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(1940 - 1968)

Arrissis MudenderLaurindo Malimusse

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Agradecimentos.................................................................................. 103Introdução........................................................................................... 104I. Infância e Juventude........................................................................ 105II. Educação e Vida Profissional de John Issa.................................... 110III. Ingresso e Feitos na FRELIMO................................................... 111IV. O Avanço da Luta em Cabo Delgado........................................... 114V. Os Feitos do Comandante John Issa............................................. 118VI. As Circunstâncias da Morte......................................................... 122VII. Formas de Reconhecimento........................................................ 127VIII. Considerações finais.................................................................. 128

Bibliografia................................................................................ 129Lista de Entrevistados................................................................ 130

Índice

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AgradecimentosOs nossos agradecimentos vão para as Direcções Provinciais de Edu-cação e Cultura de Niassa e de Cabo Delgado, bem como aos Admi-nistradores de Marrupa e de Mecula, pelo apoio incondicional prestado durante a fase de recolha de dados.

Aos combatentes da Luta de Libertação Nacional, especial agradecimen-to dada a sua colaboração através de depoimentos e outro tipo de infor-mações inerentes à vida e obra do Comandante John Issa.

Os agradecimentos são extensivos às comunidades de Macalange, em particular, à família Issa, no distrito de Mecula, província de Niassa, e de Macomia, distrito do mesmo nome, na província de Cabo Delgado, pelo acolhimento e fornecimento de informações úteis para a realização do presente trabalho.

Igualmente, endereçamos o nosso maior apreço a todos que directa ou indirectamente deram o seu contributo para que esta obra fosse uma re-alidade.

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Introdução

A génese dos heróis está associada a feitos marcantes de uma Nação ou de um Povo. No passado, a figura do herói estava mais ligada a feitos no domínio político-militar, em que se procurava glorificar as conquistas ou a de-fesa de territórios. Na actualidade, esta noção é extensiva a outros domínios, como as artes e cultura, a economia, entre outros.

Em Moçambique, a geração heróica nascida da luta de libertação nacio-nal tem uma história específica. Numa época extremamente difícil, con-seguiu enfrentar o colonialismo português e conquistar a independência do país, a 25 de Junho de 1975. Essa geração é composta por milhares de pessoas, havendo, contudo, feitos a título individual, sendo exemplo, o Comandante John Issa.

Nascido na província de Niassa, John Issa viveu depois na República da Tanzania. A partir deste país, aliou-se à FRELIMO, tendo-se destacado como um combatente des-temido e comprometido com a libertação do seu povo.

Assim, esta obra constitui uma forma de preservação e valorização do seu legado histórico e, particulamente, sua homenagem, pela celebração do 40° aniversário do seu desaparecimento físico, ocorrido a 24 de Março de 2008.

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I. Infância e JuventudeJohn Issa nasceu em 1940, em Lulanga, povoado situado junto à margem do rio do mesmo nome, no regulado Nampundi, distrito de Mecula, pro-víncia de Niassa. É filho de Issa Ntuchia e de Assuwema Biquita.

O seu pai era natural da zona de Telewe, distrito de Marrupa, enquanto a sua mãe era natural de Lulanga, distrito de Mecula. Ambos pertenciam ao grupo etnolinguístico makhuwa.

As circunstâncias que ditaram o nascimento de Suwedy (mais tarde co-nhecido por John Issa) circunscrevem-se no seguimento das tradições culturais locais. De acordo com uma destas tradições, era permitido que entre duas amigas confidentes, uma delas pudesse manter relações sexuais com o marido da outra. Esta prática designa-se, localmente, por uganja. Com efeito, a mãe de Suwedy tinha uma amiga chamada Assuwema Mpi-cha, cujo primeiro nome era, curiosamente, o mesmo entre as duas ami-gas. Esta, por sua vez, era esposa de Issa Ntuchia. Suwedy iria nascer a partir do uganja praticado entre as duas amigas.

No entanto, as práticas de natureza similar ocorriam no seio de outros grupos etnolinguísticos que corporizam o vasto mosaico sócio-cultural moçambicano. Por exemplo, Dava refere que no grupo makhuwa-lómwe era normal dois indivíduos trocarem as esposas ou um deles ceder a sua, tudo isto como prova de amizade. O primeiro gesto chama-se mwana-mayo, enquanto o segundo, ontamwene1.

Suwedy foi submetido aos ritos de iniciação, localmente, designados por Jando. Refira-se que a origem dos ritos de iniciação em Moçambique data de tempos imemoriais e está associada às migrações que o país foi conhecendo ao longo do tempo.

Contudo, é importante assinalar que, na Antiguidade, mais concretamente na Palestina e nas comunidades Judaicas, eram já praticados, sendo a ex-pressão mais visível, a ablação do prepúcio.

1 Dava, F. Cultura, Saúde Sexual e Reprodutiva. (Não publicado).

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É provável que esta prática tenha chegado a Moçambique no âmbito das trocas comerciais entre os árabes e as populações costeiras da África Oriental, sobretudo com a formação dos swahilis.

Nas sociedades africanas, os ritos de iniciação, como parte da educação tradicional, inserem valores nobres, como o respeito pelos mais velhos, a higiene do corpo, a preparação para a vida de adulto e em sociedade2.

Suwedy, tendo nascido numa comunidade com estas práticas culturais, foi a elas submetido. Um dos traços marcantes da sua passagem pelos ritos de iniciação foi a mudança de nome.

Amade Issa, irmão de John Issa

Suwedy passou a chamar-se John Issa, sob proposta de seu pai, provavel-mente, influenciado pela religião cristã, a qual professava. Nessa mesma altura, John Issa deixou de viver com a sua mãe, passando a residir com o seu irmão mais velho, Amade Issa, aliás, momento em que o seu pai foi para Tanzania, de onde não voltou mais.

2 Tamele, V. e Vilanculo, João. Algumas Danças Tradicionais da Zona Norte de Moçambique.ARPAC, 2002.

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De acordo com Silva Maridade3, durante a sua juventude, John Issa en-volveu-se também em várias actividades culturais da sua comunidade, participando na dança dijole, praticada por jovens.

Esta dança estava ligada aos momentos de diversão nocturna. Ela con-sistia em duas filas, por um lado, a dos rapazes e, por outro lado, a das raparigas. No meio destas filas, reservava-se um espaço, no qual uma ra-pariga e um rapaz se exibiam para os restantes. Estes assistiam aos dois, entoando uma canção e batendo palmas, como forma de animar a dança.

Silva Maridade, amigo de infância de John Issa

Maridade acrescenta ainda que, uma das canções que John Issa gostava e que frequentemente o acompanhava na dança dijole, era a seguinte:

-“Dada yoleh, keke, dada yoleh!”“Aquela mana, aquela mana”

-“Dada yoleh, keke, dada yoleh!”“Aquela mana, aquela mana”

Com esta canção, exaltavam-se as qualidades físicas e psicológicas da rapariga. De igual modo, através dela, exteriorizavam-se sentimentos, como a paixão e o amor por uma determinada rapariga ou rapaz.

3 Amigo de infância de John Issa.

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Estes momentos de diversão em que os jovens dançam Dijole constituem, muitas vezes, ocasiões propiciatórias para o surgimento de relações afec-tivas entre jovens. Estas relações podiam até culminar na celebração de matrimónio.

Foi neste contexto que John Issa conheceu Julieta Mauride, de quem se apaixonou e veio a tornar-se sua primeira esposa. Deste casamento, nas-ceu Luciano, primeiro filho de John Issa, por volta de 1959.

Luciano, filho primogénito de John Issa

Após o nascimento de Luciano, John Issa deixou Lulanga e foi para Tan-zania. As razões da sua ida para aquele país são explicadas de duas ma-neiras. Enquanto Amade Issa admite que ele estava a seguir as pegadas do seu pai, Silva Maridade pensa que teria deixado a sua aldeia para ir, fundamentalmente, à busca de melhores condições para a sua recém--criada família.

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De acordo ainda com o seu irmão, Amade Issa4, em 1964, aquando da transferência do povoado de Lulanga para o Aldeamento de Naulala, John Issa encontrava-se na Tanzania. Assegurou que este deixou a sua comunidade na companhia de Ussene Ardi e um professor, Manuel Moi-sés.

Em 1964, por força do regime colonial, os familiares de John Issa tive-ram que abandonar o povoado de Lulanga para se fixar no aldeamento de Naulala. Daquele povoado, a administração colonial transferiu compul-sivamente a população, devido ao início da Luta Armada de Libertação Nacional.

O aldeamento estava vedado por arame farpado. Dentro deste, a popu-lação, incluindo a família Issa, passou a residir e a praticar a agricultura nas terras em redor. Esta medida da administração colonial tinha em vista evitar que as populações tivessem contacto com a Frente de Libertação de Moçambique e pudessem, consequentemente, engrossar as suas filei-ras. A família de John Issa viveu em Naulala até muito recentemente. O último conflito armado registado no país fez-se sentir também naque-la região da província de Niassa. Esta situação obrigou a população a abandonar Nantuego, para ir viver na actual aldeia de Macalange, Posto Administrativo de Gomba.

John Issa viveu, igualmente, no distrito de Macomia, em Cabo Delgado. Nesta província era combatente da luta de libertação. Na sequência do seu trabalho dentro das comunidades locais, conheceu Ernestina Tanga. Com esta senhora teve um filho, José, em 1968.

Ernestina Tanga José John Issa

4 Amade Issa, entrevista de 29/05/08. Mecula.

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II. Educação e Vida profissional de John IssaA educação e a vida profissional de John Issa foram influenciadas sobre-maneira pelas condições socio-económicas da sua família e da comuni-dade.

Com efeito, as fontes orais apontam que John Issa não teve acesso ao ensino oficial, sabendo-se apenas que frequentou estudos religiosos, que consistiam na aprendizagem do alcorão, em casa de um líder religioso, além da aquisição de vários conhecimentos locais, no domínio da agri-cultura, caça, construção de casas, entre outros. Por isso, as habilidades que John Issa veio a demonstrar, reflectem, em grande medida, a sua educação comunitária.

Silva Maridade e Amade Issa esclarecem que o facto de John Issa não ter tido a possibilidade de frequentar uma escola oficial, deveu-se, so-bretudo, à inexistência de escolas naquela região. Enfatizam ainda que seria somente em 1965 que se estabeleceu a primeira escola oficial em Nantuego, após a fixação da população do regulado de Nampundi no aldeamento de Naulala.

A região de Lulanga, onde nasceu e cresceu John Issa, tinha como prin-cipal actividade socio-económica a agricultura, com destaque para a produção de mandioca e de culturas de rendimento, como o tabaco e o gergelim. A caça, segunda actividade importante, era feita através de armadilhas de material artesanal. Dentre as presas figuravam gazelas, im-palas e outros animais de grande porte, como búfalos.

Para além da agricultura e da caça, a extracção do mel constituía uma actividade complementar para os rendimentos de muitas famílias. Assim, o mel servia para a alimentação das comunidades e a cera das abelhas constituía produto de troca com as populações vindas da Tanzania. Ape-sar de John Issa não se ter destacado na prática destas actividades, a elas se dedicou durante a sua juventude.

O meio ambiente que o rodeava era rico em recursos naturais e ele tinha adquirido habilidades no seu aproveitamento. Assim, John Issa tornou-se num exímio construtor de casas a partir de material local. Tais casas eram construídas com base em tijolos de barro e tinham cobertura de capim.

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III. Ingresso e Feitos na FRELIMOJohn Issa ingressou na Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) em 1964. Treinou no campo de preparação político-militar de Bagamo-yo. Uma fonte documental refere que, durante os treinos militares, John Issa revelou um comportamento exemplar, ao se destacar com elevado sentido de disciplina e de organização5.

Em 1965 foi aberto outro campo de preparação político-militar, o de Nachingwea. A abertura deste campo esteve a cargo de um grupo de combatentes chefiado por Samora Machel. Assim, a FRELIMO passou a dispor de mais um centro político-militar estratégico, próximo do ter-ritório moçambicano6.

Mapa da República da Tanzania, destacando-se o campo de preparação político-militar de Nachingwea

5 Tempo, n º 317 de 31 de Outubro de 1976. p. 51.

6 Sopa, António. Samora: Homem do Povo. Maputo, 2001; Pachinuapa, Raimundo. Do Rovuma ao Maputo: a Marcha Triunfal de Samora Machel. Maputo, 2005.

Nachingweya

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Depois da instrução militar em Bagamoyo, John Issa foi colocado no campo de preparação político-militar de Nachingwea, exercendo as fun-ções de instrutor político. Nestas funções, revelou-se um combatente dedicado no cumprimento das suas tarefas. Sobre este assunto, Rafael Rohomoja, na altura chefe nacional de efectivos, afirmou o seguinte:

- “Eu conheci John Issa como instrutor político em Nachingwea. Era dedicado e abnegado no cumprimento das suas tarefas e revelou-se na preparação de quadros vindos do interior. Destacou-se como um quadro responsável e comprometido com a causa da libertação da nossa terra7”.

Em Nachingwea, John Issa deu grande contributo no lançamento das bases ideológicas da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). Ele soube incutir nos seus companheiros que um guerrilheiro não deveria cumprir somente a nobre missão de combater, mas também estudar e produzir.

Combatentes na esfera da produção

7 Rafael Rohomoja, entrevista de 04/04/08. Cidade da Matola.

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Enaltecendo a importância desta linha ideológica e da sua difusão no seio dos combatentes, Samora Machel, então chefe do campo de Nachingwea, sustentou que:

- “O exército da FRELIMO deve ser um destacamento de combate, um destacamento de produção, um destacamento de trabalho e que estas tarefas devem ser realizadas simultaneamente8”.

8 Tempo nº 204, de 18 de Agosto de 1974. p.10

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IV. O Avanço da Luta em Cabo DelgadoEntre 1967/8, a Luta Armada de Libertação Nacional na Província de Cabo Delgado tinha alcançado grandes avanços nos três sectores9. Nesta altura, um dos desafios com que a FRELIMO se debatia era que a luta armada atingisse a região de Nampula.

Os avanços registados eram o corolário das acções militares levadas a cabo a partir das bases da Frente de Libertação de Moçambique estabele-cidas naquela província. Dentre elas, a Base Moçambique, mais conheci-da por Base Central, em Muidumbe; a Base de Artilharia Ngungunyane, em Mueda; a Base Beira, em Nangade; a Base Manica, em Macomia, e a Base Chaimite, em Ancuabe.

Com efeito, em 1967, o Presidente Eduardo Mondlane, referindo-se ao alargamento da luta armada em todas as regiões, traçou o seguinte qua-dro:

- “Em Cabo Delgado, as forças avançaram até ao rio Lúrio e cerca-ram Porto Amélia (...). No Niassa, as forças avançaram até à linha Marrupa - Maúa, aproximando-se para as zonas limítrofes com as províncias de Nampula e Zambézia. Mais para o Sul, ganharam o controlo da zona de Caturi, entre as províncias de Zambézia e Tete, enquanto para o Ocidente, criaram as condições necessárias para o progresso da luta em Tete e na Zambézia10”.

De facto, neste período, o exército da FRELIMO empreendeu acções de grande envergadura contra a tropa colonial. Bloqueou a maior parte das vias de comunicação terrestres; atacou as suas guarnições; destruiu quartéis; recuperou armas e munições e até capturou alguns soldados do exército colonial.

Como consequência, os colonialistas perderam a iniciativa da acção ter-restre na maioria das frentes de combate, tendo recorrido ao uso de meios aéreos, como forma de travar a progressão da Luta de Libertação Na-

9 O primeiro ia do rio Rovuma até Muidumbe, limitado pela estrada Mueda-Mocímboa da Praia. O segundo sector partia desta estrada até ao rio Messalo. O terceiro sector começava neste rio, indo até à zona de Macomia (estrada Montepuez-Pemba) e o quarto, desde este último limite, até ao rio Lúrio.10 Mondlane, 1995: 124

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cional. Este aspecto foi destacado por uma fonte da época, afirmando o seguinte:

- “A cobardia tradicional do governo português forçou-o a recor-rer a todo tipo de truques para tentar compensar as derrotas que sofria em todas as frentes. (Recorreu) ao uso indiscriminado de aviação contra as populações inocentes e indefesas, de que o go-verno português é pródigo, ignorando completamente as regras da decência militar. Os aviadores portugueses recream-se, bombar-deando com bombas Napalm tudo o que tiver vida ou valor econó-mico11”.

A informação acima é confirmada por Valeriano Baúlque, antigo furriel da 6ª Companhia de Comandos da tropa colonial portuguesa. Questiona-do sobre a utilização de bombas Napalm pelo exército colonial contra a população civil, respondeu o seguinte:

- “As bombas Napalm foram utilizadas pela força aérea. Recordo--me de algumas operações que fizemos no terreno, e a aviação, no ar. A aviação provocava as bases e nós tínhamos de estar no terre-no para acolher os provocados. Geralmente, quando uma pessoa é provocada, tem tendência a fugir. Eram as tais operações conjuntas que fazíamos. A infantaria com a Força Aérea, principalmente em Cabo Delgado.

A Força Aérea quando era incumbida de uma missão, esta tinha de ser cumprida. E algumas bases foram mesmo atingidas. Existia a Base Beira, a Base Ngungunhana e outras. Não era fácil a tropa pe-netrar lá. Por mais que uma base fosse localizada, programar uma operação para destruir uma base não era fácil. Mas tudo se fez para tentar destruir o que houvesse12”.

11 Mensagem do Presidente da FRELIMO na passagem do ano 1968 para 1969.

12 Mateus, Dalila Cabrita. Memórias do Colonialismo e da Guerra. ASA, 2006.

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O Presidente da FRELIMO, Samora Machel, recebendo explicações do Comandante Bernardo Goy-Goy sobre as bombas

Napalm utilizadas pelo exército colonial

Enquanto o exército colonial intensificava as suas acções de bombardea-mentos aéreos, a FRELIMO foi adensando cada vez mais a sua perspecti-va de alargar a luta armada para áreas onde esta ainda não tinha iniciado, o caso concreto de Nampula, como foi mencionado.

A estratégia da FRELIMO de fazer com que a luta armada atingisse Nampula, visava dentre outros objectivos disseminar a mensagem da ne-

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cessidade da libertação do país. Isto constituiria um golpe para a admi-nistração colonial, tanto no domínio de ocupação espacial, como social.

Refira-se que Nampula estava povoado por muitos colonos, tentando--se, com isso, mostrar um certo domínio territorial. Sobre a relevância da abertura da frente de Nampula, Raimundo Pachinuapa13 referiu que, para a FRELIMO, teria o mesmo significado como se se tivesse atingido Lourenço Marques, a cidade capital.

Este aspecto era uma clara alusão ao impacto negativo que a luta armada iria criar no seio do governo colonial, com a destruição de infra-estru-turas sociais; do significativo parque industrial existente; e do Porto de Nacala, empreendimento ferro-portuário considerado estratégico para a dinamização da economia na região norte do país.

13 General na Reserva.

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V. 4. Os Feitos do Comandante John Issa

Em 1966, John Issa foi indigitado Comissário Político do Destacamento Manica, no 3º Sector, em Macomia, Cabo Delgado. Mais tarde, com a instalação da Sub-base Moçambique, ele foi indicado Comandante des-ta. No exercício destas funções, notabilizou-se como grande mobilizador dos combatentes e um estratega militar destemido. Estas qualidades fo-ram destacadas por Rohomoja, da seguinte forma:

- “Devido ao seu comportamento exemplar, depois de Nachingwea, foi indicado Comissário Político do Destacamento Manica e poste-riormente, comandante da sub-base Moçambique, no 3º sector, em Cabo Delgado14”

Como comissário político, John Issa soube incutir e elevar o moral com-bativo dos seus companheiros. Foi também um difusor incansável da ideologia defendida pelo movimento de libertação, sublinhando o quão era importante o envolvimento das populações no processo revolucioná-rio.

Saliente-se que a luta armada desenvolvida pela FRELIMO foi de guer-rilha. Esta forma de luta era a que se mostrava mais adequada, pois, di-ferentemente de um exército regular, exige relativamente menos recur-sos, em homens e equipamento. No entanto, a guerrilha pressupõe uma grande inserção junto das comunidades, aspecto fundamental para o seu sucesso.

Neste sentido, John Issa tornou-se um dos esteios do desenvolvimento da guerrilha em Cabo Delgado. Com efeito, ele promoveu o envolvimento das populações no transporte de equipamento militar e medicamentos para as várias unidades da luta. De igual modo, John Issa mobilizou as populações para se dedicarem à produção de alimentos e de outros bens indispensáveis para o seu próprio sustento e para os guerrilheiros.

14 Rafael Rohomoja, entrevista de 04/04/08. Cidade da Matola.

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População transportando armamento

Na qualidade de Comandante da Sub-base Moçambique, John Issa era coadjuvado por Agostinho Cosme Ntave, como Comissário Político; Franscisco Litunga, Secretário e Timóteo Mapwite, Chefe de Pelotão.

A Sub-base, situada junto ao rio Lyangaula, tinha a missão de desenca-dear acções de guerrilha na região do 3º Sector, em Macomia, incluindo Meluco. Para além disso, revestia-se de importância estratégica para a extensão da luta armada para Nampula.

Todavia, na região do 3º Sector, existiam muitos aquartelamentos do exército colonial que constituíam uma barreira entre este e o 4º Sector. Era, a partir destes aquartelamentos, que se atacava frequentemente as posições avançadas da Frente de Libertação de Moçambique, o que, de certa maneira, criava alguns revezes para o avanço da luta.

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Por essa razão, o clima de insegurança permanente que se vivia na região do 3º Sector, forçava, por um lado, a fuga da população à procura de lo-cais seguros e, por outro lado, contribuía para a deserção e a redução de guerrilheiros da Sub-base comandada por John Issa.

De imediato, John Issa compreendeu as dificuldades que lhe eram causa-das pelas acções do exército colonial. Rebuscando os seus conhecimen-tos de estratega militar, reforçou os efectivos da Sub-base e começou a delinear planos para ataques de contenção, de pacificação da zona e de alastramento da guerra para outras frentes.

Em Março de 1968, John Issa dirigiu um ataque de grande envergadu-ra contra o aquartelamento de Lunyu15. Esse ataque culminou com o afastamento da tropa portuguesa do local, assim como com a captura de material bélico em quantidade substancial. Um dos sucessos obtidos foi também a retirada dos símbolos coloniais desta região, manifestamente da bandeira portuguesa.

Um outro ataque de relevo, comandado por John Issa, foi o assalto ao aquartelamento de Nashipaki, na região de Nankatari. Para além de avul-tados danos materiais, este ataque terminou ainda com a captura de um soldado de raça branca de nome José e de um chaganga, uma designação dada aos soldados coloniais de raça negra, que normalmente envergavam fardamento de ganga, de cor azulada.

É de notar o destino dado aos soldados portugueses capturados durante a luta armada. A Frente de Libertação de Moçambique definiu com cla-reza o alvo da sua luta. Com efeito, o seu inimigo era o sistema colonial português e não necessariamente as pessoas que, por uma ou outra razão, se apresentassem como defensoras deste sistema, neste caso os soldados.

Esta visão política de conceder clemência aos prisioneiros de guerra, foi consolidada no decurso do II Congresso da FRELIMO realizado em Ma-tchedje, de 20 a 25 de Julho de 1968. Uma das resoluções adoptadas preconizava o seguinte:

15Os principais aquartelamentos eram: Chai, Nguida, Messalo, Nantumba, Lunyu, Dalumba, Nashipaki, Namele, Nancunda e Serração ou Nkoye.

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- “Os prisioneiros de guerra têm uma importância política para nós. Devemos tratá-los bem. Através deles, podemos obter informações sobre o inimigo. Devemos reeducá-los tanto quanto possível, e, de acordo com os nossos interesses, pô-los eventualmente em liberdade.

Podemos também servir-nos dos prisioneiros como reféns, para se-rem trocados por camaradas nossos que estão presos nas mãos dos colonialistas portugueses. Procedendo desta forma, estaremos a de-mostrar ao mundo que nós lutamos contra o colonialismo português e não contra o povo português. Quebraremos o espírito de combati-vidade do exército inimigo e encorajaremos os seus soldados a de-sertarem16”.

A atitude clarividente da Frente de Libertação de Moçambique (FRELI-MO), sobre a natureza da luta revolucionária e, especialmente, em tor-no do tratamento dispensado aos soldados capturados, granjeou-lhe uma grande confiança no contexto diplomático.

16 Mondlane, 1995:147.

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VI. As Circunstâncias da MorteA morte de John Issa ocorrida a 24 de Março de 1968, enquadra-se nos esforços de avanço da Luta Armada de Libertação Nacional. A ofensiva desencadeada pelos combatentes da FRELIMO, em Cabo Delgado, era decisiva para a neutralização das acções terrestres do inimigo, o qual iria recorrer à acção aérea, como meio de contrapor as sucessivas derrotas que lhe eram impostas.

Os ataques realizados aos aquartelamentos atingiam alvos nevrálgicos do exército colonial português. Encorajado pelos sucessos que iam sendo alcançados, o comandante John Issa procurou romper as barreiras que alguns aquartelamentos representavam para a abertura de novas frentes.

Neste âmbito, deslocou-se à Base Central17 a fim de apresentar o relatório de actividades de combate do seu sector. Ao mesmo tempo, pretendia so-licitar reforço em efectivos, material bélico e instrumentos de produção, para fazer face aos desafios que a luta armada impunha.

Chegado à base, esta foi fustigada por um ataque aéreo perpetrado pelo exército colonial, no qual John Issa contraiu ferimentos graves, que o levariam à morte. Simão Virgílio Mingas, testemunha ocular e circuns-tancial desse fatídico ataque, descreveu-o nos seguintes termos:

- “ John Issa era o comandante da Sub-Base Moçambique. Era uma base de avanço, visando criar condições para estender a Luta Armada de Libertação Nacional para Nampula.

Depois da realização de algumas missões na sua região, John Issa veio à Base Central, requesitar material bélico e reforço em géne-ros alimentícios. Também precisava de catanas, panelas e enxadas para desenvolver a produção na base.

Ele chegou à Base Central por volta das 15 horas. Foi recebido por mim, na qualidade de Comandante da Base e Simão Tobias Lindo-londolo, Chefe de Sabotagem Provincial. Jantou connosco e depois fomos dormir.

17A Base Central era comandada por Simão Virgílio Mingas, enquanto John Issa comandava a sub-base, uma unidade de avanço e de operações subordinadas à Base Central.

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No dia seguinte, chamei o chefe de material, Martins Lijunga, para organizar o que John Issa precisava. Por volta das 12: 00 ou 13 : 00 horas, a Base Central foi atacada, através de um bombardeamento aéreo. Foi um fortíssimo e agressivo ataque contra a nossa base.

Nesse ataque, o inimigo visava destruir completamente a base, de forma a bloquear todas as estratégias da guerrilha para o avanço da luta de libertação. Era também um ataque de retaliação, por causa da grande investida que John Issa tinha levado a cabo contra o aquartelamento de Nashipaki, na região de Nankatari.

A nossa força anti-aérea disparou algumas balas18. Dessa res-posta, abatemos um avião e outro fugiu em chamas. Enquanto eles bombardeavam a base, nós saímos do alpendre. Disparei contra um dos aviões, usando uma arma portuguesa conhecida por G319.

Chamei John Issa para entrarmos nos abrigos. Eu entrei e Lindo-londolo também, mas John Issa demorou-se. Quando ele entrou, uma bomba tinha deflagrado exactamente no alpendre onde nos encontrávamos, e essa bomba tinha lhe ferido, sem que se aperce-besse.

Porém, teve que fazer algum esforço para entrar no abrigo, pois já estava enfraquecido. Na ocasião, John Issa disse que não conse-guia manter-se de pé. No mesmo instante, chegou uma combatente do Destacamento Feminino, com ferimentos na face.

Após o bombardeamento, saí para me inteirar dos estragos causa-dos. Sem muita demora, voltei para junto de John Issa e convidei--lhe a sair do abrigo. No entanto, ele insistiu, respondendo que não se aguentava.

Deste modo, apoiou-se às minhas costas (era um homem alto) e fomos até ao Posto de Saúde Magude, onde o deixei sob cuidados do enfermeiro David Sitoe e depois voltei à base.

18 Segundo Mingas, a base central estava estabelecida de tal forma que devia garantir a sua auto-defesa, localizada perto de umas montanhas e uma colina. Acima da montanha tinham sido colocadas as armas anti-aéreas, que operadas com destreza, conseguiram naquele ataque, abater um avião bombardeiro e outro foi atingido e fugiu em chamas.

19 Simão Vírgilio Mingas, entrevista de 11/07/07 e de 16/06/08. Cidade da Matola.

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Mais tarde, regressei ao Posto de Saúde e John Issa já havia faleci-do. Um estilhaço tinha-lhe entrado pelas costas. Foi enterrado num terreno contíguo ao Posto de Saúde Magude.

Coronel Simão Virgílio Mingas

David Sitoe, combatente e enfermeiro responsável pelo Posto de Saúde Magude, assistiu ao Comandante John Issa, depois do seu ferimento. Ele guarda na sua memória referências marcantes deste trágico acontecimen-to. Descrevendo-o, destacou os seguintes factos:

- “Após o comandante John Issa ter levado a cabo a operação con-tra Nashipaki em Nankatari, foi à Base Central, em missão de servi-ço. Em retaliação a este ataque, a força aérea portuguesa efectuou um intenso bombardeamento na Base Central. O Comandante John Issa foi atingido por estilhaços de uma bomba Napalm, na zona do abdómem, o que resultou em dois ferimentos penetrantes e hemorrá-gicos. Foi transportado para o Posto de Saúde Magude em Muidum-be, mesmo nas proximidades da Base Central. Foi observado por mim. No momento em que o observei, o comandante encontrava-se em estado de suspiro, isto é, agonia, sem pulsação e sem batimento cardíaco. Foi assim confirmado o óbito.

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Corpo de John Issa ladeado pelos guerrilheros. Da esquerda para direita, o enfermeiro David Sitoe, Simão Suliki, Celestino Camões e Agostinho Navando

Ainda a propósito da morte de John Issa, Sitoe acrescentou o seguinte:

- “Após a confirmação do óbito, o corpo de John Issa foi conservado no Posto de Saúde. No dia seguinte, o Comando Provincial encarre-gou ao Comissário Político, o camarada Paulo Samuel Kankhomba, pela realização das exéquias fúnebres”.

David Sitoe

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Pedro Justino Seguro, Vice-Comandante do Primeiro Pelotão de Mortei-ros da Base Provincial de Artilharia, presente no dia do fatídico aconteci-mento, pronunciou-se nos seguintes termos:

- “No dia 24 de Março de 1968, a base central foi atacada por 7 aviões da Força Aérea Portuguesa (bombardeiros do tipo Havard), num momento em que ia decorrer o almoço. Os aviões vinham do AB5, isto é, do Aeródromo Base n°5.

A nossa força anti-aérea reagiu, atingindo 2 dos 7 aviões. Como consequência desse ataque, perderam a vida 12 camaradas, dentre eles, o Comandante John Issa, que contraira ferimentos na zona do abdómen, tendo vindo a perder a vida no mesmo dia.

O comandante da base, Simão Virgílio Mingas, dirigiu o socorro dos feridos, levando-os ao Posto de Saúde Magude, a evacuação das camaradas do Destacamento Feminino para a Sede do Distrito de Muidumbe e o funeral dos 12 camaradas falecidos”.

Pedro Seguro

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VII. Formas de Reconhecimento Em homenagem às suas heróicas actividades de combatente da Luta de Libertação Nacional e tendo-se destacado como Comissário Político ab-negado e Comandante destemido, os restos mortais de John Issa foram transladados para a Cripta da Praça dos Heróis Moçambicanos, na capital do país, onde jazem desde 1984.

Como homem nacionalista que se dedicou de forma incondicional à cau-sa da Pátria moçambicana, o seu nome foi atribuído a infra-estruturas públicas, como é o caso da Rua John Issa, na baixa da Cidade de Maputo e Escola Secundária John Issa, na Vila da Macia.

Rua John Issa, na cidade de Maputo

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VIII. Considerações finais

A bomba do exército colonial português que vitimou o Comandante John Issa, silenciou um nacionalista e um dos melhores filhos do povo moçam-bicano. Desta forma, os guerilheiros da FRELIMO e seus companheiros de trincheira, em particular, ficavam privados dos ensinamentos do seu Comandante.

O Comandante John Issa tinha assumido o princípio de que só a luta armada podia conduzir o povo moçambicano à liberdade e à independên-cia. De igual modo, compreendeu a importância do envolvimento das populações na luta armada, pelo que, mobilizou-as como forma de elas próprias se libertarem da dominação estrangeira, e assim, lado a lado com os guerrilheiros, enfrentarem o inimigo comum, o colonialismo por-tuguês.

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BibliografiaDAVA, Fernando. “Cultura, Saúde Sexual e Reprodutiva”. (Não publi-cado).

FRELIMO/DTI. O Processo Revolucionário da Guerra Popular de Liber-tação. Maputo, 1977.

MATEUS, Dalila Cabrita. Memórias do Colonialismo e da Guerra. Por-to: ASA, 2006.

MONDLANE, Eduardo. Lutar por Moçambique. Maputo: Centro de Es-tudos Africanos (CEA), 1995.

PACHINUAPA, Raimundo. Do Rovuma ao Maputo: a Marcha Triunfal de Samora Machel. Maputo, 2005.

REVISTA TEMPO, Edição nº 317, 31 de Outubro. Maputo, 1976.

SOPA, António. Samora: Homem do Povo. Maputo: Maguezo Editores, 2001.

TAMELE, Viriato e Vilanculo, João. Algumas DançasTradicionais da Zona Norte de Moçambique. Maputo: ARPAC, 2002.

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Lista de Entrevistados

Adaima Cassabo; Macalange, Mecula, Niassa;Alaina Mustafa; Cabo Delgado;Amade Issa; Macalange, Mecula, Niassa;António Chipaka; Cabo Delgado;Anciãos: Macanga, Mpapa, Mozowea Maganizo, Ncupo Duwa; Mecula, NiassaAtanásio Mpossele; Macomia, Cabo Delgado;Consolata Alishi; Cabo Delgado;Cristovão Sualei; Macomia, Cabo Delgado;David Sitoe; Cidade de Maputo;Defessi Yussufo; Cabo Delgado;Ernesto Cuvelo; Matola, Maputo;Ernestina Tanga; Palma, Cabo Delgado;Estêvão Rachide Capataz; Mecula, Niassa;Felisberto Simão; Marrupa, Niassa; Henrique Saús Nivalya; Macomia, Cabo Delgado;Henriques Nchaila; Macomia, Cabo Delgado;Inácio Abdala; Cabo Delgado;Joaninha António; Cabo Delgado;Joaquim João Munhepe, Beira. Josefate Dimaka; Maputo;José John Issa; Macomia, Cabo Delgado;Justino Pedro Seguro; Pemba; Cabo Delgado;Kambuzi Atibo; Cabo Delgado;Leonardo Assilia Nawolanda; Mbau, Cabo Delgado;Luciano John Issa; Marrupa, Niassa;Malata Aide Mualia; Cabo Delgado;Matias Joaquim Chikuku; Cabo Delgado;Modesta Mayani Palova; Cabo Delgado;

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Rafael Rohomoja; Matola, Maputo;Raimundo Pachinuapa; Cidade de Maputo;Remígio Umangile; Cabo Delgado;Sabini Ernesto Vashamanenge; Macomia, Cabo Delgado;Simão Lyaule Mbomela; Matola, Maputo;Simão Virgílio Mingas; Matola, Maputo;Simati Elias; Mocímboa da Praia, Cabo Delgado;Silva Maridade; Macalange, Mecula, Niassa;Sumaili Shingo Nanola; Cabo Delgado;Valentim Malolange Ntike; Mocímboa da Praia, Cabo Delgado;Zacarias Chivavi; Cidade da Matola.

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