VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM … · região do Hunsrück, num recorte...

27
1 VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM SANTA CATARINA – BRASIL (1829-1889) Toni Jochem * * * * Historiador Onze famílias (...) partiram certo dia, cantando alegremente, do pequeno lugarejo de Löffelscheid, no Hunsrück, para um novo lar. (...). O Brasil era lembrado como um paraíso na terra. Henrique Schauffler 1 Um dos aspectos que muito nos chama a atenção no Estado de Santa Catarina, Sul do Brasil, é o seu multifacetado perfil étnico. Basta ressaltar que nesse Estado, há a presença da etnia alemã em muitas cidades; em muitas outras, a presença marcante é a dos italianos; mas, também marcam presença os holandeses, em Biguaçu; os austríacos, em Treze Tílias; os suíços, na região de Joinville; e, no Planalto Serrano, os japoneses. Igualmente, mencionam-se os poloneses, presentes em diversas regiões; os franceses, no Norte do Estado; os letos, na região Sul; os açorianos, os madeirenses e os portugueses em muitas cidades, notadamente nas do litoral. Finalmente e do mesmo modo, merecem destaque os belgas na região de Ilhota, além de muitas outras etnias 2 , que compõem o citado perfil dos catarinenses. * Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e Mestre em História pela Universidade Federal de Santa Catarina. O teor desse artigo, sob o mesmo título, foi apresentado pelo seu autor em forma de palestra no IX° CAAL – Encontro das Comunidades de Fala Alemã da América Latina, realizado na cidade de Frutillar, no Chile, em novembro de 2011. 1 SCHAUFFLER, Henrique. Da Vida de um Alemão no Brasil. Crônica de Matthias Schmitz. In: Blumenau em Cadernos, Blumenau, nº 05, 1987, p. 153 e 154. 2 Entre elas citamos: a grega, a libanesa, a bucovina, a pomerana, a húngara, a ucraniana além dos afrodescendentes e dos indígenas. Esse caldeirão étnico-cultural catarinense, em estudos mais apurados, poderá revelar à descoberta da presença de outras etnias não citadas no presente trabalho.

Transcript of VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM … · região do Hunsrück, num recorte...

Page 1: VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM … · região do Hunsrück, num recorte cronológico que compreende o período de 1829 a 1889 e se concentra na região da Grande

1

VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM

SANTA CATARINA – BRASIL (1829-1889)

Toni Jochem∗∗∗∗ Historiador

Onze famílias (...) partiram certo dia, cantando alegremente, do pequeno lugarejo de Löffelscheid, no Hunsrück, para um novo lar. (...). O Brasil era lembrado como um paraíso na terra.

Henrique Schauffler1

Um dos aspectos que muito nos chama a atenção no Estado de Santa Catarina, Sul do Brasil, é o seu multifacetado perfil étnico. Basta ressaltar que nesse Estado, há a presença da etnia alemã em muitas cidades; em muitas outras, a presença marcante é a dos italianos; mas, também marcam presença os holandeses, em Biguaçu; os austríacos, em Treze Tílias; os suíços, na região de Joinville; e, no Planalto Serrano, os japoneses. Igualmente, mencionam-se os poloneses, presentes em diversas regiões; os franceses, no Norte do Estado; os letos, na região Sul; os açorianos, os madeirenses e os portugueses em muitas cidades, notadamente nas do litoral. Finalmente e do mesmo modo, merecem destaque os belgas na região de Ilhota, além de muitas outras etnias2, que compõem o citado perfil dos catarinenses.

∗ Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e Mestre em História pela Universidade Federal de Santa Catarina. O teor desse artigo, sob o mesmo título, foi apresentado pelo seu autor em forma de palestra no IX° CAAL – Encontro das Comunidades de Fala Alemã da América Latina, realizado na cidade de Frutillar, no Chile, em novembro de 2011. 1 SCHAUFFLER, Henrique. Da Vida de um Alemão no Brasil. Crônica de Matthias Schmitz. In: Blumenau em Cadernos , Blumenau, nº 05, 1987, p. 153 e 154. 2 Entre elas citamos: a grega, a libanesa, a bucovina, a pomerana, a húngara, a ucraniana além dos afrodescendentes e dos indígenas. Esse caldeirão étnico-cultural catarinense, em estudos mais apurados, poderá revelar à descoberta da presença de outras etnias não citadas no presente trabalho.

Page 2: VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM … · região do Hunsrück, num recorte cronológico que compreende o período de 1829 a 1889 e se concentra na região da Grande

2

A convivência entre os descendentes dos diversos ramos étnicos em território catarinense, é marcadamente pacífica, ordeira e harmoniosa. Trata-se de um exemplo de integração, digno de ser imitado em outros países como modelo bem sucedido.

Há mais de 20 anos, temo-nos aplicado ao estudo do perfil étnico catarinense.

Como, evidentemente, não há possibilidade de se investigar todas as etnias em suas especificidades, elegemos, assim, para o presente trabalho o tema da VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM SANTA CATARINA – BRASIL (1829 – 1889).

Tencionamos abordar rápidos aspectos da imigração alemã para o Brasil, as articulações que antecederam e fundamentaram o estabelecimento de diversas Colônias em Santa Catarina. Destaca-se a atuação dos imigrantes originários da região do Hunsrück, num recorte cronológico que compreende o período de 1829 a 1889 e se concentra na região da Grande Florianópolis.

Tal período está posto uma vez que o ponto inicial, 1829, é caracterizado pela

fundação da Colônia Alemã São Pedro de Alcântara – a mais antiga de Santa Catarina; por outro lado, o instante final, 1889, marca o fim do regime imperial, com a Proclamação da República. Nesse contexto imigratório, tornam-se relevantes certos aspectos culturais dos imigrantes do Hunsrück, entre as muitas etnias, que tiveram o Estado de Santa Catarina como destino.

Além disso, nossa pesquisa se situa frente a questões relacionadas ao

conceito de etnicidade e suas consequentes manifestações, especialmente no que se refere ao sentimento de pertença dos imigrantes. Assim, sempre que for pertinente, utilizaremos o conceito de etnicidade, sob o entendimento de que “a forma toma lugar da substância, os aspectos dinâmicos e racionais substituem os aspectos estatísticos, onde o processo torna-se mais importante do que a estrutura”3. Em outras palavras, entende-se etnicidade como:

Aquele do estudo dos processos variáveis e nunca terminados pelos quais os atores identificam-se e são identificados pelos outros na base de dicotomizações Nós/Eles, estabelecidas a partir de traços culturais que se supõem derivados de uma origem comum e realçados nas interações sociais4.

O presente texto é resultado da documentação consultada na tentativa de

apresentar o objeto a que nos propusemos. Desse modo, entendemos que é um texto ainda em construção, provisório, incompleto e passível de correções e de críticas. A possibilidade da localização de novos documentos poderá alterar os níveis de evidências aqui apresentados. Assim, compulsamos as listas de imigrantes, considerável bibliografia e documentos oficiais – relatórios e falas – dos governantes da Província de Santa Catarina, para tentar encontrar, de forma objetiva e clara, citações da presença de imigrantes do Hunsrück e uso do respectivo dialeto em terras catarinenses, no recorte cronológico de nossa pesquisa. 3 POUTIGNAT, Philippe e STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da Etnicidade . São Paulo: UNESP, 1988, p. 64. 4 POUTIGNAT, Philippe e STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da Etnicidade . São Paulo: UNESP, 1988, p. 141.

Page 3: VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM … · região do Hunsrück, num recorte cronológico que compreende o período de 1829 a 1889 e se concentra na região da Grande

3

IMIGRAÇÃO E NÚCLEOS COLONIAIS ALEMÃES

Segundo Handelmann, “o europeu, o lavrador alemão, quando transpõe o

oceano, quer ser o que era no seu país ou o que debalde procurou ser: senhor livre no seu próprio pedaço de terra”5. Diégues Júnior afirma: “o desejo do imigrante era possuir terras que pudesse cultivar em seu proveito e benefício”6. Assim, “não foi de admirar que muita gente se aprontou para ir ao encontro da felicidade. A maior parte dessa gente era dos que nada tinham a perder em sua pátria”7, diz em seu diário o imigrante Matthias Schmitz, que emigrou do Hunsrück para o Brasil em 1846.

Os alemães eram considerados bons agricultores, o que fazia deles pessoas

ideais, aos olhos do governo imperial brasileiro, para povoar vazios demográficos, de população branca, no regime da pequena propriedade rural. Em Santa Catarina, essa política imperial resultou na fundação de diversas colônias (veja tabela 1), entre elas São Pedro de Alcântara, Vargem Grande, Santa Isabel, Piedade, Teresópolis e Angelina, localizadas na grande Florianópolis.

TABELA 1 – RELAÇÃO DOS PRINCIPAIS NÚCLEOS DE COLONI ZAÇÃO ALEMÃ FUNDADOS NO PERÍODO DE 1829 A 1889 EM SANTA CATARIN A

Nº NOME DA COLÔNIA

EXTENSÕES OU SUB-

DIVISÕES DA COLÔNIA

REGIÃO POLARIZADA FUNDADOR

DATA/ANO DA

FUNDAÇÃO CIDADE/MUNICÍPIO

01 São Pedro de Alcântara

Sede de Colônia

Grande Florianópolis

Governo Provincial/Imperial 01/03/1829 São Pedro de Alcântara

02 São Pedro de Alcântara

Santa Filomena

Grande Florianópolis Núcleo Espontâneo 1830 São Pedro de Alcântara

03 São Pedro de Alcântara Itajaí Médio Vale do

Itajaí Governo Provincial 05/05/1835 Gaspar

04 São Pedro de Alcântara

Vargem Grande

Grande Florianópolis Núcleo Espontâneo 1837 Águas Mornas

05 São Pedro de Alcântara Leopoldina Grande

Florianópolis Seridan Telghuís 1848 Antônio Carlos

06 Santa Isabel Sede de Colônia

Grande Florianópolis

Governo Provincial//Imperial 1847 Águas Mornas e Rancho

Queimado

07 Piedade Sede de Colônia

Grande Florianópolis

Governo Provincial/Imperial 1847 Governador Celso Ramos

08 Blumenau Sede de Colônia

Médio Vale do Itajaí Hermann Blumenau 02/09/1850 Blumenau e Região

09 Blumenau Rio do Testo Médio Vale do Itajaí Núcleo Espontâneo 1860? Pomerode

10 Blumenau Indaial Médio Vale do Itajaí Núcleo Espontâneo 1866 Indaial

5 HANDELMANN, Heinrich. História do Brasil . São Paulo: Melhoramentos; Brasília: INL, Tomo II, 1978, p. 346. 6 DIÉGUES JÚNIOR, Manuel. Etnias e Culturas no Brasil . Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980, p. 128. Grifo meu. 7 SCHAUFFLER, Henrique. Da Vida de um Alemão no Brasil. Crônica de Matthias Schmitz. In: Blumenau em Cadernos , Blumenau, Tomo VII, nº 12, 1966, p. 229. Há duas traduções dessa crônica: uma publicada em 1966 e outra em 1987.

Page 4: VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM … · região do Hunsrück, num recorte cronológico que compreende o período de 1829 a 1889 e se concentra na região da Grande

4

11 Blumenau Benedito – Timbó

Médio Vale do Itajaí Friedrich Donner 1869 Timbó

12 Dona Francisca

Sede de Colônia

Nordeste Catarinense

Sociedade Colonizadora de

Hamburgo 09/03/1851 Joinville e Região

13 Dona Francisca Jaraguá Vale do Itapocu Emílio Carlos Jourdain 1876 Jaraguá do Sul

14 Dona Francisca

São Bento do Sul Alto Rio Negro

Sociedade Hamburguesa de

Colonização 1873 São Bento do Sul

15 Col. Militar

Santa Teresa

Sede de Colônia

Rio do Itajaí do Sul

Governo Provincial/Imperial 08/11/1853 Alfredo Wagner

16 Itajahy (Brusque)

Sede de Colônia

Vale do Itajaí Mirim

Governo Provincial/Imperial 04/08/1860 Brusque e Guabiruba

17 Teresópolis Sede de Colônia

Grande Florianópolis

Governo Provincial/Imperial 03/06/1860 Águas Mornas e São

Bonifácio

18 Teresópolis Quadro Braço do Norte

Vale do Rio Tubarão Núcleo Espontâneo 1873 São Ludgero e Região

19 Col. Nacional Angelina

Sede de Colônia

Grande Florianópolis Governo Provincial 10/12/1860 Angelina

20 Grão-Pará --------------- Vale do Rio Tubarão

Joaquim Caetano Pinto Júnior 02/12/1882 Grão-Pará

A presente relação não esgota o rol dos núcleos, extensões ou subdivisões de Colônias Alemãs fundadas no período de 1829 a 1889 no Estado de Santa Catarina. Um estudo mais acurado poderá complementar a presente tabela. Informamos ao leitor que em algumas dessas Colônias (Santa Teresa e Angelina) os imigrantes alemães eram minoria.

ESTATÍSTICAS DA IMIGRAÇÃO

Não fomos bem sucedidos na localização de dados estatísticos sobre a

imigração no recorte cronológico de nosso objeto de pesquisa: 1829-1889. Assim, tivemos que nos reportar a outros parâmetros cronológicos para melhor entender o presente estudo. Deste modo, segundo Viotti da Costa, entre 1819 e 1856, saíram dos Estados Alemães 1.799.853 emigrantes, dos quais mais de 1.200.000 com destino aos Estados Unidos da América8. Os demais se fixaram em outros países, entre eles o Brasil. Obedecendo a uma ordem cronológica, é possível afirmar que, no período compreendido entre os anos de 1815 e 1914, cerca de 60 milhões de pessoas se deslocaram pelo mundo. Desse contingente, cinco milhões podiam ser identificadas como alemães.

A partir do que diz João Klug, pode-se afirmar que o sudoeste da

Alemanha foi uma das regiões que mais disponibilizaram imigrantes, “as condições econômicas e sociais, a localização às margens do Reno, facilitava o acesso aos portos transatlânticos”9. No Palatinado e em outras regiões, “de cada colheita má, (...), a fome forçava milhares de sitiantes alemães a emigrarem”10.

8 COSTA, Emília Viotti da. Da Senzala à Colônia . São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1966, p. 77. 9 KLUG, João. Imigração e Luteranismo em Santa Catarina . Florianópolis: Papa-Livro, 1994, p. 27. 10 WILLEMS, Emílio. A Aculturação dos Alemães no Brasil . São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1946, p. 55.

Page 5: VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM … · região do Hunsrück, num recorte cronológico que compreende o período de 1829 a 1889 e se concentra na região da Grande

5

À época, ainda não existia a Alemanha enquanto um Estado moderno. Portanto, alguém que viesse de Luxemburgo, Áustria, Suíça ou de outros países nas imediações, os quais faziam uso do idioma alemão, era computado, nessa estatística, como alemão. Destarte, alemães eram todos aqueles que faziam uso do idioma alemão ou que integrasse a Confederação dos Estados Alemães11 da Liga Setentrional Alemã12 (1866-1871), dos Estados Meridionais Alemães (1866-1871), do Império Austro-Húngaro (1867-1918), do Império Alemão (1871-1918).

O Brasil recebeu cerca de 235 mil13 alemães, ou melhor, 235 mil imigrantes

que faziam uso do idioma alemão. Mas não há consenso em torno desse número. Em Santa Catarina, eles se estabeleceram exatamente nos pontos demarcados no mapa (mapa 1), a partir de 1829. Por outro lado, pergunta-se: “Quantos imigrantes o Estado de Santa Catarina recebeu?” Não há estatística sobre esse aspecto. Para 1870, há a citação de que Santa Catarina havia recebido “mais de 18.000 alemães, vindos a título de colonos”14. Em 1876, as Colônias de Dona Francisca, Blumenau, Brusque, Príncipe Dom Pedro, Angelina, Teresópolis e Santa Isabel tinham uma população que passa dos 20.000 habitantes, “em sua maior parte de origem germânica”15.

A maioria absoluta dos imigrantes de língua alemã instalados em Santa

Catarina era originária da Confederação dos Estados Alemães, cuja instituição política tinha atribuições muito limitadas, cabia-lhe apenas decidir sobre os problemas comuns aos Estados que a compunham, cabendo-lhes a execução das resoluções tomadas pelo poder central denominado Bundestag16. Diante deste complexo mosaico político-administrativo-cultural, os imigrantes originários dos Estados Alemães até 1870, e depois do Reich e do Império Austro-Húngaro eram denominados, no Brasil, “alemães”.

LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA

11 A composição da Confederação dos Estados Alemães foi estabelecida em 1815 pelo Congresso de Viena, entre os soberanos dos estados alemães, o imperador da Áustria e os reis da Dinamarca e dos Países Baixos; vigorou até 1866. Em seus aspectos político-geográficos era muito diversificada. Além da Áustria, dela participaram os reinos da Prússia, Baviera, Württemberg, Hannover (sob o domínio do rei da Inglaterra) e Saxônia; os Grão-Ducados Mecklemburg-Schwering-Strelitz, Oldenburg, Hesse-Darmstadt, Saxe-Weimar e Baden; o eleitorado de Hesse-Kassel; os ducados de Brunswick, Nassau, Anhalt-Dessau-Bernburg-Göthen, Saxe-Koburg-Gotha, Saxen-Meiningen-Altenburg-Hildburghausen e Holstein (sob o domínio do rei da Dinamarca); os Países-Baixos (sob a jurisdição do Gran-Duque de Luxemburgo); as quatro cidades-livres de Frankfurt/Meno, Bremen, Hamburgo e Lübeck, além de um grande número de pequenos principados independentes. SEYFERTH, Giralda. A Colonização Alemã no Vale do Itajaí Mirim . Porto Alegre: Movimento, 1974, p. 18, e MEYER KONVERSATIONS-LEXIKON. Leipzig u. Wien, Bibliographisches Institut, 1895, p. 829, apud CUNHA, Jorge Luiz da. Os Colonos Alemães e a Fumicultura. Santa Cruz do Sul: Gráfica Léo Quatke, 1987, p. 18. 12 União política dos Estados Alemães localizados ao norte do Rio Meno, criada com a dissolução da Confederação dos Estados Alemães, em 1866. 13 Sobre esse tema consulte: CUNHA, Jorge Luiz da. Alemães Emigrantes : As Causas. JOCHEM, Toni Vidal (Org.). São Pedro de Alcântara – Aspectos de sua História . São Pedro de Alcântara: Coordenação dos Festejos, 1999, p. 17. 14 SANTA CATARINA, Governo Provincial. Relatório apresentado pelo segundo vice-presidente da Província de Santa Catarina ao seu Presidente, em 03 de Janeiro de 1870. Desterro: Tipografia de J. J. Lopes, 1870, p. 15. 15 SANTA CATARINA, Governo Provincial. Fala com que o Exmo. Sr. Dr. João Capistrano Bandeira de Mello Filho abriu a 1ª sessão da 21ª legislatura da Assembleia Legislativa da Província de Santa Catarina em 01 de março de 1876. Cidade do Desterro: Tipografia de J. J. Lopes, 1876, p. 81. 16 WEIMER, Günter. Arquitetura da Imigração Alemã . Porto Alegre: Ed. da UFRGS & São Paulo: Nobel, 1983, p. 22.

Page 6: VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM … · região do Hunsrück, num recorte cronológico que compreende o período de 1829 a 1889 e se concentra na região da Grande

6

Abaixo (mapa 1), pode-se visualizar a localização geográfica das colônias

alemãs, fundadas no Estado catarinense, a partir de São Pedro de Alcântara.

MAPA 1 – Localização de colônias alemãs em Santa Catarina. ENTRES, Gottfried. Gedenkbuch zur Jahrhundert-Feier deutscher Einwanderung in Santa Cat harina . Florianópolis: Livraria Central, 1929, p. 104v.

Uma significativa parte dos imigrantes estabelecidos em Santa Catarina era originária da região do Hunsrück (mapa 2) na Alemanha (mapa 3), assim como os primeiros imigrantes estabelecidos na Colônia Rio Negro, na divisa do Estado do Paraná com o de Santa Catarina (mapas 4 e 5). Tudo indica que as Colônias Santa Isabel e Piedade foram fundadas em 1847, com a maioria de seus imigrantes procedentes do Hunsrück.

Page 7: VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM … · região do Hunsrück, num recorte cronológico que compreende o período de 1829 a 1889 e se concentra na região da Grande

7

MAPA 2 – Mapa da Região do Hunsrück, no Estado da Renânia-Palatinado, na Alemanha. Imagem

disponível na Internet – Acesso em 10 nov 2011.

O Hunsrück é uma região geográfica com predominância de montanhas baixas, localizada no Estado da Renânia-Palatinado, no sudoeste da Alemanha. A região, situada junto às fronteiras com a França e Luxemburgo, fica bem próxima à cidade de Frankfurt e é delimitada pelos vales dos rios Mosela, Nahe, Reno e Saar. Como é uma região cercada de rios podemos, concluir que suas margens oferecem terras mais férteis e, dessa forma, seriam mais densamente povoadas. Hoje algumas das cidades mais conhecidas da região serrana do Hunsrück são: Simmern, Kirchberg, Idar-Oberstein, Kastellaun e Morbach.

Page 8: VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM … · região do Hunsrück, num recorte cronológico que compreende o período de 1829 a 1889 e se concentra na região da Grande

8

MAPA 3 – Localização do Estado da Renânia-Palatinado, na Alemanha. Imagem disponível na Internet

– Acesso em 10 nov 2011.

PRESENÇA DOS IMIGRANTES DA

REGIÃO DO HUSRÜCK Descendentes de imigrantes do Hunsrück estão presente em diversas

colônias de Santa Catarina, notadamente nas localizadas nas imediações da capital, Desterro, atual Florianópolis, como se pode observar nos mapas 4 e 5 e nos textos sobre diversas colônias abaixo mencionados:

Page 9: VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM … · região do Hunsrück, num recorte cronológico que compreende o período de 1829 a 1889 e se concentra na região da Grande

9

MAPA 4 – Mapa das Colônias na Província de Santa Catarina e do Paraná em 1866. Fonte: GALVÃO, Ignácio da Cunha. Relatório sobre as Colônias de São Paulo, Paraná e Sant a Catarina . Rio de Janeiro: Tipografia de J. L. da Silva, 1866, anexo.

Page 10: VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM … · região do Hunsrück, num recorte cronológico que compreende o período de 1829 a 1889 e se concentra na região da Grande

10

MAPA 5 – Recorte do Mapa das Colônias na Província de Santa Catarina em 1866. Fonte: GALVÃO, Ignácio da Cunha. Relatório sobre as Colônias de São Paulo, Paraná e Sant a Catarina . Rio de Janeiro: Tipografia de J. L. da Silva, 1866, anexo.

COLÔNIA SÃO PEDRO DE ALCÂNTARA – Em novembro de 1828,

respectivamente, nos dias 07 e 12, após longa travessia do Atlântico e passagem pelo Rio de Janeiro, então capital imperial, chegaram à cidade do Desterro – hoje Florianópolis – o brigue Luiza e o bergantim Marquês de Viana – com 146 famílias. Estes veleiros traziam a bordo 635 imigrantes, entre agricultores, artesãos e soldados, em sua maioria provenientes da Região do Hunsrück17 e imediações, hoje Estado da Renânia-Palatinado, na Alemanha. Piazza afirma que os imigrantes eram “provenientes de Bremem”18, mas salientamos que esta informação se refere tão somente à cidade cujo porto de embarque foi utilizado pelos imigrantes. Já para Wappäus, “a maioria católicos é das regiões do Reno”19. Assim, em 01 de março de 1829, é fundada a Colônia São Pedro de Alcântara, em Santa Catarina, baseada na concessão de pequena propriedade.

Mas, no ano seguinte, o parlamento brasileiro reagiu contra o interesse do

poder executivo de promover a colonização através da concessão de pequena propriedade e, com a Lei de Orçamento de 15 de dezembro de 1830, suprimiu as dotações orçamentárias relativas à colonização estrangeira para o ano seguinte, paralisando-a. Depois da Lei de Orçamento e sem dotações orçamentárias, a

17 KLUG, João. Imigração e Luteranismo em Santa Catarina . Florianópolis: Papa-Livro, 1994, p. 34. 18 PIAZZA, Walter Fernando. A Colonização de Santa Catarina . Florianópolis: Lunardelli, 1994, p. 93. 19 WAPPÄUS, Johann Eduard. Santa Catarina Segundo Wappäus . S/l: Comissão Nacional de História, 1958, p. 32.

Page 11: VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM … · região do Hunsrück, num recorte cronológico que compreende o período de 1829 a 1889 e se concentra na região da Grande

11

Colônia São Pedro de Alcântara ficou sem investimentos por parte do governo constituído, o que impediu, ou não viabilizou, o desejável desenvolvimento daquele núcleo colonial. Com a instalação da Regência, após a abdicação de Dom Pedro I, a colonização não mereceu destaques e a Colônia São Pedro de Alcântara continuou esquecida pelos órgãos oficiais. Segundo Lallemant, que visitou a Colônia em 1858, das famílias nela instaladas “nenhuma delas tem a menor razão de ufanar-se daqueles tempos e condições”20. Segundo Paiva, os imigrantes eram “homens sumamente francos (...) e estimam a prosperidade do lugar em que habitam”21.

COLÔNIA RIO NEGRO – Em fevereiro de 1829, fundaram a Colônia Rio Negro, no Estado do Paraná, as 20 primeiras famílias alemãs, vindas de Trier, cidade do vale do Mosela, contígua à região do Hunsrück. Entres afirma que os imigrantes eram “naturais de Trier”22. Essas famílias, segundo Fugmann, “falavam o seu dialeto do Reno”23. Geograficamente, Rio Negro é vizinho da cidade de Mafra, no Estado de Santa Catarina, por onde se expandiu a referida Colônia que, inicialmente, foi composta por sessenta pessoas, formando 12 famílias. Em novembro de 1829, chegam mais 17 famílias com 79 imigrantes24.

COLÔNIA SANTA ISABEL – Fundada em 1847 por imigrantes recém-

chegados da Alemanha, a Colônia Santa Isabel foi composta, em sua maioria, por agricultores e provenientes da região do Hunsrück, no atual Estado da Renânia-Palatinado. Segundo Stoer, “em 1847 chegaram 256 imigrantes do Hunsrück” 25 para fundar a Colônia. Das famílias que fundaram a Colônia, conta Mathias Schmitz: “onze famílias (...) partiram certo dia, cantando alegremente, do pequeno lugarejo de Löffelscheid no Hunsrück, para um novo lar”26. Ainda segundo a mesma fonte, “muitos dos emigrantes derramaram lágrimas amargas ao se despedir de parentes e amigos, pois era um adeus para sempre”27. É interessante observar que o mencionado lugarejo de Löffelscheid, no Hunsrück, teve sua denominação transposta e atribuída a uma das linhas da Colônia Santa Isabel. Esse fato se dá porque “a maior parte desses imigrantes era originária da região de Löffelscheid, que naquele tempo não passava de uma pequena aldeia do Hunsrück”28.

Observe-se que o texto acima menciona que “a maior parte” da população era

originária da Löffelscheid; entretanto, não cita quais famílias de lá procedem. Como

20 AVÉ-LALLEMANT, Robert. Viagens pelo Sul do Brasil no ano de 1858 . Rio de Janeiro: INL, 1953, p. 133. 21 PAIVA, Joaquim Gomes de Oliveira. Memória Histórica sobre a Colônia Alemã de São Pedro de Alcântara. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasile iro , Tomo X. Rio de Janeiro: Tipografia de João Ignácio da Silva, 1870, p. 515 e 517. 22 ENTRES, Gottfried. Livro de Memórias em Comemoração aos 100 Anos da Im igração Alemã no Estado de Santa Catarina . Blumenau: Nova Letra, 2009, p. 71. 23 FUGMANN, Wilhelm. Os Alemães no Paraná . Ponta Grossa: Ed. UEPG, 2008, p. 32. 24 Para mais informações confira: CELESTINO, Ayrton Gonçalves. Os Bucovinos do Brasil... e a História de Rio Negro . Curitiba: Torre de Papel, 2002, p. 105ss. Confira também: PINTO, Divinamir de Oliveira. 175 Anos da Imigração Alemã para Rio Negro: Os Pioneiros no Pa raná . Mafra: Nosde, 2007 e FUGMANN, Wilhelm. Os Alemães no Paraná . Ponta Grossa: Ed. UEPG, 2008. 25 STOER, Hermann. Chronik der Pfarrgemeinde Santa Isabel der ältesten d eutsch-evangelischen Siedlung in Santa Catarina . S/l. S/d, p. 4. 26 SCHAUFFLER, Henrique. Da Vida de um Alemão no Brasil. Crônica de Matthias Schmitz. In: Blumenau em Cadernos , Blumenau, nº 05, 1987, p. 153. 27 SCHAUFFLER, Henrique. Da Vida de um Alemão no Brasil. Crônica de Matthias Schmitz. In: Blumenau em Cadernos , Blumenau, nº 05, 1987, p. 153. 28 SCHADEN, Francisco. Notas Para a História da Localidade de Löffelscheidt . São Bonifácio: S/e, 1946, p. 10. Interessante observar que na grafia da denominação da localidade no Brasil se faz constar a letra “t” no seu final, o que não ocorre na da Alemanha.

Page 12: VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM … · região do Hunsrück, num recorte cronológico que compreende o período de 1829 a 1889 e se concentra na região da Grande

12

vimos, há uma localidade denominada de Löffelscheid no Antigo e no Novo Mundo conforme podemos observar nas placas indicativas abaixo:

Placas indicativas das localidades de Löffelscheid, no Hunsrück, na Alemanha e na Colônia Santa Isabel, em Santa Catarina, no Brasil. Fotografias, respectivamente, de 1999 e de 2011.

Segundo Tschudi, que escreve em 1861, esses imigrantes “foram abandonados ao próprio destino. (...). A Colônia nunca teve um diretor. Os colonos lutaram nos primeiros anos com inefáveis dificuldades e alguns ficaram até desencorajados”29.

Infelizmente as terras não eram muito férteis; esse fato fez com que alguns

imigrantes optassem pela migração para outros núcleos coloniais ou para cidades nas imediações.

Inicialmente, além da sede da Colônia, localizada num terreno

excessivamente montanhoso e impróprio para a agricultura, foram fundadas e povoadas as linhas coloniais de Löffelscheidt e Primeira Linha. Mas, em 1860, o governo resolveu remeter novos imigrantes para a Colônia, a qual, desde 1851, crescia apenas pelo desenvolvimento interno de sua população, sem receber novos imigrantes. Assim, o núcleo foi ampliado e submetido ao regime colonial com a chegada de novos contingentes, muitos dos quais oriundos da Baviera, Pomerânia, Holstein, Oldenburgo, Birkenfeld e Hamburgo30 ou, ainda, da Prússia, Saxônia,

29 TSCHUDI, Johann Jakob com. As Colônias de Santa Catarina . Blumenau: Casa Dr. Blumenau, 1988, p. 69. 30 STOER, Hermann. Chronik der Pfarrgemeinde Santa Isabel der ältesten d eutsch-evangelischen Siedlung in Santa Catarina . S/l. S/d, p. 6.

Page 13: VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM … · região do Hunsrück, num recorte cronológico que compreende o período de 1829 a 1889 e se concentra na região da Grande

13

Luxemburgo, Hesse e da Holanda31 – resultando na fundação de novas linhas coloniais, entre elas: Segunda Linha, Terceira Linha, Quarta Linha, Quinta Linha, Rancho Queimado, Linha Scharf e Taquaras.

COLÔNIA PIEDADE – A Colônia Alemã Piedade foi instalada no local de uma antiga armação estabelecida para a caça de baleias, no litoral de Santa Catarina32, em 1847, pelo governo provincial, que, para tal feito, contou com 150 imigrantes alemães muitos dos quais, segundo acreditamos, eram procedentes da região do Hunsrück. Eram 82 homens e 62 mulheres de diversas idades. Segundo as autoridades, a Colônia é constituída “de famílias alemãs bem comportadas e muito trabalhadoras: estão contentes”33. Segundo Mattos, “em fins de 1848 contava com 120 pessoas; em 1849, com 114; em 1850, com 105; e, em 1854, com 54, sendo 29 do sexo masculino e 25 do feminino”34. Retiraram-se da Colônia nos primeiros anos quase todos os imigrantes lá instalados.

A Colônia, sem regulamentação especial e formada por imigrantes católicos

na sua totalidade – não prosperou. Segundo Mattos, à Colônia não foi dada a possibilidade de desenvolvimento graças, em parte, às suas terras de má qualidade e muito íngremes. Desse modo, “em 1856 só existiam na colônia 41 pessoas, 29 das quais ali nascidas. Finalmente o remanescente dispersou-se, como os primeiros, pelos distritos e colônias próximas, sendo extinta a colônia Piedade”35.

Vale ressaltar que o terreno excessivamente montanhoso e de baixa

fertilidade inviabilizou o desenvolvimento dos núcleos coloniais acima mencionados, frustanto expectavivas. Entretanto, o relevo da região remetia, em parte, ao da região do Hunsrück. Essa realidade, aliada à mata virgem a ser explorada, representava um grande desafio. Era preciso se adaptar e reiniciar a vida. Os desafios precisariam ser superados. Felizmente, segundo Maria Rohde: “Não é de admirar que a massa dos hunsrücker, emigrados na metade do século dezenove, se adaptou tão bem à solidão da mata virgem, pois a floresta pertenceu à paisagem da sua velha Heimat”36. E descrevendo-a, faz constar certas particularidades do seu modo de ser, conforme segue:

Cada vez mais se desfalcam as fileiras dos velhos, que ainda puderam contar, aos netos, da sua Heimat, do seu lar no Hunsrück, da sua singularidade, seus povoados com telhados de ardósia e sóbrios casarões, de seus camponeses saudáveis e rijos como cerne, das suas famílias numerosas que, com o mesmo amor e aflição, cheio de sacrifícios, deveres e afazeres, são iguais a todas, mas são voltadas para dentro de si, assim como o é a paz da floresta ao seu redor37.

31 BRASIL, Ministério da Agricultura. Relatório das Terras Públicas e da Colonização apresentado em 28 de fevereiro de 1862 ao Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Rio de Janeiro: Tipografia de João Ignácio da Silva, 1862, p. 45. 32 PIAZZA, Walter Fernando. A Colonização de Santa Catarina . Florianópolis: Lunardelli, 1994, p. 118. 33 SANTA CATARINA, Governo Provincial. Relatório do Presidente Ferreira de Brito apresentado em 26 de dezembro de 1848. Desterro: Tipografia Provincial, 1848, p. 6. 34 MATTOS, Jacinto Antônio de. Colonização do Estado de Santa Catarina - Dados histó ricos e estatísticos (1640-1916). Florianópolis: O Dia, 1917, p. 63. 35 MATTOS, Jacinto Antônio de. Colonização do Estado de Santa Catarina - Dados histó ricos e estatísticos (1640-1916). Florianópolis: O Dia, 1917, p. 64. 36 Apud GROSS, Alfredo. Hunsrücker Mundart in Brasilien . Porto Alegre: Própria, 2001, p. 15. 37 Apud GROSS, Alfredo. Hunsrücker Mundart in Brasilien . Porto Alegre: Própria, 2001, p. 15.

Page 14: VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM … · região do Hunsrück, num recorte cronológico que compreende o período de 1829 a 1889 e se concentra na região da Grande

14

MIGRAÇÕES: UM NOVO RECOMEÇO SE FAZ NECESSÁRIO

O futuro desta Província (de Santa Catarina) prende-se intimamente à sorte da colonização38.

O Governo da Província de Santa Catarina afirmava que “vitais interesses da

Província ligam-se à colonização”39 e que esse é um “importantíssimo ramo do serviço público”40. No entanto, apesar dos esforços governamentais, a vida dos imigrantes nas colônias deixou a desejar e muitos optaram por buscar um novo destino através da migração. Dessa forma, quem se “aprontou para ir ao encontro da felicidade”41 e que “nada tinha a perder em sua pátria”42, não encontrou em Santa Catarina uma situação que lhes fosse favorável.

Assim, de acordo com Matthias Schmitz, podemos concluir que no Brasil, que

“era lembrado como um paraíso na terra”43 por habitantes do Hunsrück, a realidade, mais especificamente em Santa Catarina, se mostrou menos paradisíaca aos que optaram pela imigração.

Segundo João Klug, “São Pedro de Alcântara, se não progrediu, teve um

efeito disseminador do elemento germânico”44. A reemigração a partir de São Pedro de Alcântara já ocorreu cedo, em busca de melhores oportunidades. Aos poucos a Colônia se ramificou em diversas subdivisões tanto no Vale do Itajaí, ao norte, quanto no Cubatão, ao sul45. Outros ainda optaram por centros urbanos para reiniciar, uma vez mais, a existência. O mesmo processo aconteceu com a Colônia Piedade e com a de Santa Isabel46. Faltam-nos dados a respeito da Colônia Rio Negro.

Muitos dos imigrantes da Colônia Piedade foram para a Colônia Leopoldina. Em 1853, seis anos depois de demarcada a concessão da Colônia Lepoldina, foram colocadas, em 14 lotes coloniais, 38 pessoas belgas e alemãs e quase todas

38 SANTA CATARINA, Governo Provincial. Relatório apresentado à Assembleia Legislativa Provincial de Santa Catarina pelo presidente, Dr. Carlos Augusto Ferraz de Abreu no ato da abertura da sessão em 02 de abril de 1869. Desterro: Tipografia de J. J. Lopes, 1869, p. 18. 39 SANTA CATARINA, Governo Provincial. Relatório que o presidente da Província de Santa Catharina, Dr. André Cordeiro de Araújo Lima, dirigiu à Assembleia Legislativa Provincial no ato de abertura de sua sessão ordinária em 25 de março de 1870. Cidade do Desterro: Tipografia de J. J. Lopes, 1870, p. 14. 40 SANTA CATARINA, Governo Provincial. Relatório do vice-presidente da Província de Santa Catarina, o comendador Francisco José de Oliveira, apresentado à Assembleia Legislativa Provincial na 1ª sessão da 12ª Legislatura. Santa Catharina: Tipografia Catarinense de F.V. Ávila & C.a, 1864, p. 14. 41 SCHAUFFLER, Henrique. Da Vida de um Alemão no Brasil. Crônica de Matthias Schmitz. In: Blumenau em Cadernos , Blumenau, Tomo VII, nº 12, 1966, p. 229. 42 SCHAUFFLER, Henrique. Da Vida de um Alemão no Brasil. Crônica de Matthias Schmitz. In: Blumenau em Cadernos , Blumenau, Tomo VII, nº 12, 1966, p. 229. 43 SCHAUFFLER, Henrique. Da Vida de um Alemão no Brasil. Crônica de Matthias Schmitz. In: Blumenau em Cadernos , Blumenau, nº 05, 1987, p. 153 e 154. 44 KLUG, João. Imigração e Luteranismo em Santa Catarina . Florianópolis: Papa-Livro, 1994, p. 35. 45 PIAZZA, Walter Fernando. A Colonização de Santa Catarina . Florianópolis: Lunardelli, 1994, p. 95, 107. 46 GALVÃO, Ignácio da Cunha. Relatório sobre as Colônias de São Paulo, Paraná e San ta Catarina . Rio de Janeiro: Tipografia de J. L. da Silva, 1866, p. 50.

Page 15: VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM … · região do Hunsrück, num recorte cronológico que compreende o período de 1829 a 1889 e se concentra na região da Grande

15

procedentes da Colônia Armação da Piedade, então em franca decadência47. Ressaltamos ainda que a presença da etnia alemã em Desterro/Florianópolis necessariamente está ligada à migração das colônias estabelecidas no seu entorno. Assim, das 146 famílias destinadas à Colônia São Pedro de Alcântara, 14 permaneceram na Ilha (de Santa Catarina) e arredores48. Muitas famílias optaram pela migração e assim “têm mudado o domicílio para as margens dos rios Biguaçu, Tijucas e Itajaí, e muitos que hoje residem na Vila de São José e na Capital”49 são oriundos de São Pedro de Alcântara. Alguns “mais inclinados ao comércio, deixaram a Colônia e vieram estabelecer-se com negócio”50 na Praia Comprida, em São José. A localidade de Praia Comprida, segundo Paiva,

é sem dúvida um dos lugares (...) que encerra maior comércio e muito tem concorrido para o incremento da mesma. Conta já um grande número de armazéns, oficinas, e a maior parte de seus moradores possui lanchas, botes ou canoas que diariamente navegam para o porto da Capital, levando os gêneros dos colonos que descem de São Pedro de Alcântara51.

LISTAS DE IMIGRANTES: INVISIBILIDADE HISTÓRICA DOS IMIGRANTES DO HUSRÜCK

Estamos tentando delimitar tanto quanto possível a visibilidade dos imigrantes da região do Hunsrück. Entretanto, constatamos que as autoridades constituídas no Brasil, com relação aos imigrantes do Hunsrück, raramente os classificavam de acordo com sua procedência52, de conformidade com o Estado que lhe fornecia o passaporte ou, ainda, de acordo com o Estado ao qual pertencia o indivíduo ao nascer. Na Colônia Teresópolis, algumas listas de imigrantes da Westphália, a que tivemos acesso, elaboradas pelas autoridades brasileiras, os imigrantes eram classificados pelo respectivo “lugar de nascimento” ou pela “naturalidade”. No primeiro item da lista, consta a aldeia/cidade de nascimento como, por exemplo, Assbeck, Maukhausen, Höhscheid, Solingen, Südlohn, Mühlheim etc.; no segundo item, consta o Estado/reino/ducado/país ou similar, onde o imigrante nasceu: Prússia, Holanda, Luxemburgo, Baden, Oldemburgo, Bélgica, Baviera, Suíça, Westfália, Saxônia etc.53. Em Teresópolis, em 1861, havia 200 famílias, das

47 Confira: BESEN, José Artulino; PAULI Evaldo. A Comunidade de Antônio Carlos . Antônio Carlos: Prefeitura Municipal e Paróquia Sagrado Coração de Jesus, 1983, p. 6. Cf. também REITZ, Raulino. Alto Biguaçu – Narrativa Cultural Tetrarracial . Florianópolis: Lunardelli e Ed. da UFSC, 1988, p. 46ss. Veja ainda: Doc. 20, Ofícios 1849-1857, de 22/04/1851, p. 86-7, CM-ALESC. Cf. também KREMER, Rogério. Antônio Carlos – 175 Anos de História – 1830-2005 . Biguaçu: Litográfica, 2007, p. 118. 48 PAIVA, Joaquim Gomes de Oliveira. Memória Histórica sobre a Colônia Alemã de São Pedro de Alcântara. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasile iro , Tomo X. Rio de Janeiro: Tipografia de João Ignácio da Silva, 1870, p. 505. 49 PAIVA, Joaquim Gomes de Oliveira. Memória Histórica sobre a Colônia Alemã de São Pedro de Alcântara. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasile iro , Tomo X. Rio de Janeiro: Tipografia de João Ignácio da Silva, 1870, p. 518 e 519. 50 PAIVA, Joaquim Gomes de Oliveira. Memória Histórica sobre a Colônia Alemã de São Pedro de Alcântara. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasile iro , Tomo X. Rio de Janeiro: Tipografia de João Ignácio da Silva, 1870, p. 518. 51 PAIVA, Joaquim Gomes de Oliveira. Memória Histórica sobre a Colônia Alemã de São Pedro de Alcântara. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasile iro , Tomo X. Rio de Janeiro: Tipografia de João Ignácio da Silva, 1870, p. 518. 52 DIÉGUES JÚNIOR, Manuel. Etnias e Culturas no Brasil . Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980, p. 136. 53 Fonte: Coleção Ficker – Colônia Teresópolis, Arquivo Histórico de Joinville – SC.

Page 16: VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM … · região do Hunsrück, num recorte cronológico que compreende o período de 1829 a 1889 e se concentra na região da Grande

16

quais “137 eram prussianas, 40 provenientes de Holstein, 13 holandesas e 10 de Hessen”54. Nas listas de imigrantes de São Pedro de Alcântara – censo de 183055 – o item “naturalidade” foi genericamente preenchido com o termo “alemão” (fotografias 1 e 2).

FOTOGRAFIA 1 – Página do Censo da Colônia São Pedro de Alcântara-SC, realizado em 1830. Fonte: Coleção Ficker, do Arquivo Histórico de Joinville-SC.

54 TSCHUDI, Johann Jakob com. As Colônias de Santa Catarina . Blumenau: Casa Dr. Blumenau, 1988, p. 77. 55 Censo Geral da População da Colônia São Pedro de Alcântara. Fonte: Coleção Ficker, Arquivo Histórico de Joinville – SC.

Page 17: VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM … · região do Hunsrück, num recorte cronológico que compreende o período de 1829 a 1889 e se concentra na região da Grande

17

FOTOGRAFIA 2 – Página do Censo da Colônia São Pedro de Alcântara-SC, realizado em 1830. Fonte: Coleção Ficker, do Arquivo Histórico de Joinville-SC.

As listas dos que se estabeleceram na colônia Santa Isabel e na da Piedade,

em 1847, não contemplam a cidade de origem dos imigrantes trazendo apenas o seu nome, sua profissão e a respectiva idade. A ausência do nome das aldeias/cidades natais configurando “lugar de nascimento” ou a “naturalidade” do imigrante nos impossibilita, por ora, elaborar uma tabela com as principais cidades de origem dos imigrantes do Hunsrück que se estabeleceram, no período de 1829 a 1889, em Santa Catarina.

DOCUMENTAÇÃO OFICIAL DA PROVÍNCIA DE SANTA CATARINA

Na busca persistente dos nomes das cidades de origem ou mesmo da região de procedência dos imigrantes, objeto do presente estudo, compulsamos os Relatórios/Falas Oficiais da Província de Santa Catarina, de 1835 a 1889.

Page 18: VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM … · região do Hunsrück, num recorte cronológico que compreende o período de 1829 a 1889 e se concentra na região da Grande

18

Da vasta documentação mencionada, tentamos extrair informações pertinentes para tentar responder à seguinte pergunta: Há citação em tal documentação oficial de imigrantes procedentes do Hunsrück nas colônias fundadas em Santa Catarina? Infelizmente, não fomos felizes nessa empreitada. Nenhuma citação foi encontrada (tabela 2). As citações sobre a origem dos imigrantes assim se fez constar:

TABELA 2 – Procedência dos Imigrantes Colônia Procedência dos Imigrantes Fontes56 Teresópolis “população da colônia é toda de origem

alemã” Relatório de 1863, p. 24.

Santa Isabel “população da colônia é toda de origem alemã”

Relatório de 1863, p. 26.

Blumenau “procedentes de Hamburgo” Relatório de 1873, p. 10 Itajaí “procedentes de Hamburgo” Relatório de 1873, p. 10 Dona Francisca

“procedentes de Hamburgo” Relatório de 1873, p. 10

Dona Francisca

“vindos de Hamburgo” Fala 1852, p. 8; Fala 1854, p. 9; Relatório 1855, p. 9.

Blumenau “chegaram da Europa” Fala 1853, p. 8. Blumenau “mandados vir da Europa” Relatório 1855, p. 7. Blumenau “vindos da Europa” Relatório 1855, p. 8. Blumenau “vindos em direitura de Hamburgo” Relatório 1864, p. 14;

Relatório 1865, p. 19.

Não houve sucesso, também, na busca, nas documentações, de qual a designação atribuída aos imigrantes no sentido de adjetivá-la como sendo originária de uma ou de outra região da Alemanha. Ao se referir ao povoamento das colônias, a documentação afirma genericamente que elas são habitadas por: “colonos alemães”, “alemães”, “famílias alemãs”, “colonos importados”, “colonos”, “famílias de emigrantes”, “famílias de colonos”, “famílias de alemães”, ou ainda, como sendo a sua maioria de “nacionalidade alemã”.

Sobre as nacionalidades dos imigrantes estabelecidos na Província de

Santa Catarina, observou-se ser bastante diversificada. O Presidente da Província visita as Colônias Brusque, Angelina, Teresópolis e Santa Isabel, e sobre elas escreve: “Fiquei satisfeito por ver, nesse agregado de homens de nacionalidades diversas , uma população mais ou menos industriosa e satisfeita de sua condição”57.

Por outro lado, a partir de nossa investigação sobre as nacionalidades dos

imigrantes estabelecidos nas colônias, elaboramos algumas tabelas que são apresentadas a seguir (tabelas 3 a 11). Nelas, podemos inferir que, sob as denominações gerais de “alemães”, de “prussianos” ou de “oldemburgueses”, devem estar compreendidos os imigrantes procedentes do Hunsrück, pois a maior parte dessa região, a partir de 1815, passou a integrar o Reino da Prússia através da

56 Trata-se de Falas e Relatórios Oficiais da Província de Santa Catarina. 57 SANTA CATARINA, Governo Provincial. Fala com que o Exmo. Sr. Dr. João Capistrano Bandeira de Mello Filho abriu a 1ª sessão da 21ª legislatura da Assembleia Legislativa da Província de Santa Catarina em 01 de março de 1876. Cidade do Desterro: Tipografia de J. J. Lopes, 1876, p. 82. Grifo nosso.

Page 19: VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM … · região do Hunsrück, num recorte cronológico que compreende o período de 1829 a 1889 e se concentra na região da Grande

19

Província do Reno, cuja capital era Koblenz. A menor parte da região do Hunsrück integra o Grão-Ducado de Oldemburgo. Vejamos no mapa 6, abaixo:

MAPA 6 – Recorte do Mapa da Província Prussiana do Reno, datado de 1818, onde podemos observar a Região do Hunsrück, e nela a de Birkenfeld, no Grão-Ducado de Oldemburgo. Contíguo a Oldemburgo (cor verde), temos o Condado de Hessen-Homburg (cor alaranjada) e o Principado Lichtenberg (cor amarela). Fonte: Geschichtlicher Handatlas der Rheinprovinz: Die Rheinprovinz unter preussischer Verwaltung im Ja hre 1818 . Verlag J. P. Bachem, G. m. b. H., Köln & Kartographische Anstalt von F. A. Brockhaus, Leipzig.

Page 20: VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM … · região do Hunsrück, num recorte cronológico que compreende o período de 1829 a 1889 e se concentra na região da Grande

20

Sobre as nacionalidades dos imigrantes, vejamos o que a documentação por nós compulsada nos informa:

TABELA 3 – Colônia Militar Santa Teresa

Nacionalidades Quantidade em 187358 Quantidade em 187459 Brasileiros 358 418 Portugueses 01 00 Hamburgueses 02 06 Prussianos 39 49 Africanos 02 02 Total 422 475

TABELA 4 – Brusque Nacionalidades Chegaram em 186460 Quantidade em 187561 Alemães 00 2.417 Brasileiros 11 417 Portugueses 11 00 Franceses 07 00 Suíços 01 00 Suecos 02 00 Saxônicos 07 00 Gregos 01 00 Hanoverianos 13 00 Prussianos 182 00 Badenses 619 00 Holandeses 11 00 Hesses 20 00 Holsteinianos 80 00 Tirolianos 12 00 De Schevarsburgo 09 00 De Oldemburgo 65 00 De Mecklemburgo 02 00 De Nassau 04 00 Da Bavária 50 00 De Würtembergo 05 00 De Lamenburgo 05 00 De Brunsvigo 04 00

58 SANTA CATARINA, Governo Provincial. Fala dirigida à Assembleia Legislativa Provincial de Santa Catarina em 25 de março de 1874 pelo Exmo. Sr. Presidente da Província, Dr. João Thomé da Silva. Cidade do Desterro: Tipografia de J. J. Lopes, 1874, MAPA 77. 59 SANTA CATARINA, Governo Provincial. Fala dirigida à Assembleia Legislativa Provincial de Santa Catarina em 21 de março de 1875 pelo Exmo. Sr. Presidente da Província, Dr. João Thomé da Silva. Cidade do Desterro: Tipografia de J. J. Lopes, 1875, p. 104-A. 60 SANTA CATARINA, Governo Provincial. Relatório do Presidente da Província de Santa Catarina, o doutor Alexandre Rodrigues da Silva Chaves, apresentado à Assembleia Legislativa Provincial na 2ª sessão da 12ª legislatura em o 1º de março de 1865. Santa Catharina: Tipografia Catarinense de Ávila & Rodrigues, 1865, pp. 24 e 25. 61 SANTA CATARINA, Governo Provincial. Fala dirigida à Assembleia Legislativa Provincial de Santa Catarina em 21 de março de 1875 pelo Exmo. Sr. Presidente da Província, Dr. João Thomé da Silva. Cidade do Desterro: Tipografia de J. J. Lopes, 1875, p. 92.

Page 21: VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM … · região do Hunsrück, num recorte cronológico que compreende o período de 1829 a 1889 e se concentra na região da Grande

21

Outras Nações 00 57 Total 1.121 2.891

TABELA 5 – Colônia Itajaí (Brusque) e Príncipe Dom Pedro Nacionalidades População em 31/12/187562 Alemães 2.310 Austríacos 1.114 Belgas 07 Espanhóis 25 Holandeses 06 Franceses 68 Italianos 18 Ingleses 36 Portugueses 18 Brasileiros 996 Outras Nações 22 Total 4.620

TABELA 6 – Núcleo Colonial São Bento

Nacionalidades Imigrantes chegados em 187463: Alemães 90 Austríacos 73 Suíços 05 Russos 05 Total 173

TABELA 7 – Angelina Nacionalidades Posição em 187464 Brasileiros 1.124 Alemães 31 Total 1.155

TABELA 8 – Blumenau Nacionalidades Chegados em 187565 Alemães 306 Austríacos 782 Belga 01

62 SANTA CATARINA, Governo Provincial. Fala com que o Exmo. Sr. Dr. João Capistrano Bandeira de Mello Filho abriu a 1ª sessão da 21ª legislatura da Assembleia Legislativa da Província de Santa Catharina em 01 de março de 1876. Cidade do Desterro: Tipografia de J. J. Lopes, 1876, p. 88. 63 SANTA CATARINA, Governo Provincial. Fala dirigida à Assembleia Legislativa Provincial de Santa Catharina em 21 de março de 1875 pelo Exmo. Sr. Presidente da Província, Dr. João Thomé da Silva. Cidade do Desterro: Tipografia de J. J. Lopes, 1875, p. 99. 64 SANTA CATARINA, Governo Provincial. Fala dirigida à Assembleia Legislativa Provincial de Santa Catharina em 21 de março de 1875 pelo Exmo. Sr. presidente da Província, Dr. João Thomé da Silva. Cidade do Desterro: Tipografia de J. J. Lopes, 1875, p. 101. 65 SANTA CATARINA, Governo Provincial. Fala com que o Exmo. Sr. Dr. João Capistrano Bandeira de Mello Filho abriu a 1ª sessão da 21ª legislatura da Assembleia Legislativa da Província de Santa Catharina em 1º de março de 1876. Cidade do Desterro: Tipografia de J. J. Lopes, 1876, p. 83.

Page 22: VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM … · região do Hunsrück, num recorte cronológico que compreende o período de 1829 a 1889 e se concentra na região da Grande

22

Brasileiros 18 Franceses 02 Grego 01 Espanhóis 03 Italianos 25 Suíços 09 Total 1.147

TABELA 9 – Dona Francisca – Joinville Nacionalidades Posição em 187566 Alemães 4.345 Austríacos 367 Belgas 49 Holandeses 53 Franceses 11 Portugueses 05 Brasileiros 3.106 Outras Nações 219 Total 8.155

TABELA 10 – Relação de Imigrantes Recebidos pela Província de Santa Catarina

Nacionalidades De junho de 1886 A junho de 188767

De julho de 1887 A junho de 188868

Em 188769

De 01/01/1888 A 30/04/188870

De 01/07/1888 a 31/01/188971

Italianos 333 472 549 185 437 Alemães 90 80 69 23 31 Austríacos 10 03 00 03 42 Belgas 00 04 04 00 90 Portugueses 01 02 01 02 00 Franceses 01 00 01 00 00 Suecos 02 00 00 00 00 Holandeses 05 00 00 00 00 Total 442 561 624 213 600

66 SANTA CATARINA, Governo Provincial. Fala com que o Exmo. Sr. Dr. João Capistrano Bandeira de Mello Filho abriu a 1ª sessão da 21ª legislatura da Assembleia Legislativa da Província de Santa Catharina em 1º de março de 1876. Cidade do Desterro: Tipografia de J. J. Lopes, 1876, p. 96. 67 SANTA CATARINA, Governo Provincial. Relatório apresentado à Assembleia Legislativa Provincial de Santa Catharina na 2ª sessão de sua 26ª legislatura, pelo presidente, Francisco José da Rocha, em 11 de outubro de 1887. Rio de Janeiro: Tipografia União de A. M. Coelho da Rocha & C., 1888, p. 298. 68 SANTA CATARINA, Governo Provincial. Relatório com que o Exmo. Sr. Coronel Dr. Augusto Fausto de Souza abriu a 1ª sessão da 27ª legislatura da Assembleia Provincial em 1º de setembro de 1888. Santa Catharina: Tipografia do Conservador, s/d, p. 44. 69 SANTA CATARINA, Governo Provincial. Relatório com que o Exmo. Sr. Coronel Augusto Fausto de Souza, Presidente da Província de Santa Catarina, passou a administração da mesma Província ao Dr. Francisco José da Rocha, em 20 de maio de 1888. Desterro: Tipografia do Conservador, s/d, p. 51. 70 SANTA CATARINA, Governo Provincial. Relatório com que o Exmo. Sr. Coronel Augusto Fausto de Souza, Presidente da Província de Santa Catarina, passou a administração da mesma Província ao Dr. Francisco José da Rocha, em 20 de maio de 1888. Desterro: Tipografia do Conservador, s/d, p. 51. 71 SANTA CATARINA, Governo Provincial. Relatório do Presidente Fausto de Souza, datado de 13 de fevereiro de 1889. Desterro: Tipografia do Conservador, s/d, p. 25.

Page 23: VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM … · região do Hunsrück, num recorte cronológico que compreende o período de 1829 a 1889 e se concentra na região da Grande

23

TABELA 11 - Quadro de Naturalizações em Santa Catarina Nacionalidades De 30/10/1882 a junho de 188572 Realizadas em 188573 Alemães 93 47 Prussianos 07 22 Portugueses 18 08 Italianos 21 09 Suíços 01 04 Boêmios 00 02 Saxônicos 00 02 Franceses 03 01 Suecos 01 01 Austríacos 40 03 Russos 01 00 Total 185 99

Interessante observar que o multifacetado perfil étnico do Estado de Santa Catarina citado no início do presente trabalho, em parte, pode ser verificado nas tabelas acima (tabelas 3 a 11). Nelas, percebe-se a chegada em terras catarinenses de imigrantes russos, suecos, franceses, italianos, portugueses, belgas, holandeses, espanhóis, gregos, ingleses, africanos e outros procedentes de outras nações.

VISIBILIDADE ÉTNICA: OS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK “MARCAM PRESENÇA”

Desde os tempos de Carlos Magno, o termo “alemão”, que originalmente só se aplicava ao idioma, já não é mais um termo com referência e conotação político-administrativa. Em tal sentido, consideram-se alemães os imigrantes que falavam a língua alemã, através dos conceitos decorrentes do jus sanguinis: direito pelo sangue, direito pela herança. Por este conceito classifica-se como “alemão” todo aquele que faz uso das especificidades decorrentes do jus sanguinis, independente do País/Estado onde tenha nascido74. Provinham dos Estados do Reich, incluindo a Alsácia-Lorena, Luxemburgo, Suíça, Áustria, Hungria, Romênia, Polônia, Rússia e suas Províncias Bálticas e das regiões que passaram a integrar o Império Austro-Húngaro e imediações. Dessa forma, “a nacionalidade configura uma condição humana desvinculada da condição de cidadania”75. Se a nacionalidade – que pode ser denominada de Volkstum ou etnicidade – é um atributo cultural decorrente do povo, a cidadania decorre das prerrogativas do Estado enquanto unidade político-administrativa autônoma e soberana.

72 SANTA CATARINA, Governo Provincial. Relatório com que ao Exmo. Sr. Coronel Manoel Pinto de Lemos, 1º vice-presidente, passou a administração da Província de Santa Catharina ao Dr. José Lustosa da Cunha Paranaguá, em 22 de junho de 1885. Cidade do Desterro: Tipografia do Jornal do Comércio, 1885, p. 37. 73 SANTA CATARINA, Governo Provincial. Relatório apresentado a Assembleia Legislativa da Província de Santa Catharina na 1ª sessão de sua 26ª legislatura pelo presidente, Dr. Francisco José da Rocha, em 21 de julho de 1886. Desterro: Tipografia do Conservador, 1886, p. 214. 74 GERTZ, René E. A Construção de uma Nova Cidadania. In: Os Alemães no Sul do Brasil: Cultura, Etnicidade e História. Canoas: Ed. da ULBRA, 1994, p. 30. 75 RAMBO, Arthur Blasio. Nacionalidade e Cidadania. In: Os Alemães no Sul do Brasil: Cultura, Etnicidade e História. Canoas: Ed. da ULBRA, 1994, p. 43.

Page 24: VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM … · região do Hunsrück, num recorte cronológico que compreende o período de 1829 a 1889 e se concentra na região da Grande

24

As autoridades constituídas usualmente classificavam os imigrantes de acordo com sua procedência76, de conformidade com o Estado que lhe fornecia o passaporte ou, ainda, de acordo com o Estado ao qual pertencia o indivíduo ao nascer77.

Como vimos acima, se todos aqueles que faziam uso do idioma alemão

podem ser considerados alemães, então, há a possibilidade de entendimento de que os imigrantes do Hunsrück são os que faziam uso do dialeto Hunsrückisch, ainda que provenham das imediações da região ou de áreas que lhe são contíguas.

Apesar de Mathias Schmitz citar que “onze famílias (...) partiram (...) do

pequeno lugarejo de Löffelscheid, no Hunsrück”78 com destino ao Brasil, não faz constar, infelizmente, os respectivos nomes. Não obstante, considerando a ausência de informações na documentação oficial analisada sobre as aldeias de origem dos imigrantes e as famílias que delas procederam, elaboramos, com base em outras fontes79, a tabela abaixo (tabela 12). Nela podemos evidenciar os que procediam da região do Hunsrück e imediações e que, como podemos inferir, faziam uso do respectivo dialeto:

TABELA 12 – Procedência dos Imigrantes Nº Sobrenome Procedência Destino Chegada ao

Brasil 01 Back Briedel Santa Isabel 1846 02 Backes Löffelscheid Santa Isabel 1846 03 Behrens Treis São Pedro de Alcântara 1828 04 Berckhäuser Hambach Santa Isabel 1862 05 Grosskloss Löffelscheid Santa Isabel 1846 06 Hack Zell São Pedro de Alcântara 1828 07 Jochem Kommen Santa Isabel 1846 08 Kirchen Oberemmel São Pedro de Alcântara 1828 09 Klasen Oberemmel São Pedro de Alcântara 1828 10 Kopp Hambach Santa Isabel 1862 11 Loffy Löffelscheid Santa Isabel 1846 12 Lucas Castellaun São Pedro de Alcântara 1828 13 Mees Kommen Santa Isabel 1846

76 DIÉGUES JÚNIOR, Manuel. Etnias e Culturas no Brasil . Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980, p. 136. 77 Nas listas a que tivemos acesso, elaboradas pelas autoridades brasileiras, os imigrantes eram classificados pelo respectivo “lugar de nascimento” ou pela “naturalidade”. No primeiro item, consta a aldeia/cidade de nascimento como, por exemplo, Assbeck, Maukhausen, Höhscheid, Solingen, Südlohn, Mühlheim etc.; no segundo, consta o Estado/reino/ducado/país ou similar, onde o imigrante nasceu: Prússia, Holanda, Luxemburgo, Baden, Oldemburgo, Bélgica, Baviera, Suíça, Vestfália, Saxônia, etc. Fonte: Coleção Ficker – Colônia Teresópolis, Arquivo Histórico de Joinville – SC. 78 SCHAUFFLER, Henrique. Da Vida de um Alemão no Brasil. Crônica de Matthias Schmitz. In: Blumenau em Cadernos , Blumenau, nº 05, 1987, p. 153 e 154. 79 Para elaborar a “Tabela 12”, nos servimos de informações dispersas, muitas delas orais, conseguidas via telefone ou correio eletrônico dos respectivos familiares. Entretanto, cabe citar as seguintes fontes de consulta: JOCHEM, Toni Vidal & ALVES, Débora Bendocchi. São Pedro de Alcântara – 170 anos depois . São Pedro de Alcântara: Coordenação dos Festejos, 1999; REITZ, Raulino. Alto Biguaçu . Florianópolis: Lunardelli, Ed. da UFSC, 1988; SCHADEN, Francisco. Notas para a História da Localidade de Löffelscheid t. São Bonifácio: Ed. do Autor, 1946; JOCHEM, Toni (Organizador). História da Família Beckhäuser no Brasil . Florianópolis: Edição da AFABE, 2006; MEURER, Heinz. Auszüge aus der Geschichte der Gemeinde Peterswald-L öffelscheid . Apostila inédita datada de 29 de junho de 1999. SCHAUREN, Décio Aloísio. A Busca das Origens – História e Genealogia da Família Schauren . São Leopoldo: Oikos, 2011.

Page 25: VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM … · região do Hunsrück, num recorte cronológico que compreende o período de 1829 a 1889 e se concentra na região da Grande

25

14 Orstermann Müden São Pedro de Alcântara 1828 15 Petri Farschweiler São Pedro de Alcântara ------ 16 Petry Schneppenbach São Pedro de Alcântara ------ 17 Pütz Oberemmel São Pedro de Alcântara 1828 18 Reitz Hirschfeld Santa Isabel 1846 19 Roth Löffelscheid Santa Isabel 1846 20 Schauren Merl Piedade 1846 21 Schmitz Löffelscheid Santa Isabel 1846 22 Schnitzler Koblenz São Pedro de Alcântara ------ 23 Schwarz Müden São Pedro de Alcântara 1828 24 Sehnem Briedel Santa Isabel 1846 25 Sesterhenn Treis-Karden São Pedro de Alcântara 1828 26 Steffens Löffelscheid Santa Isabel 1846

Assim, como atributo cultural decorrente do povo, podemos citar o dialeto utilizado pelos imigrantes, objeto desse estudo: o Hunsrückisch 80. O Hunsrückisch é um dialeto alemão, podendo ser classificado como Moselle Franconian , falado na região do Hunsrück, na Renânia Central. Com a imigração o dialeto chegou ao Brasil e, mais especificamente, a Santa Catarina, onde sobrevive até hoje. Segundo Alfredo Gross, “o dialeto hunsrück também chamado de platt e de hunsbucklich, foi trazido ao Brasil, a partir de imigrantes vindos dessa região e de suas adjancências: Palatinado, Eifel e Sarre, com suas variantes locais”81.

Podemos considerar que os remanescentes dos falantes do Hunsrückisch, na

Alemanha, é bilíngue: pratica o dialeto ancestral nos lares e ao ar livre, mas lê e estuda em hochdeutsch, a língua padrão com gramática formalmente organizada, que veio a se tornar oficial em toda a Alemanha. No Brasil os imigrantes, notadamente seus filhos, falavam dialeto em suas casas e aprendiam o alemão padrão nas escolas. Em São Pedro de Alcântara, segundo Paiva em 1848:

e a maior parte, além de falar sofrivelmente o português, sabe ler, escrever e contar no seu idioma , tendo consigo o cuidado de possuir sempre consigo um mestre alemão para a instrução primeira dos filhos82.

Assim, ao utilizar-se do “seu idioma”, agem, de certa forma, em nome de um

sentimento de pertença coletivo, identificam-se e são identificados e acabam por validar individualmente a sua germanidade. Esse aspecto pode ser observado em diversos núcleos coloniais.

Robert Christian Barthold Avé-Lallemant foi um médico e viajante alemão. No

final da década de 1850, ele esteve na colônia militar Santa Teresa, onde conversou com uma criança com apenas sete anos de idade. Sobre o diálogo, Lallemant escreveu que ficou admirado pelo fato de que a “encantadora pequena me

80 No Brasil, o dialeto Hunsrückisch também é conhecido pelos termos: Hunsrück, Hunsbucklisc, Hunsbucklerisch, Platt, Deitsch e Plattdeitsch. Na Alemanha, é conhecido também por: Mosel- e Rheinfränkisch e Pfälzisch. 81 GROSS, Alfredo. Hunsrücker Mundart in Brasilien . Porto Alegre: Própria, 2001, pp. 13-14. 82 PAIVA, Joaquim Gomes de Oliveira. Memória Histórica sobre a Colônia Alemã de São Pedro de Alcântara. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasile iro , Tomo X. Rio de Janeiro: Tipografia de João Ignácio da Silva, 1870, p. 515. Grifo nosso.

Page 26: VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM … · região do Hunsrück, num recorte cronológico que compreende o período de 1829 a 1889 e se concentra na região da Grande

26

respondesse tão bem em puro dialeto alemão ”83. Entretanto, Lallemant não especifica o que entende por puro dialeto alemão . Seria ele, nesse caso, uma referência ao dialeto hunsrückisch, vestfaliano, pomerano, bávaro, bucovino, suábio ou boêmio? Não há resposta certa para essa indagação. Depois, em visita à Colônia Santa Isabel, Lallemant chegou a Praia Comprida, em São José, nas imediações da capital, Desterro, um ponto de encontro dos imigrantes da região. Segundo Lallemant, “eram Colonos do Cubatão, de São Pedro de Alcântara, de Biguaçu e alguns alemães da própria Praia Comprida; ouviam-se os mais diversos dialetos alemães , mas predominava o do Palatinado ”84.

Nesse último lugar, Lallemant faz referência aos mais diversos dialetos

alemães , e complementa a informação de que “predominava o do Palatinado ”. Mas, qual seria exatamente o dialeto? Nesse caso Palatinado seria sinônimo de Hunsrückisch ? Talvez... Se não o for é uma das formas de expressões referentes ao uso de um diateto – Mosel- e Rheinfränkisch e Pfälzisch – utilizado na região do Rio Reno e do Rio Mosela e/ou imediações. Já Francisco Schaden, ao escrever sobre a localidade de Löffelscheidt, no Brasil, cita a família de Matias Salm, afirma que “o dialeto que falava parecia ser o da Renânia”85. E aqui se repete a pergunta: o dialeto da Renânia é o mesmo do Hunsrück? Tudo indica que sim. É preciso considerar que na região do Hunsrück há diversas variantes do próprio dialeto local. Assim, ele pode variar entre as mais diversas aldeias em detrimento de uma forma única e padronizada.

O uso do dialeto comum possibilitou a construção de uma identidade étnica a

partir da diferença e da interação social mediante a ativação de signos culturais. E na alteridade, a subjetividade do grupo étnico possibilitou a criação ou a visibilidade do sentimento de pertença. O texto acima afirma que “ouviam-se os mais diversos dialetos” e a comunicação dessas diferenças fortalecia fronteiras étnicas. Assim, como vimos no presente texto, os imigrantes do Hunsrück, de certo modo, formavam uma comunidade de sangue, de cultura e de língua. Tinham traços sócio-culturais perceptíveis e uma história compartilhada há séculos. Tinham, por fim, a consciência de pertencer a um grupo. Convém ressaltarmos que também havia o isolamento de algumas colônias e, nelas, de seus habitantes. Assim, segundo relatório oficial da Província de Santa Catarina, em 1870: “Algumas colônias são espécie de estados encravados, conservando os habitantes sua língua , suas tradições, seus usos e costumes”86.

O sentimento de pertença forjou um processo que moldou destinos, fortaleceu

nações e criou perspectivas diversas. Enfim tornou-se pertinente. Sobretudo no século XIX, esta pertinência se fez valer em diversos países, entre eles o Brasil. E, nele, a região Sul tornou-se palco de diversidades étnicas, entre as quais a alemã em geral e a do Hunsrück em particular.

83 AVÉ-LALLEMANT, Robert. Viagens pelo Sul do Brasil no ano de 1858 . Rio de Janeiro: INL, 1953, p. 109. Grifo nosso. 84 AVÉ-LALLEMANT, Robert. Viagens pelo Sul do Brasil no ano de 1858 . Rio de Janeiro: INL, 1953, p. 128. Grifo nosso. 85 SCHADEN, Francisco. Notas Para a História da Localidade de Löffelscheidt . São Bonifácio: S/e, 1946, p. 31. 86 SANTA CATARINA, Governo Provincial. Relatório apresentado pelo 2º vice-presidente da Província de Santa Catarina ao Presidente o Exmo. Sr. Dr. André Cordeiro de Araújo Lima, em 03 de janeiro de 1870. Desterro: Tipografia de J. J. Lopes, 1870, p. 15. Grifo nosso.

Page 27: VISIBILIDADE ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM … · região do Hunsrück, num recorte cronológico que compreende o período de 1829 a 1889 e se concentra na região da Grande

27

Do mosaico cultural alemão, a região do Hunsrück “exportou” muitos dos seus

para o Estado de Santa Catarina. Trouxeram, como mencionado, o seu modo peculiar de ver e conceber o mundo, tornando saliente o sentimento de pertença, principalmente pelo uso do dialeto Hunsrückisch, legado a seus descendentes e ainda amplamente utilizado. Segundo Alfredo Gross: “É tese pacífica que a herança cultural dos povos formadores da nação brasileira representa um patrimônio a ser preservado”87. E essa herança cultural manifestada, sobretudo através do uso do dialeto, não faz parte apenas do passado de Santa Catarina, mas, através de seus descendentes, é levado à posteridade enriquecendo, sobremaneira, a dimensão sócio-cultural dos catarinenses88.

87 GROSS, Alfredo. Hunsrücker Mundart in Brasilien . Porto Alegre: Própria, 2001, p. 14. 88 Registramos nossos agradecimentos às seguintes pessoas pela colaboração no processo de desenvolvimento desse artigo: Alexandre Back (São José-SC), Alexis M. V. Cabezas (Jena, Alemanha), Brigitte Brandenburg (Joinville-SC), Carlos Eduardo Steiner (Campinas-SP), Daniel Silveira (São Pedro de Alcântara-SC), Elisabeth Egarter (Juiz de Fora-MG), Fernando J. Korndorfer (Curitiba-PR), Fernando Sestrem (Florianópolis-SC), Henry Fred Ullrich (Blumenau-SC), Izolino Kraus (Águas Mornas-SC), José Semmer (Rio Negro-PR), Lothar Wieser (Mannheim, Alemanha), Luiz Hames (São José-SC), Luiz Henrique Wissel (Águas Mornas-SC), Osni Antônio Machado (São José-SC), Renato Weingärtner (Águas Mornas-SC), Waldette Semmer (Rio Negro-PR) e Wandér Weege (Jaraguá do Sul-SC).