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PREPARAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE COMPLEXOS POLIELETROLÍTICOS DE ÁCIDO HIALURÔNICO-QUITOSANA PARA APLICAÇÃO COMO SCAFFOLDS DO PLASMA RICO EM PLAQUETAS Andréa A. Martins Shimojo 1 , Amanda G. Marcelino Perez 1 , Ana Amélia Rodrigues 2 , José Fábio S. D. Lana 2 , 1 , Ângela Cristina M. Luzo 3 , William D. Belangero 2 , Maria Helena A. Santana 1 1 Departamento de Engenharia de Materiais e de Bioprocessos, Faculdade de Engenharia Química, UNICAMP. 2 Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Faculdade de Ciências Médicas, UNICAMP. 3 Centro de Hematologia e Hemoterapia, Banco de Sangue de Cordão Umbilical, UNICAMP. E-mail: [email protected] Resumo. Complexos polieletrolíticos (PECs) são formados através da reação de polímeros de cargas opostas e constituem uma importante classe de materiais poliméricos utilizados em diferentes aplicações, tais como sistemas drug delivery, engenharia de tecidos e cicatrização de feridas. A ausência de agentes reticulantes na formação dos PECs favorece a biocompatibilidade e elimina a etapa de purificação do processo, e dependendo dos polímeros utilizados, estes sistemas são biodegradáveis e bioativos. O ácido hialurônico (AH) é um glicosaminoglicano (GAG) não sulfatado presente nos tecidos conjuntivos que pode influenciar diversas funções celulares, tais como migração, adesão e proliferação. A quitosana (Q) é um polímero natural, biocompatível e sua natureza catiônica permite interações eletrostáticas dependentes do pH com GAGs, e proteoglicanos, ambos aniônicos, distribuídos amplamente por todo o corpo e com outras espécies negativamente carregadas. Esta propriedade é um dos elementos mais importantes para a aplicação de quitosana na engenharia de tecidos, pois numerosas citocinas e fatores de crescimento são conhecidos por serem ligados e modulados por GAGs. Neste estudo foram preparados scaffolds por liofilização (freeze-dried), a partir de complexos polieletrolíticos de AH (massa molar=10 6 Da) e Q (massa molar viscosimétrica=296,6 kDa e grau de desacetilação=80,4%) em diferentes razões mássicas (AH:Q 90:10, 80:20, 70:30, 60:40 e 50:50). A formação dos PECs foi confirmada através de bandas de absorção características por espectroscopia no infravermelho (FT-IR). Os scaffolds foram caracterizados quanto à morfologia por microscopia eletrônica de varredura (MEV), propriedades mecânicas de compressão e de intumescimento com tampão de fosfato salino (PBS) e com Plasma Rico em Plaquetas (PRP) previamente preparado e caracterizado. Os resultados obtidos são descritos e apresentados neste trabalho. Palavras-chave: Ácido hialurônico, Quitosana, PRP, PEC, Scaffolds 1. INTRODUÇÃO

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PREPARAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE COMPLEXOS POLIELETROLÍTICOS DE ÁCIDO HIALURÔNICO-QUITOSANA PARA APLICAÇÃO COMO SCAFFOLDS DO PLASMA RICO EM PLAQUETAS

Andréa A. Martins Shimojo1, Amanda G. Marcelino Perez1, Ana Amélia Rodrigues2, José Fábio S. D. Lana2,1, Ângela Cristina M. Luzo3, William D. Belangero2, Maria Helena A. Santana1

1Departamento de Engenharia de Materiais e de Bioprocessos, Faculdade de Engenharia Química, UNICAMP.

2Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Faculdade de Ciências Médicas, UNICAMP.

3Centro de Hematologia e Hemoterapia, Banco de Sangue de Cordão Umbilical, UNICAMP.

E-mail: [email protected]

Resumo. Complexos polieletrolíticos (PECs) são formados através da reação de polímeros de cargas opostas e constituem uma importante classe de materiais poliméricos utilizados em diferentes aplicações, tais como sistemas drug delivery, engenharia de tecidos e cicatrização de feridas. A ausência de agentes reticulantes na formação dos PECs favorece a biocompatibilidade e elimina a etapa de purificação do processo, e dependendo dos polímeros utilizados, estes sistemas são biodegradáveis e bioativos. O ácido hialurônico (AH) é um glicosaminoglicano (GAG) não sulfatado presente nos tecidos conjuntivos que pode influenciar diversas funções celulares, tais como migração, adesão e proliferação. A quitosana (Q) é um polímero natural, biocompatível e sua natureza catiônica permite interações eletrostáticas dependentes do pH com GAGs, e proteoglicanos, ambos aniônicos, distribuídos amplamente por todo o corpo e com outras espécies negativamente carregadas. Esta propriedade é um dos elementos mais importantes para a aplicação de quitosana na engenharia de tecidos, pois numerosas citocinas e fatores de crescimento são conhecidos por serem ligados e modulados por GAGs. Neste estudo foram preparados scaffolds por liofilização (freeze-dried), a partir de complexos polieletrolíticos de AH (massa molar=106 Da) e Q (massa molar viscosimétrica=296,6 kDa e grau de desacetilação=80,4%) em diferentes razões mássicas (AH:Q 90:10, 80:20, 70:30, 60:40 e 50:50). A formação dos PECs foi confirmada através de bandas de absorção características por espectroscopia no infravermelho (FT-IR). Os scaffolds foram caracterizados quanto à morfologia por microscopia eletrônica de varredura (MEV), propriedades mecânicas de compressão e de intumescimento com tampão de fosfato salino (PBS) e com Plasma Rico em Plaquetas (PRP) previamente preparado e caracterizado. Os resultados obtidos são descritos e apresentados neste trabalho.

Palavras-chave: Ácido hialurônico, Quitosana, PRP, PEC, Scaffolds

1. INTRODUÇÃO

Complexos eletrolíticos (PECs) são complexos formados entre polímeros de cargas opostas e constituem uma importante classe de materiais poliméricos utilizados em diferentes aplicações, tais como sistemas drug delivery, engenharia de tecidos e cicatrização de feridas [1].

A formação e as propriedades dos PECs dependem da razão das cargas aniônicas e catiônicas dos polímeros, do grau de neutralização, da força iônica e da valência dos íons na solução eletrolítica.

A ausência de agentes reticulantes na formação dos PECs favorece a biocompatibilidade e elimina a etapa de purificação do processo, e dependendo dos polímeros utilizados, estes sistemas são biodegradáveis e bioativos.

Glicosaminoglicanos (GAGs) tais como sulfato de condroitina ou ácido hialurônico são encontrados na matriz extracelular (ECM), podendo assim ser utilizados na reconstrução de tecidos e na cicatrização de feridas. No entanto, a carga negativa destes GAGs reduzem a adesão celular limitando sua aplicação. Uma boa alternativa para superar este inconveniente é combinar estes GAGs com policátions tais como a quitosana formando os PECs.

Estes compostos são capazes de mimetizar a matriz extracelular permitindo o cultivo e a proliferação celular. Os PECs podem também mostrar bioatividade e apresentar interações específicas com fatores de crescimento, receptores e proteínas de adesão. Além disso, os GAGs incorporados nos PECs são protegidos de enzimas hidrolíticas específicas, aumentando seu tempo de vida no sítio de aplicação [2].

Os PECs devem ser preparados entre o pKa do poliânion e pKb do policátion.

Nos PEC de AH e quitosana, o pKa de AH é 2,9, e o pKb da quitosana é 6.5. Portanto, se o PEC é formado entre o pKa do AH e o pKb da quitosana, a seguinte equação é estabelecida [3]:

[AH-COO- ]+ [quitosana-NH3+] ⇆ [AH-COO- ][NH3+-quitosana]

No entanto, Denuziere e colaboradores (1996) relataram que PECs de AH e Q também podem ser formados abaixo do pKa do AH, porque a interação iônica entre os poli-íons compete com a protonação do AH e neste caso, os PECs são formados em duas etapas [4].

Na primeira etapa ocorre a desprotonação do grupo carboxílico do AH, e na segunda etapa ocorre a reação entre o NH3+ da quitosana e o grupo carboxílico do AH ionizado:

[AH-COOH] ⇆ [AH-COO- ][H+]

1ª. Etapa

[AH-COO-]+ [quitosana-NH3+]⇆[AH-COO-][NH3+-quitosana]

2ª. Etapa

Durante a complexação, os polieletrólitos podem coacervar e formar hidrogéis mais ou menos compactos. No entanto, se as interações iônicas forem muito fortes a formação dos hidrogéis será impedida e poderá ocorrer precipitação. A precipitação pode ser evitada se atração eletrostática for enfraquecida pela adição de sais, tais como NaCl. Com isto obtém-se uma mistura viscosa, homogênea macroscopicamente a qual pode gelificar com a redução de temperatura [5].

Os scaffolds de AH-Q descritos neste trabalho foram preparados por congelamento controlado e liofilização (freeze-dried) de complexos polieletrolíticos de AH-Q preparados em pH 2-3, com diferentes razões mássicas, conforme Lee e colaboradores (2003) [3]. Os scaffolds foram caracterizados quanto à morfologia, propriedades de intumescimento em PBS e em plasma rico em plaquetas (PRP), propriedades mecânicas de compressão e degradação in vitro em PBS. As propriedades de intumescimento em PRP foram avaliadas visando posterior aplicação na liberação controlada de fatores de crescimento do PRP e aplicação na engenharia de tecidos.

O PRP pode ser definido como uma fração do plasma do sangue autólogo com concentração plaquetária acima da basal [6]. As plaquetas são ricas em fatores de crescimento (FCs), que são potentes estímulos no reparo de tecidos, uma vez que estão envolvidos no processo angiogênico, reconstrução da matriz extracelular e tecido ósseo [7].

2. PARTE EXPERIMENTAL

MATERIAIS

Os scaffolds de AH-Q foram preparados a partir de ácido hialurônico (1% massa/ massa) de massa molar ponderal média (Mw) de 2 x 106 Da, e de quitosana de massa molar viscosimétrica média (Mv) de 2,96 x 105 Da e grau de desacetilação (GD) de 80,4 ± 3,1 %. A quitosana foi adquirida na Empresa Polymar® (Fortaleza, Brasil) e purificada segundo de protocolo descrito por Nasti e colaboradores (2009) [8]. O AH foi fornecido pela Empresa Galena Química e Farmacêutica Ltda. e produzido pela Empresa Nikkol Group Companies (Tokyo, Japão). O PRP foi preparado a partir de sangue total humano, coletado em tubos a vácuo (Vacuette®), contendo citrato de sódio 3,2% como anticoagulante. O ácido fórmico (88%) usado neste trabalho é da marca J.T. Baker e os demais reagentes são da marca Synth exceto quando mencionado.

MÉTODOS

Preparação de PECS de AH-Q.

Os complexos polieletrolíticos (PECs) de AH-Q descritos neste trabalho foram preparados segundo protocolo descrito por Lee e colaboradores (2003) [3]. AH e quitosana nas proporções 90:10, 80:20, 70:30, 60:40 e 50:50 (massa/ massa) foram dissolvidos em solução aquosa de ácido fórmico 15%, mantendo a concentração final de polímero de 1%. A mistura reacional foi mantida sob agitação mecânica (agitador mecânico Fisatom 713D, impelidor do tipo pá dentada) de 2.000 rpm por 60 minutos. Neste ponto, água Milli-Q foi adicionada à mistura reacional até completa precipitação do PEC (pH 2-3). O precipitado formado foi centrifugado em centrífuga da marca Hettich Zentrifugen modelo Rotina 380R por 10 minutos a 10.000 rpm (12.745 g) e a água adicionada durante a precipitação foi removida. O precipitado de PEC foi então congelado em Ultrafreezer Vertical VIP Sanio a -80°C por 6 horas. Para a remoção de qualquer ácido fórmico remanescente, o precipitado congelado foi lavado com NaOH 0,05 mol.L-1 e água Milli-Q, e novamente congelado a -20 °C durante 24 horas.

Preparação de scaffolds de AH-Q

Os scaffolds foram preparados por liofilização dos PECs em liofilizador Liobrás L101 por 48 horas.

Preparação do Plasma Rico em Plaquetas

O PRP foi preparado através de uma etapa de centrifugação do sangue total em centrífuga marca Hettich Zentrifugen modelo Rotina 380R, a 100 x g por 10 minutos. Após a centrifugação o plasma rico em plaquetas isolado foi utilizado nos ensaios de intumescimento.

Caracterização do Plasma Rico em Plaquetas

O sangue total coletado e o PRP preparado foram analisados quanto à concentração de plaquetas em analisador hematológico Micros ES (Horiba®).

Caracterização estrutural

A caracterização química estrutural dos PECs de AH-Q foi realizada nas amostras liofilizadas através de espectroscopia no infravermelho. As análises foram realizadas em Espectrômetro de Infravermelho com Transformada de Fourier (FT-IR) da marca Thermo Scientific, modelo Nicolet 6700 (Madison/USA). As medidas foram feitas no modo ATR com o acessório SMART OMNI-SAMPLER, em faixa espectral entre 4000-675 cm-1, resolução de 4 cm-1 e 32 scans.

Morfologia

A morfologia dos scaffolds foi avaliada através de microscopia eletrônica de varredura (MEV), conforme Tan e colaboradores (2009), utilizado Microscópio Eletrônico de Varredura com Detector de Energia Dispersiva de raios-X modelo Leo 440i e EDS 6070 da marca LEO Electron Microscopy/Oxford (Cambridge, Inglaterra) [9]. Para a obtenção das micrografias foi utilizada tensão de aceleração igual a 5 kV e corrente do feixe igual a 50 pA. O diâmetro médio dos poros foi avaliado usando software UTHSCSA Image Tool Version 3.0 Final.

Porosidade

A porosidade dos scaffolds de AH-Q foi avaliada segundo protocolo descrito por Al-Munajjed e colaboradores (2008) [10]. Para isso, a densidade dos scaffolds foi calculada através da Equação 1 utilizando a massa e o volume de cada scaffold individual. A Equação 2 foi utilizada para calcular a densidade teórica das diferentes composições AH-Q. Através da Equação 3 foi então calculada a densidade relativa dos scaffolds usando a densidade de cada scaffold e a densidade teórica dos componentes. Assim, a porosidade dos scaffolds foi calculada conforme a Equação 4.

Equação 1

Equação 2

Equação 3

Equação 4

Propriedades de Compressão

Os testes mecânicos de compressão foram realizados nos scaffolds secos utilizando um equipamento servo hidráulico para ensaios mecânicos MTS modelo 810-Flex Test 40. Os ensaios foram efetuados com deformação de até 60%, à temperatura ambiente, com célula de carga de 1,5 kN e taxa de carregamento de 5 mm/min. O módulo de elasticidade à compressão foi calculado na secção linear inicial da curva de tensão-deformação quando a deformação foi inferior a 10% [11].

Propriedades de intumescimento

As propriedades de intumescimento (RI) foram avaliadas em solução tampão de fosfato salino (PBS) 10 mmol.L-1 (pH 7,2 ± 0,1) da marca LB Laborclin e em plasma rico em plaqueta (PRP). A razão de intumescimento (RI) foi determinada através da imersão dos scaffolds secos no meio adequado por 24 horas a 37ºC. A razão de intumescimento dos scaffolds foi calculada segundo a Equação 5:

Equação 5

Degradação in vitro

A degradação em PBS foi verificada através da perda de massa dos scaffolds com o tempo, segundo Tang & Spector (2007) [12]. Para isso, os scaffolds secos foram incubados em PBS à 37ºC e em tempos específicos foram novamente pesados após lavagem e secagem.

Análise Estatística

Cada experimento foi realizado em triplicata exceto quanto mencionado. Os dados são apresentados como a média ± desvio padrão (DP). As análises estatísticas foram realizadas com o uso do software Origin Pro Versão 8.6. Os dados experimentais foram submetidos à análise de variância (ANOVA ONE WAY) com um nível de significância de p< 0,05.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Concentração plaquetária no PRP

O PRP preparado apresentou concentração plaquetária de 495.000 plaquetas/mm3 (±11.367), cerca de 2 vezes superior à concentração plaquetária no sangue total, 221.500 plaquetas/mm3 (±500).

Caracterização estrutural

A caracterização estrutural dos scaffolds preparados a partir de complexos polieletrolíticos (PECs) de AH-Q em diferentes razões mássicas foi realizada por FT-IR através da comparação entre os espectros dos PECs com os espectros do AH e da Q (Figura 1). As atribuições das bandas de absorção foram realizadas segundo Coimbra e colaboradores (2011) [13]. Na região espectral entre 3600 e 2800 cm-1 estão presentes duas bandas de absorção alargadas tipicamente exibidas por polissacarídeos: a vibração do estiramento –OH (υO-H) correspondente a banda situada entre 3700 e 3000 cm-1, e a vibração do estiramento C-H (υCH), correspondente as bandas situadas entre 3000 e 2800 cm-1. Além disso, em ambos os espectros dos polissacarídeos, é possível observar o sinal da vibração do estiramento N-H (υNH) sobreposto a banda do O-H. O espectro de AH exibe diversas bandas altamente sobrepostas na região de vibrações de estiramento da carbonila (1800-1500 cm-1) derivadas das vibrações dos grupos acetamida e carboxilato presentes nas unidades de GlcNAc e GlcA, respectivamente. O pico mais intenso presente nesta região (~1610 cm-1) é atribuído à vibração do estiramento assimétrico no grupo carbonila do carboxilato (υCOO-). Sobrepostas com essa banda estão as bandas da amida I e II do grupo acetamida. A banda referente à amida I aparece como um ombro discreto em ~1650 cm-1 e a banda correspondente a amida II como um ombro mais pronunciado em ~ 1560 cm-1. No espectro da quitosana, a banda situada em ~1640 cm-1 foi atribuída ao υC=O do grupo amida (amida I) presente nas unidades acetiladas de quitosana. A banda em ~1550 cm-1 é o resultado da sobreposição das bandas da amida II (δNH + υC-N) dos grupos amida e a vibração de deformação do N-H (δ NH), dos grupos amina presentes nas unidades desacetiladas. O espectro dos PEC combina as bandas associadas ao AH e a Q. A sobreposição das vibrações da carbonila e da amida resultam em uma banda alargada situada entre 1700 e 1500 cm-1, com um pico em ~1600 cm-1, atribuídos à vibração de estiramento do grupo carbonila assimétrica do carboxilato do hialuronato de sódio. Em comparação com o pico de hialuronato de sódio, este pico aparece ligeiramente deslocado para a direita, o que pode ser interpretado como um indício de interações iônicas estabelecidas entre o grupo carboxilato do AH e o NH3+ da quitosana. Seguindo a mesma tendência, a vibração do estiramento simétrico do grupo carboxilato υs(COO-) do AH (~1420 cm-1) aparece também um pouco deslocada nos espectros do PEC (~1390 cm-1). Devido à sobreposição, é impossível distinguir qualquer sinal de vibração simétrica e assimétrica do NH3+, situada entre 1625-1560 cm-1 e 1550-1505 cm-1, respectivamente.

Espectro de FT-IR de AH (----), AH-Q 90:10 (..__..), AH-Q 70:30 (.......), AH-Q 50:50 (_._._) e Q (____) obtidos por ATR.

Morfologia.

A morfologia dos scaffolds que inclui tamanho de poros, porosidade e interconectividade são fatores essenciais para a atividade biológica de biomateriais, uma vez que eles permitem a migração, a adesão e a proliferação celular, bem como a vascularização.

Os principais fatores que controlam a morfologia são a composição das cadeias poliméricas e a densidade de reticulação e/ ou emaranhamento da rede.

O tamanho dos poros dos scaffolds pode ser modulado pela temperatura de congelamento e sua orientação pela geometria dos gradientes térmicos durante o congelamento.

A Figura 2 apresenta as imagens dos scaffolds de AH-Q preparados com diferentes razões mássicas dos polímeros usando ampliações de 250 .

Scaffolds tridimensionais porosos foram obtidos com sucesso por este método de preparação em todas as razões mássicas avaliadas.

Exceto no scaffold de AH-Q com razão mássica 70:30, observou-se uma microestrutura com poros fechados, com baixo grau de interconexão, sem orientação preferencial e distribuídos não uniformemente.

Já o scaffold preparado com razão mássica AH-Q 70:30 apresentou poros abertos, com distribuição mais homogênea e com interconexão aparente.

A Tabela 1 apresenta o diâmetro médio dos poros obtidos para as diferentes razões mássicas AH-Q.

Imagens de scaffolds de AH-Q preparados a partir de PECs com diferentes razões mássicas AH-Q: (a) 90:10; (b) 80:20; (c) 70:30; (d) 60:40; (e) 50:50. Aumento de 250 .

Tabela 1. Diâmetros médios de poros e valores de porosidade de scaffolds de AH-Q preparados com diferentes razões mássicas dos polímeros.

Razão Mássica AH-Q

*Diâmetro Médio de Poros (μm)

Porosidade (%)

90:10

103 ± 32

93,9 ± 0,9

80:20

49 ± 21

89,3 ± 0,3

70:30

301 ± 77

89,2 ± 1,5

60:40

193 ± 86

89,0 ± 0,7

50:50

157 ± 63

86,4 ± 0,6

*Valores são média ± desvio padrão (N=30).

**As barras de erro representam os desvios-padrões calculados a partir de 3 medidas. Diferença significante para *p <0,05.

Os valores de diâmetros médios dos scaffolds avaliados não apresentaram dependência da composição.

A porosidade dos scaffolds também é um parâmetro bastante importante para a ET, pois através dela pode-se controlar a migração de células nas estruturas 3D bem como o transporte de nutrientes e resíduos.

Os scaffolds preparados a partir de PECs com diferentes razões mássicas AH:Q apresentaram valores de porosidades maiores que 85%. Observou-se também um aumento da porosidade com o aumento da concentração de AH, conforme obtido por Ren e colaboradores (2009) [14].

O scaffold preparado a partir do PEC com razão mássica AH-Q 70:30 apresentou propriedades morfológicas adequadas para a engenharia de tecidos.

Propriedades de intumescimento e degradação in vitro

A difusão e a troca de nutrientes (oxigênio, por exemplo), e de resíduos através dos scaffolds estão diretamente relacionados com suas propriedades de intumescimento. Ambos AH e Q apresentam um grande número de grupos hidrofílicos (grupos hidroxílicos, carboxílicos e amino) que podem promover a absorção de água pela estrutura.

A capacidade de intumescimento foi avaliada por imersão dos scaffolds em PBS e em água a 37°C durante 24 horas (Figura 3). Foi também avaliado o intumescimento do scaffold preparado com razão mássica AH:Q 70:30 em plasma rico em plaquetas (Figura 5).

Além disso, foi monitorada a perda de massa dos scaffolds in vitro através de incubação em PBS a 37°C (Figura 4).

Propriedades de intumescimento em H2O e em PBS de scaffolds de AH-Q preparados com diferentes razões mássicas AH-Q (90:10, 80:20, 70:30, 60:40, 50:50).

De acordo com a literatura, em soluções com pH 7 (H2O) e 7,2 (PBS), as amostras AH-Q intumescem para um valor máximo rapidamente (~30 minutos) e depois disto, a quantidade de líquido absorvido vai diminuído devido à perda de massa das amostras [15]. Quando as amostras estão intumescidas em soluções com pH superior ao pKb da quitosana (pKb=6,9), os grupos amino da Q não estão ionizados enquanto que os grupos carboxílicos do AH estão completamente ionizados. Com o aumento na densidade de cargas negativas, devido aos grupos carboxílicos ionizados do AH, as forças de repulsão eletrostáticas entre as cadeias de AH aumentam. Essa repulsão, juntamente com a diminuição das interações eletrostáticas entre os dois polissacarídeos desestabilizam a rede e há mobilidade oferecida para as cadeias de AH. Assim, durante a difusão do líquido através da rede, as cadeias de AH com maior susceptibilidade a remoção, isto é, as cadeias menores ou fragmentos; são solubilizadas. É importante ressaltar que o AH mostra boa solubilidade em condições próximas à neutralidade o que não é observado para Q, sugerindo que a perda de massa dos scaffolds nas condições avaliadas se dá devido à solubilização de uma parte das cadeias de AH.

Os resultados de degradação in vitro mostraram um aumento da perda de massa com o aumento da concentração de AH como esperado.

Degradação in vitro através de perda de massa em PBS para scaffolds preparados com diferentes razões mássicas AH-Q: 90:10 (▲); 80:20 (●); 70:30 (♦); 60:40 (▬), 50:50 (■). As barras de erro representam os desvios-padrões calculados a partir de 3 medidas.

A razão de intumescimento do scaffold de AH:Q 70:30 também foi avaliada em PRP visando posterior ensaio de liberação controlada dos fatores de crescimento do PRP neste scaffold.

Os resultados mostraram um menor valor de RI em PBS em relação ao PRP atribuído ao menor pH do PRP proveniente do citrato de sódio (pH=5,4) adicionado na sua preparação ou da acidez residual do scaffold que não foi tamponada em PRP.

Em valores de pH inferiores ao pKb da quitosana (pKb quitosana= 6,9), os grupos amino da estrutura de Q estão sob sua forma protonada (NH3+), e assim, eles interagem fortemente com o –COO- do AH. Esta forte interação faz com que a rede de polímero se mantenha estável e emaranhada, não expandindo significativamente. Sendo assim deveríamos esperar uma redução da absorção de líquidos, isto é, menor RI. Entretanto, esta forte interação faz com que não haja perda de massa devido à solubilização das cadeias de AH observadas com PBS justificando o maior RI obtido para o PRP.

Razão de intumescimento de scaffolds de AH-Q 70:30 em PRP e em PBS. As barras de erro representam os desvios-padrões calculados a partir de 3 medidas. Diferença significante para *p <0,05.

Como esperado, devido à natureza hidrofílica de ambos os polissacarídeos, o intumescimento das amostras apresentou um valor elevado (acima de 200%) nos dois meios avaliados. Apesar disso, os estudos de degradação in vitro mostraram que o scaffolds com maiores concentrações de AH não são resistentes à dissolução, mantendo menos de 50% de sua massa após 24 horas de incubação em PBS a 37°C.

Propriedades de Compressão

As propriedades mecânicas dos scaffolds utilizados na engenharia de tecidos são de grande importância em virtude da necessidade de estabilidade estrutural para resistir à manipulação, adesão e proliferação celular.

As propriedades mecânicas dos scaffolds dependem das propriedades mecânicas inerentes dos materiais e são altamente influenciadas pela estrutura de poros e tamanho de poro.

A Tabela 2 apresenta os valores dos módulos de compressão obtidos para os scaffolds de AH-Q preparados com diferentes razões mássicas. Todos os scaffolds avaliados exibiram um comportamento típico de esponja e valores dos módulos de Young independentes da composição. Observou maior resistência mecânica no scaffold preparado com razão mássica AH-Q 70:30.

Tabela 2. Módulos de Young de scaffolds de AH-Q preparados com diferentes razões mássicas. As barras de erro representam os desvios-padrões calculados a partir de 3 medidas.

Razão Mássica AH-Q

Módulo de Young (kPa)

90:10

78 ± 12

80:20

46 ± 11

70:30

199 ± 85

60:40

126 ± 34

50:50

118 ± 28

4. CONCLUSÃO

Neste trabalho foram preparados com sucesso scaffolds a partir de complexos polieletrolíticos de AH e quitosana em diferentes razões mássicas. Os PECs foram caracterizados por FT-IR através de suas bandas características. As análises por MEV permitiram a visualização da morfologia dos scaffolds que apresentaram uma estrutura porosa e irregular, que é uma característica importante para a aplicação em engenharia de tecidos. O scaffold preparado a partir do PEC com razão mássica AH-Q 70:30 apresentou propriedades morfológicas adequadas para a engenharia de tecidos. Todos os scaffolds apresentaram porosidades acima de 85%.

Como esperado, devido à natureza hidrofílica de ambos os polissacarídeos, o intumescimento das amostras apresentou um valor elevado (acima de 200%). Apesar disso, os estudos de degradação in vitro mostraram que os scaffolds com maiores concentrações de AH não são resistentes à dissolução, mantendo menos de 50% de sua massa após 24 horas de incubação em PBS a 37°C. Além disso, o intumescimento com PRP indicou dependência da razão de intumescimento com o pH. As propriedades mecânicas de compressão mostraram independência da composição. Os scaffolds de AH-Q preparados e caracterizados neste trabalho apresentaram propriedades físico-químicas promissoras para aplicação na engenharia de tecidos.

5. AGRADECIMENTOS

Ao CNPq pelo financiamento.

6. REFERÊNCIAS

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PREPARATION AND CHARACTERIZATION OF HYALURONIC ACID-CHITOSAN POLYELECTROLYTE COMPLEX FOR THE APPLICATION AS PLATELET-RICH PLASMA

SCAFFOLDS

Andréa A. Martins Shimojo1, Amanda G. Marcelino Perez1, Ana Amélia Rodrigues2, José Fábio S. D. Lana2,1, Ângela Cristina M. Luzo3, William D. Belangero2, Maria Helena A. Santana1

1Department of Materials Engineering and Bioprocesses, School of Chemical Engineering, UNICAMP. 2Department of Orthopedics and Traumatology, School of Medical Science, UNICAMP.

3Hematology and Hemotherapy Center, Umbilical Cord Blood Bank, UNICAMP.

E-mail: [email protected]

Abstract. Polyelectrolyte complexes (PEC) are formed by a reaction of oppositely charged polymers and they are an important class of polymer materials used in many applications such as drug delivery systems, tissue engineering and wound healing. The absence of crosslinking agents in the formation of PECs favors the biocompatibility and it eliminates the purification step, and depending on the polymers used, these systems are biodegradable and bioactive. Hyaluronic acid (HA) is a non-sulfated glycosaminoglycan (GAG) present in the connective tissue that may affect many cellular functions, such as migration, adhesion and proliferation. Chitosan (CHT) is a natural polymer, biocompatible and its cationic nature allows electrostatic interactions with glycosaminoglycans (GAGs) and proteoglycans, both anionic and distributed widely throughout the body, and other negatively charged species. This property has one of crucial importance for the application of chitosan in tissue engineering, because GAG molecules modulate the action of several cytokines and growth factors. In this study scaffolds were prepared by lyophilization (freeze-dried) of polyelectrolyte complexes of HA (molecular weight = 106 Da) and CHT (viscosimetric molecular weight = 296.6 kDa and deacetylation degree = 80.4%) at various mass ratios (HA:CHT 90:10, 80:20, 70:30, 60:40 and 50:50). The formation of PEC was confirmed by characteristic absorption bands in infrared spectroscopy (FT-IR). The scaffolds were characterized for morphology by scanning electron microscopy (SEM), mechanical properties of compression and swelling properties with phosphate buffered saline (PBS) and platelet-rich plasma (PRP) previously prepared and characterized. The results obtained are described and presented in this study.

Keywords: Hyaluronic Acid, Chitosan, PRP, PEC, Scaffolds

8590951001.450IntensidadeNúmero de Onda (cm-1)

156016101600164016501550

0,000,501,001,502,002,503,003,504,0090:1080:2070:3060:4050:50g H

2

O/ g scaffoldRazão Mássica AH:QH2OPBS

01020304050607080901000246810121416Massa de ScaffoldPerdida (%)Tempo (Dias)

9,14,0024681012PRPPBSg H

2

O/ g scaffold

*p< 0,05

8590951008001.2001.6002.0002.4002.8003.2003.6004.000IntensidadeNúmero de Onda (cm-1)