VÍCIOS NO PROCESSO DECISÓRIO DO SUPREMO … Guilherme Klafke... · Monografia apresentada à...

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Guilherme Forma Klafke VÍCIOS NO PROCESSO DECISÓRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Monografia apresentada à Escola de Formação da Sociedade Brasileira de Direito Público – SBDP, sob orientação do Professor Henrique Motta Pinto SÃO PAULO 2010

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Guilherme Forma Klafke

VÍCIOS NO PROCESSO DECISÓRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Monografia apresentada à Escola de Formação da Sociedade Brasileira de

Direito Público – SBDP, sob orientação do Professor Henrique Motta Pinto

SÃO PAULO

2010

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Resumo: A monografia discute uma questão essencial da jurisdição

constitucional brasileira: como decide o STF? A doutrina especializada critica

a falta de clareza e coesão das decisões, bem como a inexistência de uma

“opinião da Corte”, num cenário de “onze ilhas”. O meu objetivo é testar

empiricamente essas críticas. Para tanto, crio um método para examinar

analiticamente os pontos levantados, os tipos de votos e as interações em

Plenário nos acórdãos selecionados. Como resultado, aponto sete vícios do

processo decisório na Corte: a) não deliberação sobre todos os pontos

surgidos no julgamento; b) existência de uma única sessão para toda a

resolução do caso; c) má-utilização do instrumento do voto-vista; d)

ineficácia dos debates plenários para a produção de consensos; e) falta de

uma opinião que possa ser atribuída ao colegiado como um todo; f)

isolamento dos ministros para a formação da própria convicção; g)

inconsistência na definição dos pontos a serem julgados. Ao final, proponho

algumas soluções que poderiam mitigar essas dificuldades.

Acórdãos citados: ADC 12; ADI 125; ADI 1864; ADI 3854; ADI-MC 4167;

ADI-REF-MC 4178; ADPF 46.

Palavras-chave: Supremo Tribunal Federal; processo decisório;

deliberação; argumentação; colegiado; “onze ilhas”.

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Sumário

1. Introdução

1.1. Apresentação do objeto e justificativa ....................................... 01

1.2. Metodologia empregada ............................................................ 05

2. Análise do processo decisório do Plenário do STF

2.1. O processo decisório do Plenário do STF ................................... 11

2.2. Análise de julgados ................................................................... 16

2.2.1. Caso da estabilidade excepcional dos servidores públicos

estaduais e municipais catarinenses: ADI 125-6/SC, Rel.

Min. Sepúlveda Pertence, j. 09.02.2007 ..............................

19

2.2.2. Caso dos tetos de remuneração da magistratura: ADI-MC

3854-1/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007 ...............

24

2.2.3. Caso PARANAEDUCAÇÃO: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício

Corrêa, j. 08.08.2007 ..........................................................

34

2.2.4. Caso do nepotismo: ADC 12/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j.

20.08.2008 ..........................................................................

46

2.2.5. Caso do piso salarial dos professores: ADI-MC 4167-3/DF,

Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17.12.2008 ............................

52

2.2.6. Caso do monopólio dos Correios: ADPF 46-7/DF, Rel. Min.

Marco Aurélio, j. 05.08.2009 ...............................................

65

2.2.7. Caso dos concursos notariais: ADI-REF-MC 4178/GO, Rel.

Min. Cezar Peluso, j. 04.02.2010 .........................................

80

2.3. Panorama geral do universo de decisões ................................... 85

2.3.1. Análise dos votos ................................................................. 85

2.3.2. Análise dos debates ............................................................. 93

3. Os vícios do processo decisório do Plenário do STF

3.1. Primeiro vício: omissão do Plenário ........................................... 95

3.2. Segundo vício: inconsistência na definição dos pontos

controversos ....................................................................................

101

3.3. Terceiro vício: sessão única de julgamento ............................... 105

3.4. Quarto vício: deturpação do voto-vista ...................................... 109

3.5. Quinto vício: improdutividade dos debates ................................ 113

3.6. Sexto vício: ausência de racionalidade comum aos votos .......... 117

3.7. Sétimo vício: isolamento dos ministros ..................................... 119

4. Conclusão ....................................................................................... 121

5. Bibliografia ..................................................................................... 129

ANEXO I: Tabela dos acórdãos segundo o critério temático ................ 131

ANEXO II: Exemplo de resumo de processo em pauta para

julgamento .........................................................................................

133

ANEXO III: Descrição dos julgamentos analisados ............................. 134

ANEXO IV: Tabela de comparação entre os procedimentos decisórios

no estrangeiro ....................................................................................

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1. Introdução1

1.1. Apresentação do objeto e justificativa

“Quero deixar bem claro que os Colegas, sobretudo os mais antigos,

devem ensinar-me a ter serenidade, a não me exaltar. Nós demos

uma lição de reflexão hoje. Aqui não há individualidade nenhuma. Eu

me considero integrado nesse todo e não preciso provar nada a

ninguém.

No dia em que cheguei a esta Corte venci toda e qualquer

individualidade, todo e qualquer impulso no sentido de tomar a minha

singularidade como motivo determinante de qualquer ação minha.

Queria pedir a Vossa Excelência que encerre. Já sabemos o resultado

que, para mim, não foi 6 a 5. Houve uma decisão do Tribunal do qual

eu faço parte; e não sou senão um pedaço deste Tribunal.

De modo que é inútil, é descabido. Não precisamos ficar discutindo

quem ganhou, quem perdeu. Quem ganhou foi o Tribunal todo. Este

deve ser um momento de serenidade, e, se Vossa Excelência me

permitir, vou me arrogar a circunstância de ser o mais velho, porque

sou o mais velho dos onze. Rogo, em nome da celeridade, que Vossa

Excelência encerre a sessão.” (Manifestação do Ministro Eros Grau.

STF: ADI 3510/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 29.05.2008, pp. 655-

656 do acórdão; pp. 522-523 do arquivo eletrônico)

O trecho que inicia este trabalho foi retirado dos debates ocorridos no

julgamento da ADI 3510/DF (Caso das pesquisas com células-tronco

humanas embrionárias). As considerações feitas pelo Min. Eros Grau

refletem com exatidão um determinado ponto de vista sobre o Supremo

Tribunal Federal que deve ser testado. O objetivo desta monografia é

problematizá-lo: o Supremo Tribunal Federal funciona sem problemas

decisórios? Os ministros exercem sua atividade como um órgão colegiado,

desprovidos de qualquer individualidade?

1 Agradeço às sugestões dos professores Henrique Motta Pinto, meu orientador, e Diogo Rosenthal Coutinho, membros da banca examinadora de minha monografia (07.12.2010). As preocupações de ambos foram devidamente consideradas para a versão revisada, enquanto as hipóteses e conclusões do trabalho foram revisitadas com um olhar mais crítico e criativo por conta das propostas discutidas na arguição.

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O tema ganhou destaque nos círculos acadêmicos com a posse do

novo Presidente do STF, Min. Cezar Peluso. O Ministro defendeu a proposta

de se realizarem reuniões prévias antes dos julgamentos de grandes casos.2

Para ele, seria uma forma tanto de “blindar” o Tribunal contra a exposição

de seus membros na mídia, como de facilitar a tomada de decisões coesas.

A ideia já parece encontrar eco na Corte, como aponta reportagem do

jornal Valor Econômico3, mas também encontra focos de resistência, como

a concepção de que a tomada individual de votos é uma forma de manter a

independência dos ministros, que se manifestam de acordo com sua livre

convicção, sem a necessidade de barganhas e acordos. 4

2 Peluso não vai defender férias de 60 dias em projeto, Revista Consultor Jurídico, 11.03.2010, disponível em: http://www.conjur.com.br/2010-mar-11/peluso-defen der-ferias-60-dias-batalha-perdida. Acesso em: 03.06.2010. 3 Juliano BASILE, Temas polêmicos e sucessão marcam ano do Supremo, Valor Econômico, 01.02.2010, disponível em: http://supremoemdebate.blogspot.com/ 2010/02/o-stf-em-2010-quais-serao-os-rumos.html. Acesso em: 03.06.2010. 4 É interessante, por exemplo, as manifestações do Min. Dias Toffoli, recentemente nomeado à Corte, respondendo ao sítio eletrônico Consultor Jurídico sobre assuntos como o julgamento da “Lei da Ficha Limpa”: “ConJur — Uma reunião prévia, informal, não poderia ter evitado essa situação? Toffoli — Existe a tradição de não se fazer reuniões prévias. Isso traz vantagens e desvantagens. A vantagem é que torna o julgamento mais transparente. Cada um leva o seu voto sem saber como votará o colega. É da tradição desta Suprema Corte. Por outro lado, isso gera situações como a que vimos: diante de um empate, a definição do modo como se decidirá a matéria é feita ao vivo, em cores, transmitida pela televisão. Esse aspecto é bom por revelar que, no Supremo, nada é combinado. A decisão é de cada um. E o colegiado fala em nome de todos”. O Ministro prossegue: “ConJur — Não é um clube... Toffoli — Não que as pessoas não se deem bem, mas não é um clube de amigos. E é bom que não seja, porque a ideia é que a manifestação do tribunal corresponda ao somatório das visões e pré-compreensões de cada um de seus ministros. Evidentemente, há problemas nessa forma de obtenção do que se poderia chamar de una vox do colegiado. A doutrina contemporânea discute qual o método mais democrático, tomando-se como parâmetros os modelos americano e europeu. Por agora, creio que é esse o nosso caminho, mas que é necessário aperfeiçoá-lo. Em certa medida, as ideias vencidas contribuem para legitimar a tese vencedora.” (Rodrigo Haidar, “Se o juiz cuida do futuro, torna o passado instável”, Consultor Jurídico, 20.02.2011, disponível em: http://www.conjur.com.br/2011-fev-20/entrevista-dias-toffoli-ministro-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 04.03.2011). É também o teor da declaração do Min. Marco Aurélio, que afirmou quando do episódio da troca de mensagens eletrônicas entre o Min. Ricardo Lewandowski e a Min. Cármen Lúcia: “Não tenho como prática antecipar meu ponto de vista a quem quer que seja diante de um caso que está sob análise do colegiado. É o meu perfil. Há 28 anos procedo assim. Cada qual tem a sua forma de atuar. Eu acredito muito no colegiado, onde todos podem expressar seu voto em sessão pública” (Fausto MACEDO,“Nunca atuamos mediante combinação prévia”, O Estado de São Paulo, 24.08.2007, disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/arti gos.asp?cod=447ASP015). O isolamento vai além da dinâmica de julgamento, sendo percebido na própria relação pessoal entre os ministros, como explicado por um deles: “As pessoas acham que isso aqui é um grupo de amigos. Mas, na realidade, somos 11 ilhas. Não somos amigos. Não nos freqüentamos socialmente. Apenas nos encontramos no tribunal nos dias de sessão” (Fausto MACEDO,“Somos 11 ilhas. Não somos amigos”, O Estado de São Paulo, 24.08.2007, disponível

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Isso conduz a fortes críticas doutrinárias, como os questionamentos

de Conrado Hübner Mendes e Virgílio Afonso da Silva. O primeiro autor

observa: “Se perguntarmos por que o STF decidiu um caso numa

determinada direção, não raro ficamos sem resposta. Ou melhor, ficamos

com muitas respostas que nem sequer conversam entre si, expressas nos

votos dos 11 ministros”.5 A preocupação com a questão, segundo o

pesquisador, reside no fato de que um Tribunal não pode construir suas

decisões a partir de uma soma de votos e, principalmente, com

divergências resultantes de meras vaidades. Caso contrário, a defesa dos

direitos fundamentais e a própria jurisdição constitucional se fragilizam.6

Em artigo sobre o tema, o professor Virgílio Afonso da Silva escreve

que o modelo brasileiro é marcado por ser um modelo de “deliberação

externa”, em contraposição a um modelo de “deliberação interna”.7 A

preocupação dos ministros em se posicionarem perante à sociedade e não

perante os pares levariam a características como a “quase total ausência de

trocas de argumentos entre os ministros”, a “inexistência de unidade

institucional e decisória” e a “carência de decisões claras, objetivas e que

veiculem a opinião do tribunal” (Silva, 2009, p. 217). O autor ressalta a

necessidade de que um tribunal superior de uma democracia constitucional

também se preocupe com suas relações internas (Silva, 2009, p. 211).

Nas próprias discussões ocorridas ao longo do ano na Escola de

Formação (EF), muito se criticou sobre a falta de pronunciamentos

coerentes, uma vez que eles eram formados sem uma organização dos

pontos comuns aos vários votos proferidos. Foi possível verificar as

em: http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/71579/2/complemento_1.htm. Acesso em: 03.06.2010). 5 Conrado Hübner Mendes, Onze Ilhas, Folha de São Paulo, Tendências e Debates, 01.02.2010, disponível em: http://avaranda.blogspot.com/2010/02/conrado-hub ner-mendes.html. Acesso em: 03.06.2010. 6 A mesma questão é suscitada por David R. Stras e James F. Spriggs, que demonstram como a falta de clareza inerente a um julgamento sem uma fundamentação única resulta no enfraquecimento da autoridade da Corte sobre os tribunais inferiores, que passam a decidir diferentemente do que os juízes constitucionais provavelmente desejavam (Stras e Spriggs, 2010, pp. 17-19). 7 Adotando uma distinção proposta por Ferejohn e Pasquino, afirma que “deliberação interna” se distingue de “deliberação externa”. O primeiro tipo se refere à “troca de razões e argumentos no interior de um grupo, no intuito de fazer com que esse grupo, como um todo, decida em uma determinada direção”; o segundo tipo “consiste no esforço de convencer atores externos ao grupo” (Silva, 2009, p. 210).

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implicações práticas dos problemas decisórios da Corte. É o exemplo do

julgamento na Rcl. 9428/DF (Caso da censura ao jornal Estado de S. Paulo),

na qual se discutia, para além da vinculação apenas à decisão desrespeitada

ou também aos seus fundamentos, a inexistência de uma opinião comum

ao Tribunal.8

O questionamento assume relevo a partir da maior valorização dos

precedentes no sistema jurisdicional brasileiro. A importância da discussão

sobre o modo de deliberação do Supremo Tribunal Federal, então, exige

uma atenção especial por parte dos estudiosos do direito, e é para atender

essa necessidade que procurei desenvolver o trabalho.

A hipótese a partir da qual iniciei a pesquisa foi a seguinte: existem

problemas decisórios no STF e eles podem ser encontrados a partir de uma

análise metódica de seus acórdãos. Esperava encontrar, portanto: (i) uma

grande dispersão de argumentos, com onze ministros construindo linhas de

raciocínio diferentes; (ii) falta de relação entre os votos proferidos; (iii) falta

de clareza quanto à definição da “opinião da Corte”, ou seja, de qual fora a

decisão tomada pelo colegiado; (iv) indícios de que os ministros votavam

com uma convicção anteriormente formada, de modo que a sessão não

serviria para alterar sua posição, mas apenas para o pronunciamento de

seu voto; (v) ausência de debates construtivos e de troca de ideias.9 Tudo

8 O Min. Cezar Peluso afirma, na Rcl. 9428/DF, quando o Plenário julgava o caso da censura ao jornal Estado de São Paulo: “É que aqui, diferentemente do que sucede em sistemas constitucionais estrangeiros, não há, de regra, tácita e necessária concordância entre os argumentos adotados pelos Ministros, que, em essência, quando acordes, assentimos aos termos do capítulo decisório ou parte dispositiva da sentença, já nem sempre sobre os fundamentos que lhe subjazem. Não raro, e é coisa notória, colhem-se, ainda em casos de unanimidade quanto à decisão em si, públicas e irredutíveis divergências entre os fundamentos dos votos que a compõem, os quais não refletem, nem podem refletir, sobretudo para fins de caracterização de paradigmas de controle, a verdadeira opinion of the Court.” (STF: Rcl 9.428/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 10.12.2009, p. 197 do acórdão; p. 23 do arquivo eletrônico). 9 Utilizo a palavra “debate” em dois sentidos na monografia. No primeiro sentido, “debate” é tomado como uma divisão formal do acórdão e um tipo de voto. Assim, votos “em debates” e análise de “debates” se referem ao momento no qual os ministros fazem apartes ou discutem entre si alguma questão. Em outras palavras, são todas as situações em que pelo menos dois ministros trocaram idéias entre si, seja para reforçar uma parte da argumentação do colega, seja para rebater algum fundamento do outro voto, por meio de apartes ou de pedidos de explicação, propostas ou esclarecimentos. No segundo sentido, utilizado principalmente na parte em que explico os vícios do processo decisório do Plenário do STF, “debate” não é uma mera interação entre os ministros, com apartes de lado a lado, mas sim uma efetiva troca de argumentos, com vistas ao convencimento e à formação de consenso, na tentativa de se chegar a uma decisão comum ou, ao menos, à explicitação das

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resultaria em dificuldades para a implementação dos efeitos práticos para a

decisão, especialmente quanto à interpretação conforme a Constituição.

Como resultado, pude confirmar diversos pontos assinalados por

Virgílio Afonso da Silva. Dois problemas que ficaram evidentes, por

exemplo, foram a falta de diálogo entre os ministros no momento de

formação de suas convicções e a indeterminação dos pontos a serem

tratados no julgamento. Além disso, notei que a existência de apenas um

único momento para apresentar, deliberar e julgar definitivamente o caso

pode ter influência na falta de um espaço deliberativo em Plenário.

Espero, portanto, fornecer subsídios empíricos para as críticas feitas

ao modelo decisório do Supremo Tribunal Federal, sem, no entanto, reduzir

a sua atividade a simplificações que podem distorcer os seus problemas. A

preocupação com uma rígida metodologia, que exponho a seguir, segue a

recomendação de Lawrence Baum: “Alguém que procure compreender por

que a Corte faz o que faz precisa aceitar a complexidade do processo pelo

qual a Corte chega a suas decisões” (Baum, 1987, p. 240).

1.2. Metodologia empregada

Em minha monografia, tentei constatar possíveis problemas do atual

processo decisório do Supremo Tribunal Federal, em especial nas sessões

de julgamento, para então levantar suas prováveis causas e apresentar

alternativas para o enfrentamento das dificuldades percebidas.

premissas da posição de cada ministro. Assim, quando afirmo que os debates na Corte são improdutivos, digo que as discussões não são capazes de produzir consenso nem de tornar explícitas as razões dos votos dos ministros. Trata-se de um conceito semelhante ao conceito de “deliberação interna” apresentado pelo professor Virgílio Afonso da Silva (ver nota n. 7). Esse conceito poderia ser ainda mais restrito, de forma a abranger apenas aquelas trocas de ideias nas quais um ministro aponta falhas na fundamentação do outro, demonstrando-as por meio de argumentos jurídicos ou mesmo consequencialistas, ou realça um ponto da argumentação que afirma ser importante para a decisão. Nesse caso, debate não seria uma mera troca de ideias visando ao convencimento, mas um verdadeiro exercício de desconstrução e reconstrução do raciocínio exposto pelos ministros, de tal sorte que as desvantagens e vantagens de cada construção jurídica pudessem ficar claras. Como bem ressaltou o professor Diogo R. Coutinho, durante a banca examinadora, o que “estão em jogo” são ideias e determinadas interpretações do direito, que podem ser confrontadas nas suas premissas. Assim, um colegiado que tratasse das mesmas questões não seria suficiente, pois ele deveria ser capaz de explorar essas discussões jurídicas e chegar a uma decisão que fosse pelo menos clara em seus pressupostos e harmônica em sua construção.

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O recorte metodológico que orientou o raciocínio foi feito com base

na análise de sete acórdãos do Tribunal. Busquei neles dados que pudessem

indicar dificuldades de compreensão, de justificação e de sistematização dos

motivos utilizados pelos ministros para suas decisões. A escolha foi feita a

partir de alguns critérios:

⇒ opção pelo controle abstrato de constitucionalidade (ADI, ADC,

ADPF): o motivo para isso é o fato de as decisões em controle

abstrato serem tomadas geralmente pelo Pleno, que é o órgão

composto por todo o colegiado do Tribunal. Além disso, constitui o

trabalho de maior destaque e maior repercussão política da Corte

nos últimos anos;

⇒ opção por decisões do Pleno: em meu universo de pesquisa não

considerei as decisões monocráticas, como, por exemplo, medidas

liminares em ações de controle de constitucionalidade, pois não

evidenciam algum processo colegiado de deliberação;

⇒ opção pelas decisões que aparecem na parte de “Pesquisa de

Jurisprudência” do sítio eletrônico do STF: como a página da

Internet não possui todos os julgamentos proferidos, quaisquer

decisões que se enquadrem nos critérios utilizados, mas não

apareçam na pesquisa eletrônica, não foram consideradas;

⇒ opção pelas decisões que envolvem a interpretação conforme a

Constituição, segundo o critério de busca “interpreta$ adj

conforme”: inicialmente a ideia era buscar, por meio de

Reclamações e Embargos de Declaração, os problemas do processo

deliberativo no STF. Todavia, verifiquei que o primeiro recorte

oferecia um grande problema: a rejeição da “transcendência dos

motivos determinantes” pela maioria do Tribunal.10 Se os ministros

10 A Ministra Ellen Gracie cita a Reclamação 2.475-AgR/MG, Rel. Min. Marco Aurélio (Caso da constitucionalidade da COFINS), como um julgamento no qual os ministros rejeitaram expressamente os motivos determinantes. O Min. Celso de Mello manifesta-se, em seus julgados monocráticos, no sentido de prestigiar o colegiado, que rechaçou a teoria, não obstante ele tenha entendimento pessoal em sentido contrário. A Min. Ellen Gracie cita essa posição do companheiro de bancada, tomada, por exemplo, na Rcl 7.280-MC/SP (Caso da eleição do Corregedor Regional do TRT da 15ª Região).

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não se sentiam vinculados aos fundamentos, a princípio não seria

possível identificar, em sede de Reclamação, problemas decorrentes

das deliberações nas decisões violadas. Por outro lado, a maioria

dos Embargos de Declaração era utilizada como se fosse um

sucedâneo recursal. Por isso, optei pelo recorte da interpretação

conforme a Constituição, pois me pareceu o único caso em que

indubitavelmente se exige uma remissão à argumentação da

decisão para que se possa compreendê-la, especialmente quando

ela é feita “nos termos do voto do Relator”;

⇒ opção por matérias relativas à Administração Pública e à Ordem

Econômica: o motivo para o recorte temático foi a necessidade de

redução no número de casos para uma análise qualitativa. Assim,

primeiramente optei por ler as ementas e os relatórios dos acórdãos

para então dividi-los nos seguintes temas: (i) Separação dos

Poderes; (ii) Administração Pública; (iii) Organização da Justiça; (iv)

Federalismo; (v) Ordem Tributária; (vi) Ordem Econômica; (vii)

Orçamento; (viii) Seguridade Social; (ix) Direitos Individuais.11 A

escolha pela Administração Pública e pela Ordem Econômica se deu

simplesmente por um juízo de conveniência baseado no número

razoável de decisões, somado à ideia de que tocam fortemente uma

discussão sobre a configuração do Estado, que favorece debates

ideológicos sobre a reforma estatal da década de 1990. Acredito

também que o recorte não compromete a análise, que poderia ser

igualmente válida, por exemplo, com casos de Direitos Individuais,

em função de um conflito entre posições mais liberais ou mais

conservadoras.

⇒ opção por um recorte temporal entre 21.06.2006 e 24.08.2010:

com esse critério busquei não apenas diminuir o número de

acórdãos como também reduzir a margem de variação da análise

por meio da delimitação de um espaço temporal no qual a

11 Inicialmente, a divisão seria feita de acordo com os Capítulos do texto constitucional. Contudo, optei por separar os temas conforme eles fossem aparecendo nos acórdãos e se distinguissem uns dos outros. Cheguei, assim, às nove categorias expostas, que pouco se diferenciam do que seria obtido se tivesse adotado a ideia inicial.

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composição da Corte fosse bastante homogênea. De fato, no

período considerado, apenas duas vagas sofreram alteração. Trata-

se da vaga deixada pelo Min. Sepúlveda Pertence, em 17.8.2007, e

ocupada pelo Min. Menezes Direito, em 29.08.2007, e da vaga

deixada pelo Min. Eros Grau, em 30.07.2010, recém-ocupada pelo

Min. Luiz Fux, em 03.03.2011. Com o falecimento do Min. Menezes

Direito, a vaga passou a ser ocupada, em 23.10.2009, pelo Min.

Dias Toffoli.

Em síntese, com esses recortes, cheguei a um total de 51 decisões

que citavam a interpretação conforme.12 Dessas, 46 eram decisões em

controle abstrato. Das 46, 24 não resultaram na proclamação final de

interpretação conforme e, portanto, poderiam não oferecer as dificuldades

que eu esperava encontrar, enquanto as outras 22 continham

pronunciamento de interpretação conforme a Constituição no dispositivo

decisório.

Essas 22 decisões foram agrupadas segundo os critérios temáticos

(anexo I), chegando-se a um número de 5 acórdãos apenas de

Administração e 1 acórdão de Administração e Direitos Individuais; 4

acórdãos apenas de Separação de Poderes; 2 acórdãos apenas de Direitos

Individuais; 2 acórdãos de Direitos Individuais e Organização da Justiça; 2

acórdãos apenas de Ordem Tributária; 2 acórdãos apenas de Seguridade

Social; 1 acórdão apenas de Ordem Econômica; 1 acórdão apenas de

Orçamento; 1 acórdão apenas de Organização da Justiça; 1 acórdão apenas

de Federalismo.

Portanto, o universo material da pesquisa restringiu-se a sete

acórdãos sobre Administração Pública e Ordem Econômica:

Administração Pública

ADC 12/DF (Caso do nepotismo)

ADI 125-6/SC (Caso da estabilidade excepcional dos servidores públicos

estaduais e municipais catarinenses)

12 Pesquisa no sítio eletrônico do STF (www.stf.jus.br), feita na Seção “Jurisprudência > Pesquisa”, com os seguintes parâmetros: (i) “interpreta$ adj conforme”; (ii) Plenário; (iii) 21.06.2006 a 24.08.2010; (iv) Acórdãos.

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ADI-MC 3854-3/DF (Caso dos tetos de remuneração da magistratura)

ADI-MC 4167-1/DF (Caso do piso salarial dos professores)

ADI-REF-MC 4178/GO (Caso dos concursos notariais)

ADI 1864/PR (Caso PARANAEDUCAÇÃO)

Ordem Econômica

ADPF 46-7/DF (Caso do monopólio dos Correios)

Essas decisões foram analisadas com base em alguns critérios, a

partir dos quais extraí meus dados. As informações foram agrupadas em

tabelas, que constam do corpo da monografia. Basicamente, realizei duas

análises: quanto aos votos dos ministros e quanto aos debates em Plenário.

Embora eu explique mais detidamente o método no tópico 2.2 da

monografia, vale sintetizar os principais critérios.

Assim, em relação ao primeiro ponto, procurei identificar: (i) as

questões tratadas pelos ministros em seus votos, i. e., quais os pontos que

tentavam resolver; (ii) os fundamentos utilizados para embasar suas

posições; (iii) o grau de relação entre o voto proferido e os votos

anteriores; (iv) as interações do ministro em Plenário, i. e., suas menções a

outros argumentos ou votos.

Quanto ao segundo ponto, procurei identificar: (i) em que momento

se iniciou o debate; (ii) quem iniciou a discussão e por qual motivo o fez;

(iii) quem participou das discussões; (iv) quais posições foram defendidas;

(v) qual foi o resultado, ou seja, se houve consenso ou dissenso.

Para descrever o processo decisório no Brasil, busquei livros e

artigos, com pouco sucesso, de modo que a parte principal da pesquisa

ficou por conta da sistematização do Regimento Interno do STF e das

informações que obtive a partir de visita in loco, realizada com a Escola de

Formação entre 14 e 16 de dezembro de 2010.

Também fiz uma pesquisa exemplificativa do processo decisório nas

outras Cortes, baseando-me em livros de doutrina e nos sítios eletrônicos

desses mesmos Tribunais. Tendo em vista a existência de dois modelos, o

norte-americano e o europeu, optei por escolher a Suprema Corte

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americana e alguns Tribunais Constitucionais europeus, que também

possuem diferenças entre si.13

A análise, nesse ponto, é meramente exemplificativa. Isso porque

pode haver uma grande diferença entre a prática e o que está positivado

nos regimentos internos. O quadro geral dos processos deliberativos foi

esquematizado em uma tabela comparativa segundo alguns critérios, tais

como: forma de escolha do Relator, existência de reuniões prévias ao

julgamento, possibilidade de mudanças entre os votos e a elaboração do

acórdão, etc. Ela encontra-se anexada à monografia.

Por fim, em relação à divisão formal, a monografia foi estruturada

em dois capítulos. No primeiro deles (Capítulo 2), analiso o processo

decisório no STF com base nos julgados selecionados. O capítulo é

introduzido por uma pequena sistematização do procedimento adotado no

controle abstrato de constitucionalidade, feita à luz do Regimento Interno

do STF (RISTF). Em seguida, são apresentados os sete acórdãos, sempre a

partir de dois pontos: a descrição do caso e o estudo analítico do

julgamento. Finalmente, exponho um panorama geral do que pode ser

percebido do conjunto dos casos.

No Capítulo 3, apresento as dificuldades mais importantes. Elas são

agrupadas em tópicos, cada um representando um vício do processo

decisório no STF. A ideia é mostrar quais os problemas estruturais e

comportamentais são os responsáveis pelas consequências negativas dos

procedimentos adotados na Corte.

Por fim, na conclusão proponho, com base no que observei nos

julgamentos e nos procedimentos estrangeiros, algumas idéias que

13 Não analisei nenhuma Corte latino-americana por dois motivos: em primeiro lugar, trata-se de um exame meramente exemplificativo dos procedimentos em outros lugares, não havendo um verdadeiro estudo de direito comparado; em segundo lugar, os dois principais modelos de decisão, como apontado pela doutrina, são os modelos europeu e americano. O modelo europeu, por sua vez, possui diferenças internas profundas em alguns aspectos. As Cortes escolhidas podem ser agrupadas segundo esses tipos ideais. Vale a menção, feita pelo professor Diogo R. Coutinho durante a banca examinadora, ao Tribunal Constitucional colombiano, que teria semelhanças com o Supremo Tribunal Federal, mas possuiria um perfil mais agregador.

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poderiam ajudar o Supremo Tribunal Federal a aprimorar a sua própria

forma de decidir os casos.

2. Análise do processo decisório do Plenário do STF

2.1. O processo decisório do Plenário do STF

A maior parte do procedimento decisório do Supremo Tribunal

Federal encontra-se disciplinada em seu Regimento Interno. Há a divisão

em Plenário e Turmas (art 3º, RISTF)14. O enfoque recairá sobre o primeiro,

responsável pelo controle de constitucionalidade em abstrato (art. 97,

CF/88)15.

O processo perante o Supremo é disciplinado pelos artigos 54 e

seguintes do RISTF e, no controle abstrato, pela Lei n. 9.868/99. Os autos

ficam à disposição do Presidente para que este proceda à distribuição (art.

60)16. Porém, ao contrário de outras Cortes analisadas, o Presidente nada

pode fazer em relação à designação do Relator, que deve ser feita mediante

sorteio eletrônico ou por prevenção, neste caso se um ministro já tiver

alguma relação com o processo (art. 66)17.18 A distribuição é aleatória

dentre todos os membros do Tribunal, exceto o Presidente (art. 67)19.

14 Dispõe o artigo: “Art. 3º - São órgãos do Tribunal o Plenário, as Turmas e o Presidente.”. 15 O artigo está assim redigido: “Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.”. 16 Dispõe o artigo: “Art. 60 - Verificado o preparo, sua isenção ou dispensa, os autos serão imediatamente conclusos ao Presidente para distribuição”. 17 Dispõe o artigo: “Art. 66 - O Presidente fará a distribuição em audiência pública, mediante sorteio, obrigatória e alternada, em cada classe de processo, ressalvadas as exceções previstas neste Regimento. Parágrafo único. Designado o Relator, ser-lhe-ão imediatamente conclusos os autos”. 18 No caso de ADI, ADI por omissão, ADC e ADPF, observa-se o disposto no art. 77-B, sobre a prevenção: “Na ação direta de inconstitucionalidade, na ação direta de inconstitucionalidade por omissão, na ação declaratória de constitucionalidade e na argüição de descumprimento de preceito fundamental, aplica-se a regra de distribuição por prevenção quando haja coincidência total ou parcial de objetos”. 19 Dispõe o artigo: “Art. 67 - Far-se-á a distribuição entre todos os Ministros, inclusive os ausentes ou licenciados por até trinta dias, excetuado o Presidente. § 1º A distribuição que deixar de ser feita a Ministro ausente ou licenciado será compensada, quando terminar a licença ou ausência, salvo se o Tribunal dispensar a compensação. § 2º Não será compensada a distribuição que deixar de ser feita ao Vice-Presidente, quando substituir o Presidente. § 3º Em caso de impedimento do relator, será feito novo sorteio, compensando-se a distribuição. § 4º Haverá também compensação quando o processo tiver de ser distribuído a determinado Ministro”.

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O Relator é o responsável por dirigir o processo. Para tanto, ele

possui diversos poderes:

⇒ poder de indeferir liminares (art. 4° e art. 15 da Lei n. 9.868/99 e

art. 4°, §2° da Lei n. 9.882/99);

⇒ poder de conceder liminar em período de recesso (art. 10, §1° da

Lei n. 9.868/99 e art. 5°, §§ 1° e 2° da Lei n. 9.882/99);

⇒ poder de admitir de amici curiae (art. 7°, §2° da Lei n. 9.868/99);

⇒ poder de aplicar o art. 12 da Lei n. 9.868/99;

⇒ poder de instrução processual (art. 6° e art. 11, caput da Lei n.

9.868/99 e art. 6°, caput da Lei n. 9.882/99);

⇒ poder de convocar audiências públicas e peritos (art. 5°, §§ 1°, 2°

e 3°; art. 20, §§ 1°, 2° e 3° da Lei n. 9.868/99; art. 6°, §1° da

Lei n. 9.882/99).

Também cabe ao Relator submeter questões de ordem ao Plenário ou

à Turma (art. 21, III, RISTF), pedir dia para julgamento (art. 21, X, RISTF)

e, principalmente, fazer o relatório, cujas cópias serão distribuídas

antecipadamente para os outros ministros (art. 87)20, e também proferir o

primeiro voto na sessão de julgamento. Segundo a Lei n. 9.868/99, que

disciplina o processo e o julgamento da ADI, da ADO e da ADC, após ouvir

as pessoas e órgãos aptos a participarem como sujeitos processuais, o

Relator “lançará o relatório, com cópia a todos os Ministros, e pedirá dia

para julgamento” (art. 9º, caput, e art. 20, caput, da lei 9.868/99). No

mesmo sentido há a previsão do art. 7º, caput, da Lei n. 9.882/99, que

disciplina o processo e julgamento da ADPF.

Recentemente foi introduzida na Corte a prática de se elaborar um

pequeno resumo sobre os processos em pauta para julgamento. Ele é

distribuído para os ministros como uma forma de definir os aspectos

20 Dispõe o artigo: “Art. 87 - Aos Ministros julgadores será distribuída cópia do relatório antecipadamente: I - nas representações por inconstitucionalidade ou para interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual; II - nos feitos em que haja Revisor; III - nas causas evocadas; IV - nos demais feitos, a critério do Relator.”

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essenciais do caso a ser julgado, como partes, pedido, causa de pedir,

histórico processual e, principalmente, a tese em questão (anexo II).21

As sessões serão públicas, salvo quando o próprio Regimento ou o

Plenário (ou Turmas) determinarem o contrário (art. 124). Por outro lado,

em geral serão secretas deliberações sobre ação penal originária, avocação

de causas, revisão criminal, intervenção federal e outros tipos de incidentes.

No tocante à votação em controle abstrato, não há nenhuma norma

expressa no RISTF que permita o segredo.22

Reuniões prévias e secretas entre os ministros por vezes são

realizadas, em que pese a falta de institucionalização da medida, como

ocorreu antes do julgamento do caso do “Mensalão”. Segundo Kennedy

Alencar, a Min. Ellen Gracie desejava reunir os ministros para “afinar o

discurso do Supremo”. Além disso, o Min. Joaquim Barbosa teria enviado

para seus pares um resumo de seu voto, recebendo comentários e

esclarecendo dúvidas.23 Uma reunião prévia também teria ocorrido antes do

julgamento da ADI sobre a obrigatoriedade da apresentação do título de

eleitor e de um documento com foto para votar nas eleições de 2010.24

Na sessão, o relatório é lido pelo ministro Relator. Seguem-se as

sustentações orais (art. 131). As manifestações dos ministros são

disciplinadas, só podendo ocorrer por duas vezes sobre a matéria e mais

uma vez, quando da explicação de uma eventual mudança de voto (art.

133). Poderá haver apartes quando outro Ministro estiver proferindo seu

21 A informação foi obtida em visita à Secretaria de Sessões do STF, em dezembro de 2011. 22 A. Baleeiro compara a previsão do RISTF vigente no final dos anos 60, semelhante à atual, com o funcionamento da Suprema Corte norte-americana: “O Supremo Tribunal, como, aliás, todos os Tribunais brasileiros, decide publicamente, emitindo cada juiz de viva voz seu voto, lido ou taquigrafado. Em contraste, a Côrte Suprema ouve durante uma quinzena, seguidamente, os advogados, concedendo uma hora ao patrono de cada parte. Na quinzena imediata, delibera de portas fechadas, designando um justice, inclusive o próprio presidente, o chief justice, para lavrar a decisão, à qual os dissidentes podem juntar seus votos vencidos” (BALEEIRO,1968, p. 118). 23 Kennedy Alencar, STF faz debate prévio sobre denúncia do mensalão, Folha de S. Paulo, 19.08.2007, disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/colu nas/brasiliaonline/ult2307u321102.shtml. Acesso em: 04.03.2011. 24 Felipe Recondo e Mariangela Gallucci, Telefonema entre Serra e Mendes gera tensão na corte, O Estado de S. Paulo, 01.10.2010, disponível em: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101001/not_imp618141,0.php. Acesso em: 04.03.2011.

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voto, e eles podem ser cancelados por quem os fez, não constando

necessariamente no acórdão.

O julgamento na sessão é disciplinado pelo art. 135:

Art. 135 - Concluído o debate oral, o Presidente tomará os votos do

Relator, do Revisor, se houver, e dos outros Ministros, na ordem

inversa da antigüidade.

§ 1º Os Ministros poderão antecipar o voto se o Presidente autorizar.

§ 2º Encerrada a votação, o Presidente proclamará a decisão.

§ 3º Se o Relator for vencido, ficará designado o Revisor para redigir

o acórdão.

§ 4º Se não houver Revisor, ou se este também tiver sido vencido,

será designado para redigir o acórdão o Ministro que houver proferido

o primeiro voto prevalecente.

O julgamento se inicia e termina na mesma sessão (art. 139). Ocorre

depois do relatório e da sustentação oral, através da tomada de votos de

cada um dos ministros. Não há qualquer período posterior para a

elaboração da decisão, que será proclamada logo após a votação.

É possível haver pedido de vista por algum dos julgadores. Nesse

caso, o julgamento é suspenso até que o processo seja apresentado

novamente. Ao contrário do que acontece, por exemplo, no Tribunal

italiano, os votos proferidos são computados mesmo na hipótese de quem

os proferiu ter saído do cargo. Por outro lado, ao contrário do Tribunal

espanhol, um ministro que não tenha assistido ao Relatório ou aos debates

poderá proferir voto se se declarar esclarecido (art. 134).

O procedimento para a redação do acórdão é muito simples, ficando

a cargo do Relator, quando for o vencedor, ou do Ministro que houver

proferido o primeiro voto da corrente majoritária, quando o Relator for

vencido (não há Revisor em controle abstrato). Sobre a sua elaboração,

Aliomar Baleeiro descreve o procedimento ao final da década de 60:

“Geralmente, os ministros redigem previamente os votos, para serem

lidos. Terminado o julgamento, os autos, o relatório e os votos vão

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para a Seção de Taquigrafia, que junta as notas ou resumos dos

debates. Os ministros fazem a revisão das notas taquigráficas e das

cópias do relatório e do voto. Os originais ficam arquivados. No

passado, o relator redigia do próprio punho o acórdão e a ementa.

Atualmente, só esta é redigida pelo juiz. O Acórdão tem hoje sentido

apenas formal, pois os fundamentos e o alcance da decisão constam

dos votos escritos ou taquigrafados, que o integram.” (Baleeiro,

1968, p. 119).

No RISTF, o procedimento para a elaboração do acórdão final é

descrito nos artigos 93 e seguintes, tendo sido atualizado em 2008. O

acórdão conterá as conclusões e a transcrição do áudio do julgamento (art.

93). Essa transcrição diz respeito ao relatório, à discussão, aos votos

fundamentados e às perguntas feitas aos advogados, bem como suas

respostas (art. 96).

Os ministros que participaram do julgamento podem encaminhar os

votos escritos para a Secretaria das Sessões, que os anexa ao acórdão. Os

votos podem não corresponder exatamente ao que foi proferido na sessão

que julgou o caso. Nesse caso, o STF já decidiu que prevalece a gravação

do áudio.25 Da mesma forma, o voto pode ser revisado de modo a conter

posições surgidas nos debates em Plenário, inclusive mudanças no

resultado. Por outro lado, pode acontecer de os Gabinetes não liberarem os

votos no prazo exigido (20 dias a partir da sessão). Nesse caso, a

Secretaria das Sessões transcreve o áudio, com a ressalva de que não

houve revisão.

Terminada a transcrição, com ou sem todos os votos, os autos são

encaminhados ao Relator original ou ao Redator para o acórdão, a fim de

que ele elabore o acórdão e a ementa, dentro de 10 dias (art. 96, §4º). Ele

pode aguardar pelos pronunciamentos faltantes ou pode publicar o

documento sem os votos. Em tese, é possível haver apenas a manifestação

25 STF, Pleno, ADI 2581 ED, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 15.04.2009. Ementa: “EMBARGOS DECLARATÓRIOS - CONTRADIÇÃO - AFASTAMENTO. Há contradição quando o voto de desempate juntado ao processo, sem revisão do autor, surge conducente a conclusão diversa da constante da proclamação. Dá-se o afastamento da citada contradição a partir de degravação do áudio, com documentação do voto realmente proferido”.

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do Relator, sem que isso signifique, porém, que outros votos inexistam,

inclusive participações em sentido contrário.

Ao final, ainda é acrescentado o extrato da ata, que contém as

informações básicas, como a decisão tomada, os nomes daqueles que

participaram do julgamento e daqueles que não participaram, seus

pronunciamentos, etc. (art. 97). No extrato é possível verificar a posição

dos ministros cujos votos não estão no acórdão. Este, então, é publicado no

Diário de Justiça.

Após essa apresentação, vale ressaltar que a análise empreendida

nesse trabalho está baseada nessa descrição. Qualquer prática que esteja

presente no Tribunal, mas confinada ao seu âmbito interno, não foi

considerada.

2.2. Análise de julgados

A seguir são tratados os julgados selecionados para a pesquisa. São

sete acórdãos, de variados tamanhos e diferentes graus de complexidade.

Foi feita uma descrição isolada de cada caso, com enfoque naqueles dados

que permitem identificar problemas e responder às perguntas propostas

para a pesquisa. Nessa parte, verifiquei:

⇒ quem é o Relator do caso;

⇒ qual foi a estrutura do Relatório apresentado;

⇒ como foi a condução da discussão, i. e., quais foram as questões

trazidas e decididas em Plenário;

⇒ como foi a relação entre os votos proferidos, i. e., as referências

entre os votos;

⇒ qual foi o resultado do julgamento;

⇒ qual foi a ratio (ou rationes) decidendi extraída do conjunto de votos

vencedores, especialmente no tocante à interpretação conforme a

Constituição;

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⇒ a existência de conformidade entre a ementa redigida pelo Relator ou

pelo Redator para o acórdão e o que foi decidido pelo Tribunal.

Para tanto, criei tabelas para cada um dos acórdãos, nas quais

constam as seguintes informações:

1) Tabelas de votos

⇒ Questões a serem respondidas / Fundamentos: procurei as questões

centrais tratadas em cada voto, bem como os fundamentos que

poderiam ser atribuídos a cada uma delas. Fundamentos contrários

ou de reforço ao voto do Relator que não tiverem sido tratados pelos

ministros anteriores são indicados como “novos”;

⇒ Forma do voto: procurei verificar se os votos mantinham relação com

outros votos ou se eram construídos em conjunto. Criei quatro

categorias para os votos:

a) votos não-relacionais: não fazem qualquer menção a votos

anteriores ou, se o fazem, apenas mencionam o resultado,

acompanhando-o ou não. Enquadram-se aqui todos os votos

dos relatores;

b) votos relacionais: fazem menção a votos anteriores,

explorando algum argumento específico, seja para realçá-lo,

seja para rebatê-lo;26

c) votos em debates: são votos construídos em meio a apartes

dos outros ministros;

d) votos sem fundamentação própria: são votos que

simplesmente acompanham outros anteriormente proferidos,

26 Nesse caso, adotei um conceito bastante amplo, englobando na categoria de votos relacionais quaisquer votos que fizessem, na fundamentação, uma remissão ao fundamento ou ao resultado de outro voto na fundamentação. Essa categoria poderia, porém, ser muito mais restrita, de tal forma que só fossem considerados relacionais aqueles votos que: (i) apontassem explicitamente falhas na fundamentação de outro, tentando ou não supri-la; (ii) reforçasse explicitamente algum argumento presente em outro voto; (iii) partisse dos resultados ou de um fundamento de outro voto para desenvolver a sua própria linha de raciocínio ou seus próprios questionamentos; (iv) fizesse qualquer menção aos efeitos e consequências de outro voto.

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sem manifestar fundamentação própria, ou que não foram

anexados ao acórdão pelo Relator antes da publicação.

⇒ Interação em Plenário: associa-se com o critério anterior para indicar

as relações que o voto estabelece com as posições dos outros

ministros durante a realização da sessão do Plenário.

2) Tabelas de debates

⇒ Momento do debate: busquei saber se o debate surge durante a

exposição de um voto ou no intervalo entre um voto e outro;

⇒ Quem inicia / Motivo: procurei quem foi o responsável por iniciar o

debate, i. e., quem fez o primeiro aparte, e qual foi o seu motivo.

Para tanto, criei três categorias de situações:

a) esclarecimento: um ministro pede a outro que lhe dê

esclarecimentos;

b) bloqueio: um ministro se contrapõe ao raciocínio exposto

por outro ou tenta impedir uma manifestação contrária;

c) nova questão: um ministro faz um aparte para suscitar uma

nova questão;

⇒ Participantes: procurei saber quais os ministros que participam dos

debates;

⇒ Posições: verifiquei quais as posições dos ministros envolvidos. Nas

hipóteses em que convergiram para o mesmo ponto, não trabalhei

com os argumentos de todos;

⇒ Resultados: procurei os resultados das discussões, ou seja, a

produtividade dos debates. Para isso, trabalhei com duas categorias:

a) consenso: algum ou alguns ministros expressaram uma

posição e saíram da discussão com outra;

b) dissenso: nenhum ministro alterou a posição expressada no

início do debate.

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A apresentação dos julgados está disposta segundo a data do

julgamento, e os casos são nomeados para facilitar a sua identificação.

2.2.1. Caso da estabilidade excepcional dos servidores

públicos estaduais e municipais catarinenses: ADI 125-6/SC,

Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 09.02.2007

A Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 125-6/SC foi ajuizada pelo

Governador do Estado de Santa Catarina contra artigos do ADCT da

Constituição daquele Estado. Os dispositivos impugnados fixavam o regime

de aquisição de estabilidade excepcional pelos servidores públicos estaduais

e municipais catarinenses que não tivessem ingressado antes do novo

marco constitucional de 1988, sendo inconstitucionais por não respeitarem

os limites impostos pela Constituição Federal.27 Basicamente, eles

estabeleciam a Constituição Estadual, não a Federal, como marco para o

cálculo dos cinco anos necessários à estabilidade excepcional, além de abrir

outras exceções.

Uma descrição mais detalhada do caso e da dinâmica de julgamento

pode ser vista no anexo III, de modo que as passagens citadas a seguir são

as mais importantes para a minha análise.

Verifica-se que o voto do Relator, Min. Sepúlveda Pertence, trouxe

três questões centrais: (i) cabimento da ação; (ii) constitucionalidade dos

pressupostos trazidos no ADCT da Constituição catarinense; (iii) solução do

problema dos professores temporários contratados antes da Constituição

catarinense, que poderiam ganhar a estabilidade, impactando o orçamento.

27 Os artigos impugnados eram o art. 6º, §3º, e 15 do ADCT, com o seguinte teor: “Art. 6º Os servidores públicos civis do Estado e dos Municípios, da administração direta, autárquica e fundacional, inclusive os admitidos em caráter transitório, em exercício na data da promulgação da Constituição há pelo menos cinco anos, continuados ou não, são considerados estáveis no serviço público. (...) § 3º Será apostilado, de imediato ou logo após, conforme o caso, para que se declare seu direito, o título de servidor que tiver preenchido ou que, admitido em data anterior a instalação da Constituinte, vier a preencher as condições estabelecidas neste artigo. (...) Art. 15. Ficam extintos os efeitos jurídicos de qualquer ato legislativo ou administrativo lavrado a partir da instalação da Assembléia Nacional Constituinte, convalidados os anteriores, que tenham por objeto a concessão de estabilidade a servidor admitido sem concurso público, da administração direta ou indireta, inclusive das fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público”.

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Como resultado, o Ministro votou não conhecendo a ação na parte

em que impugnava a aplicação dos dispositivos, pois a matéria já teria sido

julgada anteriormente, além de declarar a inconstitucionalidade de

expressões constantes nos arts. 6°, caput e §3°, e declarar integralmente

inconstitucional o art. 15.

Em seguida, a Min. Cármen Lúcia pediu esclarecimentos sobre um

aspecto não observado pelo Relator, como admitido por ele mesmo28: como

ficaria a ambiguidade do art. 6º, caput, que passava a ter como redação

“em exercício na data da promulgação da Constituição há pelo menos cinco

anos”? A qual Constituição o dispositivo se referiria, à Federal ou à

Estadual? Para a Ministra, com a solução do Relator, o artigo se manteria

incólume nessa parte, mas poderia ser inconstitucional se interpretado no

sentido de ser a Constituição Estadual. Nota-se que ela parte do resultado

do voto anterior, analisando o art. 6º depois de depurado das

inconstitucionalidades apontadas, para levantar um quarto ponto a ser

debatido pelos ministros (iv).

Após essa observação, o Min. Sepúlveda Pertence suscitou a proposta

de se fazer uma interpretação conforme, a fim de se estabelecer que a

Constituição a que se refere o art. 6º, caput, é a Constituição Federal.29

Com esse acréscimo, a Min. Cármen Lúcia seguiu integralmente o Relator.

Acredito ser relevante a atitude do Ministro, quem, diante do problema,

apresentou uma proposta e construiu parte da decisão naquele momento,

em Plenário, com seus pares.

28 Isso pode ser constatado no seguinte trecho do debate: “A Senhora Ministra Cármen Lúcia: [...] É de se entender que ‘da Constituição’ é desta, a Estadual, e estaríamos quebrando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, arrostando toda a doutrina e, realmente, dando um ano de presente. O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Realmente, consta ‘da Constituição’. A Senhora Ministra Cármen Lúcia: ‘Da Constituição’ pode ser, inclusive, uma técnica” (STF: ADI 125-6/SC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 09.02.2007, p. 13 do acórdão; p. 13 do arquivo eletrônico). 29 O diálogo entre os dois ministros termina da seguinte forma: “O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Não tenho nada a objetar a que se explicite a restrição, como interpretação conforme. A Senhora Ministra Cármen Lúcia: Isso. Então, eu gostaria que ficasse como sendo interpretação conforme, quando se trata da Constituição, o que significa quem tivesse quatro anos na data da promulgação desta Constituição” (STF: ADI 125-6/SC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 09.02.2007, p. 14 do acórdão; p. 14 do arquivo eletrônico).

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Essas são as quatro questões resolvidas pela Corte no julgamento.

Todas foram debatidas ou pelo menos resolvidas no Plenário. O Min. Carlos

Britto ainda teceu considerações sobre o cabimento da ação, inconformado

com o fato de a Constituição Estadual não dar margem para que as Leis

Orgânicas determinassem o regime de estabilidade dos servidores públicos,

mas elas não levaram a nenhuma conclusão, nem conduziram o próprio

Ministro a votar em sentido contrário ao Relator.

Como resultado final, o Plenário aderiu unanimemente ao voto do

Relator, com o acréscimo da interpretação conforme ao art. 6º, caput.

Nenhuma outra manifestação além das três mencionadas pode ser vista no

acórdão.

Em relação aos fundamentos, eles constam apenas no voto do

Relator, com exceção da solução apresentada para a redação do art. 6º,

caput, que foi construída conjuntamente pelos ministros. Nenhum ministro

trouxe fundamentos que pudessem ser acrescentados ao voto do Relator.

No tocante aos tipos de votos, verificam-se um “não-relacional” (do

Relator) e dois “em debates”. Destes, o primeiro (Min. Cármen Lúcia) traz

uma nova questão a ser discutida e o segundo (Min. Carlos Britto) não tem

grandes consequências. Também vale mencionar que, com exceção do voto

do Min. Sepúlveda Pertence, nenhum voto escrito foi anexado ao acórdão.

Mesmo as participações dos outros dois ministros foram transcritas a partir

do áudio. Além deles, sete ministros acompanharam o Relator, mas seus

fundamentos não constam do documento. Não parece ter havido, então,

grandes divergências quanto à ratio que norteou o julgamento após o

acréscimo da interpretação conforme para o art. 6º, caput.

Outro aspecto da decisão diz respeito aos debates. Há dois momentos

de discussão no acórdão, ambos em votos dos ministros. Destaco, além do

que já foi dito, que nos dois casos obteve-se consenso. Mesmo a discussão

durante o voto do Min. Carlos Britto, originada de um aparte de bloqueio do

Min. Sepúlveda Pertence, resultou na resignação daquele frente aos

argumentos trazidos pelo último.

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22

No tocante à interpretação conforme a Constituição, não identifiquei

divergências na fundamentação que pudessem comprometer a

compreensão do que foi decidido. O Relator, Min. Sepúlveda Pertence,

incorporou a proposta ao seu voto, que foi acompanhado por todos depois

dele sem maiores considerações.

Finalmente, em relação à estrutura do acórdão, o Relatório da

decisão transcreve os dispositivos impugnados, os argumentos do

requerente pela inconstitucionalidade e pela medida cautelar, além de citar

a ementa do julgado da liminar e a posição da Procuradoria-Geral da

República, a favor da procedência do pedido. Por sua vez, a ementa do

julgado não oferece maiores dificuldades, uma vez que a posição do Relator

prevaleceu integralmente dentre os membros da Corte.30

Esquematizei esses dados nas tabelas apresentadas a seguir:

30 É o que pode se concluir a partir da leitura da ementa redigida pelo Min. Sepúlveda Pertence: “Ação direta de inconstitucionalidade: arts. 6º, § 3º, e 15 do ADCT da Constituição do Estado de Santa Catarina, que disciplinam a aquisição da estabilidade excepcional pelos servidores públicos civis do Estado e dos Municípios, da administração direta, autárquica e fundacional, inclusive os admitidos em caráter transitório, em exercício na data da promulgação da Constituição há pelo menos cinco anos, continuados ou não. 1. Servidor público: estabilidade extraordinária (ADCT/88, art. 19): restrição ou ampliação dos seus pressupostos por normas estaduais: inconstitucionalidade. Assentou a jurisprudência do Supremo Tribunal, ainda sob a égide da Carta pretérita, a impossibilidade de as normas locais - constitucionais ou ordinárias - criarem formas diversas e mais abrangentes de estabilidade no serviço público (v.g. RP 902, Baleeiro, DJ 27.9.74; Rp 851, Thompson, DJ 25.11.71; Rp 859, Amaral, DJ 5.11.71; Rp 862, Luiz Gallotti, RTJ 59/59). Essa orientação não foi modificada com o advento da Constituição de 1988, devendo-se interpretar estritamente a concessão da estabilidade excepcional pelo art. 19 ADCT e somente admitida com a observância dos pressupostos nele estabelecidos: v.g. ADIn 391/CE, Brossard, DJ 16.9.94; ADIn 495/PI, Néri, DJ 11.2.00; ADIn 498/AM Velloso, DJ 9.8.96; ADIn 100/MG, Ellen, DJ 1º.10.04. Ação direta julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade das expressões "inclusive os admitidos em caráter transitório", no caput do art. 6º; "ou que, admitido em data anterior à instalação da Constituinte, vier a preencher", no § 3º do art. 6º; e do art. 15, em sua integralidade; e para atribuir interpretação conforme à expressão "em exercício na data da promulgação da Constituição há pelo menos cinco anos", do caput do referido art. 6º, para reduzir a referência à Constituição Federal. 2. ADIn prejudicada, quanto às expressões "e dos Municípios" e "ou não", constantes do art. 6º impugnado, que já foram objeto da ADIn 208, Moreira Alves, DJ 19.12.02, julgada procedente apenas quanto à possibilidade de considerar-se o prazo de cinco anos de forma não continuada, mantida a inclusão na norma dos servidores municipais”.

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2

3

Tabela 1: votos dos ministros na ADI 125-6/SC

Ministro

Questões a serem resolvidas / Fundamentos

Tipo

Interação em Plenário

Sepúlveda

Pertence

(Relator)

1) ap

licação do reg

ime aos M

unicípios: prejudicad

a em relação

à questão dos M

unicípios: ADI 208

2) constitucion

alidad

e dos dispositivos do A

DCT d

a Constituição Estad

ual: inconstitucion

al por n

ão

seguir os requisitos do art. 19 do ADCT da CF8

8

3)

situação dos professores contratados

de

form

a temporária:

pequen

os intervalos

não

descaracterizam a continuidade

Voto não-

relacion

al

(Relator)

Cármen Lúcia

4) redação “Da Con

stituição

” no art. 6º, caput: “Da Constituição” deve se referir à Constituição Federal

Voto em

deb

ates

Parte do resultado do voto do Relator para

suscitar uma nova questão

Ricardo

Lewandowski

Voto sem fundam

entação própria que acompanha o voto do Relator

Joaquim

Barbosa

Voto sem fundam

entação própria que acompanha o voto do Relator

Carlos Britto

1) ap

licação do reg

ime ao

s Municípios: não

se deixou liberdade para que a Lei Orgân

ica disciplinasse o

regim

e (novo)

Voto em

deb

ates

Aborda uma questão que o Relator demonstrou

ter sido objeto de ou

tra ação

Cezar Peluso

Voto sem fundam

entação própria que acompanha o voto do Relator

Gilmar Mendes

Voto sem fundam

entação própria que acompanha o voto do Relator

Marco Aurélio

Voto sem fundam

entação própria que acompanha o voto do Relator

Celso de Mello

Voto sem fundam

entação própria que acompanha o voto do Relator

Ellen Gracie

Voto sem fundam

entação própria que acompanha o voto do Relator

Eros Grau

Ausente

Tabela 2: debates entre os ministros na ADI 125-6/SC

Momento

do Debate

Quem inicia /

Motivo

Quem participa

O que se discute

Quais as posições

Quais os resultados

1º Debate

Voto da

Min.

Cármen

cia

Min. Cármen

cia

Nova questão

Min. Cármen

Lúcia

Min. Sepúlveda

Pertence (Relator)

Min. Marco Aurélio

Redação ambígua do

dispositivo impugnad

o

(“Da Constituição”)

Min. Cármen

Lúcia: leitura pod

e ser tanto

“Con

stituição

Estadu

al” como “Constituição

Federal”

(não

há posição oposta)

Os Ministros acrescentam a

interpretação con

form

e a

Constituição ao vo

to do Relator

Consenso

2º Debate

Voto do

Min. Carlos

Britto

Min. Sepú

lveda

Pertence

Bloqueio

Min. Cármen

Lúcia

Min. Sep

úlved

a

Pertence (Relator)

Min. Carlos Britto

Aplicação do

dispositivo aos

servidores municipais

Min. Sep

úlved

a: a questão já foi julgada e

que o próprio art. 19 do ADCT traz isso

(não há posição oposta3

1)

Os Ministros não

con

hecem da ação

no ponto relativo aos servidores

municipais

Consenso

31 O M

in. Carlos Britto aceitou

que os servidores municipais fossem

abrangidos, m

as ap

enas por causa da força do dispositivo

constitucional.

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24

2.2.2. O Caso dos tetos de remuneração da magistratura: ADI-

MC 3854-1/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007

A ADI 3854-1/DF foi ajuizada pela Associação dos Magistrados

Brasileiros (AMB) contra o art. 1º da Emenda Constitucional n. 41/03, que

deu nova redação ao art. 37, XI.32 Também se voltou contra o art. 2º da

Resolução 13/06 e contra o art. 1º, parágrafo único, da Resolução 14/06,

ambas do CNJ.33 No caso, esses artigos seriam responsáveis por criar

limites remuneratórios diferenciados para as magistraturas estadual e

federal, colocando a primeira em situação de inferioridade e, por

consequência, violando tanto o caráter nacional do Poder Judiciário como o

princípio da isonomia (para a descrição do julgado, ver anexo III).

Verifica-se que, basicamente, cinco pontos foram levantados pelos

ministros: (i) a possibilidade de discriminação de tetos de remuneração

global do Judiciário; (ii) o periculum in mora; (iii) o controle de

constitucionalidade de emendas constitucionais; (iv) a constitucionalidade

do escalonamento de subsídios na Justiça Federal; (v) as vantagens que

compõem a remuneração dos magistrados de ambas as Justiças.

32 Eis o dispositivo impugnado: “Art. 1º A Constituição Federal passa a vigorar com as seguintes alterações: "Art. 37. XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;”. 33 Eis os dispositivos impugnados das Resoluções 13/06 e 14/06, respectivamente: “Art. 2º. Nos órgãos do Poder Judiciário dos Estados, o teto remuneratório constitucional é o valor do subsídio de Desembargador do Tribunal de Justiça, que não pode exceder a 90,25% (noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento) do subsídio mensal de Ministro do Supremo Tribunal Federal.” e “Art. 1º. (...) Parágrafo único. Enquanto não editadas as leis estaduais referidas no art. 93, inciso V, da Constituição Federal, o limite remuneratório dos magistrados e dos servidores dos Tribunais de Justiça corresponde a 90,25% (noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento) do teto remuneratório constitucional referido no caput, nos termos do disposto no art. 8º da Emenda Constitucional nº 41/2003.”.

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Dos cinco problemas, apenas o primeiro foi discutido por todos, e a

maioria seguiu aproximadamente a mesma linha de fundamentação,

defendendo o caráter unitário e nacional do Poder Judiciário. O periculum in

mora foi abordado apenas no voto do Relator, para conceder a medida, e no

voto do Min. Joaquim Barbosa, para negá-la. Todos os outros parecem ter

seguido o Relator quanto ao ponto.

Os outros problemas apareceram como tópicos secundários do

julgamento. Assim, a discussão sobre o controle de constitucionalidade das

emendas foi suscitada pelo Min. Joaquim Barbosa para reforçar sua postura

de autocontenção, sendo retomada pelo Min. Gilmar Mendes, que fez

acréscimos teóricos sobre o tema. O ponto, porém, não foi alvo de

apreciação pelos outros Ministros em seus votos.

A questão da constitucionalidade do escalonamento na Justiça Federal

foi aventada no voto do Min. Carlos Britto, mas não prosperou,

especialmente diante da distinção entre teto remuneratório e limite de

vencimentos. O ponto foi discutido e rechaçado nos debates em Plenário.

Por fim, a questão das vantagens que compõem a remuneração dos

magistrados foi primeiramente discutida pelos Ministros Sepúlveda Pertence

e Cezar Peluso, após pedido de esclarecimento formulado pelo primeiro.

Posteriormente, o Min. Gilmar Mendes retoma o ponto, reforçado pelo Min.

Sepúlveda Pertence, para destacar a importância de ficarem claras as

vantagens de que tratava a Corte. Novamente, contudo, não houve

manifestação de todos os ministros sobre a questão.

Como resultado final, ampla maioria acompanhou o voto do Relator

(oito ministros), inclusive pela interpretação conforme a Constituição, com

exceção do Min. Joaquim Barbosa, que indeferia a liminar, e do Min. Marco

Aurélio, que a deferia apenas em relação às Resoluções do CNJ.

Em relação à fundamentação, verifica-se que os ministros que

formaram a maioria seguiram basicamente a mesma linha de raciocínio. No

caso, enfatizaram o caráter nacional do Judiciário e a vedação ao

tratamento discriminatório dos magistrados em função da diferença entre as

Justiças Federal e Estaduais.

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Outros fundamentos se destacaram, mas não foram utilizados por

todos. É o caso da vinculação entre o caráter nacional e unitário do Poder

Judiciário e o princípio federativo, o que sujeitaria a discriminação a uma

análise também perante a cláusula-pétrea da Federação. Essa menção

consta dos votos dos Ministros Carlos Britto, Gilmar Mendes e Sepúlveda

Pertence, mas não foi incorporada na fundamentação final.

Por outro lado, o Ministro Marco Aurélio seguiu a mesma

fundamentação, mas chegou a uma conclusão diversa. Por não considerar

factível a interpretação do CNJ, deixou de optar pela interpretação conforme

a Constituição e simplesmente suspendeu as resoluções respectivas do

órgão.

No tocante aos votos proferidos, verificam-se três “não-relacionais”,

quatro “relacionais” e três “em debates”. Três dos quatro votos relacionais

limitaram-se a reforçar pontos na fundamentação do Min. Cezar Peluso. Por

outro lado, os votos proferidos em debates tiveram um grande destaque no

julgamento.

Assim, por exemplo, a participação do Min. Carlos Britto, embora

tenha chegado à mesma conclusão do Relator, foi benéfica para gerar uma

reflexão maior sobre o objeto do problema essencial da causa: a existência

de tetos remuneratórios, não de limites de subsídios, diferenciados. Houve

uma intensa participação dos ministros nos debates para circunscrever a

questão central do julgamento.

No debate, o Min. Carlos Britto construiu seu raciocínio tomando

como parâmetro os vencimentos dos ministros do STF, que deveriam ser

inalcançáveis. Os subsídios dos membros da Justiça Federal, então,

deveriam ficar limitados a 95% desses vencimentos. No entanto, segundo

os outros ministros, principalmente os Ministros Cezar Peluso, Marco Aurélio

e Sepúlveda Pertence, o problema não se resumia apenas aos subsídios,

englobando também todas as vantagens percebidas. Por isso, estava-se a

discutir o teto de remuneração global, não o limite de vencimentos.34

34 É nesse sentido que se manifestou o Min. Cezar Peluso, durante os debates: “O que se discute aqui, Ministro, é a função dos subsídios dos ministros do Supremo como teto de

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Da mesma forma, a participação do Min. Gilmar Mendes serviu para

esmiuçar ainda mais a posição da Corte. A seu pedido, o Min. Cezar Peluso

esclareceu as opções de decisão à disposição dos ministros:

“O Senhor Ministro Cezar Peluso (Relator) – Parto do seguinte

pressuposto: para quem vê, no art. 37, XI, um texto com várias

normas, destacaria a que estabelece a diferença de teto

remuneratório, a qual consideraria inconstitucional. Para quem acha

que ali não há várias normas, mas uma só, com múltiplas hipóteses,

eu adotaria a ‘interpretação conforme’ para dispor que não abrange o

teto remuneratório da magistratura estadual.” (STF: ADI-MC 3854-

1/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007, p. 765 do acórdão; 43

do arquivo eletrônico)

O Min. Gilmar Mendes também ressaltou a importância de se deixar

consignado que as vantagens não eram permanentes. Por fim, trouxe

subsídios para a discussão sobre o controle de constitucionalidade de

emendas, que foi justamente um ponto levantado pelo Min. Joaquim

Barbosa para indeferir a liminar.

Em relação à sequência de votos, percebe-se que os votos proferidos

após a participação do Min. Joaquim Barbosa trazem outros elementos para

a argumentação, discutindo ainda a opção pela interpretação conforme a

Constituição ou não. Isso pode ter algumas explicações, como os intensos

debates ocorridos a partir da intervenção do Min. Carlos Britto, ou mesmo a

maior preocupação em se fixar uma posição diante da divergência (casos do

Min. Carlos Britto, no início, e do Min. Marco Aurélio).

Quanto aos debates, verifica-se que por duas oportunidades ministros

pediram esclarecimentos ao Relator. O Min. Sepúlveda Pertence perguntou

quais seriam as vantagens às quais o Min. Cezar Peluso se referia em seu

voto e que poderiam ser acrescidas aos vencimentos dos magistrados. A

mesma pergunta é feita pelo Min. Gilmar Mendes.

Embora o Min. Cezar Peluso tenha confirmado que se tratavam de

vantagens eventuais, como indenizações, que não poderiam ser

remuneração, não como teto de subsídio” (STF: ADI-MC 3854-1/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007, p. 761 do acórdão; p. 39 do arquivo eletrônico).

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incorporadas permanentemente aos subsídios, ele não aceitou as sugestões

dos dois colegas para que isso constasse do acórdão, afirmando que não se

tratava de questão colocada a julgamento.

Ao lado desses dois pedidos de esclarecimento, há dois debates

originados por tentativa de bloqueios. Primeiro, quando o Min. Carlos Britto

tentou desenvolver um raciocínio que não seguia exatamente a trilha do

Relator, este logo interveio. Após uma longa discussão, chegou-se ao

consenso, evidenciado pelo voto do Min. Carlos Britto, de que havia uma

discriminação de tetos, não de limites de vencimento.

Por outro lado, verifica-se que a outra tentativa de bloqueio não teve

êxito por causa da forte oposição do Min. Marco Aurélio à proposta da

interpretação conforme a Constituição. O Min. Sepúlveda Pertence tentou

convencê-lo da ideia de que a leitura do CNJ era razoável, mas o dissenso

permaneceu.

Chama atenção também o grande número de ministros que

participam dos debates para resolver a polêmica da diferenciação entre

limite de vencimento e teto remuneratório. Ao todo, foram seis os ministros

que deram alguma opinião.

No tocante à interpretação conforme a Constituição, não identifiquei

divergências na fundamentação que pudessem comprometer a

compreensão do que foi decidido. O Relator, Min. Cezar Peluso,

proporcionou duas possíveis soluções para o caso, como mencionado

anteriormente, adotando a interpretação conforme para excluir do

dispositivo impugnado a magistratura estadual. Os ministros que

acompanharam o seu voto, apoiaram a decisão.

Outras observações podem ser feitas sobre aspectos pontuais.

A primeira diz respeito a um problema de preparo de alguns ministros

para o julgamento. Por alguma razão, tanto o Min. Joaquim Barbosa como o

Min. Sepúlveda Pertence foram surpreendidos na sessão. O primeiro, que

pode ter sido influenciado por isso para decidir de forma mais contida,

afirma, na conclusão de seu voto:

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“O Senhor Ministro Joaquim Barbosa - Com essas considerações,

peço vênia ao Ministro Cezar Peluso e aos que o acompanharam para,

pelo menos nesse juízo preliminar – já que tomei conhecimento dessa

ação direta há poucos minutos -, indeferir a cautelar.” (STF: ADI-MC

3854-1/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007, p. 750 do acórdão;

p. 28 do arquivo eletrônico; grifos meus)

O Min. Sepúlveda Pertence afirma isso textualmente ao iniciar sua

participação:

“O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - Sra. Presidente, ao

contrário dos colegas mais modernos que se podem dar a delícia de

já trazer o voto escrito à luz do material recebido, eu, rigorosamente,

fui surpreendido com a colocação em mesa deste problema.” (STF:

ADI-MC 3854-1/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007, p. 780 do

acórdão; p. 58 do arquivo eletrônico)

Uma segunda observação refere-se à atuação do Relator. Destaca-se

a forma como ele apresenta a sua posição final para os pares. Em outras

palavras, ele abre a possibilidade de que os outros ministros escolham uma

ou outra forma de decisão, seja pela inconstitucionalidade do dispositivo,

seja pela interpretação conforme a Constituição.

Um terceiro aspecto a ser salientado é a frase da Ministra Ellen

Gracie. Verifica-se uma preocupação com a boa expressão do resultado,

principalmente porque o julgamento foi marcado por três posições

diferentes.35 É curioso, porém, que essa preocupação tenha ocorrido após

uma maioria de oito ministros ter se firmado a favor da interpretação

conforme a Constituição.

Por fim, no tocante aos aspectos formais do acórdão, o Relatório

contém apenas a menção aos dispositivos impugnados e a transcrição do

pedido e das razões aduzidas pela autora da ação para a declaração de

inconstitucionalidade dos artigos citados.

35 A Ministra Ellen Gracie fez as seguintes considerações à Corte: “Então, com essas considerações, também acompanho o voto do eminente relator a quem solicito que supervisione a proclamação para que não haja qualquer reparo posterior a ser feito” (STF: ADI-MC 3854-1/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007, p. 783 do acórdão; p. 61 do arquivo eletrônico).

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30

Na redação da ementa, por sua vez, apesar de aparecer o caráter

nacional do Poder Judiciário, em nenhum momento cita-se o princípio

federativo como um dos fundamentos para a decisão, tal como aduzido

explicitamente pelos Ministros Carlos Britto, Sepúlveda Pertence e Gilmar

Mendes. Da mesma forma, não há qualquer menção às preocupações dos

Ministros Sepúlveda Pertence e Gilmar Mendes, quanto à expressa definição

das vantagens de que tratavam ao falar em remuneração global.36

Os dados do julgamento podem ser vistos nas tabelas a seguir:

36 É o que se pode concluir da ementa redigida pelo Min. Cezar Peluso: “MAGISTRATURA. Remuneração. Limite ou teto remuneratório constitucional. Fixação diferenciada para os membros da magistratura federal e estadual. Inadmissibilidade. Caráter nacional do Poder Judiciário. Distinção arbitrária. Ofensa à regra constitucional da igualdade ou isonomia. Interpretação conforme dada ao art. 37, inc. XI, e § 12, da CF. Aparência de inconstitucionalidade do art. 2º da Resolução nº 13/2006 e do art. 1º, parágrafo único, da Resolução nº 14/2006, ambas do Conselho Nacional de Justiça. Ação direta de inconstitucionalidade. Liminar deferida. Voto vencido em parte. Em sede liminar de ação direta, aparentam inconstitucionalidade normas que, editadas pelo Conselho Nacional da Magistratura, estabelecem tetos remuneratórios diferenciados para os membros da magistratura estadual e os da federal”.

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3

1

Tabela 3: votos dos ministros na ADI-MC 3854-1/DF

Ministro

Questões a serem resolvidas / Fundamentos

Tipo

Interação em Plenário

Cezar Peluso

(Relator)

1) possibilidade de discrim

inação

de tetos de remuneração global do Judiciário

- tratar mag

istrados de m

odo diferen

te viola a isonomia

- ao contrário do Ministério Pú

blico, o Judiciário é Pod

er nacional e unitário

- existe um escalonamen

to vertical e nacion

al de subsídios de tod

a a m

agistratura

- qualquer discrim

inação na rem

uneração deve ser legítim

a e baseada nas diferen

ças

entre as Justiças (ex. número de entrân

cias)

- discrim

inação de tetos de rem

uneração global é inconstitucion

al

- problema prático do desestím

ulo à m

agistratura estadual

2)

pericu

lum

in m

ora

- Tribunais já estavam implementando os nov

os tetos

Voto não-

relacion

al

(Relator)

Cármen Lúcia

1) possibilidade de discrim

inação

de tetos de remuneração global do Judiciário

- preceden

te relativo ao M

P não se aplica porque o Judiciário é Poder, en

quanto o M

P é

instituição perm

anen

te

- a m

agistratura é nacional, e qualquer diferença deve ser baseada em

fatores legítim

os

- tratar a magistratura desigualm

ente viola a isonom

ia

Voto

relacion

al

Rea

firm

a o voto do Relator, realçan

do alguns pontos

mais importantes

Ricardo

Lewandowski

1) possibilidade de discrim

inação

de tetos de remuneração global do Judiciário

- caráter unitário e nacional da mag

istratura (art. 93 e 96 CF/88; Lei Orgân

ica) a difere

do M

P

- discrim

inação viola a isonom

ia

- discrim

inação viola a razoabilidad

e (m

agistrad

os desempen

ham a mesma função)

(novo)

Voto

relacion

al

Rea

firm

a o voto do Relator e da Min. Cárm

en Lúcia,

realçando alguns pon

tos im

portantes e acrescentando

mais um

Eros Grau

1) possibilidade de discrim

inação

de tetos de remuneração global do Judiciário

- Poder Judiciário é nacional

- mag

istrados possuem

as mesm

as garantias, e discrim

inações violam a isonomia

Voto não-

relacion

al

Não faz qualquer men

ção a votos anteriores, exceto

para m

anifestar concordân

cia com o Relator

Joaquim

Barbosa

1) possibilidade de discrim

inação

de tetos de remuneração global do Judiciário

- num país de desigualdad

es reg

ionais o legislador pode estabelecer gradações mínim

as

na rem

uneração dos agentes (novo)

2)

pericu

lum

in m

ora

- ped

ido cau

telar form

ulado dep

ois de m

uitos an

os de vigência do dispositivo é atenuado

(novo)

3) controle de constitucion

alidad

e de emen

da constitucional

- controle de emen

das pode servir para m

anter o s

tatu

s quo, por isso deve ser feito com

cuidado

Voto não-

relacion

al

Não faz m

enção a qualquer ou

tro voto, exceto para

divergir do Relator

Carlos Britto

1) possibilidade de discrim

inação

de tetos de remuneração global do Judiciário

- caráter nacion

al do Judiciário decorre da cláusula-pétrea da Federação (novo)

- duas ideias: o

STF

deve ser o teto máxim

o da remuneração e não

pode haver

discrim

inação en

tre Justiças Federal e Estad

uais

4) constitucion

alidad

e do escalonam

ento remuneratório na Justiça Federal

- no art. 93, V, originalmen

te só se proibiam subsídios maiores que os dos membros do

Voto em

debates

Rebate as duas corren

tes que se form

aram, mas dep

ois

adere ao Min. Cezar Peluso

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3

2

STF; com a EC 19/98, o que era inexcedível também se tornou

inalcançável (lim

ite de

subsídios)

- Justiça Federal não poderia alcançar o subsídio do S

TF, devendo ficar lim

itada aos

vencimen

tos dos Tribunais Superiores

Gilmar Mendes

1) possibilidade de discrim

inação

de tetos de remuneração global do Judiciário

- ison

omia é um conceito relacional, e a discrim

inação configura uma violação

- repercussão também no quadro federativo

: quebra da unidade do Poder Judiciário

5) vantagens que compõem

a remuneração

- não

podem ser van

tagens perm

anen

tes

3) controle de constitucion

alidad

e de emen

da constitucional

- Brasil é o

único exemplo da

cultura jurídica ociden

tal de controle

frequen

te de

emen

das (novo)

Voto em

debates

Ped

e esclarecimen

tos ao Relator sobre sua conclusão

Marco Aurélio

1) possibilidade de discrim

inação

de tetos de remuneração global do Judiciário

- preceden

te sobre os vencimen

tos do MP acabou levan

do à interpretação errad

a do CNJ

(novo)

- teto de remuneração

aplica-se apen

as

aos servidores

públicos

que não são

mag

istrados (novo)

Voto em

debates

Deb

ate com o Min. Sepúlveda Perten

ce a aplicação da

interpretação con

form

e a Con

stituição

Celso de Mello

Voto sem fundam

entação própria que acompanha o voto do Relator

Sepúlveda

Pertence

1) possibilidade de discrim

inação

de tetos de remuneração global do Judiciário

- Poder Judiciário é nacional e unitário como corolário do princípio federativo

Voto

relacion

al

Aprove

ita a m

enção do Relator para an

exar a ADI-MC

2087, da qual foi relator

Ellen Gracie

1) possibilidade de discrim

inação

de tetos de remuneração global do Judiciário

- CNJ realmen

te leu

de form

a errônea

o precedente do STF

Voto

relacion

al

Confirm

a a fala do Min. Marco Aurélio

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3

3

Tabela 4: debates entre os ministros na ADI-MC 3854-1/DF

Momento do

Debate

Quem inicia /

Motivo

Quem participa

O que se discute

Quais as posições

Quais os resultados

1º Debate

“Debate”

inserido en

tre o

Voto do M

in.

Ricardo

Lewan

dowski e

o Voto do Min.

Eros Grau

Min. Sepú

lveda

Pertence

Esclarecimen

to

Min. Sepú

lveda Perten

ce

Min. Cezar Peluso

(Relator)

Quais seriam

as

vantagen

s referidas no

voto do Relator

Ministros: não seriam

van

tagen

s individuais, ved

adas pelo regim

e de

subsídio único

Vantagen

s seriam apenas as de

caráter eventual presentes na

Resolução n. 13 do CNJ

Con

senso

2º Debate

Voto do M

in.

Carlos Britto

Min. Cezar Peluso

Bloqueio

Min. Carlos Britto

Min. Cezar Peluso

(Relator)

Min. Sepú

lveda Perten

ce

Min. Gilm

ar M

endes

Min. Marco Aurélio

Min. Celso de Mello

Constitucionalidade do

limite rem

uneratório

da Justiça Federal, à

luz do escalonam

ento

de vencimen

tos

- Min. Carlos Britto: a Justiça

Federal deve respeitar o lim

ite de

95% dos subsídios do STF

- Outros Ministros: haveria uma

confusão entre lim

ite de

vencimen

tos e teto rem

uneratório

- Min. Marco Aurélio: não há

inconstitucion

alidad

e porque o teto

se refere aos servidores

Há uma discrim

inação

inconstitucion

al no tratam

ento de

tetos remuneratórios (diferen

te de

limite de ven

cimen

tos)

diferen

ciado en

tre as Justiças

Con

senso

3º Debate

1ª parte

Voto do M

in.

Gilm

ar Men

des

Min. Gilm

ar

Men

des

Esclarecimen

to

Min. Gilm

ar M

endes

Min. Cezar Peluso

(Relator)

Min. Marco Aurélio

Min. Sepú

lveda Perten

ce

Qual a conclusão do

voto do M

in. Cezar

Peluso

- Min. Cezar Peluso: duas

alternativas, pela

inconstitucion

alidade ou pela

interpretação conform

e

Adesão à interpretação conform

e,

exceto o Min. Marco Aurélio

Con

senso

3° Debate

2ª parte

Voto do M

in.

Gilm

ar Men

des

Min. Gilm

ar

Men

des

Nova Questão

Min. Gilm

ar M

endes

Min. Cezar Peluso

(Relator)

Min. Sepú

lveda Perten

ce

Definição das

vantagen

s que não

compõem

o subsídio

- Ministros Sep

úlved

a Pertence e

Gilm

ar Men

des: importância de se

fixar que não

são

vantagen

s perman

entes

- Min. Cezar Peluso: na ação não

se

discute a estrutura das verbas

Manutenção das posições

originariamen

te apresentadas

Dissenso

4º Debate

Voto do M

in.

Marco Aurélio

Min. Sepú

lveda

Pertence

Bloqueio

Min. Marco Aurélio

Min. Sepú

lveda Perten

ce

Min. Carlos Britto

Possibilidad

e ou não de

interpretação conform

e

- Min. Sepúlveda Perten

ce: o artigo

permite duas leituras razoáveis,

possibilitando a técnica

- Min. Marco Aurélio: a leitura do

CNJ não

é razoável

Manutenção das posições

originariamen

te apresentadas

Dissenso

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34

2.2.3. Caso PARANAEDUCAÇÃO: ADI 1864/PR, Rel. Min.

Maurício Corrêa, j. 08.08.2007

A ADI 1864/PR foi ajuizada pela Confederação Nacional dos

Trabalhadores em Educação (CNTE) e pelo Partido dos Trabalhadores (PT)

contra a Lei 11.970/97 do Paraná, que criava o PARANAEDUCAÇÃO,

“serviço social autônomo” criado para gerenciar os recursos da educação no

Estado.37 Em apertada síntese, alegavam a ruptura do regime de direito

público e a “privatização” do serviço de educação. Além disso, sustentavam

que dinheiro público estava sendo usado por entidade privada, que não

seguia as regras de licitação nem de concurso público (para a descrição do

julgado, ver anexo III).

Verifica-se que diversas questões foram suscitadas. Aponto as

principais: (i) conhecimento da ação; (ii) natureza jurídica e características

do PARANAEDUCAÇÃO; (iii) possibilidade de atuação de um ente privado na

prestação de serviços de educação; (iv) regime jurídico do

PARANAEDUCAÇÃO; (v) higidez da faculdade dada ao pessoal do

PARANAEDUCAÇÃO para optar pelo regime celetista ou estatutário; (vi)

constitucionalidade da gestão de recursos.

A partir dessa lista, identifiquei os votos dos Ministros Maurício Corrêa

(Relator) e Joaquim Barbosa (segundo a votar, em voto-vista) como os

principais. Os dois trataram dos tópicos (i) a (iv), e o último ainda

acrescentou as duas últimas questões às discussões em Plenário.

Percebi, ademais, que os questionamentos sobre a natureza jurídica

do PARANAEDUCAÇÃO (ii) e a constitucionalidade da opção celetista pelo

pessoal da entidade (v) nortearam a segunda sessão de julgamento,

estando presentes em metade dos votos proferidos. No primeiro caso, a

natureza jurídica passou a ser longamente debatida a partir de posições

divergentes, principalmente dos Ministros Ricardo Lewandowski e Carlos

37 Alternativamente, caso a lei não fosse integralmente declarada inconstitucional, os autores pediam a inconstitucionalidade dos respectivos artigos 1º; 3º, caput e incs. I, III, IV e V; 6º; 7º; 11 incs. II, III, IV, VI e VII; 15, § 1º e incs. II, III e IV; 16, §1º; 17, I e VII; 18; 19, §3º; e art. 22.

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35

Britto, que não concebiam a existência de “serviços sociais autônomos” fora

da relação capital-trabalho.

Em relação à constitucionalidade da opção pelo regime de trabalho, a

questão se originou do voto-vista do Min. Joaquim Barbosa. Desenvolveu-se

por causa, principalmente, das dúvidas da Min. Cármen Lúcia e da

existência de uma outra ação, julgada na semana anterior, que tratava do

assunto. A questão também foi alvo de deliberação.

Os outros pontos ficaram restritos aos dois votos iniciais, com

exceção do posicionamento do Min. Carlos Britto, que fez forte oposição à

possibilidade de uma entidade privada caracterizada como “serviço social

autônomo” poder atuar na área de educação. Para o Ministro, tais entidades

só poderiam atuar no espaço constitucionalmente definido para elas

(seguridade social). Por outro lado, o Estado só poderia criar entes privados

se fossem ou sociedades de economia mista ou empresas públicas, com

todas as regras a elas inerentes. Essas posições, porém, não prosperaram.

A discussão sobre o regime jurídico do PARANAEDUCAÇÃO também

esteve presente nos debates. Para solucionar as preocupações da Corte em

relação à existência de um ente privado que gerisse os recursos financeiros

destinados à educação, o Min. Joaquim Barbosa conferiu interpretação

conforme a Constituição para o dispositivo, determinando que a entidade só

poderia manejar os recursos especificamente destinados a ela, e não todas

as dotações orçamentárias da educação. O gerenciamento ainda deveria

ocorrer segundo diretrizes dadas pelo Poder Público.

O resultado final do julgamento teve maioria de seis ministros pela

procedência parcial para conferir interpretação conforme a Constituição à

lei, nos termos do voto do Min. Joaquim Barbosa, restringindo o regime

jurídico do PARANAEDUCAÇÃO. Ficaram vencidos os Ministros Maurício

Corrêa (improcedência total), Carlos Britto e Marco Aurélio (procedência

total).

Sobre a fundamentação, os dois votos principais convergiram no

sentido de que o PARANAEDUCAÇÃO seria ente privado e para-estatal

sujeito aos parâmetros conferidos pela lei que o instituiu, inclusive quanto

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36

às regras de licitação e contratação de pessoal. Não haveria problema na

sua atuação na área de educação, desde que permanecesse como mera

entidade auxiliar.

Um problema que vem a lume é a dificuldade em se determinar, com

base apenas nos outros votos, como a Corte entendeu a natureza jurídica

da entidade. Se durante a maior parte do julgamento ela foi tratada por sua

definição legal de “serviço social autônomo”, em outros momentos os

ministros tentaram apresentá-la como uma categoria intermediária de

entidade. Não fica muito claro se ela é um ente estatal ou não-estatal,

embora se possa entender que ele não integra nem a Administração direta

nem a indireta.38

Pelo menos um ministro que formou a corrente majoritária, pela

interpretação conforme a Constituição, não pareceu entender o

PARANAEDUCAÇÃO como os outros. Foi o Min. Ricardo Lewandowski, que

desejava até mesmo excluir a expressão “serviço social autônomo” do art.

1º da lei.

38 Apenas para exemplificar esse problema, transcrevo dois trechos extraídos do acórdão: “O Senhor Ministro Cezar Peluso - Tenho a impressão de que vamos ficar num terreno puramente nominalista. Essas referências a regime de Direito Privado, nome de serviço social, isso não importa. O que importa é o modelo resultante de todas as normas da lei; ele delimita e prevê competências, estabelece o tipo de atividade, etc. Agora, dar nome de serviço social autônomo ou dar outro nome não muda nada; o importante é verificar, no conjunto da lei, a estruturação do serviço” (STF: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, p. 159 do acórdão; p. 71 do arquivo eletrônico); e “O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski - Realmente, consignar que a lei estadual pode criar um serviço social autônomo traz consequências. Por exemplo, as verbas que são aportadas para essa entidade podem vir não apenas do orçamento, mas também de contribuições parafiscais. Portanto, há consequências de natureza tributária. Por isso manifesto reservas nesse aspecto. O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) - Está claro. Apenas digo que, neste caso específico, a própria interpretação conforme encaminhada pelo Ministro acaba por dizer que este é um serviço social autônomo, ma non troppo. O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski - Sui generis. [...] A Senhora Ministra Cármen Lúcia - Aqui não é serviço social, é serviço público. Valeu-se de um rótulo que não cabe na composição normativa feita. O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) - É a tentativa de esboçar uma ideia. A Senhora Ministra Cármen Lúcia - De criar, e nisso eles se valeram de um nome que não cabe aqui. O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) - Por isso a interpretação conforme resolve o problema. O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski - Na verdade, o artigo 1° poderia dizer simplesmente ‘pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, de interesse coletivo, com a finalidade de auxiliar’, expurgando-se do texto exatamente essa expressão - serviço social autônomo -, o que causou certa perplexidade. O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) - Vamos registrar, de qualquer forma, a ressalva” (STF: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, pp. 167-169 do acórdão; pp. 79-81 do arquivo eletrônico).

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37

Isso justifica a reação do Min. Cezar Peluso, que sustentou que a

Corte não deveria se ater aos nomes, mas sim ao regime jurídico, que não

seria totalmente privado. Trata-se de outro aspecto que pode ser inferido

das discussões: o PARANAEDUCAÇÃO não estaria sujeito a um regime

totalmente privado, mas sim a um regime privado com matizes de regime

público.

Quanto aos tipos de votos, verificam-se dois “não-relacionais”, um

“relacional” e cinco “em debates”. Dos votos não-relacionais, é interessante

notar que o voto-vista do Min. Joaquim Barbosa assemelha-se muito a um

voto proferido por relatores. Ele mencionou a posição do Min. Maurício

Corrêa, mas nem desconstruiu sua fundamentação, nem tampouco indicou

tópicos com os quais concordava. Após a descrição, o voto do Relator não

foi mais citado, e o Min. Joaquim Barbosa passou a construir a sua própria

linha de raciocínio.

Por outro lado, é importante verificar a grande influência que o voto-

vista exerceu sobre o julgamento. O primeiro voto, do Relator, foi no

sentido da total improcedência da ação. Nenhum outro ministro seguiu essa

solução na segunda sessão. Ao contrário, a maioria seguiu o voto-vista do

Min. Joaquim Barbosa, que propunha a interpretação conforme a

Constituição.

Essa situação poderia evidenciar um problema causado pelo pedido

de vista: a interrupção pode ser decisiva para a formação de uma maioria.

Como isso pode ser demonstrado? Há alguns indícios no acórdão, como, por

exemplo, a manifestação do Min. Marco Aurélio no sentido de registrar sua

opinião para poder rememorá-la posteriormente, ou então a resposta do

Min. Joaquim Barbosa afirmando que seu voto estava pronto há dois anos, e

que, por isso, ele não se lembrava de detalhes.39

39 Transcrevo as duas passagens: “O Senhor Ministro Marco Aurélio - [...] já tinha formado convencimento a respeito e fatalmente não me lembrarei mais dos parâmetros, em si, da controvérsia, quando vier à balha o processo. Por isso, quis adiantar, para deixar, em notas taquigráficas, meu ponto de vista sobre a inconstitucionalidade da lei” (STF: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, p. 118 do acórdão; p. 30 do arquivo eletrônico); e “O Senhor Ministro Joaquim Barbosa – Quanto ao art. 19, vejo um problema, esse meu voto está preparado há mais de dois anos, já não me lembrava de muita coisa. Temos aqui um problema em razão daquela decisão da semana passada.” (STF:

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38

Outro indício é o próprio resultado na segunda sessão. Nenhum

ministro acompanhou a posição do Relator. Ainda mais, não houve qualquer

menção aos argumentos do primeiro voto, como se ele tivesse sido

completamente esquecido. O voto do Min. Joaquim Barbosa pautou

totalmente esse segundo momento, e, como não se relacionou com o do

Relator, suplantou inteiramente a fundamentação do Min. Maurício Corrêa.

Uma segunda observação diz respeito à participação do Min. Carlos

Britto nas duas sessões. Na primeira, ele levantou questões que poderiam

ser respondidas pelo Min. Joaquim Barbosa em seu voto-vista, como

mencionado anteriormente. O Ministro respondeu as questões em seu voto,

afirmando a possibilidade de o Estado criar serviços sociais autônomos para

certas atividades e a extensão dessa possibilidade para a educação.

Contudo, o Min. Carlos Britto reiterou os mesmos questionamentos.40

Eles conduziram a intensos debates sobre a possibilidade de existirem

serviços sociais ou entes privados para realizar outras atividades da

Administração Pública, em especial no serviço público. O Ministro não

aportou nenhum voto ao acórdão, mas as suas manifestações podem dar

uma ideia da sua linha de raciocínio.

Quanto à interpretação conforme a Constituição, não identifiquei

divergências na fundamentação que pudessem comprometer a

compreensão do que foi decidido. A solução proposta pelo Relator, Min.

Joaquim Barbosa, foi mesmo elogiada pelos outros ministros. O próprio Min.

Gilmar Mendes apoiou integralmente a interpretação conferida ao

dispositivo impugnado, que retirava do PARANAEDUCAÇÃO a possibilidade

de gerenciar todos os recursos do orçamento da educação do Estado do

Paraná (ver nota 38).

ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, p. 152 do acórdão; p. 64 do arquivo eletrônico). 40 O Min. Carlos Britto fez a seguinte pergunta: “É possível o Estado criar uma pessoa totalmente privada fora desse espectro da administração pública?” (STF: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, p. 147 do acórdão; p. 59 do arquivo eletrônico). Verifica-se que é a mesma dúvida que ele expôs na primeira sessão, ao dizer: “Ao levantar a questão, já sugiro ao eminente Ministro Joaquim Barbosa que leve em conta esta pergunta: se possível – à luz da Constituição – o Estado criar um ente privado de serviço social para transferir a ele...” (STF: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, p.122 do acórdão/p. 33 do arquivo eletrônico).

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39

No tocante ao aspecto formal, o Relatório ficou assim estruturado:

apresentação de todos os dispositivos impugnados; apresentação de um

resumo das razões para a inconstitucionalidade; manifestação do Estado do

Paraná e da Assembleia Legislativa paranaense, a favor do ato;

manifestação da AGU e da PGR.

Quanto à ementa, por ter sido o primeiro a aportar o voto da corrente

vencedora, o Min. Joaquim Barbosa foi escolhido para redigi-la. Nela, o

PARANAEDUCAÇÃO é apresentado como entidade de direito privado,

instituída para auxiliar a Gestão do Sistema Estadual de Educação,

cooperando no exercício de função pública.41

41 Transcrevo a ementa do julgado: “CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. EDUCAÇÃO. ENTIDADES DE COOPERAÇÃO COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. LEI 11.970/1997 DO ESTADO DO PARANÁ. PARANAEDUCAÇÃO. SERVIÇO SOCIAL AUTÔNOMO. POSSIBILIDADE. RECURSOS PÚBLICOS FINANCEIROS DESTINADOS À EDUCAÇÃO. GESTÃO EXCLUSIVA PELO ESTADO. AÇÃO DIRETA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. 1. Na sessão plenária de 12 de abril de 2004, esta Corte, preliminarmente e por decisão unânime, não conheceu da ação relativamente à Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação-CNTE. Posterior alteração da jurisprudência da Corte acerca da legitimidade ativa da CNTE não altera o julgamento da preliminar já concluído. Preclusão. Legitimidade ativa do Partido dos Trabalhadores reconhecida. 2. O PARANAEDUCAÇÃO é entidade instituída com o fim de auxiliar na Gestão do Sistema Estadual de Educação, tendo como finalidades a prestação de apoio técnico, administrativo, financeiro e pedagógico, bem como o suprimento e aperfeiçoamento dos recursos humanos, administrativos e financeiros da Secretaria Estadual de Educação. Como se vê, o PARANAEDUCAÇÃO tem atuação paralela à da Secretaria de Educação e com esta coopera, sendo mero auxiliar na execução da função pública - Educação. 3. A Constituição federal, no art. 37, XXI, determina a obrigatoriedade de obediência aos procedimentos licitatórios para a Administração Pública Direta e Indireta de qualquer um dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. A mesma regra não existe para as entidades privadas que atuam em colaboração com a Administração Pública, como é o caso do PARANAEDUCAÇÃO. 4. A contratação de empregados regidos pela CLT não ofende a Constituição porque se trata de uma entidade de direito privado. No entanto, ao permitir que os servidores públicos estaduais optem pelo regime celetista ao ingressarem no PARANEDUCAÇÂO, a norma viola o artigo 39 da Constituição, com a redação em vigor antes da EC 19/1998. 5. Por fim, ao atribuir a uma entidade de direito privado, de maneira ampla, sem restrições ou limitações, a gestão dos recursos financeiros do Estado destinados ao desenvolvimento da educação, possibilitando ainda que a entidade exerça a gerência das verbas públicas, externas ao seu patrimônio, legitimando-a a tomar decisões autônomas sobre sua aplicação, a norma incide em inconstitucionalidade. De fato, somente é possível ao Estado o desempenho eficaz de seu papel no que toca à educação se estiver apto a determinar a forma de alocação dos recursos orçamentários de que dispõe para tal atividade. Esta competência é exclusiva do Estado, não podendo ser delegada a entidades de direito privado. 6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente, para declarar a inconstitucionalidade do artigo 19, § 3º da lei 11.970/1997 do estado do Paraná, bem como para dar interpretação conforme à Constituição ao artigo 3º, I e ao artigo 11, incisos IV e VII do mesmo diploma legal, de sorte a entender-se que as normas de procedimentos e os critérios de utilização e repasse de recursos financeiros a serem geridos pelo PARANAEDUCAÇÃO podem ter como objeto, unicamente, a parcela dos recursos formal e especificamente alocados ao PARANAEDUCAÇÃO, não abrangendo, em nenhuma hipótese, a totalidade dos recursos públicos destinados à educação no Estado do Paraná”.

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40

No julgamento, houve um momento interessante. Trata-se da

discussão sobre o que fazer com a mudança da jurisprudência em relação à

legitimidade de confederações para ajuizar ação direta de

inconstitucionalidade. Segue-se a passagem de debates:

“O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) – Pode-se não

enfatizar a questão, até porque a matéria já está superada; ou deixar

em obiter dictum.

O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence – Pode-se deixar

especificado na ementa.

O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) – Só uma

lembrança: o Ministro Joaquim Barbosa acabará como Relator,

quanto à legitimidade.

O Senhor Ministro Cezar Peluso – Legitimidade da Confederação.

O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) – Porque,

depois, o Tribunal evoluiu para entender que essa composição não

comprometia a legitimidade.

O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence – Apenas na ementa,

poderia consignar-se que a requerente foi julgada ilegítima na

conformidade da jurisprudência então dominante.

O Senhor Ministro Joaquim Barbosa (Relator) – Basta

especificar a data em que tomada a decisão.” (STF: ADI 1864/PR, Rel.

Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, pp. 181-182 do acórdão; pp. 93-94

do arquivo eletrônico; grifos no original)

Assim, tem-se uma preocupação com a redação da ementa,

especialmente porque o resultado anacrônico poderia representar uma

incoerência com a jurisprudência da Corte daquele momento, se não

houvesse nenhuma ressalva. Por isso, foi feita a referência à mudança

jurisprudencial sobre a legitimidade da CNTE (tópico 1 da ementa).

Os dados das deliberações podem ser verificados nas tabelas a

seguir:

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4

1

Tabela 5: votos dos ministros na ADI 1864/PR

Ministro

Questões a serem resolvidas / Fundamentos

Tipo

Interação em Plenário

Maurício

Corrêa

(Relator)

1) conhecimen

to da ação

- CNTE

não

tem

legitim

idade por não

ser integrada por federações

2) natureza jurídica do PARANAEDUCAÇÃO

- é en

tidade de direito priva

do criad

a sob

a m

odalidade serviço social au

tônom

o, para auxiliar a gestão da

educação; não integra a administração pública, direta ou indireta, sendo en

te paraestatal

- coop

era com o Poder Pú

blico, ao contrário de usurpar a prestação do serviço de ed

ucação

- sustentada por dotações orçamentárias ou contribuições parafiscais, deven

do sempre prestar contas

3) possibilidade da atuação de um ente priva

do no serviço de educação

- a criação, pelo Estado, de um ente privado que o auxilie é uma adeq

uação aos tempos de globalização

- educação não

é uma atividad

e estatal indelegável

- não há substituição do Estad

o, porque uma delegação leg

al perm

ite o controle pela Administração Pública,

pelo Judiciário e pelos particulares

- trata-se de um ente administrativo, não

de um ente privado qualquer

4) regim

e jurídico do PARANAEDUCAÇÃO

- vinculação não é subordinação hierárquica: há um con

trole finalístico pelo órgão estatal mais relacion

ado

com as atividad

es, m

as sem

subordinação

- há o dever de prestar con

tas de todos os recursos e a presença estatal na composição do ente

- os princípios da Administração não se aplicam

de form

a cog

ente, mas nos lim

ites da lei que instituiu o ente

- lei que criou

a entidade exige procedim

entos simplificados de licitação

- procedim

ento para contratação de servidores não

deve ser o da Administração, m

as o da lei que instituiu a

entidad

e; entidad

e está fora da Administração Pú

blica e pode contratar pessoas sob regim

e celetista

- nova redação do art. 39 da Constituição não

exige o reg

ime jurídico único

- dotações orçam

entárias e alienação de bens são recursos ineren

tes ao

con

trato de gestão

Voto não

-relacion

al

(Relator)

Joaquim

Barbosa

2) natureza jurídica do PARANAEDUCAÇÃO

- serviços sociais autônom

os são entes privados criados pelo Estado para participar de atividad

es privadas

que o Estad

o deseja fomen

tar

3) possibilidade da atuação de um ente priva

do no serviço de educação

- educação é um serviço público, mas o PARANAEDUCAÇÃO atua no auxílio à gestão, não na prestação em si

- em

bora a C

onstituição

seja silente, a exigên

cia de colaboração da sociedad

e permite que sejam criad

os

serviços sociais autônom

os para a educação, pois o Estado precisa de m

eios eficientes de prestar os serviços

4) regim

e jurídico do PARANAEDUCAÇÃO

- como m

ero auxiliar da Secretaria de Educação, não há proibição ao regim

e jurídico de direito privado

- a reg

ra da licitação é exigida para a Administração Pú

blica Direta e Indireta, não

para entes paraestatais

- por ser pessoa

jurídica de direito priva

do, não está sujeita à regra de concurso público

5) constitucion

alidad

e da opção de escolha do reg

ime de trab

alho: celetista ou estatutário

- inconstitucional porque no

art. 39 original, havia a ob

rigatoriedad

e do regim

e único para servidores

públicos, e esse dispositivo voltou

a vigorar com a decisão do STF na ADI-MC 2135

6) constitucion

alidad

e da gestão de recursos

- o PARANAEDUCAÇÃO não pode gerir todos os recursos destinad

os à educação, inclusive os de natureza

orçamen

tária, mas ap

enas aqueles destinados a ele, sob p

ena de o E

stado se desincumbir d

e seu dever

Voto não

-relacion

al

Voto-vista: descreve o voto anterior, mas

não

faz nenhuma consideração específica

sobre os argumentos

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4

2

constitucional de prestar a ed

ucação;

- a gerência dos recursos será feita conform

e as diretrizes estabelecidas pelo Estado

Cármen Lúcia

5) constitucion

alidad

e da opção de escolha do reg

ime de trab

alho: celetista ou estatutário

- tanto a redação do art. 39 ao tempo da criação da lei, com

o a red

ação após a ADI-MC 2135, im

põem o

regim

e único para os servidores públicos

Voto em

debates

Concorda em relação a todos os pon

tos do

voto do Min. Joaquim

Barbosa, mas pede

esclarecimen

tos quan

to ao regim

e único dos

servidores públicos

Ricardo

Lewandowski

2) natureza jurídica do PARANAEDUCAÇÃO

- necessidade da busca de novos modelos para a Administração Pública

- não

se pod

e en

tender que é um serviço social au

tônom

o (relação capital-trabalho), m

as sim

uma fundação

pública (novo)

5) constitucion

alidad

e da opção de escolha do reg

ime de trab

alho: celetista ou estatutário

- inconstitucion

alidade pela estranheza que cau

sa a possibilidade de um servidor público passar para en

tidad

e

priva

da

Voto em

debates

Compartilha a dúvida do Min. Carlos Britto

em relação à terminologia utilizada pela lei

Acompanha o Min. Joaq

uim

Barbosa quanto

ao resto

Discute a categ

oria jurídica em

que se

insere o PARANAEDUCAÇÃO

Cezar Peluso

5) constitucion

alidad

e da opção de escolha do reg

ime de trab

alho: celetista ou estatutário

- é inconstitucion

al à luz da redação constitucional vigente à época (art. 39)

Voto

relacion

al

Refere-se às preocupações do Min. Carlos

Britto, mas afirm

a ser necessário que a

Corte não se fixe em um nominalismo

Carlos Britto

2) natureza jurídica do PARANAEDUCAÇÃO

- fora do âmbito fundacion

al, não se perm

ite a criação

pelo Estad

o de pessoas totalmen

te priva

das que não

sejam empresas públicas ou sociedad

es de economia m

ista (novo)

3) possibilidade da atuação de um ente priva

do no serviço de educação

- Con

stituição só perm

ite criação de serviços sociais na relação capital-trab

alho (novo)

4) regim

e jurídico do PARANAEDUCAÇÃO

- controle direto pela composição da entidad

e não é efetivo: o Pod

er Público pod

e perder esse controle para

os particulares (novo)

- não há restrições para a g

estão dos recursos, o que eviden

cia a ten

tativa

de privatização dos serviços

(novo)

- há uma interpenetração do quadro do funcion

alismo público com o quadro de empregados da entidad

e (novo)

Voto em

debates

(inexiste

um voto

específico)

Discute ativa

men

te sua posição con

trária à

dos colegas

Marco

Aurélio

2) natureza jurídica do PARANAEDUCAÇÃO

- serviços públicos essenciais não

podem ser delegad

os a entidades privadas, especialmen

te quan

do ela lidará

com recursos públicos sem as amarras do Estado (novo)

- criar um en

te subordinad

o a

um regim

e de direito privado

para lidar com serviços públicos significa

priva

tizar a atuação do Estad

o

Voto em

debates

Debate a possibilidade de a Administração

Pública criar um ente privado para “driblar”

o reg

ime público

Gilmar

Mendes

1) conhecimen

to da ação

- CNTE

tinha sido declarada parte ilegítim

a, m

as a jurisprudên

cia mudou

sua posição

(novo)

Voto em

debates

Debate a mudan

ça do julgamento

Sepúlveda

Pertence

Voto sem fundamen

tação própria que acompanha o voto do Min. Joaquim

Barbosa

Ellen Gracie

Ausente

Celso de

Mello

Ausente

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4

3

Tabela 6: debates entre os ministros na ADI 1864/PR

Momento do

Debate

Quem inicia /

Motivo

Quem participa

O que se discute

Quais as posições

Quais os resultados

1º Debate

1ª parte

“Debates”

depois do

pedido de

vista

Min. Marco

Aurélio

Bloqueio

Min. Marco Aurélio

Min. Maurício Corrêa

(Presiden

te e Relator)

Min. Joaquim

Barbosa

Ente privado na

Administração

- Min. Marco Aurélio: falência do Estado

não justifica o ente priva

do

- Min. M. Corrêa: são novas form

as

administrativas

- Min. J. Barbosa: não

se pode denegar o

sistema

Manutenção das posições

originalm

ente apresentadas

Dissenso

1º Debate

2ª parte

“Debates”

depois do

pedido de

vista

Min. Carlos

Britto

Bloqueio

Min. Carlos Britto

Min. Gilm

ar M

endes

Min. Cezar Peluso

Serviço autônom

o na

educação

- Min. Carlos Britto: a Constituição não

autoriza serviços públicos na ed

ucação

- Min. Gilm

ar M

endes e Cezar Peluso: a

Con

stituição

não

proíbe tampouco

Manutenção das posições

originalm

ente apresentadas

Dissenso

1º Debate

3ª parte

“Debates”

depois do

pedido de

vista

Min. Carlos

Britto

Bloqueio

Min. Carlos Britto

Min. Gilm

ar M

endes

Min. Joaquim

Barbosa

Min. Maurício Corrêa

Reg

ime jurídico da

entidade criada

- Min. Carlos Britto e Joa

quim

Barbosa: é

entidade exó

gen

a privada

- Min. Gilm

ar M

endes e Maurício Corrêa: é

entidad

e criada por lei e vinculada ao

Estad

o

Manutenção das posições

originalm

ente apresentadas

Dissenso

2º Debate

1ª parte

“Deb

ate”

inserido entre

o Voto do Min.

Joaquim

Barbosa e o

Voto da Min.

Cármen

Min. Carlos

Britto

Bloqueio42

Min. Cármen

Lúcia

Min. Gilm

ar M

endes

(Presiden

te)

Min. Carlos Britto

Min. Sep

úlved

a Pertence

Min. Joaquim

Barbosa

Ente privado na

Administração

- Min. Carlos Britto: não

seria possível à

Administração criar pessoa jurídica de

direito privado que não nas hipóteses da

Con

stituição

- Min. Sepúlved

a Pertence: pod

e criar

fundações

- Min. Cárm

en Lúcia: reg

ime mostra que

não é totalm

ente priva

da (público estatal)

- Min. Gilm

ar Men

des: regim

e mostra que

é público não-estatal

- Min. Joaquim

Barbosa: é um m

odelo

interm

ediário

Manutenção das posições

originalm

ente apresentadas

Dissenso

42 A M

in. Cárm

en Lúcia inicia o deb

ate ped

indo um esclarecimen

to ao M

in. Joaquim

Barbosa acerca da con

stitucion

alidade do art. 19, §3º, da lei

que cria o PARANAEDUCAÇÃO e que permite aos servidores alocados na entidade optarem entre o reg

ime estatutário ou celetista. Todavia, logo

em seg

uida o M

in. Carlos Britto intervém

, ampliando a pergunta para outro tema, sobre a possibilidade de atuação da entidade na educação. No

caso, optamos por mostrar como o deb

ate se iniciou, mas não trataremos especificamen

te daquela primeira pergunta, senão na parte em

que é

retomada, ainda no m

esmo deb

ate, mais adiante.

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4

4

2º Debate

2ª parte

“Deb

ate”

inserido entre

o Voto do Min.

Joaquim

Barbosa e o

Voto da Min.

Cármen

Min. Cármen

cia

Esclarecimen

to

Min. Cármen

Lúcia

Min. Joaquim

Barbosa

Min. Gilm

ar M

endes

(Presiden

te)

Min. Sep

úlved

a Pertence

Con

stitucion

alidad

e da

opção entre o reg

ime

estatutário e o celetista

(art. 19)

- Min. Carlos Britto: não

pode haver

interpen

etração de quadros

- Min. Ricardo Lewan

dowski: poderia ser

do estatutário para o celetista

- Outros: Regim

e Único teria sido

reestabelecido

Min. Joaq

uim

Barbosa opta

pela inconstitucion

alidade do

art. 19

Consenso

43

2º Debate

3ª parte

“Deb

ate”

inserido entre

o Voto do Min.

Joaquim

Barbosa e o

Voto da Min.

Cármen

Min. Carlos

Britto

Bloqueio

Min. Carlos Britto

Min. Cezar Peluso

Min. Gilm

ar M

endes

Min. Cármen

Lúcia

Min. Joaquim

Barbosa

Serviço autônom

o na

educação

- Min. Carlos Britto: Con

stituição não

permitiu a destinação de recursos da

educação para en

tes privados e não

permite serviço social

- Min. Cezar Pe

luso: en

tidad

e é auxiliar e

não se pode ficar com nominalismos

- Min. Gilm

ar Men

des: m

odelo de serviço

autônom

o precedeu a Carta

- Min. Cárm

en Lúcia: é exemplo de novas

form

as adotad

as pela Administração

Manutenção das posições

originalm

ente apresentadas

Dissenso

3º Debate

Voto da Min.

Cármen

Lúcia

Min. Cármen

cia

Esclarecimen

to

Min. Cármen

Lúcia

Min. Joaquim

Barbosa

Min. Cezar Peluso

Min. Ricardo Lewan

dowski

Min. Gilm

ar M

endes

(Presiden

te)

Con

stitucion

alidad

e da

opção entre o reg

ime

estatutário e o celetista

(art. 19)

Ministros: tan

to à época da criação do

artigo com

o à época do julgam

ento (por

suspen

são da emen

da constitucional),

vigorava o Reg

ime Único

O dispositivo é

inconstitucion

al por perm

itir

que funcion

ários públicos

escolham o regim

e celetista

Con

senso

4º Debate

1ª parte

Voto do Min.

Ricardo

Lewandow

ski

Min. Gilm

ar

Mendes

(Presiden

te)

Bloqueio

Min. Ricardo Lewan

dowski

Min. Gilm

ar M

endes

(Presiden

te)

Min. Cármen

Lúcia

Natureza jurídica da

entidade criad

a pela lei

- Min. Ricardo Lewandowski: seria uma

fundação

- Min. Gilm

ar Men

des: a lei estab

elece um

ente e ten

ta dar um nome para ele

- Min. Cárm

en Lúcia: é serviço público, não

serviço social, o que evidencia o erro no

nome

O PARANAEDUCAÇÃO não

pode ser visto sob o prism

a

de sua qualificação, mas sim

de seu reg

ime jurídico

Con

senso

4º Debate

2ª parte

Voto do Min.

Ricardo

Lewandow

ski

Min. Carlos

Britto

Bloqueio

Min. Carlos Britto

Min. Cármen

Lúcia

Min. Joaquim

Barbosa

Min. Sep

úlved

a Pertence

Min. Gilm

ar M

endes

(Presiden

te)

Min. Cezar Peluso

Estrutura da entidade

- Min. Carlos Britto: composição do

Conselho permite a perda de controle pelo

poder público

- Outros: os Pod

eres estão

rep

resentados

no Conselho e podem participar

diretamen

te

Manutenção das posições

originalm

ente apresentadas

Dissenso

43 Posteriorm

ente, em

seu

voto, o M

in. Ricardo Lewandowski admite que a hipótese de um servidor público passar para o regim

e estatutário não

seria admissível.

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4

5

5º Debate

Voto do Min.

Marco Aurélio

Min. Sepúlved

a Pertence

44

Bloqueio

Min. Marco Aurélio

Min. Sep

úlved

a Pertence

Min. Joaquim

Barbosa

Min. Cezar Peluso

Min. Gilm

ar M

endes

(Presiden

te)

Reg

ime jurídico da

entidad

e - Min. Marco Aurélio: é uma pessoa jurídica

de direito privado sujeita a um reg

ime de

direito privado

- Outros: é uma pessoa jurídica de direito

priva

do, mas com controle direto do

Estad

o, seja na composição

, seja nos

recursos, seja na prestação de contas, seja

nas diretrizes públicas

Manutenção das posições

originalm

ente apresentadas

Dissenso

6º Debate

Voto do Min.

Gilm

ar

Mendes

Min. Cezar

Peluso

Nova questão

Min. Cezar Peluso

Min. Gilm

ar M

endes

(Presiden

te)

Min. Joaquim

Barbosa

Min. Sep

úlved

a Pertence

Min. Cármen

Lúcia

Mudan

ça de

jurisprudên

cia sobre a

legitim

idad

e ativa da

CNTE

Ministros: a questão estaria preclusa e não

poderia ser m

ais suscitad

a A ilegitim

idad

e da CNTE não é

revista, m

as a m

udança de

jurisprudên

cia é consignad

a

na emen

ta

Con

senso

44 O

primeiro aparte é feito pelo M

in. Carlos Britto, que apen

as complemen

ta o que o M

in. Marco Aurélio trazia em seu

voto. O aparte que dá

origem ao deb

ate é o do Min. Sep

úlved

a Pertence, ao se contrapor à ideia do M

inistro que vo

tava

.

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2.2.4. Caso do nepotismo: ADC 12/DF, Rel. Min. Carlos Britto,

j. 20.08.2008

A ADC 12/DF foi ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros

(AMB) a favor da Resolução n. 07/2005 do CNJ, que dispunha sobre regras

de combate ao nepotismo no âmbito do Poder Judiciário, ou, como consta

no próprio ato, a disciplina sobre “o exercício de cargos, empregos e

funções por parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e de

servidores investidos em cargos de direção e assessoramento, no âmbito

dos órgãos do Poder Judiciário e dá outras providências”. A norma atenderia

aos princípios administrativos, especialmente da moralidade e da

impessoalidade, e também estaria no âmbito de competência do CNJ (para

a descrição do julgado, ver anexo III).

Basicamente, quatro problemas foram suscitados, todos a partir do

voto do Relator: (i) cabimento do controle de constitucionalidade da

Resolução; (ii) possibilidade da vedação ao nepotismo; (iii) competência do

CNJ; (iv) necessidade da interpretação conforme a Constituição. Nenhum

novo problema foi trazido por outros ministros.

O Relator, Min. Carlos Britto, expôs novamente as razões que o

levaram a votar pelo deferimento da medida liminar. O CNJ teria apenas

concretizado os princípios constitucionais da Administração Pública, de tal

sorte que estaria exercendo sua função constitucional. Por outro lado, a

regra poderia ser extraída diretamente da Constituição, não atentando

contra o direito de nomeação a cargos de confiança. Por fim, seria

importante aplicar a técnica da interpretação conforme a Constituição para

deduzir a função de “chefia” do substantivo “direção”, presente na

Resolução.

A grande maioria dos ministros posicionou-se em relação à

competência do CNJ e à vedação do nepotismo, com exceção dos Ministros

Cezar Peluso e Gilmar Mendes, que trataram apenas da necessidade da

interpretação conforme para esclarecer a Resolução e não propiciar uma

brecha legal para que fosse descumprida. Provavelmente, os dois rebateram

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as considerações dos Ministros Menezes Direito e Marco Aurélio, que não

haviam utilizado a técnica por reputarem-na desnecessária.

Em relação aos fundamentos, em primeiro lugar cabe o alerta de que

a análise deve ser feita cum grano salis. Isso porque é grande a quantidade

de referências aos votos proferidos no julgamento da medida liminar. Tanto

o Relator, Min. Carlos Britto, como os Ministros Cezar Peluso, Celso de Mello

e Gilmar Mendes fizeram referência expressa ao voto proferido

anteriormente. O Min. Marco Aurélio mencionou seu voto na ADI 1.521.

Assim, atendo-se apenas às razões apresentadas no julgamento

definitivo, verifica-se que novos fundamentos foram trazidos por outros

ministros. O Min. Menezes Direito, por exemplo, reforçou a competência do

CNJ para regular os princípios do art. 37 da Constituição. A Min. Cármen

Lúcia, por sua vez, trouxe três novos fundamentos para a

constitucionalidade material da Resolução: o fato de os princípios se

aplicarem a todos os Poderes e a todos os níveis da Federação (é a primeira

a mencionar isso); a evolução histórica de crescente combate ao nepotismo

e à confusão entre público e privado; a força do princípio republicano. O

Min. Celso de Mello seguiu essas razões e ainda acrescentou a necessidade

de aferição da inconstitucionalidade em relação ao bloco da Constituição.

No que diz respeito ao raciocínio que norteou o julgamento, dos nove

votos proferidos, seis foram explícitos acerca da aplicação direta dos

princípios constitucionais da Administração Pública para a vedação do

nepotismo. O Min. Eros Grau simplesmente acompanhou o Relator,

enquanto o Min. Marco Aurélio simplesmente acompanhou o Min. Menezes

Direito. Por fim, os Ministros Cezar Peluso e Gilmar Mendes apenas fizeram

remissão aos respectivos votos proferidos no julgamento da liminar.

O resultado final foi majoritário (sete votos) pela procedência com a

interpretação conforme a Constituição, de acordo com o Relator, com a

exceção dos dois ministros que a dispensavam. Da corrente majoritária,

quatro votos fizeram menção expressa à auto-aplicabilidade dos princípios

do art. 37 da CF/88. Da mesma forma, quatro votos afirmaram a

competência do CNJ para densificar os princípios constitucionais da

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Administração Pública. Os outros três ministros que compuseram a corrente

vencedora não teceram quaisquer considerações nesse sentido, mas

presumidamente acompanharam os quatro quanto a ambas as ideias.

Em relação à forma que assumem os votos, verificam-se seis “não-

relacionais” e três “relacionais”. Dois deles, um de cada tipo, fizeram

menção à juntada das razões do voto proferido em liminar (Min. Cezar

Peluso e Min. Gilmar Mendes). Outra observação interessante diz respeito à

brevidade das manifestações dos ministros. Tem-se a impressão, portanto,

de que a maioria dos ministros não estava disposta a rediscutir a questão,

remetendo-se a uma convicção externada anteriormente.45

Sobre essa firmeza de convicção, a matéria sobre a qual versava a

ação (moralidade da Administração Pública) deve ser considerada como

fator relevante para explicá-la, pois dificilmente a ideia de uma

Administração Pública proba encontraria resistências no Tribunal. O mesmo,

porém, poderia não se aplicar à interpretação conforme a Constituição.

Aliás, sobre esse ponto, a própria a questão da necessidade ou não da

técnica já não havia sido levantada na decisão da liminar. Isso não impediu

o Min. Menezes Direito, que não participou do julgamento da liminar, de

suscitar novamente a discussão.

Assim, em relação à oposição apresentada pelo Min. Menezes Direito,

os ministros limitaram-se a ressaltar a importância de que se afastasse

qualquer dúvida sobre a interpretação do dispositivo impugnado. É

sintomático, aliás, que os Ministros Cezar Peluso e Gilmar Mendes tenham

apresentado voto apenas para defender a utilização da técnica. 45 Verifica-se, pelo resultado do julgamento da medida cautelar, que a unanimidade quanto ao mérito se manteve. A confirmação das convicções anteriores pode ser ilustrada por algumas passagens do acórdão: “O Senhor Ministro Carlos Ayres Britto (Relator) - Tenho que a matéria constitucional desta ação declaratória foi exaustivamente examinada por este Supremo Tribunal Federal quando do enfrentamento do pedido de medida liminar [...]” (STF: ADC 12/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 20.08.2008, p. 10 do acórdão; p. 10 do arquivo eletrônico); “O Senhor Ministro Cezar Peluso - Senhor Presidente, também acompanho o voto do eminente Relator e peço vênia para fazer incluir no acórdão a declaração de voto que oralmente já tinha proferido no julgamento da liminar, ao qual, creio, nada precisa ser acrescentado” (STF: ADC 12/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 20.08.2008, p. 27 do acórdão; p. 27 do arquivo eletrônico); e “O Senhor Ministro Celso de Mello – Reafirmo, Senhor Presidente, o teor do voto que proferi quando do julgamento, pelo Plenário desta Suprema Corte, do pedido de medida cautelar formulado na presente sede de fiscalização normativa abstrata” (STF: ADC 12/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 20.08.2008, p. 28 do acórdão; p. 28 do arquivo eletrônico; grifos no original).

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Especificamente sobre a utilização da técnica, não identifiquei

divergências quanto à fundamentação que pudessem comprometer a

compreensão do julgado. Na verdade, a interpretação conferida pelo Min.

Carlos Britto já havia sido aceita no julgamento da liminar e foi reforçada

pela Min. Cármen Lúcia. Ela afirmou que era necessário fazer esse

condicionamento porque existiriam cargos de “chefia” que não seriam de

“direção”, nos casos de “chefia intermediária”.

Por fim, sobre os aspectos formais do acórdão, o Relatório está

estruturado da seguinte maneira: menção da Resolução, apresentação dos

fundamentos aduzidos pelo autor para o mérito (a favor do ato) e para a

liminar, menção do julgamento liminar, apresentação da ementa do parecer

da PGR e menção dos amici curiae.

A ementa, por sua vez, encontra-se em consonância com o

pensamento da maioria do Plenário, principalmente no tocante à vedação

do nepotismo por aplicação direta dos princípios constitucionais da

Administração Pública (impessoalidade, eficiência, igualdade, moralidade), à

competência do CNJ para editar a Resolução e à utilização da técnica da

interpretação conforme a Constituição.46

Os dados do julgamento podem ser verificados nas tabelas a seguir:

46 É o que se pode concluir da ementa redigida pelo Min. Carlos Britto: “AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE, AJUIZADA EM PROL DA RESOLUÇÃO Nº 07, de 18.10.05, DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ATO NORMATIVO QUE ‘DISCIPLINA O EXERCÍCIO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES POR PARENTES, CÔNJUGES E COMPANHEIROS DE MAGISTRADOS E DE SERVIDORES INVESTIDOS EM CARGOS DE DIREÇÃO E ASSESSORAMENTO, NO ÂMBITO DOS ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS’. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Os condicionamentos impostos pela Resolução nº 07/05, do CNJ, não atentam contra a liberdade de prover e desprover cargos em comissão e funções de confiança. As restrições constantes do ato resolutivo são, no rigor dos termos, as mesmas já impostas pela Constituição de 1988, dedutíveis dos republicanos princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade. 2. Improcedência das alegações de desrespeito ao princípio da separação dos Poderes e ao princípio federativo. O CNJ não é órgão estranho ao Poder Judiciário (art. 92, CF) e não está a submeter esse Poder à autoridade de nenhum dos outros dois. O Poder Judiciário tem uma singular compostura de âmbito nacional, perfeitamente compatibilizada com o caráter estadualizado de uma parte dele. Ademais, o art. 125 da Lei Magna defere aos Estados a competência de organizar a sua própria Justiça, mas não é menos certo que esse mesmo art. 125, caput, junge essa organização aos princípios "estabelecidos" por ela, Carta Maior, neles incluídos os constantes do art. 37, cabeça. 3. Ação julgada procedente para: a) emprestar interpretação conforme à Constituição para deduzir a função de chefia do substantivo "direção" nos incisos II, III, IV, V do artigo 2° do ato normativo em foco; b) declarar a constitucionalidade da Resolução nº 07/2005, do Conselho Nacional de Justiça”.

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5

0

Tabela 7: votos dos ministros na ADC 12/DF

Ministros

Questões a serem resolvidas / Fundamentos

Tipo

Interação em Plenário

Carlos Britto

(Relator)

1) cabim

ento de controle de constitucionalidade da Resolução

- a

Resolução

do CNJ é ato

norm

ativo primário dotado dos

atributos

da gen

eralidad

e, universalidade e

abstratividade

2) coibição do nepotismo

- a

Resolução

densifica os

princípios

do art. 37, que já são

totalm

ente au

to-aplicáveis (impessoalidade

, moralidade, igualdade e eficiên

cia)

- a Resolução não atenta con

tra a liberdad

e de nomeação e exoneração porque as restrições são constitucion

ais

3) competência do CNJ

- não

há ofensa à sep

aração de Poderes porque o CNJ não

é estranho ao Judiciário

- não

há ofensa ao princípio fed

erativo porque o Judiciário tem caráter nacion

al

4) necessidad

e da técnica da interpretação con

form

e a Con

stituição

- necessidade de completar uma brecha pela ausência da m

enção ao cargo de chefia

Voto

não-

relacion

al

(Relator)

Menezes

Direito

2) coibição do nepotismo

- o conteúdo da R

esolução é constitucion

al e já vem sen

do previsto por outros atos de órgãos do Judiciário

(novo)

3) competência do CNJ

- CNJ é competente para preservar os princípios esculpidos no art. 37 da Con

stituição

, em especial a m

oralid

ade

(novo)

4) necessidad

e da técnica da interpretação con

form

e a Con

stituição

- a ausência da interpretação conform

e a Constituição não compromete o cumprimen

to da reg

ra (novo)

Voto

relacion

al

Rebate a opção do Relator pela

interpretação conform

e

Cármen Lúcia

2) coibição do nepotismo

- a Resolução concretiza princípios como da impessoalidade e da moralid

ade

- os princípios se aplicam

a tod

os os Poderes, em todos os níveis da Federação (novo)

- evolução histórica do direito público demon

stra um crescen

te com

bate ao nep

otismo e à confusão en

tre público

e priva

do (novo)

- princípio republican

o já basta para proibir o nepotismo (novo)

3) competência do CNJ

- CNJ tem competência para fazer atuar os princípios da Administração Pú

blica (art. 103-B, § 4º, II)

Voto

não-

relacion

al

Não faz qualquer men

ção a votos

anteriores, exceto para m

anifestar

concordân

cia com o Relator

Marco

Aurélio

2) coibição do nepotismo

- a Resolução é constitucional se o CNJ tiver competên

cia, como assentado pela Corte

Voto

não-

relacion

al

Não faz qualquer men

ção a votos

anteriores, exceto para m

anifestar

concordância com o Min. Menezes

Direito

Ricardo

Lewandowski

2) coibição do nepotismo

- princípios constitucion

ais da Administração Pública são au

to-aplicáveis

3) competência do CNJ

- Resolução regulamen

ta os princípios do art. 37 (art. 103-B, § 4º, II)

Voto

relacion

al

Con

verge com o Relator quan

to à auto-

aplicabilidad

e dos princípios

constitucionais da Administração Pública

Eros Grau

Voto sem fundam

entação própria que acompanha o voto do Relator

Cezar Peluso

4) necessidad

e da técnica da interpretação con

form

e a Con

stituição

- é bom esclarecer que a Resolução tam

bém abrange cargos de chefia

Voto

não-

Não faz qualquer men

ção a votos

anteriores, exceto para acompan

har o

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5

1

relacion

al

Relator

Celso de

Mello

2) coibição do nepotismo

- a moralidade é um princípio con

stitucion

al que legitim

a o controle de tod

os os atos que transgridam valores

éticos

- a Constituição deve ser vista de m

odo m

ais amplo, abrangendo também valores de caráter suprapositivo e do

espírito que a con

form

a (bloco de constitucion

alidad

e) (novo)

- rejeição da ideia de um Estad

o patrim

onial e da con

fusão entre espaço público e espaço privado

- princípios da igualdade, da m

oralidad

e e da impessoalidad

e devem ser observad

os por todos os Po

deres

3) competência do CNJ

- o CNJ apen

as regu

lamen

tou o art. 37 da Constituição (art. 103-B, § 4º, II)

- não há violação do princípio da separação dos Po

deres ou

do princípio federativo

porque o C

NJ é órgão

do

Judiciário e de âmbito nacional

Voto

não-

relacion

al

Não faz qualquer men

ção a votos

anteriores, exceto para m

anifestar

concordân

cia com o Relator

Gilmar

Mendes

4) necessidad

e da técnica da interpretação con

form

e a Con

stituição

- é necessário deixar o dispositivo bem claro para que não

haja descumprimen

to

Voto

relacion

al

Rebate a opinião dos Ministros Menezes

Direito e Marco Aurélio, contrária à

interpretação conform

e a Con

stituição

, e

reafirm

a a posição do Relator sobre o

ponto

Joaquim

Barbosa

Ausente

Ellen Gracie

Ausente

Tabela 8: debates entre os ministros na ADC 12/DF

Momento do

Debate

Quem inicia /

Motivo

Quem participa

O que se discute

Quais as posições

Quais os resultados

1º Debate

“Debate” inserido

entre o Voto do M

in.

Menezes Direito e o

Voto da Min. Cárm

en

Lúcia

Min. Gilm

ar Mendes

(Presiden

te)

Esclarecimen

to

Min. Gilm

ar Men

des

(Presiden

te)

Min. Carlos Britto (Relator)

Min. Cármen

Lúcia

Se a Corte havia se

pronunciad

o, na lim

inar,

sobre a interpretação

conform

e ao termo

“direção

Ministros: tam

bém tinha havido

oposição

, mas ficou consignada

a interpretação conform

e já na

liminar

A Corte havia decidido pela

interpretação conform

e em

liminar

Consenso

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2.2.5. Caso do piso salarial dos professores: ADI-MC 4167-

3/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17.12.2008

A ADI 4167-3/DF foi ajuizada pelos Governadores dos Estados de

Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Ceará

contra o artigo 2º, §§ 1º e 4º, art. 3º, caput, II e III, art. 8º, todos da Lei

11.738, de 16 de julho de 2008.47 Tais dispositivos tratavam da criação do

piso salarial para o magistério público. Em geral, os autores alegaram

desproporcionalidade em algumas previsões, invasões de competência e

imposição abusiva de custos financeiros (para a descrição do julgado, ver

anexo III).

A análise do acórdão evidencia que sete pontos foram suscitados: (i)

a constitucionalidade da fixação, por lei federal, de uma jornada de trabalho

dos professores em 40 horas; (ii) a constitucionalidade da determinação do

vencimento inicial como referência para o piso salarial; (iii) a

constitucionalidade da redução da carga horária funcional dos professores

por lei federal; (iv) a constitucionalidade da implementação do piso; (v) a

constitucionalidade das frações impostas aos entes para a gradual

implementação do piso; (vi) o quorum para julgamento; (vii) a

constitucionalidade formal da lei.

Todos os ministros manifestaram-se explicitamente acerca de pelo

menos um dos quatro primeiros pontos, todos trazidos pelo Relator. Seis

trataram da jornada de trabalho (i); seis trataram do piso salarial (ii); sete

47 Eis os dispositivos impugnados: “Art. 2o O piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica será de R$ 950,00 (novecentos e cinqüenta reais) mensais, para a formação em nível médio, na modalidade Normal, prevista no art. 62 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. § 1o O piso salarial profissional nacional é o valor abaixo do qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial das Carreiras do magistério público da educação básica, para a jornada de, no máximo, 40 (quarenta) horas semanais. (...) § 4o Na composição da jornada de trabalho, observar-se-á o limite máximo de 2/3 (dois terços) da carga horária para o desempenho das atividades de interação com os educandos. (...) Art. 3o O valor de que trata o art. 2o desta Lei passará a vigorar a partir de 1o de janeiro de 2008, e sua integralização, como vencimento inicial das Carreiras dos profissionais da educação básica pública, pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios será feita de forma progressiva e proporcional, observado o seguinte: (...) II – a partir de 1o de janeiro de 2009, acréscimo de 2/3 (dois terços) da diferença entre o valor referido no art. 2o desta Lei, atualizado na forma do art. 5o desta Lei, e o vencimento inicial da Carreira vigente; III – a integralização do valor de que trata o art. 2o desta Lei, atualizado na forma do art. 5o desta Lei, dar-se-á a partir de 1o de janeiro de 2010, com o acréscimo da diferença remanescente. (...) Art. 8o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação”.

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trataram da redução da carga horária (iii); e quatro trataram da

implementação do piso (iv).

Analisando os números, o grande número de manifestações sobre a

jornada de trabalho não significou uma grande controvérsia. Na verdade,

quase todos caminharam no mesmo sentido, afirmando que era uma forma

de evitar fraudes.48 O estabelecimento de um parâmetro de jornada seria

importante para que a redução ou o aumento no tempo de trabalho dos

professores tivesse uma redução ou um aumento proporcional nos

vencimentos.

Da mesma forma, a baixa participação quanto à questão da

implementação do piso tem sua causa na grande adesão à proposta de

interpretação conforme a Constituição feita pelo Relator, Min. Joaquim

Barbosa. O Ministro considerou que não seria possível para uma lei que

começava a ter efeitos práticos em 2009 retroagir e considerar a

implementação a partir de 2008. Por isso, interpretava a norma em

conformidade com a Constituição para determinar a apuração a partir de

2009.

Por outro lado, o grande número de votos que tratam da redução da

carga horária em cerca de um terço ocorre justamente pela divergência

sobre o tema. O placar foi de três ministros pela constitucionalidade contra

quatro ministros pela inconstitucionalidade, excluindo-se aqueles que

apenas acompanharam uma das correntes sem abordar o ponto. O mesmo

pode ser observado na questão da fixação do vencimento inicial como

parâmetro para o piso salarial, não da remuneração global. Os Estados

tinham interesse em que vantagens patrimoniais pudessem ser

contabilizadas para efeitos do piso salarial, alegando o desequilíbrio

financeiro que uma interpretação contrária poderia causar.

Apenas três ministros trouxeram questões novas para debate. O

primeiro foi o Min. Ricardo Lewandowski, que questionou a

constitucionalidade das frações de implementação do piso. Além do debate

48 Apenas o Min. Marco Aurélio questionou a redução da jornada de trabalho, afirmando que isso exigiria a contratação de novos professores.

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que suscitou no momento, a única repercussão da proposta pode ser vista

no voto do Min. Cezar Peluso, que tratou expressamente do tópico,

rechaçando a inconstitucionalidade.

Outro ministro que inovou foi o Min. Marco Aurélio, em grande parte

pela oposição ao resultado do julgamento. Foi ele quem levantou os dois

últimos pontos: o quorum para julgamento e a inconstitucionalidade formal

da lei. Em relação ao primeiro, o Ministro criticou a continuação do

julgamento com quatro ministros ausentes, mas o Plenário votou por

rejeitar a questão de ordem; quanto ao segundo, a posição pela

inconstitucionalidade formal não teve qualquer repercussão na Corte.

Acredito que uma das possíveis causas para o fato de os ministros

tratarem dos mesmos pontos no julgamento tenha sido o modo didático

como o Relator tratou da questão em seu voto (não no Relatório), acrescido

do reforço que os votos subsequentes deram à sua forma de tratar a

questão. Os elogios que o Min. Joaquim Barbosa recebeu pela articulação de

ideias poderiam revelar essa situação.49

No que toca à fundamentação, o problema da jornada de trabalho foi

resolvido pelos ministros a partir das mesmas razões. Em relação ao art.

2º, caput e § 1º, a situação foi diferente. Configurou-se o seguinte quadro:

diante do mecanismo trazido pela lei para atenuar o impacto financeiro do

piso salarial, o Min. Menezes Direito propôs a extensão do prazo em que o

parâmetro seria a remuneração global até o julgamento final, porque temia

o desequilíbrio orçamentário dos entes. A esse pensamento aderiram, sem

outras considerações, os Ministros Eros Grau, Ricardo Lewandowski e

Gilmar Mendes.

Por outro lado, o Min. Cezar Peluso pareceu ter sido aquele que

melhor sustentou essa posição, discutindo a natureza do piso salarial. Para

o Ministro, como piso significava um mínimo existencial, estaria se referindo

à remuneração global, não apenas aos vencimentos. Além dele, apenas o

49 É o caso do elogio feito pela Min. Cármen Lúcia: “Senhor Presidente, em primeiro lugar, também registro o brilhante voto do Ministro Relator, que tratou separadamente, articuladamente, de cada qual dos itens questionados” (STF: ADI-MC 4167-3/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17.12.2008, p. 191 do acórdão; p. 35 do arquivo eletrônico; grifos nossos)

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Min. Carlos Britto fez o mesmo, embora tenha votado em outro sentido. De

qualquer forma, se as consequências orçamentárias foram o principal

argumento para o Min. Menezes Direito, foram apenas mais um argumento

para o Min. Cezar Peluso.

O mesmo acontece com o resultado relativo ao art. 2º, § 4º, sobre a

carga horária dos professores. Embora tenha se formado uma ampla

maioria pelo deferimento (sete votos), houve uma divergência de

fundamentação. O Ministro Ricardo Lewandowski considerou o dispositivo

inconstitucional porque invadiria competência privativa dos Chefes dos

Executivos dos Estados (ter a iniciativa de lei em matéria de servidor

público). A Ministra Cármen Lúcia e os Ministros Menezes Direito e Cezar

Peluso, por sua vez, argumentaram que a União extrapolava a sua

competência ao disciplinar matéria de educação diferente do piso salarial.

Por fim, o Ministro Marco Aurélio considerou que o dispositivo seria

inconstitucional por violar a “reserva do possível” e exigir dos entes que

eles contratassem novos professores.

Tanto no primeiro como no segundo caso, a divergência de

fundamentação não teve outra consequência senão fornecer uma base mais

completa para a decisão. Contudo, é possível questionar, por exemplo, se a

partir do raciocínio do Min. Cezar Peluso o piso salarial deveria tomar como

parâmetro a remuneração global mesmo depois do julgamento de mérito. O

próprio Ministro afirmou que Estados e Municípios poderiam estabelecer

livremente a estrutura da remuneração.

Como resultado do julgamento, tem-se o seguinte:

- em relação ao art. 2º, caput e § 1º, a maioria (cinco ministros)

acompanhou a proposta de interpretação conforme a Constituição do Min.

Menezes Direito, para estender o período no qual o parâmetro seria a

remuneração global até o julgamento de mérito;

- em relação ao art. 2º, § 4º, a maioria (seis ministros) deferiu a cautelar;

- em relação ao art. 3º, a maioria (oito ministros) acolheu a interpretação

conforme a Constituição proposta pelo Relator.

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Relativamente aos votos proferidos, verificam-se quatro “não-

relacionais”, três “relacionais” e dois “em debates”. Destaque deve ser

conferido ao voto em debates da Min. Cármen Lúcia, na qual os Ministros

Joaquim Barbosa e Menezes Direito apresentaram as premissas de seus

votos para tentar convencê-la de que a redução da carga horária pela lei

seria constitucional ou inconstitucional, respectivamente. A Ministra não via

inconstitucionalidade no dispositivo em relação ao argumento econômico,

mas concordou com o Min. Menezes Direito em relação à extrapolação de

competência sobre a matéria por parte da União.

Vale ressaltar o voto relacional do Min. Cezar Peluso. Trata-se de um

dos exemplos mais claros desse tipo de voto em toda a pesquisa,

apontando uma falha na argumentação da própria corrente a que aderiu,

tentando supri-la. No caso, o Ministro mostrou como ninguém da corrente

majoritária havia tratado a questão da natureza jurídica do piso salarial.

Outras observações podem ser feitas sobre o acórdão. Em primeiro

lugar, e talvez mais importante, vale mencionar a questão de ordem

proposta pelo Min. Marco Aurélio, em relação ao quorum para julgamento.

O problema da ausência de vários ministros não é apenas a possibilidade de

que um ministro mude de opinião, mas a própria necessidade de

esclarecimentos que podem até mesmo influenciar uma decisão.

Embora não seja possível apontar como a ausência dos ministros

tenha gerado problemas para o julgamento – e me parece que ela não

gerou nenhuma dificuldade aparente –, é possível demonstrar o contrário, i.

e., como a presença dos ministros pode ser importante.

Assim, por exemplo, por duas oportunidades houve pedidos de

esclarecimentos de ministros. Foi assim com a Min. Cármen Lúcia, quando

perguntou se o Min. Joaquim Barbosa lia o art. 2º, caput, como “a partir de

janeiro de 2009”. Também aconteceu quando a própria Ministra Cármen

Lúcia estava votando, e tanto o Min. Menezes Direito, com a ajuda do Min.

Cezar Peluso, como o Min. Joaquim Barbosa tentaram reafirmar as

premissas de suas posições, num esforço de esclarecimento dos resultados

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alcançados por eles e de convencimento da colega. Frise-se que uma das

pessoas que se ausentaram da sessão foi a própria Ministra.

Uma segunda consideração diz respeito aos ricos debates travados no

julgamento. O primeiro deles se deu entre a Ministra Cármen Lúcia e os

Ministros Menezes Direito, Joaquim Barbosa e Cezar Peluso, como

mencionado anteriormente. Há um claro confronto de ideias, principalmente

entre a Min. Cármen Lúcia e o Min. Joaquim Barbosa.

Ao contrário do Min. Joaquim Barbosa, que manteve a sua posição

original a favor da constitucionalidade do art. 2º, § 4º, os outros Ministros

trocaram argumentos para questionar a higidez da norma, convergindo para

uma conclusão comum. Conhecer as bases do voto do Min. Menezes Direito,

aliás, pareceu fundamental para que a Min. Cármen Lúcia o seguisse nesse

ponto, porquanto ela parecesse discordar da ideia de que a

inconstitucionalidade residiria na necessidade de mais professores.50

Outro debate interessante ocorreu durante o voto do Min. Ricardo

Lewandowski. O Ministro afirmou que as frações impostas pela lei para a

implementação do piso (2/3 em 2009 e o restante em 2010) retiravam a

autonomia dos entes federados e, por isso, seriam inconstitucionais. A

proposta que o Ministro trouxe como complemento aos votos já proferidos

foi rebatida pelos Ministros Joaquim Barbosa, Cezar Peluso e pela Min.

Cármen Lúcia, que reafirmavam o objetivo do diploma legal. Mesmo assim,

e isso pode ser visto como uma demonstração de convicção, o Min. Ricardo

Lewandowski afirmou: “no meu entender, aqui, o legislador federal

ingressou na autonomia financeira dos entes federados” (STF: ADI-MC

4167-3/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17.12.2008, p. 201 do acórdão;

p. 45 do arquivo eletrônico).

Sobre a interpretação conforme a Constituição, não identifiquei

nenhuma divergência de fundamentação dentre aqueles que a adotaram.

Todos os ministros que acompanharam o Min. Joaquim Barbosa nesse ponto

não fizeram maiores considerações, com exceção do Min. Cezar Peluso, que

50 A posição, aliás, é coerente com o resto do voto. Se a União fica responsável por integralizar os aportes necessários naquilo que os outros entes não conseguirem, especialmente através do Fundo para Educação, então não haveria problemas nesse sentido.

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ressaltou sua preferência em que o dispositivo fosse lido como “não implica

obrigação de pagamento a partir de 1º de janeiro de 2008”, ao invés da

leitura dada pelo voto do relator. Porém, isso não interferiu na sua adesão.

Em relação ao aspecto formal, o Relatório está estruturado da

seguinte maneira: apresentação dos dispositivos impugnados; apresentação

dos respectivos pedidos e dos argumentos aduzidos para a

inconstitucionalidade de cada um dos dispositivos impugnados; menção às

informações prestadas, à posição da AGU pela constitucionalidade da lei e à

posição da PGR pelo indeferimento.

Sobre ementa do julgado, ela é digna de destaque.51 Como foi

vencido apenas parcialmente, o Min. Joaquim Barbosa pode redigi-la. Ela se

51 Transcrevo a ementa: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR (ART. 10 E § 1º DA LEI 9.868/1999). CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PISO SALARIAL NACIONAL DOS PROFESSORES PÚBLICOS DE ENSINO FUNDAMENTAL. LEI FEDERAL 11.738/2008. DISCUSSÃO ACERCA DO ALCANCE DA EXPRESSÃO "PISO" (ART. 2º, caput e §1º). LIMITAÇÃO AO VALOR PAGO COMO VENCIMENTO BÁSICO INICIAL DA CARREIRA OU EXTENSÃO AO VENCIMENTO GLOBAL. FIXAÇÃO DA CARGA HORÁRIA DE TRABALHO. ALEGADA VIOLAÇÃO DA RESERVA DE LEI DE INICIATIVA DO CHEFE DO EXECUTIVO PARA DISPOR SOBRE O REGIME JURÍDICO DO SERVIDOR PÚBLICO (ART. 61, § 1º, II, C DA CONSTITUIÇÃO). CONTRARIEDADE AO PACTO FEDERATIVO (ART. 60, § 4º E I, DA CONSTITUIÇÃO). INOBSERVÂNCIA DA REGRA DA PROPORCIONALIDADE. 1. Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, ajuizada contra o art. 2º, caput e § 1º da Lei 11.738/2008, que estabelecem que o piso salarial nacional para os profissionais de magistério público da educação básica se refere à jornada de, no máximo, quarenta horas semanais, e corresponde à quantia abaixo da qual os entes federados não poderão fixar o vencimento inicial das carreiras do magistério público da educação básica. 2. Alegada violação da reserva de lei de iniciativa do Chefe do Executivo local para dispor sobre o regime jurídico do servidor público, que se estende a todos os entes federados e aos municípios em razão da regra de simetria (aplicação obrigatória do art. 61, § 1º, II, c da Constituição). Suposta contrariedade ao pacto federativo, na medida em que a organização dos sistemas de ensino pertinentes a cada ente federado deve seguir regime de colaboração, sem imposições postas pela União aos entes federados que não se revelem simples diretrizes (arts. 60, § 4º, I e 211, § 4º da Constituição. Inobservância da regra de proporcionalidade, pois a fixação da carga horária implicaria aumento imprevisto e exagerado de gastos públicos. Ausência de plausibilidade da argumentação quanto à expressão "para a jornada de, no máximo, 40 (quarenta horas)", prevista no art. 2º, § 1º. A expressão "de quarenta horas semanais" tem por função compor o cálculo do valor devido a título de piso, juntamente com o parâmetro monetário de R$ 950,00. A ausência de parâmetro de carga horária para condicionar a obrigatoriedade da adoção do valor do piso poderia levar a distorções regionais e potencializar o conflito judicial, na medida em que permitiria a escolha de cargas horárias desproporcionais ou inexeqüíveis. Medida cautelar deferida, por maioria, para, até o julgamento final da ação, dar interpretação conforme ao art. 2º da Lei 11.738/2008, no sentido de que a referência ao piso salarial é a remuneração e não, tão-somente, o vencimento básico inicial da carreira. Ressalva pessoal do ministro-relator acerca do periculum in mora, em razão da existência de mecanismo de calibração, que postergava a vinculação do piso ao vencimento inicial (art. 2º, § 2º). Proposta não acolhida pela maioria do Colegiado. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. FIXAÇÃO DA CARGA HORÁRIA DE TRABALHO. COMPOSIÇÃO. LIMITAÇÃO DE DOIS TERÇOS DA CARGA HORÁRIA À INTERAÇÃO

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apresentou inteiramente concordante com a opinião do Colegiado no

julgamento, mas o Relator também ressalvou suas próprias posições. É o

exemplo dos seguintes trechos:

“Medida cautelar deferida, por maioria, para, até o julgamento final

da ação, dar interpretação conforme ao art. 2º da Lei 11.738/2008,

no sentido de que a referência ao piso salarial é a remuneração e

não, tão-somente, o vencimento básico inicial da carreira. Ressalva

pessoal do ministro-relator acerca do periculum in mora, em razão da

existência de mecanismo de calibração, que postergava a vinculação

do piso ao vencimento inicial (art. 2º, § 2º). Proposta não acolhida

pela maioria do Colegiado.”

“Ressalva pessoal do ministro-relator, no sentido de que o próprio

texto legal já conteria mecanismo de calibração, que obrigaria a

adoção da nova composição da carga horária somente ao final da

aplicação escalonada do piso salarial. Proposta não acolhida pela

maioria do Colegiado. Medida cautelar deferida, por maioria, para

suspender a aplicabilidade do art. 2º, § 4º da Lei n. 11.738/2008.”

COM EDUCANDOS (ART. 2º, § 4º DA LEI 11.738/2008). ALEGADA VIOLAÇÃO DO PACTO FEDERATIVO. INVASÃO DO CAMPO ATRIBUÍDO AOS ENTES FEDERADOS E AOS MUNICÍPIOS PARA ESTABELECER A CARGA HORÁRIA DOS ALUNOS E DOS DOCENTES. SUPOSTA CONTRARIEDADE ÀS REGRAS ORÇAMENTÁRIAS (ART. 169 DA CONSTITUIÇÃO). AUMENTO DESPROPORCIONAL E IMPREVISÍVEL DOS GASTOS PÚBLICOS COM FOLHA DE SALÁRIOS. IMPOSSIBILIDADE DE ACOMODAÇÃO DAS DESPESAS NO CICLO ORÇAMENTÁRIO CORRENTE. 3. Plausibilidade da alegada violação das regras orçamentárias e da proporcionalidade, na medida em que a redução do tempo de interação dos professores com os alunos, de forma planificada, implicaria a necessidade de contratação de novos docentes, de modo a aumentar as despesas de pessoal. Plausibilidade, ainda, da pretensa invasão da competência do ente federado para estabelecer o regime didático local, observadas as diretrizes educacionais estabelecidas pela União. Ressalva pessoal do ministro-relator, no sentido de que o próprio texto legal já conteria mecanismo de calibração, que obrigaria a adoção da nova composição da carga horária somente ao final da aplicação escalonada do piso salarial. Proposta não acolhida pela maioria do Colegiado. Medida cautelar deferida, por maioria, para suspender a aplicabilidade do art. 2º, § 4º da Lei 11.738/2008. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PISO SALARIAL. DATA DE INÍCIO DA APLICAÇÃO. APARENTE CONTRARIEDADE ENTRE O DISPOSTO NA CLÁUSULA DE VIGÊNCIA EXISTENTE NO CAPUT DO ART. 3º DA LEI 11.738/2008 E O VETO APOSTO AO ART. 3º, I DO MESMO TEXTO LEGAL. 4. Em razão do veto parcial aposto ao art. 3º, I da Lei 11.738/2008, que previa a aplicação escalonada do piso salarial já em 1º de janeiro de 2008, à razão de um terço, aliado à manutenção da norma de vigência geral inscrita no art. 8º (vigência na data de publicação, isto é, 17.07.2008), a expressão "o valor de que trata o art. 2º desta Lei passará a vigorar a partir de 1º de janeiro de 2008", mantida, poderia ser interpretada de forma a obrigar o cálculo do valor do piso com base já em 2008, para ser pago somente a partir de 2009. Para manter a unicidade de sentido do texto legal e do veto, interpreta-se o art. 3º para estabelecer que o cálculo das obrigações relativas ao piso salarial se dará a partir de 1º de janeiro de 2009. Medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade concedida em parte”.

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60

Essa maneira de redigir a ementa parece ser muito eficiente para

mostrar a posição do redator – seja o Relator originário ou o Redator para o

acórdão – sem que ele recaia no erro de não refletir a posição do Colegiado.

Por outro lado, questiona-se se é realmente necessário que essa

divergência venha realmente expressa ou não.

Finalmente, os dados do julgamento são apresentados nas tabelas a

seguir:

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6

1

Tabela 9: votos dos ministros na ADI-MC 4167-3/DF

Ministros

Questões a serem resolvidas / Fundamentos

Tipo

Interação em Plenário

Joaquim

Barbosa

(Relator)

1) constitucionalidade da jornada de trab

alho de 40 horas

- compõe o cálculo do piso e permite o cálculo proporcional do piso para outras jornadas

de trabalho

2) constitucionalidade da referência ao vencimento inicial como piso salarial

- o próprio art. 3º, § 2º, da Lei permite que em até 31.12.2009 a rem

uneração global seja

usada como parâmetro

- o prazo será necessário para que

se coletem dados

sobre os

efetivo

s prejuízos

financeiros

3) constitucionalidade do lim

ite à carga horária funcion

al

- fundamen

to da n

orm

a n

ão é o art. 60, do A

DCT, mas a rep

artição de competên

cias

federativa

s - a União pode

estabelecer norm

as gerais que reduzam as desigualdades regionais e

busquem m

elhorar a qualidade de en

sino

- a presunção de que os Municípios com m

enor capacidade financeira não

terão recursos

para con

tratar professores é insuficiente, porque exige exa

me detalhado de cada situação

- alteração do modelo de carreira deve observar o m

esmo prazo de implemen

tação do piso

(não

antes de 31.12.2009)

4) constitucionalidade da ap

uração e da implementação do piso salarial

- a previsão de im

plemen

tação “a partir de 1º de janeiro de 2008” seria desprovida de

eficácia e deveria ser lida como “a partir de 1º de janeiro 2009”

Voto

não

-relacional

(Relator)

Menezes

Direito

1) constitucionalidade da jornada de trab

alho de 40 horas

- vinculação ao piso ev

ita distorções pela lei ordinária

2) constitucionalidade da referência ao vencimento inicial como piso salarial

- não há inconstitucionalidade na fixação de um piso salarial, porque busca a m

elhora das

condições do m

agistério

- para não onerar dem

ais os en

tes na implemen

tação, a previsão do art. 3º, § 2º, poderia

ser estendida até o julgamen

to definitivo da ação (novo)

3) constitucionalidade do lim

ite da carga horária funcional

- inconstitucionalidade pela inva

são de competência de outros en

tes federativos quanto a

assuntos desses en

tes (novo)

- pericu

lum

in m

ora pela necessidade de contratação de professores em

Municípios com

men

or capacidade finan

ceira (novo)

4) constitucionalidade da ap

uração e da implementação do piso salarial

- a lei estabelece u

ma data a partir da qual as remunerações dev

erão ser p

agas, n

ão

poden

do retroag

ir como num caso de cálculo de aumen

to

Voto

relacional

Refere-se exp

ressamente ao vo

to do

Relator em

todas as três questões, seja

para concordar quanto à conclusão, seja

para discordar, seja para acompanhar

integralm

ente

Refere-se ex

pressamente à m

anifestação

da Min. Cárm

en Lúcia em esclarecimen

to

ped

ido por ela ao M

in. Joaq

uim

Barbosa

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6

2

Cárm

en Lúcia

2) constitucionalidade da referência ao vencimento inicial como piso salarial

- não há oneração desproporcional dos en

tes porque a U

nião está obrigada a auxiliá-los

nessa respon

sabilidade (novo)

3) constitucionalidade do lim

ite da carga horária funcional

- a lei extrapola a reg

ulamen

tação d

o p

iso n

acion

al ao dispor sobre carga h

orária dos

professores

- a falta de dados não é suficien

te para afastar o aparente vício de inconstitucionalidad

e (novo)

Voto em

debates

Discute as premissas dos vo

tos anteriores

com os Ministros Joaquim

Barbosa e

Men

ezes Direito

Ricardo

Lewandowski

1) constitucionalidade da jornada de trab

alho de 40 horas

- ev

ita que a lei ordinária desvirtue o parâmetro

3) constitucionalidade do lim

ite da carga horária funcional

- inconstitucionalidad

e form

al por regular regim

e jurídico dos servidores públicos, m

atéria

cuja iniciativa

de lei é priva

tiva

do Chefe do Exe

cutivo

(novo)

4) constitucionalidade da ap

uração e da implementação do piso salarial

- a vontade legislativa

é de im

plantar o piso a partir de 2009

5) constitucionalidade das frações impostas aos en

tes para a implemen

tação do piso

- a fixa

ção de

percentuais a serem pagos

pelos

entes

viola a autonomia finan

ceira

respectiva

Voto em

debates

Traz uma nova questão em

complemen

to

às ap

resentadas pelos ou

tros ministros

Eros Grau

3) constitucionalidade do lim

ite da carga horária funcional

- razoabilidade e proporcionalidade da redução é m

atéria para o leg

islador (novo)

Voto

relacional

Afirm

a que não irá rep

etir o que os ou

tros

já falaram, mas que gostaria de ter dito

várias coisas, principalm

ente sobre

razoabilidade e proporcionalidade

Carlos Britto

1) constitucionalidade da jornada de trab

alho de 40 horas

- há uma ligação en

tre piso e jornada de trabalho, até para evitar fraudes ao

piso

2) constitucionalidade da referência ao vencimento inicial como piso salarial

- Con

stituição reg

ula a educação de form

a transfed

erativa e m

inuciosa, estabelecen

do a

cooperação financeira entre os en

tes

- piso é

vencimento básico que

serve

de referência para todas as demais va

ntagen

s (novo)

- piso é um m

ínim

o ex

istencial que afasta a reserva do possível (novo)

3) constitucionalidade do lim

ite da carga horária funcional

- trata-se de concretização da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

Voto

não

-relacional

Elogia o voto do M

in. Joaquim

Barbosa,

mas sem aden

trar nos argumen

tos

Cezar Peluso

1) constitucionalidade da jornada de trab

alho de 40 horas

- ev

ita-se o risco de o piso ser pago para jornadas de trabalho superiores

2) constitucionalidade da referência ao vencimento inicial como piso salarial

- natureza do piso salarial: é garantia m

ínim

a que permite um m

ínim

o existen

cial para

uma vida digna

Voto

relacional

Afirm

a que os outros ministros, salvo o

Min. Carlos Britto, não avançaram na

natureza jurídica do piso salarial

Rebate a proposta do M

in. Ricardo

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6

3

- se a referên

cia não fosse a uma garantia m

ínim

a, hav

eria inva

são de competên

cia dos

outros en

tes, acerca da fixa

ção da estrutura de ve

ncimen

tos e remuneração

de seus

servidores (novo)

- se o m

arco tem

poral não for alargado, corre-se o risco de que os en

tes não consigam ter

recursos para o piso

3) constitucionalidade do lim

ite da carga horária funcional

- é matéria impertinen

te ao âmbito da lei e inva

de competên

cia dos outros entes

4) constitucionalidade da ap

uração e da implementação do piso salarial

- ressalva a preferência de que o dispositivo

fosse lido como “não

implica obrigação de

pagamen

to a partir de 1º de janeiro de 2008”

5) constitucionalidade das frações impostas aos en

tes para a implemen

tação do piso

- as frações protegem

os en

tes e im

pedem

que o piso seja imed

iatamente exigido

Lewandow

ski

Afirm

a que sua conclusão não

se diferen

cia

muito da do Relator, salvo com a

observação do Min. Men

ezes Direito

Marco

Aurélio

1) constitucionalidade da jornada de trab

alho de 40 horas

- carga sem

anal passa de 44 horas para 40 horas, criando a necessidad

e de contratação

de nov

os professores (novo)

2) constitucionalidade da referência ao vencimento inicial como piso salarial

- piso é o básico, que pode ser acrescido de ou

tras parcelas remuneratórias, ultrapassando

o m

ínim

o

- violação da Constituição ao exigir dos en

tes ônus com os quais não

podem

arcar (novo)

3) constitucionalidade do lim

ite da carga horária funcional

- violação da reserva do possível, especialm

ente em M

unicípios men

ores

6) quórum para julgamento

- a Corte não

pode continuar julgando com quórum inferior ao exigido, por im

possibilitar

mudanças de opinião

7) constitucionalidade form

al da lei inteira

- pelo princípio fed

erativo

cabe aos Estados e Municípios disciplin

arem o reg

ime jurídico de

seus servidores

- a lei só seria constitucional form

alm

ente em relação aos servidores federais

Voto

não

-relacional

Não faz qualquer men

ção a votos

anteriores, exceto para m

anifestar sua

divergên

cia

Gilmar

Mendes

Voto sem

fundamen

tação própria que acompan

ha o vo

to do Min. Men

ezes Direito

Ellen Gracie

Ausente

Celso de

Mello

Ausente

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6

4

Tabela 10: debates entre os ministros na ADI-MC 4167-3/DF

Momento do

Debate

Quem inicia /

Motivo

Quem participa

O que se discute

Quais as posições

Quais os resultados

1º Debate

“Esclarecimento”

entre o Voto do M

in.

Joaquim

Barbosa e o

Voto do Min.

Menezes Direito

Min. Cármen

Lúcia

Esclarecimen

to

Min. Cármen

Lúcia

Min. Joaq

uim

Barbosa

(Relator)

A interpretação ad

otada

pelo Min. Relator para o

dispositivo impugnad

o

Min. Joaquim

Barbosa: esclarece

que em vez de 2008, deve-se ler

2009

Ministros entendem que

o artigo deve ser lido

como “a partir de 1º de

janeiro de 2009”

Con

senso

2º Debate

Voto da Min. Cárm

en

Lúcia

Min. Men

ezes Direito

Bloqueio

Min. Cármen

Lúcia

Min. Men

ezes Direito

Min. Cezar Peluso

Min. Joaq

uim

Barbosa

(Relator)

Con

stitucion

alidad

e da

disposição que reduz a

carga horária dos

professores (art. 2º,

§4º)

- Min. Menezes Direito: fundamento

é a inva

são de competência

- Min. Cezar Peluso: há

impertinência temática da lei

- Min. Joaquim

Barbosa: não há

desproporcionalidad

e nem

inform

ações suficien

tes sobre

prejuízo, e o tem

a é inerente ao

piso

Ministra Cárm

en Lúcia

segue o Min. Men

ezes

Direito, enquan

to o M

in.

Joaq

uim

Barbosa

mantém o voto dele

Con

senso

3º Debate

Voto do Min. Ricardo

Lewandow

ski

Min. Joaquim

Barbosa (Relator)

Bloqueio

Min. Ricardo Lewandow

ski

Min. Joaq

uim

Barbosa

Min. Cármen

Lúcia

Con

stitucion

alidad

e das

frações que determ

inam

quanto deverá ser

integralizado pelos en

tes

- Min. Ricardo Lewandow

ski: as

frações violam a autonomia

finan

ceira

- Outros: são uma garantia m

ínim

a

que não imped

e os entes de agirem

diferen

te

Manutenção das

posiçõe

s originalm

ente

apresentadas

Dissenso

4º Debate

“Debate” inserido

entre o Voto do M

in.

Ricardo Lewan

dowski

e o Voto do Min. Eros

Grau

Min. Joaquim

Barbosa (Relator)

Bloqueio

Min. Joaq

uim

Barbosa

(Relator)

Min. Ricardo Lewandow

ski

Consequ

ências da

solução proposta pelo

Min. Ricardo

Lewandow

ski

- Min. Joaquim

Barbosa: efeito

prático seria impedir a

integralização do piso no prazo legal

- Min. Ricardo Lewan

dowski: pode

não

suspen

der o artigo, mas só a

fração

Min. Ricardo

Lewan

dowski deixa de

suspen

der o dispositivo

para suspender parte

dele

Consenso

52

5º Debate

“Questão de Ordem”

Min. Marco Aurélio

Nova questão

Min. Marco Aurélio

Min. Gilm

ar Men

des

(Presiden

te)

Min. Carlos Britto

Min. Joaq

uim

Barbosa

(Relator)

Ausência de Ministros

em número superior ao

possível, para se ter

quorum de julgamen

to

- Min. Marco Aurélio: julgamen

to

não pode prosseguir com sete

ministros

- Min. Gilm

ar Men

des: os ausentes

já proferiram voto

- Min. Joaquim

Barbosa: sugere a

suspen

são

A m

atéria é votad

a em

Plenário e rejeitada,

vencido o Min. Marco

Aurélio

Dissenso

52 Considero que houve

consenso ao m

enos quanto à opinião de que o voto anterior do M

in. Ricardo Lew

andow

ski foi ex

cessivo, como reconhecido

pelo próprio m

inistro.

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2.2.6. Caso do monopólio dos Correios: ADPF 46-7/DF, Rel. Min.

Marco Aurélio, j. 05.08.2009

A ADPF 46-7/DF foi ajuizada pela Associação Brasileira das Empresas

de Distribuição (ABRAED) contra atos praticados pela Empresa Brasileira de

Correios e Telégrafos (ECT) e o art. 9º da Lei 6.538/78. Postulava também

a definição do conceito de carta, presente no art. 47 da mesma lei.53 Em

síntese, argumentava que haveria uma restrição indevida à atividade de

empresas de logística, transporte, entrega de encomendas, dentre outras,

causada pela prescrição de que a empresa estatal de Correios deteria o

monopólio do serviço postal (art. 9º). Este, porém, seria uma atividade

econômica não sujeita a monopólio, donde se extrairia a não recepção do

art. 9º pela Constituição de 1988 (para a descrição do julgado, ver anexo

III).

Basicamente quatro pontos foram suscitados pelos ministros: (i) a

natureza do serviço postal, se atividade econômica ou serviço público; (ii) a

extensão do regime de prestação do serviço postal, i. e., os limites do

monopólio ou do privilégio; (iii) a definição do conceito de carta; (iv) a

constitucionalidade dos tipos penais contra a violação do monopólio.

As duas primeiras questões já estavam presentes no voto do Relator,

Min. Marco Aurélio, e foram discutidas por todos os ministros que

53 Dispõe a Lei, em seus arts. 9° e 47: “Art. 9º - São exploradas pela União, em regime de monopólio, as seguintes atividades postais: I - recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de carta e cartão-postal; II - recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de correspondência agrupada: III - fabricação, emissão de selos e de outras fórmulas de franqueamento postal. § 1º - Dependem de prévia e expressa autorização da empresa exploradora do serviço postal; a) venda de selos e outras fórmulas de franqueamento postal; b) fabricação, importação e utilização de máquinas de franquear correspondência, bem como de matrizes para estampagem de selo ou carimbo postal. § 2º - Não se incluem no regime de monopólio: a) transporte de carta ou cartão-postal, efetuado entre dependências da mesma pessoa jurídica, em negócios de sua economia, por meios próprios, sem intermediação comercial; b) transporte e entrega de carta e cartão-postal; executados eventualmente e sem fins lucrativos, na forma definida em regulamento.”; “Art. 47º - Para os efeitos desta Lei, são adotadas as seguintes definições: CARTA - objeto de correspondência, com ou sem envoltório, sob a forma de comunicação escrita, de natureza administrativa, social, comercial, ou qualquer outra, que contenha informação de interesse específico do destinatário.”.

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proferiram algum voto.54 Significa dizer que todos os ministros definiram se

o serviço postal era serviço público ou atividade econômica, e todos eles

também delimitaram o âmbito de monopólio ou privilégio da União na

exploração do serviço. Assim, o Relator e em menor parte o Min. Ricardo

Lewandowski defenderam ser o serviço postal uma atividade econômica,

enquanto os outros ministros seguiram a divergência iniciada com o Min.

Eros Grau, sustentando o caráter de serviço público da atividade. Para

todos, o monopólio (para atividade econômica) ou o privilégio (para serviço

público) se estendia às cartas, correspondência agrupada e comercialização

de selos.

O terceiro ponto (conceito de carta) é um desdobramento da

extensão do regime de prestação do serviço postal. Em outras palavras, o

monopólio ou a exclusividade depende do que se entenda por “carta”,

“cartão-postal” e “correspondência agrupada” (art. 9°, I e II da Lei Postal).

Esses conceitos são trazidos pelo art. 47, mas não esclarecem algumas

hipóteses, principalmente de correspondência comercial, como boletos

bancários, talões de cheques, etc.

O primeiro a tratar do tema não foi nem o Min. Marco Aurélio,

Relator, nem o Min. Eros Grau, que inaugurou a divergência. Quem

levantou a questão pela primeira vez foi o Min. Joaquim Barbosa, que

compreendia no âmbito do art. 9°, I, também a correspondência comercial.

Sobre ela também incidiria a exclusividade em favor da União.

Em seguida, o Min. Carlos Britto tratou da questão sob o prisma das

garantias constitucionais. Ele relacionou o conceito de carta ao princípio do

sigilo de correspondência, de modo que compreendia por “carta” tudo aquilo

que for comunicação privada entre as pessoas, excluindo-se a de caráter

comercial. Essa foi a sua primeira posição, posteriormente alterada para

excluir apenas encomendas e impressos, como será visto adiante.

Os Ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski trataram do tema

no mesmo sentido, afirmando que o privilégio não se estenderia à entrega

54 A manifestação do Min. Celso de Mello não aparece no acórdão. Presumo que, tendo aderido à proposta de interpretação conforme a Constituição, tenha seguido integralmente o voto do Min. Gilmar Mendes.

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de correspondência comercial (boletos, cartões de cobrança, talões de

cheques, etc.), resumindo-se tão-somente à carta, ao cartão-postal, à

correspondência agrupada e à fabricação e distribuição de selos. A Min.

Ellen Gracie ainda tocou no ponto da definição de carta, mas rejeitou fazer

qualquer interpretação porque não desejava deixar as empresas privadas

com o quinhão mais lucrativo do setor postal.

Assim, apenas quatro dos dez ministros se manifestaram sobre o

conceito de carta. Deles, apenas os Ministros Joaquim Barbosa e Carlos

Britto fizeram parte da corrente vencedora, formada por outros quatro

ministros. Mesmo em termos de Plenário, não houve qualquer maioria

formada sobre a polêmica, como bem assinalou a Ministra Ellen Gracie.

A quarta questão, sobre a constitucionalidade dos tipos penais, foi

apresentada pela primeira vez pelo Min. Gilmar Mendes, antes do voto-vista

da Min. Ellen Gracie. Posteriormente, a mesma questão foi tratada quando o

Ministro reajustou o seu voto. Contudo, além dele, apenas o Min. Ricardo

Lewandowski tratou do tema. É importante frisar que, na sequência de

votação, restava apenas o voto da Min. Cármen Lúcia.

Foi justamente a análise do tipo penal que ensejou a última discussão

sobre a interpretação do art. 42, conjugado com os arts. 9° e 47 da Lei

Postal. A abertura do tipo, como acentuada pelos Ministros Ricardo

Lewandowski e Gilmar Mendes, deveria ser reduzida de alguma forma. Uma

vez que a maioria se posicionou pela recepção da lei sem qualquer

alteração, entendeu-se que o tipo penal seria aplicado para os casos de

exploração da entrega de cartas, cartões-postais, correspondências

agrupadas e para os casos de fabricação e emissão de selos.

No tocante à fundamentação, o Min. Relator partiu da premissa de

que o Estado não poderia prestar atividade econômica lato sensu, salvo em

hipóteses excepcionais. Tal premissa não foi adotada por nenhum outro

ministro da Corte. Por outro lado, o Min. Eros Grau trouxe a fundamentação

que serviu de base para os outros votos da corrente majoritária. Segundo

ele, o serviço postal seria serviço público e, como tal, estaria sujeito ao

regime de privilégio.

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Alguns fundamentos complementares podem ser apontados nos votos

do Ministro Joaquim Barbosa e da Ministra Ellen Gracie, que rechaçaram a

possibilidade de que as empresas ficassem apenas com a parte mais

lucrativa do serviço, ou no voto do Min. Cezar Peluso, que afirmou ser o

serviço postal um serviço público até mesmo por uma necessidade de

integração nacional.

O primeiro voto do Min. Carlos Britto também trouxe fundamentos

adicionais que não constam dos votos dos outros ministros da corrente

majoritária. É o caso da vinculação entre a extensão do privilégio no serviço

postal e as garantias constitucionais, como o sigilo de correspondência (no

caso da inclusão da carta) ou a liberdade de imprensa (no caso da exclusão

dos impressos).

Por fim, a terceira corrente é capitaneada pelo Min. Gilmar Mendes.

Embora o Min. Ricardo Lewandowski concorde com o colega em relação aos

tipos penais excessivamente amplos e também quanto à abrangência do

monopólio da União (excluindo boletos, talões de cheques, etc.), a forma

como ele trata a questão, baseado no conceito de monopólio e na ideia de

livre iniciativa, pressupõe a premissa de que o serviço postal é atividade

econômica. Ao contrário, o Min. Gilmar Mendes considera que o serviço

postal é serviço público. Seria uma divergência profunda quanto à premissa.

Como resultado, a Corte julga improcedente a ADPF e confere

interpretação conforme a Constituição à Lei Postal para que o tipo penal do

art. 42 seja lido à luz do privilégio no serviço postal contido no art. 9º.

No que diz respeito à forma dos votos proferidos, curiosamente

identifiquei três “não-relacionais” e sete “relacionais”, além de um que não

consta no acórdão55. Indaguei-me, então, sobre o porquê de tantos votos

relacionais num caso em que a confusão sobre o resultado e a respectiva

fundamentação ficou patente até o final.

Analisando os votos relacionais, é interessante notar que três deles

foram classificados assim por conterem alguma forma de contraposição ou

55 O total é de onze votos porque contabilizei tanto o primeiro voto como o reajuste de voto do Min. Gilmar Mendes.

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rejeição a outro voto (casos dos Ministros Eros Grau e Joaquim Barbosa e

da Ministra Cármen Lúcia, em contraposição ao voto do Min. Marco Aurélio).

Outros dois ministros proferiram votos considerados relacionais

porque afirmavam estar numa posição mais próxima à decisão de algum

colega. É curioso que o primeiro desses tenha sido o Min. Carlos Britto, ao

ponderar que a sua decisão (a primeira) aproximava-se da proferida pelo

Min. Joaquim Barbosa, no ponto em que também ele definia qual era a

abrangência do serviço postal. Infelizmente, esse ponto não foi

desenvolvido por todos os ministros.56

Por outro lado, antes que o Min. Carlos Britto mudasse sua posição, o

Min. Ricardo Lewandowski proferiu voto em que considerava estar mais

próximo do colega, caminhando por um meio-termo entre os votos do Min.

Marco Aurélio e do Min. Eros Grau.

É interessante notar que os Ministros que proferiram voto-vista

trouxeram votos relacionais, seja para rechaçar a posição contrária (Min.

Joaquim Barbosa quanto ao voto do Relator), seja para afirmar a posição da

corrente a que aderiam (Min. Ellen Gracie). Por outro lado, o voto

reajustado do Min. Gilmar Mendes aparece como um voto não-relacional, na

medida em que descreveu os votos anteriores, mas sem adentrar ou

reforçar algum deles expressamente.

O que se verifica é que mesmo com um grande número de

referências aos outros votos, isso não foi capaz de evitar o problema do

empate ao final do julgamento. Isso poderia demonstrar, talvez, que os

ministros fizeram muitas referências a votos dos colegas que votaram da

mesma forma que eles, mas não aos outros, que divergiram. Outra hipótese

seria a de que a Corte limitou-se a discutir as premissas do caso, sem, no

entanto, cuidar de definir os problemas do regime jurídico do serviço postal.

O grande número de votos que se contrapõem às premissas da outra

56 No final do voto do Min. Carlos Britto, o Min. Nelson Jobim fez um aparte para perguntar se a parte lucrativa, responsável por financiar a entrega de cartas, poderia ser privatizada. Não considero que essa parte tenha sido capaz de qualificar o voto como “voto em debates”, porque, muito embora se trate de um aparte, essa intervenção foi feita após o voto do Ministro, que, depois a interpelação, limitou-se a confirmar o que já havia dito, sem aprofundar o tema.

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posição (três votos num total de dez) indicaria que os debates se centraram

em um ponto específico, sem tocar no cerne do problema.

Outra observação que poderia ser feita com base nessa informação

diz respeito à problemática do surgimento de questões durante o

julgamento. Apesar do grande número de votos relacionais, eles não foram

classificados assim por retomarem pontos levantados por outros ministros

no curso das deliberações.

Outras notas podem ser feitas acerca do julgamento.

Em primeiro lugar, os efeitos práticos da decisão ficaram

absolutamente nebulosos. O problema todo se resumia à punição às

empresas do setor privado que violassem a exclusividade de prestação do

serviço postal pela União. Para tanto, era necessário circunscrever o âmbito

no qual as empresas do setor privado estavam proibidas de atuar. Com a

manutenção da lei como estava, isso dependeria da interpretação dos

conceitos de “carta”, “cartão-postal”, “correspondência agrupada” e

“fabricação e emissão de selos” (art. 9°, I, II e III da Lei Postal).

O enfoque claramente recairia sobre os conceitos legais. Em outras

palavras, boletos bancários, talões de cheque, cartões de banco, contas de

água e luz, até mesmo um buquê de flores com um cartão, tudo isso estaria

ou não abrangido pelo conceito de “carta” e “correspondência agrupada”?

Da corrente majoritária, quatro ministros não fizeram qualquer

menção ao que deveria estar abrangido pelo conceito (Ministros Eros Grau e

Cezar Peluso, Ministras Ellen Gracie e Cármen Lúcia). O próprio Min. Eros

Grau parece ter adotado a posição de resolver o problema caso a caso,

conforme os processos fossem subindo ao Tribunal.

Outros dois ministros vencedores fizeram delimitações ao privilégio

estatal. Tanto o Min. Joaquim Barbosa como o Min. Carlos Britto, em voto

reajustado, consideraram que essas correspondências comerciais estavam

abrangidas pela vedação. Excluíam apenas o que já não era proibido aos

particulares (impressos e encomendas). Três outros ministros (Ministros

Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello) entenderam que

essas correspondências comerciais não eram abrangidas pelo conceito de

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“carta”, assim como encomendas, impressos e algumas outras atividades.

Por fim, pouco ajuda o voto do Min. Marco Aurélio, pois, caminhando na

total revogação da lei, abolia por completo o monopólio e, por

consequência, a criminalização de quem o violasse.

Qual a situação, então? A Corte se fragmentou de tal forma para a

resolução dessa questão, que simplesmente não houve qualquer maioria

formada. Não é possível presumir que todos os quatro ministros que

mantiveram o privilégio estatal o fizeram tendo em vista também essa

correspondência comercial.

Como vimos, esse problema resultou da falta de deliberação por

todos os membros do Plenário acerca de um ponto fundamental para a

decisão. A solução foi criar uma interpretação conforme a Constituição que,

dizendo algo, não dizia nada - o STF vinculou a aplicação do tipo penal a

conceitos que ele mesmo não havia delimitado precisamente.

Essa composição do resultado evidencia a dispersão de raciocínios

existente na Corte. Cada ministro expôs uma argumentação diferente. Se

cada voto entende o conceito de serviço postal como abrangendo atividades

diferentes, no momento em que se forma a corrente majoritária será

necessário buscar o mínimo consenso, ou seja, aquelas atividades em que

todos concordam haver serviço postal. Esse problema é agravado pelo fato

de que nem todos os ministros expõem um conceito de serviço postal ou de

correspondência.

Outra hipótese que pode ser levantada diz respeito ao papel

desempenhado pelos pedidos de vista nessa dificuldade de deliberação

sobre os pontos mais importantes da causa. De fato, o Min. Joaquim

Barbosa e o Min. Carlos Britto trataram do conceito de “carta” em seus

votos, mas houve um pedido de vista que interrompeu o julgamento. Na

sessão seguinte, a Min. Ellen Gracie apontou essa discussão como o pedido

do requerente, mas uma nova interrupção impediu o prosseguimento da

abordagem. Na penúltima sessão, o Min. Gilmar Mendes trouxe novamente

à balha esse questionamento. Mesmo na última sessão, não houve decisão

por todos os ministros sobre o ponto.

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Uma segunda observação muito interessante diz respeito à

participação dos advogados no julgamento. De forma anormal, por pelo

menos três vezes eles tiveram que ir à tribuna para fazer “esclarecimentos

fáticos”. Isso poderia demonstrar que a Corte não estava suficientemente

esclarecida sobre a matéria julgada, especialmente em relação ao fato de

que encomendas e impressos já eram excluídos do privilégio estatal.

Essa nota é curiosa. Paradoxalmente, o Relatório feito pelo Min.

Marco Aurélio foi o mais completo, trazendo em sua plenitude o raciocínio

tanto do arguente como da arguida. Além disso, por três vezes os ministros

tiveram a oportunidade de pensar sobre o caso, por conta de pedidos de

vista.

No entanto, a maior confusão parece ter sido causada mesmo pelo

Min. Carlos Britto. Isso porque ele se considerava o responsável por iniciar

uma terceira via, ao considerar que o serviço postal era serviço público,

mas sem estender o privilégio apenas às encomendas e aos impressos.

Todavia, isso significava exatamente a improcedência da ação, como bem

demonstraram os advogados que participaram da tribuna. Mais do que isso,

implicava também na mudança de sua posição anterior, que excluía a

correspondência comercial do âmbito do privilégio estatal, e,

consequentemente, importava no seu afastamento da corrente que defendia

a procedência parcial da ação.

Sobre a interpretação conforme a Constituição, que associou o art. 42

da Lei Postal com seus arts. 9° e 47, verifica-se que a anuência do

colegiado à solução, inclusive daqueles que formaram a corrente vencedora,

não resolve todos os problemas. Isso porque o tipo penal proíbe que os

particulares explorem serviços exclusivos da ECT, mas não se definiu qual

seria a exata abrangência desse espaço de exclusividade da empresa.

Portanto, se a Corte não conseguiu definir o que estaria incluído nesse

privilégio, também não é possível delimitar com precisão a interpretação a

ser dada ao dispositivo.

Em relação aos aspectos formais, o Relatório da ação está

estruturado da seguinte maneira: menção do dispositivo impugnado;

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apresentação de todo o raciocínio que fundamenta a pretensão da ABRAED;

apresentação de todo o raciocínio da ECT; apresentação sintética dos

argumentos da AGU; apresentação sintética dos argumentos da PGR. Trata-

se do Relatório mais detalhado dentre todos aqueles examinados na

pesquisa.

No que tange à ementa, ela procura conceituar o que seja serviço

postal e especifica que ele é prestado em regime de privilégio, não de

monopólio. Não há, porém, qualquer menção à polêmica sobre se o serviço

postal abrange ou não abrange encomendas e impressos (voto do Min.

Carlos Britto). Ela indica que a Corte julgou improcedente a ação e conferiu

interpretação conforme a Constituição para que o art. 42 fosse aplicado nos

casos das atividades presentes no art. 9º, ambos da Lei Postal.57

57 Eis a ementa do acórdão: “ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. EMPRESA PÚBLICA DE CORREIOS E TELEGRÁFOS. PRIVILÉGIO DE ENTREGA DE CORRESPONDÊNCIAS. SERVIÇO POSTAL. CONTROVÉRSIA REFERENTE À LEI FEDERAL 6.538, DE 22 DE JUNHO DE 1978. ATO NORMATIVO QUE REGULA DIREITOS E OBRIGAÇÕES CONCERNENTES AO SERVIÇO POSTAL. PREVISÃO DE SANÇÕES NAS HIPÓTESES DE VIOLAÇÃO DO PRIVILÉGIO POSTAL. COMPATIBILIDADE COM O SISTEMA CONSTITUCIONAL VIGENTE. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 1º, INCISO IV; 5º, INCISO XIII, 170, CAPUT, INCISO IV E PARÁGRAFO ÚNICO, E 173 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LIVRE CONCORRÊNCIA E LIVRE INICIATIVA. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. ARGUIÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO CONFERIDA AO ARTIGO 42 DA LEI N. 6.538, QUE ESTABELECE SANÇÃO, SE CONFIGURADA A VIOLAÇÃO DO PRIVILÉGIO POSTAL DA UNIÃO. APLICAÇÃO ÀS ATIVIDADES POSTAIS DESCRITAS NO ARTIGO 9º, DA LEI. 1. O serviço postal --- conjunto de atividades que torna possível o envio de correspondência, ou objeto postal, de um remetente para endereço final e determinado --- não consubstancia atividade econômica em sentido estrito. Serviço postal é serviço público. 2. A atividade econômica em sentido amplo é gênero que compreende duas espécies, o serviço público e a atividade econômica em sentido estrito. Monopólio é de atividade econômica em sentido estrito, empreendida por agentes econômicos privados. A exclusividade da prestação dos serviços públicos é expressão de uma situação de privilégio. Monopólio e privilégio são distintos entre si; não se os deve confundir no âmbito da linguagem jurídica, qual ocorre no vocabulário vulgar. 3. A Constituição do Brasil confere à União, em caráter exclusivo, a exploração do serviço postal e o correio aéreo nacional [artigo 20, inciso X]. 4. O serviço postal é prestado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, empresa pública, entidade da Administração Indireta da União, criada pelo decreto-lei n. 509, de 10 de março de 1.969. 5. É imprescindível distinguirmos o regime de privilégio, que diz com a prestação dos serviços públicos, do regime de monopólio sob o qual, algumas vezes, a exploração de atividade econômica em sentido estrito é empreendida pelo Estado. 6. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos deve atuar em regime de exclusividade na prestação dos serviços que lhe incumbem em situação de privilégio, o privilégio postal. 7. Os regimes jurídicos sob os quais em regra são prestados os serviços públicos importam em que essa atividade seja desenvolvida sob privilégio, inclusive, em regra, o da exclusividade. 8. Argüição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente por maioria. O Tribunal deu interpretação conforme à Constituição ao artigo 42 da Lei n. 6.538 para restringir a sua aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º desse ato normativo”.

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Contudo, do jeito que está redigida, a ementa não permite que se

saiba quais são exatamente essas atividades englobadas pelo art. 9º da Lei

Postal. O problema não foi causado pelo redator, Min. Eros Grau, mas sim

pela própria composição da corrente vencedora. Não houve manifestação da

maioria dos ministros que a compõem sobre essa questão, de tal sorte que

a posição do Min. Carlos Britto oferece uma grande dificuldade a ser

resolvida.

Portanto, a má-compreensão de um voto e a falta de determinação

dos pontos a serem decididos foram os principais problemas da ação. As

consequências podem ser medidas pela posterior oposição de embargos de

declaração pela ABRAED, dada a situação precária de suas associadas após

a decisão do Plenário.

Os dados do julgamento podem ser vistos nas tabelas a seguir:

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5

Tabela 11: votos dos ministros na ADPF 46-7/DF

Ministros

Questões a serem resolvidas / Fundamentos

Tipo

Interação em Plenário

Marco

Aurélio

(Relator)

1) natureza do serviço postal (atividade econômica ou serviço público)

- interpretação

deve levar em conta a

s tran

sformações h

istóricas para

conferir a m

aior efetividade

possível à

Constituição

- distinção entre atividad

e econôm

ica e serviço público varia conform

e o con

texto histórico

- contexto histórico do Brasil atual: reform

a do Estado, que atingiu o seu

esgotamen

to com

o prestador de todos os

serviços, e exp

ansão da atividade priva

da

- o Estad

o só atuou

na atividade econômica relativa ao setor postal enquan

to não

havia empresas capacitad

as a

prestar os serviços

- com a m

udan

ça da configuração do Estad

o, não está recepcion

ada a lei, especialmente na parte que con

fere

monopólio à União

2) exten

são do reg

ime de prestação do serviço postal (do m

onopólio ou do privilégio)

- enquadramen

to do serviço postal nas áreas de atuação estatal: são

serviços que podem ser prestados pelos

particulares

- sempre que a Constituição

quis exigir a

prestação

direta do

Estad

o, no

art. 21, ela o fez exp

ressam

ente,

acontecendo o m

esmo com as situações de m

onop

ólio

- “m

anter” não significa “m

anter mon

opólio”, m

as garan

tir a existên

cia do serviço, nem que pela prestação direta,

quando não hou

ver em

presas para prestá-lo

- princípio da subsidiariedade: o Estad

o só deve atuar quan

do a iniciativa priva

da for ineficiente

- a dicotom

ia não

é entre serviço público e atividad

e econômica em

sen

tido estrito, porque a atividade econôm

ica

em sen

tido lato não

é própria do Estado, mas a dicotom

ia é entre atividades exercidas em

regim

e de direito público

(contratos de concessão ou perm

issão) ou

em regim

e de direito priva

do

- mon

opólio não

convive com

a livre iniciativa nem

com

a possibilidad

e de que os consumidores façam um con

trole

da atividad

e, porque os preços são m

anipulados

- mod

elo pen

sado para o setor postal era semelhan

te ao m

odelo criad

o para o setor de telecomunicações, no qual

se abre a atividade para os privados, mas se exige a universalização (duplo regim

e: público e priva

do)

- noção de serviço público não está ligada a nen

huma essên

cia da atividade, m

as a necessidades pontuais de m

aior

interven

ção do Estad

o - a

própria

ECT realizou

contratos de franquia, que

seriam claramen

te inconstitucionais se a atividade

fosse

considerada exclusiva dela

Voto não

-relacion

al

(relator)

Eros Grau

1) natureza do serviço postal (atividade econômica ou serviço público)

- trata-se de serviço público, não de atividade econ

ômica em

sentido estrito (novo)

2) exten

são do reg

ime de prestação do serviço postal (do m

onopólio ou do privilégio)

- é serviço público a ser prestado exclusivamen

te pela União, em reg

ime de privilégio, não de m

onop

ólio (novo)

- regim

e de privilégio: em

regra atribui a exclusividade de exp

loração ao Estad

o (novo)

- a C

onstituição

não abre a possibilidad

e para que os particulares exp

lorem, diferen

temen

te do que faz com a

educação e a saúde (novo)

- a Constituição exige a existência de um Estado forte e vigoroso para concretizar os preceitos de seus arts. 1º e 3º

(novo)

- o que seja serviço postal está delim

itado nos arts. 7º e seg

uintes da Lei n. 6.538/78 (novo)

Voto

relacion

al

Refere-se ao voto do Min. Marco

Aurélio para desconstruir o

raciocínio basead

o na atividade

econômica e rebater o uso de um

parecer seu

Joaquim

1) natureza do serviço postal (atividade econômica ou serviço público)

Voto

Voto-vista: rechaça a posição

de

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6

Barbosa

- se se en

tende pela atividad

e econômica

em sentido

estrito, incidem

os princípios

da livre iniciativa

e da

concorrên

cia, presentes no art. 170, e afasta-se o m

onopólio, exp

osto taxativa

men

te no art. 177

- o serviço postal, porém, é serviço público, de titularidade do Estado, no caso, da União, e inform

ado

por outros

princípios (supremacia do interesse público, igualdade, universalidade, etc.)

2) exten

são do reg

ime de prestação do serviço postal (do m

onopólio ou do privilégio)

- trata-se de regim

e de privilégio, não de regim

e de mon

opólio, a ser prestado exclusivamen

te pelo Estado por

meio de outorga leg

al à ECT

- as empresas que desejam a ruptura do “monopólio” da ECT desejam atuar apen

as nos setores mais lucrativos e

restritos às grandes cidades e capitais (novo)

- o que seja serviço postal de exclusividad

e da União está no art. 9º da Lei n. 6.538/78

3) definição do con

ceito de carta

- o art. 9º, I, abrange a carta, que está definida no art. 47, inclusive em relação à com

unicação comercial, como

boletos e notificações para cobrança de déb

itos

relacion

al

quem defende que é atividade

econômica e concorda com

a

distinção feita pelo M

in. Eros Grau

entre privilégio e m

onop

ólio

Carlos Britto

1) natureza do serviço postal (atividade econômica ou serviço público)

- serviço público reservado à competên

cia da União

2) exten

são do reg

ime de prestação do serviço postal (do m

onopólio ou do privilégio)

- verbo “m

anter” indica que a União não pod

e deixar de prestar, assim

, não é serviço público passível de trespasse

para a iniciativa priva

da (novo)

- motivo dessa ved

ação: a atividade postal busca favorecer a comunicação entre as pessoas, a integração nacional

e o sigilo da correspon

dência (epistolar e telegráfica) (novo)

3) definição do con

ceito de carta

- correspon

dência ep

istolar é

comunicação priva

da en

tre

pessoas

no plano da

privacidad

e, não

abrangen

do

documen

tos e encomendas (novo)

- exclusividad

e, então, ab

range as atividades que im

pliquem

com

unicação priva

da e com

unicação teleg

ráfica (em

função do sigilo da correspondên

cia), ao contrário da atividad

e mercan

til, que é excluída (novo)

Voto

relacion

al

Afirm

a compartilhar ideias com a

Corte

Afirm

a que a sua posição se

aproxima do voto do Min. Joaquim

Barbosa, na m

edida em que

também

define a abrangên

cia das

atividad

es

Cezar Peluso

1) natureza do serviço postal (atividade econômica ou serviço público)

- é serviço público até m

esmo por uma razão metajurídica: o serviço postal é instrumento para a integração e

coesão nacion

al

2) exten

são do reg

ime de prestação do serviço postal (do m

onopólio ou do privilégio)

- regim

e de privilégio da União

- hipóteses de colaboração en

tre particular e União já são definidas em lei

Voto não

-relacion

al

Não faz nenhuma m

enção aos

outros vo

tos, exceto para

acompanhar a corren

te divergen

te

Gilmar

Mendes

1º voto

1) natureza do serviço postal (atividade econômica ou serviço público)

- dificuldad

e em se distinguir quais as atividades da lei não

se enquad

ram como serviços públicos

4) constitucionalidade dos tipos pen

ais contra a violação do m

onop

ólio

- são inconstitucion

ais pela excessiva abertura dos tipos

2º voto (reajuste)

1) natureza do serviço postal (atividade econômica ou serviço público)

- critério da definição se é ou não serviço público é constitucional, não infraconstitucion

al

- jurisprudên

cia do STF é sólida no sentido de ser serviço público

- serviço público é aquilo que a lei (incluída a C

onstituição) afirm

a que deve ser excluído da livre iniciativa dos

particulares

1º voto

Voto

relacion

al

2º voto

(reajuste)

Voto não

-relacion

al

1º voto

Faz menção ao voto do M

in.

Carlos Britto, que teria destacado

a disciplin

a constitucion

al de

garantia ineren

te ao serviço postal

2° voto (reajuste)

Descreve os votos anteriores, mas

não faz nenhuma con

sideração

específica sobre os seus

argumen

tos

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7

7

2) exten

são do reg

ime de prestação do serviço postal (do m

onopólio ou do privilégio)

- verbo “manter” revela certa flexibilização da form

a como o serviço pod

e ser prestado

- legislador não

precisa ficar lim

itad

o às form

as de prestação

do art. 175, mas deve

respeitar os princípios

constitucionais (novo)

- intérprete deve atentar-se em especial à universalidad

e e à prestação de serviço adeq

uado (novo)

- serviço postal é garantia institucion

al: exige-se da União que proteja o núcleo essencial da atividad

e, ou

seja, a

universalidade e a eficiên

cia da prestação do serviço (novo)

- art. 9

º traz as hipóteses de “m

onop

ólio” da U

nião, n

ão incluindo tod

as as atividades de

serviço p

ostal (ex.

“encomen

da” e “im

presso”)

3) definição do con

ceito de carta

- periódicos, jornais e boletos também são

agrupad

os dentre atividades não

sujeitas ao m

onopólio, ap

roximando-se

mais dos con

ceitos de “en

comenda” e “im

presso” do qu

e ao con

ceito de “carta”

- processo de inconstitucion

alização da exclusividad

e an

te as mudan

ças tecnológicas (novo)

4) constitucionalidade dos tipos pen

ais contra a violação do m

onop

ólio

- tipo pen

al se ap

lica às condutas não

perm

itidas na Lei

- a excessiva abertura pode ser reduzida se o tipo penal for lido em conjugação apenas com o art. 9º

Ellen Gracie

1) natureza do serviço postal (atividade econômica ou serviço público)

- serviço postal é serviço público confiado à União, que tem o dever de prestá-lo em todo o território nacional

- interesses de integração nacional e de prestação de serviços para lugares em condições deficitárias

2) exten

são do reg

ime de prestação do serviço postal (do m

onopólio ou do privilégio)

- regim

e de privilégio que exclui um sistema de livre com

petitividade

3) definição do con

ceito de carta

- a arguente ficaria satisfeita se a Corte excluísse do conceito de carta ob

jetos de seu interesse, pois seu objetivo

era excluir tudo o que não

fosse correspondência priva

da e con

fiden

cial, para q

ue ficasse com a parcela m

ais

rentável do serviço

Voto

relacion

al

Voto-vista: faz men

ção à distinção

entre privilégio e m

onop

ólio, que

teria sido explicitad

a no voto do

Min. Eros Grau

Cármen Lúcia

1) natureza do serviço postal (atividade econômica ou serviço público)

- é serviço público o que a Constituição

deseja que seja serviço público

Voto

relacion

al

Afirm

a que leu

todos os votos

Rejeita completamen

te o voto do

Min. Marco Aurélio, mesm

o por

uma interpretação afinada com o

contexto atual

Ricardo

Lewandowski

2) exten

são do reg

ime de prestação do serviço postal (do m

onopólio ou do privilégio)

- regim

e de m

onopólio não en

globa a correspon

dência comercial nem a entrega de encomendas, inclusive talões de

cheques, cartão de crédito, cartões de cobrança, etc.

- iniciativa priva

da é um dos fundamentos da Con

stituição

4) constitucionalidade dos tipos pen

ais contra a violação do m

onop

ólio

- acompan

ha o Min. Gilm

ar M

endes

Voto

relacion

al

Afirm

a que a posição do M

in.

Gilm

ar Men

des é conve

rgen

te à

do Min. Carlos Britto

Celso de

Mello

Voto sem fundamen

tação própria que acompan

ha o voto do Min. Eros Grau

Menezes

Direito

Declarou

-se suspeito

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7

8

Tabela 12: debates entre os ministros na ADPF 46-7/DF

Momento do

Debate

Quem inicia

/ Motivo

Quem participa

O que se

discute

Quais as posições

Quais os resultados

Debate

“Exp

licação”

após o reajuste

do Voto do Min.

Gilm

ar Men

des5

8

Min. Gilm

ar

Mendes

(Presiden

te)

Esclarecimen

to

Min. Gilm

ar Mendes

(Presiden

te)

Min. Marco Aurélio (Relator)

Min. Eros Grau

Con

clusões do

voto do M

in.

Gilm

ar

Mendes

- Min. Gilm

ar Men

des: a exclusividad

e dos correios

está num processo de inconstitucionalização em

relação a algumas atividad

es, e a

inconstitucion

alidade dos tipos pen

ais se resume a

um só

- Min. Marco Aurélio: atividad

es praticadas hoje por

particulares seriam considerad

as ilícitas

- Min. Eros Grau: há serviço público, não

atividade

econômica

Manutenção das posições

originalmen

te apresentadas

Dissenso

Debate

“Debate”

inserido entre o

Voto do Min.

Gilm

ar M

endes e

o Voto da Min.

Cármen

Lúcia

Min. Cármen

cia

Esclarecimen

to

Min. Cármen

Lúcia

Min. Gilm

ar Mendes

(Presiden

te)

Min. Marco Aurélio (Relator)

Min. Carlos Britto

Con

clusões do

voto do M

in.

Gilm

ar

Mendes

- Min. Gilm

ar M

endes: recepção parcial para

restringir o âmbito de exclusividade do serviço

- Min. Carlos Britto: necessidad

e de definição

sobre

o que seja serviço postal e carta

Min. Carlos Britto afirm

a que o

voto do Min. Gilm

ar M

endes

realça a necessidade de se

definir o que é serviço postal

Con

senso

Debate

“Esclarecimen

to”

após o Voto do

Min. Ricardo

Lewandow

ski

Min. Eros Grau

Bloqueio

Min. Eros Grau

Min. Gilm

ar Mendes

(Presiden

te)

Min. Ricardo Lewan

dowski

Discussão

sobre

mon

opólio ou

exclusividad

e

- Min. Eros Grau: não há atividad

e econôm

ica,

então não há m

onop

ólio nem

iniciativa privada

- Min. Ricardo Lewandow

ski: privilégio é uma ideia

do m

ercantilismo

- Min. Gilm

ar Men

des: ideia é ten

tar delim

itar o

âmbito da exclusividade

Manutenção das posições

originalmen

te apresentadas

Dissenso

Debate

“Debate” ap

ós o

Voto do Min.

Ricardo

Lewandow

ski

Min. Gilm

ar

Mendes

(Presiden

te)

Nova questão

Min. Gilm

ar Mendes

(Presiden

te)

Min. Celso de Mello

Min. Eros Grau

Min. Marco Aurélio (Relator)

Min. Carlos Britto

Min. Ricardo Lewan

dowski

Min. Ellen Gracie

Min. Cármen

Lúcia

Com

o resolver

o empate no

julgam

ento e

definir o voto

médio

- Min. Eros Grau: existiriam nove votos mantendo o

privilégio em diferentes extensões e não haveria

seis votos pela não

-recepção

- Min. Cármen

Lúcia: não haveria seis votos

- Min. Gilm

ar Men

des: não haveria seis vo

tos pela

recepção e o problema está na restrição

do

conceito de carta

- Min. Marco Aurélio: aproximação pelo voto médio

A sessão é suspen

sa por falta

de regra apta a definir o

resultad

o final

Dissenso

Debate

“Debate” ap

ós a

Con

firm

ação de

Min. Carlos

Britto

Min. Carlos Britto

Min. Gilm

ar Mendes

Com

o resolver

o empate no

- Min. Carlos Britto: há exigência de quorum

absoluto, só obtido por meio do voto m

édio, que

Manutenção das posições

originalmen

te apresentadas

58 Embora o rea

juste de vo

to esteja ao final do acórdão

, ele dev

eria logicamen

te começar a sessão do dia 03.08.2009. Isso porque o Presidente foi

o responsável por trazer o processo a julgamen

to, ap

ós a suspeição do M

in. Men

ezes D

ireito. A

“Exp

licação” a que me refiro, en

tão, seria a

explicação da conclusão de seu voto rea

justado.

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7

9

parte

Voto do Min.

Cezar Peluso

59

Bloqueio

(Presiden

te)

Min. Marco Aurélio

Min. Cezar Peluso

julgam

ento e

definir o voto

médio

seria a terceira tese iniciada por ele, mais próxima

da corrente da improcedên

cia

- Min. Gilm

ar Men

des: sem os seis votos não há

efeitos vinculantes, e, inicialm

ente, o Min. Carlos

Britto reduzia a exp

ressão “carta”

- Min. Marco Aurélio: aplicação analógica do

procedim

ento em m

andado de segurança (vo

to de

qualidade do presiden

te por man

ter o ato)

- Min. Ellen Gracie: se a Corte restringir o con

ceito

de carta estará dando procedência total à ação

Dissenso

Debate

parte

“Deb

ate” em

continuação ao

debate anterior

Min. Gilm

ar

Mendes

(Presiden

te)

Esclarecimen

to

Min. Gilm

ar Mendes

(Presiden

te)

Min. Marco Aurélio (Relator)

Min. Carlos Britto

Min. Ricardo Lewan

dowski

Min. Cezar Peluso

Min. Ellen Gracie

Min. Eros Grau

Min. Cármen

Lúcia

Min. Joaquim

Barbosa

Advo

gad

os

Com

o resolver

o empate no

julgam

ento

- Min. Carlos Britto: entendim

ento de que privilégio

só não abrange encomendas e impressos

- Min. Gilm

ar Men

des e Ricardo Lewandow

ski:

entendim

ento m

ais restrito do que seja “carta”

- Advo

gado: privilégio já não ab

range encomen

das

nem impressos

O voto do M

in. Carlos Britto,

em m

antendo a legislação em

vigor tal como ela é, seria

adequad

o à corrente da

improcedência

Consenso

60

Debate

parte

“Deb

ate” em

continuação ao

debate anterior

Min. Ricardo

Lewan

dowski

Esclarecimen

to

Min. Gilm

ar Mendes

(Presiden

te)

Min. Marco Aurélio (Relator)

Min. Carlos Britto

Min. Ricardo Lewan

dowski

Min. Cezar Peluso

Min. Ellen Gracie

Min. Eros Grau

Min. Cármen

Lúcia

Min. Joaquim

Barbosa

Min. Celso de Mello

Advo

gad

os

Problema da

excessiva

abrangência

do tipo penal

- Min. Eros Grau: não

teria se pronunciad

o sobre o

assunto

- Min. Cárm

en Lúcia e Ellen Gracie: se as

encomen

das já não

estão

em regim

e de privilégio,

a persecução penal é descabida

- Min. Cezar Pe

luso e Joa

quim

Barbosa: o tipo

pen

al não faz parte do pedido

- Min. Gilm

ar Men

des, Ricardo Lewandowski e Celso

de Mello: tipo penal é excessivamente amplo

Ministros aceitam que o tipo

pen

al ten

ha sua interpretação

restrita, de m

odo a incidir

apenas sobre quem praticar

algum dos atos elencados no

art. 9º

Con

senso

59 Inclui-se aqui tanto o “Esclarecimento” trazido pela Min. Ellen Gracie, como a continuação dos debates dep

ois da sua m

anifestação. Faço isso por

pertinên

cia e continuidade lógica, mas também

por conve

niência, uma vez que eles vêm

logo em seg

uida e tratam das mesm

as questões.

60 Na falta de oposição, acred

ito que o m

ais adeq

uado seja falar em

consenso. Contudo, esse consenso refere-se apen

as ao

modo com

o o empate

foi resolvido, sem

qualquer apreciação quanto ao m

érito. No que tange ao m

érito, i. e., no que toca à abrangên

cia do serviço postal, em si, não há

consenso entre os mem

bros da Corte.

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80

2.2.7. Caso dos concursos notariais: ADI-REF-MC 4178/GO,

Rel. Min. Cezar Peluso, j. 04.02.2010

A ADI 4178/GO foi ajuizada pela Procuradoria-Geral da República

contra o art. 16, II, III, V, VIII, IX e X da Lei 13.136/97 do Estado de Goiás,

que disciplinava concursos de ingresso e remoção nos serviços notariais e

de registro naquele Estado.61 Em síntese, alegava-se violação ao princípio

da isonomia, por favorecimento na prova de títulos a quem já estava na

carreira (para a descrição do julgado, ver anexo III).

Verifica-se que, essencialmente, quatro questões foram suscitadas.

Três delas foram trazidas pelo voto do Min. Cezar Peluso: (i) a

constitucionalidade ou não dos títulos, à luz do princípio da igualdade; (ii) a

possibilidade do título de “aprovação em concurso de ingresso no serviço

notarial”; (iii) a possibilidade do título de “participação em simpósios e

congressos”. Uma quarta questão foi trazida pelo próprio Relator, em

esclarecimento, e desenvolvida pelo Min. Marco Aurélio. Dizia respeito aos

efeitos da medida cautelar sobre um concurso, cujo resultado já havia sido

homologado (iv).

Todas as questões foram objeto de deliberação em Plenário, embora

só constem três votos do acórdão (Min. Cezar Peluso, Min. Carlos Britto,

Min. Marco Aurélio). De fato, o ponto (ii) foi retomado pelo Min. Carlos

Britto, que elogiou o critério utilizado pelo Min. Cezar Peluso para a

resolução do problema. Da mesma forma, o ponto (iv) foi alvo tanto da

discussão entre os ministros, como do voto do Min. Marco Aurélio, embora

nem todos tenham se manifestado.

Especificamente sobre o último ponto, é interessante notar que o Min.

Cezar Peluso desenvolveu a preocupação do Min. Carlos Britto. Este frisou

61 Eis o dispositivo impugnado: “Art. 16 – Do edital constarão os critérios de valoração dos títulos, considerando-se na seguinte ordem: (...) II – apresentação de tese em congressos ligados à área notarial e de registro; III – participação em encontros, simpósios e congresso sobre temas ligados aos serviços notariais ou de registro, mediante apresentação de certificado de aproveitamento; (...) V – aprovação em concurso de ingresso e remoção em serviço notarial e registral; (...) VIII – tempo de serviço prestado como titular em serviço notarial ou de registro; IX – tempo de serviço prestado como escrevente juramentado ou suboficial, em serventia notarial ou de registro; X – tempo de serviço público ou privado prestado em atividades relacionadas com a área notarial ou de registro, de no mínimo 5 (cinco) anos”.

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que a avaliação de títulos nos concursos só poderia servir para classificação,

não para reprovação, o que pode ter levado à necessidade do

esclarecimento sobre os efeitos da decisão. Ela resultaria na reclassificação

dos candidatos aprovados no concurso, e não numa modificação da lista de

aprovados.

Além disso, vale notar que a intervenção do Ministro Cezar Peluso,

buscando esclarecer os efeitos da medida cautelar, norteou a participação

seguinte do Ministro Marco Aurélio, que se manifestou exclusivamente sobre

esse ponto, rejeitando que o processo objetivo pudesse servir para ajustar

situações concretas.

Em relação à fundamentação, com exceção das considerações

complementares do Min. Carlos Britto, não houve o aporte de outros

argumentos à posição do Relator.

O resultado final foi pelo referendo da liminar, com o acréscimo da

interpretação conforme a Constituição ao art. 16, V, no sentido de que seria

válido o título de “aprovação em concurso de ingresso no serviço notarial”,

desde que fosse distinto do título de aprovação em concurso jurídico e não

tivesse um valor superior a ele. Restou vencido o Min. Marco Aurélio, que

simplesmente referendava a decisão do Min. Gilmar Mendes.

No que tange aos votos, verificam-se um “não-relacional” (do

Relator), um “relacional” e um “em debates”. O voto relacional (Min. Carlos

Britto) realça a questão do título de aprovação em concurso público; o voto

em debates (Min. Marco Aurélio) resulta da discussão sobre os efeitos da

medida cautelar. Novamente há um grande número de ministros que não

aportaram voto escrito nem falaram qualquer coisa que pudesse ser

transcrita para o acórdão.

Sobre a interpretação conforme a Constituição, não identifiquei

divergências na fundamentação que pudessem comprometer a

compreensão do que foi decidido. O Relator, Min. Cezar Peluso, trouxe a

solução em seu voto, que foi acompanhado por todos depois dele sem

maiores considerações.

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Sob o aspecto formal, o Relatório feito pelo Min. Cezar Peluso

estrutura-se da seguinte maneira: apresentação dos dispositivos

impugnados, do argumento pela inconstitucionalidade, da decisão do

Presidente suspendendo os incisos da Lei, da sustentação da PGR a favor da

decisão, exceto quanto ao inc. V, e menção da defesa do ato pelo

Assembleia Legislativa de Goiás.

Em relação à redação da ementa, ela se apresenta em consonância

com a opinião da maioria, uma vez que não houve outras manifestações

que divergissem das interpretações e dos conceitos dados pelo Relator.62

Os dados do julgamento se encontram nas tabelas a seguir:

62 É o que se pode concluir da ementa redigida pelo Min. Cezar Peluso: “1. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Art. 16, incs. II, III, V, VIII, IX e X, da Lei nº 13.136/97, do Estado de Goiás. Concurso público. Ingresso e remoção nos serviços notarial e de registro. Edital. Pontuação. Critérios ordenados de valoração de títulos. Condições pessoais ligadas à atuação anterior na atividade. Preponderância. Inadmissibilidade. Discriminação desarrazoada. Ofensa aparente aos princípios da isonomia, impessoalidade e moralidade administrativa. Liminar concedida. Medida referendada. Para fins de concessão de liminar em ação direta, aparentam inconstitucionalidade as normas de lei que, prevendo critérios de valoração de títulos em concurso de ingresso e remoção nos serviços notariais e de registro, atribuam maior pontuação às condições pessoais ligadas à atuação anterior nessas atividades. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Art. 16, incs. II, III, V, VIII, IX e X, da Lei nº 13.136/97, do Estado de Goiás. Concurso público. Remoção nos serviços notarial e de registro. Edital. Pontuação. Critérios ordenados de valoração de títulos. Condições pessoais ligadas à atuação anterior na atividade. Marco inicial. Data de ingresso no serviço. Interpretação conforme à Constituição. Liminar concedida para esse efeito. Medida referendada. Para fins de concessão de liminar em ação direta, devem ter por marco inicial a data de ingresso no serviço, em interpretação conforme à Constituição, as condições pessoais ligadas à atuação anterior na atividade, objeto de lei que estabelece critérios de valoração de títulos em concurso de remoção nos serviços notariais e de registro. 3. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Art. 16, inc. V, da Lei nº 13.136/97, do Estado de Goiás. Concurso público. Serviços notarial e de registro. Edital. Pontuação. Critérios ordenados de valoração de títulos. Aprovação anterior em concurso de ingresso num daqueles serviços. Título admissível. Impossibilidade, porém, de sobrevalorização e equiparação ao de aprovação em concurso para cargo de carreira jurídica. Limitação ditada por interpretação conforme à Constituição. Liminar referendada com tal ressalva. Para fins de concessão de liminar em ação direta, norma que preveja, como título em concurso para ingresso no serviço de notas ou de registro, aprovação anterior em concurso para os mesmos fins, deve ser interpretada sob a limitação de que esse título não tenha valor superior nem igual ao de aprovação em concurso para cargo de carreira jurídica”.

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8

3

Tabela 13: votos dos ministros na ADI-REF-MC 4178/GO

Ministros

Questões a serem resolvidas / Fundamentos

Tipo

Interação em Plenário

Cezar Peluso

(Relator)

1) constitucionalidad

e dos critérios utilizad

os na prova

de títulos

- inconstitucion

ais por conta de fatores arbitrários de discrim

inação

2) constitucionalidad

e do título de aprovação em

con

curso de ingresso no serviço notarial

- ap

rovação em

concurso de ingresso deve contar como título, mas não pode ser sobreva

lorizada em

relação aos títulos de carreira jurídica

3) constitucionalidad

e do título de participação em sim

pósios, congressos

- participação em sim

pósios e con

gressos não

pod

e ser considerada como título, sob pena de favo

recer

quem

já está na carreira

4) eficácia no tem

po da medida cautelar (em debates)

- o concurso rea

lizad

o deve ser revisto e a classificação

refeita

Voto

não-

relacion

al

(Relator)

Dias Toffoli

Voto sem fundam

entação própria que acompanha o voto do Relator

Cármen Lúcia

Voto sem fundam

entação própria que acompanha o voto do Relator

Ricardo

Lewandowski

Voto sem fundam

entação própria que acompanha o voto do Relator

Joaquim

Barbosa

Voto sem fundam

entação própria que acompanha o voto do Relator

Carlos Britto

2) constitucionalidad

e do título de aprovação em

con

curso de ingresso no serviço notarial

- avaliação do

título de aprova

ção em concurso

anterior serve para verificar a

ilustração

men

tal do

candidato (novo)

Voto

relacion

al

Elogia a valorização do título de “ap

rovação

em con

curso anterior” pelo Min. Cezar

Peluso, porque tornaria a disposição razoável

Marco

Aurélio

4) eficácia no tem

po da medida cautelar

- processo objetivo não é o lugar próprio para an

álise de situações con

cretas (novo)

Voto em

deb

ates

Diverge do Relator quan

to à possibilidade de

se rever a hom

ologação do concurso

Gilmar

Mendes

Voto sem fundam

entação própria que acompanha o voto do Relator

Ellen Gracie

Ausente

Eros Grau

Ausente

Celso de

Mello

Ausente

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8

4

Tabela 14: debates entre os ministros na ADI-REF-MC 4178/GO

Momento do

Debate

Quem inicia /

Motivo

Quem participa

O que se discute

Quais as posições

Quais os resultados

Debate

“Debate” inseridos

entre o Voto do M

in.

Carlos Britto e o Voto

do M

in. Marco Aurélio

Min. Cezar

Peluso (Relator)

Esclarecimen

to

Min. Cezar Peluso

(Relator)

Min. Cármen

Lúcia

Min. Joaquim

Barbosa

Min. Carlos Britto

Efeitos da med

ida

cautelar sobre

concurso já realizad

o e

com classificação já

hom

ologada

- Min. Cezar Peluso e Min. Cárm

en

Lúcia: refazimen

to da homologação

- Min. Joaquim

Barbosa: alerta para as

repercussões

Definição de que a hom

ologação do

concurso deverá ser refeita para

que a classificação reflita os novos

critérios

Consenso

Debate

63

Voto do Min. Marco

Aurélio

Min. Cezar

Peluso (Relator)

Bloqueio

Min. Cezar Peluso

(Relator)

Min. Marco Aurélio

Efeitos da med

ida

cautelar sobre

concurso já reaizado e

com classificação já

hom

ologada

- Min. Marco Aurélio: homologação

anterior à decisão não

é afetada

- Min. Cezar Pe

luso: homologação

posterior à decisão

Ministro Marco Aurélio m

antém sua

posição

de não

rever o concurso sob

o argumento de que se trata de

controle objetivo

Dissenso

Debate

“Debate” inseridos

entre o Voto do M

in.

Marco Aurélio e a

proclam

ação do

resultad

o

Advo

gado

Esclarecimen

to

Min. Gilm

ar Mendes

(Presiden

te)

Min. Cezar Peluso

(Relator)

Min. Carlos Britto

Min. Joaquim

Barbosa

Min. Cármen

Lúcia

Definição

de

parâmetros de

proporcionalidad

e para

evitar futuras

desigualdades

Ministros: não cabe ao STF fazer o

papel de Comissão Julgadora e definir

parâm

etros para a pontuação dos

títulos

A definição dos critérios para a

pontuação

do título de aprova

ção

em concurso será feita pela própria

Comissão

Consenso

63 Embora se ten

ha um voto de apen

as uma página, com um único aparte feito pelo M

in. Cezar Pe

luso, considero essa m

anifestação um deb

ate

porque o Ministro corrige o Min. Marco Aurélio, na tentativa

de interromper seu

argumen

to.

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2.3. Panorama geral do universo de decisões

Apresentados todos os julgados que fazem parte do objeto da pesquisa, é

importante expor um pequeno balanço geral do que pode ser verificado até agora.

2.3.1. Análise dos votos

Em relação aos critérios que busquei especificamente nos acórdãos, os dados

comparativos constam da tabela a seguir:

Tabela 15: comparação entre os julgados a partir dos critérios de análise de votos

Questões do

Relator/ Total de questões

Novos fundamentos /

Total de fundamentos64

Tipos de votos (não-

relacionais, relacionais, em debates e sem fundamentação

própria)

Ementa Observações adicionais

ADI 125-6 3 / 4 1 / 1 1 VNR; 2 VD; 7 VSFP

Sem problema

Construção da decisão em debates

Grande número de votos sem

fundamentação própria

ADI-MC 3854

2 / 5 8 / 19 3 VNR; 4 VR; 3 VD

Com algumas

pendências

Problema de surpresa de ministros

Relator apresentou alternativas de decisão

ADI 1864 4 / 6 8 / 19 2 VNR; 1 VR; 5 VD; 1 VSFP

Sem problema

Problema do voto-vista Discussão sobre o que colocar na ementa

ADC 12 4 / 4 7 / 19 6 VNR; 3 VR Sem problema

Convicção formada no juízo liminar

ADI-MC 4167

4 / 7 12 / 29 4 VNR; 3 VR; 2 VD

Com ressalvas do Relator

Problema do quorum de julgamento

Riqueza de debates

ADPF 46 2 / 4 15 / 38 3 VNR; 7 VR; 1 VSFP

Com algumas

pendências

Problema da falta de tratamento de questões Intensa participação dos

advogados

ADI-REF-MC 4178

4 / 4 2 / 2 1 VNR; 1 VR; 1 VD; 5 VSFP

Sem problema

Muitas ausências (três ministros)

Grande número de votos sem

fundamentação própria

64 Apresento nesse tópico o número de vezes que um novo argumento (contrário ou a favor ao relator) foi apresentado. Considerei que um novo argumento era apresentado sempre que um ministro inovava em um ponto que havia sido levantado em voto anterior. Portanto, não entram nessa lista os fundamentos apresentados por quem suscitou o ponto, mas apenas os referidos pelos votos subsequentes. Apenas para exemplificar, o último ministro a votar só inova se expor um fundamento não visto anteriormente na tabela para uma questão já tratada pelos colegas.

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Em relação aos relatores, foram seis ministros diferentes para os sete casos,

ficando o Min. Cezar Peluso responsável por duas relatorias (Caso dos tetos de

remuneração da magistratura e Caso dos concursos notariais).

Sobre os relatórios, todos, sem exceção, seguiram a mesma estrutura.

Primeiro, a apresentação dos dispositivos impugnados, às vezes transcritos, às

vezes apenas mencionados. Depois, a apresentação das alegações do autor da ação

e dos seus pedidos, geralmente com o acompanhamento dos motivos para o

julgamento liminar. Em seguida, a apresentação sucinta da posição da Advocacia-

Geral da União e da Procuradoria-Geral da República. Menos frequentemente, há

também referências ao posicionamento do órgão que editou o diploma reputado

inconstitucional.

Essas informações parecem indicar que os ministros não consideram haver

necessidade de delimitar, no relatório, as questões a serem analisadas pelo

Plenário, pois apenas as normas envolvidas e as alegações do autor já seriam

suficientes para cingir o objeto do julgamento. Esse cenário assume maior

importância a partir dos números apresentados: em cinco dos sete casos, pelo

menos uma questão surgiu a partir dos votos de outros ministros que não o relator.

Em que pese a discussão sobre a importância desses novos pontos, deve-se

ressaltar que a falta de uma delimitação precisa sobre o que será julgado, mesmo

que feita pela própria Corte em uma reunião prévia, possibilita que os ministros

abordem o caso sob diferentes ópticas, dificultando uma decisão coesa.

Mesmo assim, no que diz respeito especificamente às questões a serem

tratadas na sessão, impressiona a força do ministro relator para pautar as

discussões. Dos sete casos, em dois deles a Corte só discutiu pontos tratados pelo

relator em seu voto, enquanto em outros três mais da metade dos assuntos foram

levantados por ele.

É possível levantar duas possíveis causas para esse fenômeno: (i) ou o

relator tem grande influência por ser aquele que tem o contato mais próximo e

duradouro com o processo, o que poderia ser corroborado pela força que os votos-

vista exercem sobre os votos subsequentes; (ii) ou ele, por ser o primeiro a votar,

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decide sobre os problemas fundamentais do caso e, assim, pauta as discussões

seguintes.

No Caso do nepotismo (ADC 12), isso pode ser atribuído à convicção formada

no juízo liminar. Bastava ao relator, então, reproduzir o que já havia sido decidido

anteriormente. No Caso dos concursos notariais (ADI-REF-MC 4178), isso pode ter

sido decorrência tanto do pequeno grau de divergência quanto ao mérito, como do

grande número de votos sem fundamentação própria na sessão.

Por outro lado, em outros dois acórdãos, quem relatava a ação foi

responsável por metade ou menos da metade das questões. Cabe, porém, analisar

a importância que elas tiveram para o julgamento. No Caso dos tetos de

remuneração da magistratura (ADI-MC 3854), os três pontos levantados por outros

ministros não foram desenvolvidos pelo Plenário.65 Somente os dois levantados pelo

relator foram discutidos por todos os ministros e estiveram presentes na ementa.

No Caso do monopólio dos Correios (ADPF 46), a sorte foi outra. As duas

questões que não foram trazidas pelo primeiro voto (definição do conceito de carta

e constitucionalidade dos tipos penais) foram justamente as que ensejaram a

grande disputa verificada durante as sessões sobre quais pontos decidir. Essa

discussão e a falta de manifestação de toda a Corte sobre os conceitos legais

geraram problemas em relação aos efeitos práticos do julgado.

Portanto, o que se pode verificar, a partir dos acórdãos, é a relevância dos

pontos tratados pelo ministro que relata a ação, pois em raras ocasiões eles foram

ignorados pelos seus colegas. Pode-se afirmar, contudo, que há um grande risco

para o julgamento quando o primeiro a votar expõe uma posição bem diferente da

sustentada por outros ministros (vide Caso do monopólio dos Correios e Caso do

PARANAEDUCAÇÃO). Nesses casos, a solução é o pedido de vista, que permite aos

outros ministros interromperem a sessão para estudarem o caso mais detidamente.

Em relação à fundamentação, é interessante notar que outros ministros

trouxeram contribuições para o voto do Relator em quase todas as decisões 65 Só para rememorar, os cinco pontos eram: (i) a possibilidade de discriminação de tetos de remuneração global do Judiciário; (ii) o periculum in mora; (iii) o controle de constitucionalidade de emenda constitucional; (iv) a constitucionalidade do escalonamento na Justiça Federal; (v) as vantagens que compõem a remuneração.

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analisadas. A importância desses aportes, porém, não foi a mesma em todas as

situações. Conforme indica a tabela anterior, em dois casos apenas um ou dois

fundamentos foram trazidos para a discussão, pois todos os outros votos ou

levantaram novas questões ou simplesmente acompanhavam o relator (votos não

anexados). Assim, por exemplo, no Caso dos concursos notariais (ADI-REF-MC

4178), só um fundamento trazido realmente complementou a posição do Relator,

Min. Cezar Peluso, enquanto o outro era contrário à sua posição. É possível associar

o que aconteceu com o baixo número de votos com fundamentação própria e o

grande número de ausências no Plenário.

Por outro lado, em nenhum dos outros casos nos quais houve uma difusão

maior de argumentos, a inovação chegou à metade dos fundamentos apresentados.

Significa dizer que a maioria das manifestações simplesmente reforçou aspectos já

ressaltados nos votos anteriores. No Caso dos tetos de remuneração da

magistratura (ADI-MC 3854), os ministros não trouxeram muitos argumentos novos

para a decisão (8 em 19). Exceto as razões aduzidas nos votos dos Ministros Carlos

Britto, Sepúlveda Pertence e Gilmar Mendes, quanto à aferição da

inconstitucionalidade em relação à cláusula pétrea da Federação, nada foi

acrescentado. A Corte limitou-se a ressaltar o caráter unitário do Poder Judiciário e

a importância do princípio da isonomia.

No Caso do PARANAEDUCAÇÃO (ADI 1864), chama a atenção que, salvo as

razões de decidir que levaram a uma conclusão diferente daquela do Min. Joaquim

Barbosa, nenhum outro fundamento relevante foi acrescentado para fortalecer mais

ainda a corrente vencedora. A fundamentação, aliás, era relevante para se

determinar a natureza do regime jurídico a que estava sujeito o

PARANAEDUCAÇÃO, se exclusivamente de direito privado, direito privado com

determinadas nuances de direito público, ou inteiramente de direito público.

Portanto, verifica-se, a partir dos acórdãos pesquisados, que as

manifestações que se seguem às do relator do caso ou acrescentam fundamentos

que não são aproveitados na decisão final da Corte, ou se limitam a reforçar

aspectos que já foram tratados nos votos anteriores. Seria isso um problema do

processo decisório do STF? A possibilidade que todos os ministros têm de

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apresentar um voto individual contribui para a existência de pronunciamentos que

se limitam a reafirmar o que já foi dito. Nos casos em que o voto do relator é um

dos únicos disponíveis, a linha de raciocínio condutora do julgamento fica muito

mais clara (exemplos do Caso da estabilidade excepcional dos servidores públicos

estaduais e municipais catarinenses e do Caso dos concursos notariais). Essas

considerações dependem, evidentemente, da complexidade da matéria, mas podem

expor um problema dos votos individuais.

No que se refere ao universo de sete acórdãos, dos 66 votos analisados, 20

deles são “não-relacionais”, sendo 7 votos dos relatores; 19 são “relacionais”; 13

são votos “em debates”; e 14 são votos sem fundamentação própria. De acordo

com os números, há uma distribuição razoavelmente uniforme entre os tipos de

votos. Desconsiderando-se os votos dos relatores, que são sempre não-relacionais,

destaca-se a maior quantidade de manifestações que interagem com o

posicionamento anterior de algum colega.

No entanto, como visto no Caso do monopólio dos Correios (ADPF 46), esses

números devem ser vistos com cuidado. 11 dos 19 votos relacionais foram

classificados assim por conta de manifestações de reforço aos argumentos trazidos

pelo ministro anterior. Isso demonstraria, talvez, uma baixa participação dos

ministros para se contrapor a posições externadas pelos colegas. Essa afirmação

fica mais clara se somarmos a esse número os votos não-relacionais e os votos sem

fundamentação própria, pois, em princípio, nenhum dos dois ataca diretamente

algum voto proferido. Tem-se um total de 38 votos (exclusive os dos Relatores) nos

quais não há o choque de ideias. O número pode ficar maior a partir de um estudo

dos votos em debates.

Os votos em debates, i. e., aqueles proferidos em meio a apartes de outros

ministros, trazem uma surpresa interessante. O interesse não reside tanto no

número deles (treze), mas sim na relevância que, em geral, eles tiveram para o

julgamento.

No Caso da estabilidade excepcional dos servidores públicos estaduais e

municipais catarinenses (ADI 125), a interpretação conforme surge num voto em

debates da Ministra Cármen Lúcia. O Min. Sepúlveda Pertence acrescentou esse

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ponto à decisão depois de discutir com ela acerca da expressão “Da Constituição”,

contida no dispositivo impugnado.

No Caso dos tetos de remuneração da magistratura (ADI-MC 3854), as

alternativas de decisão dadas pelo Min. Cezar Peluso, Relator, surgem a partir de

um voto em debates com o Min. Gilmar Mendes, que pedira um esclarecimento

sobre a conclusão do colega. Além disso, o voto em debate do Min. Marco Aurélio é

muito interessante, por conta dos apartes feitos pelo Min. Sepúlveda Pertence

acerca da razoabilidade da interpretação do CNJ e, portanto, da necessidade da

interpretação conforme a Constituição.

No Caso do PARANAEDUCAÇÃO (ADI 1864), por sua vez, há um expressivo

número de votos em debates (cinco). Além de numerosos, eles são importantes.

Assim, é num voto em debates que a Min. Cármen Lúcia pede esclarecimentos ao

Relator sobre a análise da disposição impugnada à luz da regra do regime jurídico

único estatutário para os servidores públicos. Também é num voto em debate que

se trava uma discussão acerca da extensão do regime jurídico do

PARANAEDUCAÇÃO e da possibilidade de uma tal instituição na área de educação,

pelo menos como serviço social.

Situação semelhante aparece no Caso do piso salarial dos professores (ADI-

MC 4167). A Min. Cármen Lúcia profere um voto em debates e novamente outros

ministros são instados a esclarecer suas premissas. No caso, os Ministros Menezes

Direito e Joaquim Barbosa exerceram um claro esforço de convencimento, tentando

demonstrar por quê suas posições seriam as mais adequadas.

O que se verifica, nos quatro casos, é que esse tipo de participação é muito

importante porque, em geral, é acompanhada de um pedido de explicações a outro

ministro. Isso leva a uma clareza maior de fundamentos e também à possibilidade

de uma adesão mais firme à posição do colega. Portanto, é possível levantar a

hipótese de que quanto mais debates ocorrerem numa sessão, maiores as chances

de que as premissas dos votos sejam esclarecidas e, consequentemente, maiores

as possibilidades de que uma fundamentação seja rebatida ou apoiada. Por isso, a

presença dos ministros também se torna um fator essencial para a qualidade da

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decisão, como pode ser verificado na análise do Caso do piso salarial dos

professores (ADI-MC 4167).

É interessante, aliás, aplicar essa ideia aos dois casos que não contam com

qualquer voto em debates. No Caso do Nepotismo (ADC 12), a ausência pode ser

atribuída à convicção que os ministros formaram antes do julgamento,

especialmente por ocasião da medida liminar. No lugar de debates entre si, os

ministros fazem remissões à fundamentação dos votos proferidos na sessão que

julgou a cautelar.

Por outro lado, embora conte com muitos apartes de ministros durante as

manifestações dos colegas, o acórdão do Caso do monopólio dos Correios (ADPF

46) não possui nenhum voto em debates propriamente dito. Os esclarecimentos

acerca da posição do Min. Carlos Britto, por exemplo, só puderam ser obtidos no

momento da proclamação do resultado, após se constatar o empate na Corte. Tal

circunstância foi responsável por grande parte da disputa intensa e da falta de

clareza da decisão.

Finalmente, em relação às ementas, o que se constatou foi uma grande

fidelidade ao que foi decidido pela Corte. Em cinco casos, não há qualquer reparo a

ser feito. Mesmo que em três deles (Caso da estabilidade excepcional dos

servidores públicos estaduais e municipais catarinenses, Caso dos concursos

notariais e Caso do nepotismo) o grau de consenso tenha sido muito grande, o que

pode ser verificado pelo grande número de votos sem fundamentação própria, o

mesmo não pode ser dito em relação aos outros dois (Caso PARANAEDUCAÇÃO e

Caso do piso salarial dos professores).

O Caso do PARANAEDUCAÇÃO (ADI 1864) tratava de um tema que, por lidar

com a configuração do Estado, era essencialmente polêmico, e mesmo assim a

decisão foi retratada de forma fidedigna pelo redator da ementa. Aliás, destaca-se a

preocupação da Corte em salientar, na ementa, que a jurisprudência havia se

alterado em relação à legitimidade ativa das confederações, no caso de ações no

controle concentrado. Mesmo que tenha aparecido como um obiter dictum, pois não

alterou em nada o não conhecimento da ação em relação à CNTE, foi importante

para que o julgado não fosse utilizado contra a nova jurisprudência.

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Uma menção deve ser feita, também, à ementa do Caso do piso salarial dos

professores (ADI-MC 4167). O Min. Joaquim Barbosa, redator do acórdão, retratou

a posição da maioria, mas ressalvou o seu entendimento sempre que ele havia sido

vencido. É uma forma interessante de se fazer a ementa, e demonstra que ela não

foi o resultado de um mero resumo do voto do Relator.

No que diz respeito aos dois casos colocados à parte desse rol, o Caso dos

tetos de remuneração da magistratura (ADI-MC 3854) e o Caso do monopólio dos

Correios (ADPF 46), ele são mencionados porque aparecem como exemplos de

decisões nas quais as ementas desconsideram questões que foram tratadas apenas

por uma parte do Pleno.

No primeiro caso, é o exemplo dos Ministros Gilmar Mendes e Sepúlveda

Pertence, ao externarem a preocupação com a necessidade de a Corte indicar

claramente quais as vantagens que podem ser acrescidas aos subsídios dos

magistrados; no segundo caso, é o exemplo da discussão sobre a abrangência do

art. 9°, de tal sorte que o tipo penal deveria ser lido em conjugação com aquela

previsão, mas sem que seu âmbito fosse definido.

Em ambos os casos, portanto, tem-se uma determinada questão e certa

necessidade de se conferir clareza à decisão. As ementas, porém, ao refletirem a

posição deliberada em Plenário, não fazem menção clara a essas questões, não

contendo esclarecimentos sobre as vantagens possíveis para os magistrados ou

sobre a abrangência da exclusividade no serviço postal.

Observações adicionais podem ser feitas com relação aos casos. Em primeiro

lugar, destaca-se a atuação do Min. Cezar Peluso, no Caso dos tetos de

remuneração da magistratura (ADI-MC 3854), ao possibilitar aos colegas duas

formas de decisão diferentes para o mesmo problema. Somada à forma

diferenciada com a qual o Min. Joaquim Barbosa redigiu a ementa no Caso do piso

salarial dos professores (ADI-MC 4167), essa atitude demonstra que, pelos menos

esses dois ministros não veem problemas em flexibilizar o rígido esquema de

julgamento da Corte, consubstanciado nas ideias de que o ministro expõe apenas

uma posição e de que a ementa deve refletir apenas o que foi decidido pelo Pleno,

sem quaisquer ressalvas sobre as opiniões vencidas. Às vezes, essas considerações

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sobressalentes, mesmo que meras obiter dicta, podem ser importantes, como

demonstrado anteriormente no Caso do monopólio dos correios (ADPF 46).

Também podem servir de base para uma futura alteração da jurisprudência.

2.3.2. Análise dos Debates

Uma visão panorâmica dos debates pode revelar aspectos interessantes do

processo decisório do STF. Friso novamente que, por debates, entendo não apenas

as discussões que são apresentadas assim no acórdão, como também as trocas de

ideias e argumentos por meio de apartes ao voto de outro ministro. É evidente que

não é qualquer aparte que será considerado um debate: ele deverá discutir alguma

questão do caso, além de envolver uma troca de argumentos, e não trazer apenas

observações ao que um ministro está falando naquele momento, como na situação

de eventuais elogios.

Apresentado o critério, verifiquei, em primeiro lugar, 26 debates no grupo de

7 acórdãos estudados. O julgado com maior número de discussões é o Caso do

PARANAEDUCAÇÃO (ADI 1864), com 11 questões discutidas em seis debates. Por

outro lado, o Caso do nepotismo (ADC 12) trouxe apenas um debate, e mesmo

assim para esclarecimento de um único ponto.

Eles envolveram os ministros 142 vezes, ao todo, numa média de quase 6

ministros por discussão. Nesse sentido, merece destaque o Caso do monopólio dos

Correios (ADPF 46) pelo envolvimento de todo o Pleno para a resolução dos pontos

controversos que surgiram ao final do julgamento. Assim, nove de dez ministros

deram opiniões sobre como solucionar o empate ocorrido, enquanto todos os

ministros participaram das discussões sobre a interpretação do tipo penal de

violação ao “monopólio” dos Correios. Além disso, advogados subiram à tribuna em

ambas as situações.

Em termos qualitativos, identifiquei 17 contendas causadas pelo que chamei

de “bloqueio”, i. e., pela tentativa de se contrapor aos fundamentos lançados por

outro ministro. A grande maioria deles origina-se curiosamente da participação de

ministros que compuseram a corrente vencedora. Percebe-se em alguns momentos,

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como no Caso da estabilidade excepcional dos servidores públicos estaduais e

municipais catarinenses (ADI 125) e no Caso dos tetos de remuneração da

magistratura (ADI-MC 3854), que o bloqueio serviu para impedir que uma nova

ideia surgisse no debate, logrando um relativo êxito nesse sentido.

Nota-se que os tipos de debates podem significar muito em termos de

contextualização dos casos. Exemplificando, o levantamento dos debates ocorridos

na Caso do PARANAEDUCAÇÃO (ADI 1864) demonstra uma verdadeira “guerrilha”.

Ao todo, são oito discussões iniciadas por bloqueio, sendo cinco delas causadas pelo

Ministro Carlos Britto, cuja posição vinha sendo minoritária naquele momento e

quem ficou vencido ao final. O cruzamento de motivos e resultados demonstra que,

nesse julgamento, apenas um debate de bloqueio fomentou alguma forma de

consenso. Todos os outros terminaram com os ministros mantendo suas

respectivas posições.

Em geral, debates iniciados por um ministro para bloquear a argumentação

de algum colega terminaram em dissenso, com cada qual mantendo a sua posição.

Uma exceção pode ser vista no Caso do piso salarial dos professores (ADI 4167),

na qual o Min. Menezes Direito é bem sucedido na intervenção que faz durante o

voto da Min. Cármen Lúcia.

Por outro lado, a grande quantidade de esclarecimentos no Caso do

monopólio dos Correios (ADPF 46) indica a disputa intensa que assolou as sessões

e causou a falta de clareza da decisão. Isso fica evidente quando se verifica que os

dois últimos debates para esclarecer algum ponto envolveram todos os ministros e

os advogados das partes. Também se nota que os questionamentos, em ambas as

situações, foram levantados por membros da corrente que restou vencida66.

Em sua maioria, os esclarecimentos resultaram em alguma forma de

consenso. Significa dizer que eles foram suficientemente compreendidos pelos

outros ministros, que puderam se posicionar a favor de quem esclarecia a questão.

66 Não se nega que, no primeiro dos esclarecimentos, sobre o modo como a Corte iria resolver o impasse em que se encontrava, era função do Presidente levantar a questão. Mas como o Min. Gilmar Mendes integrava a corrente vencida, o debate se iniciou por conta de alguém que estava em desvantagem naquele momento. Verifica-se que o Ministro não desejava a aplicação da regra da maioria absoluta para a inconstitucionalidade da lei, porque, naquela ocasião, isto significava a improcedência total da ação.

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Uma situação interessante pode ser verificada no Caso do nepotismo (ADC 12). Só

houve um debate, e mesmo assim para o esclarecimento de uma questão, que foi

resolvida consensualmente pelo Plenário.

3. Os vícios do processo decisório do Plenário do STF

3.1. Primeiro vício: omissão do Plenário

O primeiro problema que se pode apontar em relação ao processo decisório

do Plenário do Supremo Tribunal Federal diz respeito à falta de deliberação sobre

todas as questões que surgem no julgamento. Em outras palavras, muitas vezes o

colegiado se omite de discutir todos os pontos que foram levantados no

julgamento, de tal sorte que não é possível ao público conhecer a opinião da Corte

sobre o assunto. Para tratar desse vício, analisei como os ministros trataram das

questões jurídicas levantadas nos acórdãos. A tabela a seguir mostra a quantidade

de assuntos que não foram objeto de discussão pelo colegiado em cada decisão:

Tabela 16: quantidade de pontos que não foram discutidos pelo colegiado67 Caso Não discutidos /

levantados Assuntos abandonados

ADI 125 0 / 4 ------------

ADI 3854 3 / 5 Controle de constitucionalidade de emendas à Constituição Constitucionalidade do escalonamento de vencimentos da Justiça

Federal68 Vantagens remuneratórias da magistratura

ADI 1864 0 / 6 ------------

ADC 12 0 / 4 ------------

ADI 4167 3 / 7 Constitucionalidade das frações para implementação do piso salarial Quorum de julgamento69

Constitucionalidade formal da lei

ADPF 46 2 / 4 Definição do conceito de carta Constitucionalidade dos tipos penais

ADI 4178 0 / 4 ------------

67 Duas observações são importantes em relação aos números apresentados na tabela: (i) quando o ponto foi levantado pelo relator ou pelo voto divergente, e os ministros subsequentes afirmaram que o acompanhavam, considerei que houve a discussão no Plenário; (ii) os pontos foram considerados abandonados quando menos da metade do colegiado o abordou posteriormente. 68 O assunto gerou um intenso debate no momento do voto do Min. Carlos Britto, com participação de vários ministros, conforme se pode verificar na Tabela 4. Mesmo assim, não foi retomado posteriormente. 69 Nesse caso, houve deliberação do Plenário sobre a questão de ordem suscitada pelo Min. Marco Aurélio, mas o tema consta aqui por não ter sido retomado por nenhum dos ministros em seus votos, mesmo que para comentar o motivo da rejeição.

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Os dados podem ser combinados com os da Tabela 15. Nos casos em que o

relator trouxe o maior número de questões, verifica-se que quase nenhum assunto

foi abandonado. Como expus anteriormente, a maior parte das questões que são

debatidas pelos ministros, em Plenário, é trazida por ele. Seu voto parece ter um

poder decisivo para circunscrever os limites do que se julgará e do que será alvo de

apreciação pelos votos subsequentes.

Por outro lado, a maioria das questões que surgem no decorrer da sessão é

abordada apenas pelos ministros que as suscitaram. Em geral, elas tocam aspectos

marginais do problema principal, embora pareçam importantes para os ministros

que as levantam. Todavia, isso não significa que seja sempre assim. O exemplo do

Caso da estabilidade excepcional dos servidores públicos estaduais e municipais

catarinenses (ADI 125) é sintomático, pois demonstra que um ponto ignorado pelo

Relator, mas de grande valia para o aprimoramento da decisão, pode ser percebido

e trazido por outro ministro.

Essa situação se agrava quando o voto do Relator não é adotado por seus

pares. Nesse caso, as questões que poderiam nortear a discussão não são dadas

por ele, mas por outros ministros. Veja-se, por exemplo, o Caso do monopólio dos

Correios (ADPF 46). Por partir da premissa de que o Estado só pode explorar

atividade econômica em casos excepcionais, o Min. Marco Aurélio, Relator, tratou

apenas da relação entre Estado e atividade econômica e da proibição do monopólio

fora das hipóteses constitucionais. No entanto, a ampla maioria dos ministros partiu

da premissa de que o serviço postal era serviço público, sujeito a regime de

privilégio.

Se a primeira linha de raciocínio conduzia o Min. Relator à procedência total

da ação, a segunda linha de raciocínio possibilitava um número maior de

resultados. Nessa hipótese, surgem outros problemas a serem resolvidos, como,

por exemplo, o que se entende por serviço postal sujeito à exclusividade da União,

mais especificamente por “entrega de carta”.

Grande parte dos ministros, inclusive o Min. Eros Grau, nem levantou essa

questão. Para eles, a lei já delimitava satisfatoriamente as hipóteses sujeitas à

exclusividade estatal. Contudo, essa posição não dava uma resposta efetiva a

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algumas situações concretas. Haveria, por exemplo, vedação ao envio de boletos

bancários e contas de serviços públicos por empresas privadas? Haveria crime de

violação do monopólio postal nessa hipótese? Tudo isso exigia uma posição firme

da Corte, que, no entanto, não foi adotada.

Não foi o que se viu, principalmente porque os únicos ministros a tratarem

do tema se dividiam em lados opostos: de um lado o Min. Joaquim Barbosa e

posteriormente o Min. Carlos Britto, incluindo essas situações no âmbito da

exclusividade; de outro, os Ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Celso

de Mello, possibilitando a exploração dessas atividades para os particulares.

O problema não ficou despercebido, assomando ao final do julgamento,

pouco antes da proclamação do resultado, quando o Min. Ricardo Lewandowski

questionou a excessiva amplitude dos tipos penais. Poderia um entregador de

correspondências mercantis ser processado por violar o monopólio da Empresa

Brasileira de Correios e Telégrafos?

A reação foi imediata:

“O Senhor Ministro Eros Grau - Eu pediria vista para examinar esta

matéria, porque é uma nova questão.

O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) - Não, não é uma nova

questão.

O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski - Não, ela não é nova. Só que

ela não foi examinada pelo Plenário, ou pelo menos por alguns Ministros.

O Senhor Ministro Eros Grau - Permitam-me explicar. Nós votamos.

Votamos o quê? A recepção ou não recepção da lei toda. Houve seis votos no

sentido da improcedência. Então terminou. Acho que terminou. A ação é

improcedente.

[...]

O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski - Mas o próprio Ministro Britto

excluiu as encomendas. Quer dizer, se alguém distribuir encomenda, está

enquadrado no artigo 42? É uma questão que está aberta. Porque o Plenário

não decidiu isso. Nesse aspecto houve um empate.” (STF: ADPF 46-7/DF, Rel.

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Min. Marco Aurélio, j. 05.08.2009, pp. 192-193 do acórdão; pp. 173-174 do

arquivo eletrônico)

Uma solução só foi encontrada depois de muitas opiniões de parte a parte.

Aliás, esse debate contou com o maior número de participantes dentre todos os

acórdãos analisados: todo o Plenário se manifestou e até mesmo alguns advogados.

Chegou-se à resposta, que pouco adiantou para a diminuição dos conflitos, de se

interpretar o tipo penal com o artigo que determina as atividades que estão sujeitas

ao regime de privilégio. Os ministros evitaram uma decisão que definisse o que

estava englobado pela exclusividade no serviço postal, postergando essa definição.

Entretanto, os ministros não puderam se contentar com a decisão por muito

tempo. Publicado o acórdão no Diário de Justiça, no dia 26.02.2010, embargos de

declaração foram opostos pela Associação Brasileira das Empresas de Distribuição

(ABRAED) já no dia 08.03.2010. Consta do referido recurso:

“A omissão em que incorreu o v. acórdão diz respeito à definição do que seja

encomenda. Embora o termo não pareça especialmente equívoco, a EBCT já

manifestou entendimentos contraditórios sobre a questão e tem promovido

ações cíveis e penais para impedir a distribuição de determinados itens.

Assim, embora pontual, a omissão verificada produz consequências graves.

Ao não esclarecer os elementos mínimos do conceito de encomenda, abriu-se

espaço para que as empresas de entrega e seus funcionários sejam alvo de

perseguições indevidas. Manteve-se, portanto, a insegurança jurídica que

motivou o ajuizamento da ADPF, com o agravante de que agora as

perseguições podem ser feitas supostamente sob o amparo de uma decisão

dessa Eg. Corte, cujo sentido estaria sendo invertido.” (Embargos de

Declaração à ADPF 46-7/DF, p. 2)

O mesmo problema pode ser verificado no Caso dos tetos de remuneração da

magistratura (ADI-MC 3854). O Ministro Cezar Peluso, Relator, ao julgar a

constitucionalidade da EC n. 41/03, que diferenciava os tetos remuneratórios das

Justiças Estadual e Federal, afirmou que a discriminação existia, porquanto os

juízes federais poderiam receber vantagens até o limite de vencimentos dos

ministros do STF, enquanto os juízes estaduais estariam adstritos aos vencimentos

dos Desembargadores dos Tribunais de Justiça.

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Tal consideração gerou dúvidas nos Ministros Sepúlveda Pertence e Gilmar

Mendes, uma vez que os juízes devem receber todos os seus subsídios em uma

parcela única, sem a possibilidade de vantagens permanentes.

Num primeiro momento, o Min. Sepúlveda Pertence interpelou o colega:

“O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - Daí decorreu minha dúvida.

Peço a Vossa Excelência para esclarecer que vantagens poderiam ser essas, à

vista da determinação de o subsídio ser parcela única, excluídas aquelas

salvaguardadas - como no precedente dos ministros aposentados do Supremo

Tribunal Federal (MS 24.875) - pela irredutibilidade de vencimentos - sempre

em caráter temporário.

O Senhor Ministro Cezar Peluso (Relator) - Trata-se daquelas

descriminadas na Resolução n° 13 do Conselho.

O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - Aquelas referentes a

indenizações etc.

O Senhor Ministro Cezar Peluso - Exatamente, só aquelas.

O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - Ou eventuais vantagens

individuais, nos termos do Mandado de Segurança 24.875, do Ministro Djaci

Falcão.

O Senhor Ministro Cezar Peluso - Não desci a particularidades.” (STF:

ADI-MC 3.854/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007, p. 745 do acórdão;

p. 23 do arquivo eletrônico; grifos nossos)

Mais adiante, os Ministros Sepúlveda Pertence e Gilmar Mendes tentaram

pressionar o Relator a explicitar quais seriam essas vantagens:

“O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - Precisamos deixar isso

absolutamente claro. Não há, no sistema atual, para os servidores sob regime

de subsídio, possibilidade de vantagem permanente que excetue a gradação

do art. 93, V. Ou, então, toda reforma terá ido, neste ponto, “para o brejo”.

O Senhor Ministro Gilmar Mendes - Na verdade, será sua própria

subversão, por definição.

O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - E isso ficou muito claro - eu creio

- no voto que proferi no caso “Djaci Falcão”.

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O Senhor Ministro Cezar Peluso (Relator) - Quanto a isso não há dúvida.

Aqui, não. Estamos fixando o teto da remuneração; não estamos, ainda,

discutindo quais as verbas que podem ser somadas aos subsídios até atingir o

teto.

O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - Em matéria de vencimentos,

Ministro, é sempre bom citar Talleyrand: “Si cela va bien sans le dire, cela ira

encore mieux en le disant” [se vai bem sem dizer, vai ainda melhor dizendo].

Perdoe-me, Ministro Eros, o francês ‘macarrônico’.” (STF: ADI-MC 3.854/DF,

Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007, p. 745 do acórdão; p. 23 do arquivo

eletrônico; grifos meus)

A tentativa de persuadir o Relator, porém, não tem sucesso, e a questão

ficou esquecida no meio dos votos apresentados.

Por outro lado, isso não significa que o STF sempre evite decidir. No Caso do

PARANAEDUCAÇÃO (ADI 1864/PR), os ministros se preocuparam com a mudança

ocorrida na jurisprudência da Corte em relação à legitimidade ativa das

confederações. Isso porque eles haviam decidido a questão do cabimento da ação

antes da virada jurisprudencial, de tal sorte que no julgado constaria

necessariamente a ilegitimidade ativa da Confederação Nacional dos Trabalhadores

em Educação (CNTE).

Nesse caso, ao invés de simplesmente ignorar o ponto, o Plenário realmente

enfrentou a questão. Quem levantou a polêmica foi o Min. Gilmar Mendes, no

último voto proferido. O Min. Cezar Peluso, então, sugeriu rever a decisão.

Contudo, os ministros não quiseram, pois nem poderiam, reabrir uma questão

preclusa. Mesmo assim, não abandonaram o tema e preferiram deixar consignado

na ementa, como se pode verificar nas discussões:

“O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) - Pode-se não enfatizar

a questão, até porque a matéria já está superada; ou deixar em obter

dictum.

O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - Pode-se deixar especificado na

ementa.

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O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) - Só uma lembrança: o

Ministro Joaquim Barbosa acabará como Relator, quanto à legitimidade.

O Senhor Ministro Cezar Peluso - Legitimidade da Confederação.

O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) - Porque, depois, o

Tribunal evoluiu para entender que essa composição não comprometia a

legitimidade.

O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - Apenas na ementa, poderia

consignar-se que a requerente foi julgada ilegítima na conformidade da

jurisprudência então dominante.

O Senhor Ministro Joaquim Barbosa (Relator) - Basta especificar a data

em que tomada a decisão.” (ADI 1864/PR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j.

08.08.2007, pp. 181-182 do acórdão; pp. 93-94 do arquivo eletrônico; grifos

no original)

Portanto, o primeiro vício do processo decisório do Plenário do STF é não

deliberar sobre todas as questões como um órgão colegiado. Não se trata de

condenar uma postura “minimalista” do juiz, criticando os ministros que procuram

resolver os pontos estritamente necessários para a resolução da causa e evitam

criar uma “doutrina do Tribunal” sobre os assuntos que circundam o caso. O

problema é outro: uma vez surgidas na sessão, as questões devem ser abordadas

pelos ministros, mesmo que sejam rejeitadas. Caso contrário, a omissão pode ter

consequências negativas relevantes.

3.2. Segundo vício: inconsistência na definição dos pontos

controversos

O segundo problema que se pode apontar em relação ao processo decisório

no Supremo Tribunal Federal diz respeito à inconsistência na definição dos pontos

deliberados em Plenário.70 Significa dizer que os ministros não seguem uma linha

condutora. Cada voto realça um aspecto diferente da questão sem tratar dos

outros, como mencionado no vício anterior. Porém, não é possível saber o que

70 Esse vício foi ressaltado pelo professor Diogo R. Coutinho durante a banca examinadora, a partir dos dados presentes nas tabelas.

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subjaz à escolha desses pontos - seria um defeito na argumentação dos ministros

que votaram anteriormente, a tentativa de se transmitir uma mensagem para o

público, a necessidade de se defender uma determinada ideia na Corte, ou outro

motivo?

Prosseguindo a análise iniciada no tópico anterior, é possível ir mais além no

exame das manifestações dos ministros sobre os diversos temas. A tabela a seguir

mostra quantos ministros se pronunciaram, em seus votos, sobre cada uma das

questões suscitadas no julgamento:

Tabela 17: quantidade de ministros que ressaltaram os pontos em seus votos Caso Ponto N° de ministros (sem quem

suscitou) / total de ministros

1) aplicação do regime aos Municípios 2 (1) / 10

2) constitucionalidade dos dispositivos do ADCT estadual 1 (0) / 10

3) situação dos professores contratados temporariamente 1 (0) / 10

ADI 125

4) redação “da Constituição” no art. 6°, caput 1 (0) / 10

1) violação da isonomia e discriminação de tetos de remuneração 10 (9) / 11

2) periculum in mora 2 (1) / 11

3) controle de constitucionalidade de emenda à Carta 2 (1) / 11

4) higidez do escalonamento de vencimentos da Justiça Federal 1 (0) / 11

ADI 3854

5) vantagens que compõem a remuneração da magistratura 1 (0) / 11

1) conhecimento da ação 2 (1) / 9

2) natureza jurídica do PARANAEDUCAÇÃO 5 (4) / 9

3) possibilidade de entes privados no serviço de educação 3 (2) / 9

4) regime jurídico do PARANAEDUCAÇÃO 3 (2) / 9

5) constitucionalidade da opção pelo regime trabalhista 4 (3) / 9

ADI 1864

6) constitucionalidade da gestão de recursos 1 (0) / 9

1) cabimento do controle de Resoluções 1 (0) / 9

2) coibição do nepotismo 6 (5) / 9

3) competência do CNJ 5 (4) / 9

ADC 12

4) necessidade da interpretação conforme a Constituição 4 (3) / 9

1) constitucionalidade da jornada de trabalho de 40 horas 6 (5) / 9

2) referência do piso salarial como vencimento inicial 6 (5) / 9

3) constitucionalidade do limite à carga horária funcional 8 (7) / 9

4) constitucionalidade da implementação do piso 4 (3) / 9

5) higidez das frações do piso a serem implementadas pelos entes 2 (1) / 9

6) quorum para julgamento 1 (0) / 9

ADI 4167

7) constitucionalidade formal da lei 1 (0) / 9

1) natureza jurídica do serviço postal 8 (7) / 10

2) extensão do regime de prestação do serviço postal 8 (7) / 10

3) definição do conceito de carta 4 (3) / 10

ADPF 46

4) constitucionalidade dos tipos penais da lei 2 (1) / 10

1) constitucionalidade dos critérios da prova de títulos 1 (0) / 8

2) título de aprovação em concurso de ingresso no serviço notarial 2 (1) / 8

3) título de participação em seminários e congressos 1 (0) / 8

ADI 4178

4) eficácia no tempo da medida cautelar 1 (0) / 8

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Antes de tudo, cabe uma observação: desconsiderei os votos que apenas

acompanham o relator (ou o voto divergente) e as manifestações em debates. O

objetivo da tabela é mostrar quantos ministros se preocupam em ressaltar um

determinado ponto em seu voto. E os dados causam certa perplexidade. São dois

os motivos: (i) pela pequena quantidade de ministros que abordam a maioria dos

pontos; (ii) pela falta de um critério individualizável para que se verifique porque

alguns assuntos foram mais abordados do que outros.

Em relação ao primeiro, acredito que se confirme a ideia apresentada no

tópico anterior, sobre a omissão do Plenário em abordar os pontos. Foram 34 ao

todo, mas apenas 9 foram ressaltados nos votos de mais da metade do colegiado. É

evidente que não se pode ignorar que algumas matérias são mais complexas que

outras, que os temas podem ter sido abordados em debates ou que os ministros

podem ter preferido simplesmente acompanhar o relator a proferir um voto que

nada acrescentava ao julgamento. Estas duas últimas possibilidades são até fatores

que contribuem para melhorar o processo decisório da Corte. No entanto, é

inexplicável que 25 pontos não tenham tido atenção dos ministros em seus votos,

especialmente quando se verifica a presença de onze, dez ou nove ministros na

ocasião.

Em relação ao segundo motivo, não se consegue identificar um critério que

norteia a participação do colegiado. De um lado, há temas abordados por um

grande número de votos anexados ao acórdão, como são os exemplos da violação

da isonomia pela discriminação de tetos remuneratórios do Judiciário, no Caso dos

tetos de remuneração da magistratura (ADI 3854), da natureza jurídica da entidade

privada criada pelo Estado para gerenciar os recursos do serviço educacional, no

Caso do PARANAEDUCAÇÃO (ADI 1864), da coibição do nepotismo e da

competência do CNJ, no Caso do nepotismo (ADC 12), da constitucionalidade da

redução da carga horária dos professores estaduais e municipais por meio de lei

federal, no Caso do piso salarial dos professores (ADI 4167) e, finalmente, da

natureza jurídica e da extensão dos serviços postais, no Caso do monopólio dos

correios (ADPF 46).

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Seria possível levantar a hipótese de que os ministros preferem se

manifestar em seus votos sobre questões de mérito que envolvam temas de grande

sensibilidade e repercussão social (nepotismo, isonomia), de grande divergência na

Corte (redução da carga horária por lei federal) ou de grande aceitação nos meios

jurídicos (natureza jurídica do serviço postal). Contudo, o limitado universo de

acórdãos da pesquisa não permite uma afirmação mais contundente, inclusive

porque há exemplos em sentido contrário, como na discussão sobre isonomia, no

Caso dos concursos notariais (ADI 4178).

De qualquer forma, é interessante notar que há uma discrepância nos

números dentro dos próprios julgamentos. No Caso do PARANAEDUCAÇÃO (ADI

1864), por exemplo, percebe-se que há uma grande diferença no tratamento das

questões. Isso indica que os ministros não seguem a mesma linha condutora no

momento de ressaltar o que julgam ser mais importante. Tampouco explicitam os

motivos pelos quais abordam um aspecto do caso e não outro. O que explicaria, por

exemplo, a diferença no número de ministros que tratam da natureza do serviço

postal e que tratam do conceito de carta, no Caso do monopólio dos Correios (ADPF

46)?

Em relação aos fundamentos, os números apresentados na Tabela 15 não

permitem uma conclusão definitiva sobre a inconsistência ou não das

fundamentações. Na verdade, o número reduzido de novos argumentos

demonstraria que os ministros, antes de seguirem linhas de raciocínio totalmente

diferentes, acabam reforçando o que os anteriores sustentaram.

Portanto, o segundo vício do processo decisório seria a falta de explicações

sobre o motivo que leva um ministro a destacar determinado ponto em seu voto,

em detrimento de outros, mesmo que tenha a possibilidade de simplesmente

acompanhar o relator ou tratar de todas as questões já abordadas anteriormente.

Mais do que isso, não consegui identificar uma razão clara para que determinados

temas tenham sido mais abordados pelos votos, enquanto outros tenham sido

muito menos realçados. O problema não estaria tanto nas fundamentações, mas

sim no que eles debatem. Tudo isso conduziria a uma certa inconsistência na

definição dos pontos deliberados pelo Plenário.

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3.3. Terceiro vício: sessão única de julgamento

O terceiro problema que se pode apontar em relação ao processo decisório

no Supremo Tribunal Federal diz respeito às condições nas quais o Plenário é

obrigado a lidar com os casos. Em outras palavras, os ministros têm, em regra,

apenas uma sessão para relatar o caso, deliberar sobre ele, colher os votos e

proferir o resultado. A não ser que algum deles peça vista para apreciar o processo,

o julgamento se desenrola e se encerra na própria sessão em que foi iniciado. Essa

dinâmica só pode ser interrompida por meio de pedidos de vista, que serão

abordados no tópico seguinte.

A configuração da sessão se reflete nos julgados de duas formas: de um

lado, nem sempre os ministros se encontram totalmente preparados para julgar; de

outro, eles podem ser surpreendidos durante o julgamento por argumentos ou

questões levantadas por colegas.

Relativamente à primeira situação, novamente tomo o Caso dos tetos de

remuneração da magistratura (ADI-MC 3854) como exemplo, mas dessa vez um

negativo. Isso porque, como foi visto anteriormente, dois ministros se mostraram

surpreendidos pelo julgamento. Vale repetir as passagens dos votos dos Ministros

Joaquim Barbosa e Sepúlveda Pertence que demonstram isso:

“O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - Sra. Presidente, ao contrário

dos colegas mais modernos que se podem dar a delícia de já trazer o voto

escrito à luz do material recebido, eu, rigorosamente, fui surpreendido com a

colocação em mesa deste problema.” (ADI-MC 3854-1/DF, Rel. Min. Cezar

Peluso, j. 28.02.2007, p. 780 do acórdão; p. 58 do arquivo eletrônico).

“O Senhor Ministro Joaquim Barbosa - [...] Com essas considerações,

peço vênia ao ministro Cezar Peluso e aos que o acompanharam para, pelo

menos nesse juízo preliminar - já que tomei conhecimento dessa ação direta

há poucos minutos -, indeferir a cautelar.” (STF: ADI-MC 3854-1/DF, Rel. Min.

Cezar Peluso, j. 28.02.2007, p. 750 do acórdão; p. 28 do arquivo eletrônico)

Quando afirmo que os ministros podem estar despreparados para julgar, não

há qualquer desmerecimento nisso. Trata-se, sim, de questionar a ausência de

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material que poderá servir de apoio para que deem decisões bem fundamentadas.

Não é à toa que, diante de uma ação da qual “tomou conhecimento há poucos

minutos”, o Min. Joaquim Barbosa tenha adotado uma postura de auto-contenção,

refletida, inclusive, nos argumentos de falta de periculum in mora e de cautela no

controle de constitucionalidade de emendas à Constituição.

Embora pareça repetitivo, não custa lembrar também o polêmico Caso do

monopólio dos Correios (ADPF 46). Um evento que surpreendeu a todos os

ministros foi o empate que resultou da soma dos votos. A primeira tentativa de

solução foi buscar, dentre eles, aquele ministro que tivesse proferido o voto médio

capaz de se agregar à maioria. Essa busca, porém, não teve resultado. O Min.

Gilmar Mendes, então, partiu para as regras procedimentais, mas não obteve

respostas imediatas, como se pode verificar da seguinte passagem:

“O Senhor Ministro Eros Grau - [...] De qualquer modo, para que a lei

fosse tida como não recepcionada, seriam necessários seis votos. E não há.

O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) - Nem num sentido, nem

em outro. Ao contrário do que ocorre na Lei n° 9.868, a Lei n° 9.882 tem as

seguintes disposições:

‘Art. 8°. A decisão sobre a arguição de descumprimento

de preceito fundamental somente será tomada se presentes na

sessão pelo menos dois terços dos ministros’

Os dispositivos dos parágrafos foram vetados, talvez dispusessem sobre os

critérios de aferição. Nós não temos, portanto, regras. A tradição tem sido,

em relação à inconstitucionalidade, sempre de seis votos no sentido da

procedência ou improcedência.

Creio que podemos fazer uma breve pausa para, depois, voltarmos para

resolver esta questão de ordem.” (STF: ADPF 46-7/DF, Rel. Min. Marco

Aurélio, j. 05.08.2009, pp. 149-150 do acórdão; pp. 130-131 do arquivo

eletrônico)

Percebe-se que a ausência de regras causou certa perplexidade no Plenário.

A incerteza sobre os dispositivos vetados só reforça a ideia de que os ministros não

caminhavam sobre terreno firme. A pausa tornou-se uma suspensão do julgamento

por dois dias, a fim de que os ministros pudessem procurar uma solução para o

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impasse. Como visto anteriormente, essa solução só ocorreu por meio da alteração

do voto do Min. Carlos Britto, não pela definição de uma regra de desempate.

Entretanto, como afirma o Min. Sepúlveda Pertence, com a tecnologia (e

também com os assessores) problemas desse tipo restam bastante mitigados. Isso

não significa, por outro lado, que a necessidade de se fazer tudo numa única sessão

não tenha outros efeitos.

Um problema perceptível diz respeito às ausências dos ministros. Um

ministro que não tenha ido à sessão não perde apenas a sustentação oral das

partes, a leitura do Relatório e dos votos ou a deliberação em Plenário. Perderá

também a chance de dar o seu voto e influenciar no julgamento. A hipótese é

corroborada pela “Confirmação de voto” do Min. Cezar Peluso no Caso do monopólio

dos Correios (ADPF 46), na sessão do dia 05.08.2009. De fato, o Ministro não havia

participado dos debates na assentada anterior, do dia 03.08.2009, porque estava

ausente. Se, por hipótese, naquela ocasião a Corte tivesse realizado votação sobre

a questão de ordem, definindo a regra de desempate que deveria prevalecer, o

Ministro não poderia se manifestar.

De todos os casos analisados, apenas um não teve ausências na sessão de

julgamento. Foi exatamente o Caso do monopólio dos Correios (ADPF 46), que

mesmo assim só contou com a presença de dez ministros, dada a suspeição do Min.

Menezes Direito. Ademais, a presença de todos os ministros só ocorreu na última

sessão.

O mesmo problema pode ser visto no Caso dos concursos notariais (ADI-

REF-MC 4178/GO), que foi julgado com a ausência de três ministros, ou no Caso do

piso salarial dos professores (ADI-MC 4167/DF), no qual o Min. Marco Aurélio

suscitou questão de ordem pela falta de quorum para julgamento (oito ministros).

Veja-se, não se está querendo criticar em absoluto a ausência dos Ministros.

Como sustentado nos próprios debates da questão de ordem do Caso do piso

salarial dos professores (ADI-MC 4167/DF), por vezes ocorrem sessões simultâneas

de outros órgãos jurisdicionais que demandam a presença dos ministros. Todavia,

como bem salientado pelo Min. Marco Aurélio, isso traz graves inconvenientes:

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“O Senhor Ministro Marco Aurélio - Sim, mas acontece que no julgamento,

a qualquer momento, aqueles que já se manifestaram podem reajustar o

voto. E, ausentes, haverá a impossibilidade física. Por isso é que se exige o

número de oito para o início e o término do julgamento, chegando-se ao

resultado por maioria qualificada. Isso sempre foi observado na Corte”. (STF:

ADI-MC 4167-3/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17.12.2008, p. 214 do

acórdão; p. 58 do arquivo eletrônico)

Por fim, creio ser importante mencionar a ausência de um momento para se

revisar a decisão, depois de todos os ministros já terem se pronunciado. O

resultado não pode ser outro senão o verificado no Caso do monopólio dos Correios

(ADPF 46):

“O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski - Então, aqueles que entregam

encomendas não podem ser objeto de persecução penal. Isso tem que ficar

assentado com muita clareza, porque senão nós desencadearemos aí uma

caça às bruxas.

O Senhor Ministro Eros Grau - Eu proponho que se vote esse ponto.

[...]

O Senhor Ministro Eros Grau - Há duas opções: ou nós votamos agora ou

discutiremos isso em habeas corpus futuros; reabriremos a discussão.

Quanto a isso foi que eu me manifestei.

O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) - Eu proferi voto nesse

sentido, ontem. Eu até havia me manifestado em maior extensão. Depois,

restringi ao artigo 42.

O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski - Senhor Presidente, esse é um

ponto ferido na inicial, data venia, que não foi suficientemente esclarecido no

Plenário.

O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) - Foi objeto inclusive de

sustentação do Doutor Arnaldo Malheiros.

O Senhor Ministro Eros Grau - Eu não estou absolutamente querendo

dificultar nada. O que quero deixar claro é que eu não me manifestei sobre

esse ponto. E acho que o Ministro Joaquim Barbosa também não se

manifestou. Isso não foi discutido. Então existem duas possibilidades: ou nós

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reabriremos e decidiremos essa matéria agora ou acabaremos apreciando-a

no futuro em habeas corpus que chegarem aqui.

O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski - Entendo que enquanto não for

proclamado o resultado do julgamento, o julgamento não terminou. Não

podemos agora modular.” (STF: ADPF 46-7/DF, Rel. Min. Marco Aurélio,

05.08.2009, pp. 184-186 do acórdão; pp. 165-167 do arquivo eletrônico;

grifos no original)

A situação pode ser resumida pelo seguinte trecho do debate:

“O Senhor Ministro Eros Grau - [...] O que me preocupa, Senhor

Presidente, é que estamos num momento de proclamação, já há seis votos

pela improcedência, e das duas uma: ou nós proclamaremos e aguardaremos

os processos que chegarão - se há o problema, eles chegarão -, ou então

reabriremos tudo, e isso será seguramente um fato inusitado na Corte.” (STF:

ADPF 46-7/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, 05.08.2009, p. 195 do acórdão; p.

176 do arquivo eletrônico)

Revela-se, em sua plenitude, a tensão entre o momento de deliberação e o

momento de decisão. Se os votos já foram proferidos, a retomada das discussões

sobre determinado ponto é menos uma decorrência da grande responsabilidade da

Corte no julgamento das ações, e mais um grande “fato inusitado”.

Portanto, o terceiro vício do processo decisório do STF é o julgamento de

ações, muitas das quais complexas, em uma única sessão, na qual acontecerá, a

príncipio, tudo, desde o relato do caso até a prolatação da decisão final, sem

chance de modificação, a não ser que algum dos ministros decida pedir vistas do

processo e suspender o julgamento. Com isso, problemas que surgem

repentinamente causam maior perplexidade e os argumentos utilizados de surpresa

podem se manter inatacáveis por falta de informação para rebatê-los.

3.4. Quarto vício: deturpação do voto-vista

O quarto problema que se pode apontar em relação ao processo decisório no

Supremo Tribunal Federal diz respeito à má-utilização do instrumento do voto-vista

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durante os julgamentos, que sacrifica as discussões a construção conjunta da

convicção.

Verifica-se uma tensão no processo decisório do Plenário do STF. De um

lado, ele deve dar respostas aos processos da forma mais rápida possível, dentro

de um modelo que prevê, em regra, uma só sessão para deliberação e julgamento

final da ação. De outro, ele deve possibilitar aos ministros uma alternativa para

quando eles se sentirem despreparados para julgar ou surpreendidos por alguma

questão que tenha surgido.

O voto-vista vem suprir essa necessidade de que o ministro possa firmar a

sua própria convicção antes de proferir seu voto. No entanto, na pesquisa foi

possível verificar que o instituto também tem efeitos colaterais prejudiciais à

deliberação coletiva.

Isso acontece por dois motivos principais: (i) a grande distância temporal

entre uma sessão e outra; (ii) o tipo de voto elaborado e proferido após um pedido

de vista.

Em relação ao primeiro ponto, o período de tempo que separa uma sessão de

julgamento da outra, após um pedido de vista, pode se estender por anos. Apenas

para exemplificar, a primeira sessão para julgar o Caso do PARANAEDUCAÇÃO (ADI

1864/PR) ocorreu em 12.04.2004. O caso só foi retomado em 08.08.2007, três

anos e quatro meses depois.

O decurso do tempo tem efeitos nefastos para um processo deliberativo que

se pretenda verdadeiramente coletivo, i. e., que envolva troca de argumentos entre

os ministros na tentativa de se construir um consenso e não apenas a apresentação

de votos construídos individualmente nos gabinetes. De início, é digno de nota

mencionar que há a possibilidade de que os próprios ministros acabem não se

lembrando do processo. Não é à toa que o Min. Marco Aurélio faz a seguinte

observação:

“O Senhor Ministro Marco Aurélio - [...] Já tinha formado convencimento a

respeito e fatalmente não me lembrarei mais dos parâmetros, em si, da

controvérsia, quando vier à balha o processo. Por isso, quis adiantar, para

deixar, em notas taquigráficas, meu ponto de vista sobre a

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inconstitucionalidade da lei.” (STF: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j.

08.08.2007, p. 118 do acórdão; p. 30 do arquivo eletrônico).

Isso é especialmente relevante quando ocorre uma mudança de contexto que

defase um voto-vista que já foi escrito há mais tempo. É o que aconteceu com o

Min. Joaquim Barbosa, na retomada do julgamento do caso:

“A Senhora Ministra Cármen Lúcia - Quanto, portanto, ao art. 19?

O Senhor Ministro Joaquim Barbosa - Quanto ao art. 19, vejo um

problema, esse meu voto está preparado há mais de dois anos, já não me

lembrava de muita coisa. Temos aqui um problema em razão daquela decisão

da semana passada.

A Senhora Ministra Cármen Lúcia - Daí a minha preocupação enorme,

duplamente. Primeiro, porque o Regime Jurídico Único está com a sua

vigência restabelecida, a eficácia, pelo menos, restabelecida em face da

decisão tomada aqui na última quinta-feira. E, por outro lado, porque, de toda

sorte, os servidores públicos, aqui chamados de funcionários estaduais,

tenderiam, portanto, a ter uma opção, que já não seria possível em face da

decisão tomada na última quinta-feira.

O Senhor Ministro Joaquim Barbosa - Exatamente, se esse julgamento

tivesse ocorrido uma semana antes daquela decisão da semana passada, não

haveria dúvida quanto à constitucionalidade desse dispositivo porque se

trataria apenas de uma opção do servidor por uma nova relação.” (ADI

1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, pp. 152-153 do acórdão;

pp. 64-65 do arquivo eletrônico)71

71 Uma observação a ser feita sobre essa passagem é a aparente falta de sentido do diálogo. Adiante, o Min. Joaquim Barbosa opta pela inconstitucionalidade do art. 19 da lei que institui o PARANAEDUCAÇÃO. Por que todo essa discussão se o próprio Ministro teria resolvido o problema da inconstitucionalidade do dispositivo no seu voto-vista? Consta em seu voto-vista um trecho dedicado a essa norma, no qual ele não apenas menciona o vício como também cita a própria medida liminar que suspendeu o dispositivo constitucional que lhe daria suporte. Embora não haja nada a confirmar essa hipótese, acredito que o Ministro tenha liberado um voto escrito corrigido para ser anexado no acórdão. Faria sentido se, ao invés de ter votado pela inconstitucionalidade no voto-vista, ele tivesse optado pela constitucionalidade do art. 19, §3°. Nesse caso, a Min. Cármen Lúcia estaria alertando para a decisão tomada na semana anterior, e ele, tomado de surpresa, teria percebido que seu voto não contemplava o que havia sido decidido, já que fora elaborado dois anos antes. Por isso mesmo, faria sentido que ele “optasse pela inconstitucionalidade”, durante os debates. Porém, como já afirmei, essas considerações são especulações que não podem ser confirmadas pelo acórdão.

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Entretanto, há outros inconvenientes desse instrumento, especificamente

quanto ao tipo de voto elaborado e proferido. Em geral, esses votos apresentam

mais citações doutrinárias e menos referências às posições dos outros ministros. Ao

todo, nosso universo de pesquisa conta com quatro votos-vista no Caso do

PARANAEDUCAÇÃO (ADI 1864/PR) e três no Caso do monopólio dos Correios (ADPF

46). Desses, metade foi identificada por mim como relacional e metade como não-

relacional.

Como não-relacionais, destaca-se o voto do Min. Joaquim Barbosa no Caso

do PARANAEDUCAÇÃO (ADI 1864/PR). Além do grande período de tempo entre a

primeira sessão e a retomada do julgamento, o Ministro ainda passou muito

rapidamente pelo voto do Min. Maurício Corrêa, Relator da ação e único a votar na

primeira assentada. O resultado é uma quase completa ausência de referências ao

voto do Relator durante todo o resto do julgamento. Em outras palavras, o voto-

vista foi responsável por uma profunda ruptura na possível linha de raciocínio do

Plenário, conformando em absoluto as discussões subsequentes, como sustentei em

tópico anterior.

No mesmo caso, ainda é digno de nota o fato de que o grande intervalo entre

o início do julgamento e a decisão final terminou por gerar um constrangimento

para a Corte: como colocar na ementa que a ação não havia sido conhecida em

relação a um dos autores (CNTE), se a jurisprudência daquele momento reconhecia

a sua legitimidade? A publicação do julgado poderia gerar graves equívocos sobre a

posição do Tribunal acerca do tema. A solução encontrada foi ressaltar, na ementa,

a data em que o não-conhecimento da ação foi decidido, de modo a esclarecer que

não se tratava do entendimento predominante por ocasião do fim do julgamento.

Em relação aos votos do Caso do monopólio dos Correios (ADPF 46),

novamente há um voto-vista do Min. Joaquim Barbosa. Dessa vez, porém, ele

apresenta as premissas do voto do Min. Marco Aurélio, embora não faça menção

expressa, para rechaçá-las e adotar a posição do Min. Eros Grau. O estilo do voto,

assim como no Caso do PARANAEDUCAÇÃO (ADI 1864/PR), é bem diferente, com

mais doutrina e maior densidade de conteúdo.

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O voto-vista da Min. Ellen Gracie é muito breve e também retoma

fundamentos do voto do Min. Eros Grau. Assim como o voto do Min. Joaquim

Barbosa, aproxima-se muito mais de um voto não-relacional, totalmente centrado

em si mesmo, do que de um voto dialogado e construído coletivamente.

Essas considerações podem ser plenamente aplicadas ao voto reajustado do

Min. Gilmar Mendes. O Ministro reformulou praticamente todo o voto proferido na

segunda sessão, abandonando uma posição na qual considerava difícil selecionar

atividades que não estariam abrangidas pela exclusividade da União, para dar

interpretação conforme ao dispositivo legal, de modo a excluir do regime de

privilégio tudo o que não fosse “carta”, “cartão-postal”, “correspondência agrupada”

ou “selo”. Esse segundo voto serviu de base para as manifestações dos Ministros

Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, embora não tenha sido suficiente para

manter o Min. Carlos Britto na posição pela procedência parcial.

Portanto, o quarto vício do processo decisório do STF é possibilitar aos

ministros a utilização de um instrumento importante de ruptura e bloqueio de uma

dinâmica de deliberação colegiada, a fim de privilegiar a formação individual da

convicção. Não se exige que os ministros votem despreparados, o que constituiria

até mesmo uma contradição à crítica feita no item anterior, mas deve ser

ressaltada a importância de se ver esse outro aspecto do voto-vista.

3.5. Quinto vício: improdutividade dos debates

O quinto problema a ser apontado em relação ao processo decisório do

Plenário do Supremo Tribunal Federal diz respeito à improdutividade dos debates

que ocorrem nas deliberações colegiadas. Em outras palavras, embora exista um

espaço, por menor que seja, para a deliberação entre os ministros, ele não possui

grande repercussão, na medida em que o dissenso predomina nos debates.

Verifiquei a existência de 34 discussões em 26 debates nos julgados

analisados.72 É interessante notar que a maioria dos resultados terminou em

72 Alguns debates envolveram a discussão de mais de um ponto do julgamento, de tal sorte que o número de “discussões” é maior do que o número de “debates” nas quais elas foram suscitadas.

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consenso, num total de 18, contra 16 dissensos. Os números desse universo

restrito, porém, podem não refletir exatamente a produtividade dos debates no

STF.

Da totalidade de discussões que resultaram em consenso, um número

significativo (11) teve como motivo o esclarecimento de alguma dúvida. A

observação é importante: nos casos de esclarecimento, não há necessariamente

uma contraposição de ideias e argumentos. Não há um choque de visões. Ao

contrário, verifica-se uma maior susceptibilidade daquele que pede o

esclarecimento a se unir à corrente de quem esclarece o voto.

Assim, embora se registre um maior número de consensos, essa

predominância deve ser vista com desconfiança, uma vez que ela, no máximo,

favorece o ministro a abandonar seu estado de dúvida e assumir alguma posição.

Por outro lado, o número de debates originados por “bloqueio”

(contraposição de um ministro) é bem menor (5). Dentre eles, é significativa a

quantidade de disputas originadas por alguém da corrente vencedora. Quatro são

suscitadas por alguém que restou vencedor, enquanto uma é suscitada por um

ministro vencido em parte.

Exemplos podem ser vistos nas intervenções do Min. Sepúlveda Pertence, no

Caso da estabilidade excepcional dos servidores públicos estaduais e municipais

catarinenses (ADI 125), e do Min. Menezes Direito, no Caso do piso salarial dos

professores (ADI 4167). Na primeira, o Ministro Sepúlveda Pertence prontamente

rechaçou as ideias do Min. Carlos Britto, quando este tentou abordar um ponto que

já havia sido rejeitado pelo Ministro em seu voto. Na segunda, o Min. Menezes

Direito conseguiu mostrar para a Min. Cármen Lúcia que o fundamento do voto dele

não eram as consequências financeiras da redução da carga horária dos

professores, mas a invasão de competência estadual pela União.

De outra sorte são as manifestações que resultam em dissenso. Em sua

maioria, elas resultam de “apartes de bloqueio” (12). Dentre eles, há uma divisão

aproximadamente igual entre apartes de ministros que integram a corrente

vencedora e apartes de ministros que integram a corrente vencida. Verifica-se,

assim, que o maior problema não diz respeito à posição a que se filia o ministro

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durante o julgamento, mas à própria ideia de se confrontar um posicionamento

contrário. Assim, se estar na corrente vencedora parece ser importante para se

alcançar o consenso após um debate motivado por bloqueio, o fracasso no

consenso independe de com quem concorde o ministro. Em outras palavras, adotar

uma posição majoritária facilita a obtenção do consenso, mas isso não quer dizer

necessariamente que ele será obtido.

Além disso, das 16 contendas que terminam em dissenso, apenas uma

resulta de um esclarecimento, o que parece corroborar a nossa hipótese de que o

grande número de esclarecimentos infla a quantidade de consensos obtidos em

Plenário.

Alguns exemplos podem ser vistos nos acórdãos analisados. No Caso do piso

salarial dos professores (ADI-MC 4167), o Min. Joaquim Barbosa interpelou o Min.

Ricardo Lewandowski, enquanto este negava a constitucionalidade das obrigações

de integralizar o piso impostas aos entes na forma de frações.

“O Senhor Ministro Joaquim Barbosa (Relator) - Nada impede que o faça

[paguem mais do que as frações impostas].

O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski - Nada impede que o faça, mas,

aqui, é determinante, é cogente: a partir de 1° de janeiro de 2009, o

acréscimo de dois terços será pago, etc.

A Senhora Ministra Cármen Lúcia - Não, será pago pelo menos isso, mas

não apenas isso.

O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski - Mas ele pode querer pagar

menos. Pode distribuir entre esses dois anos.

A Senhora Ministra Cármen Lúcia - Menos é que não pode, para a garantia

dos professores.

O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski - No meu entender, aqui, o

legislador federal ingressou na autonomia financeira dos entes federados.

Quer dizer, até a determinação no sentido que deva ser pago o piso salarial,

até aí, tudo bem, pois isso está em conformidade com o artigo 206, III, da

Constituição Federal, acrescido pela Emenda Constitucional 53. Agora, como

esse valor será pago ao longo desses dois anos, é o Estado e o Município que

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determinará, data venia.” (STF: ADI-MC 4167-3/DF, Rel. Min. Joaquim

Barbosa, j. 17.12.2008, pp. 200-201 do acórdão; pp. 44-45 do arquivo

eletrônico)

A reação do Min. Joaquim Barbosa a essa inflexibilidade foi imediata:

“O Senhor Ministro Joaquim Barbosa (Relator) - Presidente, a proposta

do Ministro Ricardo Lewandowski pode levar a uma incongruência [...]

O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski - Eu estou apenas suspendendo

[o art. 3°, II].

O Senhor Ministro Joaquim Barbosa (Relator) - Nós sabemos que há

Estados em que o professor recebe um salário mínimo ou menos. Isso

significa que, ao suspendermos esse dispositivo, nós estaremos neutralizando

o efeito que a lei procurou produzir imediatamente em relação a esses

Estados.” (STF: ADI-MC 4167-3/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j.

17.12.2008, p. 203 do acórdão; p. 47 do arquivo eletrônico)

No Caso dos Tetos Remuneratórios da Magistratura (ADI-MC 3854), o Min.

Marco Aurélio também evidenciou sua convicção sobre o não cabimento da

interpretação conforme a Constituição:

“O Senhor Ministro Marco Aurélio - Caminhar para a interpretação

conforme da Emenda n° 41/03 é emprestar uma importância muito grande à

interpretação do Conselho Nacional de Justiça. Vou adiante, para dizer que a

emenda, tal como redigida, considerado o inciso XI do artigo 37 da

Constituição Federal, não fixou um subteto para a magistratura.

O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - Mas a interpretação conforme

não pressupõe duas interpretações corretas. Basta que haja outra

interpretação razoável.

O Senhor Ministro Marco Aurélio - Não. Para mim, não é razoável a

interpretação dada pelo Conselho.” (STF: ADI-MC 3854-1/DF, Rel. Min. Cezar

Peluso, j. 28.02.2007, pp. 778-779 do acórdão; pp. 56-57 do arquivo

eletrônico)

Portanto, o quinto vício do processo decisório do STF é a subutilização dos

debates como uma forma de discutir argumentos e contrapor posições. Embora se

verifique a grande importância desses diálogos para realizar esclarecimentos, com

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um alto grau de efetividade, o mesmo não ocorre quando um ministro tenta rebater

a argumentação de outro.

3.6. Sexto vício: ausência de racionalidade comum

O sexto problema que se pode apontar em relação ao processo decisório do

Plenário do Supremo Tribunal Federal diz respeito à fragmentariedade inerente à

decisão, i.e., à ausência de uma racionalidade comum, no sentido de falta de uma

ratio decidendi que possa ser reconhecida no acórdão. Em outras palavras, o

processo decisório do STF facilita que várias questões sejam tratadas pelos

ministros e vários fundamentos sejam trazidos à decisão, sem que se forme uma

voz comum “da Corte”.

Os incentivos dados pelo processo decisório do Plenário do STF para que

cada ministro profira o seu voto independentemente da fundamentação dos votos

anteriormente proferidos não causa problemas apenas para os debates, como

mostrado no item anterior. Ter um voto é uma grande fonte de poder na Corte, o

que aumenta as chances de que o ministro não ceda perante as investidas de

outro. Por outro lado, a possibilidade de conceber uma fundamentação própria faz

com que os ministros não se preocupem em manter a linha de raciocínio dos votos

anteriores.

Essa hipótese, porém, não pode ser cabalmente comprovada pelo universo

de acórdãos da pesquisa. No geral, não houve fundamentos que rivalizassem com

os fundamentos trazidos pelo Relator (ou pelo inaugurador da divergência). Nos

acórdãos menos complexos, como o Caso da estabilidade excepcional dos

servidores públicos estaduais e municipais catarinenses (ADI 125) e o Caso dos

concursos notariais (ADI-REF-MC 4178/GO), não há nem mesmo o acréscimo de

novos fundamentos aos lançados pelo Relator.

De qualquer forma, acredito que os casos mais complexos, que são

justamente aqueles que evidenciam uma disputa em torno do conceito de Estado

que se defende, podem trazer indicações das divergências de fundamentação.

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No Caso PARANAEDUCAÇÃO (ADI 1864), por exemplo, não se tem

claramente uma qualificação para o PARANAEDUCAÇÃO. Cada ministro trata o ente

de uma forma diferente (fundação, serviço autônomo, entidade inominada

intermediária, etc.) ou mesmo se nega a qualificá-la em alguma categoria diferente

do nome trazido pela lei (Min. Cezar Peluso).

O mesmo problema se verifica em relação ao regime jurídico. Para a maioria,

o regime parece ser mais tendente ao público do que ao privado. O Min. Sepúlveda

Pertence chega a comentar que os ministros condenavam por “ser privada uma

instituição que, na verdade, só tem o caráter privado no artigo 1º” (STF: ADI

1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, p. 177 do acórdão; p. 89 do

arquivo eletrônico).

No Caso do monopólio dos Correios (ADPF 46), por sua vez, ressalto mais

uma vez a divergência existente quanto à abrangência do privilégio conferido à

União sobre o setor postal, como já mencionado em diversas ocasiões. Vale a pena

salientar que nem mesmo um voto médio sobre a abrangência da exclusividade

pode ser inferido a partir da decisão, porque vários ministros simplesmente não se

manifestaram sobre o ponto. Essa dificuldade foi ressaltada pelos próprios ministros

quando tentaram resolver o problema do empate formado.

Mesmo que poucos acórdãos apresentem problemas para a identificação das

bases sobre as quais se sustenta a decisão, os votos individuais oferecem

dificuldades por si só. Todo o esforço empreendido no capítulo 2 dessa monografia,

de análise de questões levantadas e argumentos utilizados, decorre da inexistência

dessas informações nos julgados. Significa dizer que qualquer pessoa que se

disponibilize a estudar a jurisprudência do STF precisa buscar as razões principais

das decisões voto por voto. Mais do que isso, ela deverá dissecá-los, compará-los e

compatibilizá-los, a fim de extrair um raciocínio comum a todos.

A complexidade do trabalho é aumentada sobremaneira quando alguns votos

não constam nos acórdãos. Da mesma forma, apartes feitos em outros momentos

podem ser cancelados, gerando lacunas que tornam as pesquisas ainda mais

complicadas.

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Portanto, o sexto vício do processo decisório do STF é a utilização de um

sistema de votos individuais que gera incentivos para que cada ministro profira o

seu voto independentemente da fundamentação dos votos anteriormente

proferidos, o que induz à formação de acórdãos caracterizados pela ausência de

uma racionalidade comum na decisão, para os quais é dificultosa a definição de

qualquer ratio decidendi da Corte. Esse problema aumenta proporcionalmente na

medida em que cresce o grau de vinculação da jurisdição ordinária à jurisprudência

constitucional desenvolvida pelo Supremo Tribunal Federal.

3.7. Sétimo vício: isolamento dos ministros

O sétimo problema que se pode apontar em relação ao processo decisório no

Supremo Tribunal Federal diz respeito ao individualismo que permeia a elaboração

dos votos dos ministros. Em outras palavras, os votos, em sua maioria, ou não

fazem menção a qualquer fundamento contido em outro pronunciamento, ou fazem

menções superficiais, dispensáveis ou meramente elogiosas. Não há qualquer

interação que contribua para uma opinião da Corte.

Esse último e importante vício tem relação com todos os outros. Já

mencionei, no tópico 2.3.1. (Panorama geral do universo de decisões - análise dos

votos), que identifiquei 20 votos não-relacionais (inclusive os sete votos dos

relatores), 19 votos relacionais, 13 votos em debate e 14 votos sem

fundamentação própria. Também é necessário relativizar esses números, afirmando

que grande parte dos votos relacionais servem apenas como reforço de argumentos

já trazidos por quem encabeça a corrente vencedora.

Levando o argumento às últimas consequências, haveria até 53 votos, dos

66 totais, sem qualquer confronto de ideias com os votos anteriores. Isso

evidenciaria um cenário no qual os ministros trabalham sozinhos em seus votos,

aderindo à corrente que mais se afina com suas conclusões na sessão de

julgamento. Em geral, fazem menções específicas a algum fundamento que esteja

em suas decisões, relacionando-o com o voto condutor da corrente em que se

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inserem. Eventualmente, trazem alguma razão mais atraente para os outros

ministros.

No entanto, são poucas as vezes que esses votos conduzem à contraposição

de ideias. São apenas 8 votos desse tipo, contra 45 votos que não seguem essa

lógica (considerando os não-relacionais, os que não possuem fundamentação

própria e os relacionais de reforço).

Em relação aos votos em debates, eles já foram tratados em parte no tópico

relativo ao vício da improdutividade dos debates. Restringindo-se a análise apenas

a eles, verificam-se 9 votos de bloqueio, i. e., que buscam atacar fundamentos do

pronunciamento de outro ministro. Desses, quatro resultam em um consenso, ou

seja, na mudança de posição de pelo menos um ministro, enquanto cinco resultam

na manutenção das posições inicialmente apresentadas.

Portanto, o vício do individualismo, entendido como o processo de construção

individual de votos, sem a formação colegiada de convicção para emitir uma opinião

comum da Corte, liga-se a todos os outros. A falta de uma decisão colegiada

dificulta a busca por uma ratio decidendi comum aos diversos votos (vício da

ausência de racionalidade comum). O individualismo também estimula os ministros

a não rebaterem outros argumentos, por vezes porque ninguém conhecerá melhor

o próprio voto do que o ministro que o elaborou, por vezes porque essas discussões

se mostram infrutíferas (vício da improdutividade dos debates).

Mas não é apenas isso. Se o julgador elabora um voto próprio, ele tende a

não ter condições de tratar de questões levantadas por seus colegas, eximindo-se

de julgá-las (vício da omissão do Plenário). Poderá contornar, em alguma medida,

essa dificuldade, mas para isso terá que interromper o julgamento com um pedido

de vista. O voto-vista segue uma lógica pela qual cada ministro deve ter acesso

individualmente ao processo para formular sua própria convicção (vício da

deturpação do voto-vista). O problema disso é que os magistrados que os escrevem

tendem a ficar tão convictos de suas soluções, que deixam de atentar para o que

dizem seus pares, desconsiderando os pontos suscitados em Plenário.

Não se deve esquecer que o processo decisório do Plenário do STF, em tese,

só abre espaço para o diálogo em duas ocasiões: antes e durante a sessão de

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julgamento (vício da sessão única de julgamento). Antes, seria possível a realização

de reuniões prévias, além de trocas informais de opiniões entre os ministros;

durante, seria possível realizar um primeiro momento de discussões sobre o caso

para então se proceder à tomada dos votos. No entanto, no primeiro caso, os

ministros formulam seus votos individualmente em seus gabinetes com seus

assessores; no segundo, não abrem muito espaço para o diálogo nas sessões de

julgamento.

Como resultado, não há nem uma pré-fixação dos pontos a serem discutidos

no julgamento, nem a vontade de debater todas as questões durante o julgamento,

de tal sorte que cada ministro realça o que lhe aparece como mais importante,

sem, no entanto, fazer qualquer explicação (vício da inconsistência da definição dos

pontos controversos).

Diante disso, só resta um questionamento: é esse o modelo decisório mais

adequado? Ele não deve ser melhorado? Concluo a monografia com algumas ideias

e propostas para o aprimoramento do processo decisório no Supremo Tribunal

Federal.

4. Conclusão

O embrião desta monografia surgiu durante as discussões realizadas durante

todo o ano de 2010 na Escola de Formação da SBDP. Perguntava-me como seria

possível que o Tribunal mais importante do país decidisse seus casos como se

fossem onze juízes monocráticos, cada qual proferindo seu voto sem que houvesse

uma voz comum a todos ou, pelo menos, à posição majoritária. Decidi, então,

buscar empiricamente os problemas práticos causados por um processo decisório

deficiente, a fim de descortinar um cenário que parecia comodamente inexplorado.

Uni-me, dessa forma, aos críticos do modelo vigente no STF, testando muitas

dificuldades por eles ressaltadas.

Escrevo novamente o que esperava encontrar nessa análise: (i) uma grande

dispersão de argumentos, com onze ministros construindo linhas de raciocínio

diferentes; (ii) falta de relação entre os votos proferidos; (iii) falta de clareza

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quanto à definição da “opinião da Corte”, ou seja, de qual fora a decisão tomada

pelo colegiado; (iv) indícios de que os ministros votavam com uma convicção

anteriormente formada, de modo que a sessão não serviria para alterar sua

posição, mas apenas para o pronunciamento de seu voto; (v) ausência de debates

construtivos e de troca de ideias.

Não me espantei, portanto, ao me deparar com resultados como os

apresentados nos tópicos anteriores. A ausência de uma pré-determinação dos

pontos a serem julgados pelo colegiado proporciona o aparecimento de votos que

enveredam caminhos diferentes, sem uma linha condutora que convirja para um

pensamento da Corte. O fato de novas questões serem suscitadas durante o

julgamento demonstra que a possibilidade de que os ministros sejam

surpreendidos, não se aprofundem nos votos dos colegas ou desconsiderem o que

foi dito durante a sessão é uma possibilidade real.

Da mesma forma, a extração de um consenso mínimo de todos os ministros

que integram uma corrente de julgamento só pode ser realizada por meio da

dissecação de todos os votos, que, como demonstrado, não mantêm profundos

laços entre si. A presença constante de votos-vista, especialmente nos casos mais

complexos, também demonstra que os membros do Tribunal preferem formar sua

convicção individualmente, ao invés de debatê-la em Plenário, trazendo votos

prontos e mais eruditos.

Ademais, os debates se mostram pouco produtivos. A formação de consensos

só é alcançada nos momentos em que há uma propensão a isso, ou seja, naquelas

ocasiões em que um ministro só deseja esclarecer uma dúvida acerca do voto do

outro, provavelmente por ter um voto semelhante que diverge apenas em um

aspecto ou outro. Ao contrário, quando os ministros não tratam dos mesmos

pontos, é árdua a tarefa de se obter um consenso sobre o que julgar. Nem se fale

na hipótese de divergências profundas, porque nela o dissenso é esperado, embora

isso também seja fortemente influenciado pelo poder conferido pela possibilidade

de se aportar um voto individual. Apenas para efeitos de comparação e confirmação

da hipótese, e sem qualquer juízo valorativo, na Itália, onde esse aporte é proibido,

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as decisões são tomadas por meio de acordos e concessões de todas os membros

do Tribunal.

Em relação à hipótese de que esses problemas dificultariam a compreensão

da interpretação conforme a Constituição constante no resultado final, somente um

dos sete acórdãos pesquisados corrobora essa tese. É o Caso do monopólio dos

correios (ADPF 46), no qual a ausência de uma definição sobre o conceito de carta

atrapalhou também a interpretação dada ao tipo penal de violação da exclusividade

no serviço postal. Por outro lado, em todos os outros casos não houve qualquer

divergência na interpretação que fundamentou o uso da técnica.

Na pesquisa, identifiquei como vícios mais importantes do processo decisório

da Corte os seguintes:

1) omissão do Plenário: o processo decisório é viciado, porquanto o Plenário é

excessivamente omisso para resolver questões que surgem no decorrer dos

julgamentos, não transmitindo uma mensagem clara para o seu público sobre o que

foi (e não foi) decidido pelo Tribunal;

2) inconsistência na definição dos pontos controversos: não há um critério explícito

que indique o motivo pelo qual certos pontos foram realçados, enquanto outros não

foram abordados pelos ministros, principalmente nas hipóteses nas quais eles

poderiam simplesmente acompanhar o relator, mas preferiram aportar um voto;

3) sessão única de julgamento: o processo decisório é viciado por obrigar a

resolução de todo o processo num único momento, que serve tanto para a

apresentação do caso, como para as deliberações, como, por fim, para o

julgamento final;

4) deturpação do voto-vista: o processo decisório é viciado por permitir a

interrupção das deliberações colegiadas e da sequência de votos nas sessões para

garantir que os ministros possam firmar seu convencimento individualmente;

5) improdutividade dos debates: o processo decisório é viciado por conta do

subaproveitamento das discussões ocorridas em Plenário, não havendo um espaço

verdadeiro de discussão e contraposição de fundamentos;

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6) ausência de uma racionalidade comum: o processo decisório é viciado por

facilitar a dispersão de argumentos e a não formulação de uma única linha de

raciocínio que pode ser apontada como a base da decisão que toma - é uma

somatória de votos individuais que não se comunicam entre si;

7) isolamento dos ministros: o processo decisório é viciado por conferir excessivo

destaque aos votos individuais em vez de reforçar a colegialidade do Tribunal. Os

votos individuais tornam-se instrumentos de força nas mãos dos ministros.

Como é possível resolvê-los? É necessário distinguir dois aspectos: um

estrutural e um comportamental. Vícios como a omissão do Plenário, a deturpação

do voto-vista e a improdutividade dos debates não são apenas o resultado de um

processo decisório estruturado de maneira inadequada. Eles também são muito

influenciados pelo comportamento adotado pelos ministros nas sessões de

julgamento. Nesse sentido, a melhora da Corte nesses aspectos passa

necessariamente pela mudança de mentalidade de seus membros. Por isso, creio

ser louvável a participação do Min. Sepúlveda Pertence no Caso da estabilidade

excepcional dos servidores públicos estaduais e municipais catarinenses (ADI 125)

ou a intensidade com que a Min. Cármen Lúcia pede esclarecimentos sobre as

posições dos colegas.

O outro aspecto, estrutural, pode ser verificado nos outros vícios, como o da

sessão única de julgamento, da ausência de uma racionalidade comum e do

isolamento dos ministros. A correção desses problemas depende mais de alterações

no processo decisório do que de mudanças comportamentais dos julgadores.

Apresento aqui apenas algumas sugestões para o seu aprimoramento, com base

nas experiências de outras Cortes (ver anexo IV) e nos próprios casos analisados.

Em primeiro lugar, acredito ser imprescindível uma modificação na forma

como o procedimento se desenvolve. Outros tribunais possuem pelo menos dois

momentos para o julgamento. Há um específico para a deliberação e outro

específico para que se profira a decisão final. Isso evita que os julgadores se sintam

pressionados a resolver as questões imediatamente, conferindo-lhes tempo para

refletir sobre o caso e, se desejarem, alterarem sua posição.

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No Brasil, por outro lado, não há qualquer ocasião própria para a deliberação.

Como foi dito, tudo deve ser resolvido numa única sessão. Efeito semelhante, no

Brasil, somente é obtido por meio do voto-vista, mas ele não traz as mesmas

vantagens. Primeiro, porque ele serve para que os ministros voltem aos seus

gabinetes e reflitam individualmente sobre a ação. Segundo, porque ele interrompe

justamente o único momento em que a Corte pode deliberar. Em outras palavras,

ele pode romper o diálogo que poderia existir na sessão, como verificado no Caso

do PARANAEDUCAÇÃO (ADI 1864/PR).

Um possível problema da divisão em dois momentos é a violação, por meio

das reuniões prévias, ao princípio da publicidade dos julgamentos, esculpido no art.

93, IX, da Constituição. Outra dificuldade, que constitui um dos principais motivos

de resistência de membros do STF à institucionalização da medida, é o

comprometimento da independência dos julgadores, que já chegariam com um voto

pronto para a sessão de julgamento.

Discordo dessas ideias. É importante ressaltar que os ordenamentos norte-

americano, austríaco, alemão, espanhol e italiano também possuem princípios que

proíbem julgamentos secretos. Isso não impede, porém, que também prevejam

sessões preliminares secretas de discussão das causas. Por outro lado, a

independência para julgar pode ser garantida mesmo com uma decisão comum à

Corte, bastando para isso a adoção de voto em separado nos mesmos moldes dos

Tribunais Constitucionais europeus ou da Suprema Corte norte-americana.

A existência de um período de tempo no qual será elaborada a decisão final

também é uma grande vantagem. Tanto nos EUA como nos países europeus, a

decisão final não é elaborada logo após as deliberações. Ela ainda pode ser

trabalhada, revista e até mesmo rejeitada, iniciando-se uma nova rodada de

opiniões. Além disso, permite-se que os magistrados alterem suas posições, em

geral, até o momento em que o que foi decidido é tornado público.

Essas experiências poderiam ser trazidas para o STF. O resultado não seria

proclamado na mesma assentada. Nesse caso, nomear-se-ia algum ministro para

redigir um esboço da decisão tomada, que poderia ser submetido à apreciação de

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todo o Plenário para ser, por assim dizer, ratificada. A decisão, então, só passaria a

valer depois de confirmada por todos os ministros.

Uma segunda ideia interessante diz respeito à fixação dos pontos da

contenda. Como verificado, o Relator tem grande influência sobre o desenvolver do

julgamento, mas graves consequências podem se originar da falta de um voto que

faça esse papel. É o caso, por exemplo, de dois votos que debatam a fundo apenas

uma premissa, sem ingressar em outras questões que possuem repercussões

práticas, como aconteceu nos votos dos Ministros Marco Aurélio e Eros Grau, no

julgamento do Caso do monopólio dos Correios (ADPF 46-7/DF).

Observando as experiências no exterior e mesmo os elogios feitos à

sistematização do voto do Min. Joaquim Barbosa, por ocasião do Caso do piso

salarial dos professores (ADI-MC 4167), acredito que as questões a serem

debatidas podem ser previamente fixadas e enviadas junto com o Relatório para

todos os ministros. Por quê?

Como visto, os Relatórios são estruturados sempre de uma forma

adversarial. Geralmente, são apresentados os argumentos do autor e seus pedidos.

Por algumas vezes, são expostos também os argumentos da defesa. Todavia, em

nenhum momento se determina exatamente quais os “passos” que a Corte deve

seguir para resolver o caso. Nenhuma das partes está preocupada em fixar os

pontos sobre os quais se assenta a controvérsia, muitas vezes por estratégia

“advocatícia” do autor e da defesa.

Acredito que os debates ganhariam em qualidade a partir do momento em

que um ministro, o Relator ou o Presidente, ou até mesmo o próprio colegiado, em

reunião prévia exclusiva para isso, fixassem pontos sobre os quais todos os

ministros deveriam obrigatoriamente se manifestar, ou seja, pontos essenciais para

a resolução da controvérsia, mesmo que os pronunciamentos se resumissem a uma

mera negação.

Uma terceira ideia pode ser extraída da conjugação do voto do Min. Cezar

Peluso, no Caso dos tetos de remuneração da magistratura (ADI 3854-3/DF), com

as experiências estrangeiras. Trata-se da proposta de que o Relator não traga um

voto pronto, uma solução final, mas um leque de opções, de alternativas, às quais

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os outros ministros poderiam aderir ou não. Na Itália, o Relator é responsável por

examinar os aspectos mais importantes da causa e propor algumas soluções. No

Tribunal austríaco, o Relator apresenta um esboço de decisão sobre o qual a Corte

trabalha. O que proponho, então, é que o Relator, sem prejuízo de optar por uma

ou outra solução, efetivamente traga várias alternativas que, embora diferentes,

mantenham-se dentro de sua linha de raciocínio.

Quais as vantagens disso? Vislumbro pelo menos duas. De um lado, isso

poderia fazer com que mais ministros refletissem sobre as possíveis soluções para o

caso, posto que, no mínimo, eles seriam obrigados a ponderar uma ou outra. A

abertura de um leque de opções poderia, talvez, fomentar o debate na Corte sobre

qual seria a mais conveniente ao caso. Os ministros não discutiriam a partir de dois

votos com linhas de raciocínio por vezes completamente diferentes.

De outro lado, a apresentação de mais de uma solução poderia evitar que

propostas radicalmente diferentes fossem suscitadas. É evidente que essa hipótese

nunca seria completamente eliminada, mas, diante de várias posições, algumas

mais ponderadas que outras, os ministros poderiam se sentir compelidos a dialogar,

em vez de aproveitar o poder de seu voto.

As alternativas decisórias apresentadas, porém, encontram um obstáculo

aparentemente intransponível. Trata-se da grande carga de trabalho do Supremo

Tribunal Federal, que dificulta a adoção de um procedimento que prestigie a

deliberação. Prestigiar as discussões implica necessariamente em maior

necessidade de tempo para se decidir um caso. Essa tensão pode ser verificada no

próprio universo de acórdãos estudado. O Min. Eros Grau, por exemplo, manifesta-

se no seguinte sentido, nos debates do Caso do Monopólio dos Correios (ADPF 46):

“O Senhor Ministro Eros Grau – Observo somente que temos quase mil

processos em pauta e os votos já foram dados. Teríamos que proclamar o

resultado [...].” (STF: ADPF 46-7/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 05.08.2009,

p. 170 do acórdão; p. 151 do documento eletrônico)

Uma reforma do processo decisório do Supremo, então, não pode ser feita

sem qualquer consideração do contexto que o circunda. O que proponho aqui são

ideias, alternativas à luz de problemas que identifiquei no conjunto de casos

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estudado. O objetivo é suscitar questionamentos especificamente sobre esse

aspecto da nossa Corte. Ficarei satisfeito se essa monografia tiver contribuído para

essa discussão no Brasil.

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5. Bibliografia

Doutrina

BALEEIRO, Aliomar, O Supremo Tribunal Federal, esse outro desconhecido, Rio de Janeiro: Forense, 1968.

BAUM, Lawrence, A Suprema Corte Americana, trad. de Élcio Cerqueira, Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987.

SILVA, Virgílio Afonso da, “O STF e o controle de constitucionalidade: deliberação, diálogo e razão pública”, Revista de Direito Administrativo, n. 250, pp. 197-227, jan./abr. 2009.

STRAS, David R. e SPRIGGS, James F., “Explaining Plurality Decisions (March 2, 2010)”, Georgetown Law Journal, Vol. 99, 2011, disponível em: http://ssrn.com/abstract=1562737. Acesso em: 03.06.2010.

Notícias

ALENCAR, Kennedy, STF faz debate prévio sobre denúncia do mensalão, Folha de S. Paulo, 19.08.2007, disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/colunas/brasiliaonline/ult2307u321102.shtml. Acesso em: 04.03.2011.

BASILE, Juliano, Temas polêmicos e sucessão marcam ano do Supremo, Valor Econômico, 01.02.2010, disponível em: http://supremoemdebate.blogspot.com/2010/02/o-stf-em-2010-quais-serao-os-rumos.html. Acesso em: 03.06.2010.

CONSULTOR JURÍDICO, Peluso não vai defender férias de 60 dias em projeto, Revista Consultor Jurídico, 11.03.2010, disponível em: http://www.conjur.com.br/2010-mar-11/peluso-defender-ferias-60-dias-batalha-perdida. Acesso em: 03.06.2010

HAIDAR, Rodrigo, “Se o juiz cuida do futuro, torna o passado instável”, Consultor Jurídico, 20.02.2011, disponível em: http://www.conjur.com.br/2011-fev-20/entrevista-dias-toffoli-ministro-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 04.03.2011.

MACEDO, Fausto,“Nunca atuamos mediante combinação prévia”, O Estado de São Paulo, 24.08.2007, disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=447ASP015. Acesso em: 03.06.2010.

MACEDO, Fausto,“Somos 11 ilhas. Não somos amigos”, O Estado de São Paulo, 24.08.2007, disponível em: http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/71579/2/complemento_1.htm. Acesso em: 03.06.2010.

MENDES, Conrado Hübner, Onze Ilhas, Folha de São Paulo, Tendências e Debates, 01.02.2010, disponível em: http://avaranda.blogspot.com/2010/02/conrado-hubner-mendes.html. Acesso em: 03.06.2010.

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RECONDO, Felipe e GALLUCCI, Mariangela, Telefonema entre Serra e Mendes gera tensão na corte, O Estado de S. Paulo, 01.10.2010, disponível em: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101001/not_imp618141,0.php. Acesso em: 04.03.2011.

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ANEXO I

Tabela dos acórdãos segundo o critério temático

Informações

Ação Assunto Questões importantes Tema

ADC 12 NEPOTISMO Princípios da Administração

Competências do CNJ

Administração Pública

ADI 125 ESTABILIDADE,

SERVIDOR

Servidor Público

Constituição Estadual

Administração Pública

ADI 442 ÍNDICE

MONETÁRIO

Política monetária

Legislação estadual Federalismo

ADI 1194

VERBAS SUCUMBÊNCIA

Liberdade contratual

Liberdade associativa Direitos Individuais

ADI 1642

INDICAÇÃO DE MEMBRO DE

EMPRESA PÚBLICA

Separação entre Executivo e Legislativo

Empresas públicas

Organização de Poderes

ADI 1719 JECrims Irretroatividade da lei penal Direitos Individuais

ADI 2969

TAXA DE RETIRADA DE CERTIDÕES

Imunidade tributária Ordem Tributária

ADI 3188

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DE SERVIDORES

Regime Público de aposentadoria

Contribuição de inativos

Seguridade Social

ADI 3255

NOMEAÇÃO PARA TRIBUNAL DE

CONTAS

Separação entre Legislativo e Executivo

Organização de Poderes

ADI 3652

LIMITES ORÇAMENTÁRIOS

Processo legislativo

Orçamento Orçamento

ADI 3688

NOMEAÇÃO PARA TRIBUNAL DE

CONTAS

Separação entre Legislativo e Executivo

Organização de Poderes

ADI 3694

CUSTAS JUDICIAIS

Taxas

Princípio da anterioridade Ordem Tributária

ADI 3772

APOSENTADORIA ESPECIAL

Aposentadoria especial de professor Seguridade Social

ADI-MC 2139

JUNTAS DE CONCILIAÇÃO NA

JUSTIÇA

Acesso à justiça

Processo trabalhista

Direitos Individuais

Organização de

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ADI-MC 2160

TRABALHISTA Poderes

ADI-MC 3090

ALTERAÇÃO NO SETOR ELÉTRICO

Setor de Energia Elétrica

Medida Provisória Ordem Econômica

ADI-MC 3684

COMPETÊNCIA PENAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO

Separação de poderes

Competência judicial

Organização de Poderes

ADI-MC 3854

TETO REMUNERATÓRIO

DA JUSTIÇA

Teto remuneratório para o funcionalismo público do

Judiciário

Administração Pública

ADI-MC 4140

REGULAÇÃO DE SERVIÇOS PELO TJ

Reserva de lei e processo legislativo

Competências dos poderes

Organização de Poderes

ADI-MC 4167

PISO SALARIAL PARA PROFESSOR

Salário de professores públicos

Competência e Processo legislativo

Federalismo

Administração Pública

ADI-REF-MC 4178

CONCURSO PARA NOTÁRIO

Violação da isonomia e concursos

Administração Pública

Direitos Individuais

ADPF 46 MONOPÓLIO DOS

CORREIOS Serviço público e atividade

econômica Ordem Econômica

ADI 1864 TERCEIRO SETOR

Entidades privadas de assistência educacional

Regime jurídico do terceiro setor

Administração Pública

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ANEXO II

Exemplo de resumo de processo em pauta para julgamento

P 7 - 4.38.1.

Ext 1.119

1. PARTES.

Requerente: Governo da República Tcheca

Extraditado: Ctirad Patrocka ou Ctirada Patocky

RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

2. TEMA.

1. Trata-se de pedido de extradição instrutória e executória formulado pelo Governo da República Tcheca, com promessa de reciprocidade, do seu nacional Ctirad Patocka ou Citirada Patock, em razão de ordem de detenção internacional emitida pelo Tribunal do Bairro de Praga 6, pela suposta prática do delito de incumprimento obrigatório de alimentos, consoante o teor da Nota Verbal n° 695/2009, bem como pela pena aplicada pela Justiça da República Tcheca, decorrente da prática dos crimes de malversação e furto.

2. Decretada a prisão preventiva e interrogado o extraditando apresentou defesa na qual sustenta, em síntese: a) ocorrência da prescrição da pretensão executória, em relação à pena de três anos que lhe foi aplicada pela prática dos crimes de malversação e furto; b) falta de justa causa para procedência do abandono material. c) não preenchimento do requisito da dupla punibilidade, pela (sic) suposto crime de abandono material previsto no artigo 244 do Código Penal brasileiro.

3. O Ministro relator deferiu, em parte, pedido de revogação da prisão preventiva para fins de extradição e determinou que o extraditando fosse submetido a regime de prisão domiciliar, considerando as peculiaridades do caso concreto.

3. PGR.

Pelo indeferimento do pedido de extradição.

4. INFORMAÇÕES.

Processo incluído na pauta de julgamentos publicada no DJE em 13/12/2010.

Tese

EXTRADIÇÃO INSTRUTÓRIA E EXECUTÓRIA. IMPUTAÇÃO DE DELITOS DE INCUMPRIMENTO OBRIGATÓRIO DE ALIMENTOS, MALVERSAÇÃO E FURTO. PRESCRIÇÃO. DUPLA PUNIBILIDADE.

Saber se a extradição preenche os pressupostos e requisitos para o seu deferimento.

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ANEXO III

Descrição dos julgamentos analisados

1) Caso da estabilidade excepcional dos servidores públicos estaduais e municipais catarinenses: ADI 125-6/SC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 09.02.2007.

A ADI foi distribuída em 26.10.1989 para o Min. Celso de Mello, relator da

ação no julgamento da medida cautelar, em 04.05.1990. Onze anos depois, houve

a mudança da atribuição para o Min. Sepúlveda Pertence, responsável pela relatoria

ao tempo do julgamento definitivo da ação, em 2007.73

No caso, o Governador de SC arguiu a inconstitucionalidade dos artigos 6º,

§3º, e 15 do ADCT da Constituição Estadual com base no art. 41 da Constituição

Federal de 1988 e no art. 19 de seu ADCT.74 Basicamente, a controvérsia girou em

torno da divergência entre as duas Constituições sobre o regime de estabilidade

excepcional conferida aos servidores públicos que, por terem sido admitidos antes

da nova ordem constitucional, não ingressaram no serviço de acordo com a

exigência de concurso público.

Segundo o autor da ação, os dispositivos da Constituição catarinense

violariam a Carta de 1988 em pelo menos três pontos: (i) os cinco anos necessários

para que esses servidores adquirissem essa estabilidade excepcional não eram

contados a partir da data de promulgação da CF/88; (ii) estendia-se o benefício

73 A substituição se deu com base no art. 38 do RISTF. No Acompanhamento Processual, verifica-se o seguinte despacho de autoria do Min. Celso de Mello: “A PRESENTE ADIN FOI-ME DISTRIBUÍDA, NA CONDIÇÃO DE RELATOR, EM DATA ANTERIOR À MINHA INVESTIDURA NA PRESIDÊNCIA DESTE TRIBUNAL. TAMBÉM EM DATA ANTERIOR, O PLENÁRIO DESTA CORTE JULGOU O PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR ENTÃO FORMULADO. DESSE MODO, E SALVO MELHOR JUÍZO, A RELATORIA DA PRESENTE CAUSA DEVE CABER, AGORA, AO EMINENTE MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE, POR SUCESSÃO REGIMENTAL. SENDO ASSIM, ENCAMINHE-SE O PRESENTE EXPEDIENTE AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO-PRESIDENTE, COM A PROPOSTA DE QUE SEJAM REDISTRIBUÍDOS, AO SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE, OS AUTOS DA ADI 125-SC, TRANSMITINDO-SE, À ILUSTRE PRESIDENTE DO TRT/12ª REGIÃO (SANTA CATARINA), O TEOR DESTE DESPACHO”. 74 Dispõem o artigo 41 da Constituição e o artigo 19, caput, do ADCT: “Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público”; “Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público”.

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para aqueles que atingiam os cinco anos de forma alternada; (iii) estendia-se o

benefício para funcionários temporários.

O Min. Sepúlveda Pertence, em seu voto, fez um raciocínio simples: a

Constituição Estadual não poderia alargar o regime de estabilidade excepcional

estabelecido na Constituição Federal, principalmente porque se trataria de uma

exceção que deveria ser interpretada restritivamente. Assim, todos os requisitos

que apareciam em acréscimo àqueles fixados pela Carta Magna foram declarados

inconstitucionais.

Como resultado, o Ministro Relator Sepúlveda Pertence não conheceu de

parte da ação, no ponto em que se refere ao papel dos Municípios na fixação do

regime de estabilidade, uma vez que ele havia sido objeto da ADI 208, Rel. Min.

Moreira Alves, julgada improcedente. A seguir, declarou a inconstitucionalidade da

expressão “inclusive os admitidos em caráter transitório”, presente no caput do art.

6º, porque a Constituição Federal não admitiria essa hipótese. Também declarou a

inconstitucionalidade da expressão “ou que, admitido em data anterior à instalação

da constituinte, vier a preencher”, presente no art. 6º, §3º, porque não seria

permitida a aquisição da estabilidade em data futura. Por fim, declarou a

inconstitucionalidade integral do art. 15.

Logo após o voto, a Min. Cármen Lúcia iniciou sua participação com um

pedido de esclarecimento ao Relator. Perguntou se a redação do art. 6º, caput,

seria mesmo a remanescente, após o voto do Relator. Chamou atenção para a

parte em que se dispôs “em exercício na data da promulgação da Constituição há

pelo menos cinco anos”. A qual Constituição o dispositivo se referiria, à Federal ou

à Estadual? A Ministra alertou que, com o resultado do voto do Min. Sepúlveda

Pertence, o artigo se manteria incólume nessa parte, mas poderia ser

inconstitucional se interpretado no sentido de ser a Constituição Estadual.

Após essa observação, o Min. Sepúlveda Pertence suscitou a proposta de se

fazer uma interpretação conforme, a fim de se estabelecer que a Constituição a que

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se referia o art. 6º, caput, era a Constituição Federal.75 Com esse acréscimo, a Min.

Cármen Lúcia seguiu integralmente o Relator.

O último voto disponível no acórdão é o do Min. Carlos Britto. Ele seguiu o

Relator, acrescentando apenas uma observação sobre a situação dos Municípios nos

dispositivos impugnados, parte não conhecida da ação. Essa consideração foi

prontamente rechaçada pelo Min. Sepúlveda Pertence, que afirmou já ter sido ela

objeto de julgamento na ADI 208.

O Min. Carlos Britto prosseguiu, inconformado com o fato de que a

Constituição Estadual não deu margem para que as Leis Orgânicas determinassem

o regime de estabilidade dos servidores públicos. Em resposta, o Min. Sepúlveda

Pertence afirmou que eram considerações ociosas, e que a questão a ser tratada

era apenas dos pressupostos de estabilidade excepcional.

Como resultado final, o Plenário aderiu unanimemente ao voto do Relator,

com o acréscimo da interpretação conforme ao art. 6º, caput. Nenhuma outra

manifestação além das três mencionadas pode ser vista no acórdão.

2) O Caso dos tetos de remuneração da magistratura: ADI-MC 3854-1/DF,

Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007.

A ação foi distribuída em 07.02.2007 para o Min. Cezar Peluso. O julgamento

da medida cautelar aconteceu no mesmo mês, em 28.02.2007. Ressalte-se, por

oportuno, que nessa ação o Relator atual é o Min. Gilmar Mendes, por sucessão

regimental, após a escolha do Min. Cezar Peluso para a Presidência da Corte.

O Min. Cezar Peluso afirmou que, num juízo sumário, haveria violação do

princípio da igualdade na diferenciação dos tetos remuneratórios (fumus boni iuris).

O raciocínio foi simples e se baseou em dois argumentos principais. Em primeiro

lugar, o Poder Judiciário se organizaria numa estrutura unitária, diferentemente do

75 O diálogo entre os dois ministros termina da seguinte forma: “O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Não tenho nada a objetar a que se explicite a restrição, como interpretação conforme. A Senhora Ministra Cármen Lúcia: Isso. Então, eu gostaria que ficasse como sendo interpretação conforme, quando se trata da Constituição, o que significa quem tivesse quatro anos na data da promulgação desta Constituição.” (STF: ADI 125-6/SC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 09.02.2007, p. 14 do acórdão; p. 14 do arquivo eletrônico).

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Legislativo ou do Executivo. Não haveria qualquer possibilidade de diferenciação do

regime jurídico dos juízes com base nos entes da Federação e na distinção entre

magistratura estadual e federal.

Para ele, em segundo lugar, o art. 93, V, da Constituição Federal,

determinaria que toda a magistratura estaria sujeita a um limite remuneratório no

valor dos vencimentos dos ministros dos tribunais superiores (escalonamento

vertical dos vencimentos).76 Tratar-se-ia de um subteto que se refereria aos

vencimentos dos juízes, à parte substancial do que ganham, não à remuneração

total, que englobaria vantagens. Sustentou que com a fixação, no art. 37, XI, de

tetos diferentes para a Justiça Federal e para a Justiça Estadual, a Emenda estaria

permitindo que os juízes federais pudessem ultrapassar esse subteto com

vantagens, enquanto impediria o mesmo para os juízes estaduais, cuja

remuneração global estaria adstrita à remuneração dos Desembargadores.

A argumentação do Min. Cezar Peluso, além de se basear nesses dois pilares

centrais, também realçou os problemas que essa diferenciação poderia gerar para o

prestígio da carreira estadual e afastou a ideia de que, para haver igualdade, todos

os magistrados deveriam ganhar igualmente, porque isso dependeria das condições

reais de cada Estado e da posição do juiz na carreira.

Em relação ao periculum in mora, existiria na medida em que os Tribunais já

começavam a estabelecer os tetos e subtetos remuneratórios com base na nova

disposição.

Como resultado, o Relator acolheu o pedido alternativo da autora no sentido

de conferir interpretação conforme ao art. 37, XI, na redação dada pela EC n.

76 Dispõe o art. 93, V, da Constituição, em sua redação atual, modificada pela EC n. 19/98: “Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: (...) V - o subsídio dos Ministros dos Tribunais Superiores corresponderá a noventa e cinco por cento do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal e os subsídios dos demais magistrados serão fixados em lei e escalonados, em nível federal e estadual, conforme as respectivas categorias da estrutura judiciária nacional, não podendo a diferença entre uma e outra ser superior a dez por cento ou inferior a cinco por cento, nem exceder a noventa e cinco por cento do subsídio mensal dos Ministros dos Tribunais Superiores, obedecido, em qualquer caso, o disposto nos arts. 37, XI, e 39, § 4º”.

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41/03, e também ao art. 37, §12º, introduzido pela EC n. 47/05, para excluir a

submissão da magistratura estadual a um subteto diferente.77

Em seguida, votaram a Min. Cármen Lúcia e o Min. Ricardo Lewandowski.

Eles acompanharam o Relator e fizeram somente pequenas observações sobre a

impossibilidade de se tratarem os juízes a partir de fatores de discriminação

arbitrários.

A ser destacado, ambos enfatizaram o caráter nacional do Poder Judiciário e,

assim como o Min. Cezar Peluso, procuraram afastar precedente invocado pelo

Procurador Geral da República, no qual o STF decidiu que a desigualdade era

possível para o Ministério Público. A Min. Cármen Lúcia afirmou que não seria

incoerente afastar esse julgado, porque o Judiciário seria um Poder de caráter

unitário e nacional, enquanto o Ministério Público seria uma instituição permanente.

Após os dois votos, houve um momento de debates no Plenário. O Min.

Sepúlveda Pertence desejava que o Relator esclarecesse se seria possível o

tratamento das vantagens de forma diferente entre as Justiças Federal e Estaduais.

O Min. Cezar Peluso respondeu que não, e que a diferenciação entre vantagens

existiria apenas porque a estrutura das Justiças Federal e Estadual era diferente.

O Min. Sepúlveda Pertence perguntou, então, se essas vantagens seriam

individuais, porque elas não seriam mais admitidas no regime de subsídios, no qual

existia apenas uma parcela única, sem mais acréscimos. O Min. Cezar Peluso

respondeu que não, que seriam vantagens que alguns magistrados poderiam ter e

outros não, mas que seriam as mesmas para todo o Judiciário e estariam

disciplinadas na Resolução n. 13 do CNJ. Também concordou com o exemplo dado

por seu interlocutor, sobre parcelas de indenizações.

77 Dispõe o art. 37, §12°, da Constituição: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) § 12. Para os fins do disposto no inciso XI do caput deste artigo, fica facultado aos Estados e ao Distrito Federal fixar, em seu âmbito, mediante emenda às respectivas Constituições e Lei Or gânica, como limite único, o subsídio mensal dos Desembargadores do respectivo Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, não se aplicando o disposto neste parágrafo aos subsídios dos Deputados Estaduais e Distritais e dos Vereadores.”.

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O voto subsequente, do Min. Eros Grau, seguiu a mesma estrutura dos votos

dos ministros que acompanharam o Relator, reafirmando a ideia de que o Poder

Judiciário seria unitário e de que todos os magistrados teriam as mesmas garantias.

O julgamento ficou mais acirrado a partir do voto do Min. Joaquim Barbosa.

Ele abriu a divergência, indeferindo a medida cautelar por considerar que não havia

periculum in mora. Segundo o Ministro, a emenda já estaria em vigor por quatro

anos, afastando esse requisito. Ademais, o próprio controle de constitucionalidade

de emendas constitucionais exigiria certo cuidado nessa fase do processo.

Iniciando seu voto, o Min. Carlos Britto afirmou que tinha dificuldades para

aderir a uma das duas correntes. Perguntou se a EC n. 19/98 haveria de ser

inconstitucional ao estabelecer o escalonamento vertical “na Justiça Federal”. Em

resposta, o Min. Cezar Peluso afirmou que não havia nenhuma impugnação em

relação à EC n. 19/98.

O Min. Carlos Britto, contudo, prosseguiu seu raciocínio. Segundo ele, a

emenda foi responsável por tornar os subsídios dos ministros do STF inalcançáveis

pelos subsídios da magistratura. Antes, na redação original, havia apenas uma

proibição de excesso: os vencimentos não poderiam ultrapassar os valores pagos

aos ministros do STF.

O debate se aprofundou a partir da participação do Min. Marco Aurélio, que

ressaltou a diferença entre “escalonamento de subsídios” e “teto de remuneração”.

Pelo que se pode inferir do que o Min. Carlos Britto falou sobre a EC. 19/98 na

continuação, ele aparentemente trouxe a questão para afirmar que os subsídios

pagos aos membros da Corte haviam se tornado inalcançáveis desde então.

Avançando para a EC n. 41/03, afirmou que ela havia retomado o tema dos

limites para dispor de forma diferente entre as Justiças Federal e Estaduais.

Questionou, então, se haveria alguma violação de cláusula pétrea nessa assimetria

federativa.78 Por outro lado, considerou que seria da “ordem natural das coisas” que

78 Nessa fase do debate, destaco a participação do Min. Marco Aurélio, que expôs a sua posição de que não haveria violação quanto ao tratamento assimétrico dos subsídios. O problema seria o tratamento assimétrico de limites remuneratórios. Para salvar a constitucionalidade do artigo, o Ministro, então, lia o dispositivo como aplicável apenas aos servidores das Justiças e não quanto aos magistrados, que estariam submetidos a um teto remuneratório único.

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os vencimentos dos ministros do STF fossem inalcançáveis. Essa ideia

fundamentaria a redução do teto da Justiça Federal aos 95% cabíveis a ela.79

Analisando essa solução, porém, creio que ela faria uma combinação

claramente indevida entre teto remuneratório (global) e limite de subsídio. Talvez a

parte do debate que seja mais representativa da confusão que imperava sobre a

diferença entre os dois seja a discussão imediatamente seguinte à manifestação do

Min. Carlos Britto:

“O Senhor Ministro Carlos Britto – A Justiça Federal tem de ficar em 95%

[dos subsídios dos ministros do Supremo Tribunal Federal]

O Senhor Ministro Cezar Peluso (Relator) – Não, Ministro, esse é engano

seu, porque, pela diferença estabelecida pela Emenda nº 41, os membros da

Justiça Federal podem, com vantagens acrescíveis aos subsídios, chegar até o

limite do subsídio dos ministros do Supremo.

O Senhor Ministro Carlos Britto – Excelência, o que está dito aqui [art. 93,

V, da Constituição] é que esse subsídio dos ministros dos Tribunais Superiores

corresponderá a 95%.

O Senhor Ministro Cezar Peluso (Relator) – Mas aqui não é subsídio,

Ministro, é remuneração.

O Senhor Ministro Marco Aurélio – Estamos a falar de teto.

O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence – Essa foi a minha inicial

perplexidade a qual o Ministro Cezar Peluso esclareceu: só há duas hipóteses

de que todo este furdunço – com a licença de Vossa Excelência, Ministro Britto,

pela bela palavra – será relevante. Uma foi a situação enfrentada no Mandado

de Segurança 24875 (Djaci Falcão e outros) em que havia vantagem pessoal

não atingida por aquela fixação provisória do que seria considerado subsídio até

que viesse a lei, porque atingia – segundo a maioria que se formou – a garantia

da irredutibilidade de vencimento. Outra, são aquelas parcelas – as chamadas

79 O voto do Min. Carlos Britto é de difícil compreensão. Parece-me que o Ministro pretendia aplicar o art. 93, V, para reduzir o teto da Justiça Federal ao limite ali fixado (95% dos vencimentos dos ministros do STF). Essa ideia parece ser corroborada por sua dificuldade inicial em aderir a qualquer uma das posições apresentadas anteriormente, haja vista que o Min. Cezar Peluso não alterou o teto da Justiça Federal, mas apenas excluiu o subteto da magistratura estadual, enquanto o Min. Joaquim Barbosa indeferiu a cautelar. Outra hipótese é de que o Ministro estivesse tratando o teto dos subsídios dos ministros dos tribunais superiores (95% dos vencimentos dos ministros do STF) como se fosse o teto dos subsídios dos magistrados (95% dos subsídios dos ministros de tribunais superiores).

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“indenizações” e coisas que o valham – que se têm considerado alheias à

parcela única do subsídio.” (STF: ADI-MC 3854-1/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j.

28.02.2007, pp. 759-760 do acórdão; pp. 37-38 do arquivo eletrônico)

Em seguida, o Min. Cezar Peluso procurou esclarecer o ponto central da

discussão: “O que se discute aqui, Ministro, é a função dos subsídios dos ministros

do Supremo como teto de remuneração, não como teto de subsídio” (STF: ADI-MC

3854-1/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007, p. 761 do acórdão; p. 39 do

arquivo eletrônico).

Após todas as intervenções, o Min. Carlos Britto subitamente apresentou

suas duas conclusões: (i) o STF deveria ser a referência para a fixação de um teto

remuneratório; (ii) se o Judiciário era nacional, em observância ao princípio

federativo, não faria sentido distinguir os tetos das Justiças Estadual e Federal.

Como resultado, o Min. Carlos Britto acompanhou o Relator “nos termos da

primeira opção do Min. Cezar Peluso”. É um final curioso para o voto, uma vez que

não havia sido cogitada uma outra opção até então. Há duas possibilidades para

isso: ou o Min. Cezar Peluso fez alguma outra intervenção que não consta do

acórdão, ou o voto do Min. Carlos Britto foi proferido após os esclarecimentos

pedidos pelo Min. Gilmar Mendes, embora, no acórdão, esteja formalmente antes

da manifestação do colega. Em outras palavras, a organização do documento não

estaria respeitando uma ordem cronológica de participações.

A manifestação subsequente, do Min. Gilmar Mendes, foi formada por

debates sobre as conclusões do voto do Relator, como se pode verificar logo no

início de seu voto:

“O Senhor Ministro Gilmar Mendes – Senhora Presidente, eu faria

inicialmente uma pergunta ao eminente Relator. Ministro Cezar Peluso, por

favor, em relação a sua conclusão, não entendi.

O Senhor Ministro Cezar Peluso (Relator) – Em relação ao art. 37, XI,

abro alternativas; mas não me prendo a nenhuma delas, porque o resultado

prático, para mim, é o mesmo, em ambos.

O Senhor Ministro Marco Aurélio – A interpretação primeira do próprio

Conselho.

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O Senhor Ministro Cezar Peluso (Relator) – Parto do seguinte

pressuposto: para quem vê, no art. 37, XI, um texto com várias normas,

destacaria a que estabelece a diferença de teto remuneratório, a qual

consideraria inconstitucional. Para quem acha que ali não há várias normas,

mas uma só, com múltiplas hipóteses, eu adotaria a “interpretação conforme”

para dispor que não abrange o teto remuneratório da magistratura estadual.”

(STF: ADI-MC 3854-1/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007, p. 765 do acórdão;

43 do arquivo eletrônico)

Em seguida, houve uma discussão sobre a própria opção de decisão pelo

Tribunal:

“O Senhor Ministro Cezar Peluso (Relator) – [...] Então,

dogmaticamente, é indiferente para mim a disposição do acórdão.

O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence – Eu já me manifesto, com maior

simpatia, pela fórmula da interpretação conforme. Porque, a meu ver, na

verdade, o artigo 93, V, resolve o problema de toda a magistratura nacional,

em termos de subsídio.

O Senhor Ministro Cezar Peluso (Relator) – Eu adiro.” (STF: ADI-MC 3854-

1/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007, p. 766 do acórdão; p. 44 do arquivo

eletrônico)

Os esclarecimentos, aliás, poderiam levar ao entendimento de que o Min.

Carlos Britto acompanhou o Relator para julgar a inconstitucionalidade do teto

remuneratório, uma vez que essa é a “primeira opção”. Contudo, não me é possível

fazer uma afirmação categórica, pois seu voto precedeu, na ordem do acórdão, tais

esclarecimentos.

De qualquer forma, com a adoção da interpretação conforme a Constituição,

o subteto impugnado do art. 37, XI, passaria a ser aplicado apenas aos servidores

públicos da Justiça Estadual, deixando de incidir sobre a magistratura estadual.

Esta ficaria submetida apenas ao limite de vencimentos do art. 93, V.

Prosseguindo em seu voto, o Min. Gilmar Mendes ressaltou uma segunda

preocupação: a definição sobre as vantagens tratadas pelo Relator. Ressaltou que,

no regime de subsídios únicos, elas não poderiam ser permanentes.

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O Min. Sepúlveda Pertence compartilhou dessa inquietação e afirmou ser

muito importante deixar isso explícito. Em resposta, o Relator afirmou que não

discutira as parcelas que formariam as vantagens, ao que o Min. Sepúlveda

Pertence retrucou com uma frase de Talleyrand (em minha tradução livre): “se vai

bem sem dizer, vai ainda melhor dizendo”.

Em seguida, o Min. Gilmar Mendes ainda fez uma terceira ordem de

considerações, dessa vez sobre o controle de constitucionalidade de emendas

constitucionais. Trouxe ponderações no mesmo sentido das realizadas pelo Min.

Joaquim Barbosa, sobre a cautela com que o STF deveria proceder no exame de

emendas, especialmente em sede cautelar. Ele afirmou que gostaria de fazer

diretamente o julgamento definitivo, mas deixava essa consternação como obter

dictum, pois, diante da gravidade do caso, ela seria superável.

Por fim, afirmou que a inconstitucionalidade seria flagrante, não apenas pela

violação da isonomia, mas também por afetar o princípio federativo, pois haveria

uma quebra de unidade de um Poder nacional. Aproveitou a oportunidade para

agregar, ao voto do Relator, elementos teóricos sobre o controle de emendas.

Assim, seria um caso de violação às cláusulas pétreas (art. 60, § 4º) não apenas

por causa do princípio da isonomia, mas porque a estrutura nacional do Poder

Judiciário faria parte de nosso sistema federativo. Como resultado, acompanhou a

opção pela interpretação conforme a Constituição, por ser uma forma menos

traumática de resolução do caso.

O Min. Marco Aurélio se manifestou a seguir a favor de uma terceira solução:

pela constitucionalidade da Emenda n. 41/03 e pela suspensão das Resoluções do

CNJ. Como adiantado nos debates, a leitura que o Ministro fazia do dispositivo já

excluía de antemão os magistrados. Assim, não haveria nem mesmo a necessidade

de interpretação conforme a Constituição. Errada estaria a leitura sem razoabilidade

da Constituição que o CNJ teria feito.

São muito interessantes os apartes feitos pelo Min. Sepúlveda Pertence, ao

afirmar estar quase aderindo à opção do Min. Marco Aurélio. Porém, para ele, como

ainda existiria uma dúvida razoável, seria mais recomendável optar pela

interpretação conforme a Constituição.

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O início do voto do Min. Sepúlveda Pertence, aliás, pode revelar algum

problema no modo como o STF julga os casos. O Ministro faz a seguinte

observação:

“O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - Sra. Presidente, ao contrário

dos colegas mais modernos que se podem dar a delícia de já trazer o voto

escrito à luz do material recebido, eu, rigorosamente, fui surpreendido com a

colocação em mesa deste problema. Acabei sendo surpreendido, de novo,

com a leitura que, no seu primoroso voto, o Ministro Cezar Peluso me honrou

do trecho pertinente à questão de hoje, extraído do meu voto na ADIMC nº

2.087. Surpreendi-me que, de certo modo, já tivesse prejulgado esta questão

particularmente num dos aspectos a que hoje deu nova riqueza ao voto do

Ministro Peluso e de outros que o acompanharam: o da incompatibilidade

entre uma leitura isolada do art. 37, XI, no ponto questionado, com o art. 93,

V, que, a meu ver, como enfatizei naquele precedente (ADIMC nº 2.087),

explicita, sob o prisma específico da remuneração, o princípio basilar de nossa

organização federativa, que é a unidade e o caráter nacional do Poder

Judiciário, como tem sido enfatizado, desde observação pioneira de João

Mendes, não apenas pelo plantel de notáveis juristas paulistas recordados

pelo Ministro Celso de Mello, mas por numerosos publicistas de outras regiões

brasileiras.” (STF: ADI-MC 3854-1/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007, p. 780

do acórdão; p. 58 do arquivo eletrônico)

Como contribuição, anexou para fins de documentação o voto proferido na

ADI-MC 2.087. Também acompanhou o Relator pela interpretação conforme a

Constituição.

Por fim, o último voto foi o da Ministra Ellen Gracie. Ela trouxe uma

contribuição pessoal por ter sido Presidente do CNJ: afirmou que a resolução

impugnada efetivamente resultou de uma leitura errada do julgamento que tratara

da mesma questão, mas no âmbito do Ministério Público.

Uma passagem interessante do voto da Ministra é a sua preocupação com o

resultado final que iria proclamar como Presidente: “Então, com essas

considerações, também acompanho o voto do eminente relator a quem solicito que

supervisione a proclamação para que não haja qualquer reparo posterior a ser

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feito” (STF: ADI-MC 3854-1/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007, p. 783 do

acórdão; p. 61 do arquivo eletrônico).

O resultado final do julgamento da cautelar teve como placar ampla maioria

pelo voto do Relator (oito ministros), inclusive pela interpretação conforme a

Constituição, com exceção do Min. Joaquim Barbosa, que indeferia a liminar, e do

Min. Marco Aurélio, que a deferia apenas em relação às Resoluções do CNJ.

3) Caso PARANAEDUCAÇÃO: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007.

A ação foi distribuída para o Ministro Maurício Corrêa em 03.08.1998. O

Relator aplicou o regime do art. 12 da Lei n. 9.868/99, que possibilita o julgamento

direto de mérito, sem necessidade de decisão sobre a cautelar. A primeira sessão

ocorreu em 12.04.2004.

O Min. Maurício Corrêa iniciou seu voto tratando a legitimidade processual da

CNTE. Decidiu pela ilegitimidade ativa, por não ser integrada por federações. Não

conheceu da ação nessa parte, no que foi acompanhado pelos demais ministros.

Analisando o mérito, seu raciocínio se baseou nos seguintes argumentos: (i)

a lei instituíra uma entidade de serviço social autônomo; (ii) entes de serviço social

seriam entes de direito privado que colaborariam com o Poder Público, ou seja,

seriam entes paraestatais que não integrariam nem a Administração direta nem a

indireta;80 (iii) o objetivo do PARANAEDUCAÇÃO seria ajudar a gestão do serviço

educacional no Estado do Paraná, não controlar as diretrizes ou os recursos

destinados ao serviço; (iv) a educação não seria um serviço indelegável; (v) a

entidade não seria totalmente desvinculada da Administração Pública, possuindo

até mesmo agentes públicos em sua composição; (vi) o regime jurídico, tanto de

80 A definição dada pelo Relator, com base na doutrina de Hely Lopes Meirelles e Maria Sylvia Zanella di Pietro, foi a seguinte: “os serviços sociais autônomos são entes paraestatais cujo objetivo é promover a cooperação com o Poder Público no desempenho de suas atribuições. Com personalidade de direito privado, prestam assistência ao Estado e são mantidas por meio de dotações orçamentárias ou contribuições parafiscais. Estão sujeitos à prestação de contas dos recursos públicos que recebem para sua manutenção, sendo que seus servidores, sujeitos ao regime privado de emprego, equiparam-se aos funcionários públicos exclusivamente para fins de responsabilidade criminal por delitos funcionais” (STF: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, p. 101 do acórdão; p. 13 do arquivo eletrônico).

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licitação como de contratação de pessoal, subordinar-se-ia à lei que institui a

entidade, não sendo regime de direito público.

Como resultado, além do conhecimento parcial da ação, o Min. Maurício

Corrêa declarou a improcedência total do pedido.

Em seguida, o Min. Marco Aurélio acompanhou o voto quanto à preliminar.

Embora não conste no acórdão, é provável que o Min. Joaquim Barbosa tenha se

pronunciado depois, pedindo vista dos autos.81

Seguiram-se debates, nos quais o Min. Marco Aurélio afirmou compartilhar a

preocupação do colega sobre a existência de uma pessoa de direito privado na

Administração. Curiosamente, ele expôs o seu raciocínio sob a seguinte

justificativa: “já tinha formado convencimento a respeito e fatalmente não me

lembrarei mais dos parâmetros, em si, da controvérsia, quando vier à balha o

processo. Por isso, quis adiantar, para deixar, em notas taquigráficas, meu ponto

de vista sobre a inconstitucionalidade da lei” (STF: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício

Corrêa, j. 08.08.2007, p. 118 do acórdão; p. 30 do arquivo eletrônico).

Os debates prosseguiram com a participação do Min. Maurício Corrêa. Ele

trouxe o exemplo do Hospital Sara Kubitschek como uma mudança que deu certo,

de sorte que esse modelo atenderia à dinâmica do mundo moderno. Os Ministros

Marco Aurélio e Joaquim Barbosa se mostraram contra essa posição.

O Min. Carlos Britto questionou se entidades sociais poderiam atuar fora da

seguridade social (saúde, previdência social e assistência social). Dessa vez, os

Ministros Gilmar Mendes e Cezar Peluso rebateram o colega, questionando-o sobre

qual o princípio que proibiria essa extensão. Vale mencionar que o Min. Carlos

Britto lançou algumas perguntas para que Min. Joaquim Barbosa respondesse no

voto-vista:

“O Senhor Ministro Carlos Britto – Ao levantar a questão, já sugiro ao

eminente Ministro Joaquim Barbosa que leve em conta esta pergunta: se 81 É o que se depreende do seguinte trecho: “O Senhor Ministro Marco Aurélio – Presidente, a preocupação do Ministro Joaquim Barbosa é a minha, porque, na verdade, verificamos, pelo texto da lei, que há uma mesclagem, uma integração de uma pessoa jurídica de direito privado na Administração Pública.” (STF: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, p. 117 do acórdão; p. 29 do arquivo eletrônico).

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possível – à luz da Constituição – o Estado criar um ente privado de serviço

social para transferir a ele...” (p.122 do acórdão; p. 33 do arquivo eletrônico)

“O Senhor Ministro Carlos Britto – Sim, mas a lei pode criar algo

[entidades] fora [da Administração Pública]; aliás, essa é outra pergunta.”

(STF: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, p.122 do acórdão; p.

33 do arquivo eletrônico)

O debate terminou com uma discussão sobre o caráter dessas entidades, se

seriam endógenas ou exógenas à Administração Pública. Pela primeira posição,

afirmando que os parâmetros seriam dados pela lei, estiveram os Ministros Maurício

Corrêa e Gilmar Mendes; pela segunda posição, ressaltando o caráter privado do

ente, estiveram os Ministros Carlos Britto e Joaquim Barbosa.82

O voto-vista foi apresentado em 08.08.2007, ou seja, três anos depois do

começo do julgamento.83 O Min. Joaquim Barbosa introduziu seu voto com um

detalhado relatório do caso. Em seguida, ressaltou que os novos modelos de

Administração não poderiam significar o abandono dos princípios de direito

administrativo. Essa seria a tônica de sua participação, na qual ele admitiu o

modelo criado pela lei, mas com restrições.

Assim, o Ministro fez duas questões que deveriam nortear o julgamento: (i)

qual a natureza dos serviços sociais autônomos? (ii) é possível instituir uma

entidade desse tipo para gerir a educação?

Respondendo à primeira pergunta citou passagens doutrinárias de Diogo de

Figueiredo Moreira Neto, Hely Lopes Meirelles e Maria Sylvia Zanella di Pietro, assim

como o Min. Maurício Corrêa fizera em seu voto. Em geral, os serviços sociais

82 Essa parte da discussão aumenta a dúvida sobre o voto do Min. Maurício Corrêa, dificultando a compreensão de qual seja a sua posição sobre o PARANAEDUCAÇÃO em relação à Administração Pública. Isso porque em diversas passagens, até mesmo frisado no voto, a lei foi considerada constitucional porque o PARANAEDUCAÇÃO seria um ente fora da Administração Pública, embora vinculado a ela por controle finalístico. Não integraria nem a Administração direta nem a indireta. Nesse caso, como o Min. Maurício Corrêa poderia se contrapor à ideia de que se trata de um ente exógeno? Essa questão, como bem salienta o Min. Gilmar Mendes, ficou suspensa para ser mais bem analisada por ocasião do voto-vista. 83 Um detalhe a ser realçado, à luz do art. 38, é a alteração do relator da ação, por conta da aposentadoria do Min. Maurício Corrêa. O Relator passa a ser o Ministro Eros Grau, por sucessão, segundo hipótese do art. 38, IV, a, do RISTF: “Art. 38. O Relator é substituído: IV – em caso de aposentadoria, renúncia ou morte: a) pelo Ministro nomeado para a sua vaga;”.

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caracterizar-se-iam como entes paraestatais de direito privado, financiados por

contribuições parafiscais e responsáveis por uma tarefa de fomento.84

Em relação à segunda pergunta, afirmou que o PARANAEDUCAÇÃO não

substituiria o Estado em seu dever de prestar educação, já que apenas o auxiliaria

na gestão do serviço. Por outro lado, a Constituição não vedaria esse modelo de

atuação para a área educacional, pois exigiria a colaboração da sociedade com o

Estado.

O Min. Joaquim Barbosa também considerou que a regra de licitação não se

estenderia a esses entes, que se regeriam segundo o regime instituído em lei para

eles. O mesmo se aplicaria ao regime de contratação de pessoal.

Por outro lado, em acréscimo ao voto do Min. Maurício Corrêa, o Ministro fez

dois reparos à lei. Em primeiro lugar, considerou o artigo 19 inconstitucional ao

permitir que o servidor público optasse pelo regime dos servidores estatutários ou

pelo regime da CLT. Isso porque o artigo 39 da Constituição estabelecia o regime

único obrigatório. Em segundo lugar, o dispositivo legal não poderia ser lido no

sentido de que ao PARANAEDUCAÇÃO competiria manipular todos os recursos

destinados à educação. Só poderia gerir aqueles realmente destinados à própria

entidade.

Como resultado, então, o Ministro declarou a inconstitucionalidade do art. 19,

§ 3º, e conferiu interpretação conforme a Constituição ao art. 3º e ao art. 11, IV e

VII, para que fossem lidos no sentido de que o PARANAEDUCAÇÃO só poderia gerir

recursos destinados especificamente para sua finalidade.

Findo o voto-vista, seguiu-se um grande debate entre os ministros. Ele

começou com um pedido de esclarecimento, feito pela Min. Cármen Lúcia ao Min.

Joaquim Barbosa, sobre a sua solução para o art. 19, § 3º. O Min. Carlos Britto,

então, tentou uma questão um pouco mais abrangente: seria possível ao Estado

84 Sobre os serviços sociais autônomos, o Ministro se manifestou da seguinte forma: “Como se vê, os serviços sociais autônomos têm natureza muito específica, pois se destinam à gestão de determinada atividade privada, a qual, em virtude de interesse público subjacente, recebe o incentivo do Estado. Noutras palavras, destinam-se os serviços sociais autônomos a gerir e desenvolver atividades privadas, embora de algum modo incentivadas e fomentadas pelo Estado” (STF: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, p. 134 do acórdão; p. 46 do arquivo eletrônico)

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criar uma pessoa jurídica privada fora das hipóteses de empresa pública e

sociedade de economia mista?85

A discussão passou a girar em torno da natureza desses entes. A Min.

Cármen Lúcia e o Min. Sepúlveda Pertence negaram seu caráter exclusivamente

privado. O Min. Gilmar Mendes afirmou que seriam entes públicos não-estatais, ao

que a Min. Cármen Lúcia respondeu serem estatais. O Min. Joaquim Barbosa

entendeu ser um modelo intermediário entre o tradicional (Administração Pública

direta e indireta) e o de entidades sociais autônomas.86

Em seguida, a Min. Cármen Lúcia inquiriu novamente o Min. Joaquim Barbosa

sobre o art. 19. A resposta que obteve foi curiosa:

“O Senhor Ministro Joaquim Barbosa – Quanto ao art. 19, vejo um

problema, esse meu voto está preparado há mais de dois anos, já não me

lembrava de muita coisa. Temos aqui um problema em razão daquela decisão

da semana passada.” (STF: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007,

p. 152 do acórdão; p. 64 do arquivo eletrônico)

O Ministro se referira à ADI-MC 2135-4, Rel. Ministro Néri da Silveira, na qual

o STF decidira restabelecer a vigência do art. 39 da Constituição em sua redação

original, que previa o regime jurídico único, acabando com a diferenciação de

regimes dos servidores públicos na Administração direta, das autarquias e das

fundações públicas, trazida pela EC n. 19/98.87 Por conta disso, a lei do

PARANAEDUCAÇÃO não poderia fazer a diferenciação de regime para seu pessoal.

85 O modo como o Ministro introduziu o seu questionamento é bastante interessante: “Se a Ministra Cármen Lúcia me permite, eu levantaria uma questão um pouco mais abrangente. Estou aqui coletivizando uma preocupação – não tenho nenhuma opinião definitiva -, apenas, quero agitar uma ideia e compartilhá-la com os eminentes Ministros” (STF: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, pp. 146-147 do acórdão; p. 58-59 do arquivo eletrônico). Trata-se de uma manifestação que poderia evidenciar uma tentativa de fomentar um debate no Plenário. 86 Nas palavras do Ministro Joaquim Barbosa: “Entendo que este modelo está a meio caminho entre o sistema tradicional e o das organizações sociais que examinamos, está muito mais próximo do modelo tradicional do que o das organizações. A entidade é inteiramente controlada pelas autoridades estaduais. O conselho é composto pelo Secretário da Educação, pelo Secretário da Fazenda, e todas as decisões são tomadas a partir de diretrizes baixadas por essas entidades” (STF: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, pp. 151-152 do acórdão; pp. 63-64 do arquivo eletrônico) 87 Eis a ementa da ADI 2135-4, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 02.08.07: “MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PODER CONSTITUINTE REFORMADOR. PROCESSO LEGISLATIVO. EMENDA CONSTITUCIONAL 19, DE 04.06.1998. ART. 39, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SERVIDORES PÚBLICOS. REGIME JURÍDICO ÚNICO. PROPOSTA DE IMPLEMENTAÇÃO, DURANTE A ATIVIDADE CONSTITUINTE DERIVADA, DA FIGURA DO CONTRATO DE EMPREGO

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Ainda no debate, mais duas questões foram suscitadas: (i) a possibilidade de

que o PARANAEDUCAÇÃO pudesse utilizar funcionários do quadro de servidores

públicos estaduais; (ii) a compatibilidade do modelo proposto com o setor

educacional.

Finda a discussão, a Min. Cármen Lúcia votou acompanhando integralmente

o Relator, embora tenha pedido novos esclarecimentos sobre o art. 19, § 3º.

O voto seguinte foi do Min. Ricardo Lewandowski. Ele trouxe uma nova

posição, afirmando que o ente privado que a lei criou não era integrado à

Administração Pública e tinha a natureza de uma fundação pública, uma vez que,

assim como o Min. Carlos Britto, não conseguia enxergar a possibilidade de

entidades de serviço social fora da relação capital e trabalho.

Diante dessa posição, o Min. Gilmar Mendes afirmou que o legislador tentara

aproximar esses Serviços Sociais Autônomos às Organizações Sociais, mas que

apenas através da interpretação conforme esse regime tinha sido compatibilizado.

O Min. Ricardo Lewandowski expressou preocupação pelas consequências práticas

PÚBLICO. INOVAÇÃO QUE NÃO OBTEVE A APROVAÇÃO DA MAIORIA DE TRÊS QUINTOS DOS MEMBROS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS QUANDO DA APRECIAÇÃO, EM PRIMEIRO TURNO, DO DESTAQUE PARA VOTAÇÃO EM SEPARADO (DVS) Nº 9. SUBSTITUIÇÃO, NA ELABORAÇÃO DA PROPOSTA LEVADA A SEGUNDO TURNO, DA REDAÇÃO ORIGINAL DO CAPUT DO ART. 39 PELO TEXTO INICIALMENTE PREVISTO PARA O PARÁGRAFO 2º DO MESMO DISPOSITIVO, NOS TERMOS DO SUBSTITUTIVO APROVADO. SUPRESSÃO, DO TEXTO CONSTITUCIONAL, DA EXPRESSA MENÇÃO AO SISTEMA DE REGIME JURÍDICO ÚNICO DOS SERVIDORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RECONHECIMENTO, PELA MAIORIA DO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DA PLAUSIBILIDADE DA ALEGAÇÃO DE VÍCIO FORMAL POR OFENSA AO ART. 60, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RELEVÂNCIA JURÍDICA DAS DEMAIS ALEGAÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL REJEITADA POR UNANIMIDADE. 1. A matéria votada em destaque na Câmara dos Deputados no DVS nº 9 não foi aprovada em primeiro turno, pois obteve apenas 298 votos e não os 308 necessários. Manteve-se, assim, o então vigente caput do art. 39, que tratava do regime jurídico único, incompatível com a figura do emprego público. 2. O deslocamento do texto do § 2º do art. 39, nos termos do substitutivo aprovado, para o caput desse mesmo dispositivo representou, assim, uma tentativa de superar a não aprovação do DVS nº 9 e evitar a permanência do regime jurídico único previsto na redação original suprimida, circunstância que permitiu a implementação do contrato de emprego público ainda que à revelia da regra constitucional que exige o quorum de três quintos para aprovação de qualquer mudança constitucional. 3. Pedido de medida cautelar deferido, dessa forma, quanto ao caput do art. 39 da Constituição Federal, ressalvando-se, em decorrência dos efeitos ex nunc da decisão, a subsistência, até o julgamento definitivo da ação, da validade dos atos anteriormente praticados com base em legislações eventualmente editadas durante a vigência do dispositivo ora suspenso. 4. Ação direta julgada prejudicada quanto ao art. 26 da EC 19/98, pelo exaurimento do prazo estipulado para sua vigência. 5. Vícios formais e materiais dos demais dispositivos constitucionais impugnados, todos oriundos da EC 19/98, aparentemente inexistentes ante a constatação de que as mudanças de redação promovidas no curso do processo legislativo não alteraram substancialmente o sentido das proposições ao final aprovadas e de que não há direito adquirido à manutenção de regime jurídico anterior. 6. Pedido de medida cautelar parcialmente deferido.”

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de ser um serviço social autônomo (p. ex. contribuições parafiscais), ao que o Min.

Gilmar Mendes afirmou que a interpretação conforme atenuava essa natureza. Os

ministros passaram, então, a discutir a utilização do nome “serviço social

autônomo” no art. 1º da lei estadual.

O Min. Cezar Peluso votou em seguida, ressaltando que os problemas

indicados por outros ministros decorreriam de um “nominalismo”: na verdade,

interessava apenas saber que não era um ente sujeito exclusivamente ao direito

privado.

O Min. Marco Aurélio votou no sentido da inconstitucionalidade da lei, da

mesma forma que o Min. Carlos Britto havia indicado em suas participações. Isso

porque haveria uma entidade de direito privado atuando num serviço público

essencial sem as cautelas necessárias. Tal serviço público não poderia ficar a cargo

do setor privado.

Novamente surgiu uma discussão sobre o regime a que estariam sujeitos

esses entes. O Min. Marco Aurélio afirmou que era estranho um ente privado

composto por agentes públicos. Os Ministros Sepúlveda Pertence e Joaquim

Barbosa esclareceram que seria esse controle direto da Administração Pública que

diferenciaria o PARANAEDUCAÇÃO das organizações sociais.

O Min. Gilmar Mendes, último a votar, acompanhou o Min. Joaquim Barbosa.

Chamou atenção para a ilegitimidade ativa da CNTE. O Min. Cezar Peluso suscitou a

possibilidade de se rever o entendimento sobre essa preliminar, uma vez que o

Tribunal havia mudado sua jurisprudência. Após perceberem que poderiam reviver

uma questão preclusa, os ministros preferiram deixar essa questão como obiter

dictum.

É interessante notar que não há um voto específico do Min. Carlos Britto,

mas sim manifestações em debates, nas quais ele se posicionou pela

inconstitucionalidade total da lei. Afirmou ser incompatível a existência de uma

entidade de direito privado para prestar um serviço público essencial, ainda mais

fora das hipóteses constitucionalmente previstas para isso. A modalidade de serviço

social autônomo só teria cabimento na relação entre capital e trabalho.

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4) Caso do nepotismo: ADC 12/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 20.08.2008.

A ação foi distribuída em 02.02.2006 para o Min. Carlos Britto, por

prevenção. Em 16.02.2006 houve o julgamento da medida liminar, que resultou no

deferimento da cautelar para suspender todos os processos em que se questionasse

a Resolução. A discussão em sede de cautelar foi profunda e exaustiva, como pode

ser demonstrado pelo tamanho do acórdão (124 páginas) e pela quantidade de

manifestações, havendo votos de dez ministros, inclusive com aditamentos,

debates e confirmações de votos. Essa observação é importante porque foi

recorrentemente trazida durante o julgamento definitivo.

De início, o Ministro Marco Aurélio apresentou uma questão de ordem,

afirmando que não constava do dispositivo decisório da medida liminar a explicação

de que a havia julgado improcedente por conta do instrumento utilizado, e não por

conta da matéria de fundo. Por isso, pedia que ficasse consignado que o Plenário

rejeitou essa preliminar suscitada por ele, para que não parecesse que ele

discordava da coibição do nepotismo.

O Relator, Min. Carlos Britto, fez um voto sucinto, remetendo-se ao seu

pronunciamento na medida cautelar. Ele apenas rememorou sua fundamentação,

afirmando que a Resolução do CNJ tinha caráter normativo primário, pois

desenvolvia os princípios contidos na Constituição. Nesse caso, o órgão exercera

bem sua competência de densificar os princípios do art. 37 da CF/88 (art. 103-B da

Constituição).88 Ademais, o controle de constitucionalidade poderia ser exercido.

Por outro lado, o Ministro afirmou que a Resolução não atentava contra a

liberdade de nomeação e exoneração de cargos de confiança, pois os próprios

88 Sobre a competência do CNJ, dispõe o art. 103-B, § 4º: “Art. 103-B. § 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: (...) II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;”.

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princípios constitucionais da Administração já permitiriam extrair essa regra mesmo

sem o ato normativo.89

Como última contribuição, aplicou a técnica da interpretação conforme a

Constituição para deduzir a função de “chefia” do substantivo “direção”, presente

na Resolução. Fez isso na tentativa de cobrir qualquer brecha, uma vez que

constava na Constituição Federal a previsão de cargos de chefia, direção e

assessoramento.

Assim, o resultado do seu voto foi pela constitucionalidade da Resolução,

com o acréscimo da interpretação conforme no sentido de explicitar a sua aplicação

também às “funções de chefia”.

Em seguida, o Ministro Menezes Direito abriu a divergência no sentido da

procedência total da ação, sem a interpretação conforme. Ele também considerou

que os princípios do art. 37 seriam auto-aplicáveis independentemente de lei

intermediária, e que o CNJ seria competente para discipliná-los. Contudo, defendeu

que a Resolução era ampla o suficiente para abarcar os cargos de chefia sem

necessidade da interpretação conforme.

Por causa desse posicionamento, o Min. Gilmar Mendes perguntou ao Min.

Carlos Britto se já teria havido essa discussão no Plenário, quando do julgamento

liminar. O Relator respondeu que o voto do Min. Nelson Jobim havia sido igual ao

do Min. Menezes Direito. A Min. Cármen Lúcia observou que poderia haver chefia

sem direção, nos casos de chefia intermediária.

Apresentadas essas duas posições, apenas o Min. Marco Aurélio

acompanhaou o Min. Menezes Direito e votou pela total procedência da ação, sem a

interpretação conforme. Ressalvou seu entendimento sobre a possibilidade de o

CNJ editar atos normativos abstratos autônomos, mas afirmou que essa seria uma

possibilidade a ser discutida posteriormente, em outro caso.

89 Além dessas considerações, o Min. Carlos Britto também rechaça o argumento de violação ao princípio da separação de poderes, porque o CNJ não é órgão estranho ao Judiciário, e o argumento de que haveria violação ao pacto federativo, porque a Justiça é nacional.

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Por outro lado, a Ministra Cármen Lúcia e os Ministros Ricardo Lewandowski,

Eros Grau, Cezar Peluso, Celso de Mello e Gilmar Mendes acompanharam

integralmente o Relator.

Destaque deve ser dado para a Ministra Cármen Lúcia, que também afirmou

a auto-aplicabilidade dos princípios constitucionais da Administração Pública, mas

acrescentou o princípio republicano. No mesmo sentido foi o Min. Celso de Mello,

afirmando que a concepção republicana de poder impediria a existência de um

Estado patrimonial. Os dois Ministros também afirmaram expressamente que a

vedação do nepotismo se estenderia aos outros Poderes.

Em relação à competência do CNJ, os Ministros Ricardo Lewandowski e Celso

de Mello fizeram questão de apontar o art. 103-B, § 4º, II, da Constituição como o

dispositivo constitucional que fundamenta a competência do CNJ para editar a

Resolução impugnada.

5) Caso do piso salarial dos professores: ADI-MC 4167-3/DF, Rel. Min.

Joaquim Barbosa, j. 17.12.2008.

A ação foi distribuída em 29.10.2008 para o Min. Joaquim Barbosa. A medida

cautelar foi julgada em sessão plenária no dia 17.12.2008.

O Relator, Min. Joaquim Barbosa, começou seu voto ressaltando a

importância da discussão da matéria, especialmente diante das expectativas dos

Estados com seus gastos públicos em educação. Verifica-se, por essa introdução, a

grande repercussão da matéria.

Sobre a primeira impugnação, do art. 2º, caput e § 1º, afirmou que seriam

dois os pontos a serem analisados: (i) saber se a lei federal poderia fixar a jornada

de trabalho dos professores estaduais; (ii) saber se a lei poderia fixar como

parâmetro para o piso salarial o vencimento inicial, e não a remuneração global dos

professores.

Em relação ao primeiro ponto, afirmou que não haveria qualquer

inconstitucionalidade. A indicação de uma jornada de trabalho, na verdade, serviria

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para estabelecer um parâmetro para o cálculo do piso proporcional para outras

jornadas de trabalho.

Quanto ao segundo ponto, sem prejuízo de uma reflexão maior no

julgamento de mérito, afirmou que não haveria um risco iminente que exija o

deferimento da cautelar. Seriam dois os motivos: (i) a própria lei trazia

mecanismos de calibração que permitiriam aos Estados se prepararem

adequadamente para a implantação gradual do piso, determinando que até

31.12.2009 a remuneração global poderia ser utilizada como parâmetro para o piso

salarial dos professores90; (ii) não haveria dados suficientes para que se

conhecessem os impactos financeiros nos entes.

Sobre a segunda impugnação, do art. 2º, § 4º, rechaçou o argumento dos

autores de que a fixação de uma carga horária menor para os professores seria

inconstitucional. Seriam três os argumentos básicos: (i) embora o dispositivo não

se fundamentasse na regulamentação do piso salarial da categoria (art. 60, III, do

ADCT)91, ele estava amparado na distribuição das competências federativas; (ii)

embora houvesse a autonomia local, ela deveria respeitar as normas gerais da

Federação, e caberia à União reduzir as desigualdades regionais e melhorar a

qualidade de ensino, podendo dispor, para tanto, da carga horária dos professores;

(iii) embora houvesse a possibilidade de os entes estaduais e municipais não

conseguirem arcar com os custos, especialmente aqueles com menor capacidade

90 Embora por um erro, o Ministro cite o art. 2º, § 2º, trata-se do art. 3º, § 2º, da lei: “Art. 3º (...) § 2o. Até 31 de dezembro de 2009, admitir-se-á que o piso salarial profissional nacional compreenda vantagens pecuniárias, pagas a qualquer título, nos casos em que a aplicação do disposto neste artigo resulte em valor inferior ao de que trata o art. 2o desta Lei, sendo resguardadas as vantagens daqueles que percebam valores acima do referido nesta Lei”. 91 Dispõe o art. 60, III, do ADCT: “Art. 60. Até o 14º (décimo quarto) ano a partir da promulgação desta Emenda Constitucional, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão parte dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento da educação básica e à remuneração condigna dos trabalhadores da educação, respeitadas as seguintes disposições: (...) III - observadas as garantias estabelecidas nos incisos I, II, III e IV do caput do art. 208 da Constituição Federal e as metas de universalização da educação básica estabelecidas no Plano Nacional de Educação, a lei disporá sobre: a) a organização dos Fundos, a distribuição proporcional de seus recursos, as diferenças e as ponderações quanto ao valor anual por aluno entre etapas e modalidades da educação básica e tipos de estabelecimento de ensino; b) a forma de cálculo do valor anual mínimo por aluno; c) os percentuais máximos de apropriação dos recursos dos Fundos pelas diversas etapas e modalidades da educação básica, observados os arts. 208 e 214 da Constituição Federal, bem como as metas do Plano Nacional de Educação; d) a fiscalização e o controle dos Fundos; e) prazo para fixar, em lei específica, piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica;”.

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financeira, não havia nenhum dado sobre gastos e receitas de cada um que permita

fortalecer essa presunção.

Finalmente, sobre a terceira impugnação, a do art. 3º, o Min. Joaquim

Barbosa fez um exercício hermenêutico. Tal disposição tratava do modo como os

entes deveriam integralizar o piso salarial. O caput do artigo, ao prever que o piso

entraria em vigor a partir de janeiro de 2008, violaria a Constituição ao fazer o

aumento retroagir sem dotação orçamentária. O veto ao inciso I, que previa a

integralização de 1/3 do piso a partir de 1º de janeiro de 2008 (a lei era de julho),

não teria sido suficiente para afastar a inconstitucionalidade da lei nesse ponto.

O Ministro Joaquim Barbosa afirmou que a primeira leitura do artigo poderia

indicar que o valor do aumento seria apurado desde 2008, para vigorar em 2009.

Por outro lado, o artigo poderia ser lido diferentemente: o veto ao inciso I teria

tirado a eficácia da expressão “passará a vigorar a partir de 01 de janeiro de 2008”,

prevista no caput. Assim, no lugar da obrigação de implantar o piso a partir de

2008, tanto a apuração como a exigibilidade só existiriam a partir de 2009,

conforme os mecanismos de calibração da lei.

Como resultado, o Min. Joaquim Barbosa indeferiu a liminar em relação aos

arts. 2º, caput, §§ 1º e 4º, e emprestou interpretação conforme a Constituição para

o art. 3º, esclarecendo, a pedido da Min. Cármen Lúcia, que onde constava “a partir

de 1º de janeiro de 2008” deveria constar “a partir de 1º de janeiro de 2009”.

Fixada a posição básica do Relator, o voto subsequente, do Min. Menezes

Direito, foi o responsável por abrir a divergência. Os dois votos nortearam o resto

do julgamento, com poucas exceções, como se verá mais adiante.

Assim, em relação ao art. 2º, caput e § 1º, o Min. Menezes Direito também

não viu inconstitucionalidade em relação à jornada de trabalho, porque ela estaria

vinculada ao piso, servindo apenas para calcular outros valores proporcionalmente.

Entretanto, o Ministro não compartilhou a opinião do Relator em relação ao

uso do vencimento inicial como parâmetro para o piso. Na verdade, é interessante

que ele apontou a existência dos mesmos mecanismos legais que serviram para o

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Min. Joaquim Barbosa indeferir a liminar como um indício de que a lei não teria

conferido prazo suficiente para que os entes se preparassem para as alterações.92

Por isso, ele apresentou como alternativa a técnica da interpretação

conforme a Constituição, no sentido de que o piso salarial deveria ter como

parâmetro a remuneração global até a data do julgamento final da ADI. Essa

solução teria a vantagem de dar tempo para os entes, no caso de a data do

julgamento ser posterior à data fixada em lei para a implementação do piso.

Destaca-se também a ponderação do Ministro de que os conceitos básicos e os

dados já poderiam estar mais bem trabalhados.93

Em relação ao art. 2º, § 4º, diferentemente do Relator, o Ministro Menezes

Direito afirmou que havia invasão de competência, pois a União não poderia

determinar a distribuição da carga horária dos professores de outros entes. Isso

seria especialmente importante em Municípios que teriam que arcar com os custos

de professores ociosos e de novos profissionais para cobrir o resto da carga horária.

Por fim, em relação ao art. 3º, o Ministro concordou com a opção do Relator

pela interpretação conforme a Constituição, elogiando-a. Seria importante fixar que

as remunerações seriam aplicadas a partir de 2009. Não seria o caso de um

aumento que retroagisse a 2008.

Os outros membros da Corte se posicionaram, em geral, por meio da

composição dos dois votos apresentados. Assim, a Min. Cármen Lúcia foi a terceira

a votar, adotando a posição do Min. Menezes Direito em relação ao art. 2º, § 4º

(deferimento da liminar), mas seguindo o Relator quanto ao art. 2º, caput e § 1º

(indeferimento). Seguiu a solução de ambos quanto ao art. 3º.

Vale destacar o diálogo entre a Ministra Cármen Lúcia e os Ministros Menezes

Direito, Cezar Peluso e Joaquim Barbosa, durante o voto da primeira. A Ministra

afirmou que o art. 2º, § 4º, não poderia ser declarado inconstitucional somente 92 O próprio Min. Menezes Direito realça essa situação ao final de seu voto sobre esse ponto: “O Senhor Ministro Menezes Direito – Portanto, nesta matéria, pediria vênia ao eminente Ministro Joaquim Barbosa, até para utilizar o seu argumento, mas numa conclusão diversa, no sentido além do prazo para alcançar a Ação Direta de Inconstitucionalidade” (STF: ADI-MC 4167-3/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17.12.2008, p. 188 do acórdão; p. 32 do arquivo eletrônico; grifos no original). 93 O Ministro Ricardo Lewandowski faz um pequeno aparte, afirmando que o Ministro Menezes Direito não pode se esquecer de que o julgamento também poderia ocorrer antes do prazo fixado pela lei para a implementação do piso.

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porque haveria dificuldades na contratação de novos professores para cobrir os

espaços deixados por uma carga horária menor. O Ministro Menezes Direito pediu

para ser ouvido, explicando que seu voto não se baseava nessa premissa, mas na

ideia de que não seria iniciativa federal determinar a carga horária das localidades.

O Min. Cezar Peluso também fez um aparte, afirmando que, com o art. 2º, §

4º, a lei deixaria de disciplinar o piso salarial para tratar de matéria que estaria fora

da competência da União. A Min. Cármen Lúcia, tendente a seguir essa linha de

raciocínio, desenvolveu a ideia reforçando que a lei estaria tratando de regime

funcional dos professores. Também disse que realmente desejava saber o

fundamento do voto do Min. Menezes Direito, nesse ponto, porque, em se tratando

de violação de competências, concordava com o colega.

O Min. Joaquim Barbosa percebeu, então, a necessidade de reafirmar as

posições de seu voto. Para tanto, defendeu novamente que não haveria

desproporcionalidade na redução da carga horária (premissa um) e que não haveria

dados fáticos capazes de infirmar a norma (premissa dois). Mesmo assim, não

conseguiu convencer a Ministra Cármen Lúcia, e ambos mantiveram seus votos. O

Min. Joaquim Barbosa ainda tentou defender sua posição com o argumento de que

o tema era inerente à matéria de piso salarial, porque era necessário saber o tempo

presencial de aula.

A seguir, o Min. Ricardo Lewandowski acompanhou o Min. Menezes Direito

quanto aos dispositivos impugnados no art. 2º. Contudo, além de conferir a

interpretação conforme a Constituição dada pelo Relator ao caput do art. 3º, ele

deferiu a cautelar em relação ao art. 3º, II. Segundo o Ministro, a lei, ao fixar em

frações o modo como os entes deveriam atingir o piso salarial, estaria ferindo a

autonomia que eles têm para determinar como integralizar o aumento dos valores

de remuneração dos professores.

Novamente, houve uma reação dos outros ministros. O Min. Joaquim Barbosa

afirmou que não havia norma que impeça alguma disposição em contrário, e que as

frações representariam um mínimo. O Min. Ricardo Lewandowski respondeu que se

os entes quisessem pagar menos, não poderiam, ao que a Min. Cármen Lúcia

rebateu dizendo que as frações seriam uma garantia aos professores. O Min.

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Joaquim Barbosa ressaltou a incongruência da solução do seu colega, pois

retardaria o objetivo da lei.

O Min. Eros Grau acompanhou “o substancial voto do Ministro Joaquim

Barbosa, com o adendo a ele aportado pelo Ministro Carlos Alberto Menezes

Direito”. O que é mais interessante na sua breve participação é a sua resignação

em não poder ter sido o primeiro a votar, afirmando que desejava ter falado várias

coisas que foram ditas pelos outros ministros, em especial contra a alegação dos

autores de violação da proporcionalidade.

O Min. Carlos Britto acompanhou integralmente o Relator. Ele adicionou

alguns argumentos interessantes à fundamentação, como a análise do federalismo

cooperativo no tema da educação. Por isso, para ele, a disciplina da carga horária

seria concretização do art. 67 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional94.

Um momento muito importante do julgamento, pelo menos sob o prisma da

análise dessa pesquisa, ocorreu depois do voto do Min. Carlos Britto, no momento

em que a Min. Cármen Lúcia e o Min. Eros Grau se ausentaram do Plenário. Tratou-

se de uma questão de ordem levantada pelo Min. Marco Aurélio, na qual ele

desejava o adiamento da sessão por falta de quorum para a declaração de

inconstitucionalidade. Segundo o Ministro, a sessão só contava com sete

julgadores, sendo que alguns ministros ainda teriam que se ausentar.

O debate foi muito interessante porque tocou diretamente a questão da

deliberação nas sessões de julgamento. O Min. Gilmar Mendes ponderou que os

ausentes já haviam se manifestado, ao que o Min. Marco Aurélio respondeu que o

quorum seria exigido também durante as discussões, porque os ministros poderiam

mudar de ideia:

“O Senhor Ministro Marco Aurélio - Sim, mas acontece que no julgamento,

a qualquer momento, aqueles que já se manifestaram podem reajustar o

voto. E, ausentes, haverá a impossibilidade física. Por isso é que se exige o

94 Dispõe o art. 67 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no tocante à questão posta: “Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público: (...) II - aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim; III - piso salarial profissional; (...) V - período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho; VI - condições adequadas de trabalho.”.

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número de oito para o início e o término do julgamento, chegando-se ao

resultado por maioria qualificada. Isso sempre foi observado na Corte.” (STF:

ADI-MC 4167-3/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17.12.2008, p. 214 do acórdão;

p. 58 do arquivo eletrônico)

Em resposta, o Min. Gilmar Mendes, corroborado pelo Min. Carlos Britto,

afirmou que quem se ausentava da sessão renunciava ao seu direito de mudar de

ideia. Questionado pelo Min. Marco Aurélio, afirmou que, em tese, um julgamento

poderia prosseguir só com dois ministros, se faltassem apenas esses dois votos. O

resultado foi a rejeição da questão de ordem pelo Plenário.

Prosseguindo o julgamento, o Min. Cezar Peluso acompanhou integralmente a

posição do Min. Menezes Direito. Ele trouxe um argumento que reforçava a

interpretação conforme a Constituição dada ao art. 2º, caput e § 1º, ao afirmar que

o estabelecimento de um piso remuneratório procurava garantir um mínimo

existencial aos professores. Referiu-se à remuneração global, que não poderia ficar

abaixo desse mínimo, independentemente da maneira como ela é composta. Aliás,

o Ministro ressaltou que, exceto o Min. Carlos Britto, os outros não aprofundaram o

tema da natureza jurídica do piso salarial (mínimo existencial).

É interessante notar que o Min. Cezar Peluso considerou que sua posição não

diferia muito da adotada pelo Relator. Isso porque o Min. Joaquim Barbosa

aproveitou o dispositivo legal que permitia o uso da remuneração global como

parâmetro até 31.12.2009. Acrescentou, porém, a solução prática do Min. Menezes

Direito, estendendo esse prazo até o julgamento definitivo. Caso contrário, haveria

graves consequências orçamentárias para os entes.

Outro ponto interessante diz respeito à argumentação esposada pelo Ministro

Cezar Peluso a favor da constitucionalidade do art. 3º, numa clara resposta à

proposta do Min. Ricardo Lewandowski. O art. 3º teria sido criado em benefício dos

Estados e Municípios, pois, caso não existisse, o piso poderia ser exigido

imediatamente.

O voto do Min. Marco Aurélio seguiu em sentido contrário de todos os outros,

deferindo a liminar tal como pleiteada. Segundo o Ministro, haveria

inconstitucionalidade formal da lei em todos os pontos nos quais ela disciplina o

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regime jurídico dos servidores estaduais e municipais (professores). Caberia aos

Estados e Municípios tratarem dos seus respectivos servidores. Além disso, os

dispositivos seriam materialmente inconstitucionais por imporem encargos que não

poderiam ser arcados pelos entes. O mesmo valeria para o art. 2º, § 4º, que

exigiria a contratação de muitos professores para cobrir a carga horária reduzida.

Finalmente, o Presidente, Min. Gilmar Mendes, apenas acompanhou o Min.

Menezes Direito, sem maiores considerações.

6) Caso do monopólio dos Correios: ADPF 46-7/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 05.08.2009.

A ação foi distribuída em 14.11.2003 para o Min. Marco Aurélio, e trazida a

julgamento no dia 15.06.2005. Sucessivos pedidos de vista só permitiram a sua

conclusão em 05.08.2009.

O Min. Marco Aurélio elaborou um profundo voto, cuja fundamentação pode

ser sintetizada em algumas ideias principais: (i) a mudança de contexto histórico

envolveria uma nova opção para a forma pela qual o Estado desempenha suas

funções, abrindo espaço para a livre iniciativa e para o mercado; (ii) nesse novo

modelo, a atuação do Estado na atividade econômica lato sensu só se justificaria

pela falta de empresas para prestá-lo ou por interesse público (princípio da

subsidiariedade); (iii) seria indiferente saber se o serviço postal é serviço público ou

atividade econômica, uma vez que mais importante seria saber que a forma como é

prestado é uma opção política, até porque o conceito de serviço público seria

variável; (iv) por outro lado, as hipóteses de atuação direta do Estado e de

monopólio seriam expressamente trazidas pela Constituição e não poderiam ser

alargadas, sob pena de violar-se a livre iniciativa. O serviço postal não seria uma

delas.

Em conclusão, o Min. Marco Aurélio enquadrou o serviço postal na categoria

de serviços não-exclusivos do Estado, a serem prestados em regime de

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concorrência com os particulares.95 Por isso, votou pela não-recepção do art. 9º da

Lei 6.538/78 pela Constituição.

Em seguida, o Min. Eros Grau emitiu seu voto no sentido contrário, pela

improcedência total da ação. Primeiro, o Ministro distinguiu as categorias de

serviços públicos e de atividade econômica em sentido estrito. A atividade

econômica seria norteada pelos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência,

convivendo com a possibilidade de monopólios apenas em hipóteses taxativas. Os

serviços públicos, por sua vez, só poderiam ser prestados em regime de livre

iniciativa se a Constituição for expressa nesse sentido, caso contrário haveria

exclusividade de prestação pelo Estado.

Assim, como o serviço postal seria um serviço público, e como a Constituição

não possibilitaria a livre concorrência no art. 21, X, ele deveria ser prestado em

regime de privilégio. O regime de privilégio, em regra, atribuiria a exclusividade de

exploração ao Estado, impedindo que os particulares pudessem fazê-lo.

Além disso, o Ministro procurou rebater o Relator num ponto delicado. O Min.

Marco Aurélio havia usado um parecer (não publicado) no qual o Min. Eros Grau

defendia uma posição diferente, pela constitucionalidade da prestação dos serviços

postais por particulares, nos termos do Projeto de Lei 1.491/99.96 Por isso, o Min.

Eros Grau sentiu a necessidade de explicar que aquela não era a sua posição no

julgamento, porque não estavam diante do projeto de lei que era o objeto do

parecer, mas da própria Lei Postal vigente. Além disso, sustentou que a

Constituição exigia um Estado forte e vigoroso para concretizar os preceitos de seus

arts. 1° e 3°.

95 O Min. Marco Aurélio apontou quatro categorias de atividades do Estado: atividades estratégicas (primeiro setor); atividades próprias e exclusivas do Estado (segundo setor); serviços não-exclusivos (terceiro setor); produção para o mercado (quarto setor). Assim como a prestação de serviços de saúde, de educação ou de telecomunicação, o serviço postal estaria englobado no terceiro setor. 96 Tratava-se de um parecer emitido por Eros Grau quando, em 2000, foi chamado a pedido da própria ECT para opinar sobre o projeto de Lei 1.491/99, que procurava abrir o serviço postal à iniciativa privada. O professor se manifestou positivamente, em relação à constitucionalidade da prestação dos serviços postais em regime privado ou regime duplo (privado e público).

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Por fim, entendeu que o âmbito de abrangência do serviço postal estaria

delimitado pelos arts. 7° e seguintes da Lei 6.538/78.97 Esse ponto é importante

para o futuro do julgamento.

Em voto-vista apresentado no dia 17.11.2005, o Min. Joaquim Barbosa

delimitou a sua manifestação a dois pontos: (i) qual a natureza do serviço postal?

(ii) Qual a extensão da atividade do Estado nesse serviço?

Em relação à primeira questão, o Ministro afastou a natureza de atividade

econômica e todas as consequências dessa classificação (aplicação do princípio da

livre iniciativa, previsão de monopólios, etc.). O serviço postal seria apresentado

como serviço público, de titularidade do Estado. Não seriam aplicados os

dispositivos sobre a ordem econômica, mas os princípios do serviço público. Além

disso, o Ministro acrescentou a esses fundamentos a ideia de que o serviço postal

seria importante para a integração nacional.

No que toca à segunda questão, o serviço postal seria um serviço público em

regime de privilégio. Isso porque haveria atividades lucrativas e atividades não-

lucrativas nesse setor, e não teria cabimento deixar à iniciativa privada apenas as

tarefas que dariam lucro. Sobre a abrangência do regime de privilégio, o Ministro

apontou o próprio art. 9° da Lei 6.538/78, afirmando que entendia por carta (art.

9°, I) inclusive a correspondência comercial (boletos e notificações para cobrança

de débitos).

Em seguida, votou o Min. Carlos Britto num terceiro sentido, pela

procedência parcial. Basicamente, afirmou que o serviço postal seria serviço público

que não poderia ser trespassado em nenhuma hipótese para a iniciativa privada. 97 Dispõe a lei, em seus arts. 7° e 8°: “Art. 7º - Constitui serviço postal o recebimento, expedição, transporte e entrega de objetos de correspondência, valores e encomendas, conforme definido em regulamento. § 1º - São objetos de correspondência: a) carta; b) cartão-postal; c) impresso; d) cecograma; e) pequena - encomenda. § 2º - Constitui serviço postal relativo a valores: a) remessa de dinheiro através de carta com valor declarado; b) remessa de ordem de pagamento por meio de vale-postal; c) recebimento de tributos, prestações, contribuições e obrigações pagáveis à vista, por via postal. § 3º - Constitui serviço postal relativo a encomendas a remessa e entrega de objetos, com ou sem valor mercantil, por via postal. Art. 8º - São atividades correlatas ao serviço postal: I - venda de selos, peças filatélicas, cupões resposta internacionais, impressos e papéis para correspondência; II - venda de publicações divulgando regulamentos, normas, tarifas, listas de código de endereçamento e outros assuntos referentes ao serviço postal; III - exploração de publicidade comercial em objetos correspondência. Parágrafo único - A inserção de propaganda e a comercialização de publicidade nos formulários de uso no serviço postal, bem como nas listas de código de endereçamento postal, e privativa da empresa exploradora do serviço postal.”.

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Contudo, a exclusividade só atingiria a entrega de correspondência, por causa da

garantia ao sigilo de correspondência. “Correspondência” seria a epistolar e

telegráfica. Embora o Ministro se mostrasse preocupado pela inexistência de um

conceito de “correspondência epistolar e telegráfica”, sustentou que ela seria a

comunicação de caráter privado entre as pessoas, excluindo-se as de caráter

mercantil.

Mais dois votos foram proferidos na sessão: o Min. Cezar Peluso acompanhou

integralmente o Relator, enquanto o Min. Gilmar Mendes concluiu pela procedência

parcial, julgando a não-recepção dos arts. 42, 43, 44 e 45 da lei (tipos penais).

Posteriormente, o último voto seria reajustado. O julgamento foi interrompido pelo

pedido de vista da Ministra Ellen Gracie.

No dia 12.6.2008, quase dois anos e meio depois do pedido de vista, o caso

foi retomado. A Ministra Ellen Gracie fez uma primeira observação importante: a

autora da ação tentava obter uma interpretação favorável para o conceito de carta.

Porém, isso implicava retirar dos Correios a exclusividade de toda a parte lucrativa

do serviço e deixar apenas a parte deficitária para estatal.

Ela acompanhou o voto do Min. Eros Grau, assim como sua fundamentação.

Considerou que o serviço postal não seria atividade econômica, sendo norteado por

outros princípios. Da mesma forma, seria um serviço público exclusivo da União.

Mais uma vez houve uma interrupção, dessa vez por conta de pedido de vista

do Min. Menezes Direito. Pelo que se verifica no acompanhamento processual, o

Ministro se declarou suspeito para julgar, e o processo retornou ao Presidente, Min.

Gilmar Mendes.

O caso foi novamente trazido a julgamento em 03.08.2009. De início, o Min.

Gilmar Mendes reajustou o seu voto para, mantendo a procedência parcial da ação,

conferir interpretação conforme a Constituição à lei e excluir do serviço postal

alguns elementos que poderiam estar compreendidos. Em outras palavras, dentre

aquelas atividades enumeradas como atividades postais, ele selecionou quais

seriam serviços públicos sujeitos a privilégio e quais não seriam. É interessante

notar que ele havia se manifestado de forma diferente no voto reajustado:

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“O Senhor Ministro Gilmar Mendes - É extremamente difícil, a priori,

dizer que todos os aspectos hoje constantes dessa lei traduzem autêntica

interpretação desse conceito de serviço público, ou de atividade monopolista.

Não significa que o legislador não possa vir a lhe dar uma nova conformação;

mas me parece extremamente difícil que nós, a partir de uma perspectiva

lógica, logremos identificar atividades que não integrem esse conceito, tendo

em vista a complicada e difícil engenharia institucional que se faz para a

atuação desse serviço.” (STF: ADPF 46-7/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j.

05.08.2009, p. 116 do acórdão; p. 97 do arquivo eletrônico; grifos no original)

Verifica-se, portanto, que o maior tempo de contato que ele teve com o

processo foi importante para que ele trouxesse um voto mais aprofundado e mais

complexo, no sentido de distinguir atividades que integrassem o privilégio da União

e outras que não o integrassem.

Em síntese, o Ministro afirmou que a ECT era uma empresa pública

prestadora de serviço público, e que esse serviço seria peculiar pela exigência de

universalização. Para ele, o problema residiria em saber qual a abrangência do

serviço postal, pois o conceito legal de carta seria excessivamente amplo (art. 47).

Por conta disso, caberia uma redução teleológica da norma para que fossem objeto

de monopólio apenas as cartas, os cartões postais, a correspondência agrupada e a

fabricação de selos.

Ademais, em relação ao art. 42, que criminalizava a exploração da atividade

postal, o dispositivo deveria ser lido em consonância com o art. 9º da lei, de modo

que o tipo penal ficasse restrito à nova abrangência do serviço postal.98

Um ponto curioso diz respeito à posição do voto na sequência do acórdão.

Ele está ao final do acórdão, depois de todos os outros, inclusive aqueles proferidos

em sessão posterior (a de 05.08.2009), como pode ser conferido na ordem de

98 Dispõe o art. 42 da lei: “VIOLAÇÃO DO PRIVILÉGIO POSTAL DA UNIÃO Art. 42º - Coletar, transportar, transmitir ou distribuir, sem observância das condições legais, objetos de qualquer natureza sujeitos ao monopólio da União, ainda que pagas as tarifas postais ou de telegramas. Pena: detenção, até dois meses, ou pagamento não excedente a dez dias-multa. FORMA ASSIMILADA Parágrafo único - Incorre nas mesmas penas quem promova ou facilite o contra bando postal ou pratique qualquer ato que importe em violação do monopólio exercido pela União sobre os serviços postais e de telegramas.”

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votação relatada no Extrato da Ata. Trata-se de um erro grave que pode acarretar a

dificuldade na compreensão de todo o acórdão.

Também foi interessante a participação do Min. Carlos Britto, quando disse

que o Min. Gilmar Mendes confirmou a necessidade de se definir o que é serviço

postal e qual é o seu objeto:

“O Senhor Ministro Carlos Britto – Ministro Gilmar Mendes, eu também

assentei no meu voto a natureza pública do serviço postal e do correio aéreo

nacional, até porque a Constituição assim o diz literalmente. São dois serviços

excluídos do mercado, porque, na medida em que próprios da União, estão

fora das relações de comércio. Tudo o que é próprio da União é de natureza

pública. E a Constituição deixa isso clarissimamente posto: ‘Art. 21 –

Compete à União: X – manter o serviço postal e o correio aéreo nacional;’. No

meu voto, tive o cuidado de dizer que o fazia ainda na base do experimento,

da inclinação. Não estava muito seguro do amadurecimento de um ponto de

vista e concitava a Corte a um pensamento coletivo. Com o voto de Vossa

Excelência, robustece em mim a ideia de que realmente é preciso definir o

que seja serviço postal. O que não se compreender na definição de serviço

postal está fora do conceito de serviço público. Por isso que Vossa Excelência

falou do boleto, de jornal.” (STF: ADPF 46-7/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j.

05.08.2009, p. 134 do acórdão; p. 114 do arquivo eletrônico)

Seguiram-se dois votos muito valiosos sob o ponto de vista dessa pesquisa.

A Min. Cármen Lúcia e o Min. Ricardo Lewandowski fizeram menções aos Ministros

que os precederam, deixando de proferir votos escritos, como pode ser visto nos

seguintes trechos:

“A Senhora Ministra Cármen Lúcia – Eu tenho um voto breve, escrito. Não

vou ler, apenas explicá-lo. Li todos os votos. O cuidadosíssimo, o primoroso

voto do Ministro-Relator – primoroso em todos, mas, neste aqui, de uma

forma muito especial, alongada, minudente, pelo que me desculpo

sobremaneira por dele divergir.” (p. 137 do acórdão; p. 118 do arquivo

eletrônico)

“O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski – Senhor Presidente, ouvi

atentamente o relatório feito por Vossa Excelência e os distintos argumentos

alinhados. Peço vênia aos eminentes Colegas para me alinhar à posição do

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ilustre Ministro Carlos Britto e também à de Vossa Excelência, que são, de

certa maneira, convergentes.” (STF: ADPF 46-7/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j.

05.08.2009, p. 139 do acórdão; p. 120 do acórdão)

Cabe ressaltar, por oportuno, a opinião do Min. Ricardo Lewandowski de que

a posição do Min. Gilmar Mendes seria convergente com a posição do Min. Carlos

Britto. É uma opinião importante, haja vista que, posteriormente, se verificaria uma

curiosa mudança nessa convergência.

Ao final dos votos, o Min. Gilmar Mendes afirmou que o Plenário estava

diante de uma situação peculiar: havia um empate na decisão final. Isso porque

cinco ministros haviam votado pela total improcedência da ação, enquanto cinco

ministros tinham votado pela procedência em alguma parte (quatro pela

procedência parcial e um pela procedência total).

O Min. Eros Grau fez duas objeções à ideia de empate: (i) os cinco votos

médios não poderiam se opor aos cinco votos cheios;99 (ii) mesmo que se

opusessem, seria possível considerar que a procedência parcial equivaleria a uma

improcedência parcial, aproximando-se da maioria e não da procedência.

O Ministro Marco Aurélio, que se encontrava isolado na posição pela

procedência total, afirmou que o segundo raciocínio seria inviável. O Min. Eros Grau

respondeu que não, porque, no fundo, a Corte estaria mantendo o privilégio no

serviço postal em maior ou menor grau.

O debate continuou com a afirmação, formulada pela Min. Ellen Gracie, de

que não haveria maioria formada na Corte sobre o conceito de carta. Da mesma

forma, questionou-se como resolver o problema do empate, uma vez que, segundo

o Min. Eros Grau, seriam necessários seis votos para que a lei não fosse

recepcionada. A solução encontrada foi a suspensão do julgamento.

Retomado dois dias depois, em 05.08.2009, o Min. Cezar Peluso sugeriu que

a solução fosse a aplicação do art. 97 da Constituição, que exigia a maioria

absoluta para a declaração de inconstitucionalidade (ou revogação, no caso) da lei.

O que se verificava na Corte, àquele tempo, era uma situação de empate

99 O Ministro entende como votos médios aqueles que coincidem em parte do resultado, enquanto os votos cheios são aqueles que coincidem totalmente no resultado.

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qualitativo: nove votos aceitavam a recepção da lei quanto às cartas; cinco votos

aceitavam a recepção quanto ao restante; cinco votos não aceitavam a recepção

quanto ao restante.

O Min. Gilmar Mendes questionou a solução, afirmando que, se não houvesse

seis votos pela constitucionalidade ou pela inconstitucionalidade, a decisão não

seria dotada de efeitos vinculantes. O Min. Marco Aurélio sugeriu outra solução, no

sentido da aplicação analógica da regra do mandado de segurança: em caso de

empate, haveria a manutenção do ato do Presidente do STF, ou seja, a posição do

Presidente passaria a ser a vencedora.

O Min. Carlos Britto ressaltou que a sua posição aproximava-se mais do voto

do Min. Eros Grau do que da posição do Min. Marco Aurélio, pois ele considerava

que o serviço postal era serviço público. O Min. Gilmar Mendes perguntou se essa

posição significava uma redução teleológica da Lei, ao que o Min. Carlos Britto

respondeu que seu voto apenas excluiu encomendas e impressos do conceito de

serviço postal.

Nesse momento, o advogado fez uma importante intervenção:

“O Sr. Advogado - Os serviços ditos pelo Ministro Carlos Britto, eles já não

integram o monopólio dos correios - entrega de jornais, revistas, periódicos.

Já não são considerados monopólio. De fato, os correios, eles não são

exclusivos nesse serviço que Vossa Excelência mencionou.

O Senhor Ministro Carlos Britto - Tanto melhor.” (STF: ADPF 46-7/DF, Rel.

Min. Marco Aurélio, j. 05.08.2009, p. 163 do acórdão; p. 144 do arquivo

eletrônico)

É interessante o alerta da Min. Ellen Gracie: como a petição inicial admitia o

monopólio dos Correios para atividades relacionadas a cartas, excluir encomendas e

impressos do serviço postal corresponderia à procedência total da ação. Seguiu-se

uma série de críticas à redução promovida pelo Min. Carlos Britto, que não

abrangeria outras situações existentes, como talões de cheque, boletos, carnês.

Novamente o Min. Gilmar Mendes questionou se o Min. Carlos Britto entendia

que o art. 47 da Lei (conceito de carta) seria válido. O Min. Carlos Britto afirmou

que sim, e que não compreenderia encomendas e impressos. Assim, ele alterou a

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posição esposada no voto anterior: em vez de excluir toda a correspondência

mercantil do âmbito do serviço postal, ele afastou apenas encomendas e impressos,

que já estavam fora do monopólio.100

A grande guinada no julgamento ocorreu logo em seguida, pois o Presidente

proclamou que havia maioria formada no sentido da improcedência da ação,

surpreendendo o Min. Joaquim Barbosa e o próprio Min. Carlos Britto. Segundo o

Min. Gilmar Mendes, seu próprio voto reduzia o serviço postal às cartas, cartões

postais e correspondência agrupada, no que teria sido acompanhado pelos Ministros

Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, mas não pelo Min. Carlos Britto, que incluía

no serviço postal tudo o que não fosse encomendas e impressos.

Após a intervenção da advogada dos Correios, Sra. Maria de Fátima Morais

Seleme, no sentido de esclarecer que tanto o serviço de entrega de encomendas

como o serviço de entrega de impressos não eram abrangidos pelo privilégio

conferido à União, o Plenário chegou à conclusão de que o Min. Carlos Britto

mantinha a legislação exatamente como estava. Assim, a Corte decidiu pela

improcedência da ação.

Na sequência, o Min. Ricardo Lewandowski afirmou que seria necessário

deixar explícito o âmbito de incidência do tipo penal. O Min. Eros Grau ponderou

que nem ele nem o Min. Joaquim Barbosa haviam votado sobre a questão. O Min.

Cezar Peluso sustentou que não fazia parte do julgamento o art. 42, porque ele

incidiria sobre a parte exclusiva do serviço postal.

Mesmo assim, o Min. Gilmar Mendes ressaltou que a excessiva vagueza do

tipo penal poderia levar à sua inconstitucionalidade. Percebe-se, então, que, se

havia uma maioria quanto à questão substancial, não havia uma maioria quanto à

aplicação do tipo penal.

Apesar das manifestações do Min. Eros Grau, no sentido de que seria um fato

inusitado a reabertura da discussão para que a Corte decidisse sobre o tipo penal, o

100 Uma das justificativas para isso, apresentada posteriormente, seria a força dos argumentos econômicos trazidos pela Min. Ellen Gracie, no sentido de que os Correios ficariam prejudicados se perdessem o privilégio sobre a parte mais rentável do serviço.

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Min. Gilmar Mendes conseguiu apoio para acrescentar ao dispositivo decisório uma

interpretação conforme a Constituição que vinculasse o art. 42 ao art. 9º da Lei.

7) Caso dos concursos notariais: ADI-REF-MC 4178/GO, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 04.02.2010.

Distribuída a ação durante as férias do Tribunal, o pedido de liminar foi

deferido pelo então Presidente, Min. Gilmar Mendes. Posteriormente, o Min. Cezar

Peluso foi nomeado Relator para a ação, levando a cautelar para referendo em

Plenário. Ressalte-se, por oportuno, que o atual Relator da ação é o Min. Gilmar

Mendes, em substituição ao anterior, por conta da escolha do Min. Cezar Peluso

para Presidente da Corte (art. 38, RISTF).

O voto do Relator apresentou um raciocínio simples. Ao dispor sobre os

títulos passíveis de apreciação na prova de títulos dos concursos, todos os incisos

trariam hipóteses que instalariam uma desigualdade entre os candidatos,

favorecendo aqueles que já desempenhavam uma função notarial ao tempo do

concurso.

A única exceção seria o inc. V, cuja inconstitucionalidade não estaria no título

em si, mas no valor atribuído a ele. Nesse caso, o Min. Cezar Peluso desenvolveu o

entendimento no sentido de que a aprovação anterior em concurso notarial deveria

ser considerada de forma autônoma, separada da aprovação anterior em concurso

de carreira jurídica. Porém, a ela não poderia ser atribuído um número maior de

pontos, sob pena de violação da igualdade.

Outro aspecto da decisão do Presidente referendado pelo Ministro Relator foi

a distinção entre concursos de ingresso e concursos de remoção. No segundo caso,

o período de tempo no qual o candidato desempenhou atividade notarial poderia

ser computado desde o início do ingresso na carreira, sem violação à igualdade.

Assim, conferiu-se interpretação conforme a Constituição à Lei para que se

estabelecesse o ingresso no serviço como marco inicial do cômputo de tempo para

o título.

Como resultado, o Min. Cezar Peluso ratificou a decisão dada pelo Min.

Gilmar Mendes, inclusive com a distinção entre concursos de ingresso e remoção,

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com a única modificação de emprestar interpretação conforme a Constituição para

o art. 16, V, determinando que a atribuição de pontos para a aprovação em

concurso notarial seria válida, desde que eles não fossem sobrevalorizados em

relação aos concursos de carreiras jurídicas.

Mais dois votos aparecem no acórdão. O Min. Carlos Britto acompanhou o

Relator, intervindo somente para ressaltar que a avaliação de títulos no concurso de

notário deve servir apenas para classificação, não para reprovação. Além disso,

aproveitou a oportunidade para elogiar o critério utilizado pelo Relator, afirmando

que os títulos são avaliados como uma forma de mostrar a experiência acumulada

pelo candidato.

Logo após o voto do Min. Carlos Britto, em “Debates”, o Min. Cezar Peluso

esclareceu que a medida cautelar deveria se aplicar ao concurso homologado e

realizado sob a égide da lei. Nesse caso, como se tratava de prova de títulos, a

classificação deveria ser refeita. A Min. Cármen Lúcia endossou essa posição,

afirmando que os efeitos da cautelar não seriam apenas ex nunc, atingindo o

concurso homologado em janeiro de 2010 – o julgamento fora em fevereiro. O Min.

Joaquim Barbosa avisou que o STF deveria se preparar para receber reclamações,

por conta da decisão, mas não avançou mais na sua crítica.

Depois desse pequeno debate sobre os efeitos da cautelar, o Min. Marco

Aurélio votou pelo simples referendo da liminar, mas se recusou a atribuir à

cautelar quaisquer efeitos que pudessem atingir o concurso in concreto,

homologado antes do julgamento. Isso porque não seria papel do processo objetivo

alterar as situações concretas, até porque elas não constavam no processo.

Em seguida, houve a participação do advogado pedindo que a Corte fixasse

algum parâmetro de proporcionalidade para o título. Os Ministros Gilmar Mendes,

Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa foram uníssonos ao ressaltar que

não caberia ao Tribunal fazê-lo, mas sim ao edital do concurso, que deveria ser

refeito. As alterações incidiriam sobre a classificação dos candidatos aprovados, e

não sobre a aprovação dos mesmos.

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ANEXO IV

Tabela de comparação entre os procedimentos decisórios no

estrangeiro

Parâmetro Tribunal

Constitucional Austríaco

Tribunal Constitucional

Italiano

Tribunal Constitucional

Alemão

Tribunal Constitucional Espanhol

Suprema Corte

Americana

Supremo Tribunal Federal

Escolha do Relator inicial

do caso

Pelo Presidente da Corte, com total liberdade

Pelo Presidente da Corte, com total liberdade

Pelo Presidente da Corte, segundo princípios fixados no

início do ano de trabalho

Designado alternadamente,

segundo critérios objetivos

fixados no início do ano de trabalho

Não há um Relator inicial:

o caso é apresentado pelas partes, em debates orais, nos

quais os juízes podem fazer perguntas e

discutir entre si

Designado alternadamente mediante sorteio

eletrônico

Especialização do Relator

Pode acontecer Pode acontecer Depende dos critérios fixados

Depende dos critérios fixados

------- Não há

Atribuição do Relator

Elaborar um esboço com os

pontos da causa que devem ser

discutidos pela Corte a ser

enviado para os outros juízes

com documentos necessários

Examinar os aspectos

importantes da causa e propor

algumas soluções

Conduzir os procedimentos e elaborar os votos sempre

que for submeter alguma

questão à decisão pelos

pares

Conduzir os procedimentos, apresentar uma proposta de

decisão, redigir a sentença e

apresentá-la em audiência

-------

Conduzir os procedimentos,

submeter questões de ordem e elaborar o

relatório a ser distribuído para

todos os ministros

Reunião de deliberação

Reunião em Pleno, secreta, na qual são discutidos os

casos

Reunião em sessão secreta,

seja diretamente, seja após uma audiência com

as partes

Reunião em sessão secreta,

na qual o Tribunal decide

a questão

Reunião em sessão secreta,

na qual o Tribunal decide

a questão

Reunião em conferência secreta na mesma semana

Reunião em sessão pública e aberta, na qual o Tribunal decide a

questão

Resultado da deliberação

Votação sobre o rascunho da decisão, com

possibilidade de rejeição e nova elaboração

Construção da decisão em

conjunto, com a apresentação

de uma proposta final pelo relator

Construção da decisão, após a votação sobre aspectos da questão

Votação sobre a proposta de decisão do

relator, com a possibilidade de se votar cada aspecto da

causa ou uma parte da proposta

Fixação de um posicionamento

da Corte, inclusive com a possibilidade de votação formal

Decisão final do caso

Elaboração da decisão final

Decisão final é feita a partir do

esboço aprovado nas deliberações prévias, pelo relator que fez

Após a sessão secreta,

nomeia-se um juiz redator que irá redigir a opinião de

acordo com os

A decisão final é construída na

própria deliberação

Fica a cargo de um Relator, quando ele

concorda com o decidido, ou por

outro magistrado

Após a sessão, o Presidente (quando na maioria) ou o membro mais antigo da

maioria nomeia

Após o final das deliberações,

ainda na sessão de julgamento, o

Presidente procede à

contagem dos

Page 176: VÍCIOS NO PROCESSO DECISÓRIO DO SUPREMO … Guilherme Klafke... · Monografia apresentada à Escola de ... 2.1. O processo decisório do Plenário do STF ... pp. 522-523 do arquivo

173

o rascunho fundamentos da maioria

nomeado pelo Presidente, quando o Relator for minoritário

um juiz relator para escrever a

opinião da Corte

votos e proclama a decisão

Revisão da opinião final

Presidente da Corte analisa a

opinião elaborada e pode pedir

esclarecimentos ou mesmo iniciar novas discussões

No caso de uma sentença de mérito, o esboço feito pelo redator deverá ser novamente apreciado em sessão secreta e poderá ser até mesmo alterado

Qualquer juiz poderá pedir a continuação

das discussões se quiser

apresentar um voto em separado,

novos aspectos não discutidos ou ainda se quiser mudar

de voto

Os juízes devem assinar a

sentença, mas podem anunciar a intenção de

proferir um voto em separado mesmo nesse momento

Processo informal de circulação e discussão da

opinião elaborada pelo juiz relator

Após a proclamação do resultado em audiência, só é

possível a retificação por erro material ou por obscuridade

Definição da decisão final

Após a anuência do Presidente, o Relator pode redigir a

opinião final

Após a aprovação na sessão secreta, geralmente presidente e

relator elaboram juntos o

acórdão final

Após a apresentação de todos os

votos, inclusive os separados, a

decisão da Corte é

proferida em sessão pública ou enviada

para publicação

Após a redação da sentença

pelo Relator, se todos os juízes assinarem a

sentença, ela se torna definitiva

Após o período de elaboração da opinião, há uma sessão

aberta na qual todos os juízes

lêem seus votos ou

adotam uma das posições

A decisão final é definida na sessão de

julgamento e o acórdão é

elaborado pela juntada das

notas taquigráficas

Aporte de votos em separado

Não é possível Não é possível

Possível o aporte de votos dissidentes e

votos concorrentes

Possível o aporte de votos dissidentes e

votos concorrentes

Possível o aporte de votos

dissidentes e votos

concorrentes

Todos os votos são tomados

separadamente

Possibilidade de se alterar a

decisão

Até a anuência do Presidente, é possível

haver novas deliberações sobre o caso

Durante todo o período até a aprovação na

segunda sessão secreta

Há a possibilidade de se reabrir a discussão da causa até o

momento de se proferir a decisão

Após a assinatura da sentença por todos os juízes

que participaram, ela é imutável, exceto por erro material ou obscuridade

Durante todo o período em que o juiz relator está elaborando a

opinião

Não há possibilidade

institucionalizada de se alterar a decisão, exceto durante as próprias

deliberações