Vidas Entrelaçadas - Giovana Villardo · Consuelo. Um ser humano que teve suas alegrias, tristezas...

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Vidas Entrelaçadas - Giovana Villardo

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Vidas Entrelaçadas

Giovana Villardo

Edição 01

Rio de Janeiro, Brasil

2015

Vidas Entrelaçadas - Giovana Villardo

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Copyright © 2015 Giovana Villardo Categoria: espiritualidade, romance. Titulo original: Vidas Entrelaçadas

Diagramação: Giovana Villardo Diagramação ePub: Samuel Duarte Marini

Revisão de texto: Samuri JosePrezzi Capa: Giovana Villardo

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio

eletrônico ou mecânico, inclusive por processos xerográficos, fotocopia e de gravação, sem a permissão

por escrito da autora.

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Dedico este livro ao meu filho Léo, o

anjo que Deus me deu para cuidar.

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Agradeço a Deus, a minha família e

todos aqueles amigos que encontrei pelo

caminho nesta minha caminhada terrestre.

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Introdução

Este livro fala de uma bela história de vida de uma mulher forte, vibrante e determinada, chamada Consuelo. Um ser humano que teve suas alegrias, tristezas e decepções, uma história de amor, preconceito e muitas perdas. Creio que será uma lição de vida, pois estamos iniciando um novo século, cumprindo mais uma etapa de nossa evolução espiritual neste belo planeta.

A história que vou contar começa em 1782, em um acampamento cigano em um lugarejo em Granada em Espanha. Em que vivia sua mãe Dolores, eles falavam castelhano, mais entre eles se falava o romanês ou romani, idioma semelhante ao sâncristo, à língua clássica indiana.

Viajavam sempre em grandes carroças, eram chamados por algumas pessoas por onde passavam por vários nomes, como: ―Filhos das Estrelas, Viajantes do Tempo, povo da estrada" e muitos outros nomes. As pessoas sempre achavam que esse povo tinha somente o gosto pelas viagens e aventuras pelo mundo, mais por trás dessas intermináveis viagens, há também uma longa história de perseguições e fuga. Eles nem sempre eram bem recebidos pela sociedade local, há não se quando o chefe da tribo apresentava-se de forma requintada como príncipe, aliás, título inexistente entre eles, traziam cartas falsas de apresentação de papas e membros da nobreza. Diziam-se peregrinos cristãos,

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assim conseguiam a licença para se estalarem no local desejado.

Nessa época o mundo e a sociedade estavam passando por dias sombrios, uma escuridão que trazia medo e conflitos entre as pessoas. Não falarei exatamente sobre este povo, somente comento sobre isto para nos situar com o inicio da história que começa com Dolores, mãe de Consuelo, na época com apenas 15 anos. Uma moça desprovida de malicia e sonhadora e de bom coração, mais sua bondade e ingenuidade a leva por caminhos sem volta, por não enxergar a maldade dos seres humanos.

É ai que começa nossa história...

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Capitulo 1

Dezembro e o natal aquecem os corações. Apesar de alguns conflitos existentes, o povo se mantinha alegre com os preparativos. Noite em que os homens de boa vontade se confraternizam para celebrar o nascimento de nosso mestre, que veio ao mundo para alertar a humanidade com suas palavras de amor e sabedoria. A tribo cigana, onde vivia a menina Dolores, celebrava o natal com muita alegria. Faziam uma grande e linda festa com muita comida e bebida em torno da fogueira. À meia-noite em ponto se fazia silêncio para fazer orações com pedidos de luz e sabedoria. E depois voltavam a festejar o aniversariante, pois sabiam que ele estaria ali com eles, participando daquela bela festa de paz e harmonia.

Dolores estava feliz, pois adorava quando seu povo comemorava com muita alegria certas datas. Mas a alegria da menina que tinha 15 anos não era somente por causa dos festejos. Estava encantada por um belo rapaz de família nobre chamado Juan. Ela sempre aproveitava a distração de sua mãe para ter encontros românticos com o rapaz. Ele fazia parte de uma família muito rica. Seu pai era uns dos homens mais poderosos da província. Era uma família dona de muitas terras na Espanha e em outras cidades da Europa. Dolores sonhava acordada com a possibilidade de ser uma dama da nobreza europeia ao lado de seu amado, sendo recebida pela porta da frente pelos nobres da corte. Sonhos estes que eram alimentados por Juan.

Ela não era ambiciosa, mas acalentava ter uma vida melhor apesar de gostar de seu modo de vida. Juan aproveitava-se de sua ingenuidade. Ela era uma

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bela moça, tinha um corpo perfeito, belos olhos negros e brilhantes, cabelos negros e ondulados que iam até sua cintura, uma pele branca como a neve e um belo sorriso que cativava qualquer pessoa. Juan estava disposto a tudo para ter a menina. Seria seu triunfo como homem e faria dela seu troféu.

Voltaremos alguns meses atrás para vermos como tudo começou, quando Juan há a viu pela primeira vez. Era uma tarde de domingo do mês de agosto, quando Juan e seus amigos Pedro, Carlos e Luís viram Dolores em uma apresentação do grupo, na praça principal da cidade. Dolores dançava maravilhosamente com seu jeito suave e sensual. Parecia uma deusa bailando. Com sua beleza e seu bailado, arrancava aplausos e muitas moedas de ouro aos seus pés. Pedro, ao ver aquele belo bailado da cigana, comenta: — Bela cigana, não acha?

Juan fez certo comentário: — Que tal fazermos uma nova conquista? - Com seu costumeiro ar de cinismo.

Luís, Carlos e Pedro olharam-se e foi Pedro o único a fazer uma pergunta. — O que você quer com isso, caro amigo?

— Mas que pergunta mais idiota, Pedro! - respondeu Juan com espanto.

Carlos e Luís ficaram calados, esperando o que sairia daquela conversa, pois eles conheciam bem o temperamento dos dois amigos e sabiam que daquela conversa tudo poderia acontecer.

Pedro, indignado com o modo de falar de Juan, diz: — Você está ficando louco? É apenas uma criança!

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Ironicamente Juan, sorrindo, responde: —Tenho que rir. Apesar de ter mudado de ares, indo estudar fora, continua o mesmo sentimentalista de sempre.

Pedro, com um olhar de reprovação, resolveu não argumentar mais nada com Juan, pois sabia que perderia seu tempo. Conhece bem o amigo que tem e simplesmente fala:

—Não farei parte desta brincadeira estúpida. —Pouco me importa sua opinião. - respondeu

Juan. Carlos e Luís, vendo que ia acabar tendo uma

briga séria entre os dois, acharam de bom tom apaziguar os ânimos, dizendo aos dois que não valia a pena perder uma amizade de infância por causa de uma mulher. Pedro e Juan concordaram e deram o assunto por encerrado com um aperto de mão. Assim os quatro rapazes saíram do local indo direto para uma taberna que tinha do outro lado da praça, para beber um bom vinho. Parecia que tudo tinha ficado bem entre eles, mas para Juan não era bem assim.

Orgulhoso como era nunca esqueceria o assunto. Não costumava mudar sua ideia tão facilmente. Dos quatro, ele sempre se achou o mais esperto, o que tinha mais poder. Sempre achou que poderia fazer qualquer coisa sem se importar com as consequências que viriam depois, pois achava que, por ser filho de quem era nada aconteceria de mal com ele. Era o tipo da pessoa que não se importava com os sentimentos das outras pessoas que estavam à sua volta, só pensava em si mesmo e nada mais. Como ele ainda há muitos andando neste planeta. Pessoas cegas que enxergam apenas o que lhe convém e são incapazes de dar a mão para aquele que precisa.

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Alguns meses se passaram e cada um dos rapazes seguiu seu caminho na vida. Luís, logo após aquele acontecimento da praça, viajou com seu pai à Inglaterra, mas já estava voltando para festejar o natal com o resto de sua família. Carlos era uns dos conselheiros do rei e estava para casar com uma jovem que fazia parte da nobreza francesa. Pedro seguia trabalhando como médico, atendendo nobres e o povo igualmente, pois para ele não havia diferenças. De agosto até o natal, Dolores vinha se encontrando com Juan. Sempre se encontravam às escondidas, sem que sua mãe e seu tio soubessem, pois com certeza eles não aceitariam seu relacionamento com ele. Mas, apesar de saber que teria sérios problemas, ela teimava em ver o rapaz. Pobre menina. Não sabia que o seu destino já estava traçado por uma mente impiedosa.

Tradicionalmente os ciganos só se casam com pessoas de sua própria raça, para que sua cultura não se perca. Têm suas próprias leis e não aceitam muito as interferências de pessoas estranhas, mas sempre tentam cumprir a lei do local onde estão para que não tenha problemas.

Por esses motivos, ela mantinha o relacionamento às escondidas. Para ele era bom que fosse assim, pois seria mais fácil executar seus planos e depois sair sem que tivesse algum problema. Para ele, ela era somente mais uma, como muitas outras que ele, valendo-se de promessas, as desviou do caminho do bem. Dolores, ignorando as verdadeiras intenções do rapaz, cada dia que passava, mais abria espaço para que ele a convencesse que era um homem apaixonado. Em todos os encontros ele parecia tão apaixonado que a fazia acreditar em suas falsas

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promessas. O encantamento era tão forte que a menina esqueceu tudo que aprendeu com seu povo. Sempre na mesma hora e dia, ele estava esperando em um belo recanto perto do acampamento.

Neste local existiam belas árvores muitas flores e um lindo gramado, corria um rio vindo das montanhas que sua água era tão límpida que dava para ver o fundo, servia até para beber. Naquela época ainda se podia ver a natureza em seu esplendor. Ela sempre espera seu povo dormi para ir ao seu encontro, tinha a ajuda de outra cigana que dava cobertura em sua fuga, assim nunca ninguém percebeu o que estava acontecendo. Mas Lola, a cigana que a ajudava, sempre avisava para não chegar muito tarde, senão elas ficariam em situação difícil, pois os ciganos acostumavam acordar antes do sol raia.

Eles se encontravam todos os finais de semana, pois com a desculpa que trabalhava com o pai, não a procurava durante a semana. O motivo era outro, pois não gostava de trabalho. Para ele, a vida era só bebidas e mulheres. Sem nenhum caráter, aproveitava-se de seu poder para usar e humilhar as pessoas que ele julgava serem inferiores ao seu suposto sangue azul. Ir só aos finais de semana era conveniente para ele, assim ela ficava à sua espera, cheia de sonhos e expectativas, enquanto ele passava a semana na farra. Vamos observar o último encontro entre os dois. Assim que ele consegue sua confiança, vamos ver o que acontece.

—Minha amada, quantas saudades de ti. —Fico feliz em saber, meu querido. —Sabe, preciso te confessar uma coisa, Dolores! —O que, meu amor? —Fico contando as horas para te encontrar.

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Ao falar isso, baixou a cabeça fingindo timidez e esperou a reação da menina. Dolores, alegre com as palavras de Juan, simplesmente se jogou nos braços dele, sem nada dizer. Neste momento, Juan estreitou o seu corpo ao dele e a beijou apaixonadamente. O coração da menina batia forte, ficou trêmula e com falta de ar. Sempre acontecia isso quando ele a beijava, ela se entregava de corpo e alma. Depois deste beijo que a deixava sem forças, Juan falou:

—Quero-te como minha esposa, ser seu primeiro e único homem.

Dolores, emocionada com as palavras dele, mal conseguindo falar, disse:

—Está me pedindo em casamento? Terá coragem de ir falar com minha mãe?

—Minha querida, nós nos amamos. Vai ser uma rainha e colocarei o mundo aos seus pés. Acho que sua mãe não irá nos causar problemas.

—Mas meu tio sim. —Já está mais de que na hora. Vamos fazer

quatro meses juntos. —Sim, tem razão. Há quatro meses um cupido

flechou meu coração. – comentou Dolores —Não, minha deusa. Eu é que fui flechado por

você. — Nosso amor é abençoado, meu querido. Juan ao escutar estas palavras, falou: — Vamos ficar noivos. Logo! Dolores, triste, comentou: — Acho que isso nunca poderá acontecer. —Porque diz isso? —Esqueceu que sou cigana? —Isso não tem nenhum problema para mim. —Como assim, não tem?

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—Se for preciso, largo tudo para ficar ao seu lado.

—Você faria isso por mim? —Se for preciso viro até cigano, caso este for o

único jeito de ter você ao meu lado. —E sua família? —Não preocupe-se com minha família, eles já

sabem de tudo e me apoiam. —Quer dizer que seus pais me aceitam, mesmo

sendo cigana? —Sim, minha querida. E pedirei ao meu pai para

falar com seu tio, pois assim ele verá minhas boas intenções.

Dolores,com a voz tremula, disse emocionada: —Eu vou te amar por toda a minha vida. Neste momento Juan escorregou suavemente

as suas mãos pelo seu corpo e começou a beijá-la com paixão. Ela suspirava e pedia para que ele não parasse. Entre abraços, beijos e carícias, acabaram despidos sobre o manto verde e se entregaram ao amor sob o olhar da lua. Assim Dolores passou de menina a mulher.

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Capitulo 2 Logo depois do acontecimento, ficaram

abraçados. Então ela perguntou: —E agora, o que faremos? —Não preocupe-se logo casaremos, assim que

voltar de viagem, eu e meu pai iremos falar com seu tio. Dolores olhou para ele surpresa, levantou-se e

foi logo falando. —Que viagem? Não me falou que iria viajar? Juan já esperando isso, tinha uma resposta na

ponta da língua. — Ah, querida, não falei? Perdão! Era a primeira

coisa que eu iria falar, mas quando te vi tão linda e eu estava tão saudoso, que me esqueci deste pequeno detalhe.

Ela sorrindo disse: —Não precisa pedi perdão. Sei que é sincero

comigo e não fez por mal. —Juro por Deus que voltarei logo para nos casar. Ela o beijou com carinho e disse que tinha que

voltar para o acampamento, pois já era tarde e não queria causar problemas para sua amiga Lola.

Ele concordou com ela, pois não seria conveniente um problema antes de falar com o tio de Dolores. Assim ficou acertado: naquela noite que voltasse da viagem, ele e seu pai falariam com seu Ramiro, tio da menina. Para ela, ele estaria de volta no natal e seria uma boa época para marcar o noivado. Dolores voltou ao acampamento e, ao chegar entrou na carroça, evitou fazer barulho para não acordar Lola.

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Mas, ao entrar na carroça, encontrou Lola sentada na cama. Dolores, surpresa em ver que ela estava à sua espera, comentou:

—Lola, ainda acordada? Já é muito tarde. Lola olhou dentro dos olhos da menina e

respondeu: —Demorou demais. Espero que não se repita,

pois não quero problemas com sua mãe e seu tio por causa de sua falta de juízo.

—Perdoa-me, não vai mais acontecer. —Não precisa pedir perdão, não me fez nada. Ao falar isso, Lola deu uma parada. Respirou

fundo, olhou nos olhos da menina e continuou. —Espero que não tenha feito nada que possa vir

a se arrepender mais tarde. Boa noite. Lola logo em seguida deitou se e logo dormiu.

Dolores ficou pensativa, pois não entendeu suas palavras, mas resolveu ir dormir também. Ao acordar tentaria falar com ela.

Logo o sono veio, pois estava se sentindo muito cansada. A noite estava linda, mas tinha um ar de tristeza no ar, um ar melancólico. Juan, enquanto voltava para a cidade em seu cavalo puro-sangue, com um sorriso maléfico no rosto, orgulhoso de si mesmo, pensava ―Pobre menina. Como é tola em acreditar que eu, um nobre, vou casar com ela. Valeu a pena os quatro meses de espera. Ela até que é bem apetitosa‖.

Ao pensar isso, olhou para o céu estrelado se sentindo orgulhoso com seu desempenho e assim seguiu seu caminho, feliz por ter conseguido o que tanto queria. Agora seguiria seu rumo para nunca mais voltar.

A noite passou tranquila no acampamento. O local estava sereno e silencioso e dava para escutar as

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águas da cachoeira descendo rio abaixo. Os pássaros nas árvores cantavam o silêncio da noite. Foi nesta noite tranquila e silenciosa que Dolores recebeu uma visita de seu pai em seus sonhos. Assim que dormiu, entrou em sono profundo. Começou a sonhar que estava em um jardim, ficou admirada por causa da beleza. Haviam flores nunca vistas, a grama era de um verde forte e brilhante, um céu azul maravilhoso, um suave aroma de rosas e uma música linda ecoavam no ar.

Tudo para ela era novo. Tinham muitas cores, tudo parecia ter vida própria. Uma simples pedra tinha um som que ecoava por todo o vale. Tudo era tão belo e mágico que chegou a pensar:

―Acho que não estou no planeta Terra. É tudo tão diferente, tão vivo, com cores que nunca vi‖.

Onde será que estou? Tenho certeza que estou dormindo.‖

Então em sua frente surge um ser iluminado, alto e forte. Vestia-se com trajes ciganos em tons de verde, cabelos soltos ao vento, tão preto como uma noite escura.

Ela, admirada com a visão, reconhece seu pai naquele ser iluminado e fala com muita alegria.

—Meu pai, como é bom ver o senhor de novo! O pai, com um sorriso nos lábios, mas com os

olhos tristes, falou: —Minha filha amada, o que fizeste de sua vida? —Porque, meu pai? Porque me pergunta isso?

Pensei que tinha saudades de mim e da mamãe. —E estou minha querida, mas no momento estou

preocupado com sua sorte. —Como assim, meu pai?

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—Venho-te alertar para que não caias em ilusões da vida terrena. Nada é o que parece.

—Não estou entendo o senhor! O pai, vendo que sua filha realmente não estava

entendendo, disse com calma: —Minha filha, nem sempre os humanos falam

palavras verdadeiras. Saiba que não te censuro pelo que aconteceu esta noite.

—Pai, não temas por mim. Encontrei o amor verdadeiro.

—Espero filha, que não sofras com este amor. Passe a ouvir mais sua intuição, pois ela vai mostrar em quem deve confiar de verdade.

—Pelo o que o senhor está me dizendo, não devo confiar em Juan?

—Só peço que tenha cuidado e tenha mais atenção nas pessoas. Nem tudo é o que parece. Pense nisso.

O dia amanheceu bem frio. O céu estava nublado, cinzento e o vento gelado chegava a cortar a pele. O dia nem de perto parecia à noite interior que estava aberta e estrelada. O dia estava triste, as plantas e os animais também. Em tudo se via tristeza em sua volta. Era a natureza que avisava que momentos tristes iriam acorrer. Dolores acordou cedo, assustada com o sonho que teve com seu pai. Olhou ao redor e não viu Lola. Levantou-se, se arrumou e foi procura-la para conversar com sobre seu sonho. Seu povo já estava todo de pé, pois era costume acordarem cedo para os trabalhos do dia a dia. Deu bom dia a todos, perguntou por Lola a uma cigana que logo respondeu que Lola e sua mãe Mercedes estavam juntas, conversavam e tomavam seu café. Ao saber disso resolveu tomar seu café e comer um pedaço de pão, pois tinha muito que

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fazer depois no acampamento. Numa outra oportunidade falaria com ela sobre o sonho, que, diga-se de passagem, ela não compreendeu as palavras de seu pai. Ao sentar para tomar seu café, viu sua mãe e Lola conversando em particular, como tinha falado a cigana. Achou estranho, pois nunca tinha visto as duas de segredos. Ficou preocupada com aquela conversa, pois Lola estava muito estranha com ela na noite passada. E tinha também o sonho que teve com seu pai. Foi aí que em sua mente veio o seguinte pensamento:

―Será que Lola vai contar para minha mãe? Não, ela não faria isso. E o que será que meu pai queria dizer com aquelas palavras? Sobre a conversa, não deve ser nada demais e o sonho só o tempo dirá.‖ Assim ela resolveu não se preocupar com aquela cena e com o sonho. Terminou seu café e foi se ocupar com seus afazeres.

Enquanto a menina tentava dissimular sua curiosidade, Lola e Mercedes falavam entre si:

—Lola, abra as cartas para mim? Lola achou estranho o pedido, pois Mercedes

era umas das melhores cartomantes do acampamento. —Estou estranhando seu pedido, Mercedes!

Porque você mesmo não as abre? —Prefiro que outra pessoa faça isso e este

pedido só posso fazer a você, que eu muito estimo e confio.

Lola se sentiu culpada com aquelas palavras, pois estava ajudando a Dolores enganar a própria mãe.

—Mas o que a preocupa? —Estou muito preocupada com Dolores.

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Lola, intrigada com a resposta de Mercedes, resolveu ir mais fundo no assunto para tentar saber o que ela estava sabendo sobre a menina.

—O que quer saber? Pelo que sei a menina está muito bem de saúde.

—Graças a Deus sua saúde é perfeita, mas não é com isso que estou preocupada.

—Bom, espero que possa te ajudar. Mas o que está tirando sua serenidade?

—Há alguns meses venho notando que minha filha não é mais a mesma.

—Como assim? —Ela está desatenta, não tem executado as suas

tarefas como antes e sempre arruma um motivo para ir à cidade. Estou começando achar que está se encontrando com algum rapaz da cidade.

Lola sentiu seu corpo estremecer, seu rosto ficou pálido e gelado, sentiu uma forte tontura ao ponto de perde o seu equilíbrio e cai. Mercedes assustada com a queda de Lola, logo foi socorre La.

—Lola, fale comigo. O que houve? Esta pálida e gelada! Não me deixe nervosa. Fale o que está sentindo? Por favor, o que sente? Vou chamar ajuda.

Lola, vendo que assustou a amiga e sem poder dizer o que tinha na alma, respondeu com voz trêmula e fraca:

—Não se assuste minha amiga. É só uma leve indisposição. Deve ser por causa dos preparativos de meu casamento. Estou muito assoberbada.

—Sim, está próximo. Perdoa-me por te importunar com meus problemas.

—Não se sinta culpada, já passou! Olha não se preocupe com Dolores. Tenho certeza que é só uma fase de mudanças.

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—Tem razão. É só uma menina que está descobrindo um mundo novo.

Lola, mais tranquila, tentou mudar o assunto. —Você não acha que já está na hora de casar

Dolores? — Meu irmão já está acertando isso com os pais

do cigano Iago. —Que bom saber. É uma bela escolha. —Sim, nossas tribos são amigas. É natural que

tenha uma união entre nossas famílias. —Ela já sabe? —Não, estou esperando Ramiro voltar para

conversar com ela. —E quando vai ser? —Falaremos com ela e certamente será

oficializado o noivado na festa de seu casamento. —Que bom, assim faremos uma bela festa, com

meu casamento e o noivado de Dolores. Assim as duas amigas saíram andando pelo

acampamento, felizes, num clima mais leve. A nuvem escura que pairava entre as duas no início da conversa foi dissipada. O dia passou tranquilo. Uma hora chovia, noutra não, num dia frio e melancólico. Dolores, neste dia, não saiu do acampamento. Ficou o tempo todo com as crianças. Era uma das tarefas que mais gostava de fazer. Mercedes passou o dia atendendo algumas pessoas da cidade que a procuravam para ler a sorte.

Lola passou o dia preocupada, mas tentou se distrair com seus afazeres. Em sua mente sempre se perguntava: ―Meu Deus, o que vai ser desta menina? E se Mercedes e Ramiro descobrirem seu romance? E sobre o casamento com Iago, como será que ela vai reagir? Ela com certeza não vai aceitar e isso será uma

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ofensa para a família de Iago e uma humilhação para nossa. Espero que eu esteja enganada, mas pressinto que Dolores não terá um destino feliz.‖ Assim passou Lola neste dia, com sua cabeça cheia de preocupações. Ela sabia que o futuro não seria de alegrias, pois o destino iria se cumprir. Sim, o destino iria ser cumprido.

O triste futuro que Lola estava prevendo, não tardaria acontecer, pois infelizmente Dolores teria que passar por momentos que iriam modificar seu modo de ver o mundo e as pessoas.

Infelizmente às vezes idealizamos uma vida de sonhos como se pudéssemos viver sempre num conto de fadas. Já se passaram muitos anos desta história e vejo que em pleno século 21 as coisas não mudaram muito. É uma pena que a humanidade não tenha evoluído para melhor. Tudo que acontece tem um por que, nada é por acaso. Tudo depende do que plantamos em nossa longa caminhada evolutiva neste planeta. Se plantarmos sementes ruins, certamente colheremos frutos podres. Mas se plantarmos boas sementes, colheremos bons frutos. Com certeza Dolores não terá uma boa colheita, mas ela vai saber aceitar seu destino com firmeza e dignidade. Ela, no íntimo de seu espírito secular, saberá que são débitos que estão sendo cobrados pela sua má ação do passado. Assim sendo, colhemos o que plantamos.

Uma semana antes da data tão esperada por

todos, Lola arrumava sua carroça para saber o que estava faltando comprar, pois iria à cidade para providenciar o que faltava para a noite em que se uniria com seu grande e eterno amor. Um amor que esperou séculos para se realizar. Em sua mocidade, Lola unira-se com um cigano amigo de sua família, mas não o

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amava. Na época casara-se por imposição de seus pais. Desde criança sabia que teria que se casar com o cigano Rubens. Ambos sabiam que teriam que cumprir o desejo dos pais, então, aos 13 anos, ela casou-se e teve duas lindas filhas, as gêmeas Lorena e Loreta.

Viveram felizes, apesar de não existir aquele amor de um homem e uma mulher. Existiu amizade, fidelidade, respeito e cumplicidade entre as duas almas que já se conheciam há muito tempo e só estavam cumprindo um pequeno resgate. Eles cumpriram a missão com muita sabedoria. Foram dez anos de muita paz. Era uma família muito harmoniosa e todos comentavam que foram feitos um para o outro. De certa forma estavam certos, pois eles eram almas amigas, espíritos que se conheciam há muito tempo e tiveram várias reencarnações juntos.

O amor deles era puro e simples, um amor fraternal. É uma pena que a felicidade não seja eterna. Muitas vezes o destino nos mostra que nem tudo são flores. Foi assim com Lola e sua amada família. Depois de ter passado anos de muita harmonia, a cigana sofreu três grandes perdas. Em um dia de muita chuva, numa estrada, o seu marido e suas filhas perderam a vida em um grave acidente. Já era noite e uma tempestade muito forte caiu. Os cavalos se assustaram com as trovoadas e os relâmpagos e, assustados, saíram em disparada. O cigano Rubens não conseguiu controlar os cavalos que puxavam sua carroça e infelizmente eles caíram despenhadeiro abaixo. Lola estava no acampamento esperando a volta deles. Na hora exata do acidente, ela teve um pressentimento que algo de errado tinha acontecido a sua família. O dia clareou e nada de Rubens e as meninas chegarem. Então seus cunhados e seu sogro saíram pela estrada afora para

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procurá-los. Infelizmente, quando conseguiram achar a carroça, já era tarde. O cigano e as crianças não faziam mais parte deste plano.

Cinco anos se passaram e Lola estava às vésperas de ser casar e voltar a ser feliz de novo, desta vez com seu verdadeiro amor. Com Rubens era amizade e fraternidade, mas com Pablo tinha algo mais. Nunca deixou de pensar em seu primeiro marido e suas filhas, pois, para ela, eles estariam em seu coração para sempre. Lola passou por momentos obscuros em sua vida, todavia, graças a sua coragem e fé, ela soube ultrapassar todas as pedras que foram aparecendo em seu caminho.

Uma mulher forte e carismática, ela tinha afeição de todos, ciganos e não ciganos. Enquanto arrumava sua carroça, todas as lembranças vieram em sua mente. Por alguns minutos reviveu tudo que passou na sua vida: sua infância, sua adolescência, seu casamento, suas filhas e a tragédia que se abateu em sua vida. Ela parecia que estava em transe, então Dolores entrou chamando.

—Lola,estou chamando, não está me escutando?

A cigana olhou como se não estive se vendo a menina, pois estava totalmente em transe, sua mente estava em outro lugar. Ela não estava no presente, mas sim no passado. Dolores chamou-a várias vezes, até que resolveu bater um metal no outro. O som soou forte em sua mente, como fosse um sino batendo na sua cabeça. O som foi tão forte que ela saiu do estado hipnótico em que se encontrava, assustando-se com a menina.

—O que foi isso? Não te vi entrar. —Perdoa-me, mas tive que chamar sua atenção.

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—Tudo bem, estava longe mesmo. Mas o que te traz aqui?

—Só vim avisar que sairemos amanhã bem cedo para as compras.

—É melhor, assim podemos aproveitar mais o dia.

Dolores antes de sair da carroça fez uma pergunta à cigana Lola.

—Lola, vai convidar Dr. Pedro? —Claro que sim. Mas porque a pergunta? —Não é por nada. É que ele sempre foi nosso

amigo. —Seu tio foi até cidade convida-lo, afinal ele

sempre esteve presente nos momentos difíceis, porque não estaria num de alegria?

—É, tem razão. —Você não me engana. Quer saber se Pedro

sabe algo de Juan. —Tem bastante tempo que não tenho notícias

dele. —Está com medo que ele não a procure mais? —Ele não faria isso. Ele prometeu falar com meu

tio e me pedir em casamento. —Será querida? Não sei. —Não fale assim. Ele me ama e não me deixaria,

pois agora sou sua mulher. Dolores ficou embaraçada com suas palavras e

começou a chorar compulsivamente. Lola levantou-se de onde estava, foi até ela, deu um abraço com carinho e disse:

—Não sinta vergonha de você mesma. Sempre soube que perdera a sua virgindade naquela noite. Somente espero que não venha sofrer por isso.

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A menina chorava como uma criança, mas o carinho de Lola foi acalmando seu coração. Coraçãozinho este que estava cheio de dúvidas e medo. Neste momento as duas amigas estavam envolvidas por uma luz de um rosa bem suave, que descia sobre suas cabeças. Logo as duas sentiram a vibração de paz e agradeceram a Deus pelo amparo que estavam recebendo. Lola e Dolores estavam sendo amparadas por dois espíritos amigos, que lhes devotavam muito amor e ternura. O ambiente ficou calmo e um suave aroma de rosas dentro da carroça chamou atenção da menina. —Lola, que aroma gostoso. Parece rosa.

—Sim, minha criança. São os anjos abençoando este momento, pois precisas de serenidade para continuar sua caminhada.

—Sinto alguém aqui, você não? —São nossos mentores. Lembre-se, nunca

estamos sozinhos. —Minha mãe sempre fala que temos amigos

espirituais que nos orienta em momentos que mais precisamos.

—Ela está certa. Passe a usar sua intuição, ouça o que seus amigos do plano espiritual têm a te dizer de bom e tente ter uma vida mais digna. Faça com que esta sua reencarnação não se perca só por causa de coisas materiais. Cumpra sua missão da melhor forma possível.

—Engraçado! —O que é engraçado? —Você está me fazendo lembrar com um sonho

que tive com meu pai há pouco tempo. —Fala-me deste sonho.

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Dolores contou o sonho com todos os seus detalhes. Ao acabar de contar tudo, Lola olhou para ela e diz que aquele sonho confirmava as palavras dela. Ao término da longa conversa que tiveram, elas saíram da carroça para contemplar a bela noite estrelada e agradecer mais uma vez por terem tido a oportunidade de estarem mais uma vez reencarnadas para cumprir mais uma preciosa missão neste planeta.

Lola tinha a sensação que aquela menina iria passar por momentos bem difíceis e a única coisa que ela poderia fazer era tentar ajudá-la de alguma forma. Tinha Dolores como uma filha, pois, após a morte de suas filhas, ela se apegou à menina que só tinha cinco anos quando suas filhas partiram do corpo físico. Ela não comentou com Dolores, mas ela tinha a certeza que aquele aroma de rosas eram as suas filhas amparando as duas, trazendo paz e serenidade.

A cigana não estava errada, os anjos eram sim suas filhas Loreta e Lorena que, do mundo espiritual, amparavam a mãe sempre que ela precisava. Loreta e Lorena tornaram se anjos da guarda da mãe. Estavam felizes em ver sua mãe querida prestes a recomeçar uma nova vida. Para elas, isso era uma vitória e motivo de alegrias, pois, nestes dez anos desde que partiram, sua mãe viveu sempre para os outros se esquecendo dela mesma. Estava na hora de Lola começar a pensar mais em si e viver seu grande amor. Rubens espiritualmente também estava, sempre orientando a sua esposa a curar as pessoas, pois ele em vida dominava as ervas como ninguém e ensinou muita coisa a ela e continuou fazendo espiritualmente. Ele também estava feliz em ver sua alma amiga refazendo sua vida. Lola, além de ser uma boa cartomante, curava as pessoas com suas ervas.

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Capítulo 3

O Natal chegou. O acampamento estava todo iluminado, os convidados para a festa chegavam alegres, pois sabiam que seria uma bela noite. Seu Ramiro, tio da menina, recebia a todos como bom anfitrião. Entre os convidados estavam algumas pessoas da cidade, ciganos de outros grupos e Dr. Pedro, que foi com seus pais. Os pais de Pedro, apesar de fazer parte de uma das famílias mais ricas e nobres da cidade, gostavam muito de Ramiro e sua família e respeitavam muito a tradição cigana. Para eles não existiam diferenças, eram todos irmãos perante a Deus.

Ramiro os recebeu com desvelo e fidalguia, mostrando a eles que eram bem-vindos entre os seus. A noite corria com muita alegria, era uma bela confraternização entre ciganos e não ciganos. Isso mostra que, quando o ser humano está disposto à união, tudo corre em paz. A humanidade precisa aprender que sem união não somos nada. A certa altura da noite, Pedro aproveitou e foi até onde estava Dolores, que se encontrava sentada no chão olhando fixamente as chamas da fogueira que estava no meio do acampamento.

Esta fogueira aquecia e ajudava a iluminar o ambiente com suas chamas fortes e vibrantes. Ramiro percebeu a manobra do médico, mas não se importou. Conhecia bem o caráter do rapaz e não viu nenhum mal em Pedro conversar com sua sobrinha. Resolveu não se preocupar, pois sabia que Pedro iria respeitar a menina.

O rapaz chegou perto de Dolores, admirando sua beleza. Pegou uma pequena pedra e atirou nela.

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Assim a menina saiu de seu transe. Ela olhou para ele, sorriu e disse:

—Pedro, que bom que veio e trouxe seus pais! —Não poderíamos faltar esta noite. —Sente-se ao meu lado e venha contemplar o

fogo. Pedro sentou-se ao seu lado e olhou em direção

do fogo. Seus olhos começaram a ver imagens, formas e pessoas em situações que ele não conseguia entender. Esta visão deixou-o assustado a ponto de Dolores perceber em seu rosto o pavor e a intranquilidade. Logo ela pôs sua mão em seu ombro e disse com voz firme e serena:

—Não tenha medo, meu amigo. Fala para mim o que está vendo?

—Não sei dizer o que está acontecendo, estou assustado com que estou vendo!

—O que está vendo? —Vejo pessoas brigando, uma moça chorando e

um casarão. Meu Deus, não posso acreditar! Pedro quando começou a contar o que estava

vendo. As imagens foram ficando mais nítidas. Foi ai que ele se assustou, pois reconheceu Dolores e o casarão de Juan.

Ao acabar de narrar o fato visto por ele, olhou para ela com os olhos cheios de lágrimas e perguntou à menina:

—Acho que estou louco. O que me diz? —Não está louco. Você somente teve uma visão

do meu futuro. A menina respondeu com um leve sorriso nos

lábios, mas com os olhos tristes. —Como pode isso. Nunca tive visões.

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—Este tipo de coisa é muito natural para meu povo.

—Mas não sou cigano. —Todos os seres humanos têm esta capacidade

mediúnica. Alguns têm conhecimento, outros não. Todos nós podemos ter visões e intuições dependendo do grau de adiantamento em que está a pessoa.

—Não entendo muito destas coisas. Sou médico e lido o tempo com a razão.

—Você ainda não se despertou. Um dia isso vai acontecer e entenderá o que estou te falando.

—Não entendo agora. Quem sabe um dia. —Certamente este dia vai chegar. Mais cedo ou

mais tarde chega para todos. Os dois ficaram em silêncio, então Pedro olhou

para ela e perguntou. —Dolores, você falou que eu estava vendo o seu

futuro! Como sabe disso? —Quando você se aproximo era isso que eu

estava vendo no fogo. Tu somente confirmaste minha visão.

—Então isso que vimos pode acontecer? —Se estiver no meu destino, sim. —Não tem medo? Isso indica muito sofrimento

para você. —Deus nos deu livre-arbítrio para escolhermos

nosso caminho e eu escolhi o meu. Se for de sofrimento, assim será.

—Admiro sua coragem e resignação. —Não seria certo de minha parte me revoltar

com meu destino. Afinal foi escolha minha não acha? —Sim, acho que sim. Enquanto Pedro e Dolores continuavam

conversando, Ramiro pediu licença aos pais do médico

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para ir receber a família de Iago, que tinha acabado de chegar ao acampamento. Após os cumprimentos de praxe, o pai de Iago apressou-se em falar para Ramiro que precisava falar com ele.

— Amigo, preciso lhe falar agora. Sei que não é um dia propício, mas não tenho como adiar este assunto.

Ramiro, com preocupação, respondeu que não teria problemas. Poderiam ir para sua tenda. Lá poderiam conversar mais à vontade.

Enquanto os dois amigos iam até a tenda, Iago e sua mãe foram até Lola e Mercedes para cumprimentar as duas. Ao grupo se juntou os pais de Pedro e ficaram conversando sobre a bela festa e sobre casamento de Lola, que seria no dia seguinte. Ao chegar à tenda, o pai do rapaz foi logo entrando no assunto, dizendo que não poderia cumprir o combinado entre eles. Ramiro, sem entender, logo quis saber o que estava acontecendo para ele desistir da união de Dolores e Iago.

O cigano, de cabeça baixa, falou que seu filho tinha engravidado uma cigana de um acampamento vizinho. Assim não poderia contrair matrimônio com Dolores, pois tinha que reparar o mal feito. Iago teria que casar com a menina. Ramiro sentou-se em estado de choque, ficou sem saber o que fazer naquele momento. Porém entendeu a aflição do amigo, pois tomaria a mesma atitude no lugar dele. Pensou em sua irmã e como iria falar para ela que Dolores não iria mais se casar com Iago. Logo recobrou os ânimos, levantou-se, abraçou o amigo com ternura e disse:

—Não se preocupe, nossa amizade é muito preciosa. Faça o que deve ser feito, pois com minha irmã e minha sobrinha eu me entendo.

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— Obrigado, Ramiro, por sua compreensão e sua bondade.

—Não me agradeça, sei que faria o mesmo por mim.

Os dois deram um abraço fraterno, depois voltaram para a festa. O resto da noite correu tranquila. Mercedes, porém, percebeu que havia algo de errado, pois o irmão não anunciava o noivado de Dolores. Esperou pacientemente, pois logo seu irmão contaria o que tinha acontecido. Foram três dias de festa, com a comemoração do natal e o casamento de Lola. Três dias de muita de muita paz e alegria.

Dolores estranhou os acontecimentos, pois Iago e sua família estiveram no acampamento, participaram da festa e partiram sem nada falar sobre o noivado. Tentou saber de sua mãe, mas nada conseguiu. Lola partiu para sua nova vida, acompanhando o grupo de seu marido. Partiu com muita preocupação, porque antes de partir ela ficou sabendo, por intermédio de Mercedes, que Dolores não iria se casar com Iago. Isso a deixou muito triste, pois nada poderia fazer pela menina.

O seu destino já estava traçado. Ela foi embora seguir seu destino ao lado de seu marido, sabendo que não se encontraria mais com a menina. Uma semana se passou e um novo ano começou. Passadas as comemorações, a vida voltava ao normal no acampamento. Dolores aceitou bem o que o tio falou, sobre não mais se casar. No fundo ficou feliz por não ter que cumprir o trato, pois ainda tinha esperanças que Juan a procurasse. Mas não foi como ela desejava, o tempo passou e nada do rapaz aparecer. Toda vez que ia à cidade, tentava saber sobre ele, mas nada conseguia saber. Em meados de fevereiro de 1783,

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numa manhã de domingo, Dolores levantou-se não passando muito bem. Passou o dia sem conseguir comer. Tudo ela rejeitava, sentindo-se cansada e nauseada. Sua mãe, preocupada com seu estado, mandou chamar a cigana mais velha da tribo para rezar a menina, pois por um momento achou ser um mal espiritual. Infelizmente a velha cigana logo descobriu o mal da menina, ela estava grávida.

Mercedes, quando ouviu a velha senhora, não conseguia entender porque não desconfiou antes. Ela já tinha notado que Dolores estava diferente, tinha engordado um pouco e seus seios estavam mais volumosos, mas não passou pela sua cabeça que fosse uma gravidez. Ficou-se perguntando como ela podia ver o destino e o futuro das pessoas estranhas e não viu que sua filha tinha tomado um caminho errado. A velha cigana a consolou, falando que tudo iria dar certo e que uma criança era sempre uma bênção para todos.

Ramiro e todos da tribo ficaram sabendo da novidade, foi como uma bomba que caiu em cima de todos. Naquela época uma moça grávida sem ser casada era considerada um mal muito grande para a sociedade, principalmente para o povo cigano que tinha regras bem rígidas. Seu tio Ramiro, ao ficar sabendo ficou furioso, gritou aos quatro ventos que iria atrás do homem que usou sua sobrinha, ele iria pagar com sangue a desonra. Os ciganos mais velhos apoiaram Ramiro, mas pediram para que ele não punisse se a menina, pois era apenas uma criança que certamente foi enganada por um ser humano desprezível. Ramiro, apesar de não aceitar a sorte de sua sobrinha, refletiu sobre as palavras dos mais velhos e resolveu não punir a menina, eles tinham razão. Antes de ir falar com Dolores, foi falar com sua irmã para ver qual caminho a

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seguir. Foi até a tenda, olhou para Dolores que estava dormindo depois de te tomado um chá calmante feito pela velha cigana, ele abaixou, beijou a menina e em seguida pediu para a irmã que fosse com ele até o lado de fora da tenda para conversar sobre o assunto.

—Mercedes, conte o que sabe sobre esta gravidez?

—Ramiro, não faça nada contra minha menina. —Não se preocupe. Ela terá todo o meu amparo,

apesar de ter traído a tradição de nosso povo. —Eu sei que ela errou, mas eu sou a maior

culpada, não cumpri com minhas obrigações de mãe. —Não diga isso, minha irmã. Sabe que foi uma

boa mãe. —Então o que faremos, meu irmão? —Mandarei chamar Dr. Pedro. Quero ter certeza

do estado dela. —Mas a velha nunca errou! —Eu sei disso, mas algo me diz que ele sabe de

alguma coisa. —Desconfia que ele seja o pai? __Ele não é o pai. Se bem conheço o caráter

daquele rapaz, se fosse ele o pai já teria vindo falar comigo.

—Eu também não creio que seja ele, mas ele sempre demonstrou gostar de Dolores.

—Eu sei disso, mas ela sempre mostrou para ele que só queria sua amizade e ele sempre respeitou isso.

Mercedes resolveu perguntar ao irmão, caso fosse Pedro o pai, o que ele iria fazer. Ramiro disse que ficaria decepcionado com o médico, pois sempre o teve em mais alta estima, mas ainda assim tinha quase certeza que não era ele o pai da criança. Ramiro então chamou uns dos ciganos da tribo, chamado José, e o

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mandou até a cidade com uma carta para Pedro com as seguintes palavras.

―Caro amigo Dr. Pedro, peço que venhas o mais breve possível, pois preciso falar com o senhor. Sei que tem seus afazeres como bom médico que és, por isso perdoa-me a urgência. De seu estimado amigo, Ramiro Blanco de Castelã‖.

Pedro, ao receber a carta, leu com apreço, pois nunca deixou de atender um pedido de Ramiro. Quando acabou de ler, olhou para o mensageiro e perguntou:

—Tem alguém doente no acampamento? —Perdoa-me, Dr. Pedro, não estou autorizado a

falar o assunto. Preciso saber sua resposta. O senhor poderá ir?

—Sim, claro. Diga a seu Ramiro que estarei lá daqui a dois dias. Infelizmente não poderei me ausentar neste momento do hospital, pois está tendo um surto de gripe muito forte, senão iria agora mesmo.

—Não se preocupe, não é algo tão grave que o senhor precise largar seus pacientes neste momento tão difícil. Sei que Ramiro irá entender. Até breve.

—Vá com Deus. Estarei lá em dois dias. Pedro ficou olhando aquele homem subir em seu

cavalo, dar um aceno e depois sair veloz rumo ao acampamento. Pedro ficou parado na entrada do hospital, pensativo, com o bilhete na mão. Sentiu um forte pressentimento que aquele convite tinha a ver com Dolores. Foi quando se lembrou da visão que teve na noite de natal. Sentiu certo medo, mas iria assim mesmo, pois não tinha nada a temer. Nunca fez nada que desrespeitasse a menina e sua família. Logo resolveu dissipar o medo e voltou a seu trabalho, pois tinha muitos pacientes ainda para ver. Em dois dias ficaria sabendo o que realmente estava acontecendo no

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acampamento. Mas em seu íntimo sabia que tinha algo a ver com o romance de Dolores com Juan. Com a cabeça cheia, Pedro voltou à sua rotina diária. Os dois dias passaram muito lentamente. Para Pedro, parecia que as horas não andavam. Ele olhava de hora em hora para o marcador de tempo que tinha em sua sala. E nada do tempo passar. Foram dois dias de muito trabalho.

Havia muitos pacientes com uma forte gripe que se espalhava por toda a cidade. Uma enfermidade que levou muitos de seus pacientes à morte. A morte destas pessoas o deixou muito triste, pois nada pôde fazer para salvá-los. Para um médico como Pedro, que era dedicado à sua profissão, essas perdas era uma derrota para ele. Mas infelizmente quase toda a Europa estava passando por este tormento, levando muitas pessoas a morte. Como prometeu, Pedro preparou-se para ir ao acampamento.

Sabendo que poderia demorar por lá, avisou à direção do hospital que se ausentaria por alguns dias e avisou também aos seus pais para que não se preocupassem com sua demora. Partiu logo em seguida rumo ao grupo de ciganos, levando algumas coisas que poderia precisar. Galopou por um bom tempo. Logo que avistou o acampamento sentiu certo aperto no coração, porém continuou.

Ao chegar mais perto, algumas crianças o reconheceram e começaram a gritar:

—Doutor Pedro chegou! Doutor Pedro chegou! Os ciganos vieram recebê-lo com cordialidade.

Isso fez com que Pedro ficasse mais tranquilo e viu que não tinha motivos para temer. Ramiro e Mercedes vieram ao seu encontro.

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—Querido amigo, alegro-me que tenha vindo ao meu chamado. Seja bem-vindo.

Mercedes, com um belo sorriso, abraçou Pedro como uma mãe abraça a um filho que não vê há muito tempo. Assim, ele feliz com a acolhida, respondeu:

—Vim mais rápido que o vento. Perdoa-me se não vim antes.

—Sabemos de seus afazeres, não se preocupe com isso. Venha descansar.

Pedro, mais calmo, aceitou o convite, pois realmente estava um pouco cansado. Na hora do almoço se deliciou com um prato típico, enquanto conversava amenidades com os amigos. Estranhou a ausência de Dolores. Desde que chegou ao acampamento não a tinha visto. De início achou que ela estava no rio com as outras moças, cuidando da roupa, mas como chegou a hora do almoço e ela não apareceu, resolveu perguntar por ela.

—Dona Mercedes, perdoa-me a minha indiscrição, mas onde está sua filha? Queria cumprimentá-la.

—Logo o senhor a verá. Ela não está se sentindo muito bem, por isso não veio recebê-lo.

—Meu Deus! Soubesse que era tão urgente, teria vindo antes.

Ramiro, vendo a preocupação do rapaz, tratou logo de acalmá-lo dizendo que ele não se preocupasse com a saúde da menina, pois ela estava bem. Pedro ficou aliviado, pois não se perdoaria se, com sua demora, ela piorasse seu estado de saúde. Mercedes comentou com Ramiro que era melhor logo conversar com Pedro sobre a menina. O chefe da tribo concordou e chamou Pedro para ir até Dolores, que estava em companhia da velha cigana. Ao entrar, cumprimentou

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as duas e foi logo querendo saber o que estava acontecendo.

Ramiro falou sobre o estado da menina e queria a confirmação dele como médico. Pedro ficou sem palavras. Naquele momento parecia que o mundo estava desabando em cima de sua cabeça, mas tentou disfarçar o choque que tinha acabado de ter e pediu licença a Ramiro para poder examiná-la.

Pedro fez todos os procedimentos de praxe como bom médico que era. Ao terminar, olhou para os olhos tristes da menina e pensou: ―O que vai ser desta menina? Aquele miserável foi até o final com sua brincadeira.‖ Dolores leu seu pensamento e disse:

—Pedro, não temas por mim. Ficarei bem. As palavras da menina saíram de seus

pensamentos. Resolveu então chamar Ramiro e Mercedes para dar o diagnóstico.

—Fale meu filho, é um médico experiente. A velha cigana está certa?

Pedro respirou fundo. —Sim, está. Ramiro e Mercedes ficaram desolados com a

confirmação. Em seguida pediram a Pedro que ele descobrisse quem era o pai, pois tentaram saber dela mas nada conseguiram. Ele era a última esperança de que ela falasse, já que Lola estava distante. Além de Lola, ele era a única pessoa que ela confiava. Pedro, apesar de saber de toda a história, agiu naturalmente e prometeu ajudar. Ficou durante uma semana entre os ciganos, cuidava de um e de outro, ajudava na lida e todas as tardes ia ver a menina para saber como ela estava e aproveitava para conversar com ela.

Sempre que ele entrava na tenda, a ordem de Ramiro era que ninguém atrapalhasse a conversa dos

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dois, pois assim Dolores se sentiria mais à vontade para falar. Numa dessas visitas, Pedro resolveu falar com Dolores sobre Juan.

—O que pretende fazer agora? —Vou até a casa de Juan. Sabe se ele já voltou? —Não tenho notícias dele. Tenho trabalhado

muito. —Ele me prometeu que voltaria para o natal e

até hoje não me procurou. —O que acha disso? Perguntou Pedro. —Minha intuição me diz que nunca mais vai me

procurar. Pedro olhou para a menina e resolveu contar

para ela toda a verdade. —Te contarei uma história que vai fazer você

conhecer quem é Juan. —Sim, fala o que você sabe, por favor! Pedro começou a relatar toda a trama que Juan

planejou desde o dia que a viu na praça pela primeira vez. Contou também sobre a aposta que tentou fazer com ele e com os outros, falou sobre a discussão entre ele e Juan e finalizou confessando que sabia do paradeiro de Juan. Estava noivo de uma prima de segundo grau e que jamais pensou em procurá-la. Dolores ouviu tudo calada. As lágrimas rolavam pelo seu belo rosto, enquanto Pedro relatava o que sabia. Ela começou a lembrar dos avisos de sua amiga Lola, da visão que teve no natal enquanto admirava a fogueira e, por último, o sonho que teve com seu amado pai. Lembrou-se de quantas vezes enganou sua mãe por causa dele. Naquele momento Dolores se sentiu traída e traidora de suas raízes.

A menina pôs as mãos no rosto com vergonha de si mesma e desatou a chorar, um choro sentido que

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vinha da alma ferida e que nada nem ninguém poderia fazer parar naquele momento. Seu coração estava sangrando, seus sonhos foram jogados no lixo. Aliás, era assim que se sentia, um lixo. Foi usada e jogada fora. Pedro, neste momento, abraçou-a com ternura e falou aos seus ouvidos, com a voz suave, que tudo ficaria bem e que poderia contar com ele.

Com essas palavras de carinho, Dolores ficou mais calma e acabou adormecendo em seus braços. Quando notou que a menina tinha dormido, acomodou-a em seu leito e ficou a fitá-la, apaixonado, pensando o que seria o certo a fazer. Como poderia ajudar? Era melhor contar tudo ao tio dela? Ou deixar que ela mesma conte? Achou melhor esperar que ela acordasse e decidir o que era o melhor a fazer.

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Capitulo 4

Já era noite quando Pedro foi ver Dolores novamente. Já estavam lá o tio e a mãe dela. Então a menina comentou:

—Que bom que voltou. Já ia pedir para te chamar.

—Depois que dormiu fui ver as crianças. Têm algumas com problemas respiratórios.

—Tem razão, esta gripe nunca vai embora. – comentou Mercedes

—Não é só aqui entre vocês. Na cidade também têm pessoas com os mesmos sintomas.

—Será uma epidemia? - perguntou Ramiro. —Espero que não, senão vai ser muito difícil

controlar. Dolores mudou o assunto, dizendo que

precisava falar com Pedro e que esperava que sua mãe e seu tio a entendessem. O tio respondeu que estava ali para isso e que ela poderia falar tudo o que tinha acontecido com ela. Dolores contou tudo que aconteceu deste que conheceu Juan, não escondeu nada. Falou dos encontros às escondidas ao último encontro, além das promessas que ele fazia. Falou até o que Pedro contou, mas, para protegê-lo de seu tio, que poderia achar ele agiu de má fé por não ter contado que sabia quem era o pai, não envolveu seu nome. E comentou também que ele já estava noivo de outra moça.

Ramiro levantou-se revoltado com que acabou de saber, pôs a mão no seu punhal que tinha em sua cintura e, com os olhos vermelhos de ódio, esbravejou:

—Eu lavarei sua honra com sangue deste miserável.

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Pedro e Mercedes, com palavras de harmonia, tentaram quebrar a fúria do cigano, tentando o fazer ver que com a cabeça quente nada iria ser resolvido. Dolores pediu que ele ficasse calmo, visto nada adiantava matar Juan, pois ele não era o único culpado. Os três pediram que ele tivesse tranquilidade. Ele cedeu aos argumentos e resolveu controlar sua raiva. Aparentemente calmo, disse:

—Vocês estão com a razão. Vamos dormir. Amanhã será um novo dia.

Logo em seguida saiu da tenda desejando boa noite para todos, pois estava se sentindo exausto e precisava ter uma boa noite de sono.

Pedro e Mercedes fizeram o mesmo. Estava uma noite fria e todos no acampamento já se haviam recolhido. Somente os vigilantes da noite estavam acordados, pois sempre ficava um pequeno grupo de vigia para segurança de todos do acampamento.

Dolores, Pedro e Mercedes custaram a pegar no sono. Ramiro, ao contrário, fazia questão em se manter em vigília, visto que tinha planos de sair do acampamento de madrugada.

Realmente a vida da menina mudou muito

depois que conheceu Juan. Ela trilhou um caminho que não tinha mais como voltar, por causa de uma paixão ela marcou seu próprio destino. Às vezes escolhemos caminhos que nos fazem sofrer, caminhos cheios de ilusões e surpresas. A paixão cega o ser humano não deixando ver os perigos que estão em sua volta. Dolores, por estar extremamente apaixonada, caiu nas armadilhas de Juan. Agora, sabendo de toda a verdade, se sente traída e com o coração triste, se sentindo culpada, com o remorso e com medo tomando conta de

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sua alma. Culpada por ter sido tão ingênua, pois sempre foi alertada por sua mãe para não confiar demais nas pessoas. Remorso por ter traído suas tradições e seu povo e medo pelo que ainda estava para acontecer. No fundo de seu coração ferido, ela sabia que seu tio não deixaria tudo passar em branco.

Aquela calma, aceitando tudo muito rápido, não era característica de seu tio, um homem de sangue quente que sempre honrou as tradições de seu povo e sempre soube respeitar as regras dos não ciganos. Por isso ser tão estimado por todos os lugares que passava.

Nossa amiga estava certa em temer, pois a partir de agora as cartas foram lançadas à mesa e tudo poderia acontecer. Todos nós ao nascer voltamos à Terra com carmas do passado. Resta a nós escolhermos a melhor forma de cumprir nossas provas. Deus nos dá o livre-arbítrio para que tenhamos liberdade de escolha, assim podemos escolher o melhor caminho.

Este caminho pode ser de paz ou de sofrimento. Tudo depende de nossas escolhas, pois podemos ou não colher bons frutos no futuro. Colhemos o que plantamos, esta é a lei. Deus não nos pune pelos nossos atos, contudo nos dá chance de consertar os erros. Se não for pelo amor, será pela dor.

Por isso, irmãos, reflitam antes de agir para que sua ação de hoje não se transforme em amargura amanhã.

Uns dias antes de Pedro receber o bilhete de Ramiro, Juan foi à sua procura no hospital para convidá-lo para seu casamento. Ao reencontrar o amigo de infância, Juan alegremente disse:

—Meu amigo, como vai. Estava à sua procura.

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—Então é verdade que já está de volta à cidade? Quando me falaram, pensei ser uma brincadeira.

—Achou que não voltaria mais? _Eu não achei e nem acho nada. Você é quem

sabe de sua vida. — Quanta amargura em suas palavras. —Desculpe por minhas palavras, mas estou

assoberbado de trabalho. O que deseja? —Venho te convidar para meu casamento. —Que história é essa de casamento? — Não soube de meu noivado com minha prima. —Sim, mas... — Mas o quê? Estou na idade de me casar, além

de que é bom para meu pai que me case com Louise. —Pelo visto isso não é um casamento, é um

negócio. —Vamos dizer que sim. Pedro ficou olhando para Juan sem ação. Seu

pensamento só estava em Dolores. Quando ela soubesse deste casamento, ficaria muito infeliz, pois conhecia os sentimentos da menina.

— E Dolores? Como fica? — Quem é Dolores? — Não seja cínico. Sabe muito bem de quem

estou falando. Juan, com um sorriso maquiavélico, respondeu

sem pestanejar: —Tem razão. Como poderia me esquecer

daquela rameira? — Como pode falar assim de uma menina? — Ela deixou de ser uma menina há muito tempo

meu amigo. - falou isso, com um leve sorriso de cinismo.

— Então você não desistiu da brincadeira?

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— O que você acha? Juan, se sentindo vitorioso, passou a narrar para

Pedro tudo que fizera para conquistar o coração de Dolores, com suas falsas promessas e os encontros. Enquanto ele alegremente relatava suas proezas, Pedro se sentia mal em ter como amigo um homem frio e calculista. Revoltado, levantou-se de sua mesa e, sem que Juan esperasse, Pedro deu um soco no rosto dele. Juan, assustado, reagiu:

— Você enlouqueceu? — Não estou louco, estou é com nojo de você. —Posso saber por que me agrediu desta forma? — Quer mesmo saber? Pois vou te contar. Pedro contou o que sabia sobre Dolores, o

quanto ela estava apaixonada por ele, como ela esperava dia após dia a sua volta, como ela almejava se unir a ele e construir uma família. Muitas vezes ela vinha à cidade procurar por notícias. Várias vezes deixou sua família preocupada com sua tristeza. Juan, ao escutar aquilo tudo, deu uma sonora gargalhada que fez Pedro gelar. Logo em seguida, refeito, perguntou bem irritado porque ele estava rindo. Juan simplesmente respondeu:

— Porque você é tolo e ingênuo. Acha que me comove com este discurso? Eu nunca me casaria com uma cigana.

— Então você a usou? — Vamos dizer que só quis me divertir um

pouco. Estava com a vida entediada. Pedro foi até ele, pegou-o pelo braço e saiu,

levando-o para fora e dizendo: — Sai daqui, seu monstro. Sai de meu caminho,

antes que eu perca minha cabeça e faça uma besteira. Juan, contrariado com a atitude de Pedro, soltou-se e

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saiu andando até seu cavalo. Antes de ir embora, olhou para Pedro e disse:

— É uma pena que nossa amizade acabe por causa de uma prostituta.

— Não posso ser amigo de um homem que não tem coração. - respondeu Pedro friamente.

Assim terminou uma amizade de infância. Pedro ficou muito triste pela perda de um amigo, mas não poderia aceitar as atitudes de Juan. Pedro gostava muito de Dolores e não ia suportar ver o sofrimento dela. Passou a se preocupar pelo futuro da menina e como ela iria reagir quando ficasse sabendo do casamento de Juan. Pedro passou dias tristes sem saber o que fazer para ajudar sua amada, até que recebeu o bilhete de Ramiro pedindo urgência de sua presença no acampamento.

Pedro passou a noite preocupado, pois Ramiro poderia fazer alguma loucura. Ele mesmo teve vontade de acabar com a vida de Juan, mas preferiu não ter mais sua amizade. Pedro estava certo em sua preocupação. Ramiro não deixaria tudo passar em branco. Tinha que tentar evitar que Ramiro cometesse um mal maior. Realmente Ramiro só sentia desejo de vingança, tanto que ainda na madrugada escura saiu em disparada para a cidade. Quando todos acordaram no acampamento, ele já estava longe. Mercedes, ao entrar em sua tenda, viu que o irmão não estava. Correu e perguntou ao cigano da guarda da noite se tinha visto o irmão. Ele respondeu que ele saiu bem cedo. Sem perder tempo, chamou a cigana mais velha para se aconselhar, pois pressentia que a desgraça se abateria ao seu povo.

A velha já chegou alertando para que todos se preparassem para o que estava por acontecer.

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Mercedes, temerosa com as palavras da velha senhora, relatou o drama da menina e que ela estava certa com seu presságio. A velha, após o relato de Mercedes, disse que sempre soube do envolvimento de Dolores com um fidalgo, pois Lola tinha contado tudo a ela. Mercedes, sem entender, perguntou por que Lola não falou nada com ela. A velha disse que não permitiu. Mercedes então disse:

— Mas, senhora, porque não permitiu que me alertasse dos erros de Dolores?

A velha senhora respondeu serenamente. —Porque, minha querida, têm certas coisas que

não temos como mudar. Mesmo que tentássemos evitar, nada adiantaria.

— Porque diz isso? —Está no destino de Dolores. Ela tem que

passar por esta prova para pode crescer. —Quem disse que tudo que está acontecendo é

para seu bem? —Mercedes, que cigana é você que não acredita

nos desígnios de nosso pai maior. Perdeu a fé? —Eu me sinto culpada. —Não se sinta culpada. Tudo que está

acontecendo já era previsto. Esqueceu-se do presságio quando Dolores nasceu?

—Verdade, a finada Gertrude ao pegar Dolores no colo previu um futuro triste para ela, fiquei preocupada na época, mas o tempo foi passando...

— E a profecia está se concretizando. Ao falar isso, a velha senhora chamou Mercedes

para se reunir aos outros para ver o que poderia ser feito para evitar um mal maior. Ramiro, ao chegar à cidade já com o dia claro, foi logo querendo saber onde morava Juan. Não demorou muito para saber, pois a

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família do rapaz era muito conhecida na cidade. Ficou à espreita em frente à moradia, esperando que Juan aparecesse. Apesar de não conhecer Juan, pela descrição que as pessoas passaram não seria difícil reconhecê-lo. Passou o dia em frente à casa vendo quem entrava ou saía No acampamento ficou decidido que Pedro e alguns ciganos iriam até a cidade à procura de Ramiro e só voltariam com ele e não permitiriam que ele cometesse qualquer loucura. Com a partida de Pedro e seus companheiros, os que ficaram começaram a fazer uma prece para que tudo desse certo. Mas infelizmente Pedro chegou tarde demais, o pior já tinha acontecido.

Quando já estava anoitecendo, em frente à residência parou uma carruagem. Ramiro ficou alerta. Minutos depois desceu um rapaz de belo porte. Ao retirar suas bagagens e entrar pelo portão que dava no jardim da casa, passou uma pessoa que o reconheceu e comentou:

—Amigo! Está de volta! —Como vai, senhor Fernandez? E sua senhora? —Graças a Deus, estamos bem. —Que bom, fico feliz em ver o senhor bem. Dê

um respeitoso abraço em sua senhora. —Ela vai ficar muito feliz com sua volta. Até

breve amigo. —Vá com Deus. Espero ver o senhor de novo. —Sim, nos veremos no casamento. —Tem razão, o dia está chegando. Sr. Fernandez, com um aceno, continuou seu

caminho. O rapaz alegremente entrou falando bem alto. —Mãe, pai, voltei. Será que tem alguém nesta

casa para me receber?

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Ramiro não pensou duas vezes. Após ouvir a conversa deduziu que aquele rapaz era Juan. Saiu da escuridão, avançou em cima do rapaz e começou a esfaquear em várias partes do corpo. Enquanto atacava o rapaz, falava com muita ira:

—Seu maldito, vai pagar com sua vida por ter destruído a vida de uma menina.

O rapaz tentou escapar dos golpes, mas Ramiro era um homem muito forte. Não conseguia reagir, até porque foi pego de surpresa. No início ainda conseguiu gritar por ajuda, mas com a luta pela vida foi perdendo as forças. Então Ramiro, vendo que o rapaz já estava perdendo a batalha, falou:

—Olha para mim, seu infeliz. Olhe bem nos meus olhos e peça perdão pelo que fez.

O rapaz já perdendo o brilho de seus olhos, respondeu com a voz fraca:

— Senhor, não sei o que te fiz. Mesmo assim peço-te perdão por algum erro que tenha cometido ao senhor e te dou meu perdão por este ato impensado.

Quando acabou de falar, ficou olhando dentro dos olhos de Ramiro. O cigano, irritado e sem entender as palavras do rapaz, gritou:

—Maldito, quem pensa que é para me falar desta forma?

O rapaz em seu último suspiro respondeu: — Eu, senhor? Sou Francisco, seu servo. Estas foram às últimas palavras do rapaz.

Rendeu-se à morte nos braços fortes de Ramiro. O cigano, surpreso e assustado, resolveu olhar o brasão de família que estava preso na roupa do rapaz. Um belo brasão feito em ouro. Do lado de trás do brasão estava escrito: ―Este brasão pertence a Francisco Alonso Vallejo II.‖

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Ao ler esta inscrição ficou pálido, sem reação. Olhou para o corpo sem vida de Francisco, pôs as mãos na cabeça e lamentou:

—Meu Deus, o que foi que eu fiz? Começou a chorar, arrependido do seu ato, em

cima do corpo de Francisco. Ao ver o nome compreendeu as palavras do rapaz e viu que tinha tirado a vida de um inocente. Em seguida apareceu um serviçal gritando pelos senhores da casa. Logo os pais de Francisco apareceram na porta da frente e viram a trágica cena. Correram para o local e tiraram Ramiro de cima do corpo, enquanto Dona Carmem, abraçada ao seu filho, lamentava sua perda. Dom Francisco surrava Ramiro com ira e perguntava por que ele tinha feito aquilo com seu filho. Ramiro nada respondia e isso ia deixando Dom Francisco com mais raiva, e o surrava com mais violência. Os serviçais, vendo que ele mataria o cigano, resolveram impedir que o seu Senhor cometesse um assassinato. Em nenhum momento Ramiro revidou as hostilidades que estava sofrendo, pois ele se considerava merecedor daquela fúria. Dom Francisco, controlado pelos seus serviçais, deu ordem para que vigiassem Ramiro até que a guarda chegasse. Assim ele seria julgado pela lei.

Infelizmente neste caso a pena seria só uma, a morte. Dom Francisco ordenou também que levassem o corpo do filho para dentro de casa. Ramiro ficou ali amarrado, com suas vestes sujas de sangue. Quando Pedro chegou, a cidade estava alvoroçada com o acontecido. Logo ficou sabendo por um transeunte o que tinha acontecido. Correu em disparada à casa de Juan. Quando chegou lá encontrou a triste cena de Ramiro amarrado como se fosse um animal. Ao chegar em frente ao cigano, viu que ele estava em estado de

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choque. Tentou falar com ele, mas não teve resposta com palavras, somente um olhar de tristeza profunda e arrependimento que, para Pedro, valeu por mil palavras. Pedro em seguida quis saber dos criados o que tenha acontecido de fato. O criado mais antigo da casa relatou para ele tudo o que sabia. Assim Pedro entendeu o sofrimento no olhar de Ramiro. Disse carinhosamente:

— Amigo, não temas. Tudo farei para te salvar, pois tu e Francisco são vítimas nesta triste história.

Ramiro nada falou, só o fitou com os olhos marejados de lágrimas. Pedro entrou na casa para ver em que pé estava a situação da família.

Dom Francisco e Carmem estavam desconsolados sem saber o motivo daquela brutalidade. Pedro, como médico, constatou que realmente Francisco não tinha mais vida. Com a permissão de Dom Francisco, mandou que os criados o lavassem e que colocassem uma roupa no corpo para o funeral. Juan, quando soube o que tinha acontecido ao seu irmão gêmeo, correu para casa. Quando chegou, passou por Ramiro sendo escoltado pela guarda. Um olhou para o outro sem nada dizer. Ramiro compreendeu que Francisco era gêmeo de Juan e constatou seu malfadado erro. Juan, por sua vez, reconheceu Ramiro como o tio de Dolores. Ao entrar na casa viu a desolação de todos. Tentou falar com seus pais, mas não obteve respostas. Foi até Pedro que estava cuidando do corpo e perguntou:

—O que aconteceu? Porque aquele cigano tirou a vida de meu irmão?

Pedro parou o que estava fazendo, olhou dentro dos olhos de Juan e respondeu com outra pergunta:

—Você está satisfeito com que fez?

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—Por acaso acha que tenho culpa por este monstro ter matado meu irmão?

—Como é cínico! Sabe muito bem que é! —Não sou culpado por este assassinato. —Sim, você é culpado. Você acabou com três

vidas. —Como pode falar uma barbaridade destas? —Você vai carregar para o resto de sua vida a

sua culpa. Acabou com a vida de Dolores deixando-a grávida. Fez com que seu Ramiro se tornasse um assassino e tirasse a vida de seu irmão. Você é o algoz desta história. Juan ficou sem palavras, pois Pedro acertou-o como uma flecha. Sem resposta, saiu porta afora e foi direto para seu quarto com as palavras de Pedro em sua cabeça.

Seu pai, que a tudo escutou, foi atrás do filho para tirar satisfações.

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Capitulo 5 Dom Francisco, antes de ir até Juan, resolveu ir

ao quarto ver a esposa. Ao entrar, a viu deitada em sua cama de olhos fechados. Chegou perto, acariciou seu rosto e disse que tudo ia ser resolvido da melhor forma possível e que o malfeitor iria ser punido no rigor da lei. Dona Carmem abriu os olhos e disse que a única coisa que ela desejava era que seu filho tivesse todas as honras em sua despedida e que ele seguisse seu caminho em paz.

Dona Carmem sempre foi uma pessoa muito espiritualizada e sabia que apesar de seu sofrimento de mãe tudo tinha uma razão de ser. Dom Francisco, assim que conversou com sua esposa, foi ao quarto de Juan. Precisava ter uma conversa franca com ele, pois não tirava o que escutou da cabeça. Foi em direção ao quarto. A porta estava entreaberta e foi direto ao assunto, sem rodeios.

—Juan, é verdade tudo que acabo de ouvir? Juan, que não viu o pai quando saiu do quarto

onde estava Pedro, ficou surpreso com a presença de seu pai, principalmente porque entrou sem bater como era de costume.

—Meu pai, que pergunta mais sem propósito. Não entendi?

—Não seja criança. Conheço-te muito bem. —Pai, é tudo loucura da cabeça de Pedro. —Não me faça de tolo. Anda, fala. Juan, vendo que o pai estava decidido ir em

frente no assunto, pensou nas palavras que iria dizer ao seu pai.

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—Não. Papai não é um tolo, mas prefere acreditar num estranho a seu próprio filho!

—Espero que não tenha mesmo nada com isso. Vou até o cigano para ver o que tem para falar em seu favor.

—Não acredito que vai dar créditos ao assassino de seu filho!

—Nenhum homem comete um ato desvairado deste sem que tenha uma razão muito forte.

—O motivo é só um, meu pai. Ele é um louco e não pode ficar por aí à solta.

—Isso quem resolve é a lei. Dom Francisco saiu do quarto determinado a

descobrir a verdade. Foi até ao magistrado da época, Sr. Hernandez, pedir adiamento no julgamento de Ramiro, pois queria primeiro fazer o funeral de seu filho e queria ter tempo para falar com o cigano. Sr. Hernandez aceitou, pois também não entendia a atitude de Ramiro, que sempre foi benquisto na cidade e sempre cumpriu as leis, apesar de ter suas próprias leis ciganas.

Pedro, sem poder ir ao acampamento, pois estava ajudando com o funeral e também não queria ficar longe de Ramiro, pediu aos ciganos que foram com ele até a cidade que voltassem para levar notícias de Ramiro ao povo e contar sobre a tragédia que infelizmente aconteceu. Foi com muita tristeza e resignação que o povo de Ramiro recebeu a notícia. Todos resolveram que no dia do julgamento estariam lá e fizeram uma prece pedindo a Deus que fosse feito a sua vontade e não a deles.

Foram dois dias de funeral, toda a cidade compareceu. Francisco viveu boa parte de sua infância correndo pelas ruas em suas brincadeiras. Ele era

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muito estimado por todos. Não tinha uma viva alma que falasse algo de ruim daquele rapaz, que tinha muitos amigos. Totalmente diferente de Juan, que não era muito bem visto pela sociedade local. Apesar de serem parecidos fisicamente, interiormente eles eram bem diferentes. Juan era um tipo de pessoa que não valia muita a pena ter por perto, já Francisco era o tipo de homem que toda moça gostaria de ter como companhia.

Era um rapaz de boa aparência, culto e falava várias línguas, entre elas o latim. Foi educado nos melhores colégios da Europa, formou-se como o irmão. Poderia seguir a carreira do pai, mas resolveu entrar para a igreja. Por ser muito religioso, fez votos de pobreza e vivia no monastério de São Francisco de Assis. Só vinha para casa em algumas datas importantes. Infelizmente o destino foi implacável com o Francisco, sua vida foi ceifada em tenra idade. Com seus poucos anos de vida, este nobre rapaz soube levar amor, carinho e dignidade para os mais necessitados. Ele, como ninguém, soube levar as palavras de Jesus com muita sabedoria para o povo.

Tinha um modo muito peculiar de falar sobre os ensinamentos, um modo tão diferente que, se não tivesse perdido a vida de uma forma tão brutal nas mãos de Ramiro, sem dúvida iria parar na fogueira da inquisição (antigo tribunal eclesiástico que punia crimes contra a fé católica). Ele não aceitava muito que a igreja fazia com os menos esclarecidos, até porque naquela época poucos sabiam ler e escrever. A corporação dos eclesiásticos da época aproveitava-se da ignorância do povo para manter a ordem com mãos de ferro, pois ou seguia seus preceitos ou teria punição severa. Punição esta que levou muitos irmãos à morte. A igreja punia

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com severidade aqueles que tinham um pensamento diferente do que ela pregava. Muitos erros foram cometidos por causa da falta de tolerância do clero na época.

Francisco era um homem à frente de seu tempo.

Tinha uma visão diferenciada dos seus irmãos de clausura. Muitos o chamavam de ―Francisco, o sonhador‖, porque ele sonhava com uma sociedade mais justa e que um dia todos iriam seguir as palavras de nosso mestre sem interferências daqueles que acham que sabem tudo. Acreditava que a ganância pelo dinheiro e o preconceito iria se acabar. Infelizmente ele não pôde ver em vida o quanto suas palavras surtiram efeito para algumas pessoas. Pessoas que passaram ter outra visão do cristianismo compreenderam que a fé não é regida pela força, mas sim pelo amor. Era isso que nosso mestre tentou nos ensinar, que só o amor constrói. As palavras dele não tinham opressão, ele não exigia nada em troca.

Jesus nos deu seu amor, sua luz e nos ensinou a fazer o bem. E era o que Francisco tentou fazer em sua curta vida: fazer o bem, levar a paz e o amor por onde passava. Esse foi Francisco em vida.

Após o funeral de Francisco, sua família levou Ramiro ao julgamento, mas antes Dom Francisco teve autorização para falar com o cigano. Um dia antes de ser julgado, o cigano recebeu uma visita que não esperava. Era Dom Francisco.

—Senhor,espero que possa me explicar porque tirou a vida de meu filho.

Ramiro, surpreso com a visita, respondeu: —Seu filho Juan pode te explicar melhor.

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—Então a história que fiquei sabendo é verdadeira?

—Sim, é. —Não posso crer que meu filho Juan renegaria

seu próprio sangue. —Vejo que o senhor não conhece bem o filho

que tem. —Não diga asneira. Dei uma boa educação aos

meus filhos. —Acredito que tenha sido um bom pai, mas

infelizmente nem sempre nossos filhos são como desejamos.

Dom Francisco ficou surpreso com o modo de falar de Ramiro, percebeu que era um homem culto e letrado. Suas palavras suaves e tranquilas não eram de um ignorante e nem de um homem às portas da morte. Mais calmo, perguntou:

—Porque tirou a vida de meu Francisco? —Foi um engano. Infelizmente com minha ira

tirei a vida de um jovem que não merecia esta sorte. —Então reconhece que cometeu um erro? —Sim e não me perdoo por isso. Se pudesse

voltaria no tempo e concertaria meu erro. —Mas tu vieste para matar. Se não fosse

Francisco seria Juan. —Sim, mas se tivesse ouvido a voz da razão e

os argumentos do meu povo, eu não teria vindo até a cidade com o intuito de tirar a vida de alguém.

—O que leva crer que sua sobrinha fala a verdade?

—Minha sobrinha está esperando um filho. —Sim, até aí eu acredito. Mas será que este filho

é sangue de meu sangue?

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—O senhor está querendo dizer que Dolores pode ter tido outros homens?

—Porque não? Ela é bonita e enfeitiçaria qualquer rapaz, como enfeitiçou meu filho.

—Tu vieste aqui para sujar o nome de minha sobrinha. Faça comigo o que tem que ser feito, pois sou culpado, mas não admito que ouse falar mal de minha menina.

Dom Francisco, admirado com o modo de ser de Ramiro, olhou para ele e disse com todas as letras.

—Pois bem, assim será. Vais pagar pelo sangue derramado de meu adorado filho.

—Eu sei, não precisa me dizer isso. —Seu povo será banido desta cidade e renego

aquela criança que está no ventre de sua sobrinha. Que ela morra antes de nascer.

—Para seu desgosto a criança vai nascer e vai ser ela que vai renegar o seu sangue.

Ao escutar estas palavras de Ramiro, Dom Francisco saiu da cela pisando duro, disposto a levar sua vingança até as últimas consequências. Em pensamento falava:

―Pois que renegue meu sangue. Nunca terei esta criança como meu neto.‖

No dia seguinte Ramiro foi levado a julgamento, que seria feito no parlamento da justiça, comandado por Dom Hernandes, com o aval do rei de Espanha. Tudo o que ele resolvesse, vossa majestade assinava embaixo.

O julgamento durou dois longos dias. Com sua influência, Dom Francisco levou Ramiro a ser condenado a pena capital. Pedro fez de tudo para livrar Ramiro, mas a força dos Vallejo foi mais forte. Era um pobre nômade contra uma família poderosa.

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Além da pena de morte para Ramiro, seu povo teria que deixar as terras de Andaluzia, não podendo mais voltar. Para Pedro foi a derrota. Além de não conseguir salvar Ramiro, ele perderia sua amada, pois teria que ir embora com seu povo. No dia seguinte ao término do julgamento, o povo da cidade já estava esperando o condenado. Ele seria levado à fogueira, pois, além de ser considerado um assassino, a igreja o considerou um herege, um feiticeiro. Assim a igreja e os Vallejo uniram forças para levá-lo à morte.

Mercedes, Dolores e todo seu povo estavam presentes. Sabiam que logo após da morte de Ramiro teriam que deixar a cidade. Ao chegar à praça, Ramiro teve permissão para falar com sua família e com Pedro. Chegando perto deles disse:

—Não fiquem tristes, estou seguindo o caminho que eu mesmo tracei. Continuem com suas vidas. Sei que terão que deixar a cidade, mas isso para nosso povo não é nada demais. Já estava mesmo na hora de procurar novas paragens.

Dolores e sua mãe só faziam chorar e nada falaram. Com um beijo na testa de cada uma se despediu e logo após foi até Pedro para falar com ele.

— Meu amigo, quero agradecer por ter tentado me ajudar. Mas sou culpado e tenho que pagar.

—Mas não é justo Juan sair impune. —Não se preocupe, ele um dia será cobrado por

seus atos. Nunca se esqueça de uma coisa: a justiça da Terra é cega, mas a de Deus enxerga tudo.

—Que os anjos de Deus o recebam, meu amigo. —Não sei se sou merecedor de ser recebido por

anjos. —É sim, meu amigo.

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Ramiro esboçou um leve sorriso no seu rosto. Acabado pelo tempo e pelas lutas da vida fez um pedido a Pedro.

—Pedro, cuide de Dolores. Ela vai precisar de amparo.

—Mas Ramiro, ela vai ter que ir embora. Não poderei cumprir o que me pede.

—Pedro, você será a única pessoa que Dolores vai ter depois do dia de hoje.

Pedro não entendeu bem o que Ramiro quis dizer na hora, pois Dolores teria sua mãe e seu povo. Ramiro abraçou Pedro com ternura e logo depois foi levado até o local onde seria queimado. Amarraram-no em um tronco. O povo todo da cidade em volta esperando a fogueira ser acesa. Aquelas pessoas assistiam aquilo como se fosse um espetáculo de circo. Gritavam, aplaudiam ao acenderem a fogueira. Parecia uma arena romana. Poucas pessoas se penalizaram com que estava acontecendo. Infelizmente a tristeza não acabaria só com a morte de Ramiro.

Mercedes, não aguentando ver seu irmão sendo envolvido pelas chamas, sentiu uma forte dor no peito. Dolores, percebendo o estado da mãe, chamou Pedro.

—Pedro, ajude minha mãe. —Calma, vamos tirar ela desse tumulto. Com ajuda de algumas pessoas Mercedes foi

levada para um local mais tranquilo, fora do tumulto da praça.

—Senhora, me diz o que está sentindo? —Uma dor muito forte no peito. Acho que não

vou aguentar. Dolores, vendo que sua mãe não tardaria a

deixar o corpo físico, falou: —Mãe, não me deixe.

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—Calma, Dolores, é só um mal estar passageiro. - Comentou Pedro.

Mercedes olhou para ele com os olhos tristes e quase sem brilho e falou com a voz fraca.

—Meu estimado amigo, minha filha está certa. Estou partindo. Peço que cuide de minha menina.

—Sim, senhora. Não precisa pedir. Mercedes olhou em direção da fogueira. Viu

quando o espírito de seu irmão saiu do corpo, olhou para seu próprio corpo já carbonizado e depois veio em sua direção. Seu espírito era pura luz, uma luz tão forte que cegaria uma pessoa. Mercedes, vendo que seu irmão estava bem e iluminado, falou para Pedro e Dolores.

—Veja, Ramiro está tão belo! Como está iluminado!

—Mãe, está vendo meu tio? Mãe, fale comigo. Mercedes olhou para filha e deu um leve sorriso

nos lábios, mas, já sem forças para responder, segurou sua mão, levou até sua boca e a beijou. Em seguida entregou-se à morte.

Dolores, em seu desespero, balançou forte o corpo da mãe para que ela acordasse, mas não se podia fazer mais nada. Mercedes entrou em sono profundo, um sono sem volta. Pedro, penalizado com a menina, abraçou-a e tentou passar toda sua ternura naquele momento. Agora entendia as últimas palavras de Ramiro. Dolores agora estava só no mundo.

Ramiro e Mercedes unidos abraçaram os dois e um cheiro de rosas os envolveu. Depois deste abraço espiritual que deram em Dolores e Pedro, partiram para o plano espiritual felizes, sabendo que Dolores não ficaria sozinha. De repente o céu ficou nublado e um vento forte começou a expulsar as pessoas da praça.

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Com a ventania veio uma forte chuva. Chuva esta que, além de espantar as pessoas do local, apagou as labaredas da fogueira. Com a praça vazia, ficou a triste cena de um homem carbonizado de um lado e sua irmã morta nos braços da filha no outro canto da praça.

Todos foram embora, não se importando com que aconteceu. Para eles a festa já tinha terminado. Aquela chuva foi até providencial. Assim afastou os abutres em forma de gente. O pai de Pedro pediu ajuda para que tirassem o corpo de Ramiro da fogueira, pelo menos o que restou, para poder dar um funeral digno de sua pessoa. Ramiro e Mercedes tiveram um belo e simples funeral feito dentro de suas tradições. Poucas pessoas da cidade compareceram, somente aquelas que tinham algo de bom em seus corações e gostavam do casal de irmãos. Foi uma noite triste para todos, principalmente para Dolores. Enquanto velava seus amados, seu povo fazia os rituais ciganos de despedida para em seguida entregá-los ao ceio da terra. Dolores, calada em sofrimento, lamentou sua sorte. Já não sabia mais o que seria de sua vida. Ela se sentia só e infeliz. Primeiro perdeu sua dignidade, sua honra, seus sonhos. Agora acabava de perder as duas pessoas que mais amava.

O que seria de sua vida? Como iria criar esta criança sem ajuda de sua mãe? Eram as perguntas que passava pela sua cabeça. Sentindo sem rumo, começou a chorar.

Uma semana depois do triste fim de Ramiro e Mercedes, Dolores se preparava para ir embora com seu povo. Dolores tinha ficado na casa de Pedro para se recuperar do acontecimento, quando um grupo de ciganos de sua tribo bateu na porta da casa de Pedro. A criada da casa, reconhecendo os rapazes, deixou que

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eles entrassem na casa e foi logo chamar seus senhores e Dolores.

Pedro e seus pais os receberam com fidalguia. Dolores, feliz, abraçou a todos, mas infelizmente eles não vieram trazer boas notícias. O mais velho do grupo que se chamava Filipe entrou logo no assunto.

—Dolores, eu e nossos irmãos viemos aqui para te dizer que não poderá ir conosco nesta viagem.

Pedro, seus pais e Dolores ficaram surpresos com aquelas palavras. Pedro foi logo interpelando Filipe.

—Como não pode ir com o grupo? Não estou entendendo qual o motivo.

—Os ciganos mais velhos da tribo se reuniram em assembleia e decidiram.

—Você não respondeu minha pergunta. Dolores, entendendo a situação, falou: — Creio que meu povo não me acha digna de

viver com eles. —Mas como seu tio e sua mãe te perdoaram? Felipe, comovido com a tristeza de Dolores,

falou: —Dolores, meus pais e mais alguns do nosso

povo tentaram evitar esta decisão, mas você sabe como nossas leis são rígidas.

—Sim, eu sei e agradeço por terem tentado fazer algo por mim.

O pai de Pedro, não entendendo o que estava acontecendo, comentou:

—Meus amigos, não estou entendendo. É por que ela está grávida? Como meu filho acabou de falar, sua mãe e seu tio não lhe viraram as costas.

—Sr. Luiz, eles a consideraram amaldiçoada, pois, por causa de seu erro, trouxe a desgraça para

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nosso povo. Trouxe a morte, fomos expulsos e não sabemos se conseguiremos outro lugar para ficar, pois com certeza todos os vilarejos de Espanha já devem saber do ocorrido.

Já não conseguimos comprar comida para a viagem. O que temos agora é o suficiente para irmos até a fronteira. Depois só Deus sabe.

—Então estão achando que a permanência de Dolores com vocês iria trazer mais problemas? – Perguntou Pedro.

Dolores, sentida, começou a chorar. Dona Maria, mãe de Pedro abraçou Dolores, tentando consolá-la. Filipe, ao se despedir, olhou para todos e disse:

—Fiquem com Deus e até um dia, Dolores. Que Deus esteja sempre com você.

—Obrigado, vá com Deus vocês também. Os ciganos saíram pela porta sem olhar para

trás. Filipe, com lágrimas nos olhos, subiu em seu cavalo e foi embora, triste por ter sido portador da má notícia.

Anoiteceu e Dolores só conseguiu dormir depois de tomar um chá calmante que dona Maria mandou preparar. Logo depois que a menina dormiu, Pedro e seus pais se reuniram para tomar um chá. Os três foram servidos na sala de leitura pela criada. Então seu Luiz começou a falar.

—Maria, como está a menina? —Graças ao bom Deus ela conseguiu dormir,

coitadinha. —É, mãe, ela está mesmo precisando uma de

boa noite de sono. Dona Maria, enquanto tomava seu chá, ficou

pensativa. Luiz a observou e fez uma pergunta. —O que está pensando, querida?

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—Estou preocupada com o futuro desta menina. Pedro olhou para os dois e comentou. —Estava também me perguntando o que fazer. —Poderíamos deixá-la ficar conosco. O que

acha, Luiz? – falou Dona Maria. —Não sei. Será que vai ser bom para ela e para

nós? —Porque não, pai? —Parem e pensem. Depois de tudo o que

aconteceu, Dolores ficará muito mal vista em nossa cidade.

—Ah, meu pai. É isso te preocupa? Temos berço e fortuna. Não precisamos destas pessoas preconceituosas desta cidade.

—Pedro está certo, meu querido. Temos nome e somos tão importantes quanto os Vallejo.

—Bom, com relação a nós eu não me preocupo. Mas e a menina?

—Qual é a preocupação, meu pai? —Ela é uma moça inteligente e perceberá a

hostilidade das pessoas. E também tem os Vallejo, que farão de tudo para tê-la longe daqui.

—Seu pai tem razão, meu filho. —Concordo. O que faremos? Não podemos

deixá-la ao léu. Dona Maria teve uma ideia que poderia resolver

a situação de Dolores. —Porque não a levamos para o convento onde

minha irmã está? —Tia Rosa. Nunca achei que ela aguentaria

aquele tipo de vida. —Sabe que eu também não levava fé que sua

irmã fosse virar freira?

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Maria olhou para eles, percebendo certo ar de brincadeira dos dois e respondeu contrariada.

—Mais respeito com a escolha de minha irmã. Aliás, ela hoje é madre superiora e não se chama mais Rosa.

—Como ela se chama agora, minha mãe? —Seu nome agora é Madre Maria Rosa do

Sagrado Coração de Jesus. —Bom, não mudou muito, só o sobrenome. Mas

precisava ter um nome tão grande? Luiz, ao comentar isso, falou em tom de

brincadeira e Pedro começou a rir. Dona Maria também sorriu e disse.

—Meu Deus, que falta de respeito, Luiz. —Mãe, não ligue para papai. Sabe que ele gosta

de fazer piadas com tudo. Agora vamos falar sério. Será que tia Rosa vai poder receber Dolores?

— Tenho certeza que ela vai nos ajudar. —Bom, meu filho. Acho o mais acertado. Ela

será bem tratada e poderá ter seu filho em paz. E nós estaremos sempre por perto, para ajudar no que ela precisar.

Com um sorriso Dona Maria concordou com as palavras de seu marido e Pedro, feliz, disse.

—Então estamos todos de acordo. Amanhã falarei com ela.

—Sim, meu filho. Fale com ela. – comentou Dona Maria.

—Quero agradecer o apoio de vocês. —Ora, meu filho. Eu e sua mãe sabemos como

esta moça é importante para você. Pedro sorriu com os olhos brilhantes. Realmente

Dolores era tudo para ele. Faria qualquer coisa para vê-la sorrindo de novo.

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Capítulo 6

O dia seguinte da partida dos ciganos, Dolores

levantou-se cedo como era de costume, olhou pela janela e viu que estava chovendo. Mudou sua roupa de dormir por um belo vestido azul-marinho que ela adorava usar. Como estava frio, pôs um xale branco de lã bem grossa feita por sua mãe.

Ajeitou os cabelos e colocou uma rosa amarela neles. Lavou seu rosto e olhou-se no espelho que tinha na penteadeira. Ao olhar seu rosto no espelho, viu que tinha envelhecido pelo menos uns cinco anos nesses poucos meses. Passou as mãos em seu rosto e resolveu melhorar um pouco sua aparência. Passou carmim em seus lábios e nas maçãs do rosto e assim se sentiu melhor. Olhou-se por inteiro e viu que estava composta e bem vestida. Pôs os sapatos nos pés e desceu para tomar seu café da manhã. Ao chegar à sala, já estavam Pedro e seus pais em uma conversa animada.

Dona Maria ao vê-la foi logo dizendo. —Bom dia! Venha tomar seu café. —Obrigada, só um copo de leite. Pedro, com um sorriso no rosto, mais com um ar

de autoridade disse: —Nada feito. Tem que se alimentar bem. São

ordens médicas. —Sim senhor, Dr. Pedro. Seja feito vossa

vontade. – respondeu a menina Todos começaram a rir da resposta de Dolores e

viram que ela tinha acordado bem disposta, tanto que o

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pai de Pedro elogiou a aparência de Dolores. Pedro e Dona Maria concordaram.

Dolores, corada pelos elogios, disse timidamente:

—Dona Maria, sim, é uma bela mulher. Terei sorte se chegar à sua idade com essa beleza e seu encanto. O senhor é um homem de sorte, seu Luiz.

Luís fica feliz com elogio à sua esposa e comentou:

—Viu, sou um homem de sorte, tenho uma bela esposa. Para mim é e sempre será a mulher mais linda do mundo.

Ao falar isso, pegou as mãos de Dona Maria e beijou-as apaixonadamente. Ela suspirou e agradeceu. Todos alegremente degustaram o belo café da manhã com conversas amenas. Logo após o café animado, Pedro convidou Dolores para um passeio no jardim da sua residência. Dona Maria foi aos afazeres da casa e seu Luiz foi para seu trabalho, pois tinha clientes para atender. Ele era um renomado bacharel em direito e muito procurado pelos fidalgos, mas nunca se negou prestar serviço para os mais necessitados.

Pedro e Dolores foram até o jardim. Chovia fino, por isso sentaram-se em um caramanchão feito de madeira nobre, com belas plantas e vasos com vários tipos de flores. Tinha uma pequena mesa com uma bela escultura de cerâmica de uma deusa egípcia e alguns bancos de jardim. Assim que se sentaram, Dolores, admirando o jardim, fez um comentário:

—É um belo jardim. —Realmente minha mãe tem adoração por ele.

Ficar horas cuidando. Apesar de termos um bom jardineiro, ela faz questão de cuidar dele pessoalmente.

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—Ela tem razão. Mexer com a terra é muito bom. Falar com as plantas e cuidar da natureza renovam as energias.

—Vejo que também gosta de jardinagem. —Sim, gosto. Eu e Lola cuidávamos desta parte

no acampamento. —Por falar em Lola, tem notícias dela? —Sim, tivemos notícias. Seu grupo está em

Madri. —Sente falta dela? —Sim, muito. Era como se fosse minha irmã

mais velha. Gostaria que estivesse aqui agora. —Do jeito que as notícias voam, ela vai ficar

sabendo o que aconteceu. E vai tentar de ajudar. —É. Quem sabe? Mas não sei se o grupo dela

vai me aceitar. Pedro, vendo que ela ficou triste resolveu logo

falar com ela sobre o assunto que os levou ao jardim. —Dolores, eu e meus pais tivemos ponderando

que seria melhor que você fosse ter seu filho longe daqui.

—Mas para onde eu iria? —Eu tenho uma tia que é madre superiora em

um convento em um lugarejo nos arredores de Barcelona.

—Acha que vai me receber? Sou cigana. —Isso não será problema. Minha mãe vai

escrever uma carta contando seu caso. Tenho certeza que vai atender ao pedido dela.

—Que assim seja. —Será melhor para você. Terá atenção total e

terá um médico particular. —Médico particular, eu? E quem seria este

médico? –começou a sorrir.

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—Acha que vou te deixar? Faço questão de acompanhar tudo até o término da gravidez. E se possível farei o parto.

Dolores, comovida com Pedro, olhou em seus olhos e lhe disse:

—Obrigado por tudo que tem feito por mim. —Eu que agradeço por me deixar ficar ao seu

lado. —É um bom amigo. —Sempre estarei ao seu lado. —Porque não é você o pai do meu filho? Porque

não me apaixonei por você? —Não faça perguntas, pois não terá respostas. –

diz Pedro triste. —Tem razão. Deus há de me ajudar a passar por

tudo isso. —Eu creio nisso, minha querida. Pedro beijou sua testa com carinho e respeito

apesar de amá-la. Dolores sorrindo falou. —É meu anjo da guarda, meu amigo. —Quem sabe um dia seu amor? —Quem sabe... Ficou tudo acertado. Assim que tivessem

resposta do convento, partiriam sem demora. Passaram algumas semanas e chega a resposta de sua tia, que era positiva. Pedro, feliz, começou os preparativos para a viagem, pois queria que Dolores tivesse o melhor conforto possível na viagem. Dolores se despediu dos pais de Pedro e agradeceu a acolhida e tudo o que fizeram por ela e ao seu povo. Partiram três dias depois da chegada da carta. Foi uma viagem longa e cansativa, mas tranquila. Chegaram bem a Barcelona, apesar do cansaço. Dolores foi muito bem recebida pela tia de Pedro e pelas outras irmãs. Pedro agradeceu à

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tia pela ajuda. Ela somente o beijou na testa dizendo que estava feliz por poder ajudar.

Os meses se passaram. Dolores e Pedro não passaram da amizade. Ele sempre que podia ia ao convento para vê-la. Levava mantimentos e ajuda financeira para as freiras para que nada faltasse a Dolores e também ajudava na obra social do convento. Pedro, apesar do amor que sentia, respeitava a opção de Dolores por manter como simples amigo. No último mês de gravidez, Pedro não saiu de perto dela, pois queria estar por perto quando Dolores entrasse em trabalho de parto. Um dia antes do nascimento da criança, Dolores começou a entrar em trabalho de parto. Passou o dia sentindo dores. Pedro e as freiras deram toda atenção possível.

Madre Maria Rosa não a deixou um minuto. Foi um dia de muito sofrimento para a menina Dolores. Escureceu e nada da criança nascer. Pedro já estava ficando preocupado e viu que ia ser um parto bem difícil. Então na madrugada do dia 13 de Agosto de 1783, numa sexta-feira, nasceu uma bela menina. Todas as freiras do convento cantavam alegres o nascimento de mais um anjo do senhor na Terra. Dolores, apesar de fraca e cansada, chorava feliz em ver sua filha bela e perfeita. A menina ficou aos cuidados da tia de Pedro enquanto ele cuidava de Dolores, que tinha perdido muito sangue. Após tomar um bom caldo de galinha, adormeceu enfraquecida. Nesta mesma madrugada do nascimento de sua filha, Dolores teve um sonho com sua mãe, que lhe trouxe conforto. Em seu sonho ela se via em um pátio que tinha um belo jardim e um chafariz no meio dele. Este chafariz chamou sua atenção, pois sua água tinha várias cores e ela notou que sempre que chegava

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alguém perto a cor da água mudava. Resolveu ir até o chafariz para ver a cor que a água iria ter quando chegasse perto. Quando chegou perto, notou que a água, que estava em tom de um azul claro, tinha ficado vermelho sangue. Ela, espantada com a mudança súbita da cor, ficou confusa e se perguntou. ―O que está acontecendo aqui? Onde estou afinal?‖

Foi quando de repente surgiu sua mãe, pondo as mãos em seus ombros por trás dela e falou:

—Minha filha, que bom que veio, estava com saudades.

Dolores ao ouvir a voz da mãe, virou em sua direção e com os olhos marejados de lágrimas diz ao abraça-la:

—Que bom, minha mãe, vê-la de novo. As duas ficaram abraçadas chorando. Uma brisa

gostosa batendo em seus cabelos, um aroma de violeta impregnou o local. As flores pareciam sorrir, os pássaros cantavam tentando acompanhar a bela música que ecoava no ar e um som suave trazia paz ao coração.

—Querida, venha sente-se aqui. —Onde estou? –perguntou Dolores. —Este local é um hospital espiritual. Está vendo

os prédios em volta? —Sim, são estranhas essas casas. —É, realmente, mas no futuro a construção na

terra será assim. —Mas é muito esquisito. —Na terra será tudo diferente daqui a alguns

séculos, com o progresso da humanidade. —Progresso? O que é isso? —Falaremos sobre isso em outra ocasião.

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Dolores tomando consciência que estava tendo um encontro com sua mãe em seu sonho disse.

_Mãe, meu bebê nasceu. É uma menina é tão linda.

—Eu sei, querida, e estou feliz por isso. E esse foi um dos motivos que te trouxeram até aqui, pois preciso te falar algo.

—Sim, lembro-me de ter dormido e agora estou aqui.

—Querida, logo estarás neste plano, precisa estar preparada.

— E minha filha? —Não se preocupe, ela seguirá seu caminho e

terá ajuda. —Mas, mãe, como aceitar isso? Preciso ficar ao

lado de minha filha. Dolores falou isso num tom de tristeza e ao

mesmo tempo revoltada com que a mãe estava falando. —Filha, escute! Ela não vai ficar só, terá o apoio

de Pedro e de outras pessoas pela vida afora. —Não pode ser minha mãe... —Minha filha, tudo tem um por que, um dia você

vai saber a razão. —Eu não consigo compreender tanto sofrimento,

tanta tristeza, e acabar assim. —Compreendo sua indignação, mas Deus sabe

o que faz e você mais tarde vai compreender e aceitar. —Espero que tenha razão. —O destino dela já está traçado. Sua missão

acaba com seu nascimento, pelo menos no lado físico. —O que quer dizer com isso? —Quando você estiver preparada, poderá estar

ao lado dela mesmo deste plano, isto é, se ela tiver merecimento.

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—Então quer dizer que vou poder ampará-la mesmo estando morta?

—De certa forma sim. Estou aqui, não estou? Com o tempo vai ficar sabendo como vai ser isso.

—Sim. Sei que estou dormindo. —No seu estado de fraqueza não seria prudente

aparecer para você acordada. Preferi em forma de sonho.

—Entendo, então poderei ajudá-la? —Se houve merecimento de ambas as partes. —Quer dizer que nem sempre vou poder intervir? —Tudo vai depender das escolhas que ela fizer.

Você não vai poder interferir em suas escolhas. Vai poder aconselhar, mas ela decide.

—Todos os espíritos têm permissão de aconselhar seus familiares?

—Não, nem sempre. Quando estiver neste plano vai entender melhor.

—Mãe, quando farei a viagem? —Logo, minha filha. Logo. Mercedes disse para filha que precisava voltar,

pois já estava quase na hora de acordar e ela precisava ter uma última conversa com Pedro antes de partir para o plano espiritual. E disse que, quando chegasse a hora, ela estaria esperando por Dolores neste mesmo jardim.

Dolores, um tanto triste, respondeu que sim, logo estariam juntas de novo. Mas antes de voltar para seu corpo físico, Dolores fez uma pergunta à mãe.

—Mãe, porque quando eu cheguei perto do chafariz à água ficou vermelha?

—É por causa de seu sofrimento. Mas não se preocupe com isso. Quando vier de vez para cá, com

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certeza ela não terá esta cor. Vá minha filha, que já está na hora.

—Até breve!. Dolores deu um forte abraço na mãe e logo seu

espírito voltou para seu corpo adormecido. Ao chegar, se viu deitada na cama em sono profundo. Antes de voltar para seu corpo, resolveu ir ver a filha. Chegou ao local e faz um carinho em seu rosto. A menina sentiu o carinho da mãe e deu um sorriso, dormindo. Dolores chorou. Depois foi até Pedro e o beijou, dizendo que um dia ele ainda seria muito feliz e que nunca se esquecerá dele. Logo em seguida ela voltou para seu corpo, pois logo o dia ia nascer e a vida no convento começava muito cedo. Já tinham freiras acordando. Ao voltar para seu quarto, passou por uma delas que sentiu arrepios com a presença do espírito de Dolores passando por ela.

Na manhã seguinte, Pedro foi até Dolores para ver como ela estava. Apesar da aparência de morbidez, ela estava com o rosto tranquilo. Seu olhar passava uma paz muito grande, mas antes passou para ver a criança que dormia como um anjo. Pedro, enquanto Dolores, dormia ficou pensando.

―Tão nova e já sofrendo tanto. O que poderei fazer por ti? É uma pena que não me queiras, poderia amenizar seu sofrimento.‖

Dolores, ao acordar, olha para ele e comentou. —Uma moeda de ouro pelos seus pensamentos. Pedro abriu um sorriso e respondeu. —Quer comprar meus pensamentos com uma

moeda? Pensei que meus pensamentos valessem mais.

Os dois começam a rir descontraidamente um do outro. Dolores logo quis saber o que tanto

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preocupava Pedro. Ele respondeu que não sabia definir, pensava em várias coisas ao mesmo tempo. Ela insistiu para que ele falasse.

—Na verdade, me preocupo com seu futuro e o da menina. Aliás, já tem nome?

—Sim, vai se chamar Consuelo. —É um belo nome. —Pedro, gostaria que fosse o padrinho. O que

acha? —Fico muito honrado com o convite. Aceito sim. —Não poderia ser outra pessoa. Você é a única

pessoa em que eu confio em deixar minha filha. —O que quer dizer com isso? - Pergunta

preocupado. —Tive um sonho, onde tive um aviso que logo

partirei. —Não estou entendendo. —Logo estarei com minha mãe no mundo

espiritual. E gostaria que cuidasse da menina como se fosse sua filha.

—Pare de besteiras. É jovem e terá saúde para ver sua filha crescer.

—Não, meu amigo, meu tempo na terra está se esgotando.

—Sonhos são apenas sonhos, como pode ter tanta certeza disso?

—Vou te contar como foi o sonho. Dolores começou a narrar o sonho para Pedro,

que escutava tudo sem falar uma palavra e sem acreditar no que estava ouvindo. Quando ela terminou de contar, ele, abismado com acabara de ouvir, disse:

—Estou pasmo com este sonho. Parecia tão real. —E foi real.

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_Não acredito nestas crendices. Com certeza você só está impressionada como os acontecimentos que sofreste.

—Gostaria que fosse realmente isso. —Querida, verá que não passou de um simples

sonho, nada mais. —Que suas palavras sejam de um anjo. —Fique bem quietinha. Logo vai chegar sua

primeira alimentação do dia, depois trarei sua filha. —Como ela está? —Está ótima, volto logo! Dolores, apesar do abatimento, conseguiu

comer um pouco e teve uma manhã tranquila. Pedro levou a menina Consuelo para ela ver. A menina ficou com ela o resto do dia, mas sempre tinha uma freira para lhe dar apoio no que precisasse. Consuelo parecia uma boneca de porcelana, com os cabelinhos negros como o da mãe e belos olhos verdes. A menina dormia sorrindo no colo da mãe protetora. Este dia foi maravilhoso para Dolores. Ela por nenhum segundo lamentou sua sorte e, sim, agradecia a Deus pelo anjo que ela pôs no mundo. Mas, infelizmente, Dolores não conseguia reagir. Estava sem ânimo e com uma forte infecção que lhe causava febres altíssimas e que a deixava com delírios. Pedro e as irmãs já não sabiam o que fazer para acabar com a febre. Foram alguns dias de sofrimento até que Dolores começou a se desligar de seu corpo físico, mas antes ela se despediu de Pedro, dizendo:

—O carinho que tenho por você é verdadeiro e não desaparecerá nunca. Ame minha filha como se fosse sua. Proteja-a como tentou fazer comigo várias vezes e obrigada por tudo e pelo seu amor, meu amigo.

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Ao terminar de falar,Dolores beijou as mãos de Pedro, deu-lhe um sorriso e fecha os seus belos olhos, entrando num sono eterno. Assim, às 13 horas e 30 minutos do dia 19 de agosto de 1783, a bela menina que sonhou um dia viver entre os nobres se despedia da vida. Pedro tudo tentou para salvar sua vida, mas não teve recursos para isso. Pedro chorou muito sua perda e prometeu, em seu leito de morte, mesmo sabendo que Dolores não tinha mais vida, em voz alta e embarcada de emoção:

—Farei tudo por Consuelo, tudo que não pude fazer por ti, minha amada.

Com ajuda de sua tia, Pedro a sepultou no solo sagrado do convento. Após a morte de Dolores, Pedro resolveu voltar para casa e para seu trabalho. Ele resolveu deixar a menina Consuelo com sua tia para que ela fosse criada no convento. Prometeu estar sempre por perto e ajudaria nas despesas de sua afilhada e continuaria ajudando nas obras de caridade.

Após a morte de Dolores, a vida não foi mais a mesma para nosso amigo Pedro. Ele voltou à sua rotina de vida. Ao chegar a casa, deu a notícia aos seus pais, que tristes ficaram. Dona Maria ficou aliviada em saber que a criança estava bem e que sua irmã iria criar Consuelo. E pediu a seu filho que, assim que pudesse, a levasse até o convento para ver a menina. Assim também mataria as saudades de sua irmã. Claro que Pedro concordou e avisaria quando fosse lá de novo. Pretendia ir sempre que houvesse oportunidade, pois não queria ficar muito longe da menina. Para Pedro, era muito importante a menina crescer com sua presença, mesmo não sendo o verdadeiro pai dela. Mas em seu coração era como se fosse, a amava como filha de seu próprio sangue. Faria tudo pela menina, tudo o que não

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conseguiu fazer por Dolores. Daria todo amor de pai para ela e nada deixaria faltar àquela doce criança. Iria tentar suprir a falta de Dolores dando muito amor e carinho.

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Capitulo 7 Dolores, ao chegar ao plano espiritual, foi

recebida por sua mãe no mesmo local do encontro que teve com ela em seu sonho, dias antes de sua passagem.

Sua mãe sorrindo foi ao seu encontro, deu um forte abraço e disse:

—Seja bem-vinda. Estava à sua espera. Dolores, feliz com acolhida, respondeu: —Mãe estou feliz em revê-la, mas estou com

meu coração apertado por ter deixado Pedro e minha filha.

—Não fique assim, logo vai passar. Vai aprender a se desligar dos que ficaram.

—A senhora já conseguiu? —Não, minha querida. Isso só acontece com o

tempo. —Entendo! – respondeu Dolores, pensativa. —Venha ver uma coisa. —O que é? —Olha para o chafariz. O que vê? —É o mesmo do sonho. A cor da água era

vermelha. —Sim, era vermelha por causa do sofrimento e

tristeza que passou. E agora veja a cor. —Um belo azul da cor do céu. Por quê? —Porque seu sofrimento acabou e já não está

mais no corpo físico. A verdadeira cor da sua aura é esta.

—Eu pensei que espírito não tinha cor. —E não tem, mas esta é a sua cor de sintonia

com o cosmo.

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—Engraçado, estou me lembrando de que eu adorava me vestir em tons de azul. Lembra-se disso?

—Como não? Afinal era eu quem fazia a sua vestimenta terrestre.

—Poderei me vestir como sempre me vestiu, com esta cor?

—Com o tempo não se preocupará mais com essas vaidades, mas se quiser pode plasmar as roupas que quiser usar.

—Plasmar! O que é isso? —Venha, tem que descansar. Passou por dias

difíceis e precisa se recuperar. —Estou bem. A senhora não respondeu minha

pergunta e onde está tio Ramiro e meu pai que não vieram me receber?

—Dolores, tenha paciência. Seu pai e seu tio estão bem. Assim que se recuperar tudo será esclarecido e poderá fazer as perguntas que quiser.

—Para onde vamos? —Logo verá. – respondeu Mercedes, sorrindo

com a impaciência da filha. Dolores e sua mãe atravessaram a praça do

chafariz e entraram em um prédio todo branco com janelas envidraçadas, que de fora nada se via o que acontecia dentro. A menina ficou espantada com o movimento dentro do prédio. Tinham várias salas e enfermarias. Por dentro era tudo muito branco, das paredes aos móveis, mas sempre tinha uma cor, seja num belo vaso de plantas ou um quadro na parede. Era tudo muito simples, mas harmonioso e delicado. Elas atravessaram várias alas do prédio e sempre encontravam alguém que lhes dizia com um sorriso no rosto: ―Seja bem-vinda‖. Dolores se sentiu em casa. Feliz, seguiu sua mãe e por alguns momentos

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esqueceu sua triste vida na Terra. Ao chegarem a uma ala, foi recebida por Lúcia, a responsável pelo setor. Lúcia, sorrindo ao vê-las, foi logo ao encontro delas.

—Seja bem-vinda, meu nome é Lúcia. —Obrigada, o meu é Dolores. Mercedes abraçou Lúcia e foi logo dizendo: —Ela é toda sua. Faça com que ela descanse,

pois seu desligamento não foi nada fácil. —Não se preocupe, vou cuidar bem desta linda

menina. Logo estará bem. Mercedes se despediu da filha, dizendo que logo

se encontraria com ela de novo. Dolores, sem nada entender, se despediu da mãe. Ao vê-la saindo pela porta, perguntou para Lúcia:

—O que farei agora? —Vai dormir um bom sono para que possamos

restaurar seu corpo espiritual. —Mas eu me sinto bem. —Eu sei querida. Mas é só para se fortalecer.

Vamos, deite aqui, feche seus olhos e eleve seu pensamento a Deus. Vou lhe aplicar um passe magnético.

—O que é isso? —Assim que acordar e tiver melhor, irá para um

grupo de estudo e vai aprender tudo que precisa saber, ou, melhor dizendo, você vai lembrar como é viver sem o corpo físico.

—Tudo bem, que assim seja. Dolores, ao se deitar, fechou seus olhos e

elevou o seu pensamento ao criador. Lúcia aplicou-lhe um passe que a deixou bem relaxada e logo entrou em sono profundo. Assim que Dolores adormeceu, Lúcia e outros espíritos amigos começaram o tratamento em Dolores. Tratamento este que iria restituir seu corpo

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espiritual. Durante o tratamento, Dolores, sempre que acordava, perguntava por sua filha com muita preocupação, pois queria ir vê-la de qualquer maneira.

Lúcia, vendo que Dolores não conseguia se desligar de seus laços que deixou na Terra, achou melhor mantê-la dormindo por mais tempo, pois assim teria mais tempo para que o tratamento fizesse o efeito desejado, para se recuperar dos traumas que sofreu e aceitar a separação momentânea dela e da filha. Aparentemente aceitou bem a separação, mas no fundo ela sofria porque sabia que sua filha tinha ficado só num mundo tão cruel. Durante o tratamento, quando estava lúcida, por várias vezes tentava fugir para poder ver a filha. Mas ela nunca conseguiu, pois Lúcia estava atenta. Foram seis meses de tratamento, seis meses que Dolores levou para se recuperar totalmente e se conscientizar que nada poderia fazer pela filha naquele momento, somente se for permitido e quando ela estiver preparada para isso. Enquanto Dolores, no plano espiritual, se recuperava com ajuda de sua mãe e de Lúcia, no plano terrestre as coisas não iam muito bem para Pedro.

Pedro tentava driblar sua dor. Só pensava no trabalho e não saía mais com os amigos como fazia antes. Somente saía de casa para ir ao trabalho e para ir até ao convento ver sua afilhada Consuelo. Trabalhava a semana inteira, dia e noite se precisasse, mas sempre que podia partia para o convento. Ia tranquilo, pois sabia que seus colegas de trabalho poderiam se virar bem sem ele. Quando não podia ir ao convento por algum imprevisto no hospital, ele mandava um portador de confiança levar mantimentos, remédios e algo mais que ele sabia que o convento precisasse,

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pois, além de Consuelo, tinham mais vinte crianças sobre os cuidados de sua tia.

Para as freiras, era uma grande ajuda que Pedro dava como médico e ser humano. Ele não pensava só em Consuelo, mas também naquelas pobres crianças que lá estavam e que não tinham ninguém para cuidar delas a não ser as freiras. O pai de Pedro passou há contribuir todo mês com uma boa quantia para ajudar mais o convento. Ele e sua esposa Dona Maria, sempre que podiam, iam até o convento ver Consuelo e acabaram se apegando às outras crianças também. Eles sempre comentavam que agora tinham Consuelo e mais vinte crianças como netas. Poucos fidalgos da época se doavam desta forma. Essas crianças eram ignoradas pelos nobres da época. E o pior era que algumas daquelas crianças eram filhos de homens ricos e senhoritas de boa família.

A vida na cidade corria normalmente e as pessoas já não comentavam mais sobre o ocorrido entre o cigano Ramiro e a família de Juan. Tudo foi esquecido, parecendo até que nada tinha acontecido. Juan, por causa da morte de seu irmão, teve que adiar a festa de seu casamento, pois não ficaria bem fazer uma grande festa, como queriam os pais da noiva, passado apenas um mês da tragédia. Juan se casou em uma cerimônia sem muito luxo e fizeram uma recepção para poucos, sem o glamour que a noiva desejava. Após o casamento, Juan e sua esposa partiram para uma longa viagem de núpcias. Quando voltassem, iriam decidir se ficariam com seus pais ou partiriam para Inglaterra construir suas próprias vidas. Pedro e sua família não foram ao casamento. Carlos e Luiz ainda tentaram convencer Pedro para que ele fosse ao casamento, dizendo que uma amizade de

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criança não poderia acabar daquela forma. Mas Pedro, convicto de sua decisão, afirmou para eles que Juan já tinha perdido sua amizade e respeito, pois não aceitava sua forma de ver a vida e as pessoas. Carlos e Luiz respeitaram a decisão do amigo, dizendo que para eles nada vai mudar, e que, quando ele precisasse, eles estariam a postos para ajudar. Pedro ficou feliz em saber que não perdeu a amizade dos dois rapazes por causa da confusão com Juan. Nunca mais Pedro foi o mesmo. Sua vida ficou sem brilho, só vivia para o trabalho. Aquele rapaz alegre e cheio de planos para o futuro já não existia mais. Com a morte de Dolores, ele perdeu a vontade de viver. Se não fossem seus pais, seus pacientes e sua afilhada Consuelo, certamente já tinha cometido uma loucura qualquer.

A saudade era grande. Muitas noites em claro sem dormir e mal tocava na comida. Muitas vezes ficava só, sentado no caramanchão no jardim, de olhos fechados e com o pensamento longe. Seus pais, preocupados com a saúde dele, tentavam de todas as formas ajudar, mas nada adiantava. Ele se esquivava sempre que podia. Só viam seus olhos brilharem quando estava em companhia da menina Consuelo. Era como se naquele momento sua vida voltasse a ter cor. Muitas vezes sua mãe o pegou chorando pelos cantos como uma criança. Numa dessas vezes ela tentou ajudá-lo, dizendo:

—Meu filho, não fique assim. Não sabe como sofro em ver você desta forma.

—Se a senhora soubesse como dói. —Eu sei quanto você a amava, mas pense em ti.

Está definhando a olhos vistos. Creio que ela não está feliz em vê-lo desta forma. Não se esqueça de Consuelo, que agora só depende de ti para ampará-la.

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—Consuelo é uma bela menina. —Então pense nela. Eu e seu pai estamos

velhos, logo não estaremos mais aqui para ajudar. Tu és jovem e forte, um médico respeitado e de futuro, e ainda lhe deixaremos uma bela fortuna. Poderá dar uma vida digna e decente para ela.

—A senhora está certa, não posso deixar que Consuelo tenha a mesma sorte de sua mãe.

—Isso, meu filho. Levante a cabeça e siga em frente. Essa dor um dia vai passar.

—A senhora acredita em vida após a morte? Dona Maria surpresa com a pergunta. —Porque me perguntas isso? —Dolores e seu povo acreditavam. Várias vezes

conversamos sobre este assunto. —Não sei o que lhe falar sobre isso, sabe que

sou católica. Aliás, este assunto e condenado pela igreja.

—Eu sei disso, muitas pessoas perderam a vida por ter ideias diferentes da igreja.

—Na verdade, apesar de ser católica não aceito certas coisas que a igreja impõe, mas quem sou para mudar as coisas?

—Certa vez Dolores comentou que um dia o ser humano iria ter outra visão da vida.

—Vejo que sua convivência com ela lhe deu novos pensamentos. Vou lhe pedir uma coisa.

—Sim, fala. O que é? —Não comente estes assuntos com outras

pessoas, poderá se prejudicar. Sabe bem o que acontece.

—Não precisa se preocupar com isso. Acho que vou descansar um pouco, amanhã vai ser um dia longo.

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—Isso, meu filho, vai descansar, mas coma alguma coisa antes de dormir. Não tem se alimentado direito.

—Vou ficar bem. Vai se deitar a senhora também. Boa noite!

—Boa noite, meu filho. Pedro deu um beijo na testa de sua mãe e

entrou na casa. Sua mãe ali ficou por algum tempo olhando para o céu estrelado. Em oração, pediu aos anjos que iluminassem a vida de seu filho e que ele encontrasse motivação para continuar vivendo, que voltasse a ser aquele rapaz de antes, que tivesse forças para a superar a dor que estava sentindo. Enquanto a mãe de Pedro fazia sua prece, seres espirituais a envolviam com uma forte luz branca. Essa energia que ela recebeu deu forças e a deixou mais confiante no futuro. Pedro, antes de ir para seu quarto, foi até a cozinha e tomou um copo de leite e comeu um pedaço de bolo. Logo em seguida foi para seu quarto, jogou-se em sua cama e pegou logo no sono. Pedro recebeu também um passe espiritual de seu mentor enquanto sua mãe fazia uma prece ao criador.

Pedro acordou bem disposto no dia seguinte. Ainda estava abatido, mas com disposição para seguir em frente e cumprir sua promessa. Todos da casa ficaram felizes com atitude do rapaz. Há muito tempo não se tomava um café da manhã tão alegre naquela casa. Um ano se passou e Pedro continuava com sua vida de sempre, entre seus pacientes e as visitas ao convento. Juan e sua esposa resolveram morar na cidade mesmo, pois teria que assumir os negócios da família e fazer companhia à sua mãe, pois seu pai adoeceu seriamente depois da morte de Francisco e não suportou por muito tempo. Logo viriam os netos

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para alegrar a casa e amenizar a tristeza da velha senhora. Juan em nem um momento demonstrava remorso pelo que aconteceu, nunca procurou saber do paradeiro de Dolores e da criança. Para ele, ela tinha partido junto com seu povo após a execução de Ramiro. Ele não se importou com o destino que Dolores tomou após os acontecimentos.

Mesmo casado, ele não deixou a vida desregrada que tinha antes. Continuava o mesmo boa-vida. Agora sem seu pai para lhe colocar os freios, ele fazia o que queria. A pobre mãe sofria com o comportamento e atitudes de seu filho. Juan continuava frio, calculista e sem coração. Sua esposa tudo fazia para que ele a enxergasse. Era uma mulher culta de rara beleza, seus olhos cor de mel e seu doce sorriso encantavam a qualquer pessoa. Tinha um coração do tamanho do mundo, uma mulher que cresceu em uma bela família, mas infelizmente se apaixonou pela pessoa errada. Logo que se casou, começou a perceber o quanto se enganara com Juan. Ele, enquanto lhe fazia a corte, era uma pessoa bem diferente. Tratava-a com cortesia e carinho. Toda vez que ia ao seu encontro levava flores do campo e um mimo para presenteá-la. Tinha sempre palavras bonitas e apaixonadas que a deixavam encantada, e era galante e a respeitava. Apesar dos avisos que recebia das pessoas que conhecia seu modo de vida, de Juan, ela nunca deu ouvidos, achando que era fofoca maldosa das pessoas. Quando a história de Dolores chegou aos seus ouvidos, ficou sem chão e não sabia o que pensar.

Chegou a perguntar a si mesma se não eram verdadeiras as histórias que as pessoas comentavam. Até que resolveu tirar satisfação com Juan que na

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época do acontecido era seu noivo. Após o funeral de Francisco, ela esperou que ele fosse até sua casa, assim aproveitaria para tocar no assunto e foi o que aconteceu. Como o casamento foi adiado para o mês seguinte, ele foi vê-la no final de semana como era de costume. Ao chegar foi bem recebido. Ela já esperava, ansiosa para falar com ele. Ele chegou, beijou carinhosamente sua mão e lhe disse:

—Querida, que bom ter você por perto, não sabe como estou sofrendo.

—Realmente a perda de seu irmão foi um choque para todos nós. Ele não merecia este triste fim.

—Meu irmão era um santo. Só fazia o bem e olha o que recebeu em troca.

—Não fale assim. Com certeza aquele pobre homem teve seus motivos.

—Pobre homem! Como pode defendê-lo desta maneira?

—Não estou defendendo, mas ninguém comete um crime desses sem ter uma razão.

—O que quer me dizer com isso? —Chegou uma história aos meus ouvidos que

me deixou muito desapontada. —Que história? —Sobre uma moça cigana que foi enganada e

abandonada grávida à própria sorte. —O que tem o assassinato de meu irmão com

isso? —Eu é que lhe pergunto. Porque será que o tio

desta moça tirou a vida de seu irmão? O que tem haver seu irmão com esta moça? Pelo que sei ele era um celibatário, vivia para sua fé. O que me diz?

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—Eu não sei o que meu irmão fez de tão grave. Só sei que este homem é louco e merece a pena capital.

—Algo me diz que não era Francisco que ele queria, mas a ti.

Juan tentou disfarçar o nervoso que sentiu na hora. Com um sorriso meio apagado, pronunciou com um tom de voz doce. Ele sempre usava essa tática, sabia que poderia convencê-la e foi o que fez. Ela, apesar de suas desconfianças, mais uma vez caiu em suas palavras doces e carinhosas.

—Minha querida, como pode acreditar nestas coisas? Estou mortificado com suas suspeitas. É humilhante que tenha estes pensamentos sobre minha pessoa. Acho que devo me retirar.

—Não se vá. Esqueçamos este assunto, nada vai mudar. Que Deus tenha piedade deste homem, não darei mais ouvido a maledicências deste povo. Acredito em ti, sei que seria incapaz de tal coisa.

Juan, sentindo-se vitorioso, lhe deu um abraço. Naquela época Juan tinha conseguido contornar a situação, mas agora, como esposa dele, ela começou a perceber quem era seu marido de verdade. Ele a tratava como se ela fosse uma estranha. Muitas noites passou chorando enquanto ele farreava com as raparigas da noite. Chegava quase todas as madrugadas alcoolizado e com um forte perfume de mulher. Isso a deixava triste e magoada e no dia seguinte tentava disfarçar sua tristeza para que sua sogra não percebesse a sua infelicidade.

Mas não conseguia enganar a velha senhora, ela sabia e via o sofrimento de sua nora. Por várias vezes chamou atenção de Juan para que ele tratasse sua esposa melhor, afinal ele não foi criado vendo seu

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pai a tratando mal. Pelo contrário, Dom Francisco sempre a tratou com muito respeito e carinho, foi um exemplo de pai e esposo. Por isso ela não admitia que Juan tratasse sua esposa com desprezo. Não foi esta criação e ensinamento que seu pai passou.

A mãe de Juan tentava com palavras de carinho acalmar o coração de sua nora, para que ela tivesse paciência, pois quem sabe com o tempo ele acordaria para sua nova realidade de vida. Mas infelizmente os dias passavam e ele não mudava seu modo de viver a vida. Por várias vezes, Pedro, quando saía de seu trabalho, passava em frente a taberna onde seus amigos sempre estavam. Era forçado a parar e cumprimentar, apesar de não mais frequentar o local como antes. E lá estava Juan totalmente alcoolizado e com várias mulheres à sua volta, sem se importar com os comentários que circulavam na cidade. Pedro olhava aquela cena com um misto de raiva e pena ao mesmo tempo. Lembrava-se de Dolores e sentia pena da esposa de Juan, pois agora era ela a sofrer. Pedro não conseguia ficar muito tempo no local. Ele tinha vontade de surrar Juan pelos sofrimentos que ele causava às pessoas à sua volta. Então preferia seguir seu caminho a ficar vendo aquela cena deplorável. Juan, divertindo-se, aniquilava toda a fortuna que seu pai deixou com bebidas e mulheres, enquanto sua esposa e sua mãe passavam sozinhas naquela casa triste e fria. Em certa tarde, Louise, a esposa de Juan, resolveu procurar Pedro para uma consulta, pois não entendia porque não engravidava. Ao chegar ao consultório pediu para ser anunciada. Ele, surpreso com a visita, pediu para ela entrar. Com a simpatia de sempre disse.

—Que bom, faz tempo que não vem ao meu consultório.

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—Sim, acho que estive aqui bem antes de morar fora.

—Agora me lembro. Você e seus pais foram morar na França.

—Sim. E estão lá até hoje. —Por favor, sente-se. Em que posso ajudá-la? —Pedro, primeiro quero lhe pedir uma coisa. —Fale. O que é? —Gostaria que ninguém soubesse de minha

vinda aqui. —Mas por quê? —Sabe que não é de bom tom que uma moça

casada saia sozinha e também pelas razões que vim. —Não precisa se expor desta maneira. Era só ter

mandado me chamar, que iria imediatamente. —Sei bem disso, mas sei que tu e Juan não são

tão amigos como antes e ele com certeza não aceitaria sua presença.

—Realmente seria embaraçosa para ambos, depois de tudo que aconteceu.

Louise ficou desconfiada com as palavras de Pedro, porque será que ele falou desta forma? O que aconteceu para uma amizade de anos se acabar? Intrigada perguntou.

—Pedro, antes de entrar no assunto que me trouxe aqui, o que aconteceu entre vocês dois? Lembro eram como irmãos.

Pedro a olhou com espanto, pois não esperava aquele tipo de pergunta. Tentando mudar de assunto, foi logo dizendo.

—Isso são águas passadas. Mas no que posso te ajudar afinal?

Louise sentiu que Pedro não queria falar no assunto. Achou estranha a atitude, mas não quis forçar

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a barra para que ele falasse algo. Apesar de sua imensa curiosidade, resolveu voltar ao assunto que a levou ao consultório.

— Pedro, só a ti posso confiar o que está me causando aflição.

—O que tanto de aflige? —Como sabe, estou casada há mais de um ano. —Sim, claro. —Pois bem, eu não consigo engravidar. Será

que tem algo errado comigo? —Não acredito! Você é jovem e tem boa saúde. —Não sei, acho que sou oca por dentro. —Não fale bobagens. Perdoa-me a pergunta

indiscreta, mas preciso saber. —Sim, o que deseja saber? —Como está seu casamento com Juan? Louise ficou ruborizada com a pergunta de

Pedro, mas mesmo sem graça respondeu. —Juan tem trabalhado muito. Depois do

falecimento de meu estimado sogro, não tem sobrado muito tempo para nós dois.

Pedro ficou pasmo com a resposta, pois sabia muito bem que não era bem aquilo. Sabia dos desmandos de Juan e quanto ele a desprezava. Naquele momento sentiu pena de Louise que estava ali na sua frente, desejando ter um filho com um irresponsável.

—Louise, farei alguns exames, mas tenho certeza que você é capaz de ter um filho.

—Gostaria de ser otimista como você. —Se não ficar pensando o tempo todo nisso,

tenho certeza que logo ficara grávida. —Minha sogra fala a mesma coisa. Ela acha que

é coisa de minha cabeça.

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—Eu também acho, já tive algumas pacientes com o mesmo problema.

— É mesmo! Então tem casos como o meu? — Sim. Elas achavam que não eram capazes de

ter um filho, se sentiam culpadas, como se elas fossem as únicas responsáveis em gerar uma criança.

—Não estou te entendendo. —Veja bem, às vezes pode estar acontecendo

algo que esteja te afetando psicologicamente. —Quer dizer que eu estou bloqueando a chance

de ter um filho! —Às vezes passamos por coisas em nossas

vidas que nos deixa bloqueados, achando que não somos capazes de fazer nada ou ter algo.

Louise começou a chorar na frente de Pedro como se fosse uma menina desamparada. Em soluços narrou para ele sua vida com Juan, o quanto ela sofria com seu desprezo e como era infeliz em seu casamento e da mudança de Juan depois que se casaram. Para Pedro, nada daquilo que estava escutando era novidade, pois sempre soube que Juan se casou por conveniência. Sentindo pena da moça, olhou para ela e falou.

—Não precisa continuar, sempre soube o quanto sofre com este casamento. Se achares que um filho vai mudar o comportamento de Juan está muito enganada.

—Porque fala assim? Todo homem gostaria de ser pai, ter um sucessor, de perpetuar seu nome.

—Tem razão, mas não é o caso de Juan. —Realmente não entendo. —Vou fazer todos os exames e verá que você

está bem de saúde. Só acho que deve fazer algo para se entender com Juan, pois ter um filho agora não seria prudente.

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—Tem razão, primeiro tenho que tentar conquistar o amor de meu marido, depois quem sabe poderemos ter um filho.

—Louise, para gerar uma criança tem que ter amor e os dois tem que querer este filho.

—Obrigada por me ouvir e por suas palavras. —Ainda quer fazer os exames? —Não, você está com razão, vou para de pensar

nisso. Vou tentar primeiro fazer com que meu casamento seja de verdade.

—Desejo lhe boa sorte, estarei sempre aqui como médico e amigo.

Louise, mais calma, olhou para Pedro e, admirada com suas palavras amigáveis e com seu jeito gentil e meigo de falar, fez um comentário.

—Fico admirada como um homem como você ainda está solteiro. Qual donzela não gostaria de ser cortejada por ti? Porque ainda não se casou?

Pedro, um tanto sem graça com as palavras de Louise, respondeu.

—Já estou casado com a medicina. A moça sorriu e se despediu dizendo. —Até breve Pedro, mas acho que não sou a

única a sofrer por um amor. Logo após falar isso, se levantou sorrindo e

elegantemente saiu pela porta sem dar tempo de Pedro falar alguma coisa. Ele ficou sem reação e pensou. ―É, Louise, você está certa, não é a única a sofrer por um amor.‖

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Capitulo 8

Pedro, em suas infindáveis viagens por lugarejos distantes e pobres, fazendo sua boa ação como médico, teve a felicidade de reencontrar Lola em um casebre que foi visitar. Ao entrar na humilde casa, ficou surpreso com que viu. Encontrou Lola preparando um chá muito utilizado em seu povo para problemas respiratórios. Ao ver Pedro parado na soleira da porta, foi ao seu encontro com um largo sorriso e falou com entusiasmo:

—Meu amigo, há quanto tempo não nos vemos? —Lola, como vai? —Estou vivendo como Deus manda, tentando

cumprir minha missão. Tento ajudar estes pobres coitados da melhor forma possível. O que faz por estes lados?

—Eu sempre venho trazer meus préstimos a estas pessoas, mas vejo que elas estão sendo bem tratadas.

—Ah, Pedro, faço o que posso. Venha ver esta criança. O que acha?

—Está bem gripada. O que deu para ele? —Quando entrou estava preparando um chá de

ervas para soltar o catarro e alivia a tosse. É contra? —Sabe muito bem que não. Fará bem a ele. —Que bom. Que tal uma enfermeira? —É um caso a pensar. Lola sorriu. Pedro avaliou a criança, conversou

com a mãe do menino e deixou alimentos e alguns remédios. Falou para a mãe do garoto que poderia continuar a dar o chá, pois iria ajudar contra a gripe. A senhora agradecida lhe deu um abraço e um beijo na

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testa abençoando. Pedro e Lola saíram da casa e resolveram sentar em uma pequena praça para conversar.

—Lola, conhece esta família? —O tempo suficiente para saber que são

pessoas honestas, trabalhadoras, esquecidas pelo resto do mundo.

—Está certa. Uns tem tudo, outros nada tem. —Porque tanta desigualdade? Será que um dia

isso vai mudar? —Só Deus para responder esta pergunta. Os dois ficaram calados olhando o que tinha em

volta. Um lugarejo muito pobre sem condições básicas de se viver, mal tinham para comer e usavam roupas velhas e esfarrapadas. Eram pessoas que realmente não tinham a mínima condição de sobrevivência, consideradas a escória da sociedade e marginalizadas pela nobreza. Poucos faziam algo por essas pessoas, poucos lembravam que, seja rico ou pobre, somos todos iguais perante a Deus. Lola olhou dentro dos olhos de Pedro. Este olhar o deixou embaraçado e, sem jeito, perguntou.

—Porque me olhas assim? —Estou pensando como deve ser difícil criar uma

criança sozinho, com tantos afazeres. —Então sabe o que aconteceu? —A tribo de Ramiro foi ao nosso encontro e nos

contou tudo, o triste fim de Ramiro e de Mercedes. —Foi uma lamentável perda. Tudo por causa de

um insano que infelizmente ficou impune. —Ele não está impune, não para Deus. —Assim espero. Dolores sofreu muito por causa

dele. —Tem razão, mas agora ela está bem.

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Pedro achou estranhas as palavras de Lola, pois ninguém sabia da morte de Dolores e nem da existência da criança, a não ser seus pais e sua tia.

—Não estranhe minhas palavras. Sei que Dolores não está mais entre nós e que ela deixou uma bela menina.

—Mas como ficou sabendo? — Sonhei com Mercedes, avisando do desenlace de Dolores e do nascimento da criança. Só não te procurei por causa de meu esposo que não permitiu. Deve saber que Dolores foi amaldiçoada pelo nosso povo.

—Sim, eu sei. —Como está a menina? —Consuelo está bem, sendo muito bem tratada

pelas freiras. —Consuelo é um belo nome. —Foi escolha de Dolores antes de sua morte. —Conte-me como foi tudo, até seus últimos dias. —Seus últimos dias foram complicados. Vou te

contar. Pedro começou a narrar com muita dificuldade e

sofrimento os últimos noves meses de vida de Dolores. Dias após dia, e as alegrias e as tristezas. Lembrar aqueles momentos era como se ele estivesse vivendo tudo de novo. Após a narrativa, Pedro desatou a chorar compulsivamente sem conseguir controlar as lágrimas. Lola, com o coração apertado, abraçou Pedro tentando consolá-lo. Depois de uns minutos a cigana disse.

—Como está sofrendo, ainda ama muito Dolores?

—Amei e continuo amando. Jamais amarei outra mulher.

—Entendo. O que pretende fazer?

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—Estou pensando em sair da Espanha. Levarei comigo a menina.

—Mas e seu trabalho, família e esses pobres coitados que tanto ajuda? De que tem medo?

—Não quero ver Consuelo crescendo nesta cidade e muito menos trancada num convento.

—E qual é o problema? Ela vai ter uma boa educação e quando tiver idade suficiente para escolher, ela vai decidir o que é melhor para si.

—Já pensei em ir buscá-la e levar para minha casa, mas sabe como é este povo. Haveria comentários e logo Juan ficaria sabendo sobre ela.

—Ele não tem como descobrir. —Ele ficaria desconfiado quando soube que tem

uma criança em minha casa, se todos sabem que não tenho filhos. Meus pais acham arriscado, pois Juan jurou se Dolores não fosse embora com seu povo, mataria ela e criança.

—É um risco, mas já tem tanto tempo. —Há dois meses um amigo de meu pai

comentou que encontrou Juan em um evento social e saiu o assunto de Dolores.

—E qual foi o comentário? —Ele falou que nunca assumiria um filho de uma

cigana e se ela voltasse para a cidade com a criança, ele daria um jeito nas duas.

—Ele falou isso em público? —Não. Parece que só estava ele e esse senhor e

mais duas pessoas, que por sinal apoiaram o que ele falou.

—E o amigo de seu pai, o que achou? —Dom Pablo é um homem honrado e achou

aquelas palavras uma calamidade. Tanto que, ao

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contar a real história, ficou com remorso por ter participado e ter ateado fogo no pobre de seu Ramiro. — Ele participou da execução porque recriminou Juan?

—Ele não sabia da verdade, pois Juan e seu finado pai convenceram muita gente boa.

—Meu amigo, neste caso o melhor mesmo que ela cresça longe desta ameaça. Se quiser, falarei com meu marido. Vou tentar persuadi-lo para que receba a menina em nosso povo, assim ela nunca será descoberta.

—Obrigado, mas não quero lhe causa danos. Além disso, não posso ficar longe da menina. Tenho que cumprir minha promessa.

—Que assim seja! Caso precise de minha ajuda, pode contar comigo.

—Eu sei que sempre poderei contar com você, Lola. Obrigado!

Assim Lola e Pedro se despediram,

prometendo um ao outro que não se perderiam mais pelo mundo e ficariam sempre em contato, pois Lola gostaria de ter notícias da menina onde estivesse. Pedro realmente tinha medo que Juan soubesse de sua existência e também não queria que a menina ficasse sabendo da verdade. Queria esconder a triste história de sua família, por isso, assim que pudesse, partiria para bem longe. Só iria esperar que a menina crescesse mais um pouco para poder aguentar uma longa viagem. E com ajuda de seus pais tudo ficaria mais fácil. Pedro começa a planejar tudo para sua partida. Assim que pudesse iria embora da cidade com a menina.