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1. (Unb 2012) O emplasto

Um dia de manh, estando a passear na chcara, 3pendurou-se-me uma ideia no trapzio que eu tinha no crebro.

Uma vez pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais 1arrojadas cambalhotas. Eu deixei-me estar a contempl-la. Sbito, deu um grande salto, estendeu os braos e as pernas, 4at tomar a forma de um X: decifra-me ou devoro-te.

Essa ideia era nada menos que a inveno de um medicamento sublime, um emplasto anti-hipocondraco, destinado a aliviar a nossa melanclica humanidade.

6Na petio de privilgio que ento redigi, chamei a ateno do governo para esse resultado, verdadeiramente cristo. Todavia, no neguei aos amigos as vantagens pecunirias que deviam resultar da distribuio de um produto de tamanhos e to profundos efeitos. Agora, porm, que estou c do outro lado da vida, posso confessar 7tudo: o que me influiu principalmente foi o gosto de 9ver impressas nos jornais, mostradores, folhetos, esquinas e, enfim, nas caixinhas do remdio, 8estas trs palavras: Emplasto Brs Cubas. Para que neg-lo? Eu tinha a paixo do arrudo, do cartaz, do foguete de lgrimas. Talvez os 11modestos me arguam esse defeito; fio, porm, que esse talento me 10ho de reconhecer os 12hbeis. Assim, 5a minha ideia trazia duas faces, como as medalhas, uma virada para o pblico, outra para mim. De um lado, filantropia e lucro; de outro, 2sede de nomeada. Digamos: amor da glria.

Um tio meu, cnego de prebenda inteira, costumava dizer que o amor da glria temporal era a perdio das almas, que s devem cobiar a glria eterna. 13Ao que retorquia outro tio, oficial de um dos antigos teros de infantaria, que o amor da glria era a coisa mais verdadeiramente humana que h no homem e, consequentemente, a sua mais genuna feio.

Decida o leitor entre o militar e o cnego; eu volto ao emplasto.

Machado de Assis. Memrias pstumas de Brs Cubas. Obra completa, v. I. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992, p. 514-5 (com adaptaes).

Com relao ao texto acima, obra Memrias Pstumas de Brs Cubas e a aspectos por eles suscitados, julgue os itens subsequentes.

a) O compromisso do narrador com a verdade dos fatos, honestidade decorrente da vida alm-tmulo, e o seu interesse pela cincia e pela filosofia aproximam a narrativa de Memrias Pstumas de Brs Cubas da forma de narrar do Naturalismo, ou seja, da descrio objetiva da realidade.

b) As arrojadas cambalhotas (ref. 1) da ideia inventiva de Brs Cubas relacionam-se forma como Machado de Assis comps esse romance, no qual o narrador intercala a narrativa de suas memrias com divagaes acerca de temas diversos, o que produz constante vaivm na conduo do enredo.

c) A narrativa das diferentes faces de uma mesma ideia expressa a singularidade do realismo machadiano, que ultrapassa as convenes realistas focadas em desvelar as razes econmicas das causas humanitrias e alcana dimenso mais profunda: a de desnudar o cinismo com que filantropia e lucro so reduzidos a caprichos do defunto autor em sua sede de nomeada (ref. 2).

d) A partir de Memrias Pstumas de Brs Cubas, o conjunto da obra machadiana divide-se em duas fases: a primeira constituda por obras em que o foco narrativo em terceira pessoa e o tema revela interesse pela sorte dos pobres, como em Helena, por exemplo; a segunda formada de obras construdas a partir da perspectiva do narrador-personagem associado classe dominante local, a exemplo de Dom Casmurro.

e) No trecho pendurou-se-me uma ideia no trapzio que eu tinha no crebro (ref. 3), a combinao dos pronomes se e me exemplifica a variante padro da lngua portuguesa poca do texto. No que se refere ao portugus contemporneo, uma estrutura equivalente que manteria a nfase no sujeito da orao e a correo gramatical seria a seguinte: uma ideia pendurou-se no trapzio que eu tinha em meu crebro.

f) Se considerada a noo de signo lingustico no trecho at tomar a forma de um X: decifra-me ou devoro-te (ref. 4), observa-se uma relao no arbitrria entre o significado de X e o seu significante, assim como acontece com o signo ideia no trecho a minha ideia trazia duas faces, como as medalhas (ref. 5).

g) No trecho Na petio de privilgio que ento redigi (ref. 6), o pronome tem a funo de complemento do verbo.

h) O termo tudo (ref. 7) especifica e resume as ideias evocadas na estrutura aps o sinal de dois-pontos.

i) O termo estas trs palavras (ref. 8) complemento direto de ver (ref. 9) e sintetiza o termo coordenado que antecede essa expresso.

j) Em ho de reconhecer (ref. 10), o verbo auxiliar denota tempo futuro e de obrigatoriedade de ao, o que ratifica, no nvel estrutural, a oposio postulada pelo autor entre modestos (ref. 11) e hbeis (ref. 12).

k) No texto, o vocbulo sede (ref. 2) significa nsia, desejo e distingue-se de sede, local onde funciona a representao principal de firma ou empresa. No que se refere a esses dois vocbulos, o acento tnico o recurso da lngua com capacidade de discriminar os significados distintos.

l) No trecho Ao que retorquia outro tio, oficial (ref. 13), observa-se orao adjetiva como elemento modificador do aposto, que inicia o perodo.

2. (Unicamp 2012) Os trechos abaixo foram extrados de Dom Casmurro, de Machado de Assis.

Eu, leitor amigo, aceito a teoria do meu velho Marcolini, no s pela verossimilhana, que muita vez toda a verdade, mas porque a minha vida se casa bem definio. Cantei um duo ternssimo, depois um trio, depois um quatuor...

Nada se emenda bem nos livros confusos, mas tudo se pode meter nos livros omissos. Eu, quando leio algum desta outra casta, no me aflijo nunca. O que fao, em chegando ao fim, cerrar os olhos e evocar todas as cousas que no achei nele. Quantas ideias finas me acodem ento! Que de reflexes profundas! Os rios, as montanhas, as igrejas que no vi nas folhas lidas, todos me aparecem agora com as suas guas, as suas rvores, os seus altares, e os generais sacam das espadas que tinham ficado na bainha, e os clarins soltam as notas que dormiam no metal, e tudo marcha com uma alma imprevista.

que tudo se acha fora de um livro falho, leitor amigo. Assim preencho as lacunas alheias; assim podes tambm preencher as minhas.

(Machado de Assis, Dom Casmurro. Cotia: Ateli Editorial, 2008, p. 213.)

a) Como a narrativa de Bento Santiago pode ser relacionada com a afirmao de que a verossimilhana muita vez toda a verdade?

b) Considerando essa relao, explicite o desafio que o segundo trecho prope ao leitor.

3. (Ufmg 2012) Leia estes trechos:

TRECHO 1

O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescncia. Pois, senhor, no consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto igual, a fisionomia diferente. Se s me faltassem os outros, v; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna tudo. O que aqui est , mal comparando, semelhante pintura que se pe tia barba e nos cabelos, e que apenas conserva o hbito eterno, como se diz nas autopsias; o interno no aguenta tinta.

MACHADO DE ASSIS, J. M. Dom Casmurro. So Paulo: Globo, 1997. p. 3.

TRECHO 2

Desse antigo vero que me alterou a vida restam ligeiros traos apenas. E nem deles posso afirmar que efetivamente me recorde. O hbito me leva a criar um ambiente, imaginar fatos a que atribuo realidade.

RAMOS, Graciliano. Infncia. Rio de Janeiro: Record. 1984. p. 26.

A partir da leitura desses trechos, explique como, em cada uma das obras referidas, o narrador aborda as possibilidades de a escrita reconstituir o passado.

4. (Fuvest 2012) Leia o trecho de Dom Casmurro, de Machado de Assis, para responder ao que se pede.

Um dia [Ezequiel] amanheceu tocando corneta com a mo; dei-lhe uma cornetinha de metal.

Comprei-lhe soldadinhos de chumbo, gravuras de batalhas que ele mirava por muito tempo, querendo que lhe explicasse uma pea de artilharia, um soldado cado, outro de espada alada, e todos os seus amores iam para o de espada alada. Um dia (ingnua idade!) perguntou-me impaciente:

- Mas, papai, por que que ele no deixa cair a espada de uma vez?

- Meu filho, porque pintado.

- Mas ento por que que ele se pintou?

Ri-me do engano e expliquei-lhe que no era o soldado que se tinha pintado no papel, mas o gravador, e tive de explicar tambm o que era gravador e o que era gravura: as curiosidades de Capitu, em suma.

a) Se estabelecermos uma analogia ou um paralelo entre a gravura, de que se fala no excerto, e o romance Dom Casmurro, os termos gravador e gravura correspondero a que elementos internos do romance?

b) Continuando no mesmo paralelo entre gravura e Dom Casmurro, pode-se considerar que a lio dada pelo pai ao filho, a respeito da gravura, serve de advertncia tambm para o leitor do romance? Justifique sua resposta.