WALLON, Henri_As Origens Do Pensamento Na Criança (b)

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1 AS REVOLUÇÕES TECNOLÓGICAS A MULTIPLICIDADE DE LEITURAS A Terceira Onda Como um dos representantes da chamada corrente de autores pós-indus- trialistas, é preciso creditar a Alvin Toffler a genial intuição de uma Terceira Onda quando, ainda na década de 1960, boa parte dos pesquisa- dores acadêmicos mal concebia o que acabou sendo denominado "Terceira Revolução Industrial". Toffler distingue-se ao afirmar que a era da chaminé (ou da máquina) foi superada. Não haveria mais razões para falar de civilização industrial, mas de uma economia supersimbólica, que se baseia nos computadores, na troca de dados, de informações e de conhecimento. Toffler confere, assim, um mesmo estatuto teórico às três "ondas": à atual, que denomina Terceira e que corresponde a uma revo- lução da informação; 1 à Segunda, identificada como a revolução indus- trial; e à Primeira, entendida como a revolução agrícola. De maneira que a recente revolução tecnológica eqüivale a uma nova e terceira aceleração da história, e não a um novo desdobramento da Revolução Industrial. Subjaz à visão de Toffler, como a de outros autores pós-industrialistas, um viés tecnicista, 2 pois, ao eleger o fator técnico como motor da história, eles não levam em consideração as con- tradições sociais que fecundam e movem esta mesma história. Ora, temos excelentes razões para crer que, dissociadas das relações econô- micas, as invenções técnicas não frutificam ou não encontram aplicação. De fato, alguns casos clássicos do século I merecem lembrança. O moi- nho de água não teve uso geral em Roma e a máquina de ceifar, monta- CAPÍTULO

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WALLON, Henri_As Origens Do Pensamento Na Criança (b)

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  • 1AS REVOLUES TECNOLGICAS

    A MULTIPLICIDADE DE LEITURAS

    A Terceira OndaComo um dos representantes da chamada corrente de autores ps-indus-trialistas, preciso creditar a Alvin Toffler a genial intuio de umaTerceira Onda quando, ainda na dcada de 1960, boa parte dos pesquisa-dores acadmicos mal concebia o que acabou sendo denominado"Terceira Revoluo Industrial". Toffler distingue-se ao afirmar que a erada chamin (ou da mquina) foi superada. No haveria mais razes parafalar de civilizao industrial, mas de uma economia supersimblica, quese baseia nos computadores, na troca de dados, de informaes e deconhecimento. Toffler confere, assim, um mesmo estatuto terico s trs"ondas": atual, que denomina Terceira e que corresponde a uma revo-luo da informao;1 Segunda, identificada como a revoluo indus-trial; e Primeira, entendida como a revoluo agrcola.

    De maneira que a recente revoluo tecnolgica eqivale a umanova e terceira acelerao da histria, e no a um novo desdobramentoda Revoluo Industrial. Subjaz viso de Toffler, como a de outrosautores ps-industrialistas, um vis tecnicista,2 pois, ao eleger o fatortcnico como motor da histria, eles no levam em considerao as con-tradies sociais que fecundam e movem esta mesma histria. Ora,temos excelentes razes para crer que, dissociadas das relaes econ-micas, as invenes tcnicas no frutificam ou no encontram aplicao.De fato, alguns casos clssicos do sculo I merecem lembrana. O moi-nho de gua no teve uso geral em Roma e a mquina de ceifar, monta-

    CAPTULO

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    da sobre rodas, no foi adotada em larga escala. Por qu? Por causa dosinteresses em jogo nas relaes escravistas. Enquanto o suprimento dafora de trabalho escrava permaneceu abundante e vivel, a necessidadede investimentos em equipamentos, que viessem a poupar mo-de-obra,foi restringido. De forma similar, as mquinas a vapor no foram adota-das na produo, ainda que construdas por Heron de Alexandria (nosculo I a.C), por Leonardo da Vinci durante a Renascena ou porvrios outros inventores nos primrdios da Idade Moderna. Quais asrazes? As restries impostas pelas relaes escravistas, de incio, e,logo depois, pelas relaes feudais e pelas relaes latifundirias. Alis,mesmo quando algumas dessas mquinas foram montadas, elas acaba-ram nas cozinhas regias para girar espetos, ou foram parar nos palcos enos templos para operar "milagres teatrais", perfazendo os efeitos espe-ciais da poca.

    No contexto das relaes latifundirias (Idade Moderna) e das rela-es feudais (Idade Mdia), o maquinrio teve utilidade absolutamentemarginal em vista da abundncia de fora de trabalho, do uso extensivoda fora animal e da larga habilidade tcnica dos trabalhadores. Ento,para que se valer de fator substituto? Abordaremos mais adiante, e deforma pormenorizada, a terceira revoluo tecnolgica que Toffler tantoapregoou.

    A revoluo da qualidadeOutras interpretaes, ao lado da de Toffler, pretendem dar conta dastransformaes por que passa o mundo contemporneo e destacam,cada uma delas, alguma faceta decisiva. o caso da revoluo da quali-dade que projetou o Japo como um exemplo mundial, a partir da dca-da de 1980. O pas, alis, foi responsvel por um importante ponto deinflexo na concepo dos processos produtivos. Trata-se da rupturacom o fordismo - linha de montagem e produo em massa de produtospadronizados -, e sua substituio pelo toyotismo, que significa automa-o, informatizao, robs na produo, alta qualificao tcnica dostrabalhadores, responsabilizao da equipe executante pelo controle dequalidade, gesto que integra produo, administrao e engenharia deprojetos.

    As implicaes da revoluo da qualidade, porm, vo muito almdisso. Conferem satisfao dos clientes, destinatrios finais de toda e

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    qualquer produo, absoluta prioridade. Postergam ou diferem a obten-o do lucro, com base em uma estratgia de longo prazo. Inauguram aproduo flexvel e enxuta - produo por encomenda, taylor made, oulotes personalizados de dimenses reduzidas. Assentam-se na mobilizaogeral da organizao ou no controle da qualidade total. Fazem com que acpula se engaje na implantao do processo, de modo que o treinamen-to para a qualidade se estende a todas as funes. O aperfeioamentocontnuo - Kaisen - se ergue como bandeira norteadora. Os crculos daqualidade institucionalizam as opinies e as sugestes vindas do cho dafbrica. O objetivo geral de atingir "defeito zero" faculta a identificaode problemas operacionais e permite solucion-los in loco. A exignciade que os trabalhadores corrijam seus prprios erros lhes confere o direi-to de paralisar a linha, caso seja necessrio. A obedincia rigorosa aosrequisitos tcnicos e a conferncia integral das peas, a cada passo daproduo, superam tanto as tcnicas de inspeo a posteriori, quanto oprprio controle estatstico do processo.

    A razo de ser da gesto da qualidade total repousa na clara com-preenso de que as empresas devam atender, antes de mais nada, snecessidades do consumidor e, nessa esteira, "encant-lo", superandosuas expectativas. Um subproduto notvel dessa revoluo da qualidadeconflui com outras correntes de pensamento - notadamente a da contra-cultura e a do "conservacionismo ecolgico" - para a crtica ao desperd-cio generalizado, ao consumismo desenfreado e ao uso imprevidente derecursos naturais. Todas essas prticas haviam se instalado no Ocidente e,em particular, na sociedade americana. De fato, lanavam-se produtoscom obsoletismo programado, no intuito de forar novas compras eincentivava-se a utilizao de produtos descartveis.3 No se reciclavamlixo e bens inservveis4 e no se estimulava a venda de produtos biode-gradveis. Davam-se as costas utilizao de matrias-primas e de fontesde energia renovveis.

    Contra isso, insurgiu-se uma conscincia ecolgica com todas as suasrelevantes conseqncias. Em inmeros pases, aguou-se o discernimen-to quanto finitude dos recursos fsseis e quanto possibilidade de quegrande parte dos recursos naturais possa vir a esgotar-se. Desenvolveu-sea pesquisa de matrizes energticas alternativas e de produtos reciclveis ebiodegradveis. Caminhou-se para a reduo da quantidade de matria-prima utilizada na indstria e sua substituio por produtos sintticos.Advogou-se o respeito vida dos animais utilizados como insumos indus-

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    triais. Instituiu-se no campo empresarial uma "engenharia da confiabili-dade", assegurando aos consumidores, por um prazo razovel, produtossem ocorrncia de defeitos. Adotou-se, em suma, o ponto de vista docliente e praticou-se uma "filosofia da qualidade", que redefiniu porinteiro os padres de operao das empresas.

    A revoluo na gestoOutra leitura, de origem europia, diz respeito a uma revoluo na ges-to ou nas relaes de trabalho. Trata-se da revoluo organizacionalpromovida pela gesto participativa moda sueca (grupos semi-autno-mos) ou moda alem (sistema de co-gesto). O essencial desta rupturacom o taylorismo nos remete: democracia industrial, que projeta acolaborao entre patronato e sindicatos; e democracia no local de tra-balho, que leva gestores e trabalhadores a partilhar autoridade e respon-sabilidades.

    Duas vertentes so constitutivas da gesto participativa: a vertentepoltica da participao nas decises e a vertente econmica da participa-o nos lucros ou nos resultados (mais difundida).

    Participao nas decises. Na vertente poltica, os trabalhadoresobtm co-responsabilidade no processo tcnico e opinam sobreas suas condies de trabalho. Ao estabelecer uma ponte entregestores e trabalhadores, e ao institucionalizar a co-deciso noseio das organizaes, elimina-se a clara separao tayloristaentre os trabalhos de gesto e de execuo. A gesto participativasignifica, neste caso, gesto partilhada entre gestores e trabalhado-res, transferncia de micropoderes - anteriormente em mosgerenciais -, para equipes de executantes polivalentes. Constituiuma conquista marcada por inmeros vaivns. Seu rastreamentonos leva aos anos 20, quando sindicatos e partidos social-demo-cratas da Europa Ocidental j se empenhavam em introduzirnovas prticas na organizao do trabalho. Recentemente, osnorte-americanos retomaram as clssicas experincias europias eas reconstituram sob o rtulo bastante sugestivo de empower-ment ou de delegao de poderes.

    Participao nos lucros ou nos resultados. A vertente econmicarealiza-se atravs de mecanismos bastante variados: a distribuiode lucros ou de aes, a remunerao varivel associada ao

  • desempenho, os incentivos a longo prazo, o pagamento pela qua-lificao, a concesso de bnus ou prmios em salrios, a gratifica-o que se vincula tanto a ganhos de produtividade como redu-o de custos ou superao de metas empresariais, a concessode salrios indiretos, sejam benefcios sociais aos trabalhadores,sejam fringe benefits (ou mordomias) para os altos gestores.

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    REVOLUO TECNOLGICA leituras (1)

    A Terceira Revoluo IndustrialUma interpretao em voga no meio acadmico faz da revoluo tecno-lgica em curso a terceira fase da Revoluo Industrial e confere-lhe onome de batismo de Terceira Revoluo .Industrial. Privilegia, assim, abase tcnica da produo - a microeletrnica -, em contraste com asbases mecnica e eletromecnica anteriores. Frisa a importncia da auto-mao e da robotizao. Seguindo essa interpretao, algumas vozes che-garam a anunciar uma "revoluo da robtica", prenunciando uma eco-nomia de abundncia, que vir a realizar o sonho milenar de libertar oshomens da obrigao de trabalhar, tornando o labor uma tarefa volunt-ria e prazerosa. Descontados esses excessos, o enfoque em pauta d contado contedo crtico da mudana tecnolgica. H que alinhar, no entanto,duas objees:

    1. Acaba no sendo captada a transformao das relaes econmi-cas que antecede a vigncia da revoluo tecnolgica e lhe asse-

    Informao

    Qualidade

    Gesto

    Tcnico

    Estrutura produtiva

    Organizacional

    Terceira Onda (Toffler)

    Produo flexvel eenxuta; toyotismo;qualidade total

    Gesto participativa:empowerment eacesso a resultados

    REVOLUO ENFOQUE CONTEDO

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    gura o prprio xito, sucumbindo assim ao determinismo tecni-cista;

    2. No se resgata a importncia estratgica que a mudana nas rela-es de trabalho assumiu.5

    Introduzida a eletrnica como nova base tcnica para a produo, ostrabalhadores se transformaram em profissionais qualificados e passarama deter co-responsabilidade no processo de produo. Tais fatos contradi-zem a essncia da Revoluo Industrial e a transcendem de modo radical.Os trabalhadores, responsveis pela execuo das atividades produtivas,retomam a "posse" de seus instrumentos de trabalho, ou seja, recuperama "apropriao real" na linguagem de Marx.6 No pouco dizer, pois aRevoluo Industrial consagrou uma dupla separao dos trabalhadoresem relao aos meios de produo, ocorrida durante a Idade Moderna: aperda da propriedade econmica e a desqualificao tcnica.

    De um lado, os viles deixaram de ser proprietrios econmicos, emfuno do "fechamento dos campos", da grilagem e da usurpao dosbens comunais por latifundirios. Foram obrigados a vender seus servioscomo assalariados, o que caracteriza a separao entre a fora de traba-lho e a propriedade ("apropriao formal"). De outro lado, os artesos eos jornaleiros deixaram de possuir habilidade tcnica, no s em funoda diviso do trabalho de tipo manufatureiro - que j havia parcelado aproduo em tarefas distintas -, mas sobretudo em virtude da introduoda mquina-ferramenta. Esta tornou intil a qualificao e os longosperodos de aprendizagem, e provocou uma clara separao entre a forade trabalho e a gesto do processo produtivo. Completou, portanto, aperda da "apropriao real" por parte dos trabalhadores que eram exe-cutantes das atividades.

    Nos processos de produo industrial prevalece, no geral, o trabalhobraal, repetitivo, fragmentado, alienante e desqualificado, to bemrepresentado pelas linhas de montagem. Em contrapartida, nos processosde produo digitais, o tipo dominante de trabalho mental e polivalen-te. Enquanto os processos industriais tornam desnecessria a habilidadetcnica dos trabalhadores, e os convertem em agentes intercambiveis -dada a extrema facilidade que existe para substitu-los e para trein-los -,nos processos de produo digital os trabalhadores possuem escolaridadeprvia e alta qualificao tcnica. So, por isso mesmo, substituveis commaior dificuldade.

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    Por conseguinte, o novo modo de produo que se configura (capita-lista social ou "associativista") resolve a antiga dissociao entre os traba-lhadores e a "posse" dos instrumentos de trabalho, ao restituir-lhesalgum controle sobre o processo tcnico de trabalho. Apesar disso, noentanto, persiste outra dissociao: os trabalhadores permanecem nodetentores da propriedade econmica, na medida em que os resultadosdo trabalho (o sobreproduto), continuam apropriados privadamentepelos donos dos meios de produo.7 Est claro porm que, em funodas presses exercidas pela sociedade civil, parte no desprezvel dosexcedentes econmicos hoje redistribuda atravs de benefcios sociais ede salrios indiretos. Ficam assim minimizados, embora no eliminados,os efeitos da apropriao privada e altera-se o carter excludente do anti-go capitalismo.

    A Revoluo Digital constitui uma espcie de Revoluo Industrialao reverso, pois devolve aos trabalhadores feies artesanais. Entre-tanto, tal imagem no deve obscurecer um fato cardinal: a qualificaotcnica dos atuais trabalhadores no plenamente comparvel a dosartesos, que tinham capacidade de fabricar um produto por inteiro. Oexemplo das carruagens elucidativo. Sua fabricao supunha qualida-des profissionais polivalentes para que fosse possvel a manipulaotanto da madeira quanto do ferro, do couro como dos tecidos, e essasvrias operaes mobilizavam um autntico arsenal de ferramentasespecializadas. O mestre-arteso detinha, assim, um respeitvel patri-mnio tcnico, decorrente de longos e exaustivos anos de aprendiza-gem.

    Existem, claro, semelhanas com os profissionais atuais, sem queisso redunde numa plena superposio. Afinal, ningum obtm umemprego em empresas competitivas do final do sculo sem escolaridadeformal de primeiro ou segundo grau, isso quando no for exigida forma-o de nvel universitrio. Ningum se mantm empregado, tampouco,sem atualizar-se e reciclar-se de forma permanente, atravs de uma edu-cao continuada. Em contrapartida, poucos so capazes de fabricar umproduto por inteiro. Os profissionais digitais organizam-se em equipes e,como tais, do conta de processos complexos ou produzem bens e servi-os completos. Mas, em geral, no o fazem individualmente como os tra-balhadores artesanais.

    Apesar dessas observaes que convidam cautela - e j que a tecno-logia de produo de base eletrnica est em plena efervescncia -, no

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    cabe ser categrico quanto ao sentido dos desdobramentos futuros. Serque os trabalhadores, nas prximas dcadas, chegaro a assumir as fei-es de um novo tipo de artesos? difcil prever, mas a hiptese nodeve ser desprezada. De qualquer maneira, um fato notvel desponta: abase eletrnica da produo alterou o paradigma das relaes de traba-lho industriais. E da deriva a constatao capital: no se trata de umaterceira fase da Revoluo Industrial. Trata-se, isso sim, de uma autnticasuperao desta mesma revoluo, perfazendo uma revoluo do saber eda ciberntica, que se apia numa "economia da informao" ou nosetor quaternrio.8

    A revoluo do marketingOutra leitura relevante, quanto s transformaes contemporneas, nosremete revoluo do marketing. Trata-se de potente choque de merca-do sofrido por empresas que cresceram como "umbigos do mundo", soba gide de uma poltica de reservas de mercado. Tais empresas eram pro-tegidas por taxas alfandegrias ou por barreiras no-tarifrias e estavamamparadas por apoios governamentais creditcios ou fiscais, dentro dovelho paradigma nacional-desenvolvimentista. Abrigavam-se em merca-dos confinados, no-concorrenciais, em que pontificavam cartis e trus-tes. Viviam exclusivamente preocupadas com os prprios produtos e adinmica das disputas internas e dos lobbies externos centralizavam suasatenes.

    Em contraposio, as empresas definidas hoje como "voltadas para omercado" praticam estratgias sintonizadas com as expectativas dosclientes. Adotam produtos e processos que agregam valor, formulam pro-jetos de investimento, aplicam-se a desenvolver inovaes tcnicas, tudoem funo da plena satisfao daqueles que constituem a razo de ser desua existncia - os consumidores, os clientes, os usurios. Ou seja, o mar-keting conduz as empresas a nutrir um profundo respeito pelo destinat-rio final, contribui para instaurar um senso agudo das oportunidades demercado e orienta trabalhadores e gestores para que produzam com altaqualidade. A palavra de ordem passa a ser transferir valor para os consu-midores. E, mais ainda, consiste em estabelecer diferenciais em relao concorrncia, sem o qu as empresas feneceriam e morreriam.

    Assim, muitos autores rastreiam um vasto processo de extroversocomercial e de abertura competio internacional, que visa ao atendi-

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    mento superior das necessidades dos clientes e superao de todas assuas expectativas. Esse processo vai no sentido inverso ao das tendnciasanteriores: introverso e comando centralizado nas empresas, hegemoniados chefes ou pesada hierarquia, aes que promovem a destruio daconcorrncia atravs de incorporaes hostis, dumping, trustes, cartis,monoplios ou cartrios empresariais. Decorrem tambm da novas pr-ticas: os servios de assistncia ps-venda, as reas de atendimento aoconsumidor, os ombudsmen, a "engenharia da confiabilidade" paragarantir o uso adequado dos produtos por prazos previamente definidos,as pesquisas de mercado que do voz ao cliente, a parceria entre fornece-dores e compradores, os pr-testes para aferir o grau de receptividadedos consumidores.

    As empresas orientadas para o mercado so empresas competitivasque colocam o cliente no centro das atenes e tm por foco as necessi-dades dos compradores. So hbeis o bastante para coordenar todos osesforos para atingir os objetivos organizacionais. E so empresas queproduzem bens e servios melhores, em escalas maiores e a custosmenores.

    A Revoluo DigitalUm s momento de reflexo, todavia, sobre essas vrias "revolues" emandamento, nos leva a constatar que elas no so excludentes. Bem aocontrrio, complementam-se. Tanto que podem desembocar em outraleitura, de carter mais inclusivo, cujo conceito pode ser o de RevoluoDigital (ou Tecnocientfica). preciso, contudo, evitar uma leitura tecni-cista. Os cuidados consistem em inscrever a revoluo tecnolgica narevoluo econmica que est em curso, subordinando o fator tcnico srelaes capitalistas sociais ("associativistas") que lhe do substncia e oprecedem.

    A semelhana de Toffler, porm, a presente leitura reivindica oestatuto terico de uma nova acelerao da histria, ao mesmo ttuloque a Revoluo Neoltica e a Revoluo Industrial. Inclui com pro-veito as estratgias japonesas de qualidade, a gesto participativa euro-pia e a centralidade do cliente na acepo clarividente do marketing.Nega que se trate de uma terceira fase da Revoluo Industrial, emvirtude da qualificao tcnica readquirida pelos trabalhadores, trans-figurando as relaes de trabalho - ainda que confira igual destaque

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    REVOLUO TECNOLGICA leituras (2)

    3 Industrial

    Marketing

    Digital

    Tecnolgico

    Comercial

    Inclusivo

    Automao erobotizao

    Centralidade dosclientes

    C & T so fontes devalor; trabalhadoresco-responsveis

    base eletrnica da produo. Destaca tambm a cincia e a tecnologiacomo fontes de gerao de valor e como expresses da fora de traba-lho mental. Salienta, por fim, a ebulio histrica que comporta veto-res de extrema relevncia:

    Um novo sistema mundial de cunho competitivo, expresso peloprocesso de globalizao econmica;

    Um novo modo de produo capitalista social, que abriu espaopara a co-participao dos trabalhadores nos processos tcnicosde produo e nos benefcios do desenvolvimento econmico;

    Um novo tipo de sociedade, de carter tercirio e quaternrio.

    OS AZARES DO EVOLUCIONISMO

    Em geral, conceitos macro-histricos tendem ao determinismo lineare acreditam que foras transcendentais movem a histria da humani-dade, como se existisse alguma lei natural do Progresso ou da RazoSuperior. Os ecos recentes do iderio evolucionista, que tanto mar-cou o imaginrio do sculo XIX, provm da crena em "sucessesnecessrias" entre tipos de sociedade ou entre etapas do movimentohistrico. Anunciam a marcha ascendente da humanidade para umfuturo melhor. Por exemplo, a evoluo intelectual da humanidade,ou o progresso dos conhecimentos humanos, na lei dos trs estadosde Augusto Comte - teolgico, metafsico, positivo. Ou os estgios

    REVOLUO ENFOQUE CONTEDO

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    sucessivos por que passa a humanidade na concepo de LewisMorgan - estado selvagem, barbrie, civilizao. Ou ainda a lei geralda evoluo de Herbert Spencer que determina a sucesso cronolgi-ca das sociedades humanas - sociedades simples, compostas, dupla-mente compostas e triplamente compostas. Ou as famosas pocasprogressivas da formao social, decorrentes do desenvolvimento dasforas produtivas, na viso do marxismo vulgar - comunismo primiti-vo, escravismo, feudalismo, capitalismo, socialismo e comunismo,fase ltima da histria.

    Essas interpretaes decorrem mais de uma postura proftica do quede previso cientfica, porque resultam de postulados ideolgicos e defilosofias da histria que pretendem captar a "lei da evoluo social". Odesenvolvimento da humanidade obedeceria, assim, a uma direo nica,retilnea e contnua, passando de formas mais simples e mais grosseirasde organizao social para formas mais complexas e mais avanadas. Opercurso seguiria uma seqncia obrigatria de estgios.9

    Os conhecimentos antropolgicos e sociolgicos atuais, todavia,negam qualquer fundamento emprico a tais profisses de f. As socieda-des humanas no se submetem ao movimento de algum ciclo inelutvel.Sua evoluo e seu declnio dependem do embate entre uma pluralidadede interesses sociais. Entre quem e quem? Entre os prprios agentes cole-tivos que as habitam e que almejam alcanar objetivos de sua convenin-cia. No h sentido imanente algum que conduza as sociedades para umdestino imemorial. As foras sociais optam entre virtualidades ou "poss-veis histricos" estruturalmente demarcados.

    A REVOLUO NEOLTICAAfastadas essas filosofias da histria, de carter linear e teleolgico (desti-no predeterminado e fatalismo), podemos dizer que a primeira grandeacelerao da histria ocorreu no sudoeste da sia e nas regies ao redordo mar Mediterrneo, entre 8.000 e 5.000 anos antes da era crist. ARevoluo Neoltica, ou nova idade da pedra, contrasta com o perodopaleoltico, ou antiga idade da pedra, em que armas e utenslios resulta-vam da fratura e da separao de lascas. O mtodo utilizado passou a sero polimento das pedras e seu desgaste. Os agrupamentos primitivos dei-xaram de viver exclusivamente da caa, da pesca e da coleta de alimen-tos, tpicos do perodo paleoltico, e passaram a viver da agricultura, da

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    domesticao dos animais e do artesanato. Ganharam condies paratornarem-se sedentrios e para crescerem em termos numricos, namedida em que se converteram em produtores de alimentos. Garantiram,com isso, o acesso a vveres em todas as estaes do ano. As chaves resi-diam nos seguintes fatos: os azares da caa ou da pesca propiciavam ape-nas produtos perecveis que exigiam rpido consumo; a pecuria conver-teu rebanhos de gado em fontes sempre renovadas de carne fresca, comrezes abatidas conforme as necessidades; o cultivo da terra permitiu esto-car gros que no apodreciam to facilmente quanto os frutos.

    Como todo processo histrico de envergadura, a Revoluo Neol-tica desenvolveu-se em vrias partes do mundo num movimento delonga maturao. Foi precedida por transies bem ou malsucedidas, vai-vns sem nenhuma rgida ordenao: a protocriao de animais queviviam em manadas e eram canalizados num vale, sob o olho vigilante dehomens e de ces de guarda; a proto-agricultura, ou a coleta sazonal degros selvagens, que complementavam os produtos da caa.

    A descoberta da roda pelos sumrios, por volta de 3500 a.C, eqiva-leu a um verdadeiro combustvel: com ela, conseguiu-se ganhar tempo eeconomizar energia. De forma simtrica, o uso do vento como energiapropulsora de barcos e moinhos constituiu fonte inesgotvel a dinamizaras foras humanas. Com isso, a Revoluo Neoltica se espraiou pelomundo. Barcos e jangadas permitiram transpor os confins da sia, dafrica e da Europa. Desenvolveram-se as artes de fiar e de tecer pano, defabricar cermica e de trabalhar os metais. Num s movimento, a prticado intercmbio estimulou a diviso do trabalho entre as comunidadesque se tornaram economicamente complementares.

    As inovaes tcnicas, porm, no surgiram de algum fiat divino,expresses de gnios individuais que viviam isolados das grandes corren-tes coletivas. Elas foram estimuladas por um peculiar mecanismo deapropriao do produto - a redistribuio complexa -, que mais tardeserviu de base s coletividades gentlicas. Quer dizer, novas relaes depropriedade precederam o salto tecnolgico e lhe conferiram consistn-cia. A nova forma de redistribuio dos produtos implicou a cooperaocomplexa entre agrupamentos vizinhos, a exemplo da caa aos grandesanimais: as armadilhas demandavam um esforo maior que a capacidadesingular de um bando primitivo; os territrios de caa deviam ser unifica-dos para assegurar uma perseguio bem-sucedida; o consumo de ani-mais de grande porte estava acima das possibilidades de ingesto dos

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    prprios caadores, convidando-os para formar um centro redistribuidordos alimentos; a partilha estreitou os laos de reciprocidade entre bandosvizinhos e propiciou a base para que interesses comuns, superiores a cadaagrupamento em particular, se consolidassem.

    A "apropriao formal" ou a propriedade econmica gentlica, comseu mecanismo de redistribuio complexa, serviu ento de fundamento Revoluo Neoltica. Ao invs de as comunidades se apropriarem ape-nas daquilo que a natureza lhes provinha de modo espontneo, passarama intervir de forma deliberada sobre ela, graas s tecnologias do cultivodas plantas, do pastoreio e da transformao artesanal dos materiais. Asatividades produtivas deixaram de ser intermitentes, para se tornaremcontnuas. Em conseqncia, a Revoluo Neoltica introduziu as condi-es para que surgisse um mecanismo de incentivo sistemtico produ-o de excedentes, fonte primordial para o surgimento das classes sociaise do Estado, como aparelho detentor do monoplio da violncia.10

    A REVOLUO INDUSTRIALA Revoluo Industrial foi, antes de mais nada, uma revoluo capitalis-ta. No foram as inovaes tcnicas que criaram o capitalismo, mas ocapital investido nas manufaturas da Idade Moderna que levou intro-duo da mquina-ferramenta, desenvolveu o sistema fabril e aplicoufora motriz no-animal produo.

    A Revoluo Industrial, ou a grande indstria maquinofatureira, noresultou da simples existncia do capital comercial - este existiu em in-meras sociedades cujos intercmbios distantes exigiam a existncia dealgum tipo de moeda. Dependeu essencialmente do capital produtivoinvestido na manufatura. Mas foi possvel graas chamada "acumulaoprimitiva" que ocorreu durante o perodo moderno e mercantilista, entreos sculos XVI e XVIII, e que foi fruto de vrios processos: a espoliaodas riquezas coloniais, o trfico negreiro, o confisco dos bens da IgrejaCatlica, a expropriao dos camponeses independentes, a usurpao dasterras comunais e a transformao da propriedade partilhada feudal empropriedade patrimonial latifundiria.

    A converso do capital comercial em capital produtivo fez com que aRevoluo Industrial fosse a filha dos interesses conjugados das burgue-sias mercantil e manufatureira. Eis a razo por que as relaes de produ-o na manufatura no eram inteiramente capitalistas. Embora as rela-

  • 14 PODER, CULTURA E TICA NAS ORGANIZAES

    es de propriedade j fossem capitalistas - os burgueses manufatureiroseram donos privados dos meios de produo -, as relaes de trabalhoque completam as relaes de produo ainda no eram capitalistas. Porqu? Porque, destitudos dos meios de produo, os trabalhadores aluga-vam sua fora de trabalho e produziam um sobreproduto apropriado pri-vadamente pelos patres manufatureiros. Todavia, ainda detinham algumcontrole sobre o processo tcnico, em funo da qualificao adquiridaem longa aprendizagem, ou seja: a propriedade econmica era capitalis-ta, mas a gesto no era.

    Assim, embora os jornaleiros assalariados estivessem concentradosnum nico local e as tarefas j fossem parceladas, os trabalhadores dispu-nham de habilidade tcnica e, por conseguinte, controlavam de algummodo o processo de trabalho. Menor controle, claro, que o existenteno antigo sistema domstico de produo (putting out).11 Faltava entoao capital manufatureiro pleno domnio sobre a mo-de-obra, situaoapenas alcanada pela grande indstria que dispensou a qualificao tc-nica dos jornaleiros. Como os mercados metropolitanos exigiam volumescrescentes de mercadorias, era vital para os burgueses manufatureirosacelerar o ritmo da produo. Mas como faz-lo, se os jornaleiros dispu-nham de um poder de barganha salarial, graas posse do saber tcnico?Somente o parcelamento das tarefas no livrou o capital das presses tra-balhistas. Foi indispensvel a inveno da mquina-ferramenta para anu-lar o poder de fogo dos trabalhadores e aumentar a produo.

    A busca de respostas, em termos de organizao do trabalho, estimu-lou as invenes responsveis pela revoluo tcnica da Inglaterra oito-centista. Em particular, num setor importante como o da manufatura detecidos de algodo. Pois, na medida em que os lucros dependiam da pro-duo intensiva, urgia encontrar meios para obter um maior volume defio, algo que jamais se poderia conseguir com as rodas de fiar dispon-veis. A fora dos interesses criou ento as condies para que a mquinade fiar fosse inventada em 1767 e o bastidor hidrulico em 1769. A spin-ning jenny era capaz de produzir oito fios ao mesmo tempo, mas no erao bastante. Em pouco mais de trinta anos, novos aperfeioamentos tcni-cos da mule, que combinava as duas mquinas anteriores, permitiram aproduo simultnea de 400 fios da melhor qualidade.

    Porm, a inveno das mquinas de fiar, que supriram a falta de fio,gerou escassez de teceles. Os profissionais exigiam altos salrios emrazo de sua qualificao. Tornou-se logo evidente que o nico remdio,

  • AS REVOLUES TECNOLGICAS 15

    do ponto de vista dos patres manufatureiros, seria a substituio destafora de trabalho por algum mecanismo que tomasse o lugar do tearmanual e, num s lance, tornasse intil a qualificao dos teceles.Assim, a soluo do "problema da fiao" criou o "problema da tecela-gem". Embora os burgueses manufatureiros no dependessem mais dosartesos da fiao, faltava-lhes desembaraar-se dos teceles que deti-nham habilidade tcnica. Caso pudessem dispor de mquinas de fciloperao, mquinas que exigissem apenas movimentos repetitivos e derpida aprendizagem, o poder de barganha dos teceles seria neutraliza-do. Foi o que aconteceu com a inveno do tear mecnico em 1785.

    O bastidor hidrulico, a spinning mule e o tear mecnico erammquinas enormes, que exigiam fora motriz para serem acionadas.Como as rodas hidrulicas eram vagarosas e nem sempre se dispunha decursos d'gua com fora suficiente para mov-las, o aperfeioamento damquina a vapor tornou-se uma necessidade inadivel. Em 1782, j setinha uma mquina, cujo embolo operava em movimento circular, capa-citando o motor a mover a maquinaria das fbricas. A batalha capitalistacomeava a ser ganha.

    Muitas inovaes mecnicas antecederam a ecloso da RevoluoIndustrial, cujo bero foi a Inglaterra da segunda metade do sculoXVIII. Registram-se, nos dois sculos anteriores, as invenes do rel-gio de pndulo, do termmetro, da bomba aspirante, da roda de fiar edo tear para tecer meias e fitas; melhoramentos tcnicos na fundiode minrios e na obteno do bronze; importantes avanos na vidra-ria, na relojoaria e na construo naval tambm ocorreram. A era damquina no surgiu, assim, de sbito. E a viabilizao das inovaestcnicas resultou da eficcia dos capitalistas em ampliar sua margemde controle sobre o trabalho e sobre a lucratividade do negcio. Adifuso da maquinofatura foi lenta. Somente no transcurso do sculoXIX que os pases europeus continentais fizeram sua prpriaRevoluo Industrial, alguns deles saltando diretamente para a segun-da fase do que se convencionou chamar a Segunda Revoluo Indus-trial.

    Na sua primeira fase, a Revoluo Industrial privilegiou o carvo, oferro e a mquina a vapor, na segunda fase o ao substituiu o ferrocomo material industrial bsico e o vapor foi substitudo pela eletrici-dade e pelos produtos do petrleo como principais fontes de foramotriz. O gs natural constituiu tambm fonte de energia complemen-

  • 16 PODER, CULTURA E TICA NAS ORGANIZAES

    REVOLUES TECNOLGICAS rupturas e aceleraes

    tar e, at hoje, encontra-se em ascenso. Alguns traos relevantes daSegunda Revoluo Industrial merecem destaque:12 o desenvolvimentoda maquinaria automtica para a produo em massa; um altssimograu de especializao do trabalho, em virtude das correias transporta-doras e das linhas de montagem; o uso de ligas do ferro (mangans,cromo, tungstnio, vandio, molibdeno), de metais leves (alumnio,magnsio) e dos produtos da qumica industrial (corantes, matriasplsticas, borracha artificial); a inveno do motor a combusto internaque revolucionou os transportes, no s em funo do automvelmovido a gasolina, mas principalmente em funo dos motores a dieselinstalados em locomotivas, navios e caminhes; o extraordinrio de-senvolvimento da aviao; a inveno do dnamo que converte a ener-gia mecnica em energia eltrica; a revoluo nas comunicaes com otelefone, o telgrafo sem fio e o rdio; a inveno da luz eltrica, coma universalizao da lmpada de filamento incandescente, que trouxeenorme bem-estar s populaes; a inveno do linotipo, acelerando acomposio de textos e repercutindo diretamente sobre a edio dejornais e livros; o aperfeioamento da refrigerao artificial; a inven-o da mquina de escrever; o desenvolvimento da fotografia cinema-togrfica.

    Enquanto a base tcnica da primeira fase da Revoluo Industrial foia mecnica, a base tcnica da segunda fase foi a eletromecnica. Agora, aRevoluo Digital da segunda metade do sculo XX, fundada na eletr-nica, conduz a uma nova transmutao.

    Neoltica

    Industrial

    Digital

    Artesanal

    Mecnica; eletro-mecnica

    Eletrnica

    Agrcola

    Industrial

    da informao

    Fsico-mental(habilitada)

    Fsica(desqualificada)

    Mental(qualificada)

    REVOLUO BASE TCNICA SOCIEDADE FORA DETRABALHO

  • AS REVOLUES TECNOLGICAS 17

    A REVOLUO DIGITALO totalitarismo sovitico e seu sistema de relaes estatistas ruram emboa parte por causa de sua rigidez burocrtica e de sua intolernciaideolgica. Preso aos paradigmas do planejamento central e do messia-nismo do partido nico, no conseguiu responder s exigncias de flexi-bilidade, inovao contnua e competitividade que vincam o fim dosculo XX. No conseguiu dar o salto qualitativo em direo a umasociedade da informao, ainda que sua indstria blica demonstrassecerta capacidade para absorver avanos tecnolgicos, ao contrrio doresto da indstria civil. O socialismo real morreu nos braos daRevoluo Industrial sem ser capaz de realizar a Revoluo Digital: noconseguiu converter a cincia e a tecnologia em novas fontes de produ-o de valor, sufocado pelas restries do totalitarismo. No concedeuaos trabalhadores co-participao no comando do processo tcnico deproduo e no logrou democratizar as relaes de produo - foi umarevoluo de gestores. No se empenhou em apagar a antiga separaotaylorista entre gestores e executantes e no partilhou os frutos dosobreproduto social, embora fosse ideologicamente igualitrio. Genera-lizou to-somente a sade bsica e a educao fundamental, e subsidioua moradia popular e a alimentao. Afundou de vez quando desperdi-ou enormes recursos numa corrida armamentista suicida, em interven-es militares (Coria, Angola, Afeganisto) e nos privilgios exclusivosda nomenklatura partidria.

    Em contraposio, as relaes capitalistas sociais foram geradas pordcadas de lutas polticas e sindicais no seio do capitalismo excludente.Embora mantivessem a propriedade privada, elas ampliaram fortementea base social da apropriao dos excedentes, permitindo com que amplasparcelas da populao se beneficiassem de uma maior qualidade de vida.As aes militantes da sociedade civil foraram as empresas a efetuarpesados investimentos para preservar o meio ambiente e para garantir aqualidade de seus produtos e servios.13 A necessidade de contar comprofissionais qualificados, que pudessem processar enormes quantidadesde bens e servios personalizados e que soubessem operar equipamentossofisticados, demandou intensa capacitao prvia. Os trabalhadoresobtiveram assim co-responsabilidade no processo tcnico de produo eacederam parte dos lucros ou dos resultados produzidos. Um ambienteliberal-democrtico tolerou e incentivou a crtica, as divergncias, a pes-

  • 18 PODER, CULTURA E TICA NAS ORGANIZAES

    quisa cientfica, o pensamento pluralista e a criatividade. E, por fim, asrelaes econmicas favoreceram as invenes tcnicas e seu competenteaproveitamento.

    A revoluo tecnolgica que superou os marcos da RevoluoIndustrial fincou nesses terrenos profundas razes. E o contraste entreessas duas revolues pode ser vislumbrado ao compararmos a manufa-tura e a distribuio de um livro impresso, que exige uma logstica com-plexa, com o livro digital que se resume a bits e pode ser distribudo adezenas de milhes de pessoas por rede mundial de computadores, deforma instantnea, com custo mnimo de composio e difuso. Maspara melhor distinguir esta ruptura, vejamos os limites automatizaona Revoluo Industrial e na Revoluo Digital. O trabalho pode serdividido em manual e em intelectual.

    Na Revoluo Industrial, o trabalho manual principalmente traba-lho desqualificado ou semiqualificado (gnero A), haja vista o tipo dediviso tcnica do trabalho (tarefas parcelares e linhas de montagem). Oslimites automatizao decorrem ento da resistncia fsica da fora detrabalho, porque h um ponto a partir do qual pouco adianta acelerar acorreia transportadora, uma vez que os trabalhadores no conseguemacompanh-la, seja por exausto, seja pela incapacidade de cumprir notempo previsto a tarefa fixada. Em paralelo ao trabalho desqualificadofunciona uma parcela menor de trabalho manual, cujo carter qualifi-cado (gnero B) - exemplo dos operadores das mquinas-ferramentasuniversais ou dos ferramenteiros de bancada. Os limites automatizaoaqui so outros: esbarram na habilidade tcnica dos trabalhadores ou emseu saber profissional.

    O trabalho intelectual, por sua vez, realiza-se como trabalho de exe-cuo de rotinas padronizadas - exemplo da contabilidade (gnero C).Os limites automatizao derivam dos sistemas de controle e de proces-samento de dados. No se pode ir alm de certo ponto de equilbrioentre o ritmo de operao das mquinas eltricas (de escrever ou calcu-lar) e a capacidade de acion-las. Os operadores ento continuam indis-pensveis para lanar os dados e para organizar as informaes. Mas otrabalho intelectual tambm ocorre como trabalho de concepo criativa -exemplo dos projetos arquitetnicos (gnero D). Os limites esbarramaqui no saber profissional dos tcnicos, dos especialistas, dos peritos edos cientistas, detentores de conhecimentos cuja absoro demandalongo tempo de aprendizagem.

  • AS REVOLUES TECNOLGICAS 19

    LIMITES AUTOMAO base eletromecnica

    A automatizao na Revoluo Industrial , portanto, uma auto-matizao de substituio do trabalho e esbarra nos limites fsicos ementais dos trabalhadores. A automatizao na Revoluo Digitalintegra a produo administrao e aos escritrios de projeto, e per-mite superar muitos limites anteriores graas microeletrnica.Vejamos ento as mudanas operadas pela Revoluo Digital nessesprecisos aspectos:14

    No trabalho manual repetitivo e insalubre (gnero A), os limites automatizao vem-se rompidos pela presena de robs e aut-matos programveis, que garantem flexibilidade ao uso dos equi-pamentos e permitem que se ultrapasse a barreira da resistnciafsica dos trabalhadores. Ademais, asseguram a conformidade aospadres de qualidade.

    No trabalho manual profissional e qualificado (gnero B), oslimites do saber dos trabalhadores se expandem pelo fato de asmquinas-ferramentas com controle numrico embutirem soft-wares. Em decorrncia, dispensam-se em grande medida "ofi-ciais" moda antiga e passam a ser utilizados operadores poliva-lentes, detentores de escolarizao formal e de treinamento ade-quados ao manejo desses novos equipamentos.

    No trabalho intelectual de execuo de rotinas padronizadas(gnero C), o uso de microcomputadores, de terminais de vendadigitais, de calculadoras eletrnicas de bolso, de relgios de

    Manual

    Intelectual

    (A) Desqualificado

    (B) Qualificado

    (C) Rotinaspadronizadas

    (D) Concepocriativa

    Resistncia fsicada fora de trabalhoHabilidade tcnicada fora de trabalho

    Sistemas de controlee processamento dedadosSaber profissional

    TRABALHO CONTEDO LIMITES

  • 20 PODER, CULTURA E TICA NAS ORGANIZAES

    LIMITES SUPERADOS base microeletrnica

    ponto digitais etc, simplificam de tal modo as operaes que oprocessamento de dados e a padronizao das informaes seuniversalizam nos escritrios, lojas, bancos, hospitais, escolas,fbricas e fazendas.

    No trabalho intelectual de concepo criativa (gnero D), osequipamentos CAD/CAM (projetos de manufatura auxiliadospor computador), as mesas de edio, as estaes de trabalhocientficas ou de editorao liberam os tcnicos e cientistas de umsem-nmero de tarefas de carter redundante. Concedem-lhes,assim, o tempo necessrio para que possam conceber produtos eprocessos produtivos, porque os equipamentos, dotados de apli-cativos, permitem realizar inmeros clculos, desenhos, edies,simulaes, paginaes e operaes dos mais variados tipos, comextrema facilidade e rapidez. Cada vez mais os softwares se tor-nam amigveis e o saber tcnico, ao ser compartilhado por usu-rios mais generalistas, deixa de ser o monoplio de alguns.

    A qualificao do trabalho no mais o apangio dos trabalhadoresintelectuais e dos operadores de mquinas-ferramentas universais, e passaa ser generalizado, atingindo todos os trabalhadores empenhados emprocessos informatizados. Isso deflagra uma mutao na forma de as

    Manual

    Intelectual

    (A) Repetitivoou insalubre

    (B) Profissional

    (C) Rotinaspadronizadas

    (D) Concepocriativa

    Robs e autmatosgarantem flexibilidadee regularidadeMquinas-ferramentaembutem softwares

    Computadoressimplificam processa-mento de dadosAplicativos permitemconceber produtos eprocessos

    TRABALHO CONTEDO LIMITES

  • AS REVOLUES TECNOLGICAS 21

    empresas remunerarem o trabalho: ao invs de pagarem pela quantidadede tempo de trabalho (input), preferem remunerar os resultados produzi-dos (o.utput). O teletrabalho, em que o trabalho se realiza fora do localde emprego graas a uma conexo com a sede feita por telecomunicao,viabiliza-se e vai aos poucos sendo adotado. No interessa mais saberonde e quando algo foi produzido, mas se o produto corresponde snecessidades da empresa e se o esforo adiciona o valor desejado.

    As empresas competitivas, produtoras de alto valor, reformulam porinteiro a organizao do trabalho. As atividades, outrora fragmentadasem tarefas simples, rotineiras e estereotipadas, passam a ser agregadas emprocessos que transferem valor para o cliente. Os trabalhadores reunidosem equipes multifuncionais se responsabilizam por processos inteiros oupor segmentos de processos, assumindo desde logo algumas funesgerenciais. Sua capacitao demanda anos de estudo e de habilitao tc-nica, ao contrrio do curto tempo de treinamento anterior a que os tra-balhadores industriais estavam sujeitos. O controle do processo de traba-lho deixa de ser responsabilidade exclusiva de um staff de especialistas ede uma gerncia centralizadora. Intensifica-se e amplia-se o uso da tecno-logia da informao, num contexto em que o acesso aos dados compar-tilhado. Substituem-se os treinamentos espordicos por uma educaopermanente. Em vez de departamentos funcionais, com estruturas hierr-quicas de supervisores e gerentes, tm-se equipes de processo, com estru-turao mais nivelada e cuja coordenao incumbncia de mentores(coaches, orientadores, instrutores, treinadores). No mais, usam-se"gerentes de projetos", ou de empreendimentos, em estruturas matri-ciais, voltadas para contratos ou produtos especficos.

    A converso do layout produtivo nas organizaes supe uma drsti-ca alterao das relaes de poder. Ao invs de relaes autoritrias, decorte assimtrico e baseadas no temor das sanes, em que os subordina-dos ficam reduzidos condio passiva de sditos e de meros executoresde ordens, constroem-se relaes liberais. Estas so mais horizontais e sebaseiam no respeito competncia tcnica; em seu seio, os trabalhadoresalcanam co-responsabilidade na gerao de produtos e de servios.Prevalece ento a cidadania organizacional, com direitos e deveres assu-midos no nvel microssocial das organizaes, semelhana do que ocor-re no nvel maior da sociedade inclusiva. A "posse" ou a "apropriaoreal" dos instrumentos de trabalho por parte dos trabalhadores desembo-ca na partilha das decises tcnicas com os gestores, ou seja, na gesto

  • 22 PODER, CULTURA E TICA NAS ORGANIZAES

    REVOLUES COMPARADAS (1)

    Trabalho desqualificado ou semiqua-lificado, parcelado por tarefas e empostos de trabalho (trabalhadordescartvel pago por tempo)

    Produo em massa, produtospadronizados, mercado de massas,setor secundrio absorve mo-de-obra

    Tendncias verticalzao das orga-nizaes (pirmides), voltadas paradentro: controle central em mos dosgestores; prevalncia do poder

    Trabalho qualificado, polivalente,segmentado por processos e emequipes multifuncionais (trabalhadorprofissional pago por resultados)

    Produo flexvel, produtos persona-lizados, mercado de nichos, setor ter-cirio e quaternrio absorvem mo-de-obra

    Tendncia horizontalizao dasorganizaes (trapzios), voltadaspara fora; controle partilhado porgestores e trabalhadores; prevalnciado saber

    REVOLUO INDUSTRIAL REVOLUO DIGITAL

    participativa. De maneira que, a partir da Revoluo Digital, o poderdeixa de ser a grande fora que disciplina os agentes organizacionais paradar lugar ao saber como fonte de coeso, de orientao e de legitimao.

    Cresce a produtividade com o aumento da informatizao e com a"horizontalizao" das empresas. As empresas competitivas exigem forade trabalho qualificada. A aprendizagem contnua torna-se parte inte-grante do trabalho, donde a substituio da velha "organizao-quartel"pela "organizao-escola", ou seja, pela "organizao de aprendizagem"que incessantemente qualifica seus quadros. Para acompanhar os avanostecnolgicos e adaptar-se s circunstncias, as empresas tendem a conver-ter-se em laboratrios de idias e de mtodos. Ora, como faz-lo sem umfluxo constante de propostas crticas, sem tolerncia das diferenas, semo oxignio do dilogo e sem a promoo de incessantes negociaes? Osocialismo real que o diga...

    Produzir e consumir implicam cada vez mais estar informado, resolverproblemas. A qualificao simblica acaba sendo indispensvel para a prpriavida em sociedade. Os produtos tornam-se "inteligentes", a exemplo dos pr-dios que monitoram atravs de um computador central a temperaturaambiente, as instalaes eltricas, as comunicaes, a violao da segurana,

  • AS REVOLUES TECNOLGICAS 23

    o uso dos elevadores, o controle de incndios e a incidncia de raios solaresnos escritrios. Ou ainda, a exemplo de pneus que informam a presso doar; roupas que alteram a temperatura do corpo de acordo com o ambiente;notebooks que controlam o gasto de energia de suas baterias; carros compiloto automtico, guiados por mapas eletrnicos e satlites que informampontos de congestionamento; cartes inteligentes com memria e funesprogramveis que substituem a moeda circulante, entre outras atribuies;sistemas anti-rudo formados por um alto-falante e um chip que recolhe sonsdo ambiente e os cancela pela criao de sons opostos; terminais de vendadigital que revelam as preferncias dos clientes (artigos, marcas, tamanhos,embalagens), traam a curva dos dias e horrios de compras, captam a assi-duidade da clientela e orientam a quantidade de produtos a repor.

    O trabalho mental agrega valor e, portanto, gera excedentes ousobreproduto. Ao comprar papel e ao imprimir notcias e comentrios,sob a forma de jornal ou revista, gera-se valor para os leitores. Ao organi-zar dados em tabelas e grficos de modo a suportar uma anlise, ou umademonstrao, transformam-se esses mesmos dados em informaesvaliosas para decidir e agir. Ao lanar um produto com um design atraen-te aos olhos dos consumidores, obtm-se muito maior visibilidade merca-dolgica, de maneira que o produto "se vende sozinho". Reconhecer talfato no deve converter a cincia e a tecnologia em fetiches, porque semfora de trabalho mental, a cincia e a tecnologia dormem o sono dosjustos. O fato de a fora fsica perder cada vez mais importncia em rela-o fora intelectual apenas fortalece o carter estratgico do trabalhohumano. O proletariado - entendido na sua acepo clssica de operaria-do ou de "classe operria" -, formado por trabalhadores manuais assala-riados, vai sendo substitudo por uma espcie de "tecnosinato". Este formado por profissionais polivalentes e qualificados, igualmente assala-riados, embora com algum acesso aos lucros. As relaes de trabalho queos articulam so flexveis e dependem da capacitao tcnica, do nvel deprodutividade e da capacidade de agregar valor.

    Afinal, assim como a fora fsica de trabalho, a fora mental de traba-lho tambm produz valor. E o faz de forma exponencial, graas aos equi-pamentos informatizados e s novas tecnologias. Quem pensa o contr-rio est reificando o pensamento cientfico e tcnico, ou imaginando umasociedade por inteiro robotizada que funcionaria em moto-contnuo sempresena humana. Ora, enquanto a mecanizao constitui o marco tcni-co das duas fases da Revoluo Industrial - com seu parcelamento do

  • 24 PODER, CULTURA E TICA NAS ORGANIZAES

    processo produtivo, seguido pela "seriao" das partes segmentadas -, osalto tecnolgico da Revoluo Digital corresponde, de maneira diversa,a uma automao, em que o processo de produo se torna integral esimultneo, ao invs de fragmentado e em seqncia.

    Tomemos como ilustrao o caso da caixa registradora na rea comer-cial. Na primeira fase da Revoluo Industrial, a caixa resumia-se a umamquina de somar de tipo mecnico, acoplada a uma gaveta acionada poruma manivela. Na segunda fase da Revoluo Industrial, a caixa imprimiaum cupom e seu funcionamento passou a ser eltrico. Logo, tal configura-o difere radicalmente do terminal de venda digital da atual revoluotecnolgica. Temos agora pela frente um terminal de computador comgaveta, que faz as vezes de caixa registradora e que inclui um monitor colo-rido, um scanner vertical para leitura de cdigo de barras, uma impressorade trs estgios capaz de emitir cheques e cupons, e um teclado que trazembutido uma leitora de cartes para transferncia eletrnica de fundos.

    Em outros termos, a caixa registradora anterior era to-somente umamquina de somar, que imprimia cupons e operava como gaveta paraguardar dinheiro. No podia armazenar dados nem realizar seu prpriobalano ou sua prpria contabilidade. Em contrapartida, o terminal devenda digital funciona como central de informaes: "l" os produtos eevita que o operador digite cdigos ou preos; manipula valores escritu-rais; preenche cheques; emite cupons fiscais; soma e discrimina todas asoperaes do dia; coleta dados para a gesto dos estoques e para a anli-se do perfil das vendas e dos consumidores; adquire o carter de crebrode toda a operao de auto-servio.

    Outro exemplo diz respeito televiso, que deixou de ser tirnica, comum punhado de redes nacionais impondo sua programao. Embarcounum processo de interatividade, cujo espectro mal se esboou. o caso docanal por assinatura, cujo sinal diretamente captado de um satlite poruma pequena antena parablica. Suas vantagens so patentes em relao televiso a cabo ou televiso com sinais codificados em microondas. Pois,enquanto esses dois ltimos sistemas restringem o acesso s residnciaslocalizadas em bairros cabeados ou s que recebem retransmisso local, aantena parablica capta o sinal em qualquer ponto do territrio e com qua-lidade digital. Centenas de canais de imagem e de udio so transmitidos eum servio de pagamento por carto magntico inserido no decodificadorde sinais (pay-per-view) permite aos assinantes selecionar eventos esporti-vos ou culturais de transmisso fechada, ou filmes inditos que sero trans-

  • AS REVOLUES TECNOLGICAS 25

    mitidos nos mais diversos horrios do dia ou da noite. Com isso, o acesso informao e ao entretenimento torna-se uma vertiginosa escolha.

    E importante destacar ainda o papel da robotizao em todas as ativi-dades produtivas e de servios, pois a utilizao de robs no se resumeapenas a funes que envolvam riscos, exijam preciso, sejam repetitivasou sejam exercidas em ambientes insalubres. Graas sua rapidez e flexi-bilidade, os robs ultrapassam o mbito da indstria automotiva, da pro-duo de bebidas, alimentos, componentes, remdios, cosmticos etc,para avanar no terreno do manuseio de cargas, no acondicionamento dehambrgueres e na colocao de garrafas e latas em embalagens. Seu usotende a generalizar-se, desde as indstrias em grande escala at a produ-o de poucas unidades de avies e navios. Isso faz com que a presenados robs se torne indispensvel na paisagem de uma economia globali-zada.

    Vamos agora exemplificar a trajetria de alguns produtos da Revo-luo Industrial (primeira e segunda fases) na metamorfose da RevoluoDigital.

    Resta dizer que o capitalismo excludente da Revoluo Industrialtende a desenvolver estratgias de dominao pela prpria lgica dareproduo ampliada do capital, assim como pela concepo tayloristado processo produtivo. Repousa na imposio autoritria. Configuraeconomias comandadas por oligoplios, trustes e cartis em que o poderdos fornecedores tudo rege. As grandes organizaes destroem ou absor-vem as pequenas e os trabalhadores industriais, fortemente concentradosnos mesmos locais de trabalho, tratam de se unir em sindicatos podero-sos para fazer face a inmeras excluses. Os magnatas do sistema acabamsendo os bares do carvo, do ao, das ferrovias, do automvel e dasconstrues civis. Nesse contexto, as organizaes assumem uma visibili-dade fsica, j que ocupam edifcios e tendem a confundir-se com eles.

    Em contraposio, o "associativismo" (ou capitalismo social) daRevoluo Digital funda-se em estratgias relacionais ou associativas, emque reponta o poder dos clientes ou dos consumidores (quem compra das cartas). Os usurios tornam-se decisivos, graas ao fortalecimento dopapel da sociedade civil como "poder compensatrio", em relao sempresas e s demais organizaes. Tal tipo de capitalismo parece carre-gar em si mesmo um extraordinrio dnamo - um sistema de confronta-es que se equilibram, ou de presses e de contrapresses, de freios e decontrapesos, de controles e de contracontroles, que s a democracia libe-

  • Mquina de escrever

    Mquina de calcular

    Relgio de pulso

    Aparelho de som

    Telefone

    Transmissor demensagens

    Duplicador de textos

    Impresso

    Forno

    Aparelho fotogrfico

    Projeo de imagens

    Trem

    Moeda

    Mecnica

    Manual

    Analgico a corda

    Fongrafo

    A manivela

    Telgrafo semafrico

    Manual (lcool)

    Tipogrfica

    A carvo

    Daguerretipo(imagem qumica)

    Lanterna mgica

    A vapor

    Papel-moeda

    Eltrica

    Eltrica

    Analgico a pilha

    Vitrola

    Eletromecnico

    Telgrafo semfio, telex

    Mimegrafo (tinta)

    Off-set

    Eltrico, a gs

    Cmera com filme(imagem qumica)

    Cinematgrafo

    Eletrificado, a diesel

    Cheque

    Microcomputador eimpressora

    Calculadoraeletrnica

    Digital a quartzo

    Toca-fitasCD-player

    Digital

    Fax-modem

    FotocopiadoraEditoraoeletrnica

    Microondas

    Cmera digital(foto-CD)

    TV, videocassete,disco vdeo digital

    TGV, propulsomagntica

    Dinheiro eletrnico

    26 PODER, CULTURA E TICA NAS ORGANIZAES

    AS REVOLUES TECNOLGICAS E SEUS PRODUTOS

    ral consegue estabelecer em sua plenitude. E consolidam-se tendnciaspara que se constituam joint ventures, alianas estratgicas e parcerias,acima das prprias competies que o mercado introduz. Nessas circuns-tncias, as organizaes velozes nas suas capacidades de aprendizagem einovao superam as organizaes lerdas e burocratizadas, tpicas daRevoluo Industrial. Os trabalhadores profissionais tm seu poder denegociao aumentado, ocorrendo um inelutvel enfraquecimento dos

    Revoluo/produto

    1Industrial(mecnica)

    2 Industrial(eletromecnica)

    Digital(eletrnica)

  • AS REVOLUES TECNOLGICAS 27

    sindicatos tradicionais. Os magnatas do novo sistema acabam sendo oscrebros dos softwares, das telecomunicaes, das consultorias, do entre-tenimento, do lazer e do turismo.

    As organizaes no mais ocupam lugares especficos e tendem a tor-nar-se virtuais, porque mais fcil e mais barato transportar a informa-o do que as pessoas, atravs das tecnologias do teleprocessamento e dacomputao. Escolas do suporte online, atravs das redes de computa-dores e de satlites, para ensinar disciplinas a seus alunos e para reciclarprofessores localizados em remotas cidades do interior. Bibliotecas soconsultadas em qualquer parte do mundo, via Internet, e jornais eletrni-cos que dispensam papel, transporte e correio tornam acessveis informa-es instantneas. Faculdades de medicina e organizaes no-governa-mentais fazem gratuitamente consultas tambm via rede. Intervenescirrgicas so levadas a efeito a distncia, colocando centros mdicos emconexo e permitindo que especialistas forneam orientao a outrosmdicos ou at operem atravs de monitores, graas manipulao debisturis eletrnicos.

    As organizaes deixam ento de ocupar um lugar determinado ouum prdio especfico, deixam de estar "localizadas" e passam a funcionarcomo atividade. Tudo semelhana de uma biblioteca que tivesse o con-tedo de todos os seus livros registrados em bits. Seu imvel vazio - ape-nas assombrado pela memria das multides que ali acorriam - se trans-formaria em edifcio tombado. Num passe de mgica, ningum mais pre-cisaria ir at l para consultar o que quer que fosse, pois tudo estaria aoalcance das telas de computador. tambm o caso das universidadesabertas em que os estudantes se espalham pelo planeta ou da chamadaescola em casa (home school) onde o aluno faz de seu quarto a escola,escolhendo seu prprio horrio e valendo-se de sistemas multimdia e doacesso a redes de bancos de dados. Ou de profissionais empenhados numprojeto, cada qual trabalhando em sua casa (teletrabalho). Ou de bancosa domiclio (home banking), cujos clientes obtm saldos e extratos banc-rios atravs do correio eletrnico, fazem consultas e investimentos,pagam contas digitando cdigos ou passando a caneta ptica e sacamdinheiro atravs de cartes inteligentes. Ou ainda de reprteres empe-nhados em entrevistas, reportagens ou pesquisas de campo, e de vende-dores disseminados num mercado mundial, munidos de laptops conecta-dos a servidores. Esses exemplos constituem uns tantos conjuntos deagentes que se ligam a um eixo administrativo atravs de computadores

  • 28 PODER, CULTURA E TICA NAS ORGANIZAES

    portteis ou no, de fax-modems e de telefones celulares, dispondo aindada possibilidade de realizar teleconferncias. Formam assim organizaesvirtuais, "coletividades sem um lugar", entidades em que a administraodas pessoas se faz sem contato fsico.

    Tal mudana apenas magnfica outra j em curso h algum bomtempo: a substituio dos suportes materiais - ou dos objetos fsicosnecessrios para a divulgao dos bens simblicos - por textos, sons eimagens digitalizados e veiculados por fibras pticas, satlites e computa-dores. Ou, para usar a expresso consagrada por Nicholas Negroponte,os bits substituem os tomos. Isso pode levar a que no mais se precisecomprar fitas cassete ou CDs para ter acesso a msicas; jornais, revistasou livros em papel para poder ler ou estudar; que no se precise tampou-co de videos ou discos-laser para assistir a filmes, documentrios, entre-vistas ou shows, porque todos esses e outros elementos simblicospodem ser armazenados como bits de informao em servidores quegerenciam uma rede de computadores. Bastaria ento dispor de um ter-minal e adquirir o direito de acesso a determinados bits, e o milagre daconexo quedar completo - galxias de informao estaro disposionum piscar de olhos, como se fosse uma trivial navegao numa televisoa cabo. J o caso, alis, da Internet. Bill Gates, o fundador da Micro-soft, sentenciou que a infovia transformar nossa cultura to radicalmen-te quanto a prensa e o tipo mvel de Gutenberg transformaram a IdadeMdia.

    De outra parte, est em andamento a substituio dos combustveisfsseis, ricos em carbono e altamente poluentes - o carvo e o petrleopor exemplo -, por fontes energticas renovveis e limpas, tais como aenergia do sol, dos ventos, das quedas d'gua, ou como o calor do centroda terra e da biomassa. De fato, as clulas fotovoltaicas convertem a luzsolar em eletricidade e as turbinas elicas comparam-se aos de uma usinaeltrica base de carvo. Com a diferena que tanto o sol como o ventoajudam a economizar combustvel, no emitem dixido de carbono ouqualquer poluente. Alm do mais, o uso das energias solar e elica per-mite produzir gs de hidrognio, uma substncia de combusto limpa efcil de transportar. Por fim, ao lado da energia hidreltrica e geotrmica,h a energia da biomassa. Esta inclui o estreo e demais resduos acumu-lados em fazendas, alm de certas plantas cultivadas por seu alto teorenergtico. Todos esses recursos so fontes naturais de energia e no seesgotam, por serem renovveis.

  • As grandes empresas devoram aspequenas; organizaes "localiza-das"; bares da ferrovia, do ao, dopetrleo, do automvel, da constru-o civil

    Uso extensivo do trabalho fsico edos recursos naturais, combustveisfsseis e poluio ambiental; "orga-n/zao-quarfel"

    Confrontao internacional e prote-cionismo; estratgias de dominao(oligoplios, cartis, trustes); poderdos fornecedores e fora dos sindica-tos

    As empresas velozes devoram as ler-das; organizaes "virtuais", magna-tas do software, do turismo, das tele-comunicaes, do entretenimento

    Uso intensivo do trabalho mental eda cincia e tecnologia, energiarenovvel e gerenciamento ambien-tal; "organizao-escola"

    Competitividade internacional e libe-ralizao comercial; estratgias rela-cionais (alianas, joini ventures, con-srcios); poder dos clientes e fraque-za dos sindicatos

    AS REVOLUES TECNOLGICAS 29

    REVOLUES COMPARADAS (2)

    A Revoluo Digital produz outra transformao de envergadura:muda o pensamento cartesiano, seu modo de refletir e de ordenar omundo, e faz com que se passe para um pensamento que opera com basena simultaneidade. O movimento vai da linearidade e da obedincia cronologia para a montagem vertiginosa de imagens trazida pela videoar-te e pela computao grfica. Tal movimento desemboca numa conexocriativa e em tempo real entre emissores e receptores. O pensamento car-tesiano, com efeito, remete a um mundo dominado por narrativas emseqncia, que tm comeo, meio e fim. Est povoado por expressesverbais e por idias abstratas; sua abordagem analtica e esttica. Porsua vez, o pensamento que obedece simultaneidade remete a ummundo em fluxo ou em ao, um mundo conjugado no gerndio, umaespcie de hipertexto que relaciona funes ou estruturas, embora per-tencentes a totalidades diversas.

    Ao universo literrio e gutenberguiano sucede um universo em queprevalece o visual inter-relacionado com outras linguagens - a radiofni-ca, a televisiva, a cinematogrfica, a videogrfica. Os veculos condicio-

    REVOLUO INDUSTRIAL REVOLUO DIGITAL

  • 30 PODER, CULTURA E TICA NAS ORGANIZAES

    nam a feio da mensagem e o prprio significado das aes retratadasacaba dependendo do modo especfico como se constri cada um doscdigos. So escrituras no-seqenciais, mdias que possibilitam o usosinrgico do som, do texto e da imagem, e cuja difuso opera em temporeal. Trata-se, por conseguinte, de um pensamento moldado pela intensainteratividade entre agentes, pela multiplicidade dos meios de comunica-o e pela simultaneidade das mensagens.

    NOTAS1A cincia da informao nasceu na dcada de 1960. E o entendimento da informao

    como conceito unificador, subjacente ao funcionamento dos sistemas organizados,ganhou corpo na dcada de 70 - momento preciso da histria da cultura em que aproduo cientfica e tecnolgica foi tida como fator de produo e fonte de rique-za. Clara coincidncia com a mudana que se operava na base tcnica dos processosprodutivos, passando da eletromecnica para a eletrnica.

    2Toffler, Alvin. Powerschift: As Mudanas do Poder. Rio de Janeiro: Editora Record, s/d.E, do mesmo autor: A Terceira Onda (da mesma editora), alm da obra seminal: OChoque do Futuro. Rio de Janeiro: Editora Artenova, 1973.

    3Tais como talheres, copos e pratos de plstico, vestidos ou roupas ntimas feitas empapel, recipientes sem retorno, mveis e eletrodomsticos com tempo de uso delibe-radamente curto.

    4Hoje em dia, a reciclagem uma indstria. Recicla-se tudo: papis, plsticos, metais,vidro, madeira, asfalto e at concreto.

    5O prprio autor, na sua tese de doutorado (Srour, Robert Henry. Modos de Produo:Elementos da Problemtica. Rio de Janeiro: Edies Graal, 1978, pp. 264-265),escrita em 1976-77, caracterizou a base tcnica eletrnica como "revoluo cibern-tica". Mas falhou ao considerar que esta revoluo desdobraria a prpria RevoluoIndustrial, sem transformar por inteiro o modo de produo capitalista.

    6 A natureza desta profunda transformao nos remete possibilidade da distribuio uni-

    versal da informao e, portanto, questo da posse democrtica da informao quefaculta maior participao decisria e potencializa a produtividade dos agentes sociais.

    7O fato de que os fundos de penso e os fundos de investimento tenham adquirido boaparte dos haveres financeiros de muitos pases capitalistas no elimina o carter pri-vado da apropriao dos lucros. Os fundos apenas respondem "em conjunto", e pro-fissionalmente, aos detentores de cotas que podem se desfazer delas no mercadoquando bem lhes aprouver (so, por isso mesmo, proprietrios privados).

    8O economista norte-americano Marc Uri Porat retirou dos famosos setores econmicosde Colin Clark - setor primrio ou agrcola, setor secundrio ou industrial, e setortercirio ou de servios - todas as atividades da informao, compondo o conceitode setor quaternrio ou de informaes. Pressups que a atividade de informaodevesse incluir todos os recursos envolvidos na produo, processamento e distribui-o de mercadorias, bem como de servios de informao.

    9Houve estudiosos, claro, que apreenderam a evoluo social como movimento cclico. o caso de Sorokin que identificava trs estgios de civilizao - um bom, um mau

  • AS REVOLUES TECNOLGICAS 31

    e um transitrio - que se sucediam numa espcie de eterno recomeo, assim comoOswald Spengler, que descreveu a histria das civilizaes como o da vida humana -nascimento, maturidade, declnio e morte. Ver Rocher, Guy. Sociologia Geral.Lisboa: Editorial Presena, 1971, pp. 101-102.

    10Ver Srour, Robert Henry. Classes, Regimes, Ideologias. So Paulo: Editora tica, 1987,pp. 119-129.

    11Este sistema baseava-se na produo realizada por artfices, em suas casas, com instru-mentos de trabalho prprios ou no, mas com matria-prima fornecida pelos merca-dores que patrocinavam a operao. O pagamento era feito por empreitada.

    12Burns, Edward M. Histria da Civilizao Ocidental. Porto Alegre: Editora Globo,1959, pp. 674-684

    13 interessante lembrar que os chamados produtos verdes ou ecoprodutos supem: (a)reduzido consumo de matrias-primas e elevado ndice de contedo reciclvel; (b)produo no-poluidora e materiais no-txicos; (c) no realizao de testes desne-cessrios com animais e cobaias; (d) no produo de impacto negativo ou de danosa espcies em extino; (e) baixo consumo de energia durante a produo, a distri-buio, o uso e a disposio dos resduos; (f) embalagem mnima ou nula; (g) possi-bilidade de reutilizao ou reabastecimento; (h) perodo longo de uso, permitindoatualizaes; (i) possibilidade de coleta ou desmontagem aps o uso; (j) possibilidadede "remanufatura" ou reutilizao (Gazeta Mercantil. Gesto Ambiental, fascculo 8,08/05/96).

    14Valemo-nos aqui da contribuio de Tauille, Jos Ricardo. "Aspectos sociais da auto-mao no Brasil." In: Lcia Bruno e Cleusa Saccardo (coordenadoras). Organizao,Trabalho e Tecnologia. So Paulo: Atlas, 1986, pp. 19-26.

  • SISTEMAS MUNDIAIS E CAPITALISMO SOCIAL

    OS SISTEMAS MUNDIAIS

    A partir da Revoluo Neoltica, formaram-se sistemas mundiais oumundos constitudos por sociedades desiguais entre si.1 A forma deorganizao desses sistemas lembra o figurino dos crculos concntri-cos. No ncleo, localizam-se um ou mais Estados centrais e reitores; naperiferia, gravitam regies ou Estados dependentes. Os nveis de subor-dinao dos espaos perifricos diferem entre si, assim como diferem asarticulaes internacionais que vinculam essas sociedades. As articula-es so: o comrcio distante, o tributo, a renda fundiria, os pactoscoloniais, as religies e, mais recentemente, os blocos militares, a mdiae os blocos econmicos. Em outros termos, estabeleceram-se vriasdivises internacionais do trabalho no seio de "espaos mundiais", quecombinam mecanismos de vrias ordens - econmicos, polticos e sim-blicos.

    O primeiro sistema conhecido foi o Sistema Mundial Tributrio,difundido na Antigidade e na Idade Mdia. Em torno de um Impriodo Meio, espcie de "centro do mundo", organizaram-se Estados vassa-los e populaes que flutuavam nas suas margens. Os exemplos mais sig-nificativos foram os imprios da Mesopotmia (em que se sucederamsumrios, babilnios e assrios); o Egito, a China e a ndia antigos; Prsia,Roma, Bizncio e Monglia. Suas articulaes foram o tributo, garantidomediante submisso dos povos pela fora das armas, e a renda fundiria,trao de unio entre os Estados dominantes e as classes proprietrias dasregies vassalas.

    CAPTULO2

  • 34 PODER, CULTURA E TICA NAS ORGANIZAES

    O sistema mundial tributrio conviveu com outro, baseado nocomrcio distante: trata-se do Sistema Mundial Mercantil, que se assen-tou no capital comercial ou na troca de bens operada mediante lucro.Ocorre que a natureza malevel do sistema o condenou a uma posiosecundria e acessria, ainda que tenha florescido em diferentes pocas eregies graas ao de inmeros povos comerciantes tais como os fen-cios, os cartagineses, os gregos, os genoveses, os venezianos, os holande-ses, os hanseatas, os malaios e os rabes.

    Quando os imprios coloniais da Idade Moderna se institucionaliza-ram, o sistema mundial mercantil ganhou caracteres mais permanentes etransformou-se em Sistema Mundial Mercantilista, cujas articulaesinternacionais foram os pactos coloniais que asseguravam s metrpoleso monoplio do comrcio e da navegao; o tributo cobrado sobrequaisquer atividades realizadas nas possesses coloniais; e as misses reli-giosas responsveis pela evangelizao do gentio. Diversos centros metro-politanos operaram ento como ncleos imperiais entre os sculos XVI eXVIII - Espanha, Portugal, Inglaterra, Holanda e Frana. A coexistnciaentre esses Estados nacionais (em geral monarquias absolutistas) nuncafoi pacfica, ao contrrio, foi marcada por conflitos armados e por umprecrio "equilbrio europeu".

    No sculo XIX, de incio sob o influxo do capital industrial e daRevoluo Industrial, depois sob a batuta do capital financeiro, o siste-ma mundial mercantilista foi superado pelo Sistema Mundial Colonia-lista. A nova configurao apontou para uma partilha do mundo entre aInglaterra, a Frana, a Holanda, a Blgica, a Alemanha e a Itlia.Permaneceram ativos, porm, os imprios coloniais mercantilistas daEspanha e de Portugal, sobretudo nos continentes africano e asitico.Esses imprios, alis, j haviam sofrido uma amputao - a das col-nias hispano e luso-americanas que, semelhana das colnias norte-americanas, obtiveram a independncia poltica. Os Estados-naoeuropeus ento se enfrentaram dos mais diversos modos para comple-tar a conquista dos territrios africanos e asiticos que restavam. Asarticulaes internacionais estabelecidas foram o colonialismo, enten-dido como domnio territorial e econmico; o comrcio distante, mo-vido pelo lucro mercantil; e as religies, que aspiravam regncia dasconscincias.

    Com a Primeira Guerra Mundial e a Revoluo de Outubro naRssia, construiu-se o Sistema Mundial Imperialista que marcou a pri-

  • S I S T E M A S M U N D I A I S E C A P I T A L I S M O S O C I A L 3 5

    meira metade do sculo XX. As democracias liberais confrontaram-secom o totalitarismo fascista, visceralmente expansionista, e com o totali-tarismo comunista que, a despeito da bandeira do "socialismo num spas", abarcava dezenas de repblicas e provncias sob a gide da UnioSovitica. Em paralelo, emergiram os Estados Unidos como potnciaeconmica e depois militar. Lutas anticolonialistas comearam a despon-tar. Duas articulaes internacionais permaneceram em vigor, enquanto aterceira mudou: o colonialismo, o comrcio distante e a mdia (literatura,jornais, rdio, cinema), que superou as misses religiosas ou as religiesno imaginrio coletivo.

    No terceiro quartel do sculo XX, aps a Segunda Guerra Mundial,formou-se o Sistema Mundial Neo-imperialista, caracterizado pela bipola-ridade entre as superpotncias (Guerra Fria entre Estados Unidos e UnioSovitica) e pela constituio de um bloco oriental, formado por pasesvinculados ao socialismo real. O xito da descolonizao na frica e nasia, bem como o protecionismo no comrcio internacional tambm doo tom a esse sistema. Suas articulaes internacionais foram os blocosmilitares (OTAN, Pacto de Varsvia); os blocos econmicos (ComunidadeEconmica Europia, Comecon); e a mdia, que funcionou como agnciade difuso ideolgica, em particular atravs do rdio e da televiso.

    No ltimo quartel do sculo XX, formou-se um novo Sistema MundialCompetitivo, fundado na multipolaridade das potncias militares e econ-micas (ainda que os Estados Unidos fossem a nica superpotncia militar),na globalizao econmica (internacionalizao do processo produtivo, domercado de trocas e dos circuitos financeiros) e no comrcio administrado(Organizao Mundial do Comrcio) com suas medidas de liberalizao ede desregulamentao comerciais. Este sistema est sendo articulado pelamdia, cada vez mais constituda em redes globais, e por blocos econmi-cos, num movimento cuja dinmica est bastante acelerada.2

    Isso posto, no parece que a globalizao econmica esteja levandoa uma homogeneizao universal, de natureza cultural e poltica. Defato, o Sistema Mundial Competitivo confronta civilizaes to dsparescomo a islmica, a confuciana (chinesa), a japonesa, a hindu, a eslavo-ortodoxa e a ocidental, cujas pores anglo-saxnica, europia e latino-americana, alis, abrigam enorme riqueza cultural, tnica e religiosa. Oprocesso em andamento acaba funcionando de forma dialtica: unifor-miza e diversifica, mas tambm unifica e particulariza. Ademais, o regimepoltico liberal - democracia representativa, respeito s liberdades demo-

  • 36 PODER, CULTURA E TICA NAS ORGANIZAES

    crticas e cidadania ativa -, ainda no encontrou adeptos na maior partedos pases contemporneos. Neles predominam de forma persistenteregimes polticos de exceo, com ambas as vertentes - a totalitria e aautoritria.

    O sistema mundial competitivo configura nova diviso internacionaldo trabalho e mantm forte assimetria. O Primeiro Mundo opera umaeconomia de servios e de alta tecnologia, uma economia da informaocom empresas "limpas" (no-poluidoras) e produtos de alto valor. Noplo oposto, a economia do Terceiro Mundo abriga setores poluidores eespecializa-se em produtos agroindustriais, matrias-primas e manufatu-rados de tecnologia intermediria. Contrapem-se, assim, uma econo-mia do conhecimento (knowledge-ware), cujo combustvel a "matriacinzenta", o engenho e o intelecto (brainpower), e economias agroindus-triais, produtoras de hardware, movidas pela fora fsica e pelo laborpenoso, executado em condies precrias. O Primeiro Mundo pareceempenhado em edificar uma sociedade terciria e, a um s tempo, qua-ternria, sintonizado com a avalanche das inovaes geradas pelaRevoluo Digital. Por sua vez, o Terceiro Mundo ainda arrasta as car-roas e os vages das sociedades agrcola (primria) e industrial (secun-dria), alm de atuar como fora de reserva, a reboque do destinoalheio.

    Em sntese, os vrios sistemas mundiais no devem ser concebidoscomo etapas sucessivas no tempo, mesmo que sua descrio sinalize algu-ma periodizao, porque a anlise histrica indica que tais sistemas nose excluem. Bem ao contrrio: eles funcionam de maneira coexistente notempo e co-extensiva no espao. Tome-se o caso de Portugal. Centro deum imprio colonial de caractersticas mercantilistas at a Revoluo dosCravos em 1974, o pas foi sucessivamente periferia dos sistemas colo-nialista, imperialista e neo-imperialista. Ficou, de incio, sob o domnioda Inglaterra (desde a segunda metade do sculo XVII); em seguida, pas-sou para o domnio norte-americano (j no sculo XX); agora integrou-se Unio Europia, bloco econmico que almeja disputar a supremaciado sistema mundial competitivo com o Nafta e a Apec. Nada garanteento a Portugal uma posio hegemnica. Pois repete-se aqui, no seiodos blocos econmicos, o formato clssico que ope pases centrais a pa-ses perifricos. Simplesmente, Portugal fica menos distante do crculoque serve de ncleo ao sistema mundial, funcionando como "periferiaprxima".

  • SISTEMAS MUNDIAIS E CAPITALISMO SOCIAL 37

    SISTEMAS MUNDIAIS diviso internacional do trabalho

    Tributrio

    Mercantil

    Mercantilista

    Colonialista

    Imperialista

    Neo-imperialista

    Competitivo

    Imprio do Meioe estados vassalos

    Povos comerciantes

    Imprios coloniais

    Partilha do mundo

    Democracia xtotalitarismos; lutasanticolonialistas

    Bipolaridade deEUA/URSS, descolo-lonizao, protecio-nismo

    Multipolaridade eglobalizaoeconmica

    Tributo, rendafundiria

    Comrcio distante

    Pactos coloniais,tributo, missesreligiosas

    Colonialismo,comrcio, religies

    Colonialismo,comrcio, mdia

    Mdia, blocos militarese econmicos

    Mdia e blocoseconmicos

    SISTEMA MUNDIAL CARACTERES ARTICULAESINTERNACIONAIS

    A GLOBALIZAO ECONMICAA internacionalizao dos processos produtivos, bem como dos mer-cados financeiro e comercial, transcende as fronteiras nacionais.Como? Em virtude da migrao dos fatores de produo e da intensi-ficao dos fluxos mundiais do comrcio e dos ativos monetrios. Oprocesso tende ento a ocupar todo o espao planetrio, formandoum mercado e uma economia universais, o que o diferencia clara-mente de uma simples mer-nacionalizao, sobretudo porque ga-nham em importncia o fornecimento global (global sourcing) e osprodutos mundiais.

  • 38 PODER, CULTURA E TICA NAS ORGANIZAES

    Quais os fatores-chave da transformao? As telecomunicaes emtempo real (tempo instantneo e nico de mbito mundial), os transpor-tes rpidos e seu barateamento. E mais: a reduo dos custos de mobili-dade dos fatores de produo e o crescimento exponencial do comrciointrafirms; a necessidade de obter ganhos de escala para alcanar preoscompetitivos e as estratgias globais das empresas transnacionais; a revo-luo dos processos produtivos que redefine as vantagens comparativasentre as naes;3 e as aes governamentais voltadas para a implantaode condies que propiciem a competio em escala global. Finalmente,a difuso avassaladora de uma economia do saber, em que a qualidade dafora de trabalho, a cincia e a tecnologia aplicados produo estabele-cem os novos patamares da competitividade internacional.

    O centro nervoso da globalizao econmica encontra-se no siste-ma de comunicaes, em particular nas telecomunicaes, pois a eco-nomia globalizada no corresponde soma de todas as atividades eco-nmicas que se processam no mundo, mas to-somente parte quefunciona em tempo real e em termos planetrios ("globalizados").Embora nos anos 90 esta parte ainda seja pequena - cerca de 10%numa estimativa impressionista -, seu peso especfico a torna determi-nante, de modo que o conjunto das economias nacionais fica extrema-mente vulnervel aos impactos da economia globalizada. Basta dizerque informaes sobre polticas nacionais de elevao de juros, aoserem veiculadas instantaneamente, ou dificuldades para controlar odficit pblico repercutem de imediato junto aos agentes financeirosinternacionais e podem prejudicar os pases envolvidos. Ao contrrio,polticas de austeridade fiscal e de combate corrupo, de privatiza-o dos ativos estatais ou de desregulamentao econmica podem serinterpretadas de forma positiva. Beneficiam ento os pases que as ado-tam com o aumento tanto dos investimentos produtivos como do inter-cmbio comercial.

    Nem por isso, todavia, o processo de globalizao4 pode ser confun-dido com a instituio de uma civilizao planetria ou de uma aldeiaglobal, a no ser como metfora. A interconectividade das redes mun-diais de computadores, as telecomunicaes e as diferentes mdias nogarantem monoplio algum das representaes mentais. E a economiaglobalizada no parece a caminho da pasteurizao. Paralelamente glo-balizao, ocorre um processo de regionalizao em que blocos econmi-cos institucionalizam o protecionismo negociado, diversificam e

  • SISTEMAS MUNDIAIS E CAPITALISMO SOCIAL 39

    tam os mercados em inmeros nichos mercadolgicos e acabam dese-nhando um caprichoso mosaico. Alm do mais, ao lado dos particularis-mos polticos, permanecem extremamente vivas as diversidades culturaise tnicas. Quantas resistncias se erguem em oposio frontal ao modode vida e s idias ocidentais? Em toda parte, h tradies arraigadas,dogmatismos ferozes e um ativismo integrista. Rejeitam-se o individualis-mo e a economia de mercado, o constitucionalismo e o respeito aosdireitos humanos. Questionam-se a liberdade e a igualdade entre osagentes sociais no tocante s origens, aos gneros, s raas ou aos credos.Abominam-se a democracia representativa, o governo pela lei e a separa-o entre a Igreja e o Estado.

    A tese que retoma o velho refro do fim da histria hegeliano - destavez anunciando o triunfo definitivo da democracia liberal, da liberdadeindividual e da soberania popular -, no passa at o presente momentode um wishful thinking. Apenas um tero dos pases do mundo nos anos90 poderia ser classificado como praticante da democracia liberal. E,mesmo assim, desde que utilizados critrios bastante benevolentes. Taispases, alis, vem-se confrontados dentro de suas prprias fronteiras, oufora delas, com a ascenso do neofascismo ou do neocomunismo, com amultiplicao das organizaes mafiosas ou dos traficantes de drogas, ecom a ecloso luz do dia dos chauvinismos, dos etnicismos e dos funda-mentalismos.5

    Alguns extremismos chegam a combinar a defesa apaixonada depadres culturais com algum nacionalismo de colorao tnica e religiosae acabam desembocando na violncia totalitria. Vale lembrar, ainda, aimploso da ex-Unio Sovitica com seu rastro de conflitos intestinos(caso notrio da Chechnia); o esfacelamento da ex-Iugoslvia e o pro-cesso de "limpeza tnica" levado a cabo pelos srvios contra os muul-manos da Bsnia-Herzegovina; as guerras civis no Lbano, na Somlia eem Ruanda, com suas prticas de genocdio; e, por fim, a letal histeria deintegristas islmicos (iranianos, algerianos, egpcios, palestinos, afegos),que se aplicaram a demolir instituies laicas e valores ocidentais, e aassassinar socapa turistas e judeus.6

    No obstante este quadro, o mundo ps-Guerra Fria assiste substi-tuio da segurana militar, visvel nos blocos militares e na polarizaoideolgica entre Leste e Oeste, pela competio econmica em escalamundial. O processo, no entanto, transcorre de forma contraditria.Juntamente com as ameaas e as guerras regionais e localizadas, repon-

  • 40 PODER, CULTURA E TICA NAS ORGANIZAES

    tam entendimentos e acordos. Cabe citar neste ltimo sentido o desar-mamento progressivo empreendido pelas ento duas superpotnciasnorte-americana e sovitica, na dcada de 80; a "paz dos bravos" assina-da entre Israel e a Organizao para a Libertao da Palestina, com otraumtico processo de devoluo de territrios palestinos ocupados; oacordo histrico entre brancos e negros sul-africanos pondo fim ao apar-theid e facultando a eleio de um presidente negro,7 o amplo reconheci-mento das interdependncias entre naes e os esforos esparsos paraequacionar as chamadas comunalidades.8

    Numa outra vertente, despontam as preocupaes relativas aos riscosembutidos no processo de globalizao: o crescimento explosivo daspopulaes do Terceiro Mundo; a degradao das condies de existn-cia em muitos pases perifricos, uma das fontes das migraes interna-cionais dos desesperanados; as brechas abissais que se abrem entreNorte e Sul, pases ricos e pases pobres, pases "rpidos" e pases "len-tos"; a forte limitao capacidade dos Estados para escolher estratgiasalternativas de desenvolvimento ou para manter frmulas tradicionaisnas relaes trabalhistas; o crescimento da desigualdade social e o agra-vamento do desemprego. Esses fatores todos so indcios de que o con-texto histrico do Sistema Mundial Competitivo abriga dilaceramentos echoques. Mesmo assim, inclui tentativas de cooperao internacional e,quem sabe, de disseminao do princpio da solidariedade social.9

    Em paralelo, a expanso universal do capital e a crescente interde-pendncia dos negcios desafiam a autoridade do Estado-nao e pemem risco sua capacidade de controlar decises bsicas das quais depen-dem seu futuro e, em ltima anlise, o prprio futuro do planeta.10 Porexemplo, os governos nacionais no tm como controlar taxas de cmbioou proteger suas moedas. Especuladores podem produzir oscilaes novalor de uma moeda de uma forma tal que o governo simplesmente noconsiga contra-atacar, ainda que gaste bilhes na tentativa de segurar ataxa de cmbio.11 A "mo invisvel" do mercado dispe de um alcancesem fronteiras: move recursos, informaes, pessoas e bens para onde asoportunidades e as taxas de retorno so mais convidativas.12 A competi-o em escala global converte-se ento na dinmica principal da econo-mia mundial, pois aceleram-se as inovaes tecnolgicas e o ciclo de vidados produtos, cresce a oferta no solvvel de bens e servios, magnificam-se as exigncias de mais valor e de mais variedade por parte dos clientes.E, no flanco mais sombrio, acirra-se a pirataria da propriedade intelec-

  • SISTEMAS MUNDIAIS E CAPITALISMO SOCIAL 41

    tual, em virtude de facilidade de acesso aos bens simblicos e ao seu con-sumo imaginrio.13

    Para fazer frente ao novo patamar da competitividade internacional,e de modo aparentemente paradoxal, desenvolvem-se estratgias relacio-nais ou associativas entre inmeras empresas - clientes e fornecedores,concorrentes, competidores potenciais. Ao invs de haver imposies,sob a forma de colonialismos polticos e econmicos, ao invs do mono-plio de mercados e da formao de cartis e de dumpings, enfatizam-seas negociaes, os acordos e as parcerias. Por exemplo, as empresasnacionais que conseguem estabelecer uma conexo com o mundo, querseja de capital, de tecnologia ou de mercado, tornam-se empresas"conectadas" [plugged in), desfrutam de uma contnua atualizao tecno-lgica e tm acesso a financiamentos internacionais e a mercados relati-vamente seguros no exterior. Em contrapartida, as empresas que noesto conectadas {plugged out) ficam muito vulnerveis competio. Demaneira que o setor empresarial acaba obedecendo a nova classificao,em funo da crescente globalizao das economias nacionais. Alm determos empresas estatais, empresas privadas nacionais e empresas priva-das multinacionais, temos agora tambm empresas "conectadas" e outrasno.14

    OS TIPOS DE CAPITALISMO

    Apesar de tudo, estamos vivendo uma nova revoluo capitalista, emparticular no Primeiro Mundo. Esta revoluo rompe a lgica da exclu-so e instala o imperativo da incluso: integra crescentes contingentesda populao ao mercado de consumo e completa o processo de cons-truo da cidadania, com a vigncia de direitos sociais. Graas a umaao obstinada e cotidiana, as entidades da sociedade civil conquistamcada vez mais dimenses novas de autonomia. Eleies peridicas seprocessam, suprimindo restries ao sufrgio universal. A alternncia departidos no poder garante o respeito ao pluralismo ideolgico e vonta-de popular. Mecanismos de democracia semidireta e direta, tais como oreferendo, o plebiscito, o recall