Violencianaescola um protesto_contra_a_exclusão_social

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28 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.1 p.28-31 Junho 2001 Violência na escola: um protesto contra a exclusão social? Cristina Maria Teixeira Campello* O crescimento da violência nas escolas tem suscitado as mais diversas opiniões sobre as suas causas. No entanto, os estudos e pesquisas sobre o assunto referem-se, em sua maioria, à violência nas escolas públicas, embora este seja um fenômeno também observado nas escolas particulares. Baseando-se no livro de Michel Foucalt, Vigiar e Punir, Áurea Maria Guimarães afirma que regula- mentos rígidos, controle, burocracia e padronização de comportamentos dos alunos levam-nos à evasão escolar e a uma crescente depredação da escola. Outros autores associam marginalidade – local onde a escola está inserida – com pobreza e depreda- ção das escolas, responsabilizando os alunos pelo que acontece nas escolas. Chamando-os de margi- nais e maloqueiros, esses autores deixam, geralmen- te, de analisar as causas estruturais da violência. Para o sociólogo Augusto Caccia-Bava 1 , se a vi- olência estoura na porta das escolas é porque o ensino continua alienado da realidade dos adoles- centes. A educação formal está cada vez mais dis- tante de oferecer aos alunos o conhecimento como parâmetro de reflexão. A escola tem um papel im- portante no desenvolvimento de padrões pacíficos de sociabilidade e de projeção para o futuro de seus alunos. Para esse sociólogo, fatores como pobreza, de- semprego, desestruturação da família e falta de perspectiva de vida, quando desvinculados de polí- ticas sociais eficazes, causam a banalização da vi- olência e acabam servindo para explicar a onda de crimes que assola as escolas públicas situadas em bairros pobres dos centros urbanos. Ainda segundo Caccia-Bava, o adolescente, oriundo de bairro pobre e violento, não raro vem de família desestruturada, com pais separados e, mui- tas vezes, desempregados; no entanto, esses con- flitos não são levados em conta pelo conteúdo pedagógico. Por outro lado, a partir da quinta série do ensino fundamental, os alunos nem sempre es- tudam no bairro onde moram, ficando expostos a situações de risco, como pontos de tráfico de dro- gas e de prostituição. Além disso, perdem o conta- to com vínculos importantes, formados por amigos de infância, colegas de antigas escolas e, principal- mente, professores que serviram de referência ini- cial no processo de formação educacional. No artigo “Violência nas Escolas”, Rudá Ricci assegura que a violência juvenil é mais complexa do que pode parecer. Pesquisas demonstram que essa violência pode ser atribuída ao uso de drogas, muito mais do que ao desemprego. Para o autor, pessoa violenta é aquela que se desenvolve em um ambiente de ódio coletivo (racismo, por exem- plo), e que é exposta a situações de voracidade (ânsia de poder, narcisismo). Este mesmo estudo revela que o crack, por ser uma droga compulsiva, parece gerar furtos e ou- tras infrações entre adolescentes. Pesquisa recém- divulgada pela Universidade Federal de São Paulo indica que 28% dos estudantes de escola pública utilizaram ou utilizam drogas. A pesquisa do Institu- to Brasileiro de Pesquisa de Opinião-IBOPE, citada

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28 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.11 n.1 p.28-31 Junho 2001

Violência na escola: um protestocontra a exclusão social?

Cristina Maria Teixeira Campello*

O crescimento da violência nas escolas temsuscitado as mais diversas opiniões sobre assuas causas. No entanto, os estudos e pesquisassobre o assunto referem-se, em sua maioria, àviolência nas escolas públicas, embora este sejaum fenômeno também observado nas escolasparticulares.

Baseando-se no livro de Michel Foucalt, Vigiar ePunir, Áurea Maria Guimarães afirma que regula-mentos rígidos, controle, burocracia e padronizaçãode comportamentos dos alunos levam-nos à evasãoescolar e a uma crescente depredação da escola.

Outros autores associam marginalidade – localonde a escola está inserida – com pobreza e depreda-ção das escolas, responsabilizando os alunos peloque acontece nas escolas. Chamando-os de margi-nais e maloqueiros, esses autores deixam, geralmen-te, de analisar as causas estruturais da violência.

Para o sociólogo Augusto Caccia-Bava1, se a vi-olência estoura na porta das escolas é porque oensino continua alienado da realidade dos adoles-centes. A educação formal está cada vez mais dis-tante de oferecer aos alunos o conhecimento comoparâmetro de reflexão. A escola tem um papel im-portante no desenvolvimento de padrões pacíficosde sociabilidade e de projeção para o futuro deseus alunos.

Para esse sociólogo, fatores como pobreza, de-semprego, desestruturação da família e falta deperspectiva de vida, quando desvinculados de polí-ticas sociais eficazes, causam a banalização da vi-olência e acabam servindo para explicar a onda de

crimes que assola as escolas públicas situadas embairros pobres dos centros urbanos.

Ainda segundo Caccia-Bava, o adolescente,oriundo de bairro pobre e violento, não raro vem defamília desestruturada, com pais separados e, mui-tas vezes, desempregados; no entanto, esses con-flitos não são levados em conta pelo conteúdopedagógico. Por outro lado, a partir da quinta sériedo ensino fundamental, os alunos nem sempre es-tudam no bairro onde moram, ficando expostos asituações de risco, como pontos de tráfico de dro-gas e de prostituição. Além disso, perdem o conta-to com vínculos importantes, formados por amigosde infância, colegas de antigas escolas e, principal-mente, professores que serviram de referência ini-cial no processo de formação educacional.

No artigo “Violência nas Escolas”, Rudá Ricciassegura que a violência juvenil é mais complexado que pode parecer. Pesquisas demonstram queessa violência pode ser atribuída ao uso de drogas,muito mais do que ao desemprego. Para o autor,pessoa violenta é aquela que se desenvolve emum ambiente de ódio coletivo (racismo, por exem-plo), e que é exposta a situações de voracidade(ânsia de poder, narcisismo).

Este mesmo estudo revela que o crack, por seruma droga compulsiva, parece gerar furtos e ou-tras infrações entre adolescentes. Pesquisa recém-divulgada pela Universidade Federal de São Pauloindica que 28% dos estudantes de escola públicautilizaram ou utilizam drogas. A pesquisa do Institu-to Brasileiro de Pesquisa de Opinião-IBOPE, citada

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Não se deve pensarsomente em projetosde profissionalização,mas em políticas deocupação do tempo

livre dos jovens,sobretudo daqueles

pertencentes àsclasses sociais

mais pobres.

por Rudá Ricci mostra que o maior fator de consu-mo de drogas entre jovens é o sentimento de aban-dono familiar (35% dos usuários de drogas).

Estudos elaborados pela UNESCO, desde 1997,assinalam que quase dois mil brasileiros, com idadeentre 15 e 29 anos, morreram vítimas da violêncianas escolas e que, de cinco mil jovens, 60% revelamjá ter sofrido ao menos uma agressão.

No artigo “Violência nas Escolas: Vamos colo-car a tranca depois da porta arrombada?”, Carva-lho Neves tece comentários sobreuma pesquisa realizada em 1500escolas públicas do país, conclu-indo que os portões e as gradescolocados nas escolas, transfor-mando-as em prisões, não resol-vem o problema, pois os índicesde violência continuam crescendo.No Rio de Janeiro e em São Pau-lo, alunos e professores vivem umeterno clima de insegurança, li-dando com traficantes, assaltan-tes a mão armada, quase sempre alunos menoresde idade protegidos pela lei. Essas gangs e gale-ras intimidam os professores, obrigando-lhes adar-lhes notas altas e a fazerem concessões des-cabidas em um ambiente escolar.

Em São Paulo, um estudo compreendendo maisde 300 municípios indica que 72% das escolas pes-quisadas sofreram alguma espécie de violência. Re-gistraram-se quase 30% de depredações; 19% debrigas; 17% de pichações; 14% de arrombamentos;8% de invasão de estranhos; 6% de furtos; 5% dedanificações a veículos; 3% de tráfico e consumo dedrogas no interior das escolas; mais de 1% de usode armas pelos alunos, e outras ocorrências comoexplosão de bombas dentro das escolas, ameaça demorte por traficantes, tiros contra o prédio escolar eprovocação de incêndio.

Os dados estatísticos divulgados pela Secreta-ria de Segurança Pública do Estado da Bahia porbairro ou cidade, revelaram que nas escolas darede estadual de Salvador e região metropolitana,no período de janeiro de 1999 a fevereiro de 2000,dos 50% de delitos observados nas escolas, 12%ocorreram nos bairros situados na zona suburba-na, onde houve um alto índice de furtos e umaocorrência menor de arrombamentos; 7% em Bro-

tas, (furto, ameaça e lesões); 6% em Candeias, (ar-rombamento, furto e roubo), Camaçari (dano, furtoe roubo) e Cidade Baixa (agressão, furto, roubo,agressão); 5% em Lauro de Freitas (furto, ameaçae dano); e 4% em Simões Filho (furto) e Cajazeiras(furto e ameaça).

Tendo como objetivo a prevenção da violêncianas escolas consideradas mais violentas, esco-las do setor público, aliadas a organizações dasociedade civil e do setor privado, assim como a

organizações internacionais, es-tão desenvolvendo projetos, vol-tados para a expressão corporal,a iniciação ao teatro e ao espor-te, a capacitação para contar his-tórias a respeito da própria vida,o desenho e a fotografia, além deoutros visando à inserção da co-munidade nas escolas.

Gomes da Costa2 (2000) rela-ciona a violência nas escolas àproblemática social, propondo

ações que visem mudança na percepção que ospais, as escolas e o governo têm dos adolescen-tes, oferecendo soluções efetivas para esta ques-tão. Em sua perspectiva, o adolescente deve serintegrado como um dos agentes das ações e daspolíticas, ou seja, como um dos reais praticantesda cidadania. O autor assinala que a violênciaestá relacionada à falta de uma política para a ju-ventude.

Afirmando ser importante que os jovens pos-sam atuar como protagonistas das atividades aeles destinadas, permitindo-lhes desenvolver umprojeto de vida, Gomes da Costa diz que não sedeve pensar somente em projetos de profissionali-zação, mas em políticas de ocupação do tempo li-vre dos jovens, sobretudo daqueles pertencentesàs classes sociais mais pobres, que ficam entre-gues a si mesmos.

Para o autor, a ocupação do tempo livre deve sig-nificar “educação para valores” e uma nova culturade “trabalhabilidade”, a fim de que o jovem possaenxergar o mundo, conseguindo nele se inserir devariadas maneiras. Além do emprego formal, o autorcita o trabalho associativo, o cooperativo e o auto-emprego como algumas das muitas outras formasde acesso ao mercado de trabalho.

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A família, a escola e os programas sociais têmde apresentar, segundo Gomes da Costa, novaspautas para os jovens. Além disso, a escola deveestar capacitada para relacionar-se com a comuni-dade e com as famílias.

A Secretaria de Educação do Estado da Bahiavem desenvolvendo quatro projetos para ajudar aminorar a violência nas escolas. O primeiro delesse refere à participação de escolas dos distritos daBarra, Rio Vermelho e da região itapagipana noFórum da Violência. O segundo é o programa Res-gatando Valores na Escola, desenvolvido na Es-cola Henriqueta Catarino. O terceiro, voltado para odesenvolvimento da cidadania e da arte, é realiza-do em parceria com o Movimento de IntercâmbioArtístico e Cultural pela Cidadania – MIAC e Centrode Referência Integral do Adolescente – CRIA3 , nomunicípio de Salvador e na região metropolitana.

Discute-se também, na mesma Secretaria, a pos-sibilidade de implementação do programa AbrindoEspaços: Educação e Cultura da Paz, que aUNESCO está realizando com sucesso, em Recifee no Rio de Janeiro, visando à abertura de escolasnos fins de semana, como espaços alternativosque possam atrair os jovens em situação de vulne-rabilidade, colaborando para a reversão do quadrode violência e construindo espaços de cidadania.Segundo a UNESCO, a estratégia nasceu da ob-servação de experiências similares bem sucedidas,nos Estados Unidos, França, Espanha e outros pa-íses, nas quais o trabalho com jovens, nas dimen-sões artísticas, culturais e esportivas, constituiu-seem uma excelente forma de prevenção da violên-cia. O programa tem três focos: o jovem, a escola ea comunidade.

A Secretaria Municipal de Educação do Municípiode Salvador tem implementando diversas ações vi-sando à PAZ nas escolas, destacando-se os pro-jetos:1. Prevenção da Violência – esse projeto, centrado

na adolescência, é realizado na Escola ErnestoMourão Sá, e tem como objetivo ações educati-vas e a capacitação do professor, permitindo-lhe lidar com o tema da violência na sala deaula. Nesse projeto, os alunos desenvolvempesquisa-ação com a comunidade. Como parcei-ro, a Prefeitura conta com o INPAZ – InstitutoNacional de Educação para a Paz.

2. Educação para a PAZ – trabalhando a não-vio-lência, em um seminário denominado “A Arte deViver em Paz”, esse projeto abrange a Escola ea Família. Para implementá-lo, a Prefeitura con-ta com a parceria da UNIPAZ.

3. Projeto Bem-Me-Quer – visa à preservação daescola, através da mobilização da comunidadeescolar, da família e dos moradores do bairro.

4. Escola Música e Meio Ambiente – trata-se deum festival de música realizado anualmente, nomês de setembro, durante a semana do meio-ambiente. Dele participam todas as escolas dequinta a oitava série e todos os alunos de quartasérie. No ano passado, 10 músicas foram sele-cionadas para a produção de um CD. Nessaação, a Prefeitura tem a parceira da Organiza-ção do Auxílio Fraterno-OAF.

5. Corrente de Vida SOS Energia – com o objeti-vo de prevenir o uso inadequado dos recursosenergéticos, a escola mobiliza os alunos para arealização de um acompanhamento dos gastoscom energia na comunidade. Os professoressão capacitados para desenvolverem este pro-jeto, através de uma parceria com a COELBA.

6. Escola Entra em Cena – tendo como objetivosintonizar a escola coma as atividades culturaisda cidade do Salvador, esse projeto desenvol-ve-se em duas etapas: na primeira, os alunossão levados ao teatro e, na segunda, a escolacria suas próprias atividades culturais. O projetoabrange, durante o ano letivo, todas as escolasda Prefeitura.

Alem desses projetos, o IRDEB/TVE e o Institu-to Anísio Teixeira – IAT gravaram o vídeo “Viver aEscola”, que consiste em um debate sobre drogase violência nas escolas, do qual participaram o psi-quiatra Antonio Nery Filho, coordenador do CETAD– Centro de Estudos e Terapia de Abuso de Dro-gas, a psicóloga Tânia Duplat, e os estudantesLuana Constantini e Miguel Ângelo Serra Dourado,da rede pública estadual.

Por último, deve ser citada a Pesquisa Jovem eViolência na cidade de Salvador: construindouma agenda social, coordenada pela FundaçãoLuís Eduardo Magalhães, UNESCO e SEPLANTEC/Coordenação de Políticas Sociais e Superintendên-cia de Estudos Econômicos e Sociais – SEI, consti-

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tuindo-se na elaboração de diversos estudos tendocomo objetivo traçar o perfil dos jovens de Salvador;fazer o levantamento dos projetos do setor públicovoltados para os jovens; realizar oficinas com a fina-lidade de elaborar proposições destinadas à cons-trução de uma política social para os jovens deSalvador. Todas essas ações têm o intuito de preve-nir a violência, combater a pobreza e a exclusão so-cial.

Como produto principal dessa pesquisa, cita-se aAgenda Social para a Juventude de Salvador, nafaixa etária de 14 a 24 anos, que contou com a par-ticipação dos setores público, privado, organizaçõesda sociedade civil e grupos de jovens. Os participan-tes discutiram, dentre outros, problemas relaciona-dos com a ineficiência e a desarticulação da gestãosocial dos proje tos implantados, e com a má quali-dade do ensino e do sistema educacional; este foiindicado como deficiente para responder às neces-sidades de inserção social e econômica dos jovens.Em relação às propostas de intervenção, os partici-pantes da Agenda Social mostraram a necessidadede implantação de novas práticas pedagógicas, as-sim como da participação da família e da comunidadeno espaço da escola, e a necessidade de melhoriados espaços escolares existentes.

Evidentemente, não foram citados todos osprojetos implantados nas escolas públicas de Sal-vador, com o objetivo de combater a violência.Considera-se, entretanto, que embora todas essasações sejam importantes para lidar com essa pro-blemática, somente reduzindo-se as desigualdadessociais e implantando-se programas nacionais decombate à pobreza, poder-se-á amenizar a situa-ção de violência e a ausência de coesão social.

A violência na escola, produto da exclusão soci-al, não será resolvida com policiamento, nem compolíticas compensatórias, mas com políticas sociaisredistributivas, nas quais o caráter muldimensionalda pobreza seja levado em consideração. Somentedessa forma será possível alcançar o bem-estar ma-terial e o bem-estar psicológico, necessários para aconstrução de uma sociedade justa e equilibrada.

Notas

1 Augusto Caccia-Bava é professor do Departamento de Socio-logia da Faculdade de Ciências e Letras da UniversidadeEstadual Paulista – UNESP, em Araraquara.

2 Antônio Carlos Gomes da Costa é consultor da Comissãodos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas– ONU.

3 Movimento de Intercâmbio Artístico Cultural pela Cidadania/Centro de Referência Integral de Adolescentes – CRIA.

*Cristina Maria Teixeira Campello é Sociólogae Técnica da Fundação Luiz Eduardo Magalhães.