vl_e_a_MPB

162
1 Ermelinda A. Paz VILLA-LOBOS U m a V i s ª o s e m P r e c o n c e i t o E A MSICA POPULAR BRASILEIRA

Transcript of vl_e_a_MPB

  • 1Ermelinda A. Paz

    VILLA-LOBOS

    U m a V i s o s e m P r e c o n c e i t o

    E A MSICA POPULAR BRASILEIRA

  • 2VILLA-LOBOSE A MSICA POPULAR BRASILEIRA

    U m a v i s o s e m p r e c o n c e i t o

  • 3

  • 4Ermelinda A. Paz

    U m a v i s o s e m p r e c o n c e i t o

    VILLA-LOBOS

    Rio de Janeiro, 2004

    E A MSICA POPULAR BRASILEIRA

  • 5 Copyright 2004ERMELINDA A. PAZ

    Trabalho laureado em 1987, no Concurso deMonografia, Villa-Lobos e a Msica PopularBrasileira, promovido pelo Museu Villa-Lobos,em comemorao ao centenrio de nascimentodo compositor.Lanado no Museu Villa-Lobos em 5 de marode 2004, data em que se festeja os 117 anos denascimento de Heitor Villa-Lobos

    Concepo e coordenao editorialERMELINDA A. PAZ

    Foi feito o depsito legal naBiblioteca Nacional.Todos os direitos reservados.

    Digitao e revisoMRCIA TRIGUEIRODAMIO NASCIMENTO

    Projeto GrficoCECLIA JUC DE HOLLANDADesigner AssistenteJACOB ARO ALVES

    Reproduo das fotografias e documentosAcervo do MUSEU VILLA-LOBOS

    Elaborao e gerenciamento do projetoARTE & CULTURA PRODUES LTDA.ELISABETE CID VARELA MADEIRA

    Impresso e AcabamentoASSAHI GRFICA

    Capa: Heitor Villa-Lobos, Paris 19 - -1 guarda: Concentrao orfenica no campo do

    Clube de Regatas Vasco da Gama. Rio deJaneiro, 7 de julho de 1935

    Pg. 1: Villa-Lobos ensaia com a Orquestra deFiladlfia, 1955.

    Pg. 2: Villa-Lobos tocando cuca, dcada de 1940.2 guarda: Villa-Lobos regendo a Orquestra e Coro

    da Radiodifuso da Dinamarca em 1948

  • 6AGRADECIMENTOS

    MUSEU VILLA-LOBOS e ACADEMIA BRASILEIRA DE MSICA,pela permisso de divulgar fotografias pertencentes ao seu acervo;

    EQUIPE DO MUSEU VILLA-LOBOS, na pessoa de seu diretor eviolonista Turbio Santos;

    ACADEMIA BRASILEIRA DE MSICA, por seu procurador Dr.Henrique Gandelman;

    Copacor Edies Musicais, na pessoa da senhora Maria Lourdes Silva,pela autorizao da edio grfica do samba Exaltao a Villa-Lobos, de autoriade Cludio e Jurandir.

    Ao carnavalesco Julio Mattos, in memoriam, pela cesso do material sobreo Carnaval de 1966, do G.R.E.S. Estao Primeira de Mangueira;

    Ao Dr. Carlos Eduardo da Cunha Bueno Guinle, pela permisso para a

    divulgao das cartas do acervo da famlia;

    comunidade musical, pelos importantes depoimentos que contriburamem muito para o enriquecimento deste trabalho: Joyce (em 11/1/1987),Edu Lobo (em 13/1/1987), Joo Carlos de Assis Brasil (em 13/1/1987),Nana Caymmi (em 13/1/1987), Paulo Tapajs (em 13/1/1987), Alusio Dias(em 15/1/1987), Elisete Cardoso (em 15/1/1987), Dona Neuma (em 15/1/1987), Dona Zica (em 15 e 19/1/1987), Bia do grupo Viva Voz (em 21/1/1987), Magro do MPB4 (em 26/1/1987), Wagner Tiso (em 26/1/1987),Julio Matos (em 30/1/1987), Sebastio Tapajs (em jan. 1987), HeriveltoMartins (em 4/2/1987), Wilson e Crispim Gomes da Costa (em 7/2/1987),Gilson Peranzzetta (em 16/2/1987), Mrio Seve (em 24/2/1987), DorivalCaymmi (em 9/3/1987), Lgia Santos (em 5/4/1987), Mozart Arajo (em7/4/1987) e Guilherme Figueiredo (em 21/8/1987);

    Ao violonista Nicolas de Souza Barros, pela assessoria no captulo Villa-Lobos e o violo;

    Aos amigos Fernando e Susana de Souza Barros, pelo apoio recebido;

    Aos meus pais, Pacfico e Edna, minha filha Luciana e meu esposoZanini, por terem sido meu apoio constante em todos os momentos deminha jornada;

    ELETROBRS, na pessoa de seu presidente, professor Dr. Luiz PinguelliRosa, que transformou o sonho de ver este trabalho editado em realidade.

  • 7

  • 8SUMRIO

    Apresentaes

    Turbio Santos ........................................................................... 9

    Luiz Pinguelli Rosa ................................................................ 11

    Introduo ................................................................................. 13

    Sintese biogrfica .......................................................................... 15

    Dados pessoais, documentos, preferncias ............................... 20

    O Brasil e a msica brasileira na obra de Villa-Lobos ................ 21

    As concentraes orfenicas e a presena de msicos populares 25

    Villa-Lobos e o carnaval antigo. Sdade do Cordo ................... 33

    A Frota da Boa Vizinhana ........................................................... 44

    O samba clssico ........................................................................ 51

    Encontro de gigantes ..................................................................... 54

    Villa-Lobos revisitado por msicos populares ............................. 60

    Villa-Lobos e o violo ................................................................ 71

    Estes brasileiros ilustres ................................................................. 76

    CODA ...................................................................................... 88

    Discografia ................................................................................... 94

    Bibliografia .................................................................................... 109

    Anexos ...................................................................................... 111

    ndice onomstico .............................................................................. 157

  • 9

  • 1 0

    A identidade de uma nao est intimamente ligada expressocultural de seu povo. Por isso, motivo de satisfao para aEletrobrs patrocinar o premiado trabalho da pesquisadoraErmelinda A. Paz sobre Heitor Villa-Lobos, um dos cones daarte brasileira.

    O prmio concedido a esta obra pelo Museu Villa-Lobosdemonstra a importncia da pesquisa da autora, que nos brindacom um material indito, rico em depoimentos e documentao.Ermelinda A. Paz desvenda a influncia da msica popular navida de Villa-Lobos e revela o amor do maestro s nossas razes e nossa histria.

    Valorizar as mais diversas manifestaes artsticas, de Norte aSul do pas, tambm compromisso da Eletrobrs. Nossa empresase orgulha de estar entre as principais patrocinadoras da culturabrasileira e contribuir para viabilizar obras como esta, que resgataa histria do compositor que imprimiu em suas partituras a almado Brasil.

    Luiz Pinguelli Rosa

    Presidente da Eletrobrs

    Heitor Villa-Lobos, So Paulo, 1932.

  • 1 1

  • 1 2

    impressionante a capacidade de sntese, de objetividadena informao, de sinceridade na conduo da pesquisa deErmelinda A. Paz.

    Em todos os seus trabalhos existe como uma flecha que parteem direo ao leitor trazendo o essencial da informao,despojado de adjetivos ornamentais e achismos nebulosos.

    Na matria complexa, rica e dificlima que a vida e obra deVilla-Lobos, Ermelinda navega com a mesma destrezademonstrada na biografia de Jacob do Bandolim. Ela no pretendeencerrar o tema. Ao contrrio, traz sua contribuio com certezade enriquecer o debate em torno da vida musical do Brasil emtodos os mltiplos aspectos onde o talento de Villa-Lobos nosafirma como cultura e nao. com muito prazer e orgulho querecomendo a leitura desta obra.

    Turbio SantosDiretor do Museu Villa-Lobos

  • 1 3

  • 1 4

    INTRODUO

    Falar sobre Villa-Lobos no tarefa fcil. A vida dessa figura magistralda msica brasileira tem sido assunto de trabalhos de autores de renome.Teses, ensaios, artigos podem ser encontrados em livros e publicaesespecializadas, enfocando principalmente o compositor de msica erudita.

    Tarefa muito mais difcil falar sobre Villa-Lobos e a msica popularbrasileira.

    A bibliografia, numerosa, mas insuficiente em alguns aspectos, nos levoua pesquisar procura de dados esparsos em uma ou outra obra, a passarhoras na Biblioteca Nacional e no Museu Villa-Lobos, a ouvir depoimentosno Museu da Imagem e do Som, a consultar peridicos da poca, emconstantes visitas a arquivos de jornais e revistas, a ver e rever, atentamente,microfilmes. Todo esse esforo quase nos fez desistir da idia de realizar opresente trabalho.

    medida que nos debruvamos sobre os livros e artigos; queencontrvamos importantes subsdios para a compreenso da obra de Villa-Lobos em bibliotecas e discotecas particulares, aumentava em ns o interessee a admirao pelo genial msico brasileiro.

    Essa admirao nos deu coragem. E foi com garra e paixo que, deixandode lado a timidez e a inibio inicial, nos animamos a persistir na tarefasonhada: escrever sobre Villa-Lobos e a msica popular brasileira.Acreditamos, modestamente, que contribumos, pelo menos um pouco, como nosso estudo, para a reconstituio da memria nacional relativamente vida e obra de Villa-Lobos.

    Sem a colaborao de vrias pessoas que, com boa vontade, abrirammo do seu tempo, concedendo-nos entrevistas, prestando depoimentos etrazendo informaes preciosas para esta viagem atravs do universo sonorode Villa-Lobos, acreditamos que seria impossvel a realizao deste trabalho.

    A todos que colaboraram, recebendo-nos com ateno e carinho, o nossoreconhecimento.

  • 1 5

    Raul Villa-Lobos, pai do compositor.Heitor Villa-Lobos com um ano de idade, Rio de Janeiro, 1888

  • 1 6

    SNTESE BIOGRFICA

    A 5 de maro de 1887, nasceu Heitor Villa-Lobos. Como a demonstrarsua pressa de vir ao mundo, o filho do casal Raul e Nomia Villa-Lobos foium beb prematuro (sete meses).

    1

    O pai, professor e funcionrio da Biblioteca Nacional, autor de livros dehistria e cosmografia, era bom msico, prtico, tcnico e perfeito.

    2

    Tuh, como era chamado pela famlia, comeou cedo a sua educaomusical. Aos seis anos, levado pelo pai, j assistia a ensaios, concertos eperas. Raul Villa-Lobos procurava despertar no filho o gosto pela msica.

    Assim, criana ainda, Heitor Villa-Lobos iniciou sua aprendizagemmusical, com aulas de violoncelo e clarineta. Freqentada por muitos msicosamigos, a casa de Villa-Lobos constitua um ambiente promissor para acarreira musical do genial compositor.

    O pai o levava casa de Alberto Brando, freqentada por figuras ilustrescomo Slvio Romero, Barbosa Rodrigues e Melo Moraes. E Heitor teve,assim, oportunidade de entrar em contato com conhecedores das razes damsica brasileira.

    A morte de Raul Villa-Lobos, vitimado pela febre amarela, deixou afamlia sem recursos. Heitor tinha 12 anos, e D. Nomia teve que trabalharduramente para assegurar sua subsistncia.

    O jovem Heitor freqentava a casa da tia Zizinha, que, ao piano,interpretava preldios e fugas de Bach. Mas o violo, instrumentodesprestigiado na poca como smbolo de boemia e malandragem, exerciaforte atrao sobre ele.

    Saindo de casa aos 16 anos para ir morar na casa de uma tia, o jovem Villa-Lobos ganhou a liberdade para se juntar a um grupo de chores. Lideradospelo violonista Quincas Laranjeiras, faziam parte do grupo: Luiz de Souza (nopisto), Luiz Gonzaga da Hora (no baixo); Spndola, Juca Kalu e FelisbertoMarques (na flauta). Anacleto de Medeiros no saxofone, Macrio e Irineu deAlmeida no oficlide e Z do Cavaquinho completavam o grupo.

    importante lembrar o prestgio do choro na poca. Era mais valorizadodo que o samba.

    Tinha mais prestgio naquele tempo. O samba, voc sabe, era mais cantado nosterreiros, pelas pessoas mais humildes. Se havia uma festa, iam logo chamar os chores; ochoro era tocado na sala de visitas. L no quintal e para os empregados, era tocado osamba, so palavras de Pixinguinha.

    3

    1Coube a Vasco Mariz o mrito de haver esclarecido a data certa do nascimento de Villa-Lobos (MARIZ,Vasco. Heitor Villa-Lobos: compositor brasileiro. Rio de Janeiro: MEC/DAC/MVL, 1977, p. 27-28).2Desde a mais tenra idade iniciei a vida musical, pelas mos de meu pai, tocando um pequeno violoncelo. Meu pai, almde ser homem de aprimorada cultura geral, era um msico prtico, tcnico e perfeito. MARIZ, Vasco, op. cit., p. 29.3In SODR, Muniz. Samba (o dono do corpo). Rio de Janeiro: Codecri, 1979 (Coleo Alternativa), p. 62.

  • 1 7

    Quando entreinaquele meio os chores no foipara me divertir, esim para me imbuirdaquele clima

    O quartel-general do grupo de chores era O Cavaquinho de Ouro,situado anteriormente na Rua do Ouvidor e depois na Rua da Carioca n 44,de propriedade de Joo dos Santos Carneiro. L eles se reuniam antes desuas apresentaes, onde tocavam composies de Calado, Luiz de Souza,Viriato, Nazareth, Anacleto de Medeiros e outros.

    Essa fase marcou muito a sensibilidade do genial compositor. O contatocom a msica genuinamente brasileira iria influenciar toda a sua obra futura.

    Quando entrei naquele meio os chores no foi para me divertir, e sim para meimbuir daquele clima, disse mais tarde Villa-Lobos a D. Arminda Neves deAlmeida (D. Mindinha).

    4

    Mozart de Arajo concorda com esta afirmao quando diz: Era umchoro mas gostava mais de ouvir.

    5

    necessidade de conseguir meios para sobrevivncia juntava-se o prazerque lhe proporcionava a vida bomia. E Villa tocou com seus amigos embares, cabars, penses, no Teatro Recreio e no Cinema Odeon.

    Mesmo quando j maestro renomado, no esqueceu seus companheiroschores. Como exemplo, podemos citar o fato de que Z do Cavaquinhoveio a ser funcionrio do Conservatrio Nacional de Canto Orfenico e eraa nica pessoa a ser recebida por Villa-Lobos, a qualquer momento, semque fosse necessrio marcar audincia.

    Em 1905, muito jovem, aos 18 anos de idade, Villa-Lobos, jdemonstrando profundo sentimento nacionalista, comeou a viajar pelointerior do Brasil, iniciando seu bandeirantismo musical.

    A venda de alguns livros raros, que tinha herdado do pai, tornou possvela realizao do seu grande desejo. Querendo conhecer o pas, a gentebrasileira e a sua msica, interessado nas manifestaes folclricas, ele viajoupelos Estados do Esprito Santo, Bahia e Pernambuco. Atuando comomsico mambembe, Villa recolheu ampla documentao musical.

    No ano seguinte, o jovem msico visitou o Sul do pas. A composiotnica dos estados sulinos, com a forte presena e influncia da colonizaoeuropia, fez com que nessa segunda viagem ele no conseguisse recolhermuitos subsdios para pesquisa de manifestaes musicais tipicamentebrasileiras.

    Em 1907, j com 21 anos, matriculou-se no Instituto Nacional de Msica,na classe do professor Frederico Nascimento, para estudar harmonia. Emtroca de aulas de francs, Villa-Lobos estudou harmonia com Agnelo Frana.Estes estudos acadmicos foram logo abandonados. Heitor fez uma terceiraviagem por estes Brasis, atravs de So Paulo, Mato Grosso e Gois, marcandoassim definitivamente sua trajetria autodidata.

    Na quarta viagem, que durou trs anos, ele foi acompanhado pelo amigoe msico Donizetti. Viajaram pelo interior do Norte e Nordeste, tocandoaqui e ali para ganhar dinheiro, travando contato com ndios pacficos paraconhecer sua msica. Conta Vasco Mariz que, de volta ao Rio, surpreendeu-secom sua me, que, crendo-o morto, em virtude da falta de notcias, encomendara umamissa por sua alma.

    6

    Em maio de 1912 realizou sua ltima viagem pelo Norte, pesquisando edando concertos.

    4 Depoimento de Arminda Neves de Almeida ao Museu da Imagem e do Som.5 Comunicao pessoal autora, 7 de abril de 1987.6 MARIZ, Vasco. Heitor Villa-Lobos, compositor brasileiro, p. 42.

  • 1 8

    No sou fruto daSemana de ArteModerna.Eu fui convidadoe fui pago pelo GraaAranha

    H dvidas sobre a data exata da primeira apresentao oficial de Villa-Lobos no Rio de Janeiro. Segundo Luiz Guimares,

    7 foi em 29 de janeiro de

    1915; j o documentrio Um ndio de casaca 1 Parte, levado ao ar pelaRede Manchete no dia 21 de maro de 1987, noticia que a data foi 13 denovembro de 1915.

    Villa-Lobos enfrentou muitas dificuldades para ter reconhecido no Brasilseu gnio musical. Seu trabalho, muito frente da compreenso doscontemporneos, era alvo constante de crticos como Oscar Guanabarino.O artista, alm de um talento incomum, tinha uma espantosa tenacidade. E,at o fim da vida, comps um grande nmero de peas de alta qualidade. Jacometido da doena que lhe tirou a vida, disse: triste a gente morrer, teralguns dias de vida e sculos de msica na cabea! Voc sabe que eu tenho sculos demsica na minha cabea?

    8

    O genial msico brasileiro enfrentou dificuldades financeiras. Para semanter, precisou tocar em conjuntos nas salas de espera de cinemas como oOdeon (onde Rubinstein o descobriu), no Cabar Assrio (Theatro Municipal),em companhias de operetas (Teatro So Pedro), e chegou a vender os direitosautorais de suas primeiras msicas s Casas Arthur Napoleo, Mozart e VieiraMachado, para poder ajudar na sobrevivncia da famlia.

    Quanto participao de Villa-Lobos na Semana de Arte Moderna em1922, ele fazia questo de deixar claro uma coisa: No sou fruto da Semana deArte Moderna. Eu fui convidado e fui pago pelo Graa Aranha.

    9 Segundo Vasco

    Mariz, s a partir de 1922 enveredou decididamente por aquela trilha (nacionalismo),escrevendo o Noneto, os Choros, as Serestas e as Cirandas.

    10

    Finalmente, a 30 de junho de 1923, pelo navio Groix, Villa-Lobos partiupara a Europa pela primeira vez. A viagem foi financiada pela contribuioconseguida, a muito custo e em funo do brilhante e contagiante discursode defesa de Gilberto Amado, na Cmara dos Deputados do Rio de Janeiro,em apoio ao projeto apresentado pelo Sr. Arthur Lemos.

    Negar a Heitor Villa-Lobos 40.000$00, para que possa tomar passageme ir Europa, que nos manda, todos os anos, maestros e pseudo-maestros,s vezes abaixo de nossa cultura negar a Villa-Lobos o direito de ir Europa mostrar que no somos apenas os oito batutas que l sambeiam, negar que pensamos musicalmente, uma atitude no digna da Cmarados Srs. Deputados Brasileiros. No neguemos esta subveno, noneguemos stes 40 contos! Se assim o fizermos, cometeremos umabrutalidade permitam-me a expresso feriremos um artista fatoraro! que o realmente (muito bem) porque hmuitos falsos artistas; mas artistas verdadeiros,quer dizer, homens, super-homens, criadores,capazes de criar como s faz Deus... Ah! isso uma cousa extraordinria!

    11

    7 GUIMARES, Luiz et al.Villa-Lobos visto da platia e na intimidade.Rio de Janeiro: Arte Moderna, 1972.8 Depoimento de David Nasser ao Museu da Imageme do Som.9 Depoimento de D. Mindinha ao Museu da Imagem e do Som.10 MARIZ, Vasco. Heitor Villa-Lobos, compositor brasileiro, p. 101.11 GUIMARES, Luiz et al. Op. cit., p. 91.Desenho L. Celli

  • 1 9

    Eu s sou brasileiroporque existeVilla-Lobos

    Glauber Rocha

    Na pgina seguinte:Nomia Umberlino, me de Villa-Lobos, c. 1890.O jovem Heitor, aos 21 anos, 1908.Villa-Lobo com Arminda em Paris, 1952.

    Um grupo de amigos e admiradores do Rio de Janeiro e de So Paulo seprops a subvencionar a estada de Villa-Lobos na Europa. Podemos citarCarlos e Arnaldo Guinle, Maurice Gudin e madame Santos Lobo, no Rio deJaneiro, e em So Paulo o conselheiro Antnio Prado e a senhora OlviaPenteado.

    Villa-Lobos, como j bem conhecido, viajou em busca de confirmao eaceitao de seu talento artstico pela crtica do Velho Mundo, e no para estudarcom quem quer que fosse. Vocs que vo estudar comigo, teria dito ele, certo queestava de seu valor e capacidade.

    Arthur Rubinstein e Vera Janacpulus muito contriburam para que ovalor de suas composies fosse reconhecido. Juntamente com CarlosGuinle, Arthur Rubinstein foi responsvel pelas primeiras edies das obrasde Villa-Lobos, feitas pela Max Eschig; Rubinstein, emprestando seu nomej reconhecido internacionalmente como um verdadeiro aval, recomendandoo talentoso porm desconhecido compositor, e Carlos Guinle financiandotodas as despesas advindas desse encargo.

    A famlia Guinle auxiliou materialmente o nosso grande msico emmuitas ocasies, apoiando-o desde os primeiros concertos at sua segundaviagem a Paris, em 1927, quando teve disposio um apartamentomobiliado, com todo conforto, com um piano de cauda. Neste apartamentoVilla-Lobos residiu por trs anos.

    12

    Anexamos as cartas de Villa-Lobos a Carlos Guinle pelo fato de haveremsido escritas de prprio punho, tornando-as, assim, documento precioso eoriginal. As palavras s vezes sublinhadas no possuem nenhuma importncia.As cpias xerogrficas so uma reproduo dos originais pertencentes famlia Guinle (Anexo I).

    Podemos dizer que, apesar de todas as vicissitudes por que passou, Villa-Lobos foi um homem de muita sorte. Muito cedo viu sua estada na Europacoroada de xito; muito mais tarde, sua genialidade seria reconhecida noBrasil. Se bem que a amplitude de sua obra no tenha permitido ainda umestudo completo e ainda haja muito a ser feito quanto a publicaes, anlisese gravaes de suas composies, podemos afirmar que raros compositorestiveram o prazer de ver, em vida, sua obra mundialmente reconhecida, o queaconteceu com o nosso genial patrcio.

    Do ponto de vista sentimental, deixando de lado todas as pequenasaventuras, podemos dizer que a vida lhe foi bem generosa. De seu primeirocasamento, a 12 de novembro de 1913, com Luclia Guimares, que durou23 anos incompletos,

    13 temos os seguintes testemunhos:

    14

    12 A famlia Guinle aqui referida diz respeito precisamente a Carlos e Eduardo Guinle.13 Villa-Lobos, como sabido, sempre teve um temperamento difcil e jamais se preocupou em dourarsuas palavras. A franqueza sempre norteou suas colocaes, fossem elas profissionais, sentimentaisou sociais. Assim sendo, rompeu de forma muito dura com sua primeira mulher, conforme relataJanda Gitirana Praia pgina 6 do jornal Programao Funarte de dezembro de 1986: Com esta mesmamarca de rude franqueza ele rompe, em 1936, um casamento de 23 anos com D. Luclia, sua primeira esposa,pianista talentosa e abridora de picadas nos duros primrdios de suas vidas. J apaixonado por aquela que seria suacompanheira nos 23 anos seguintes (D. Mindinha), Villa-Lobos aproveita a conveniente distncia Berlim-Brasil onde se apresentava num Congresso de Educao Musical e escreve: Proclamo a nossa absoluta liberdade. Aovoltar no irei mais para a casa da R. Ddimo n 10, que desde esta data considero unicamente de sua responsabilidade.A articulista refere-se a um Congresso de Educao Musical onde Villa-Lobos se apresentava nacidade de Berlim. Todavia, cumpre esclarecer que o referido evento deu-se na cidade de Praga,Tchecoslovquia. Para maiores esclarecimentos, recomendamos ainda consulta ao Arquivo Histricodo Itamaraty, documentos extrados do volume Ofcios da Misso Diplomtica Brasileira, no perodo demaio de 1935 a setembro de 1936, ou ainda a leitura do captulo O Congresso de Educao Musicalde Praga, Tchecoslovquia, inserido no trabalho Villa-Lobos o educador, desta autora, publicado peloINEP/MEC em 1989, da srie Prmio Grandes Educadores Brasileiros.14GUIMARES, Luiz et al. Villa-Lobos visto da platia e na intimidade. p. 309, 316-318.

  • 2 0

    Nos anos de maior luta, num comeo de carreira em que ele afrontava a opiniogeral e o academismo mais empedernido e ronceiro, Villa-Lobos encontrou na esposaapoio e cooperao Andrade Muricy.

    Aos 24 anos, Villa-Lobos casou-se com a Srta. Luclia Guimares, pianista distinta,laureada no INM do Rio, que muito o ajudou por sua inteligncia, seu inteiro devotamentoe sua absoluta confiana no gnio de seu marido Rodrigues Barbosa.

    Podemos dizer que a atuao de Luclia foi decisiva e importante na fase mais sriada obra de Villa-Lobos, pois sua participao faz-se notar no momento em que o msicoera negado, at entre os brasileiros Helsa Camo.

    Conhecmo-la ainda quando, em pequenas reunies na Vila Rui Barbosa, atuavacomo a verdadeira lanadora da obra inicial de Villa-Lobos, como pianista de classe queera Octvio Bevilqua.

    Para os bigrafos, eles acham que Luclia no teve muita importncia na obra deVilla, talvez influenciados pelo que ele falou mais tarde, mas uma coisa certa: elaajudou muito a Villa. Quando jovem, era inseguro e s vezes agressivo, era ela queprocurava desfazer o mal-estar que Villa fazia sua volta. Era ela quem dava aulas depiano para os filhos da boa sociedade e arcava com a maior parte das despesas da casa,permitindo que Villa se dedicasse mais composio. Luclia era rf de pai, reta, digna,sofrida, uma mulher forte como a me de Villa, que alis aprovava o casamento.

    15

    Foi companheira devotada e auxiliar preciosa, havendo inclusive feito diversasprimeiras audies das obras do mestre, no Brasil e em Paris.

    16

    Sua segunda mulher, Arminda Neves de Almeida, a Mindinha, tambmconviveu 23 anos com ele. Diretora do Museu Villa-Lobos desde a suafundao em 1960, trabalhou incansavelmente pela divulgao de sua obrano Brasil e no exterior, permitindo assim que a memria de Villa-Loboscontinuasse sendo respeitada, cultuada e no casse no esquecimento.

    Dona Mindinha foi uma mulher aparentemente frgil, mas forte o suficiente parapermitir ao genial msico viver com despreocupao seu lado ldico, pueril, irreverentede menino grande. Ela foi a sua empresria, sua relaes pblicas, sua enfermeira.

    17

    O trabalho de D. Mindinha frente do Museu Villa-Lobos digno dosmaiores elogios. Ela conseguiu administrar a instituio de maneira apossibilitar edies de discos e livros. Foi uma verdadeira guardi da memriade Villa-Lobos, e ns todos, admiradores da obra do genial msico, muitodevemos ao seu trabalho e dedicao.

    Sob a direo de D. Mindinha, o Museu instituiu e organizou, alm decursos, conferncias e festivais, diversos concursos de mbito internacional.Podemos citar: concursos de regncia, violoncelo, piano, canto, coro misto,violo e de quarteto de cordas. Toda essa atividade musical teve como objetivodivulgar a obra de Villa-Lobos.

    Considerado o maior compositor brasileiro contemporneo, Villa-Lobosdeixou marcas profundas no ambiente cultural do nosso pas. E GlauberRocha disse, pouco antes de morrer: Eu s sou brasileiro porque existe Villa-Lobos.

    18

    15 Documentrio Um ndio de casaca - 1 Parte. Rede Manchete, 21 de maro de 1987.16 MARIZ, Vasco. Heitor Villa-Lobos: compositor brasileiro, p. 43.17 Depoimento da Professora Maria Augusta. Programao Funarte, Dezembro de 1986, p. 6.18 Palavras de Glauber Rocha - Programao Funarte, Dezembro de 1986, p. 8.

  • 2 1

    DADOS PESSOAIS, DOCUMENTOS, PREFERNCIAS

    Cremos seja interessante incluir no presente trabalho os dados pessoaisde Heitor Villa-Lobos. Sabemos que a grandeza do gnio musical nada tema ver com documentos que so costumeiramente exigidos no preenchimentode currculos e fichas. Considerando, no entanto, que esses papis oficiais,de certa maneira, fizeram parte de sua vida, como cidado e profissional,resolvemos deixar aqui consignados os dados que pesquisamos.

    Dados PessoaisNome: Heitor Villa-LobosApelido familiar: TuhFiliao: Raul Villa-Lobos e Nomia Monteiro Villa-LobosNaturalidade: Rio de JaneiroData de nascimento: 5 de maro de 1887Data de falecimento: 17 de novembro de 1959Cor: BrancaOlhos: CastanhosCabelos: CastanhosAltura: 1m65

    DocumentosCarteira de Identidade: 102 RCarteira Profissional: n 49687 - Srie 27 - 6/1/1937Ttulo de Eleitor: n 18765 - 1 Zona - 32 Seco - 6/11/1957Carteira Nacional de Habilitao: n 55.143Certificado de Registro Definitivo de Professor: n 0134 Passaporte: n 004955 Carteira da SBAT: n 03199 Sindicato dos Msicos Profissionais do Rio de Janeiro: matrcula 42 Associated Musicians of Greater New York: V 604 Grmio Mirim da ABI: matrcula 56-A

    Carteira Social da ABI: matrcula 262Scio Honorrio do Clube Ginstico Portugus

    Instruo: SecundriaProfisso: Msico (instrumentista, regente, educador e,

    principalmente, compositor)1 endereo: Rua Ipiranga, nmero desconhecido

    ltimo endereo: Rua Arajo Porto Alegre 56 - ap. 54Endereo atual: uma esquina qualquer da eternidade

    Outras InformaesSigno: Peixes

    Compositor predileto: Bach e compositorespopulares

    Hobby: jogar bilhar francs, fazer e empinarpapagaios

    Vcio: fumar charutoDivertimento predileto: ouvir novelas e assistir a filmes

    de bangue-banguePerfume predileto: Royal Briar

    A pianista Luclia, primeira esposa do composi-tor, Paris, dcada de 1920.

  • 2 2

    O BRASIL E A MSICA BRASILEIRANA OBRA DE VILLA-LOBOS

    A msica de Villa-Lobos reflete a alma sonora do Brasil e do povobrasileiro. Atravs de suas melodias, ritmos e efeitos musicais, empreendemosuma verdadeira e fantstica viagem atravs dos sons destes Brasis.

    Sim, sou brasileiro e bem brasileiro. Na minha msica eu deixo cantar os rios e osmares deste grande Brasil. Eu no ponho breques nem freios, nem mordaa naexuberncia tropical das nossas florestas e dos nossos cus, que eu transportoinstintivamente para tudo o que escrevo.

    So palavras de Villa-Lobos em Presena de Villa-Lobos - v. 3, p. 107. Emoutra ocasio, falando sobre os compromissos dos compositores com asociedade, ele ressaltou que

    O compositor srio dever estudar a herana musical do seu pas, a geografia eetnografia da sua e de outras terras, o folclore de seu pas, quer sob o aspecto literrio,potico e poltico, quer musical. (Presena de Villa-Lobos v. 2, p. 103)

    Villa-Lobos j afirmara anteriormente que o Brasil havia sido a suaprimeira cartilha, que ele to magistralmente conheceu, espelhou e incrustouno corao da Europa e da Amrica e, por que no dizer, do mundo. Villa-Lobos consagrou-se de forma indubitvel e consagrou tambm a msica eos msicos brasileiros.

    Transcreveremos a seguir alguns depoimentos importantes que revelame reafirmam todo este processo de absoro e transposio para a msica,fruto das andanas e pesquisas de nosso compositor.

    Em 1905, decidiu viajar por sua livre iniciativa. falta de recursos, vendeu boaparte da biblioteca herdada do pai e seguiu em direo ao norte: Esprito Santo,Bahia, Pernambuco o litoral e o interior; ruelas e becos de Salvador e do Recife;engenhos e fazendas; cantos afro-brasileiros, preges da cidade e desafios de cantadoresao som das violas sertanejas. Embora sem disposies para a pesquisa pura, o jovemmsico de 18 anos ouvia e anotava aquela msica, que absorvia com avidez. Folclorista,no sentido cientfico da palavra, Villa-Lobos nunca foi. O folclore sou eu diriamais tarde numa frase de profunda significao para retratar o artista que recolhe eincorpora de tal modo a msica do seu povo sua prpria maneira de ser que,quando se exprime, a voz da prpria terra que se faz ouvir. (Adhemar Nbregain Presena de Villa-Lobos v. 4, p. 16)

    As congadas, os batuques, as macumbas e os candombls com sua raiz religiosa,incorporados pelo negro msica popular, encontraram em Villa-Lobos o intrprete

    Sim, sou brasileiroe bem brasileiro.Na minha msica eudeixo cantar...

  • 2 3

    na msica erudita, tecnicamente insupervel e musicalmente genial. (Cantoraargentina Amalia Bazn in Presena de Villa-Lobos v. 2, p. 13)

    Em suas melodias canta a prpria alma da nossa gente. Em suas harmoniasvibram os clamores da terra, das florestas, das cachoeiras, dos mares e dos cus doBrasil. (Ministro da Educao Clvis Salgado in Presena de Villa-Lobos v. 1, p. 60)

    Tendo senhoreado os processos de improvisadores maliciosos, como os chores cariocas,com os quais conviveu em sua mocidade; conhecendo o mundo precioso, embora limitado,de Ernesto Nazareth e seus predecessores; tomando contato, direta ou indiretamente,com o rico folclore das diversas regies do pas norte, nordeste, centro sul , Villa-Lobos representa o Brasil sonoro em sua totalidade. Presentes na sua obra esto oAmazonas e o Nordeste; as canes populares e as de roda; as danas populares e asvalsas de origem europia; o negro e o nativo. (Pianista Arnaldo Estrella inPresena de Villa-Lobos v. 1, p. 24-25)

    Ainda o citado pianista, pgina 29, fazendo meno s 16 Cirandas deVilla-Lobos, declara:

    So peas curtas, incisivas, baseadas, por vezes, numa frmula pianstica desenvolvidacomo se fosse pequeno estudo instrumental, emoldurando uma cano de roda,acentuando-lhe o significado expressivo, ambientando-a com propriedade.

    Nas 16 Cirandas acima referidas, Villa-Lobos eternizou melodias singelase expressivas do folclore infantil, revestindo-as de grande tcnicacomposicional, sem contudo roubar-lhes o frescor e a singeleza. Assim,Terezinha de Jesus, A condessa, Senhora dona Sancha, O cravo brigou com a rosa (ocompositor se utiliza tambm da cantiga Sapo cururu), Pobre cega, Passa passagavio, X x passarinho (com incidncia da cano Ms de junho), Vamos atrsda serra, Calunga, Fui no Toror, O pintor de Cannahy, Nesta rua, nesta rua, Olha opassarinho, Domin, procura de uma agulha, A canoa virou, Que lindos olhos e Cc c, todas elas eternizadas, visto integrarem o repertrio pianstico universal.

    Andrade Muricy (citado por Adhemar Nbrega in Presena de Villa-Lobos v. 6, p. 18) declara que

    Villa-Lobos fiel e infiel a um s tempo: infiel porque deforma (no sentido esttico daexpresso) a obra annima; fiel porque, mesmo violentada, no perde em suas mos, aflor popular, o seu contedo essencial de humanidade e de humanidade brasileira.

    Alm das Cirandas j citadas, outros temas, como O rei mandou me chamar,recolhido no Recncavo Baiano e aproveitado diretamente na Cantilena dolbum n 1 de Modinhas e Canes; o conhecido canto popular carnavalescoViva o Z Pereira, utilizado no Carnaval das Crianas, na parte denominada Osguizos do Dominozinho; o tango Turuna, de Ernesto Nazareth, revisitado nosChoros n 8; ainda de Nazareth, os tangos Odeon e Atrevido, retratados noConcerto brasileiro para dois pianos e coro misto; e, por ltimo, o ponto culminantedeste processo, o aproveitamento do schottisch Yara, de Anacleto Medeiros,mais tarde conhecido como Rasga o corao devido ao texto de Catulo daPaixo Cearense, que celebrizou-se atravs do monumental Choros n 10,revelam verdadeiras obras-primas de nosso compositor.

    ...os rios e os maresdeste grandeBrasil...:

  • 2 4

    Villa-Lobos recorreu por mais de uma vez ao uso de um mesmo temapara diferentes formaes instrumentais e, ainda, utilizando-se de concepesmusicais distintas com diferentes meios de expresso. Citemos apenasalgumas destas incidncias, guisa de exemplo:

    Nesta rua- arranjada para coro a duas vozes no Guia prtico n 82;- harmonizada para canto e piano no lbum n 2 de Modinhas e Canes, abordando a melodia, com mais recursos tcnicos;- nas Cirandas (n 11), com mais recursos composicionais em relao anterior.

    Nozani-n (tema dos ndios Parecis recolhido por Roquette-Pinto- Canto Orfenico v. 1, n 32, para coro a uma voz;- Choros n 3, para coro masculino e conjunto e sopros;- Canes tpicas brasileiras n 2, para canto e piano e tambm orquestra.

    Adhemar Nbrega19

    diz: Surge o Nozani-n transfigurado (no Choros n 7)pela troca de relaes intervalares, mas reconhecvel na seqncia de suas inflexes.

    A mar encheu- para coro a uma voz Guia prtico n 76a;- para canto com piano, conjunto instrumental ou piano solo Guia

    prtico n 76;- Valsa Espanhola, extrada das Impresses seresteiras, onde a melodia se

    faz entrechocar com as hispnicas castanholas, segundo AndradeMuricy (in Presena de Villa-Lobos v. 7, p. 13);

    - Coral das Bachianas n 4, onde Eurico Nogueira Frana (in Presena deVilla-Lobos v. 11, p. 97) assinala a presena dos temas folclricosA mar encheu, Na corda da viola e Garibaldi foi missa).

    Estrela lua nova- para coro misto a cinco vozes Canto Orfenico v. 2, n 37;- Choros n 12 uma aluso. Cmara Cascudo ressalta neste choro o

    aproveitamento do tema do esquinado;- verso para canto e piano e para canto e orquestra (Canes tpicas

    brasileiras).

    Adhemar Nbrega, nas pginas 20 a 25 de Presena de Villa-Lobos v. 6,nos d as cinco maneiras de Villa-Lobos compor, segundo a classificaopor ele prprio organizada, supostamente em 1947:

    1 agrupamento - com interferncia folclrica indireta2 agrupamento - com alguma interferncia folclrica direta3 agrupamento - com transfigurada influncia folclrica4 agrupamento - com transfigurada influncia folclrica impregnada do

    ambiente musical de Bach5 agrupamento - em pleno domnio do universalismo

    19 NBREGA, Adhemar. Os choros de Villa-Lobos. 2. ed. Rio de Janeiro: MinC / Fundao NacionalPr-Memria / Museu Villa-Lobos, 1974, p. 63.

    O folclore sou eu:

  • 2 5

    Villa-Lobos e Manuel Bandeira durante apresentao de corais infantis no estdio do Fluminense, 1942

    O aproveitamento da temtica popular na obra de Villa-Lobos transcorreinmeras vezes de forma substancial e, na maioria das ocasies, de formaessencial, ou seja, os substratos que ficaram impregnados na memria docompositor, como produto de suas vivncias atravs das viagens e, ainda,do contato com os chores, retornam de forma elaborada atravs de ritmose melodias com ntida influncia do meio em que viveu.

  • 2 6

    No se pode desejar que um pas adolescente, em estado de formao histrica, seapresente desde logo com todos os seus aspectos tnicos e culturais perfeitamente definidos.

    Entretanto, o panorama geral da msica brasileira, h dez anos atrs, era deverasentristecedor. Por essa poca, de volta de uma das minhas viagens ao Velho Mundo,onde estive em contato com os grandes meios musicais e onde tive a oportunidade deestudar as organizaes orfenicas de vrios pases, volvi o olhar em torno e percebi adolorosa realidade.

    Senti com melancolia que a atmosfera era de indiferena ou de absoluta incompreensopela msica racial, por essa grande msica que faz a fora das nacionalidades e querepresenta uma das mais altas aquisies do esprito humano.

    20

    Precisamente naquele momento o Brasil acabava de passar por uma transformaoradical, j se esboava uma nova era promissora de benficas reformas polticas esociais. O movimento renovador de 1930 traara com segurana novas diretrizespolticas e culturais apontando ao Brasil rumos decisivos, de acordo com o seu processolgico de evoluo histrica.

    Cheio de f na fora poderosa da msica, senti que com o advento desse Brasil Novoera chegado o momento de realizar uma alta e nobre misso educadora dentro daminha Ptria. Tinha um dever de gratido para com esta terra que me desvendaragenerosamente tesouros inigualveis de matria-prima e de beleza musical. Era precisopr toda a minha energia a servio da Ptria e da coletividade, utilizando a msicacomo um meio de formao e de renovao moral, cvica e artstica de um povo.

    Senti que era preciso dirigir o pensamento s crianas e ao povo. E resolvi iniciar umacampanha pelo ensino popular da msica no Brasil, crente de que o canto orfenico uma fonte de energia cvica vitalizadora e um poderoso fator educacional. Com o auxliodas foras coordenadoras do atual Governo, essa campanha lanou razes profundas,frutificou e hoje apresenta aspectos iniludveis de slida realizao.

    21

    Com o Decreto n 19.890, de 18 de abril de 1931, sobre a reforma doensino, referendado pelo Sr. Getlio Vargas, tornou-se obrigatrio o ensinodo canto orfenico nas escolas.

    22

    AS CONCENTRAES ORFENICAS E APRESENA DE MSICOS POPULARES

    20 VILLA-LOBOS, H. A msica nacionalista no governo Getlio Vargas. Rio de Janeiro: DIP, [19--] eBoletim Latino-Americano de Msica, t. 6, 1946, p. 502.21 Boletim Latino-Americano de Msica, t. 6, 1946, p. 502-503.22 Para maior compreenso do movimento do Canto Orfenico introduzido nas escolas por Villa-Lobos, recomendamos a leitura do trabalho Villa-Lobos, o educador (disponibilizado no endereoeletrnico: http://usuarios.uninet.com.br/~ermepaz), de nossa autoria, que integra a Coleo PrmioGrandes Educadores Brasileiros 1989, editado pelo INEP/MEC, Braslia, 1990.

  • 2 7

    Em 1932, a convite do Diretor-Geral do Departamento de Educao, fui investidonas funes de orientador de msica e canto orfenico no Distrito Federal, e tive, comoprimeiros cuidados, a especializao e aperfeioamento do magistrio, e a propaganda,junto ao pblico, da importncia e utilidade do ensino de msica. Reunindo osprofessores, compreendendo-lhes a sensibilidade e avaliando as possibilidades e recursosde cada um, ofereci-lhes cursos de especializao com acentuada finalidade pedaggica,dos quais, logo depois, ia surgir o Orfeo dos Professores, onde, como nos cursos,ingressavam pessoas estranhas, atendendo complexidade artstica das organizaes.Procurando esclarecer o pblico, principalmente certos pais de alunos, sobre os objetivosdessa atividade educacional, moveu-me um duplo objetivo: retir-los do estado deincompreenso em que se encontravam e desfazer, de vez, as prevenes que nutriame se refletiam sobre os escolares, ocasionando lamentvel resistncia passiva aos esforosrenovadores da administrao. Num ou noutro aspecto, realizava-se uma ao deindiscutvel alcance educativo.Nem por mais tempo se poderia retardar a verdadeira interpretao do papel damsica na formao das geraes novas e da necessidade inadivel do levantamento denvel artstico de nosso povo. O Canto Orfenico o elemento propulsor da elevaodo gosto e da cultura das artes, um fator poderoso no despertar dos sentimentoshumanos, no apenas os de ordem esttica, mas ainda os de ordem moral, sobretudoos de natureza cvica. Influi, junto aos educandos, no sentido de apontar-lhes, espontneae voluntria, a noo de disciplina, no mais imposta sob a rigidez de uma autoridadeexterna, mas novamente aceita, entendida e desejada. D-lhes a compreenso dasolidariedade entre os homens, da importncia da cooperao, da anulao das vaidadesindividuais e dos propsitos exclusivistas, de vez que o resultado s se encontra noesforo coordenado de todos, sem o deslize de qualquer, numa demonstrao vigorosade coeso de nimos e sentimentos. O xito est na comunho. O orfeo adotado nospases de maior cultura socializa as crianas, estreita seus laos afetivos, cria a noocoletiva do trabalho. S quando todas as vozes se integram num mesmo objetivoartstico, despidas de quaisquer predominncias pessoais, que se encontrar averdadeira demonstrao orfenica.Nas escolas primrias, e mesmo nas secundrias, o que se pretende, sob o ponto devista esttico, no a formao integral de um msico, mas despertar nos educandosas aptides naturais, desenvolv-las, abrindo-lhes horizontes novos e apontando-lhesos institutos superiores de arte, onde especializada a cultura. Oferecendo-lhes asprimeiras noes de arte, proporcionando-lhes audies musicais, cultivando e cultuandoos grandes artistas, como figuras de relevo da humanidade em todos os tempos, esseensino, embora elementar, h de contribuir, poderosamente, para a elevao moral eartstica do povo.Assim, pois, a trs finalidades distintas obedece a orientao traada para as escolasdo Distrito:

    a) disciplina;b) civismo;c) educao artstica.

    23

    Sob este trplice aspecto que a Superintendncia de Educao Musicale Artstica SEMA desenvolveu sua atuao sobre todos os setoreseducacionais do Distrito Federal.

    Disciplina

    Civismo

    Educao artstica

    23 VILLA-LOBOS, H. Programa do ensino de msica. Departamento de Educao do Distrito Federal,Srie C. Programas e Guias de Ensino, n 6. Distrito Federal: Grfica da Secretaria Geral de Educaoe Cultura, 1937, p. viii.

  • 2 8

    Tendo Villa-Lobos resolvido o problema da integrao da msica navida social da coletividade, tratou de implantar cursos de aperfeioamento eespecializao em msica e canto orfenico, j que estes iriam fornecer ocorpo de professores especializados para fomentar o desenvolvimento detal misso.

    Visando atender aos objetivos j delineados, foi organizado um programapara atender s necessidades de ordem tcnica. Este programa constava de23 pontos, sendo neste caso interessante ressaltar o de nmero 21, intituladoQuadro Sinptico para o estudo geral da msica popular brasileira.

    Havia, ainda, outro problema: quais as melodias a ensinar? No haviaum repertrio musical adequado para servir a este fim. Foi ento que Villa-Lobos empreendeu a tarefa de selecionar material para servir de base aotrabalho de formao de uma conscincia musical e, como no podia deixarde ser, o folclore brasileiro foi o esteio principal. Deste esforo resultou oGuia prtico, importante obra didtica, destinada a dar criana umconhecimento mais ntimo do folclore brasileiro, em todas as suas maisimportantes manifestaes.

    A preocupao de Villa-Lobos com a assimilao do nosso folclore,com a valorizao e vivificao das nossas razes, sempre foi uma constante.

    Estuda-se a criao de um Instituto de Educao Popular Musical. Com aorganizao desse Instituto, entre outros fins elevados, a SEMA pretende lanar asbases de educao popular, fazendo passar sob o julgamento imparcial e idneo asprodues dos compositores populares, desde os de Cultura Mdia at os morros,classificando-os para que no se influenciem pelo folclore estrangeiro.

    24

    Para Villa-Lobos, as demonstraes cvico-orfenicas no tinham carterde exibies artsticas ou recreativas. Ele pretendia contribuir para a formaoe disciplina coletiva de grandes massas.

    Elas visam to-somente prover o progresso cvico das escolas, pois que nossa gente,talvez em conseqncia de razes raciais, de clima, de meio, ou dos poucos sculos daexistncia do Brasil, ainda no compreende a importncia da disciplina coletiva doshomens.Devemos, pois, considerar cada uma dessas demonstraes como aula de civismo,no s para os escolares, mas, principalmente, para o povo, cuja prova de sua eficinciaest justamente no visvel progresso que, de ano a ano, se observa nas atitudes cvicasdo nosso povo.A primeira demonstrao realizada teve por principal fim despertar o entusiasmodos nossos escolares pelo ensino de msica e canto orfenico, e, desse modo, colaborarcom os educadores na obra da educao cvica e do levantamento do gosto artstico doBrasil.

    25

    Estes trechos, escritos pelo prprio Villa-Lobos, so, a nosso ver,justificativa suficiente para a realizao das grandes concentraes orfenicasque, realizadas durante o perodo do governo de Getlio Vargas, tm dadomotivo para controvrsias de base ideolgica.

    24 VILLA-LOBOS, H. O ensino popular da msica no Brasil. Distrito Federal: Departamento de Educaodo Distrito Federal, 1937 p. 40-41.25 VILLA-LOBOS, H. O ensino popular da msica no Brasil, p. 12-13.

    Abaixo: Villa-Lobos ensaiando para concentraono campo do Fluminense, Rio de Janeiro, 1932.

  • 2 9

    As demonstraes tinham lugar, geralmente, nos dias da Independncia,da Bandeira, Pan-Americano, da Msica etc.

    D. Mindinha, em depoimento gravado no Museu da Imagem e do Som,informa:

    Villa-Lobos, quando organizava estas demonstraes, era um verdadeiro engenheiro.Ia para o campo e media tudo e organizava tudo, como se fosse um mapa. Regia depalet e pijama russo, para chamar a ateno.

    A infra-estrutura do SEMA era completa. Do Mapa Geral dasCircunscries constavam indicaes detalhadas feitas pelos professoresespecializados, como nmero de alunos, classificao das vozes e repertriopor escolas, de modo a possibilitar uma concentrao, em pouco tempo,sem prejuzo do trabalho letivo de rotina.

    A questo poltica, ou seja, o envolvimento de Villa-Lobos com o EstadoNovo, com Getlio, que muitas vezes foi suscitada por aqueles que noestavam altura de compreender as verdadeiras razes que levaram umhomem da notabilidade de Villa-Lobos a se ocupar de to espinhosa misso,cremos que j foi mais do que esclarecida.

    Homero de Magalhes, primeiro pianista a gravar as Cirandas de Villa-Lobos, declarou ao Jornal do Brasil em 8 de maro de 1987: Considero umaidia barata associar o nome de Villa-Lobos ao totalitarismo: ele tinha a cabea muitocheia de msica para pensar em outra coisa.

    Na mesma reportagem, lemos a opinio do musiclogo e professorJos Maria Neves: Villa-Lobos tirou proveito de sua relao com Vargas, mas tambmfoi usado pelo Estado Novo, por causa de sua capacidade de organizar concentraesorfenicas, que serviam ao objetivos do populismo.

    Sobre o assunto, a opinio de Mozart de Arajo, conhecido musiclogo:Getlio se utilizou do gnio, do temperamento de Villa-Lobos para reforar sua idia depopulismo, educando o Brasil pela msica.

    26

    A finalidade de Villa-Lobos era interessar o Governo em prestigiar a educaomusical nas escolas. Ele se preocupava com a educao do povo. No queria formarmsico, e sim pblico. a informao de D. Mindinha Villa-Lobos, emdepoimento prestado no Museu da Imagem e do Som.

    Villa-Lobos era apoltico: sua nica poltica era o progresso da msica e da educaomusical.

    27

    Infelizmente, essa faceta de seu talento no foi compreendida. Os seus contemporneosno entenderam que, ao realizar aquelas concentraes escolares, ele queria despertarna criana o interesse pela nossa msica popular e pelas artes. Para realizar essetrabalho, ele deixou, ao final de sua vida, de se dedicar mais s suas composies.Villa queria alfabetizar musicalmente as crianas, ensinar preceitos de educao,despertando a responsabilidade de cada uma. Pode ter sido tachado de fascista oucomunista, mas esse era o pensamento dele.

    28

    Hoje eu compreendo que Villa-Lobos, para perseguir o que ele queria, ele seaproximava de quaisquer governos, quaisquer pessoas, pouco se incomodava com aatitude de cada um, com o pensamento ou ideologia, porque ele tinha uma ideologia

    26 Comunicao pessoal autora, 4 de abril de 1987.27 Depoimento do musiclogo Luiz Heitor Correa de Azevedo. O Estado de S. .Paulo, 17 nov. 1984, p.14.28 Depoimento de D. Mindinha ao Museu da Imagem e do Som.

    Villa queriaalfabetizarmusicalmenteas crianas

    D. Mindinha

  • 3 0

    prpria, que no era propriamente uma ideologia poltica, era uma ideologiasentimental. Ele era um nacionalista sentimental e era um homem convencido de queo Brasil inteiro precisava cantar.

    Ele achava que a criana deve comear a aprender a cantar desde que comea abalbuciar as primeiras slabas. E para que isso acontea, preciso que a me saibacantar. E que depois, quando a criana for para a escola, encontre professores quesaibam ensinar a cantar. Esta foi a principal razo pela qual ele fundou o orfeo efundou depois o Conservatrio Nacional de Canto Orfenico, para treinar professoresque soubessem ensinar canto.

    Hoje, eu acho que todos os governos que no apoiaram Villa-Lobos cometeram umgrave crime contra o pas. Ele foi um extraordinrio professor, que deu uma lioque ningum ouviu.

    29

    No jornal O Globo de 27 de novembro de 1933, pgina 3 (edio damanh), encontramos a seguinte observao:

    A grandiosidade de uma festa de educao cvica, de arte e f. No campo do Fluminensevibrou a alma nacional em expresses inditas. Alm da regncia trplice (a maissuave e doce regncia da Histria do Brasil) dos maestros Francisco Braga, JoandiaSodr e Chiafiteli, as mos dominadoras e os olhos hypnticos de Villa-Lobos, ogrande educador brasileiro. No se pode deixar de ver realado o brilho e a galhardia

    29 Depoimento do reitor da Universidade do Rio de Janeiro (Uni-Rio), professor e escritor GuilhermeFigueiredo, em 21 de agosto de 1987. Guilherme Figueiredo escrevia sobre msica na Revista do Brasile no O Jornal. Tratou de alguns problemas relativos msica de Villa-Lobos junto a Max Eschig, apedido de D. Mindinha e do Itamaraty, como adido cultural.

    Abaixo: Concentrao orfenica no campo doClube de Regatas Vasco da Gama. Rio deJaneiro, 7 de julho de 1935

    a criana devecomear a aprendera cantar desdeque comeaa balbuciar asprimeiras slabas

  • 3 1

    com que se incorporaram a essa Festa de Rhythmo as bandas musicais do Exrcito,Polcia, Bombeiros e Batalho Naval.

    Estiveram presentes Sr. e Sra. Getlio Vargas, Cardeal D. Sebastio Leme, ProfessorAnsio Teixeira, Ministro da Marinha, secretrios dos demais Ministrios, Dr.Amaral Peixoto, representando o interventor Pedro Ernesto, e figuras de granderepresentao social.

    Estas apresentaes tiveram como palco o estdio do Fluminense, oestdio do Vasco da Gama, a Esplanada do Castelo, o Largo do Russel etc.,sendo que em 24 de maio de 1931, em So Paulo, no campo da AssociaoAtltica So Bento, foi pela primeira vez realizada no Brasil e na Amrica doSul uma demonstrao orfenica, denominada Exortao Cvica, sob opatrocnio do interventor paulista, Joo Alberto.

    A presena de msicos populares de renome, como solistas, nasrepresentaes, deu-se no final da dcada de 1930. Villa-Lobos, com isso,queria mostrar o seu apreo pelos intrpretes e tambm valorizar a msicapopular.

    Vrias foram as vezes em que Villa-Lobos se manifestou elogiosamentea respeito dos grandes intrpretes da msica popular brasileira. Um exemplo a frase que transcrevemos: Silvio Caldas era o professor natural da msica decmara vocal no Brasil.

    30

    O primeiro a participar destas apresentaes orfenicas foi AugustoCalheiros, apelidado de Patativa do Norte, cantando o Sertanejo do Brasil, em7 de setembro de 1939, na solenidade da Hora da Independncia. AugustoCalheiros era uma espcie de Fagner da poca, o que escreve Hermnio Bello deCarvalho.

    31

    Em janeiro desse mesmo ano, esse cantor participou, na exposio doEstado Novo, de Danas Tpicas Brasileiras, integrando o conjunto regional,ao lado de Jararaca, Xerem, Jos Soares, M. Alvarenga, Bentinho, Joo daBaiana, Joo Pernambuco, Pixinguinha, Vidraa, Valzinho, Aristteles Couto,Manoel Gomes da Silva, Waldemar, Eldio, Nelson de Miranda e LuperceMiranda.

    No programa deste evento constam vrias escolas de samba que tomaramparte no desfile e em algumas danas. Entre os organizadores destaca-se,entre outros nomes, Jos Gomes da Costa (Z Spinelli).

    Uma das reunies orfenicas contou com a participao de FranciscoAlves, O Rei da Voz. Em 7 de setembro de 1940 o conhecido cantorinterpretou a msica Meu jardim, de Ernesto dos Santos (Donga) e DavidNasser, dirigido por Villa-Lobos (Anexo 2).

    Tambm o grande intrprete do cancioneiro popular brasileiro, SilvioCaldas, participou de uma das apresentaes orfenicas. Dirigido por Villa-Lobos, no dia 7 de setembro de 1941, ele foi o solista da antiga modinhaGondoleiro, acompanhado por banda e coro a duas vozes (Anexo 3).

    30 Frase dita pelo genial maestro, de acordo com a publicao Presena de Villa-Lobos v. 6, p. 143, etambm in CARVALHO, Hermnio Bello de. O canto do paj. Rio de Janeiro: Espao e Tempo / MetalLeve, 1988, p. 53.31 In Programao Funarte, dezembro de 1986, p. 5. Nmero dedicado a Villa-Lobos, com a foto docompositor na capa e os dizeres: 87 O Ano de Villa.

    Silvio Caldas erao professor naturalda msica de cmaravocal no Brasil

  • 3 2

    A ltima participao ficou a cargo do modinheiro Paulo Tapajs,32

    quenos revela:

    Nunca gravei Villa-Lobos. Meu grande relacionamento com ele foi da poca doCanto Orfenico. Em 1952, fui convidado por ele para cantar a parte solista dacano Prespio do Villa, com versos da Beata Virgine (1563), do Padre Jos deAnchieta. Esta apresentao deu-se a 7/9/52 no ptio do MEC, hoje Palcio daCultura, e fez parte das comemoraes do Dia da Independncia. S para que setenha uma idia da grandiosidade da apresentao, vou dizer como era: eles armaramarquibancadas e dois palanques, num ficava o Villa e no outro eu, com a participaode um orfeo de dez mil figurantes (vozes), composto por alunos das escolas secundrias(Instituto de Educao, Escola Normal Carmela Dutra e Colgio Pedro II), tcnicose professores de Canto Orfenico, mais o Coro do Theatro Municipal. Os ensaioseram feitos nos lugares onde estes grupos de crianas estavam sediados. Ora numaescola, ora noutra. Quando comeava a ficar mais ou menos pronto, o Villa metelefonava para que eu desse uma passada para ensaiar.

    Paulo Tapajs teve ainda outro contato com Villa-Lobos, na poca emque era diretor da Rdio Nacional. Villa-Lobos regeu a Orquestra Sinfnicada Rdio, tocando msicas dele, mais de uma vez. Conta-se inclusive, quecerta ocasio, ficou altamente entusiasmado com a qualidade dos msicosda Orquestra e fez um pequeno discurso no final, enaltecendo o valor dosmsicos. Paulo Tapajs continua:

    No sofri nenhuma influncia de Villa-Lobos. Fui sempre um intrprete. O rumodele era um e o meu, outro. Quanto obra dele, uma coisa fantstica! As Cirandas,o modo como ele utilizava o material folclrico, transformava uma coisa simples,rude, numa coisa rica. Os Choros e, em especial, o de n 10, o Choros n 1 paraviolo, mostram a importncia que ele dava msica popular. Villa tem uma raizforte, muito autntica, a maneira como ele re-harmonizava as canes, como porexemplo, a Viola quebrada, extraordinria; essas coisas a gente no esquece.

    33

    Ainda sobre concentrao orfenica, cabe ressaltar um interessanteepisdio que foi narrado por Jota Efeg:

    Nem s no folclore Villa-Lobos foi buscar temas para muitas de suas obras musicais.[...] Foi assim, indo ao encontro das coisas comuns, procurando marcas positivas dearte at nos que faziam msicas s de ouvido os orelhudos, estes s vezes conseguindosurpreendente riqueza meldica , que certa noite Villa-Lobos apareceu na Escolade Samba Recreio de Ramos. Estava acompanhado de Ansio Teixeira, e a Escolarealizava um dos seus ensaios preparatrios para o desfile de domingo de Carnavalna Presidente Vargas. To ilustre presena deu ao apronto grande animao. [...]

    Ouviu-se, ento, o trilar convencional do apito do diretor de harmonia, o tamborsurdo deu a clssica pancada oca e o samba Legio dos Estrangeiros, cujo autor,Ernani da Silva, era um humilde vendedor de jornais, foi entoado.

    Foi, pois, emocionando o Moleque Sete (apelido do autor) que Villa-Lobos o felicitoue lhe pediu permisso para, possivelmente, us-lo numa adaptao que conservaria

    Os ensaios eramfeitos nos lugares ondeestes grupos decrianas estavamsediados. Ora numaescola, ora noutra

    Paulo Tapajs

    32 Comunicao pessoal autora, 13 de janeiro de 1987.33 Depoimento pessoal autora, 13 de janeiro de 1987.

  • 3 3

    ntido, em essncia, o seu desenho meldico. Era uma honraria jamais sonhada queo jornaleiro Ernani da Silva estava obtendo.

    34

    Esse gesto de Villa-Lobos encorajou Ernani e a Escola a inscreverem osamba num concurso que seria patrocinado pelo jornal A Nao em 4 defevereiro de 1934, no Estdio Brasil da Esplanada do Castelo. Ernani obteveo primeiro lugar, constatando, assim, a seriedade dos votos de louvor quelhe fizera Villa-Lobos.

    Ainda Jota Efeg, em O Globo de 8 de janeiro de 1985, 2 Caderno, p. 5,dizia:

    Aquele pedido para transformar o bonito samba em cano escolar foi confirmado,pois Villa-Lobos convidou Alberto Ribeiro para fazer uma letra de sentido educativoe, fazendo um novo arranjo meldico, transformou-o na cano Meu Brasil.Depois, numa festa cvico-escolar realizada no dia 7 de julho de 1935 no estdio doClube de Regatas Vasco da Gama, um coral de escolares (25 mil) cantou MeuBrasil, sendo muito aplaudido. A massa coral entoava, sob a regncia do prprioVilla, a cano que ele ouvira no ensaio de uma escola de samba.Em ritmo diverso, com novos versos, despido de ziriguidum, pormconservando a melodia original, o samba do jornaleiro Ernani foidignificado.

    Esta msica integra o 1 volume do Canto Orfenico, sob o n 14, pgina25, editado pela Vitale em 1940.

    Villa-Lobos valorizava os homens que faziam msica popular, em relaoaos acadmicos e intelectuais. Vejam o que ele disse a um intelectual quetravava um debate pblico contra os sambistas e foi por ele ridicularizadona dcada de 1950:

    Os sambistas so incultos, no tm cultura, mas tm inteligncia, tm raciocnio,tm mais imaginao que voc. Eles tm imaginao, muita imaginao, eles tm umsentido irnico, eles sabem observar os problemas populares, ridiculariz-los.

    35

    34 EFEG, Jota. Figuras e coisas da msica popular brasileira v. 2. Rio de Janeiro: Funarte, 1980, p.16-17.Onde Villa-Lobos d samba o ttulo do artigo.35 Documentrio Um ndio de casaca 2 Parte, transmitido pela Rede Manchete de Televiso em28 de maro de 1987.

    ...um coralde escolares (25 mil)cantou Meu Brasil......entoava, sob aregncia do prprioVilla, a cano queele ouvira no ensaio deuma escola de samba...

    Jota Efeg

  • 3 4

    importante recordar os costumes dos antigos carnavais, com osanimados cordes to apreciados pelo jovem Villa-Lobos, antes de falarno grupo de folies que ele organizou e ao qual deu o nome de Sdade doCordo.

    36

    O Carnaval Carioca, no princpio deste sculo, j comeava a renunciar s prticasdo entrudo. Repudiava o estpido lanamento de baldes de gua, o arremesso depunhados de farinha de trigo, de limes cheios de lquido nem sempre odoroso, ebuscava novos divertimentos. [...] Surgiam, ento, pouco depois, os conjuntosdenominados Z Pereira de criao atribuda a um portugus de nome Jos Nogueirade Azevedo Paredes, e que reunia alguns homens forudos a martelar incessantemente

    VILLA-LOBOS E O CARNAVAL ANTIGO.SDADE DO CORDO

    36 Posteriormente a este trabalho, fomos levados a uma pesquisa mais aprofundada sobre o Sdadedo Cordo, onde, alm do aproveitamento deste captulo, inserimos dados, incluindo documentaomusical e iconogrfica sobre a reedio do Bloco, em 1987, pelo Museu Villa-Lobos, como parte dascomemoraes do ano de centenrio de nascimento do compositor.

    Abaixo: Os Sapos chegando no terreiro, fazen-do a guarda de honra da Rainha

  • 3 5

    bombos enormes fazendo barulho ensurdecedor. O Z Pereira evoluiu para oscordes propriamente ditos (pois essa denominao servia, tambm, para designarqualquer grupo carnavalesco).

    37

    O abre-alas era constitudo de ndios que, em grande nmero e comevolues imitativas dos nossos selvagens, sopravam chifres de boicomo cornetas, produzindo silvos e inventando palavras imitando o linguajardos silvcolas. Arcos e flechas completavam a iluso carnavalesca. As armasindgenas eram empunhadas como se, com elas, os falsos ndios fossematacar o povo.

    Depois do abre-alas vinha o ponto alto dos cordes o estandarte.Considerado como o smbolo, a bandeira que particularizava cada cordo, oestandarte era confeccionado com luxo e criatividade. Bordados mo oupintados com capricho, os estandartes tinham tanta importncia no carnavalda poca que eram exibidos nos balces de jornais, bem antes do perodo deMomo. O Jornal do Brasil e a Gazeta de Notcias estimulavam a criatividade doscarnavalescos, concedendo prmios aos cordes que apresentassem osestandartes mais bonitos, ricos e originais.

    Mascarados, usando fantasias, os carnavalescos do cordo constituamuma massa heterognea em que palhaos, diabos, baianas, caveiras, Clvisse misturavam com prncipes, princesas e velhos usando enormes mscaras.

    A figura do Velho era de grande importncia no cordo. Pretos ou brancos,eles constituam uma atrao comparvel aos destaques das escolas de sambade hoje. Apoiados em grandes cajados, exibiam-se em evolues, caminhandocom dificuldade, como se carregassem realmente o peso dos anos.

    A dana dos velhos, seus passos e os volteios que eram chamados deletras, era considerada um ponto importante para o sucesso dos cordes.Havia um verdadeiro confronto entre velhos dos cordes. E o aplausopopular consagrava os que melhor desempenhavam esta funo carnavalesca.A complicada coreografia, muitas vezes demorando mais de meia hora, dosVelhos, a tcnica e o virtuosismo demonstrados em suas letras, contribuampara que os cordes em que se apresentavam fossem vencedores dapreferncia popular.

    Os cordes eram dirigidos por um mestre ou chefe que, usando umapito, comandava o grupo.

    Segundo consta, o incio do sculo XX foi a grande era dos cordes. guisa de informao, somente no ano de 1902 a polcia licenciou 200. Datamdesta poca Os Teimosos da Chama e o Grmio Carnavalesco Dlia deOuro.

    Em 1905, aumentou de tal modo o nmero de cordes que o jornal OPaiz declarou que, mesmo que nenhum clube sasse rua, mesmo que nohouvesse passeata das grandes sociedades, s o desfile dos cordes j seriagarantia de um magnfico carnaval.

    Em 1906, a Gazeta de Notcias promoveu o primeiro concurso entre oscordes: o mais luxuosamente trajado ganharia o primeiro prmio, um ricoestandarte, e o segundo lugar seria para o mais original: Uma menohonrosa em artstica bandeira. Foi to grande o nmero de concorrentesque a Gazeta se viu obrigada a desdobrar os prmios: dois estandartes evrias menes honrosas.

    38

    Os cordes costumavamexaltar e enaltecer o tipode beleza da mulherbrasileira a morena.

    37 EFEG, Jota. Ameno Resed: o rancho que foi escola. Rio de Janeiro: Letras e Artes, 1965, p. 65.38 ENEIDA. Histria do carnaval carioca. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1965, p. 124-125.

  • 3 6

    Os cordes costumavam exaltar e enaltecer o tipo de beleza da mulherbrasileira a morena. Por muitas dcadas, somente a morena foi cantada edecantada nos festejos momsticos. S bem mais tarde a loura passa a sertambm enaltecida, j no samba.

    Os temas das msicas cantadas pelos cordes em seus desfiles iam desdeas poesias mais romnticas e singelas, passando pelos rouxinis, pela rosa,pela morena, at o chorar das desgraas nacionais, caricaturando ouenaltecendo os acontecimentos ptrios.

    Briguento, arruaceiro, o cordo reunia entre seus componentes famosos capoeiras,gente que nos encontros ocasionais ou propositados, com os adversrios, botava o paupra com.

    39

    Em 1907 a Polcia Federal proibiu a sada de dois. Teimosos da Gamboa eTeimosos da Chama. A rivalidade entre eles crescera de tal modo que os conflitosentre os dois tornaram-se inevitveis.

    40

    Com o intuito louvvel, alis, de evitar os conflitos entre os cordes e grupos carnavalescosnas competies de rua, foram postas em prtica medidas policiais, que tiveram efeitoscontrrios existncia dos cordes, pois impediam as referidas medidas que os grupos ecordes se encontrassem nas ruas para as danas, de maneira que, sendo essa a suaverdadeira concepo, ou finalidade, em pouco desapareciam eles, surgindo ento osranchos de efeitos diferentes completamente dos cordes e grupos.

    41

    Em 1911 desaparecem os cordes, surgindo em seu lugar os ranchos.Estes deram nova feio ao carnaval carioca, cabendo a primazia datransformao aos ranchos Ameno Resed e Flor de Abacate. O AmenoResed veio a ser considerado, mais tarde, como um marco na histria docarnaval brasileiro.

    O Ameno Resed, ao ser fundado, trouxe como uma de suas pretenses no apenascriar uma novidade no carnaval carioca para fugir ao que lhe era comum e at mesmotradicional. Seus organizadores cuidaram, e principalmente isto, de que a renovaoa ser feita tivesse qualidades artsticas em todas as suas facetas ou aspectos. O sentidopopular intuitivo para lograr boa recepo no seria, no entanto, desprezado.

    Tendo em conta o cunho dos festejos carnavalescos, mesmo sem tentar erudio, arealizao seria esmerada, de bom gosto, com o escopo de agradar o mais possvel. Orancho deveria ser, como acabou sendo, uma escola onde os co-irmos pudessemaprender novas maneiras de formao de um cortejo, de constituio de um prstito.Ensinaria como juntar, para resultado brilhante, roupagens, alegorias plsticas, luzese musicalidade. A soma de todos esses elementos bem dosados daria, como sempredeu, um espetculo ferico, atraente, deslumbrante.

    42

    O Ameno Resed, aoser fundado, trouxecomo uma de suaspretenses no apenascriar uma novidade nocarnaval carioca

    Jota Efeg

    39 EFEG, Jota. Figuras e coisas do carnaval carioca. Rio de Janeiro: Funarte, 1982, p. 177.40 ENEIDA, p. 130.41 EFEG, Jota. Ameno Resed: o rancho que foi escola, p. 74. Jos Ramos Tinhoro, pgina 80 de seutrabalho Msica popular (Rio de Janeiro: JCM, [19--), confirma essa observao.42 EFEG, Jota. Ameno Resed: o rancho que foi escola, p. 96.

  • 3 7

    Com este objetivo, a nova sociedade procurou trazer para seu quadrogrande nmero de carnavalescos conhecidos que, junto aos entusiasmadoscomponentes fundadores, contriburam para a merecida fama do AmenoResed.

    Para se ter uma idia, msicos categorizados como Z do Cavaquinho(Jos da Silva Rabello); Quincas Laranjeiras (Jos da Conceio), excelenteviolonista e exmio choro; Henrique Martins (ex-trombonista da Orquestrado Theatro Municipal) e os pistonistas da Banda do Corpo de Bombeiros,dirigida pelo maestro Anacleto de Medeiros, participavam gratuitamente dosensaios e dos desfiles do rancho.

    Muitos msicos de renome foram atrados pela sociedade, graas aurola de seualto padro artstico, nela ingressando com entusiasmo, dispostos a colaborar namanuteno de tal categoria, e mesmo elev-la mais. Jos Barbosa da Silva, opopularssimo Sinh, cognominado o Rei do Samba, uma das glrias da msicapopular brasileira, fez parte da orquestra do Ameno Resed tocando flauta e violo.

    43

    Mas, como informa Jota Efeg,

    Em 1940 j os ranchos estavam no ocaso. Os poucos que persistiam no carnavalapenas mantinham viva a tradio gloriosa do Ameno Resed, do Flor do Abacate,do Arrepiados, do Recreio das Flores e tantos outros. No mais constituam aatrao que foram nos anos de 1910 a 1930 (talvez um pouco antes).

    As escolas de samba evoluram, numerosas, esbanjando luxo. Haviam deixado deser os simples blocos, grupos ou embaixadas com as baianas gingando na batida dostambores, dos pandeiros e cucas intercalando o seu mugido.

    44

    Ningum mais se recordava dos cordes como foram retratadosanteriormente. Eles passaram a existir no arquivo da memria popular, nalembrana daqueles que os viveram ou assistiram a seus desfiles na primeiradcada do sculo.

    A gente que em 1940 jamais havia visto um autntico cordo ia conhec-lo, graasao esprito revolucionrio e audacioso de Heitor Villa-Lobos. Ento, no dinamismocom que sempre caracterizava seus empreendimentos, o nosso famoso msico resolveufazer ressurgir em plenitude, na maior fidelidade possvel, um verdadeiro cordo.No um simples arremedo, uma boa ou perfeita imitao capaz de convencer e at deagradar os no entendidos.Villa-Lobos queria fazer ressurgir um cordo tal como o foram o Terror das Chamas,o Pavor dos Inocentes do Morro do Pinto, o Prazer da Pedra Encantada e tantosmais. Todos de nomes pouco (ou nada) poticos, mas de notria agressividade. Eformando uma assessoria de entendidos do riscado, buscando a cooperao de vriosintegrantes de velhos cordes, dentre eles o famoso Pai Aluf, Jos Gomes da Costa,de apelido Z Espinguela, iniciou os preparativos.

    45

    O nome j estava decidido: Sdade do Cordo.

    A gente que em1940 jamais haviavisto um autnticocordo ia conhec-lo,graas ao espritorevolucionrioe audacioso deHeitor Villa-Lobos

    Jota Efeg

    43 Idem, p. 102.44 EFEG, Jota. Figuras e coisas do carnaval carioca, p. 176.45 Idem, p. 177.

  • 3 8

    Condizente com o enredo do Cordo, que era uma revivescncia doscarnavais do incio do sculo, como bem mostra o Extrato de Estatutospublicado na Seco I do Dirio Oficial de quarta-feira, 17 de janeiro de 1940(Anexo 4), foi nomeada uma comisso para dirigir os festejos carnavalescosdo Cordo, tendo como seu presidente Jos Gomes da Costa.

    D. Zica, importante figura da Mangueira, nos deu a seguinte informao:Villa-Lobos conheceu o Z Spinelli aqui na Mangueira, pois ele morava no Iraj masno saa daqui. O Z Spinelli foi tambm um dos fundadores da Mangueira.

    46

    Os filhos de Z Espinguela, Wilson e Crispim Gomes da Costa,informam em seus depoimentos:

    47

    Os ensaios eram sempre aos domingos, das 16 s 22 horas. O maestro vinhasempre aqui com a patroa dele. Naquela poca o endereo era Travessa Violeta n29, Iraj, depois que passou a ser Rua Baro de Jaguari n 52. No tinha morronenhum. O lugar o mesmo, s mudou o nome. Na poca no havia luz, gua, nemasfalto. Era rua de terra. O maestro disso aqui no entendia muito. Nesse assuntoele estava por fora, ele era famoso na msica. Tudo era o Espinelli. O velho eramuito animado; ele fazia de tudo e era muito respeitado e conhecido. A nossa casaera muito freqentada por Cartola, Paulo da Portela, Ary Barroso, Carlos Cachaae Villa-Lobos.

    O pai era o ndio Tuchau e desfilava com um lagarto vivo, mas tinha palhaos, clvis,diabinho, velhos, sapos, ndios e a folia (que era uma fantasia cheia de guizos). Eudesfilei junto com minha me, na ala dos velhos e meu irmo Crispim desfilou demorcego branco. Quando terminou tudo, ns levamos todas as roupas para o maestroVilla-Lobos, l no Conservatrio da Urca. Naquela poca era uma verdadeiraviagem! O pessoal chamava o velho de uma poro de nomes, Z Spinelli, ZEspinguela, Pai Aluf, mas o nome mesmo era Jos Gomes da Costa. Muita coisaeu no sei, porque quando o pai morreu eu tinha 11 anos e naquela poca crianano partilhava de conversa de adulto.

    Ouvindo o depoimento de Tia Rosinha, gravado para o arquivo sonoroMemrias da Riotur, pudemos acrescentar mais alguns detalhes a respeitode Z Spinelli. Tia Rosinha, comadre dele, e prima da porta-bandeiraMocinha, freqentava as festas na casa do Spinelli desde os tempos doEngenho de Dentro. Ela foi tambm uma das pastoras do Grupo do PaiAluf, tendo participado das gravaes para o maestro Stokowski no navioUruguay. O Spinelli, segundo ela, foi ndio Tuchau (chefe).

    O Spinelli primeiro morou no Engenho de Dentro, depois na Baro deJaguari, que era onde tinha o Centro e onde nasceu o Sdade do Cordo. Alihavia reunies de msica com Ismael Silva, Nelson Cavaquinho, Paulo daPortela, Cartola etc. Quando terminava a funo, comeava o pagode. Elenasceu em 1901 e morreu com 42 anos (por volta de 1943).

    Villa-Lobos quis reconstituir o verdadeiro esprito carnavalesco retratadopelo Sdade do Cordo. E, para isso, nenhum detalhe escapou sua aguadapercepo. Como exemplo da preocupao do maestro pela perfeitaapresentao do Cordo, podemos lembrar o texto publicado em O Globode 2/2/1940, que transcrevemos a seguir:

    Abaixo: O Maestro Villa-Lobos d instrues aPai Alufa, que est vestido de chefe ndio

    46 Comunicao pessoal autora, 15 e 19 de janeiro de 1987.47 Comunicao pessoal autora, 7 de fevereiro de 1987.

  • 3 9

    Prompto para desfilar o Sdade do Cordo, o reprter estranhou que a Rainha dosDiabos esteja com a barba por fazer.

    O maestro Villa-Lobos explica:

    A rainha homem. Homem? Sempre foi e conservamos os costumes dos velhos carnavaes, com suas tradies eseus apparentes erros.

    Em todas as manchetes de jornais havia meno ao acontecimento. OSdade do Cordo estava sendo o ponto alto do Carnaval de 1940, umaverdadeira apoteose. O Correio da Manh de 6/2/1940 dedicava quase que acapa inteira ao evento e assim o retratava:

    Sdade do Cordo Embaixada que veio lembrar o Momo dos bons tempos. Umpouco daquele carnaval gostoso, ingnuo, cheiroso, animado, que a batuta em frias deum maestro brasileiro ressuscitou para o carioca de hoje.

    At as duas horas estava bastante pacfica a Feira de Amostras. Foi precisamente aesta hora, a marcada para o incio do Sdade do Cordo, que o povo comeou aentrar, mas a entrar em massa em grandes bandos. Entraram de repente e encheramo vasto recinto em meia hora. No escapou nada durante esta meia hora. Quandocircunvagamos os olhos pela Feira at pelos telhados havia gente. E o carioca provouque se no macaquito pela mania de imitao, realmente macaco na hora de subirem alguma coisa.

    L pelas tantas os observadores assignalaram algo vista. O maestro Villa-Lobosappareceu no meio do grande quadrado onde se exhibiria o Cordo e desappareceu denovo... Esperou-se mais. Nada. De vez em quando, partido de algum grupo, propagava-se o tradicional grito:

    T na hora! T na hora!

    Muita gente j se impacientava e queria ir embora, protestava, prometia vaias tremendasao Cordo inteiro se demorasse mais cinco minutos. Isto eram quatro e pouco.

    O Cordo s entrou s cinco mas dissolveu todas as impacincias.

    Acolhido com palmas pelo numeroso pblico que lotava as alamedas, os componentesdo Cordo caminharam cantando: Adeus, bela morena,/ Em teu nome ouvi falar./Vamos ver o Sdade do Cordo / Que saiu a passar.

    48

    Os primeiros a se apresentar foram os ndios, caracterizados comperfeio nos enfeites e indumentria. No meio dos ndios, a atriz AnitaOtero escolhida por Villa-Lobos para ser a Rainha dos Caboclos com oestandarte do grupo, que representava uma vitria-rgia, sustentada por umsapo e presa por dois bodoques cruzados, tendo de cada lado cobrasvermelhas e verdes.

    Sdade doCordo...Um pouco daquelecarnaval gostoso,ingnuo, cheiroso,animado,...

    48 EFEG, Jota. Figuras e coisas do carnaval carioca, p. 178.

  • 4 0

    A beleza fascinante da atriz, a harmonia do seu bailado eram realadaspela coreografia dos bailarinos, entre eles o clebre Perna Fina, que causavaadmirao com as figuraes de dana, as j famosas tesoura, corta-jaca emiudinho.

    Os ndios traziam na mo bichos vivos, e um deles, o Z Espinguela,dava beijos na cabea de um lagarto. Juntamente com os ndios entravam oscaboclos, o cacique-chefe, a rainha dos caboclos, os caciques, os guerreiros,os caadores, o paj e Tup. Logo a seguir, 14 sapos-homens, com enormesmscaras de papelo imitando sapos, chefiados pelo monstro do rioAmazonas. Bem mais atrs (10 metros) vinha o grupo dos velhos, palhaos,rei e rainha dos diabos, diabinhos, morcegos, e o segundo estandarte, mscaraagigantada de um amerndio zangado, carregada por um homemextraordinariamente robusto e musculoso.

    A invaso do ambiente dos ndios e caboclos pelos velhos, diabos etodos os componentes do segundo grupo, fez com que os primeiros seaproximassem selvagemente e com ameaas, roando o estandarte da Vitria-rgia no do Amerndio, como se fosse uma instigao, uma batalha. Aospoucos esse clima de animosidade foi melhorando, at que todosconfraternizaram e se cumprimentaram numa euforia incomum, culminandocom o beijo dos dois estandartes em sinal de paz e alegria.

    Depois disso, como sinal de confraternizao, todos danaram na grandepraa central da feira ao ritmo das zabumbas, reco-recos, chocalhos, surdos,tamborins, pratos de loua e cornetas de chifre.

    O Dirio de Notcias de 6/2/1940 publicou o seguinte:

    Formaram o Cordo as seguintes figuras:

    Grupo de ndios e Caboclos:Jos Gomes da Costa (Cacique-Chefe)Annita Otero (Rainha dos Caboclos)Joaquim dos Santos (Cacique)Manoel Marinho dos Santos (Paj)Joo da Matta (Tupan)40 ndios e caboclos14 sapos-homens

    Grupo do Cordo dos Velhos (velhos e velhas):Delfino Euzbio Coelho, Gasto Ferreira da Silva, Valentim JosMarcellino, Geraldina Gomes da Costa (mulher de Z Spinelli), DalvinaRegis, Wilson Gomes da Costa (filho de Z Spinelli), Alberto Ribeiro daMotta, Alamiro Honorato da Motta e Francisco de Mello Albuquerque.

    Palhaos:Francisco Henrique dos Santos, Wenceslao Rodrigues, Lourival Gomesda Costa (parente de Z Spinelli), Claudionor Rodrigues Marcellino,Valentim Bento Gonalves, Balduino dos Santos Jnior e Jos Domingosdo Amorim.

    Rei do Diabo: Roque Olivio Gomes.

    Rainha dos Diabos: Gabriel Rufino Ribeiro.

    ...que a batutaem frias de ummaestro brasileiroressuscitoupara o cariocade hoje...

  • 4 1

    Sargentos:Antenor dos Santos, Joaquim Vieira, 10 diabinhos e 2 morcegos (umdestes morcegos era Crispim Gomes da Costa, filho de Z Spinelli).

    Mestre de Canto e Bateria: Boaventura dos Santos.

    2 Mestre: Oswaldo Cardoso.

    40 executantes (bateria e coro).

    Intelectuais, jornalistas, musicistas, homens de letras, autoridades dogoverno prestigiaram o maestro Villa-Lobos, aplaudindo mais esta criaode um apaixonado pelas manifestaes da cultura popular. A imprensa deugrande cobertura ao desfile, contribuindo para a divulgao do evento.

    Assim, podemos ler em O Globo de 3/2/1940:

    O maestro Villa-Lobos com o seu grupo Sdade do Cordo vae reviver este anoo Carnaval de 1900. O Sdade do Cordo se exhibir na Feira de Amostras, nasegunda-feira, s 14 horas, e na tera, s 13 horas.

    Tambm o Correio da Manh de 4/2/1940 assim noticiava oacontecimento:

    O maestro Villa-Lobos, um apaixonado estudioso do riqussimo mundo folclricobrasileiro, acaba de dar os ltimos retoques aos ensaios a que vinha submetendo aenorme legio de seus auxiliares. No h, entretanto, inveno e sim estylizao decoisas muito do Brasil e do Carnaval. Sdade do Cordo apresentar ao pblicoum espetculo de arte puramente brasileira, inspirado na bizarra concepo esthticado gnio nativista poca colonial.

    E o Dirio de Notcias de 3/2/1940:

    H uma grande curiosidade em torno da apresentao do Sdade do Cordo,iniciativa do maestro Villa-Lobos sob o patrocnio do DIP (Departamento daImprensa e Propaganda). Pae Aluf o Cacique-Chefe, embora todos obedeam orientao artstica do maestro Villa-Lobos. Bailados, cantos, indumentria, lendasamaznicas, tudo obedece inspirao pittoresca das mais profundas camadaspopulares do Brasil. Terminado o desfile, o Sdade do Cordo seguir o itinerrioque a polcia determinar.

    O Jornal do Brasil de 6/2/1940 tambm comentou a iniciativa de Villa-Lobos:

    A apresentao esse ano do Sdade do Cordo, um bloco carnavalesco baseado em motivosdo carnaval antigo, est constituindo a nota de maior sensao. Entregue capacidadeartstica do maestro Villa-Lobos, a interessante organizao carnavalesca promete empolgara cidade.Hontem realizou-se na Feira de Amostras a primeira exibio do original cordo e o seudesfile est marcado para hoje depois de uma concentrao na Praa Tiradentes. Da desfilarpela Rua da Carioca, Rua da Assemblia, Avenida Rio Branco e Rua Santa Luzia.

    Os ndios traziamna mo bichos vivos,e um deles,o Z Espinguela,dava beijosna cabeade um lagarto

  • 4 2

    A Noite de 7/2/1940 publicava:

    Sdade do Cordo foi, sem dvida, o ponto culminante do Carnaval de 1940.Merece um registro especial o nmero de autoridades e artistas que compareceram Feira compartilhando com o povo as agruras de um sol causticante.O Sdade do Cordo organizado pelo maestro Villa-Lobos constituiu a nota originaldo Carnaval deste ano. O desfile do cordo evocativo foi acolhido com retumbantesaplausos de uma grande massa popular.

    Na mesma data, saiu em O Globo:

    Como toda gente esperava, o Sdade do Cordo organizado pelo maestro Villa-Lobos constituiu uma nota differente no Carnaval deste ano.

    O entusiasmo que levou Villa-Lobos a solicitar o patrocnio da Prefeitura,do DIP, e a tirar dinheiro do prprio bolso para realizar seu sonho, eraperfeitamente compreensvel. Saudosista e grande folio, o maestro no se

    Recorte do jornal A Noite Dominical de 4 defevereiro de 1940

  • 4 3

    preocupou em fazer reviver um cordo apenas pelo aspecto cultural. Anosso ver, ele sentia a necessidade emocional de viver novamente aquiloque, em sua meninice e juventude, havia sido to importante.

    Villa no dispensava o bloco de sujo na segunda-feira de carnaval. Reunia osamigos mais da intimidade e rumavam para a Praa Onze. Uma vez, garoto ainda,me incorporei a esse bloco, e graas a isso assisti a uma batucada ainda das antigas.O tempo levou da memria letra e msica do que cantavam. Ficou o espetculo.

    Uma roda imensa onde todos cantavam o estribilho. Para o centro ia um dosbatuqueiros, improvisando versos, exibindo passos. Findo seu recado, chegava-se aum outro, figurava uma coreografia de capoeira terminada em reverncia, convitepara o outro mostrar do que era capaz. E os assistentes aplaudiam, vivavam,provocando baba em Villa-Lobos, sempre atento s manifestaes de nossa culturapopular. [...]

    No ano que me deixou uma baiana grudada nos olhos para sempre, Arthur Rubinsteinterminara sua temporada de concertos j nas proximidades do carnaval. Grandeamigo de Villa-Lobos, tendo emprestado a autoridade de seu nome para torn-loconhecido na Europa, aceitou o convite do compositor para ficar mais uns dias noRio e ver nossa festa maior. A sada do bloco do maestro se dava sempre no maiorestardalhao, o que provocava inevitveis protestos de Lopes Trovo, pois lhe perturbavaa espera sossegada do ltimo carro (estava contando tempo para morrer). [...]

    E liderando o bloco no auge da alegria, como tambm de uma total falta de jeito ecadeiras convenientemente moles para o remelexo, l ia Arthur Rubinstein metidona pele da nica fantasia que tinha sido possvel arranjar-lhe ltima hora: umabaiana deslumbrante, com torso de seda e tudo.

    49

    Vrias vezes nos perguntamos: por que o Sdade do Cordo s desfilouem 1940? O sucesso de seu desfile tendo sido to grande, por que no foirepetido no ano seguinte? Wilson e Crispim Gomes da Costa, filhos de JosGomes da Costa, nos deram a resposta: O pai logo em seguida ficou doente, e nodava para fazer essas coisas sem ele. Ele morreu muito jovem ainda, em 1943.

    50

    Maria Augusta F. Machado da Silva, no Boletim Tcnico-Cultural doMuseu Villa-Lobos, Ano 2, n 1, de 1984, p. 3, nos d uma outraverso:

    Recortes de jornais, colecionados pela senhora Arminda Villa-Lobos, contam que,em 1941, Sdade do Cordo voltou a se apresentar, embora desfalcado emconseqncia de dissenes internas entre seus componentes.

    Como num mgico movimento de batuta, o Museu Villa-Lobos incorpora seuhomenageado e reedita seu gesto. O Sdade do Cordo volta a sair no Carnaval de87, ano do centenrio do compositor, com desfile certo no dia 5 de maro (data de seuaniversrio), uma quinta-feira aps cinzas.

    51

    O Sdadedo Cordo foi,sem dvida,o ponto culminantedo Carnavalde 1940

    49 LAGO, Mrio. Na rolana do tempo. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileiro, [1976], p.151-152.50Comunicao pessoal autora, 7 de fevereiro de 1987.51 Jornal do Brasil, 20/1/1987, p. 1.

  • 4 4

    Com grande produo cnica e musical o Sdade do Cordo, 47 anos depois de seuprimeiro desfile, tem o mesmo enredo com que o bloco se apresentou em sua primeirapassagem: Recordao do Passado.

    A ndia destaque ser a atriz e bailarina Rita Freitas, que estar ocupando o lugarque no passado foi da atriz Anita Otero.

    O Mestre-Sala Cacique ser o bailarino Carlos Jesus, que vai reviver Jos Espinguela.O grande passista de 1940 foi Perna-Fina, que ser homenageado por Carlos Ramos,tambm bailarino.

    Como fonte de inspirao para a criao das fantasias, o grupo do Museu Villa-Lobos tem 17 aquarelas pintadas por Di Cavalcanti, a pedido de Villa-Lobos, eque representam figuras marcantes nos cordes.

    52

    No motivo de admirao para ningum que esta iniciativa dehomenagear o nosso grande msico, revivendo o Sdade do Cordo, tenhasido tomada por uma equipe formada por Frederico Bonfatti TeixeiraMonteiro, Grace Elizabeth, Jnio Paulo, Lgia Santos, Marcelo Rodolfo,Mrcia Ladeira, Maria Cristina Mendes, Mrio Lago Filho, Mrio OtvioVieira, Martha Clemente, Paulo Gouvia e Valdinha Barbosa.

    Equipe essa liderada por Turbio Santos, ele tambm msico de categoriaexcepcional. Turbio Santos tem sido o maior divulgador da obra violonsticade Villa-Lobos no Brasil e no exterior.

    52 Jornal do Brasil, 14/2/1987, Caderno Cidade, p. 5.

  • 4 5

    O Liner Uruguai da Frota da Boa Vizinhana, que entrar na Guanabara natarde de hoje, devendo atracar no Armazm n 1 do Cais do Porto s 17 horas, traz aseu bordo a j famosa All American Youth Orchestra composta por uma centena dejovens norte-americanos de ambos os sexos, diplomados por vrios conservatrios deMsica dos Estados Unidos e criada especialmente pelo clebre maestro Dr. LeopoldStokowski, para uma tourne de aproximao artstico-social entre as Amricas.

    A presente tour de Stokowski e da sua All American Youth Orchestra obedece assim mais ampla e oportuna das obras de fraternidade cultural entre os povos do Novo Mundo.

    53

    A FROTA DA BOA VIZINHANA

    53 Jornal do Brasil, 7/8/1940, p. 11.

  • 4 6

    O maestro Leopold Stokowski conhecido pelo nosso pblico atravs do filme 100homens e uma menina e atravs dos comentrios jornalsticos em torno de sua arte,de seu carter e de suas aventuras sentimentais. Acompanham a orquestra de jovenspan-americanos, vrios tcnicos de gravao de discos da Columbia, com o propsitode gravarem composies sul-americanas.

    54

    O Brasil havia sido escolhido como ponto de partida para esse surrealistacruzeiro de Good Will, que se estenderia Argentina, ao Uruguai e a vriasrepblicas da Amrica Central.

    No Rio de Janeiro, Stokowski e sua orquestra fizeram duas apresentaes,nos dias 7 e 8 de agosto de 1940, no Theatro Municipal. O ltimo concertono Brasil foi em So Paulo, no Theatro Municipal, no dia 9. Do programado primeiro concerto constavam: Bach, Fuga em Sol menor; Brahms, Sinfonian 1 em Cm; Mignone, Primeira Fantasia Brasileira, encerrando com Wagner,Canto de Amor de Tristo e Isolda. A substituio da Fantasia Brasileira deMignone pelo Prlude laprs-midi dun faune, de Debussy, ocorreu, segundoo Dirio de Notcias de 8/8/1940, em virtude da demora no despacho dabagagem. No se pode garantir que o motivo da substituio tenha sidorealmente o publicado.

    No segundo concerto, a pianista Magda Tagliaferro, grande virtuosebrasileira, foi a solista de Momo Precoce, de Villa-Lobos. Constou do programa,ainda, a Sinfonia n 5 de Tchaikowsky, terminando a apresentao com oPssaro de Fogo de Strawinsky.

    Stokowski solicita a cooperao de Villa-Lobos, no sentido de recolher msicaspopulares do Brasil, destinadas ao Congresso Folclrico Pan-Americano, que estariaprogramado. Esclarecia tambm que, em virtude de seu grande interesse pelas melodiasdesta terra, custearia todas as despesas da pesquisa, cuja relao a