UM HOMEM É UM HOMEM

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UM HOMEM É UM HOMEM A transformação do estivador Galy Gay, nas barracas de militares de Kilkoa, no ano de mil novecentos e vinte e cinco. Escrito em 1924-1925 Estreado em 25/09/1926 Tradução de Fernando Peixoto Adaptação de Irene Brietzke PERSONAGENS: ÚRIA SHELLEY - Soldado de um grupo de Metralhadoras JESSE MAHONEY - Soldado do mesmo grupo POLLY BAKER - Soldado do mesmo grupo JERAIAH JIP - Soldado do mesmo grupo CHARLES FAIRCHILD - Sargento GALY GAY - Estivador Irlandês

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UM HOMEM É UM HOMEMA transformação do estivador Galy Gay, nas barracas

de militares de Kilkoa, no ano de mil novecentos e vinte e cinco.

Escrito em 1924-1925Estreado em 25/09/1926

Tradução de Fernando Peixoto Adaptação de Irene Brietzke

PERSONAGENS: ÚRIA SHELLEY - Soldado de um grupo de MetralhadorasJESSE MAHONEY - Soldado do mesmo grupoPOLLY BAKER - Soldado do mesmo grupoJERAIAH JIP - Soldado do mesmo grupoCHARLES FAIRCHILD - SargentoGALY GAY - Estivador IrlandêsMULHER DE GALY GAY SENHOR WANG- Bonzo de um pagode tibetanoMAH SING - Seu ajudanteLEOKADJA BÉGBICK - Dona de uma cantinaUM SOLDADOOUTRO SOLDADO

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1. KILKOA

GALY GAY E SUA MULHER

GALY GAY - Cara esposa, decidi comprar um peixe. Isto não excede as condições de um

estivador que não bebe, fuma muito pouco e quase não tem vícios. Compro um peixe

grande ou um pequeno?

MULHER- Um pequeno.

GALY GAY - E que espécie de peixe você prefere?

MULHER- Estou pensando num belo linguado. Mas tenha cuidado com os vendedores

de peixe. Você tem um coração sensível, Galy Gay, e é frouxo nos negócios.

GALY GAY- É verdade.

MULHER- Você é como um elefante. É o mais pesado dos animais, mas quando começa

a correr é como um trem de carga. Além disso, estão por aí também estes soldados,

que são os piores homens do mundo. Estão chegando aos montes na estação. Com

certeza estão todos rondando o mercado e a gente deve se dar por feliz se eles não

assaltam nem matam ninguém. São perigosos, principalmente para um homem

sozinho, pois andam sempre em quatro.

GALY GAY - Eles não vão querer fazer nada a um simples estivador.

MULHER- Nunca se sabe.

GALY GAY - Ponha água no fogo para o peixe, que eu já estou sentindo fome e acho

que em dez minutos estou de volta.

2. RUA DO PAGODE DO DEUS AMARELO

Quatro soldados param diante de um templo. Ouve-se marcha militar de tropas que

chegam.

URIA - Alto! Viva Kilkoa!! Estamos em Kilkoa, cidade do império de sua majestade!

Onde o exército está se reunindo para uma guerra!

JIP - Viva Kilkoa! Viva a guerra! Para isso precisa cerveja. (desaba no chão)

JESSE - Um soldado precisa de cerveja!

URIA - Quanta cerveja ainda temos?

POLLY - Nós somos quatro. Ainda temos quinze garrafinhas. Logo, precisamos de mais

vinte e cinco.

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JESSE- Logo, precisamos de dinheiro.

URIA- Hmmmm. Estes templos estão cheios de dinheiro.

POLLY - Estes pagodes estão em estado precário, estão cheios é de cocô de mosca...

JESSE- ...mas talvez recheados de dinheiro

JIP - Eu preciso beber mais.

URIA- Calma, coração.

JIP - Úria, a minha mãe sempre me dizia: "Você pode fazer tudo, Jip meu filho, mas

cuidado com o piche!”. E aqui tudo tem cheiro de piche.

JESSE- Um pagode com a porta só encostada

JIP - Cuidado, Jesse!

POLLY - Deve ter alguma armadilha.

URIA - Por esta porta aberta é melhor não passar.

JESSE- Certo, para que existem janelas?

URIA - Vamos fazer um anzol comprido para pescar a caixa de esmolas. (COMEÇAM A

PESCARIA)

POLLY - Pegou alguma coisa?

URIA - Não, mas meu cantil caiu lá dentro.

JESSE- Merda, você não pode voltar para o quartel sem o cantil.

URIA - Tem armadilhas neste templo.

POLLY - Vamos parar com isso! Este não é um pagode como os outros. É um templo-

arapuca.

URIA- Um templo é um templo. Eu preciso pegar o meu cantil.

JIP - Você alcança lá em baixo?

URIA - Não.

JESSE- Pode ser que eu consiga levantar a tranca.

JIP - Levanta a tranca!

JESSE - Ai! Ai! Ai! Ai! Ai! Ai!

URIA - O que aconteceu?

JESSE- Mão presa!

POLLY - Vamos parar com isso!

JESSE - Parar? E a minha mão?

URIA- E o meu cantil está lá dentro.

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JESSE - Ai! Ai! Ai! Ai! Ai! Ai! (PUXA A MÃO TODA ENSANGUENTADA) Essa mão eles me

pagam. Agora eu não paro mais. Uma escada, depressa!

URIA- Alto lá! Para tudo! Primeiro me passem os passaportes! Um passaporte militar

não pode ser danificado. Um homem a qualquer momento pode ser substituído por

outro, mas não existe nada de mais sagrado do que um passaporte. (TODOS

ENTREGAM OS PASSAPORTES)

POLLY - Polly Baker.

JESSE- Jesse Mahoney.

JIP - Jeraiah Jip.

URIA - Uria Shelley. Todos do oitavo regimento, grupo de metralhadoras. Avante!

(URIA, JESSE E POLLY ENTRAM NO PAGODE)

JIP - Eu fico de vigia. (POR CIMA, NUMA ABERTURA, APARECE O ROSTO AMARELO DO

BONZO WANG) Bom dia! O senhor é proprietário? Bonito lugar...

URIA - (DE DENTRO) Jesse, me passa o canivete para eu arrombar a caixa de esmolas.

(O SENHOR WANG SORRI, JIP TAMBÉM)

JIP - Muito bonito o seu pagode. (O ROSTO DESAPARECE) Saiam correndo! Tem um

amarelo no primeiro andar.

(DE DENTRO SOAM CAMPAINHAS ELÉTRICAS)

URIA- Presta atenção onde você pisa. O que está acontecendo, Jip?

JIP - Um amarelão no primeiro andar.

URIA - Não posso mexer o meu pé! A bota ficou presa!

POLLY - Prendeu o meu casaco! Colou!

JESSE- Socorro! Prendeu a minha mochila!

POLLY - O que está acontecendo agora? A minha calça também grudou!

URIA- Claro! Está tudo grudando!

JESSE- Isso não é um templo, é uma fábrica de grude.

JIP- (DE FORA) Acharam alguma coisa? Whisky? Rum? Gin? Conhaque? Cerveja?

Acharam cerveja???

JESSE- O Uria tá preso nuns bambus e a bota do Polly tá presa nuns ferros.

POLLY- E o Jesse tá pendurado num barrote. Socorro!

JIP- É bem o que estava imaginando. Por que vocês não entraram pela porta? (ENTRA

PELA PORTA . OS TRÊS SAEM PELA JANELA SANGRANDO)

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POLLY - Isso pede vingança!

URIA- É uma brutalidade!

JESSE- Quero sangue!

JIP (de dentro) - Oi.

URIA - Estou ferido.

POLLY - Estou ensanguentado.

JESSE- Estou amassado.

JIP - Oi.

URIA - Agora eu vou metralhar tudo. (OS TRÊS APONTAM A METRALHADORA PARA O

PAGODE)

POLLY - Fogo! (DISPARAM)

JIP (DENTRO) Ai!!!!!!! Que é que vocês estão fazendo?

(OS TRÊS SE OLHAM ASSUSTADOS)

JESSE - Onde é que você está?

JIP - (DENTRO) Aqui dentro. E agora vocês me furaram um dedo.

URIA - Mas por que é que você se enfiou aí dentro, seu animal?

JIP - (APARECE NA PORTA) Eu queria pegar o dinheiro. Aqui está ele.

URIA - O mais bêbado de todos conseguiu pegar logo na primeira?

JIP - Ai!!!!! O que é isso?

POLLY - Que é que ele tem?

JIP - Olhem só!

URIA - O que é agora?

JIP - Meu cabelo! Ai, meu cabelo!!! Ficou preso. Polly, vê porque é que meu cabelo

grudou! Polly, me tira daqui, estou preso! (POLLY SE APROXIMA DE JIP NA PONTA DOS

PÉS E OBSERVA O CABELO DE CIMA)

POLLY - Ele ficou pendurado pelo cabelo no batente da porta.

URIA - (FURIOSO) Jesse! Me da o teu canivete para soltar este estúpido. (URIA CORTA

O CABELO DE JIP, QUE CAMBALEIA PARA FRENTE)

POLLY - Agora ele ficou com uma parte careca. (EXAMINAM A CABEÇA DE JIP)

JESSE - Saiu um pedaço do couro cabeludo.

URIA - (FRIAMENTE) Uma careca vai nos denunciar!

JESSE - Um cartaz de busca em pessoa!

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URIA - Vamos até o quartel buscar uma tesoura. A gente volta de noite e corta todo o

cabelo dele para não ficar só esta parte careca.

POLLY - A gente raspa a cabeça dele.

URIA - (DEVOLVENDO OS PASSAPORTES) Jesse Mahoney.

JESSE- (PEGANDO O PASSAPORTE) Jesse Mahoney.

URIA - Polly Baker.

POLLY - Polly Baker.

URIA- Jeraiah Jip. (JIP QUER LEVANTAR-SE) O seu fica comigo. Vai te esconder. Entra

nesta caixa e espera até escurecer. (JIP ENTRA NA CAIXA. OS OUTROS TRÊS SE

AFASTAM CHATEADOS. WANG APARECE NA PORTA DO PAGODE. APANHA O PUNHADO

DE CABELO PRESO E EXAMINA-O)

3. ESTRADA PRINCIPAL ENTRE KILKOA E O ACAMPAMENTO

(O SARGENTO FAIRCHILD PRENDE UM CARTAZ)

SARGENTO- Há muito tempo que não acontecia uma coisa tão maravilhosa, a mim, o

Sargento Fairchild, o Sanguinário Cinco, conhecido como o Tigre de Kilkoa, o Tufão

humano, o homem-bala, o terror asiático, sargento do exército britânico. (MOSTRA O

CARTAZ COM O DEDO) Arrombamento no pagode do Deus Amarelo. As paredes

furadas por balas. Umas mechas de cabelo coladas no piche! Por trás disso deve estar

um grupo de metralhadoras. Se tem cabelo no local do crime, tem alguém andando

por aí com uma carequinha no coco. Isto é muito simples.

(CHEGAM OS TRÊS SOLDADOS E OLHAM O CARTAZ ASSUSTADOS. O SARGENTO TOCA

UM APITO. ELES PARAM)

SARGENTO- Vocês viram um homem com uma parte careca?

TODOS - Não.

SARGENTO- Mostrem os cocos! (EXAMINA) Onde está o quarto homem do grupo?

TODOS - Ah, sargento. Ele está fazendo as necessidades.

SARGENTO- Então vamos esperar por ele. (ESPERAM) Preciso saber se ele viu um

homem com uma parte careca. (ESPERAM) O que ele está fazendo mesmo?

URIA- As necessidades. (ESPERAM)

SARGENTO - As necessidades dele são grandes, hein?

URIA - Muito grandes! Sim, senhor, muito grandes! (ESPERAM MAIS)

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POLLY- Será que ele não foi pelo outro caminho?

SARGENTO- Eu só vou dizer uma coisa: Se vocês aparecerem esta noite na revista da

tropa sem o quarto homem, teria sido melhor que tivessem fuzilado sumariamente,

um ao outro, no ventre materno. (SAI)

POLLY- Se esta cascavel fizer uma revista na tropa hoje de noite, já podemos ir nos

encostando no muro de fuzilamento.

URIA- Precisamos agora de um quarto homem antes do toque de chamada.

JESSE- Por aí vem um homem. (ELES SE ESCONDEM. A VIÚVA BEGBICK VEM DESCENDO

A RUA. GALY GAY CARREGA PARA ELA UM CESTO DE PEPINOS)

VIÚVA- Do que o senhor está se queixando? O senhor é pago por hora.

GALY GAY - Então a senhora já me deve três horas.

VIÚVA- Do que é que o senhor está se queixando? O senhor é pago por hora.

GALY GAY- Então a senhora já me deve três horas.

VIÚVA- Esta rua é perigosa para uma mulher sozinha.

GALY GAY - A senhora é uma dona de cantina. Está sempre lidando com soldados, que

são os piores. A viúva, com certeza, sabe se defender. (OUVE-SE UM TAMBOR)

VIÚVA- Escute! Vai começar a chamada. Agora não tem mais ninguém na rua.

GALY GAY- Já é muito tarde, eu preciso voltar para a cidade de Kilkoa.

MULHER - Muitos soldados estão desembarcando aqui em Kilkoa. Logo que chegam,

vão lhes entupindo de sopa e pão, de arroz e carne. Isto tudo para que eles não

perguntem por que estão indo para a guerra. Será que alguém está entupindo Galy

Gay de cerveja e charutos? Ele não sabe dizer não. E um homem que não sabe dizer

não é muito perigoso.

GALY GAY - Ainda tenho que comprar um peixe.

VIUÚVA- O senhor não acha que agora já é muito tarde? O mercado está fechado e os

peixes já foram vendidos, senhor Galy Gay.

GALY GAY – É, é verdade. Os imprevistos sempre me impede de fazer o que quero.

VIÚVA – Hmmm, neste caso eu lhe proponho que, com o dinheiro que o senhor ia

comprar o peixe, me compre este pepino, que eu, por gentileza, lhe vendo com

desconto. A diferença do preço do pepino fica por conta da sua ajuda.

GALY GAY- Mas eu não preciso de um pepino.

VIÚVA- Francamente, eu não esperava que o senhor me humilhasse tanto!

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GALY GAY - É só porque a água para o peixe já está no fogo.

VIÚVA- Compreendo. Está bem. Como o senhor quiser.

GALY GAY- Não, por favor me acredite: eu teria muito prazer em lhe ser agradável...

VIÚVA- O senhor quanto mais fala, mais se enrola.

GALY GAY- Viúva Begbick, eu não quero decepcionar a senhora.

VIÚVA- Fique quieto!

GALY GAY – Se a senhora ainda quiser me vender o pepino com desconto, aqui está o

dinheiro.

URIA- Este é um homem que não sabe dizer não.

GALY GAY- Cuidado, tem soldados escondidos aqui.

VÍUVA- Sabe Deus o que eles estão procurando por aqui. Falta pouco para a revista.

Vamos, me dê o meu cesto. Senhor Galy Gay, eu gostaria muito de algum dia lhe ver

na minha cantina no acampamento dos soldados. Aqui está o seu pepino. Vá até a

minha cantina. O meu vagão-bar é conhecido em toda a Índia. (ELA SAI)

URIA- Este é o nosso homem!

JESSE- Um homem que não sabe dizer não.

(OS TRÊS SE ADIANTAM)

JESSE- Linda noite hoje!

GALY GAY- Sim meu senhor.

JESSE- Eu tenho certeza que o senhor é de Kilkoa.

GALY GAY- De Kilkoa? Tem razão. Como é que o senhor sabe? Por acaso o senhor me

conhece?

JESSE- O seu nome, sim, o seu nome é... um momento: Galy Gay.

GALY GAY- Certo, é assim que eu me chamo. O senhor me conhece? Conhece a minha

mulher?

JESSE - Veja, eu sou assim. Por exemplo, eu aposto que o senhor é casado.

GALY GAY- Sim, eu sou casado.

JESSE- Então venha cá, senhor Galy Gay. Estes são meus amigos Polly e Uria. Venha até

nossa cantina, vamos fumar um cachimbo.

(PAUSA. GALY GAY OLHA-OS COM DESCONFIANÇA)

GALY GAY- Muito obrigado. Infelizmente estão me esperando em Kilkoa. E além disso

eu não tenho cachimbo.

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JESSE- Então um charuto. Isso o senhor não pode recusar. E está uma noite tão bonita!

GALY GAY- É, desta vez eu não posso dizer não.

URIA- Então, o senhor terá o seu charuto. (SAEM OS QUATRO)

MULHER- E Galy Gay que não chega com o peixe? A água continua fervendo na panela.

Tenho muito medo desses soldados que andam por aí. No momento de marchar,

muitos não sabem que o seu inimigo está marchando na sua frente. A voz que dá o

comando é a voz do seu inimigo. Aquele que fala do inimigo, ele próprio é o inimigo.

4

CANTINA DA VIÚVA LEOKADJA BEGBICK

URIA- A cantina da Begbick é um vagão onde se pode beber, dormir e fumar. É

permitido fazer tudo no salão. O vagão é conhecido de Singapura a Nova Delhi e

Katmandu. Quando um soldado desaparece, é só procurar na cantina. É lá que o

soldado vai estar, roçando o céu e querendo atravessar o inferno.

JESSE- O vagão da Bégbick já rodava pelas estradas da Índia no tempo em que vocês

ainda mamavam, no tempo em que vocês ainda não tinham provado a primeira

cerveja.

URIA - Os canhões vão começar a rugir aqui na Índia. É a guerra que vai começar. Mas

por enquanto nós estamos na cantina da Leokadja, onde basta pedir para receber.

Aqui o único rugido que se escuta é das rolhas saltando.

POLLY - A lua de Kilkoa fica muito mais bonita quando bate no telhado da cantina da

Begbick.

VIÚVA- (ENTRA) Boa noite, senhores soldados. Eu sou a viúva Leokadja Begbick e este

é o meu vagão de cerveja. Engatado nos grandes trens militares, ele roda sobre todas

as estradas de ferro da Índia. Nele se bebe, se viaja e se dorme. Da Birmânia até o

Nepal todos sabem que este é o refúgio dos soldados infelizes.

URIA - É aqui a cantina do Oitavo Regimento?

POLLY- Estamos falando com a proprietária, a mundialmente famosa viúva Begbick?

Nós somos do grupo de metralhadoras do Oitavo Regimento.

VIÚVA- E vocês são só três? Onde está o quarto soldado?

(ELES ENTRAM SEM RESPONDER. EMPURRAM GALY GAY PARA TRÁS)

JESSE- Que espécie de homem é o novo sargento?

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VIÚVA- Nada simpático.

POLLY - É pena que não seja.

VIÚVA - Ele se chama o Sanguinário Cinco, o Tigre de Kilkoa, o Tufão amaldiçoado. Tem

um olfato fora do comum, fareja crimes.

(OS SOLDADOS ENTREOLHAM-SE)

URIA- Ah!

VIÚVA - E os senhores, então, são do famoso Grupo de Metralhadoras do Oitavo

Regimento, que é conhecido como "a ralé"? Já leram o cartaz de busca que colocaram

na minha cantina?

(OS TRÊS VÃO LER E A VIÚVA SE RETIRA)

GALY GAY- (ENTRANDO) Eu conheço essa classe de estabelecimento...

JESSE - (EMPURRANDO GALY GAY PARA UM CANTO) O senhor está em condições de

prestar um pequeno favor a três soldados que estão em apuros.

POLLY- Nosso quarto homem se atrasou nas despedidas. Se na hora da revista da tropa

nós não estivermos em quatro, vão nos jogar nos calabouços de Kilkoa.

URIA - Por isso o senhor nos faria um grande favor vestindo uma das nossas fardas,

vindo conosco e, na hora da chamada, dizendo o nome dele. Só isso!

JESSE - É, só isso!!

URIA- Você pode fumar um charuto por nossa conta.

GALY GAY- Eu gostaria muito de poder ajudar, mas infelizmente tenho que ir depressa

para casa. Comprei um pepino para o jantar. Eu gostaria muito, me entende? Mas não

posso fazer exatamente o que eu gostaria.

URIA - Ótimo, muito obrigado. É, é isso: o senhor não pode fazer exatamente o que

gostaria. Gostaria de ir para casa, mas não pode.

JESSE- Muito obrigado, é só isso que esperávamos do senhor.

(URIA APITA. OS TRÊS SE JOGAM SOBRE GALY GAY E TIRAM SUAS ROUPAS DEIXANDO-

O SÓ DE CAMISA)

URIA - Nós vamos lhe colocar a honrosa vestimenta do grande Exército Britânico.

(APITA. APARECE A BEGBICK) Leokadja, querida, agora vamos falar abertamente.

Precisamos de um uniforme completo.

(A VIÚVA APRESENTA UMA CAIXA DE PAPELÃO E JOGA-A PARA URIA. URIA JOGA A

CAIXA PARA POLLY)

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POLLY- Aqui está o honroso uniforme que compramos para o senhor.

JESSE - Vista rápido, irmão Galy Gay.

POLLY- (PARA LEOKADJA) É que ele perdeu seu uniforme.

(OS TRÊS VESTEM GALY GAY)

VIÚVA - Ah, sim. Ele perdeu o uniforme...

POLLY- Sim, nos banhos, um chinês roubou a farda dele.

VIÚVA - Ah, pois é, os chineses roubam muito nos banhos.

URIA - Para falar bem a verdade, viúva Begbick, é uma brincadeira.

VIÚVA - Ah, é uma brincadeira, é?

POLLY- Não é verdade? Não se trata de uma brincadeira?

GALY GAY- É, se trata, por assim dizer, de um charuto. (RI, OS OUTROS TAMBÉM) De

verdade, o que é que está acontecendo?

POLLY- Nada, de verdade não está acontecendo nada.

GALY GAY - Não é perigoso, se for descoberto?

POLLY- De jeito nenhum.

VIÚVA- O uniforme custa cinco shillings por hora.

URIA - Isso é exploração. No máximo três.

JESSE - (NA JANELA) Tem nuvens de chuva no céu. Se chover, aquela caixa vai molhar.

Se a caixa molhar, não levar para dentro do pagode. Se levarem a caixa para dentro do

pagode, vão descobrir o Jip. Se descobrirem o Jip, aí nós estamos fritos.

GALY GAY - As botas me apertam.

URIA- As botas apertam. Dois shillings!!!

VIÚVA- (LEVA URIA ATÉ O CARTAZ DE BUSCA) Faz uma hora que este cartaz está

pendurado em todo o acampamento dizendo que foi cometido um crime militar na

cidade. Ainda não se sabe quem são os culpados. O uniforme custa cinco shillings.

POLLY - Quatro shillings já é muito.

URIA - Cala a boca, Polly. Dez shillings.

VIÚVA- No meu vagão se limpa qualquer mancha que caia sobre a honra da

companhia.

JESSE- Falando em limpar mancha, a senhora acha que vai chover?

VIÚVA- Eu teria que dar uma olhada no sargento. Quando desaba um aguaceiro o

Sanguinário Cinco fica num estado de extraordinária sensualidade. Ele se transforma!

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JESSE- Na nossa brincadeira não pode chover sob hipótese alguma.

VIÚVA - Pelo contrário!!! Se chover, o Sanguinário Cinco, o homem mais perigoso do

Exército Britânico, fica inofensivo como um dente de leite. Quando sofre um de seus

ataques de sensualidade, ele fica cego para tudo que acontece diante dele.

(OUVE-SE UM TAMBOR. GALY GAY FAZ UMA TROUXA COM AS ROUPAS VELHAS)

POLLY - Estão chamando para a revista das tropas!

URIA - O passaporte! (PARA GALY GAY) Aqui está o seu passaporte. A única coisa que

você precisa fazer é gritar o nome Jeraiah Jip. Jeraiah Jip.

GALY GAY - Jeraiah Jip! (VÃO SAINDO) E a gorjeta?

URIA - Uma garrafa de cerveja. Venha.

GALY GAY - Eu pensei em duas caixas de charutos e quatro garrafas de cerveja.

POLLY - Duas caixas de charutos e quatro garrafas de cerveja.

GALY GAY - Três caixas e cinco garrafas.

JESSE- Como assim? Há pouco o senhor disse duas caixas.

(TOQUE DE TAMBOR)

URIA- A gente precisa ir.

JESSE- Negócio fechado: cinco caixas e oito garrafas, vamos embora.

GALY GAY- Negócio fechado.

URIA- E qual é o seu nome?

GALY GAY - Jip! Jeraiah Jip!

JESSE- Tomara que não chova! (SAEM OS QUATRO)

POLLY- (NA SAÍDA) Viúva Begbick, o sargento fica muito sensual quando chove e agora

vai chover. Dê um jeito para que ele fique cego para tudo que acontecer, senão nós

estamos fritos. (SAI)

VIÚVA- É claro que este homem não se chama Jip. É o estivador Galy Gay de Kilkoa.

(ENTRA FAIRCHILD. BEGBICK CANTAROLA E SENTA-SE NUMA CADEIRA)

SARGENTO- Não me olhe com estes olhos, Babilônia falsificada! As coisas para mim

não vão nada bem. Há três dias que durmo numa cama dura e tomo banho frio. Na

quinta-feira fui obrigado a declarar estado de sítio para mim mesmo, por causa de uma

desenfreada sensualidade. Caiu uma bomba d’água! Isto para mim é particularmente

desagradável neste momento. Estou na pista de um crime sem precedentes nos anais

do Exército.

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VIÚVA - Sanguinário Cinco, te deixa levar pela tua poderosa natureza. Ninguém está te

vendo! E quem é que vai ficar sabendo? Esta disciplina é miserável e esta ordem

militar é mesquinha. Já começou a chover. E de noite todos os gatos são pardos. És

uma contradição, és um devo-e-não-quero. A natureza te fez assim e não podes negar.

És perturbado e selvagem, enredado em ti mesmo. És escravo indefeso de tuas

próprias forças. Vem, Tufão!

SARGENTO - Nunca! A ruína da humanidade começou justamente na cama. O

regulamento militar é um livro cheio de falhas. Mas o único no qual podemos nos

apegar como ser humano. Porque nos dá firmeza. Na realidade nós deveríamos cavar

um buraco na terra, encher de dinamite e fazer o globo terrestre voar pelos ares. Aí

todos iam se dar conta que estamos agindo com seriedade. É um sargento tem que

agir com seriedade. É, um sargento tem que agir com seriedade. Mas será que eu vou

conseguir passar esta noite chuvosa sem a carne da viúva?

VIÚVA- Se você vier esta noite, quero que venha de terno preto e chapéu coco.

UMA VOZ DE COMANDO - Grupo de metralhadoras! Chamada nominal!

SARGENTO - Preciso observar esta escória.

POLLY- Polly Baker.

URIA - Uria Shelley.

JESSE- Jesse Mahoney.

SARGENTO - E agora a porca torce o rabo. (PAUSA)

GALY GAY - Jeraiah Jip.

VIÚVA – Certo.

SARGENTO - Eles encontraram outra vez uma saída. Diabo!!!!! Insubordinação! (VAI

SAINDO)

VIÚVA- (CHAMA-O) Pois eu te digo, sargento, que antes que a chuva negra do Nepal

tenha caído durante três noites, você será indulgente com os erros humanos. Você vai

dividir a sua mesa com a insubordinação e os profanadores do tempo. Neste dia os

crimes serão tão numerosos como a areia do mar.

SARGENTO - Fique certa, minha querida, que vamos tomar medidas enérgicas. (SAI)

(GRITANDO DE FORA) Se houver alguém com corte de cabelo não regulamentar, a

pena é ser enterrado até o umbigo na areia escaldante! (ENTRAM: URIA, JESSE, POLLY

E GALY GAY)

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URIA - Por favor, viúva Begbick, uma tesoura.

GALY GAY- (PARA O PÚBLICO) Um pequeno favor não prejudica ninguém. Eu agora vou

beber um copo de cerveja e dizer pra mim mesmo: fui útil para estes senhores. A única

coisa que eu disse foi "Jeraiah Jip". Nós devemos ser como as pessoas querem que a

gente seja. E é tão fácil! (A VIÚVA TRAZ UMA TESOURA)

URIA- Agora vamos ao Jip!

JESSE - Está soprando um vento perigoso com jeito de chuva.

URIA - (PARA GALY GAY) Infelizmente estamos com muita pressa.

POLLY - Ainda temos que cortar o cabelo de um cavalheiro. (VÃO PARA A PORTA, GALY

GAY CORRE ATRÁS DELES)

GALY GAY- Nisso eu não posso ajudar?

URIA- Não, nós não precisamos mais do senhor. (PARA A BEGBICK) Cinco caixas de

charutos de segunda e oito garrafas de cerveja escura para o nosso amigo aqui.

(SAINDO) Tem gente que tem que meter o nariz em tudo. A gente dá o dedo e já

querem a mão toda. (OS TRÊS SAEM)

GALY GAY - Eu agora poderia ir embora, mas e se alguém precisar de mim?

(SENTA. A BEGBICK COLOCA GARRAFAS DE CERVEJA E CAIXAS DE CHARUTO NO CHÃO

AO REDOR DELE)

VIÚVA - Já nos vimos em algum lugar? (ELE NEGA COM A CABEÇA) O senhor não

carregou o meu cesto de pepinos? (ELE NEGA COM A CABEÇA) O seu nome não é Galy

Gay?

GALY GAY - Não. (BEGBICK SENTA TAMBÉM. GALY GAY ADORMECE. A LUZ VAI

DESCENDO)

MULHER - Galy Gay não chega com o peixe e a água já está secando na panela. Eu

penso: as coisas vão melhorar. Ele não bebe e tem sempre a mesma risada. Saiu para ir

ao mercado e daqui a pouco volta com um bom linguado. Eu penso: os tempos vão

melhorar. A primavera está chegando. A estação que um dia passou está voltando.

Vem tempo bom por aí, que vai trazer de volta um homem e seu peixe. Mas a chuva

não volta para cima. Quando a ferida não dói mais, dói a cicatriz.

VIÚVA- Um rio corre lentamente, mas por mais que se olhe, nunca se vê a mesma

água. Nunca ele retorna. Dá água que desce, nenhuma gota volta à origem.

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5.

RUA DO PAGODE DO DEUS AMARELO

O Bonzo Wang e seu ajudante

AJUDANTE- Choveu bastante.

WANG - Traga esta caixa aqui para o seco! (AJUDANTE COMEÇA A PUXAR A CAIXA)

Roubaram a nossa caixa de esmolas! O teto do pagode está todo furado de balas e

chove em cima da minha cabeça.

AJUDANTE- A caixa está muito pesada! (GEMIDO DENTRO DA CAIXA) O que é isso?

WANG - O que é isso? (ESPIAM PARA DENTRO DA CAIXA)

AJUDANTE - Um soldado!

WANG- E tem uma falha no cabelo da cabeça: é o ladrão!

AJUDANTE - O que é que vamos fazer com ele?

WANG - Já que é soldado, inteligência é que não deve ter. Podemos mandá-lo para a

polícia. Mas para quê? Já que o dinheiro sumiu, de que adianta a justiça? (GEMIDOS

NA CAIXA) Pelo visto ele só sabe grunhir. (ENFURECIDO) Tire-o daí, seu burro, e

tranque ele no oratório. O máximo que podemos fazer com esse aí é transformá-lo

num deus. (O AJUDANTE COLOCA JIP NO ORATÓRIO) Uma boa ideia: vou transformar

esse inútil num deus!

AJUDANTE- Mas, como?

WANG- Vamos enfeitar a fachada do pagode. Me traga bandeirinhas de papel.

Precisamos pendurar cartazes. Eu quero tudo que chame muita atenção! É assm que

se constrói um deus. Muitos cartazes! Nada de falsa economia! Para que serve um

deus, se ninguém fala nele? Este é um momento histórico: foi-se a caixa de esmolas e

nós ganhamos um deus! (OS DOIS BATEM PALMAS. ENTRAM OS TRÊS SOLDADOS QUE

BATEM PALMAS JUNTO) Quem são vocês?

POLLY - Três soldados.

WANG- (PARA O AJUDANTE) São os companheiros dele.

POLLY- Nós estamos procurando um cavalheiro que ficou dormindo numa caixa que

estava exatamente aqui.

WANG- Eu também tenho estado procurando algumas pessoas. Na verdade três.

Justamente três soldados. E não consigo encontrá-los.

Page 16: UM HOMEM É UM HOMEM

URIA- Vai ser muito difícil! Acho que o senhor devia desistir. Mas o senhor não tem

nenhuma notícia sobre a caixa?

WANG- Infelizmente, nenhuma.

JESSE- Dentro da tal caixa, tem um homem muito doente. Doença contagiosa. Doença

que mata. E em pouco tempo.

POLLY- Por causa desta doença horrível, ele perdeu um pouco de cabelo. Ele precisa de

socorro urgente.

URIA- Será que o senhor não viu um soldado assim?

WANG - Não, não vi. Em compensação encontrei umas mechas de cabelo. Mas os

cabelos foram levados por um sargento do exército de vocês. Ele queria devolver o

cabelo para um soldado que perdeu. (JIP GEME DENTRO DO ORATÓRIO)

POLLY- O que é isso?

WANG- É a minha vaca leiteira que geme dormindo.

URIA- Mas a sua vaca dorme muito mal, hein?

POLLY- Olha aqui! Esta é a caixa onde nós enfiamos o Jip!

JESSE- Vamos examinar. (EXAMINAM. JIP GEME NO ORATÓRIO)

URIA- Precisamos encontrar o nosso quarto homem. (APONTA A ARMA PARA O BONZO

E O AJUDANTE) Me devolve o soldado, Bonzo nojento! (TODOS APONTAM AS ARMAS

PARA O BONZO E O AJUDANTE) Bonzo fedorento!

POLLY- Devolve o nosso amigo ou te estouro os miolos!

WANG- Mas o homem que vocês estão procurando não está aqui.

AJUDANTE- Não está aqui, mesmo!

URIA- (AINDA APONTANDO A ARMA) Prova! Prova, lazarento!

WANG - Permitam que eu explique com um desenho (DESENHA NA PORTA DO

ORATÓRIO) Vou desenhar quatro criminosos. Um deles tem um rosto, pode-se ver

quem ele é. Mas três deles não têm rostos. Não se sabe quem são. Esse que tem rosto

não tem dinheiro. Portanto não é um ladrão. Os que estão com o dinheiro não têm

rostos. Por isso ninguém sabe quem são. Ninguém sabe enquanto não estiverem os

quatro juntos. Quando os quatro se reunirem, aparecerão os três rostos e com eles

será encontrado o dinheiro. Dinheiro que não lhes pertence.

OS TRÊS- Hmmm...

Page 17: UM HOMEM É UM HOMEM

WANG- Eu jamais poderia acreditar que um soldado que estivesse aqui pudesse ser

quem vocês procuram.

URIA- Nós não queremos mais perturbar o seu descanso noturno. O seu desenho

realmente é muito artístico. Vamos!

WANG- Me dói vê-los partir sem seu companheiro. (JIP GRITA TRANCADO)

JESSE - Quando nosso camarada acordar, ele vai se juntar a nós.

URIA- Quando a cerveja evaporar da cabeça dele, ele volta. Ah, volta! Nem um exército

vai impedir que ele volte!

WANG- Um exército não vai impedir. Uma mecha de cabelo, talvez.

JIP- Ai! Ai! Ai!

6.

A CANTINA

Tarde da noite. Galy Gay dorme sentado. Aparecem os três soldados.

POLLY - Ele ainda está sentado. Não parece um mamute irlandês?

URIA- Acho que não foi embora porque estava chovendo.

JESSE- Agora vamos precisar dele outra vez.

POLLY - Você não acha que o Jip vai voltar?

JESSE- O Jip não volta mais!

POLLY- E nós vamos ter que convencer de novo este estivador estúpido?

JESSE- O que é que você acha, Uria?

URIA- Eu acho... eu acho que agora eu vou é pra cama!

POLLY- E se o cara acordar e for embora? As nossas cabeças vão ficar por um fio.

JESSE- Vão ficar por um fio! Mas agora eu também vou me deitar. Nunca exijo demais

de mim.

POLLY- O melhor é ir dormir mesmo. Isso é muito deprimente.

URIA- A culpa de tudo isso é da chuva!

7.

RUA DO PAGODE DO DEUS AMARELO

Amanhecer. Por toda parte, grandes cartazes. Ruídos de um gramofone e de um

tambor. Parece que ser realiza uma grande cerimônia religiosa.

Page 18: UM HOMEM É UM HOMEM

WANG - (PARA O AJUDANTE) Prepare depressa os bolinhos de merda de camelo. Seu

bosta! (AO ORATÓRIO) Ainda está dormindo, soldado?

JIP- (DE DENTRO) A gente vai chegar logo, Jesse? Este vagão é estreito como privada. E

este trem sacoleja demais!

WANG- O senhor não está dentro de um trem. A única coisa que está sacolejando é a

cerveja que está na sua cabeça.

JIP- (DENTRO) Que absurdo! (GOLPEIA O ORATÓRIO)

WANG - Silêncio! O deus está exigindo cinco moedas. Ouçam como bate nas paredes

do oratório. Recebam as suas graças. O meu ajudante, Mah Sing, já vai fazer a coleta.

JIP - Uria, Uria, socorro, onde eu estou?

WANG- Bata! Bata com mais força!

JIP - Onde eu estou? Onde estão vocês? Uria, Jesse, Polly!! Quem está aí?

WANG- Sou o seu amigo Wang.

JIP- Me deixe sair daqui! (BATE)

WANG- É só me prometer que não vai fugir!

JIP - Abre! Abre que eu estou mandando! (BATE MAIS)

WANG- O deus fala para vocês com três trovões. Contem bem as batidas. Cada batida

é uma graça que vocês vão receber, são cinco moedas na hora da coleta.

JIP- Abre esta privada duma vez!! (BATE)

WANG- Prometa que não vai fugir.

JIP- Primeiro eu quero lhe ver.

WANG- Mah Sing! Abre o oratório! (ELE ABRE)

JIP- (SAINDO) Como é que eu vim parar aqui? Onde é que está o Oitavo Regimento?

Onde estão os doze trens e os quatro elefantes? Onde está todo o Exército inglês?

Para onde é que eles foram, seu amarelo sorridente?

WANG- Partiram no mês passado.

JIP- O que? E eu? E eu estava aonde?

WANG- Cerveja.

AJUDANTE - Muita cerveja!

WANG - Milhões de garrafas! E ganhou dinheiro também.

JIP - Ninguém perguntou por mim?

WANG - Infelizmente não. Mas o senhor deve estar com fome.

Page 19: UM HOMEM É UM HOMEM

JIP- Claro! Pois se os outros partiram no mês passado, eu não como desde o mês

passado. Eu comeria um boi.

WANG- Mah Sing, traga carne aqui para o nosso amigo.

JIP - Quem são estes aí na frente?

WANG- São fiéis rezando. (MAH SING LHE ENTREGA O PERNIL)

JIP- É dura esta parte da vaca. E eles estão rezando pra quem?

WANG - Este é o segredo deles.

JIP - (COME O PERNIL) A carne é boa, mas é errado eu estar aqui. Tenho certeza que os

meus amigos estavam esperando por mim. Pode ser que ainda continuem me

esperando. Hmmm, tem gosto de manteiga. Eu não devia comer. Polly deve estar

dizendo: tenho certeza que o Jip volta! Quando ele estiver sóbrio, ele volta. Mas esta

carne está maravilhosa! Depois de tudo que eu bebi... Eles devem estar dizendo: Jip

não nos trairia. É totalmente errado eu estar sentado aqui, mas esta carne é muito

boa.

WANG- Querido Mah Sing, queridos fiéis: nós agora temos um deus!

8.

A CANTINA

De manhã cedo. Galy Gay dorme sentado. Os três soldados tomam café da manhã.

POLLY- Jip vai voltar.

JESSE- Ele não nos trairia.

POLLY- Assim que estiver sóbrio ele volta.

URIA- Não vamos deixar este estivador escapar.

POLLY - Ele não foi embora. Passou a noite dormindo na cadeira.

(ENTRA WANG. VAI AO BALCÃO. TOCA A CAMPAINHA. ENTRA BEGBICK)

VIÚVA - Eu não sirvo nada para nativos encrenqueiros, nem para amarelos.

WANG- É para um branco: dez garrafas de cerveja clara, da boa.

VIÚVA- Dez garrafas de cerveja para um branco? (ENTREGA AS GARRAFAS)

WANG - É, para um branco. (WANG PAGA E SAI FAZENDO REVERÊNCIA A TODOS. OS

TRÊS SOLDADOS ENTREOLHAM-SE)

URIA- Agora Jip não volta mais.

Page 20: UM HOMEM É UM HOMEM

POLLY - O que será que vai acontecer agora, Uria? A única coisa que temos é o

passaporte de Jip.

URIA - Isto basta! Isto é suficiente para fabricar um novo Jip. Não se deve dar muita

importância às pessoas. Um é nenhum. Menos do que duzentas pessoas não valem

nada! Naturalmente qualquer um pode ter outra opinião. Uma opinião só não vale

nada. Um homem tranquilo pode, tranquilamente, assumir duas ou três opiniões

diferentes.

JESSE- Eu também estou cagando para o mundo!

POLLY- E nós vamos transformar este imbecil no soldado Jeraiah Jip?

URIA - Uma besta dessas se transforma sozinha. É só jogar ele dentro de uma lagoa e

em dois dias cresce membrana entre os seus dedos. É assim, porque ele não tem nada

a perder.

JESSE - Nós precisamos de um soldado. Acorda ele!

POLLY - (ACORDA GALY GAY) Que bom que o senhor não foi embora! O nosso

camarada Jip ainda não pode voltar pra cá.

GALY GAY - Infelizmente a minha mulher está me esperando, por causa do peixe.

JESSE- Talvez se apresente uma oportunidade para o senhor se transformar em

soldado. (GALY GAY PARA)

URIA- A vida de soldado é muito agradável. Cada semana nós recebemos um punhado

de dinheiro só para ficarmos atravessando a Índia, conhecendo cidades e pagodes. Dê

uma olhada neste fuzil. Seguido nós vamos pescar para nos divertir. O exército nos dá

até os anzóis. Nos dias de folga da pescaria, o senhor pode ficar fumando no seu

bangalô. Caso o senhor deseje, pode mandar fuzilar muita gente. O senhor vai ganhar

muito dinheiro. O senhor não acha vantajoso entrar para o exército, senhor Galy Gay?

(GALY GAY FICA EM SILÊNCIO)

POLLY - A vida de soldado na guerra é ainda mais agradável. Somente durante a

batalha é que alguém atinge a plenitude de sua grandeza. Antes de cada ataque, o

soldado recebe de graça um grande copo de álcool, que faz sua coragem crescer sem

limites. É, sem limites.

GALY GAY - Estou vendo que é muito agradável a vida de soldado.

URIA- Sem dúvida. Então o senhor fica com o seu belo uniforme e tem direito a ser

chamado de senhor Jip.

Page 21: UM HOMEM É UM HOMEM

GALY GAY - Vocês estão querendo arruinar a vida de um pobre estivador irlandês?

JESSE- Nós? Por que?

URIA- O senhor por acaso está querendo ir embora?

GALY GAY- Sim, vou, agora mesmo.

JESSE- Entregue as roupas dele, Polly.

POLLY - (COM AS ROUPAS) Afinal de contas, por que é que você não quer ser o Jip?

GALY GAY - Porque eu sou o Galy Gay! (VAI SAINDO)

URIA - Espere um momento! O senhor conhece o ditado: devagar se vai ao longe? Nós

estamos lhe propondo apenas um negócio.

(GALY GAY FICA PARADO)

GALY GAY- Negócio?

JESSE- É, nós vamos fazer um grande negócio!

GALY GAY - Vocês falaram em negócio?

URIA- É possível. Mas o senhor não tem tempo.

GALY GAY - Isso depende.

POLLY- Ah, então o senhor poderia ter tempo.

GALY GAY- Acho que sim. Então é um grande negócio? E eu precisaria fazer o quê?

JESSE- Nada. (PAUSA. GALY GAY ESTÁ INDECISO)

GALY GAY - Não, não, muito obrigado. (VAI SAINDO)

POLLY - É um elefante.

GALY GAY - Elefante? Ah, um elefante é uma mina de ouro.

URIA- Sim, nós temos um elefante.

GALY GAY- E o elefante está... assim... à mão?

JESSE - E alguém faz negócio com um elefante que não esteja à mão?

URIA - É só por causa do sargento. De vez em quando ele pega alguém que deu o nome

falso na chamada e deita-o embaixo dos elefantes.

GALY GAY - Seria preciso então um homem que tivesse uma boa cabeça para não ser

esmagado. Eu escrevo muito mal, mas tenho uma ótima cabeça para negócios. (GALY

GAY PEGA UMA DE SUAS CCAIXAS DE CHARUTOS E OFERECE AOS TRÊS)

URIA- Fogo!

GALY GAY- (ACENDE OS CHARUTOS) Meus senhores, acho que escolheram um bom

sócio para o seu negócio.

Page 22: UM HOMEM É UM HOMEM

URIA - Begbick! Uma rodada de cerveja! (ELA SERVE) Saúde! Ao negócio!

GALY GAY - (BEBENDO) Podem contar comigo para tudo!

SARGENTO (ENTRANDO) - Tem uma mulher aí fora que procura um irlandês chamado

Galy Gay.

GALY GAY- Galy Gay? Ela procura um Galy Gay? (O SARGENTO O ENCARA E DEPOIS VAI

BUSCAR A MULHER)

GALY GAY - Não tenho medo, ela é uma pessoa muito meiga, veio de uma cidade do

interior. Confiem em mim!

SARGENTO – Entre, senhora. Aqui tem uma pessoa que conhece o seu marido.

MULHER- Os senhores me perdoem, sou uma pessoa humilde. Perdoem também o

jeito como estou vestida, eu estava com muita pressa. Ah, você está aí Galy Gay? Por

que é que você está vestindo uniforme?

GALY GAY- Há um engano por aqui.

MULHER- Não entendo. Este uniforme não fica bem pra você, Galy Gay.

URIA- Ela não está bem da cabeça.

MULHER- Não é fácil ter um marido que não sabe dizer não.

SARGENTO- A senhora aqui presente sabe muito bem o que está dizendo! Por favor

senhora, continue. Me agradei muito da sua voz!

MULHER - Eu não entendo o que você está querendo com essa palhaçada, mas você

ainda vai acabar mal. Vamos embora! Diz alguma coisa! Ficou mudo?

GALY GAY – A senhora está me confundindo com alguma outra pessoa.

MULHER- O que é que você disse? Eu, confundindo você? Quanto é que você bebeu?

Ele é fraco pra bebida.

GALY GAY- Infelizmente, senhora, eu não sou o seu Galy Gay.

MULHER- Ontem, a essa mesma hora, eu pus água no fogo, mas você não voltou com o

peixe.

GALY GAY- Peixe? Que peixe?

SARGENTO- Vocês conhecem esta mulher? (OS QUATRO NEGAM COM A CABEÇA) Diga

o seu nome para ela.

GALY GAY- Jeraiah Jip.

MULHER- Não é possível! Na verdade, sargento, ele está diferente, em alguma coisa,

não sei em que.

Page 23: UM HOMEM É UM HOMEM

SARGENTO – Nós vamos ficar sabendo o que é. (SAI COM A MULHER)

GALY GAY- Na Irlanda todo o mundo fala que os Galy Gay sempre se dão bem.

URIA - Antes que o sol se ponha sete vezes, esse homem deverá ser um outro homem.

Um homem é igual a outro. Um homem é um Homem! (TAMBORES. TODOS SE

PERFILAM)

SARGENTO - (BERRANDO DA PORTA) O exército vai marchar para as fronteiras do

norte! Partida hoje à noite, às 2 e 10!

INTERLÚDIO

Dito pela viúva Leokadja Begbick

O senhor Bertolt Brecht afirma: um é um homem.

E isso qualquer um pode afirmar.

Porém o senhor Bertolt Brecht consegue provar isso.

Ele prova que qualquer um pode fazer com um homem o que desejar.

Esta noite, aqui neste palco, um homem será desmontado como se fosse um

automóvel.

E depois, os senhores vão ver de que forma ele será remontado, sem que dele nada se

perca.

Ele vai se conformar tranquilamente às leis do mundo.

Não importa no quê nós vamos transformá-lo. A única coisa que interessa é que ele

esteja corretamente adaptado à sua nova função.

E aí nós vamos vigiá-lo muito bem, porque ele poderá se transformar da noite para o

dia num assassino vulgar.

O senhor Bertolt Brecht espera que todos observem muito bem o chão onde pisam.

E vendo Galy Gay compreendam finalmente como é perigoso viver nesse mudo.

9.

A CANTINA

Ruído de partida do exército.

SARGENTO - Começou a guerra! O exército se desloca para as fronteiras do norte.

Todos os soldados para os trens com os canhões e os elefantes. O general ordena:

ocupem seus lugares nos trens antes da lua nascer.

Page 24: UM HOMEM É UM HOMEM

VIÚVA- (FUMANDO UM CHARUTO) Uma vez passei sete anos no mesmo lugar. Eu tinha

um teto e um homem que me sustentava. Um belo dia o meu homem morreu. Mesmo

assim, eu jantei naquela noite e no dia seguinte aluguei o quarto onde nós tínhamos

nos amado. E o quarto passou então a me sustentar. Agora eu vivo pra lá e pra cá,

atendendo a escória, mas continuo comendo. E é isso, eu sempre digo: é inútil reter a

onda que se quebra no meu pé pois muitas outras ondas vão vir atrás da primeira.

(LEVANTA E COMEÇA A RECOLHER A CANTINA) (ENTRAM OS SOLDADOS)

URIA - Estourou a guerra. O tempo da desordem acabou. Não se deve mais levar em

conta nenhum interesse particular. Por isso o estivador Galy Gay de Kilkoa deverá ser

transformado imediatamente no soldado Jaraiah Jip. Para isso, precisamos envolvê-lo

num negócio, que é como se faz hoje em dia. Vamos construir um falso elefante. Polly,

pegue um pano e uma tromba. Você, Jesse, pegue a garrafa. E sempre que Galy Gay

olhar para o elefante, derrame um pouco de água no chão, porque um elefante mija

muito. Eu cubro vocês com esse pano. Vamos dar este elefante de presente para ele e

vamos trazer o comprador. Quando ele vender o elefante, nós vamos prendê-lo e

dizer: como é que você está vendendo um elefante que pertence ao exército, hein? É

evidente que ele vai preferir se transformar no soldado Jeraiah Jip seguindo para as

fronteiras do norte do que continuar sendo Galy Gay, um criminoso que pode ser

fuzilado.

JESSE - Tá parecendo um elefante?

POLLY- E quem vai ser o comprador?

URA-- Leokadja Begbick!

VIÚVA- Eu faço o comprador, mas vocês desmontam a minha cantina.

URIA- Uma coisa pela outra. Negócio fechado!

GALY GAY (CHEGANDO) - Já chegou o elefante?

URIA- O negócio está bem encaminhado. O elefante é do exército, mas não está

registrado. Agora é só leiloar o elefante. Vendemos para um particular sem chamar

muita atenção.

GALY GAY - Claro como a luz do dia. Quem vai leiloar?

URIA- Alguém que se apresente como sendo o dono.

GALY GAY- Quem vai se apresentar como sendo o dono?

URIA- O senhor não gostaria de representar o dono?

Page 25: UM HOMEM É UM HOMEM

GALY GAY- Tem algum comprador aí?

URIA- Tem.

GALY GAY- Claro que o meu nome não deve ser mencionado.

URIA- Claro. O senhor não quer fumar um charuto?

GALY GAY- (DESCONFIADO) Por que?

URIA- Só para o senhor conseguir manter seu sangue frio, porque o elefante está um

pouco resfriado.

GALY GAY- O comprador, onde está?

VIÚVA- Ah, senhor Galy Gay, eu estou procurando um elefante, o senhor por acaso

tem algum?

GALY GAY- Pode ser que eu tenha um pra senhora.

VIÚVA- Antes do negócio do elefante, eu quero que vocês desmontem a minha

cantina. Os canhões já estão chegando.

URIA- Pode deixar, já estamos desmontando. (URIA FAZ SINAL E JUNTO COM POLLY E

GALY GAY DESMONTAM A CANTINA)

JESSE- Senhora Begbick, o que estamos vendo aqui hoje é um acontecimento histórico.

A personalidade será minuciosamente examinada com uma lente de aumento. O

caráter humano será estudado de perto. Se nós colocarmos num torno um homem

alto e um homem baixo girando sem parar, em termos de estatura, eles são

exatamente iguais. O que é que afirma Copérnico? O que é que gira? A Terra! A Terra

e, portanto o homem. É histórico. O homem não é nada! A ciência moderna

demonstrou que tudo é relativo. Isso quer dizer o que? A mesa, o banco, a água, o

piano, tudo é relativo. A senhora, eu ... tudo relativo. Me olhe nos olhos, viúva Begbick:

um momento histórico.

SOLDADO - (ANUNCIANDO) Número um: o negócio do elefante. O Grupo de

Metralhadoras entrega um elefante a um homem que não quer que seu nome seja

mencionado.

URIA- Aqui está o elefante, campeão de Bengala, elefante a serviço do exército.

GALY GAY- (OLHA O ELEFANTE E SE ASSUSTA) É esse o elefante do exército?

URIA- Hoje ele não está parecendo bem um elefante porque ele está muito resfriado.

GALY GAY- (AFLITO, DÁ UMA VOLTA AO REDOR DO ELEFANTE) Um elefante resfriado?

Page 26: UM HOMEM É UM HOMEM

VIÚVA- Eu sou a comprador (APONTA O ELEFANTE) Me venda este elefante. Desde

criança eu sempre quis ter um elefante.

GALY GAY - Se a senhora quer realmente comprar esse elefante, eu sou o dono.

SARGENTO- (NO FUNDO) Inspeção dos vagões! Todos nos seus postos!

URIA- O tufão humano! Sugere o elefante um momento. (PASSA A CORDA PARA A

MÃO DE GALY GAY. CORRE PARA O FUNDO JUNTO COM A VIÚVA)

GALY GAY - (SEGURANDO O ELEFANTE PELA CORDA) Minha mãe sempre me dizia que a

gente nunca sabe o que é certo. Hoje de manhã eu saí para comprar um peixe

pequeno e agora já possuo um elefante grande. E ninguém sabe o que vai acontecer

amanhã. Pra mim tanto faz, desde que eu tenha um cheque.

SOLDADO- (ANUNCIANDO)- Número dois: o leilão do elefante. O homem que não quer

que seu nome seja mencionado vende o elefante.

(BEGBICK COLOCA UM CAIXOTE NO CENTRO E ENTREGA UMA CAMPAINHA PARA GALY

GAY)

URIA- Você ainda em alguma dúvida em relação ao elefante?

GALY GAY- Um elefante é um elefante, principalmente quando é vendido. (SOBE NO

CAIXOTE) Está aberto o leilão! Vai ser arrematado aqui um campeão de Bengala.

Nascido como os senhores podem constatar, no sul do Paquistão. Sete rajás cuidaram

dele no berço. Sua mãe era branca. Tem sessenta e cinco anos e pesa mil e trezentos

quilos. Ele é capaz de derrubar uma floresta inteira. Sendo assim, vale uma fortuna.

URIA- Aí vem a viúva com o cheque.

VIÚVA-- Este elefante é seu?

GALY GAY- Meu, como meus próprios pés. E o preço dele é duzentas rúpias.

VIÚVA- (EXAMINANDO O ELEFANTE) Duzentas rúpias com esta barriga caída?

GALY GAY- É o preço ideal para uma viúva.

VIÚVA- Este elefante tem boa saúde? (O ELEFANTE MIJA) Para mim basta: mijou, tem

boa saúde. Quinhentas rúpias.

GALY GAY- Quinhentas rúpias. Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três. Leokadja

Begbick, receba este elefante e pague com um cheque.

VIÚVA- Seu nome?

GALY GAY- Não deve ser mencionado.

Page 27: UM HOMEM É UM HOMEM

VIÚVA- Aqui está o seu cheque.

GALY GAY- E aqui está seu elefante. (TROCAM. QUANDO GALY GAY ESTÁ COM O

CHEQUE NA MÃO, POLLY SAI DEBAIXO DO PANO)

POLLY- Em nome do exército inglês, o que o senhor está fazendo?

GALY GAY- Eu? Nada.

POLY- Que elefante é esse?

GALY GAY- Qual?

URIA- Nós somos testemunhas que este senhor disse que este elefante era dele.

GALY GAY- Eu sinto muito, mas eu tenho que ir embora, a minha mulher está

impaciente me esperando. Depois eu volto para discutir este assunto com os senhores.

Boa noite.

POLLY- (APONTANDO A ARMA) Pare, criminoso!

(O PANO ESCORREGA E JESSE FICA A MOSTRA)

JESSE - Droga, caiu o pano! (GALY GAY FICA PERTURBADO)

VIÚVA- Mas o que é isso? É tudo falso! Dei dinheiro de verdade por um elefante de

mentira!

URIA- O criminoso será imediatamente amarrado e jogado na latrina! (POLLY AMARRA

GALY GAY E O ENFIA NUM TÚNEL DEIXANDO SÓ A CABEÇA DE FORA. ESCUTA-SE A

ARTILHARIA PASSANDO)

VIUVA- A artilharia já está indo embora. Quando é que vocês pretendem terminar de

desmontar minha cantina? Não é só este homem que precisa ser desmontado, a minha

cantina também. (OS TRÊS CORREM PARA TERMINAR DE DESMONTAR A CANTINA)

SOLDADO- (ANUNCIANDO) Agora o número três: o processo contra o homem que não

quis que seu nome fosse mencionado. Vai haver um interrogatório aqui, até que a

verdade seja revelada.

URIA- Como é o nome do homem que fez o leilão público do elefante?

SOLDADO- Ele se chama Galy Gay!

URIA- O senhor se chama Galy Gay?

GALY GAY- Bem, se eu fosse Galy Gay, então talvez eu fosse aquele que vocês estão

procurando.

URIA- Então o senhor não é Galy Gay?

GALY GAY- (MURMURANDO) Não, não sou.

Page 28: UM HOMEM É UM HOMEM

URIA- O senhor talvez nem estivesse presente quando o elefante foi leiloado, não é?

GALY GAY - Não, eu não estava presente.

JESSE- Mas o senhor viu que havia alguém que se chamava Galy Gay e que realizou a

venda?

GALY GAY- Isso eu posso afirmar.

JESSE- Então você quer dizer que estava presente?

GALY GAY- Sim, isso eu posso afirmar.

URIA- Vocês escutaram? Olha a lua. Agora ela apareceu e se meteu neste negócio

podre do elefante.

POLLY - Houve um leilão onde se vendeu um elefante falso. Isso é passível de pena de

morte.

URIA- Eu acho que o senhor deve ser fuzilado, porque a sua conduta é muito suspeita.

(PAUSA) Eu ouvi falar de um soldado que se chamava Jip e queria fazer os outros

acreditarem que ele se chamava Galy Gay. O senhor por acaso é esse Jip?

GALY GAY- Não, certamente não.

JESSE- E o senhor se chama como? O senhor é alguém que não quer que seu nome seja

mencionado?

POLLY- O senhor deve ser aquele que na venda do elefante não queria que seu nome

fosse mencionado. Isto é muito suspeito.

SOLDADO- É quase uma prova.

URIA- Jesse e Polly, agora vamos deliberar. (VÃO PARA O FUNDO)

GALY GAY- Você consegue ouvir o que eles estão dizendo?

SOLDADO- Não.

GALY GAY- Já sabe contra quem é esta guerra?

SOLDADO- Se estiverem precisando de algodão, será contra o Tibete. Se estiverem

precisando de lã será contra o Nepal.

(JESSE VOLTA E FAZ UM SINAL PARA O SOLDADO SE AFASTAR)

JESSE- Então você não é Galy Gay? (GALY GAY BALANÇA NEGATIVAMENTE A CABEÇA)

Galy Gay acabou de ser condenado à morte.

GALY GAY- Já está decidido? Ai Jesse, me ajuda! Enxugue meu suor, Jesse!

(JESSE ENXUGA)

JESSE- Nós éramos quatro quando chegamos. Você está junto conosco?

Page 29: UM HOMEM É UM HOMEM

GALY GAY- (PAUSA)

VIÚVA- Eu sempre digo para mim mesma: de todas as coisas certas a mais certa é a

dúvida!

JESSE- Eu lhe fiz uma pergunta: você estava conosco quando chegamos?

GALY GAY- (PAUSA)

JESSE- Estava ou não estava?

GALY GAY- Claro, eu estava com vocês quando chegamos. Nós éramos quatro

soldados!

SOLDADO- (ANUNCIANDO) E agora o número quatro: o fuzilamento de Galy Gay nas

barracas de Kilkoa.

URIA- (APROXIMA-SE DO TONEL ONDE ESTÁ GALY GAY) Acusado, ainda tem alguma

coisa a declarar? (SILÊNCIO) Não, não tem nada a declarar. A corte marcial de Kilkoa

condenou você a morrer fuzilado com cinco tiros. Polly, tira esse homem da latrina!

Você vai ser fuzilado: primeiro por ter roubado e vendido um elefante do exército,

segundo por ter falsificado um elefante e terceiro por não dizer seu nome nem

mostrar seu nome nem mostrar um passaporte.

GALY GAY- Espere... eu não sou quem vocês estão procurando. (PAUSA) Meu nome é

Jip. O que é um elefante comparado a uma vida humana? Eu não vi nenhum elefante.

Eu sou um outro. Eu não sou Galy Gay.

JESSE- Claro que é. Galy Gay não é outra pessoa. É você.

GALY GAY- Eu não me chamo Galy Gay. Não se pode mandar uma pessoa para o

matadouro assim de uma hora para a outra. O que eu queria era comprar um peixe.

SOLDADO- E você nem sabe como se meteu nessa, é?

URIA- Quer ir aos pés pela última vez?

GALY GAY- Quero! (ABAIXA-SE ATRÁS DE ALGUMA COISA)

URIA- Vigiem ele. Depressa com isso!

GALY GAY- Depressa não dá. Aquela ali é a lua?

SOLDADO- É, já é tarde. Depressa.

GALY GAY- Se aquela é a lua, aqui é a cantina da Begbick onde a gente vinha beber?

URIA- Não, senhor. Isto aqui é o lugar de execução, mais conhecido como "Johnny você

tá cagado". Carreguem os fuzis. (VENDA OS OLHOS DE GALY GAY) Carregar fuzis!

(MURMURANDO) Descarreguem as armas. (GRITANDO) Um!

Page 30: UM HOMEM É UM HOMEM

GALY GAY- Agora chega...

URIA- Dois!

GALY GAY- Eu não posso ver vocês.

URIA- E...

GALY GAY- Pare, não diga três, senão você se arrepende. Eu sou uma pessoa que não

sabe quem é. Aquele que deve ser fuzilado não sou eu. Mas afinal, eu sou quem? Eu

me esqueci. Ontem de noite, quando estava chovendo, eu ainda me lembrava. Choveu

ontem, não choveu? Se vocês encontrarem alguém que esqueceu quem é, esse sou eu.

Por favor, não atirem, eu sou uma pessoa que não sabe quem é. (POLLY CORRE PARA

TRÁS DE GALY GAY E LEVANTA UM GRANDE PORRETE)

URIA- E... Três! (GALY GAY GRITA) Fogo! (GALY GAY DESMAIA)

POLLY- Parem! Ele caiu sozinho. (SOLDADOS ATIRAM PARA O AR)

URIA- Deixem ele deitado aí e preparem-se para a partida.

(POLLY COBRE GALY GAY COM UMA LONA)

(DIANTE DE UM VAGÃO QUE ESTÁ SENDO ENCAIXOTADO. GALY GAY DEITADO

COBERTO POR UMA LONA. BEGBICK E OS TRÊS SOLDADOS ESTÃO SENTADOS NAS

CAIXAS)

JESSE- A senhora vai ter que impedir que o sargento meta o nariz nos nossos negócios.

VIÚVA- É fácil, porque ele agora é um civil.

POLLY - Lá vem ele! (ENTRA O SARGENTO À PAISANA)

VIÚVA- Vem, sente aqui conosco.

SARGENTO- Ah, aqui está a senhora Sodoma e Gomorra! (SENTA) Quem é este

beberrão aí deitado? (SILÊNCIO, ELE BATE) Sentido!

URIA- Cala a boca, civil! (RISOS)

SARGENTO- Ninguém vai rir de mim aqui. Eu sou conhecido de Bombaim a Calcutá. Me

dá uma cerveja. Depois eu liquido vocês. Eu vou esmagar vocês ou não me chamo

Sanguinário Cinco!

POLLY- Como foi que você ganhou este apelido?

SARGENTO- Bom: aqui tem um rio. Aqui estão cinco hindus. Mão amarradas para trás.

Então eu chego com um simples revólver. Brinco com o revólver na cara deles e digo:

está na hora do teste do tombo. Bom, aí eu atiro. Você aí, caia. BUM! O segundo, caia!

Page 31: UM HOMEM É UM HOMEM

O terceiro hindu, caia, bum! O quarto, bum! E este último de turbante, bum! Foi só

isso e já ganhei o apelido.

POLLY- De um pouco de vista humano, a gente também pode considerar você um

porco. O Porcalhão Cinco!

SARGENTO- Beberrão Cinco! Me dá cinco cervejas, viúva!

VIÚVA- Não estou mais servindo nada, estou terminando de encaixotar a cantina.

SARGENTO- Eu insisto: quero beber!

POLLY- Você não vai beber coisa nenhuma, nós vamos submetê-lo a um processo

sumário.

JESSE- Senhor, debaixo desta lona está deitado um homem vestido de soldado. Umas

vinte e quatro horas atrás, sem alguém que o orientasse, ele não foi capaz de comprar

um peixe. Por um charuto estava disposto a esquecer até o nome. Algumas pessoas

tomaram conta dele pois, por acaso, sabiam onde o colocar. Depois de um processo

doloroso, agora ele se tornou um homem capaz de ocupar o seu lugar na próxima

batalha. Porque vai haver uma batalha por aqui. Então, você, ao contrário deste

homem desceu à condição de civil. Que Sanguinário Cinco coisa nenhuma! Um cagão!

O Cagão Cinco! Na hora de ir pra guerra o senhor aparece à paisana. Na hora de provar

que é um sanguinário, o que é que você faz? Hein? Bota uma roupa de civil e quer

cerveja. Quem precisa de cerveja são os soldados valentes que estão embarcando para

o norte. E você, seu monte de merda, está impedindo a proprietária de uma cantina de

embarcar o seu vagão de cerveja no trem!

URIA- Você tem que ouvir os nossos nomes na última chamada e depois anotar todos

os quatro na sua caderneta. Levanta! (O SARGENTO LEVANTA INDECISO) E levantar é

isso, é? (POLLY DÁ UM PONTAPÉ NO TRASEIRO. O SARGENTO CAI) É isso que uma vez

se chamou Tufão humano? Joguem este imprestável no mato. (JESSE E POLLY TENTAM

ARRASTAR O SARGENTO)

SOLDADO- O sargento Fairchild está aqui? O general mandou ele reunir a companhia.

SARGENTO- Não digam quem sou eu.

JESSE- Aqui não há nenhum sargento com esse nome.

(BEGBICK E OS TRÊS SOLDADOS CONTEMPLAM GALY GAY DEBAIXO DA LONA)

Page 32: UM HOMEM É UM HOMEM

URIA- Estamos chegando ao fim da nossa montagem. O nosso homem já está

reconstruído.

VIÚVA- Peguem esse caixote, escrevam "Galy Gay". Façam também uma cruz. (ELES

FAZEM) Agora façam um cortejo fúnebre e enterrem Galy Gay.

SOLDADO- (ANUNCIANDO) Número cinco: funeral de Galy Gay, o último homem de

caráter do ano de 1925.

VIÚVA- Peguem o caixão e formem o cortejo. (ACORDA GALY GAY)

GALY GAY- Quem é que morreu?

VIÚVA- Um homem que acabam de fuzilar.

GALY GAY- Como era o nome dele?

VIÚVA- Se não me engano, se chamava Galy Gay.

GALY GAY- Era um homem bom ou mau?

VIÚVA- Ah, era um homem perigoso.

GALY GAY- Claro, por isso foi executado. Eu estava presente (O CORTEJO CONTINUA)

JESSE- Este não é o Jip? Você vai fazer a oração fúnebre deste tal de Galy Gay. Você

conheceu ele melhor do que nós.

GALY GAY- Ah, então vocês estão me vendo?

POLLY- Claro.

GALY GAY- (DOBRANDO O BRAÇO) O que é que eu estou fazendo?

POLLY- Dobrando o braço.

GALY GAY- (LEVANTA E CAMINHA) E agora?

POLLY- Caminhando como um soldado.

GALY GAY- Vocês também caminham assim?

POLLY- Exatamente.

GALY GAY- Como é que vocês me chamam?

POLLY- Jip. Jeraiah Jip.

GALY GAY- (APROXIMA-SE DO CAIXÃO) Ele está deitado ali dentro? E eu vou fazer o

discurso fúnebre? (TODOS AFIRMAM COM A CABEÇA) Minha mãe marcou no

calendário o dia em que eu nasci. E quem gritava era eu. Esse monte de cabelo, unha e

carne, isso sou eu. Isso sou eu, sou eu, sou eu, sou eu.

POLLY- Sim, Jeraiah Jip.

Page 33: UM HOMEM É UM HOMEM

GALY GAY- Alguém que carregava pepinos por gorjeta foi enganado por um elefante. E

na sua casa fervia água para o peixe. Ele recebeu de presente um charuto e cinco tiros.

Como era o nome dele?

SARGENTO- (NO FUNDO) Os trens estão apitando. Vão partir às 2 e 10 da manhã.

Faltam seis minutos. Agora salve-se quem puder!

JESSE- O trem vai sair. Agora ele tem que vir conosco.

URIA- O homem que nós precisamos merece ter um pouco mais de tempo. Ele está se

transformando para toda a eternidade.

POLLY- Mas se ele olhar para dentro do caixão, acaba tudo!

GALY GAY- (SENTA AO LADO DO CAIXÃO) Eu não posso abrir este caixão. Eu não posso

olhar o rosto morto de um homem que um da eu vi refletido na água da fonte. Eu acho

que eu sou dois. Como Galy Gay pode reconhecer que ele próprio é Galy Gay? E, além

disso, eu acho, não é tão grande assim a diferença entre o sim e o não. O que faz um

homem ser outro homem? Nós somos úteis e por isso somos utilizáveis. Não olhei o

elefante com muita atenção, é verdade, e assim sendo, também não preciso olhar para

mim agora com muita atenção. Me desprendo do que de mim não agrada os outros e

me torno uma pessoa agradável. Que trens são estes? Para onde vão?

VIÚVA- Para as batalhas do norte. São cem mil homens marchando numa só direção.

GALY GAY- E o inimigo, quem é?

VIÚVA- Ainda não informaram, mas eu acho que é o Tibete.

SARGENTO- (NO FUNDO) Embarcar! Todos nos vagões! O grupo de vocês está

completo?

URIA- Num instante. Sua oração fúnebre, camarada Jip, sua oração fúnebre.

GALY GAY- (APROXIMA-SE DO CAIXÃO) Eu não estou preparado, mas vamos lá: Aqui

descansa Galy Gay, um homem que foi fuzilado. De manhã saiu para comprar um

peixe, de tarde tinha um elefante e de noite foi fuzilado. Não foi um grande crime que

cometeu. Na verdade tudo não passou de um pequeno engano e eu estava bêbado

demais, meus senhores. Mas um homem é um homem. E por isso ele precisou ser

fuzilado. E agora está soprando um vento muito frio. Penso que nós devemos ir

embora daqui. (DISTANCIA-SE)

JESSE- Aqui estão as suas coisas, capitão. (ENTREGA O EQUIPAMENTO)

URIA- Embarcando! Todos para o trem!

Page 34: UM HOMEM É UM HOMEM

TODOS- Em-bar-can-do!!!! (SAEM TODOS)

10.

(NO VAGÃO DO TREM EM MOVIMENTO)

GALY GAY- Não é estranho isso? Eu num trem.

POLLY- É, mas um homem é um homem.

SOLDADO- Onde é a guerra?

URIA- No Tibete.

SARGENTO- Me jogaram neste trem como se eu fosse uma vaca jogada na carroça do

açougueiro.

VIÚVA- Isso não tem a menor importância.

SOLDADO- Quantos estão indo para o Tibete?

JESSE- Cem mil. Um é nenhum.

POLLY- E agora você sabe quem você é?

GALY GAY- Meu nome é Jeraiah Jip.

SOLDADO- Que cheiro é esse no ar?

URIA- É cheiro de guerra.

SARGENTO - Já estamos chegando?

VIÚVA- Estamos chegando.

SOLDADO- Estamos chegando?

JESSE- Chegamos. Alto!

11.

NO CORAÇÃO DE TIBETE. NUMA FORTALEZA.

GALY GAY- (APARECE TRAZENDO UM CANHÃO) Corram! Se não a gente perde a

guerra! Todo mundo pra fora do trem! Um canhão é um compromisso! (ENTRAM

TODOS)

JIP- Vocês viram, por acaso, um Grupo de Metralhadoras que só tem três homens?

GALY GAY- Isso não existe. Todos os grupos têm quatro homens.

JIP- (VÊ OS TRÊS COMPANHEIROS) Uria! Jesse! Polly! Voltei!

(TODOS FINGEM QUE NÃO VEEM JIP)

POLLY- Lá está a fortaleza.

Page 35: UM HOMEM É UM HOMEM

GALY GAY- Eu quero ser o primeiro a atirar. Já sinto o desejo de enfiar os dentes na

garganta do inimigo.

JIP- Oi Jesse, Uria, Polly! Tudo bem? Não deu pra voltar antes. (SILÊNCIO) Mas eu estou

muito contente de ver vocês de novo. Como é bom estar de volta. (SILÊNCIO) Porque é

que vocês não dizem nada?

POLLY- Em que podemos ser úteis, cavalheiro?

JIP- Eu passei um tempo empregado numa empresa que ia de vento e popa. Mas eu

deixei a empresa por causa de vocês!

URIA- Acho que o senhor bateu na porta errada.

POLLY- Nós nem o conhecemos.

JIP- Vocês estão muito diferentes, sabem?

JESSE- Pode ser, é a vida militar.

JIP- Mesmo assim, eu sou o Jip, o companheiro de vocês.

GALY GAY- Esta fortaleza está me atraindo cada vez mais!

JIP- Quem é este sujeito?

URIA- Isto só interessa a nós.

JESSE- Seria impossível você ver o nosso Jip. Ele nunca teria nos abandonado.

JIP- Mas eu sou, tenho certeza!

URIA- Prove, vamos prove!

JIP- Me dá o meu passaporte de volta.

GALY GAY- Então você não tem um passaporte, é? Polly, vai ali na caixa buscar o

passaporte desse Galy Gay. (POLLY VAI CORRENDO) Você precisa ter alguma coisa

preto no branco, meu amigo, senão pode ficar andando por aí. Olhe, hoje em dia, a

toda hora querem nos roubar o nome. E eu sei o quanto vale um nome. (DÁ A JIP O

PASSAPORTE) Tome o seu passaporte, pegue! O senhor ainda quer alguma coisa?

JIP- Vão pro inferno! Todos vocês!

GALY GAY- Ei, Begbick, como é que funciona este canhão? (ELA AJUDA)

JIP- Vocês traíram um camarada que precisava de ajuda. Pois agora vocês vão marchar

até o fim do mundo!

GALY GAY- Eu vou acabar com a fortaleza. Fogo! (ATIRA)

VIÚVA- (FUMANDO UM CHARUTO) Este é um grande soldado.

GALY GAY- Fogo! (ATIRA)

Page 36: UM HOMEM É UM HOMEM

VIÚVA- O melhor soldado da companhia.

GALY GAY- Fogo! (ATIRA) Pronto! Está desmoronando.

POLLY- Olha!

GALY GAY- Bombardeei a fortaleza! Me deixem atirar mais, agora eu farejei sangue!

SARGENTO- O que você está fazendo? Já bombardeou tudo, pare de atirar!

GALY GAY- Só mais um tiro. Quero mais sangue!

SARGENTO- (SACA A ARMA E APONTA PARA GALY GAY) Se você atirar, você está vendo

o mundo pela última vez.

GALY GAY- Só mais um, o último. Fogo! (ATIRA)

URIA- Caiu a fortaleza! (SARGENTO ABAIXA A ARMA)

TODOS- (MENOS JIP) Viva!

JIP- Por que é que vocês fizeram isso comigo? Eu não sou Galy Gay, me deixem voltar!

Eu nem sei quem é Galy Gay. Nunca vi.

SARGENTO- Quem é você?

GALY GAY- Um instante. (PEGA UM MEGAFONE) Fui eu que arrebentei a fortaleza! Eu

sozinho. Eu, um de vocês. Fui eu, Jeraiah Jip!

JESSE- A fortaleza está em chamas. A fortaleza onde estavam abrigados 7.000

refugiados. Acabou tudo, só sobrou uma grande fogueira.

GALY GAY- Que importa? Eu bombardeei tudo sozinho. Me deem os seus passaportes!

(TODOS ENTREGAM)

POLLY- Polly Baker.

JESSE- Jesse Mahoney.

URIA- Uria Shelley.

GALY GAY- Jeraiah Jip. Vamos depressa.

FIM