as escolhas das rainhas de
carnaval e da primavera, momentos de extrema importância na vida social do clube.
Como escrito anteriormente, assim que se consolidou enquanto sociedade, Os
Zíngaros realizavam seus bailes e festas nos salões da União Operária de Bagé. A partir
do ano de 1949 o clube começou a realizar uma campanha para a aquisição de sua sede
própria, como é possível perceber através do anúncio que transcrevemos abaixo:
Sociedade recreativa os zíngaros – baile de neve – Conforme vem
sendo amplamente anunciado esta sociedade, em continuação a seu
11 Depoimento do Sr. Ivoncléo Monteiro concedido ao autor no dia 16/05/2016. 12 No ano de 1949, o Jornal O Palmeira divulgou uma festa que será realizada pelo Zíngaros, sendo a
noticia a seguinte: “A Sociedade Recreativa Os Zíngaros, convida seus associados para o grandioso Baile
da Neve, que se realizará na noite de 27 do corrente, em sua sede social. Nota – Qualquer informação
com referencia a esta festa poderá ser dada aos cavalheiros pela diretoria e as senhoras e senhorinhas
pelo centro feminino da sociedade”. (grifos do autor). O Palmeira, 07/08/1949.
programa de festas, realizará no próximo dia 27, o seu grande baile da
neve. Intensos são os trabalhos e o entusiasmo entre “Zíngaros”, para
esta festa, que esperam superar todas as já realizadas e que terá a
presença de comissões de outras cidades vizinhas. Em nosso próximo
numero, daremos maiores detalhes do que será essa noitada.
Campamha da sede própria – A diretoria desta sociedade também,
deu inicio a uma grande campanha, em prol de sua sede própria.
Diversas são as modalidades que os Zíngaros empregarão para a
aquisição de fundos para a compra de sua sede, constando uma delas
de um Livro de Ouro, o qual já foi aberto, por alta gentileza, pelos
exmos. Srs. Drs. Valter Jobim e Carlos Kluwe, digníssimos
governador do estado e prefeito municipal, respectivamente, livro este
que será levado a todos os associados e simpatizantes dos Zíngaros.
(O Palmeira, 07/08/1949).
O anúncio acima se torna interessante, pois percebemos que através da
campanha para a aquisição de sua sede o Clube manteve relações com figuras políticas
importantes, tanto no contexto estadual, como é o caso do então governador do Estado
do Rio Grande do Sul, Valter Jobim, como também em âmbito municipal, com o então
prefeito municipal de Bagé Dr. Carlos Kluwe. No mesmo ano de 1949 três membros da
equipe diretiva do Zíngaros, sendo eles Santiago da Rosa, Amazonas Bittencourt e Julia
da Rosa viajaram a Porto Alegre para negócios do clube e lá foram recebidos pelo
governador Valter Jobim (O Palmeira, 07/08/1949). Isso mostra que as redes políticas
estabelecidas pelos membros do Clube eram vastas, saindo das do âmbito do município
de Bagé.
Cabe frisar a importância do contexto em que tais relações foram estabelecidas
pelos membros do clube. O Estado Novo foi palco de transformações no imaginário da
construção da identidade nacional brasileira, influenciada principalmente pelos estudos
de Gilberto Freyre sobre a ideia de democracia racial, no qual negros e índios foram
incorporados enquanto integrantes da nação, pois havia a necessidade de uma unidade
nacional propagada pelo governo Vargas a partir da ideia de mestiçagem. Essa
conjuntura pode ter feito com que sujeitos negros ampliassem seus espaços de atuação,
aumentando suas redes políticas, sociais e profissionais, mesmo que de forma tímida.
Ao mesmo tempo em que mantinha relações com a elite política gaúcha,
membros do Clube também mantinham relações com entidades de classe, como é o caso
da Sociedade União Operária de Bagé - pois o clube usava seu espaço para a realização
de suas festas - bem como entidades de outros municípios. Em 1952 o clube realizou
uma excursão para a cidade vizinha de Lavras, onde foi convidado pelo Clube Operário
1º de Maio daquele município para a realização de um espetáculo (O Palmeira,
26/07/1952).
Importante notar a relação de blocos carnavalescos e clubes negros com as
entidades de classe presentes em Bagé, como é o caso da União Operária e da Liga
Operária, em que estas sociedades classistas sediam seus espaços para que diversas
entidades realizassem suas atividades13.
Pesquisando as cidades de Pelotas e Rio Grande entre os anos de 1888 a 1930,
localidades que possuíam um grande número de negros, Loner (2001) afirma que estes
eram o elemento operário por excelência, especialmente em Pelotas, devido ao alto
número de trabalhadores localizados nas charqueadas. No pós-abolição, a opção para os
negros de se organizarem em entidades de classe, “era mais essencial do que para
qualquer outro grupo de trabalhadores, pois representava uma das poucas esperanças de
melhoria de vida” (LONER, 2001, p. 240).
Ainda nesse sentido, a mesma autora defende a posição de que,
Os negros tentaram sua integração na sociedade através de sua
consolidação como trabalhadores, neste sentido, a luta pela
organização da classe operária ocupou papel importante na estratégia
de suas principais lideranças, aos quais participam, ao mesmo tempo,
de associações classistas e de associações negras (LONER, 2008, p.
252).
Mapeando o surgimento do Clube Social [negro] 24 de Agosto, localizado na
cidade fronteiriça de Jaguarão no ano de 1918, Nunes (2010) observou que este clube
foi forjado no âmbito do Circulo Operário Jaguarense por trabalhadores negros que
eram impedidos de frequentarem certos espaços, no qual o principal eram os clubes
sociais existentes na cidade. Estas informações são importantes para percebermos que as
organizações negras do período pós-abolicionista extrapolaram apenas as de caráter
recreativo e cultural, chegando ao âmbito das associações de caráter classista.
No ano de 1959, o legislativo bageense através de um projeto de lei nº 774,
autorizou a prefeitura a doar um terreno para a Sociedade Recreativa Os Zíngaros
13 Encontramos referência ao clube Recreativo dos cozinheiros, que utilizava os salões da Liga Operária
de Bagé (O 28 de Setembro, 23/10/1938), bem como os Blocos De Qualquer Geito e As Teimosas, que
também realizavam bailes no salão da referida sociedade. (O Teimoso, 22/01/1928). O Sr. Vilmar Paiva
dos Santos afirma que o Clube Carnavalesco Piratas do Amor utilizava os salões da Liga Operária para a
realização de suas festas de carnaval. (entrevista realizada em 10/05/2016).
edificar sua sede. Este terreno era localizado na Rua Dr. Veríssimo, próximo ao centro
da cidade. Segundo o projeto de lei, a construção deveria ser realizada no prazo de três
anos a partir da promulgação do oficio, ou seja, o Clube teria até o ano de 1962 para
concluir as obras, caso contrário o patrimônio seria revertido novamente ao município.
Devido à carência documental, não sabemos com exatidão se o Clube concluiu a
obra de sua sede no prazo dos três anos, porém o que sabemos é que no final da década
de 1960 o prédio do clube já estava de pé, situado no número 258-E da Rua Dr.
Veríssimo. Podemos atrelar a conquista da sua sede própria às relações políticas
estabelecidas pelos sujeitos do clube, pois não era fácil para um clube negro na cidade
de Bagé, uma localidade demarcada racialmente, conseguir através da prefeitura um
terreno para edificar sua sede.
Com a aquisição de sua sede, agora o clube teria mais fôlego para promover
atividades e fomentar os laços de solidariedade da comunidade negra bageense.
Também com a troca de sede, se deu uma renovação no quadro diretivo da sociedade,
entrando no ano de 1965 o professor Ivoncléo Monteiro. Monteiro é uma das figuras
mais ilustres do carnaval bageense, e foi enquanto presidente do Clube que ele
fomentou diversas atividades culturais e engajamento do grupo negro envolto do clube.
Ivoncléo Monteiro presidiu o Zíngaros de 1965 a 1992, período no qual o clube deu
destaque para o carnaval de rua de Bagé.
Em 1973, sob sua gestão, foi fundada a Academia de Samba Os Zíngaros, que
colocava o clube nas disputas do carnaval de escolas de samba de Bagé, disputando com
entidades tradicionais da cidade, como a Aliança, Ipanema e Copacabana. O fato de o
clube forjar uma escola de samba para concorrer no carnaval, denota que neste período
já existia um cenário competitivo no carnaval de rua de Bagé, no qual existiam diversas
entidades carnavalescas e escolas de samba localizadas em diversos bairros da cidade14.
A organização de sua escola de samba foi registrada pela imprensa local, como
por exemplo, o Jornal Correio do Sul, que no ano de 1973 publicou a seguinte matéria:
14 Sobre a importância do carnaval de rua de Bagé, ver: SILVA, Rafael Rosa. Nem confetes, nem
serpentina: a resistência do Bloco Burlesco Brasa Viva no carnaval de Rua de Bagé RS. Jaguarão:
UNIPAMPA, 2015 (trabalho de conclusão de Curso de Bacharelado em Produção e Política Cultural).
Academia de Samba “Os Zíngaros” – A Sociedade Recreativa e
cultural Os Zíngaros já está se preparando para os grandes festejos do
reinado de Momo e seu presidente promete grandes surpresas para
este carnaval, não só no clube, como também no carnaval de rua,
quando o pessoal daquela sociedade apresentará para os bajeenses a
“Academia de Samba Os Zíngaros”, com enredo, bonitas fantasias e
muita animação (Correio do Sul, 04/01/1973).
Nesse mesmo contexto, o clube Os Zíngaros também possuía um departamento
de futebol, que era coordenado pelo operário Vanderlei Barbosa, figura de muita
importância no quadro social do clube. Tudo indica que através dos esforços da equipe
diretiva, o Clube atuou em diversas frentes, sendo o futebol e o carnaval algumas delas.
Essas frentes de ação do clube podem ser tomadas enquanto projetos desta
sociedade de negros bageense, que objetivavam mostrar a localidade de Bagé que estes
sabiam se organizar e fomentar diversas atividades culturais, proporcionando lazer e
diversão para seus sócios. Mostrar-se organizados e estruturados era muito importante,
pois além de dar visibilidade aos agentes envolvidos, também elevava a autoestima dos
sócios e de sua equipe diretiva, afirmando assim o que Silva (2011) chamou de
identidade negra positiva.
Diversos clubes sociais negros do pós-abolição bancaram projetos para suas
inserções dentro dos espaços em que estavam inseridos. Como exemplo, podemos citar
a atuação do Clube Gaúcho, que tentou sua interação na cidade de Caxias
primeiramente através da prática do futebol e posteriormente através da criação da
escola de samba Os Protegidos da Princesa (GOMES, 2008). Ambas as atividades deste
clube tornaram-se fundamentais para dar visibilidade e evidenciar o protagonismo dos
sujeitos envolvidos em torno do clube.
Tais projetos também foram presentes no Clube Renascença, localizado no Rio
de Janeiro. Giacomini (2006) percebeu a atuação do clube em vários momentos
distintos, seja através da sua consolidação enquanto espaço familiar, depois a
valorização da mulher negra através de concursos de misses e posteriormente o
momento de expressão da negritude, no qual a autora percebeu o diálogo dos sujeitos
envolvidos no clube com as tendências Black Power, muito característico do
movimento negro norte-americano.
Percebe-se assim diversas estratégias de atuação de clubes negros no pós-
abolição. Seja no sul ou sudeste do Brasil, os sujeitos negros envolvidos em torno de
clubes sociais buscaram interagir de diversas formas nas localidades em que estavam
inseridos, configurando assim uma busca pela valorização da imagem e autoestima da
comunidade negra.
Para Os Zíngaros, a sua organização com relação ao carnaval deu frutos
positivos. A academia de Samba do clube ganhou o concurso de escolas de samba de
Bagé do ano de 1973, no primeiro ano em que desfilou, trazendo muito brilho, diversas
alas e maravilhosas fantasias (Correio do Sul, 08/03/1973).
O sucesso da academia de samba do clube foi tanto, que neste mesmo ano a
escola recebeu um convite para desfilar na cidade uruguaia de Melo. A imprensa local
cobriu esta excursão, momento em que a visibilidade do clube extrapolou as fronteiras
nacionais. Transcrevemos abaixo a matéria que o jornal publicou, pois mesmo sendo
um pouco longa, torna-se interessante para analisarmos a expansão das atividades
exercidas pelos membros do clube:
Na Passarela (sobre como foi em Melo) – No fim de semana, os
bageenses deram um “show” de carnaval para os vizinhos uruguaios.
Numa promoção do COMDETUR, atendendo a convite formulado
pela administração de Melo, esteve sábado naquela cidade a Escola de
Samba campeã do carnaval bageense. Contando com a participação de
todos os seus integrantes, a Escola de Samba Os Zíngaros desfilou e
sambou nas ruas da cidade oriental, mostrando aos uruguaios um
pouco do verdadeiro carnaval brasileiro. Além dos componentes da
escola, muita gente acompanhou a caravana e, o que é mais
importante, muitas pessoas que pareciam tão alheias ao samba, que
nos pareciam incapazes de vibrar com o carnaval, caíram na folia,
acompanhando o ritmo contagiante do Zíngaros. A opinião geral de
todos os que participaram da excursão é das mais favoráveis. “Tudo
certo, tudo muito bom”, é o que diz o pessoal que sábado esteve em
Melo. Isso é “Bagé em Expansão”. Nosso município, até bem pouco
vivendo apenas na lembrança dos velhos reinados momescos, agora,
podemos dizer, já exporta carnaval (Correio do Sul, 27/03/1973).
A Academia de Samba Os Zíngaros fez com que o nome do clube fosse levado
ao país vizinho, num momento muito importante da trajetória deste clube. O anúncio
acima se torna significativo, afirmando que agora a cidade de Bagé estava exportando
carnaval, e isso através da atuação de luxo de uma escola de samba formada pela
comunidade negra que atuava em torno do clube Os Zíngaros.
Esse episódio evidencia que a importância conferida pela direção do clube ao
período do carnaval deu resultados positivos, fazendo com que a cidade de Bagé
passasse a conhecer mais o clube Os Zíngaros.
Outros projetos foram levados adiante pela administração do clube, como a
valorização da mulher negra através de concursos de beleza, principalmente a Boneca
Café do Brasil e o Miss Mulata Zona Sul. Estes momentos foram de extrema
importância para a trajetória social do Zíngaros, elevando a autoestima da mulher negra
e fazendo com que o clube dialogasse com outros clubes co-irmãos, levando seu nome
para outras regiões.
A análise em torno deste clube de negros de Bagé que hoje tem oitenta anos está
longe de se esgotar, assim como os estudos das ações utilizadas pelos sujeitos negros no
pós-abolição, porém são um passo interessante para se perceber uma outra Bagé,
mostrando que dentro de um espaço racializado, negros e negras buscaram sua
valorização construindo espaços próprios para a convivência entre os seus.
Referências Bibliográficas
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Bagé.
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