VIDA: José Martiniano de Alencar nasceu em Mecejana, no ... · Projeto nacionalista : ... como...

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José de Alencar (1829-1877) VIDA: José Martiniano de Alencar nasceu em Mecejana, no Ceará. Filho de uma tradicional família, ainda criança, muda-se com os pais para o Corte, onde fez seus estudos, formando-se em Direito. Participou ativamente da política, foi eleito deputado pelo Ceará e exerceu, por algum tempo, o cargo de Ministro da Justiça. Procurou construir uma obra romanesca que abrangesse todo o Brasil.

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José de Alencar (1829-1877)

VIDA: José Martiniano de Alencar nasceu em Mecejana, no Ceará.

Filho de uma tradicional família, ainda criança, muda-se com os pais

para o Corte, onde fez seus estudos, formando-se em Direito.

Participou ativamente da política, foi eleito deputado pelo Ceará e

exerceu, por algum tempo, o cargo de Ministro da Justiça. Procurou

construir uma obra romanesca que abrangesse todo o Brasil.

Projeto nacionalista :

- Estrutura romântica;

- Estilo que tende ao poético;

- Revelar o Brasil histórico e geográfico;

- Tentativa de criar uma língua brasileira;

Romances históricos e indianistas Romances regionalistas Romances urbanos

DIVISÃO DA OBRA

O guarani (1857)

Tempo histórico: Final do séc. XVI e início do XVII;

Narrador em 3ª. pessoa – Onisciente;

Personagens: D. Antônio de Mariz,

Da. Laureana,

D. Diogo,

Cecília (Ceci)

Isabel - Mestiça (Filha de D. Antônio)

D. Álvaro

Peri

Família patriarcal

Lucíola (1862)

- Maria da Gloria - expulsa pela pai;

- Conhece Paulo que perdoa seu passado;

- Lúcia morre: redenção?

Senhora (1875)

- Aurélia Camargo: “Era rica e formosa”;

- Romance urbano: dividido em 4 partes - O preço

Quitação

Posse

Resgate

- Quem venceu? O Amor ou a Ordem Patriarcal?

Iracema Lenda do Ceará

Publicado em 1865;

O livro tem:

- Prólogo da 1ª. edição

- Argumento histórico

- 33 capítulos (curtos)

- Carta ao dr. Jaguaribe (“gênese da obra”)

Argumento histórico

Alencar parte de um argumento histórico para construir sua narrativa:

- Em 1603, Pero Coelho fundou um povoado chamado Nova Lisboa,

sendo este o primeiro estabelecimento colonial do Ceará;

- Abandonado pelos sócios, é socorrido por João Soromenho, que

devido as ações (escravizar índios) acaba por levar o povoado a ruína;

- Em 1608, por ordem de D. Diogo de Menezes, retoma-se o projeto

de colonização daquela capitania, levando a construção do presídio de

Nossa Senhora do Amparo em 1611;

- O responsável por isso foi Martin Soares Moreno, que tinha amizade

com Jacaúna - chefe dos índios - e seu irmão Poti (Antônio Filipe

Camarão).

“Em primeiro lugar, a tradição oral é uma fonte importante

da história, e às vezes a mais pura e verdadeira. Ora, na

província do Ceará, em Sobral, não só referiam-se entre

gente do povo notícias do Camarão, como existia uma velha

mulher que se dizia dele sobrinha. Essa tradição foi colhida

por diversos escritores, entre eles o conspícuo autor da

Corografia Brasílica.”

José de Alencar, in. Iracema.

Por que lenda?

Componente histórico Componente lendário:

Processo de colonização do Brasil;

Processo civilizatório;

Início da formação social;

Política mercantil;

Ideologia colonial;

Fontes documentais.

Tradição oral;

Fatos fictícios;

Exercício de imaginação.

“LENDA: Designa toda narrativa em que um fato histórico se

amplifica e se transforma sobre o efeito da imaginação popular. Não

raro, a veracidade se perde no correr do tempo, de molde a substituir

apenas a versão folclórica dos acontecimentos. A lenda distingue-se do

mito na medida em que este não deriva de acontecimentos e faz apelo

ao sobrenatural.”

Massaud Moisés, in. Dicionário de termos literários.

1. NARRADOR

Capítulo I

“Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas

frondes da carnaúba;”

“Uma história que me contaram nas lindas várzeas onde nasci, à calada

da noite, quando a Lua passeava no céu argenteando os campos, e a

brisa rugitava nos palmares.”

Inicialmente, a impressão é a de que o NARRADOR é em 1ª. pessoa,

mas observa-se que alguém conta uma história que já faz parte da

cultura de um povo. LOGO:

NARRADOR - 3ª. pessoa (Onisciente)

Exemplos:

“O cristão contempla o ocaso do sol. A sombra que desce

dos montes e cobre o vale, penetra sua alma. Lembra-se do

lugar onde nasceu, dos entes queridos que ali deixou. Sabe

ele se tornará a vê-los algum dia?”

“A alvorada abriu o dia e os olhos do guerreiro branco. A luz

da manhã dissipou os sonhos da noite, e arrancou de sua

alma a lembrança do que sonhara. Ficou apenas um vago

sentir, como fica na moita o perfume do cacto que o vento

da serra desfolha na madrugada.”

2. ESPAÇO

• Espaço: Ceará - Indicado por diversos topônimos: Jaguaribe; Rio Acaracu; Rio Pocoti...

A natureza cearense é apresentada em toda sua exuberância, sendo que: As personagens sempre se identificam ou são relacionadas com elementos da natureza: pássaros, árvores, peixes e outros animais. A comparação é um recurso que serve para indicar destreza, inteligência, velocidade, força, amor... “O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.”

“— O gavião paira nos ares. Quando a nambu levanta, ele cai das

nuvens e rasga as entranhas da vítima. O guerreiro tabajara, filho da

serra, é como o gavião.”

Tempo é cronológico (1608-1611), conforme o argumento histórico, mas a narrativa é estruturada da seguinte forma:

- O romance começa pelo fim: No capítulo 1, Martim, Moacir e o cão

Japi deixam o litoral cearense em uma jangada;

- História de Iracema é narrada nos capítulos 02 a 32;

- A cena do capítulo 1 é retornada no capítulo 33 (último). A marcação do tempo no decorrer da narrativa é indicada por elementos da natureza: “Há três sóis partimos para a caça; e, perdido dos meus, vim aos campos dos tabajaras.” “ A alegria ainda morou na cabana todo o tempo que as espigas de milho levaram a amarelecer.”

3. TEMPO

3. PERSONAGENS

Iracema - perfeita mulher romântica: bela, frágil, idealizada:

“Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos

mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe

de palmeira.

O favo da jati não era tão doce como seu sorriso; nem

a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.

Mais rápida que a corça selvagem, a morena virgem

corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua

guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu,

mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra

com as primeiras águas.”

Iracema - heroína, segundo os moldes do indianismo:

“Diante dela e todo a contemplá-la está um guerreiro

estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta.

Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos

olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e

tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.

Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha

embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face

do desconhecido.

De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da

espada; mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na

religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e

amor. Sofreu mais d’alma que da ferida.

Martim – representante da cultura superior, colonizador. Cristão, tem

sangue de português, chega avisando que é proprietário das terras e

sugere que quer mais. É amado pelos índios: Iracema e Poti.

“– Venho das terras que teus irmãos já possuíram, e hoje têm os meus.”

Moacir – filho de Iracema e Martim, simboliza a nova civilização

Poti – guerreiro Pitiguara, exemplo do índio aculturado, conquistado

pelo colonizador branco, a quem segue como uma sombra.

“Os dois irmãos encostaram a fronte na fronte e o peito no peito para

exprimir que não tinham ambos mais que uma cabeça e um coração.”

Araquém – pai de Iracema, o pajé, guardião das ritos sagrados dos

Tabajaras.

Caubi – irmão de Iracema. Inicialmente, ele acolhe o inimigo Martim,

depois o combate e afinal perdoa Iracema e a visita em sua nova

morada.

Irapuã – chefe tabajara, impulsivo e intolerante, quer caçar Martim e

Poti a qualquer preço.

Andira – velho guerreiro, irmão de Araquém.

Ará – pequena jandaia, que é abandonada pela dona por causa de

Martim

Batuireté/Maranguab – avô de Poti, conhecido como “o grande

sabedor da guerra”.

4. ENREDO

- Chegada de Martim do RN à aldeia dos Tabajaras.

- Primeiro contato: estranheza (flecha).

- Quebra da flecha - Condução até a cabana de Araquém:

“- Bem-vindo sejas. O estrangeiro é senhor na cabana de Araquém. Os Tabajaras têm mil guerreiros para defendê-lo e mulheres sem conta para servi-lo. Dize, e todos te obedecerão.”

- Martim, apesar do tratamento, revela-se como inimigo.

- Martim percebe uma movimentação na tribo para atacar os Pitiguaras e tenta fugir. Interceptado por Iracema, a índia sugere que o português espere Caubi para que possa acompanhá-lo em segurança.

- Iracema sente ciúmes de Martim (Noiva na terra Natal).

- Iracema explica a Martim por que não pode se casar:

“Iracema soltou-se dos braços do mancebo, e olhou-o com tristeza:

- Guerreiro branco, Iracema é filha do Pajé, e guarda o segredo da

jurema. O guerreiro que possuísse a virgem de Tupã morreria.”

- Caubi e Martim viajam.

- Iracema os segue durante um tempo.

- Irapuã quer matar Martim.

- Som das trombetas Pitiguaras.

- Martim é protegido do Pajé contra a vontade de Irapuã.

- Preparação para guerra: Iracema e Martim escondem-se em uma

gruta.

- Encontro com Poti, que vai embora sozinho.

- De volta à cabana, ocorre o defloramento de Iracema:

“Agora podia viver com Iracema e colher em seus lábios o beijo, que ali

viçava como o fruto na corola da flor. Podia amá-la e sugar deste amor

o mel e o perfume, sem deixar veneno no seio da virgem.”

- Iracema se entrega a Martim, sabendo que se entregava à morte.

- Transgressão da lei tabajara, ela deveria partir:

- Poti volta para levar Martim, que é acompanhado por Iracema.

- Combate entre Pitiguaras e Tabajaras (Derrota destes).

- Depois de três dias entre os Pitiguaras, Martim resolve partir com

Iracema, para diminuir o sofrimento dela. Aos pés de Mocoripe, ele

reflete sobre a conveniência de instalar uma cidadela.

- Depois de algum tempo, Martim demonstra cansaço da vida mansa e

da monotonia conjugal e resolve partir com Poti para caças e batalhas.

- Martim deixa uma flecha espetada em um caranguejo e um ramo

partido.

“- Ele manda que Iracema ande para trás, como o goiamum, e guarde

sua lembrança, como o maracujá guarda sua flor todo o tempo até

morrer.”

Iracema (1884)

José Maria Medeiros

- Nasce o filho do casal na ausência do pai.

“Nessa hora em que o canto guerreiro dos pitiguaras celebrava a

derrota dos guaraciabas, o primeiro filho que o sangue da raça branca

gerara nessa terra da liberdade via a luz nos campos da Porangaba.”

- Solitária e saudosa Iracema tem dificuldade para amamentar o filho.

- Martim fica longe oito luas (oito meses).

- Encontra Iracema à beira da morte / Entrega do filho.

- Enterro de Iracema no coqueiro, à beira do rio.

- Fim - retomada da cena do capítulo 1:

“O cajueiro floresceu quatro vezes depois que Martim partiu das praias

do Ceará, levando no frágil barco o filho e o cão fiel. A jandaia não quis

deixar a terra onde repousava sua amiga e senhora.

O primeiro cearense, ainda no berço, emigrava da terra da

pátria. Havia aí a predestinação de uma raça?

1. Iracema comete uma transgressão por amor, que tem uma solução

romântica: a MORTE. Como virgem de Tupã, ela não poderia ser

possuída por nenhum mortal. Ao se entregar a Martim, ela comete a

mais alta transgressão pelo código da tribo. Sabedora disso, ela

abandona seu povo e segue o homem branco, não para evitar a punição,

mas consciente de que a morte a espera.

Por que Iracema morre e não o guerreiro que a possuiu?

2. Após participar do mito fundador, o elemento índio se aniquila para

que a nova civilização floresça.

Por que Poti se acultura, renunciando a sua religião?

CONSIDERAÇÕES

3. Iracema é um romance indianista, mas existe um paradoxo entre a

intenção de valorizar o índio e a realização deste projeto, ou seja:

Se o objetivo do Indianismo é exaltar o índio como símbolo da nação

brasileira (Nacionalismo), por que o autor adota uma postura

etnocêntrica em favor do conquistador?

Por que a ótica estruturadora do romance é claramente a do civilizado

e do cristão?

4. O mito da harmonia das raças só funciona na intenção, e o resultado

é a dominação econômica e cultural da terra pelo colonizador branco,

tendo o indígena como aliado, após a eliminação dos que resistiram.

Essa dominação, emoldurada por um discurso lírico, se consuma no

amor entre Martim e Iracema, símbolo da terra que se recusa ao

próprio índio.

SIMBOLOGIA

IRACEMA é um anagrama → AMÉRICA

MARTIM é uma nome derivado de MARTE, deus da guerra

MOACIR significa “filho da dor”

POTI entrega sua identidade ao ser batizado → Dominação

PROCESSOS CONSTRUTIVOS DA OBRA

1. Adjetivação

“Além, muito além daquela serra, que ainda azula no

horizonte, nasceu Iracema.

Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os

cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que

seu talhe de palmeira.

O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a

baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.

Mais rápida que a corça selvagem, a morena virgem ...

O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia

que vestia a terra com as primeiras águas.

2. Comparação

“Faremos nós, senhores das aldeias, como a pomba, que se

encolhe em seu ninho, quando a serpente enrosca pelos

galhos?”

“O forasteiro desviou os olhos. Iracema dobrou a cabeça

sobre a espádua, como a tenra palma da carnaúba, quando a

chuva peneira na várzea.”

Com isso, Alencar se utiliza mais da comparação do que da

metáfora, além da prosopopeia ou personificação, fazendo

assim que a natureza torne-se cúmplices dos sofrimentos e

das alegrias passadas pelos personagens e vice-versa.

3. Estrutura sintática

Pontuação excessiva com predominância de períodos coordenados

(simples e justapostos)

“— As flores da mata já abriram aos raios do Sol; as aves já cantaram,

disse o guerreiro. Por que só Iracema curva a fronte e emudece?

A filha do pajé estremeceu. Assim estremece a verde palma, quando a

haste frágil foi abalada; rorejam do espato as lágrimas da chuva, e os

leques ciciam brandamente.

— O guerreiro Caubi vai chegar à taba de seus irmãos. O estrangeiro

poderá partir com o Sol que vem nascendo.

— Iracema quer ver o estrangeiro fora dos campos dos tabajaras; então

a alegria voltará a seu seio.”

3. Prosa poética

Presença constante de aliterações e assonâncias:

“Verdes mares bravios\de minha terra natal,\onde canta a

jandaia,\nas frondes da carnaúba.\Verdes mares que

brilhais,\como líquida esmeralda,\aos raios do sol nascente,\

perlongando as alvas praias,\ensombradas de coqueiros.\

Serenai, verdes mares,\e alisai docemente\a vaga impetuosa\

para que o barco aventureiro manso\resvale à flor das águas.”