Via de direito, via de favor
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VIA DE DIREITO, VIA DE FAVOR
Relatrio resultante de estudo sobre
demanda, viabilidade, potenciais
benefcios e impactos advindos da
reabertura de estrada na Resex
Riozinho do Anfrsio (PA).
So Paulojunho de 2011
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Expediente
pesquisa, texto e mapas:
Natalia Guerrero
Juan DoblasMaurcio Torres
diagramao e arte:
Vitor Flynn
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VIA DE DIREITO,
VIA DE FAVOR
Relatrio resultante de estudo sobre demanda, viabilidade,
potenciais benefcios e impactos advindos da reabertura de
estrada na Resex Riozinho do Anfrsio (PA).
So Paulojunho de 2011
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SUMRIO
1. Apresentao 9
2. Contextualizao regional 152.1. A Resex Riozinho do Anrsio 21
2.1.1. Aspectos inra-estruturais esocioeconmicos 22
2.1.1.1. Inra-estrutura, cidadania e economia naResex 23
2.1.1.2. Meios de vida e gerao de renda 27
2.2. Os de cima e os de baixo 303. A vida sem estrada e as expectativas do que se
resolveria havendo uma estrada 41
3.1. Sade: crianas sorem mais 43
3.2. Produo e comrcio 45
3.3. Outras razes 47
4. Sobre a viabilidade da estrada 49
4.1. Descrio material da estrada 51
4.1.1. Declividade 54
4.1.2. reas alagveis 54
4.1.3. Situao atual da estrada 55
4.2. A avor ou contra? apelo e solidariedade 57
4.3. Restries 59
5. A estrada de So Paulo 636. Concluso 75
6.1. A estrada e os madeireiros 78
6.2. A estrada no sai: que azer? 79
6.3. Espaos de deciso 81
Reerncias Bibliogrcas 83
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LISTA DE FIGURAS
Figura 4.1 Situao da estrada solicitada em relao aos limi-
tes municipais.
Figura 4.2 Perl planialtimtrico da estrada, no seu compri-
mento total e na poro no traegvel atualmente.
Figura 4.3 Perl da estrada com os pontos sujeitos a inundao
destacados.
LISTA DE GRFICOS
Grfco 2.1 Distribuio de renda por regio com assalariados
Grfco 2.2 Distribuio de renda por regio sem assalariadosGrfco 3.1 Mortalidade inantil na Resex Riozinho do Anrsio
Grfco 4.1 Opinio sobre a estrada de acordo com a regio da
Resex
Grfco 4.2 Opinio sobre a estrada por localidades da Resex
LISTA DE MAPAS
Mapa 2.1 A Resex Riozinho do Anrsio em relao s UCs do
entorno.
Mapa 2.2 Comunidades da Resex Riozinho do Anrsio.
Mapa 2.3 Frentes de penetrao da grilagem.
Mapa 4.1 Mapa topogrco mostrando o percurso da estrada
solicitada.
Mapa 4.2 reas alagveis no entorno da estrada solicitada.
Mapa 6.1 Exemplo de identicao mediante sensoriamentoremoto.
Mapa 6.2 processamento por componentes principais.
Mapa 6.3 Interpretao tentativa.
Mapa 6.4 Localizao da imagem processada na extremidade
Oeste da Resex.
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1. Apresenao
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Eu achei ruim da primeiravez que eu fui [varando ap a esrada de So Paulo].Ainda hoje eu no achobom. A gene vai porque forado.
Seu Janurio
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As histrias de vida da populao da Resex Riozinho do
Anrsio (pa) compem-se tal como as curvas do rio que
lhe d nome: numerosas, imbricadas, de uma redundn-
cia enganosa, que expressa a um s tempo o pertencimento com-partilhado e as especicidades irredutveis. No vocabulrio con-
traditrio dos que se suspeitam clientes de direito, mas que vivem
muitas vezes como clientes de avor, uma parcela da populao da
Resex vem reiterando h alguns anos uma demanda a mediadores
e agentes do Estado que atuam na regio: a reabertura de uma
estrada que liga a reserva aos centros urbanos mais prximos. Isso
concorreria, dizem muitos, para a melhoria da sade, do transpor-
te, do comrcio, entre outros aspectos socioeconmicos. Mas pode-
ria tambm, indicam alguns, acarretar maiores presses sobre os
recursos da reserva e dar novo lego a confitos de que a regio
oi palco num passado recente.
Foi a partir desse quadro que o Instituto Chico Mendes de Con-
servao da Biodiversidade (ICMBio), com apoio do Instituto So-
cioambiental (isa), promoveu no nal de 2010 uma expedio de
pesquisadores Resex Riozinho do Anrsio e a sua vizinha ime-
diata, a Resex do Rio Iriri, com o intuito de mapear os benecios,
presses e alternativas reabertura de uma antiga estrada detransporte de borracha que liga o rio s vias dos municpios pr-
ximos de Trairo e Itaituba. dos resultados dessa expedio que
se constitui, assim, o contedo do presente relatrio.
Reunida em 02 de dezembro de 2010 em Trairo, a equipe in-
terdisciplinar de pesquisadores se via composta por Mauricio Tor-
res, Juan Doblas, Natalia Guerrero, o gestor do ICMBio para a Re-
sex Riozinho do Anrsio, Luis Wagner Guimares, o coordenador
adjunto do Programa Xingu do ISA na Terra do Meio, Marcelo Sa-lazar, e os moradores da prpria Resex: Gildo Bezerra de Castro,
Lindomar Bezerra de Castro, Pedro Pereira de Castro e Edinho
Bezerra de Castro. Foram dez dias de trabalho ao todo, da sada
de Trairo at a chegada em Altamira, perodo durante o qual a
equipe buscou dar conta dos seguintes objetivos em campo:
Percurso da chamada estrada de So Paulo a p, jun-
tamente com moradores da Resex. Foram dois dias de
caminhada mata adentro, totalizando cerca de 40 quil-
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metros, ao longo dos quais os moradores da Resex que
nos acompanhavam compartilharam seu conhecimento
sobre a histria da estrada e seu uso tradicional passado
e presente.
Georreerenciamento do percurso da trilha sobre a qual
se demanda a abertura da estrada, com anlise planial-
timtrica. Para alm da estrada, realizou-se tambm o
georreerenciamento das atuais moradas da Resex ao
longo do rio, bem como de moradias antigas e outras
toponmias mais signicativas, possibilitando projetar
geogracamente os dados dos depoimentos acerca da
estrada e da situao socioeconmica da Resex.
Entrevistas com moradores da Resex sobre difculda-
des cotidianas e o papel da estrada. Consulta a todos
os moradores da Resex Riozinho do Anrsio que se en-
contravam em suas casas, com gravao das entrevistas,
para mapeamento de potenciais benecios e eventuais
ameaas ou prejuzos que a empreitada pudesse acarre-
tar. Na medida do possvel, e de orma complementar e
mais sinttica, buscamos algo similar em entrevistas na
Resex do Rio Iriri.
Assinalamos, como reiteradamente o zemos em campo, que
a equipe e aqui alamos em especco dos trs pesquisadores
que realizaram as entrevistas e assinam o presente relatrio
no detm poder algum sobre os meios de eetiva construo da
estrada, e que sequer lhe cabia a responsabilidade de originar
uma espcie de veredito sobre a reabertura ou no da via. O
que estava no escopo de nossas atribuies, e que buscamos com
empenho cumprir, era a gerao e registro do maior volume poss-
vel de inormaes envolvendo a estrada em questo, o que aqui
apresentamos.
Assim, estruturalmente, o relatrio se inicia com uma contex-
tualizao regional da Resex Riozinho do Anrsio, com desde da-
dos sobre aspectos socioeconmicos da populao at uma reca-
pitulao dos confitos sociais que ali eclodiram nos ltimos anos,
passando por inormaes sobre os estgios de implementao da
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Resex, bem como os trabalhos que o isa e outras organizaes vm
desenvolvendo na regio.
Num segundo momento, apresentam-se mais detidamente, com
auxlio de mapas e grcos, os dados colhidos em campo juntos amlias da Resex, e que expressam as diculdades hoje en-
contradas e para as quais se vislumbra a estrada como soluo.
Como contraponto, discute-se a orma com que a implementao
da estrada ocasionou possibilidades para madeireiros e grileiros
barganharem acesso e recursos da Resex com a populao e de
como (rente massiva demanda pela estrada) isso continua sen-
do potencialmente possvel.
O captulo seguinte dedica-se a analisar a viabilidade eetiva
da estrada. Trata-se de descrever o percurso, sobre uma base de
mapas diversicada e que contempla distncias, variaes sazo-
nais, perl, manuteno, distribuio das opinies das amlias
sobre a estrada etc. Alm disso, tece-se uma anlise ponderada
das vantagens e dos riscos da estrada no que se reere ao custo de
transportes e situao undiria cercada de confitos. Finalmen-
te, dados da realidade de outras comunidades da regio que de-
pendem de estradas em seu cotidiano permitem projetar quadros
comparativos com a Resex Riozinho do Anrsio.No Captulo 5, os depoimentos de moradores da Resex, bem
como outras ontes complementares, compem um percurso his-
trico da estrada de So Paulo, desde seu emprego como trilha de
animais de carga para transporte de borracha at o uso que dela
se az hoje, como palco de atividades extrativistas ou via de aces-
so aos centros urbanos mais prximos.
Por m, o captulo de concluso no abriga, como j alertado,
um aconselhamento echado com relao estrada. Nesse seg-mento do relatrio, apontam-se o que consideramos como os mais
legtimos espaos para essa deciso, o registro de uma ocina
em que os dados do relatrio oram preliminarmente apresenta-
dos comunidade, bem como alternativas construo da estra-
da que poderiam, eventualmente, solucionar alguns dos pleitos
apresentados.
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2. Conexualizao
regional
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Se no ivesse criado a Resex, a geneno ava aqui, ou ava aqui rabalhandode empregado.AlfredoDepois que esse ouro pessoal enroucom esse negcio dessas
esradas, a foi que melhorou. Quemprimeiro enrou foi o povo do Osmar. Afoi que comeou a melhorar pro povo.[]Eles davam carona pra gene, erarapidinho. [] De graa, nunca cobraramum cenavo.
Seu Anonio
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AReserva Extrativista Riozinho do Anrsio teve sua cria-
o decretada em 08 de novembro de 20041, mas o pro-
cesso que resultou em sua ormalizao pode ser situado
alguns anos antes, no bojo do imenso esoro de diversos atoressociais para propor a constituio, na poro do estado do Par
conhecida como Terra do Meio, de um mosaico de unidades de
conservao ambiental que visava o ordenamento territorial e
o desenvolvimento sustentvel da regio2. Esse extenso traba-
lho de levantamento, sistematizao e mobilizao, encomendado
pelo Ministrio do Meio Ambiente ao isa em 2002, partia do reco-
nhecimento, a um s tempo, da singular biodiversidade abrigada
no territrio e das ameaas representadas por confitos e grandes
projetos regio, para da propor ao governo um conjunto de pos-
sveis solues.
Trata-se de um patrimnio socioambiental raro e surpreen-
dente pelo seu grau de preservao, considerando o contexto
regional onde est inserido. Tudo leva crer que este estado de
preservao deve-se, sobretudo, ao papel de amortecimento
exercido pelas terras indgenas no entorno da Terra do Meio
[...]. Sua integridade, no entanto, est seriamente ameaada.
Os vetores de ocupao descritos neste estudo reproduzem a
clssica coalizo de interesses econmicos, responsveis pela
ocupao do sul da Amaznia brasileira, congurando um mo-
delo contnuo e perverso de apropriao e uso dos recursos
naturais.3
Neste ltimo decnio que se completa da realizao do estudo,
o mosaico oi aos poucos se compondo conjuntamente com as Ter-
ras Indgenas, tendo sido criados o Parque Nacional do Jamanxim
(2006), a Floresta Nacional do Jamanxim (2006), a Estao Ecol-
gica da Terra do Meio (2005), o Parque Nacional da Serra do Pardo
(2005), a Floresta Nacional do Trairo (2006), a rea de Proteo
Ambiental de Triuno do Xingu (2006) e as Resex Riozinho do An-
rsio (2004), do Rio Iriri (2006) e do Rio Xingu (2008).
A gura jurdica do mosaico consta do Sistema Nacional de
Unidades de Conservao (Snuc), Lei 9.985 de 18 de julho de
2000, em seu Artigo 26:
1. Decreto s/ n publicado em
09 de novembro de 2004, no
Dirio Ocial da Unio, edio
215, seo 1, pp. 08-9.
2. Villas-Bas, A. et al. Estudos
preliminares e formulao de
uma proposta tcnica para a
implantao de um mosaico
de Unidades de Conservao
no Mdio Xingu. So Paulo:
Instituto Socioambiental,
2003, p. 25.
3. Ibidem, p. 26.
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Art. 26. Quando existir um conjunto de unidades de conserva-
o de categorias dierentes ou no, prximas, justapostas ou
sobrepostas, e outras reas protegidas pblicas ou privadas,
constituindo um mosaico, a gesto do conjunto dever ser ei-
ta de orma integrada e participativa, considerando-se os seus
distintos objetivos de conservao, de orma a compatibilizar
a presena da biodiversidade, a valorizao da sociodiversida-
de e o desenvolvimento sustentvel no contexto regional. Pa-
rgrao nico. O regulamento desta Lei dispor sobre a orma
de gesto integrada do conjunto das unidades.
necessrio reiterar, porm, que a simples inscrio na letra
da lei de um conjunto de unidades geogracamente prximas nogarante, eetivamente, o sucesso da proposta original, que o de
azer rente a um confituoso cenrio de expropriao, violncia
e disputa por recursos da regio, levado ao mais amplo conheci-
mento pblico particularmente aps o assassinato da missionria
Dorothy Stang, em 2005. Trata-se, portanto, como si acontecer
quando se ala de polticas pblicas, de alocao de recursos e pla-
nejamento de gesto, como se depreende da avaliao do ISA:
Por tudo isso a Terra do Meio um desao capacidade doEstado brasileiro de ormular, coordenar e implantar polti-
cas socioambientais e de ordenamento territorial. O destino
da regio pode ser uma boa pista para saber se o Poder P-
blico ser capaz, nos prximos anos, de proteger Amaznia e
colocar em prtica uma alternativa sustentvel ao modelo de
desenvolvimento predatrio que nela impera hoje.4
Como dito, o trabalho que resultou na proposta do mosaico teve
grandes propores e contou com o envolvimento de diversos mo-vimentos sociais e entidades da sociedade civil. Para os ns deste
relatrio, importante identicar e destacar alguns desses atores
que desenvolveram atividades mais diretamente nos territrios
que hoje correspondem s Resex do Riozinho do Anrsio e do
Rio Iriri5, e que ainda hoje o azem com destaque aos olhos dos
ribeirinhos. Registre-se que as reeridas unidades de conserva-
o, embora tenham sido decretadas h cerca de cinco anos, vm
compartilhando um processo recente de eetiva implantao, com
4. souza, Oswaldo Braga
de. No centro do Par, um
desao socioambiental ao
Estado brasileiro. Notcias
socioambientais. ISA, 06 out.
2006.
Disponvel em http://www.
socioambiental.org/nsa/
detalhe?id=2329. Acesso
realizado em 02 de maro de
2011.
5. Embora o presente trabalho
diga respeito a uma demanda
maniesta na Resex Riozinho
do Anrsio, a proximidade
em termos geogrcos e de
vnculos sociais entre essa
Resex e a do Rio Iriri levaram
equipe a estender algumas
atividades tambm segunda.
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a elaborao e consolidao de alguns de seus principais instru-
mentos de gesto preconizados pelo Snuc, como o Plano de Mane-
jo Participativo, o Plano de Utilizao e o Conselho Deliberativo.
Nesse sentido, em diagnstico socioeconmico requisitado peloICMBio e datado de 2008, vemos que:
Ao perguntar para os ribeirinhos sobre quem os ajudou e os
ajuda no processo de desenvolvimento da resex as trs ins-
tituies mais citadas so a fvpp Fundao Viver, Produzir
e Preservar, a cpt Comisso Pastoral da Terra Prelazia do
Xingu e o ibama Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e
Recursos Renovveis.6
A identicao dos principais rgos e entidades que atuam narea muitos deles hoje integrantes do Conselho Deliberativo das
Resex nos parece importante porque se espera que o presente
estudo possa eventualmente ornecer subsdios para algumas di-
menses da atuao dessas entidades, seja para melhor compre-
enso de uma demanda to reiterada, como o caso da estrada,
seja para auxiliarem na elaborao de alternativas, caso essa de-
manda, por deciso da populao ou por impedimentos externos,
no se realize.Fundada em 1991, a Fundao Viver, Produzir e Preservar cons-
titui uma organizao sem ns lucrativos sediada em Altamira,
mas com atuao em cerca de vinte municpios do oeste do Par,
destacadamente nas reas de articulao de movimentos sociais
e auxlio ormulao de polticas pblicas para a regio. Nas Re-
sex da Terra do Meio, seu trabalho se concretizou na esteira de um
de seus programas, o do Movimento de Mulheres Trabalhadoras
do Campo e da Cidade de Altamira (mmtcca). Segundo apresenta-
o da prpria fvpp:
Nos ltimos cinco anos o movimento de mulheres teve uma
atuao decisiva apoiando a criao das Unidades de Con-
servao na regio da Terra do Meio e as Reservas Extrati-
vistas: Verde Para Sempre e a do Riozinho do Anrsio, assim
como as do Rio Iriri e do Mdio Xingu que oram decretadas
recentemente. Neste caso, o movimento de mulheres tem atu-
ado em aes de cidadania em avor da populao que se en-
6. ICMBio. Diagnstico
socioeconmico,
cadastramento e formao do
Conselho Deliberativo da Resex
Riozinho do Anfrsio. Altamira,
2008. p. 91.
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contram nestas reas, acilitando na retirada de documentos
e realizando cursos de ormao para estas amlias.7 (grios
no original)
Com longa e histrica atuao junto a movimentos sociais cam-poneses, a Comisso Pastoral da Terra, em sua Prelazia do Xingu,
tem contribudo na Terra do Meio com desde a articulao para a
criao do mosaico de reas protegidas at permanentes esoros
para ampliao do acesso a inraestrutura por parte dos morado-
res das Resex, bem como a articulao de atores sociais locais e
engajamento para denncia e resoluo de confitos undirios.
O Instituto Socioambiental, undado em 1994 e igualmente no-
trio por seu engajamento na deesa dos direitos de povos ind-genas e outras populaes tradicionais, tambm mencionado
por muitos ribeirinhos das Resex Riozinho do Anrsio e do Iriri
como um apoiador no que se reere a acesso a inraestrutura, or-
ganizao comunitria, mediao junto ao poder pblico, entre
outros. Coordenador de diversos dos estudos que culminaram com
a criao de muitas unidades de conservao na Terra do Meio, o
ISA mantm um programa que, alm de atuar diretamente junto
aos povos indgenas do Parque Indgena do Xingu e da TI Panar,
tambm contempla aes reerentes a outras unidades de conser-
vao ambiental da regio. So linhas do Programa Xingu do isa
na Terra do Meio:
As principais aes so realizadas em parceria com diversas
instituies governamentais, no governamentais, associaes
e comunidades e so voltadas para aumentar a capacidade de
interlocuo e o protagonismo poltico dos extrativistas com a
sociedade; promover instalao de inraestrutura bsica nas
Reservas Extrativistas; ampliar a autonomia econmica das
comunidades e a capacidade de gesto de suas organizaes;
promover condies para identicao e registro das prticas
de manejo dos recursos naturais tradicionais, alm de con-
tribuir para o processo de regularizao undiria nas reas
protegidas.8
Alm das entidades da sociedade civil destacadas pelos ribei-
rinhos, as Resex Riozinho do Anrsio e do Rio Iriri so objeto das
7. Texto de apresentao
do projeto Movimento de
Mulheres Trabalhadoras
do Campo e da Cidade de
Altamira (mmtcca).
Disponvel em http://www.
vpp.org.br/projetos_detalhe.
asp?cod=61&cod_pai=13.
Acesso realizado em 02 de
maro de 2011.
8. Apresentao do Programa
Xingu no stio do isa.
Disponvel em http://www.
socioambiental.org/prg/xng.
shtm. Acesso realizado em 02
de maro de 2011.
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atribuies de segmentos diversos da administrao pblica. o
caso da Preeitura de Altamira, municpio sob cuja responsabi-
lidade esto as duas Resex, bem como a Preeitura de Itaituba,
que eventualmente se encarrega da sade dos ribeirinhos do altoRiozinho, como veremos adiante. A Polcia Federal e o Ministrio
Pblico Federal tambm realizam aes na Resex. No entanto, o
rgo cuja atuao reconhecida como mais prxima por parte
da populao , sem dvidas, o Instituto Chico Mendes de Conser-
vao da Biodiversidade (ICMBio), responsvel direto da gesto
das unidades.
2.1 A Resex Riozinho do AnRsio
Estendidos pelo municpio de Altamira, sudoeste do Par, os limi-
tes da unidade de conservao compreendem uma rea de 736.340
hectares, situados na bacia do rio Xingu. Uma entre as dezenas de
reas protegidas que constituem o mosaico da Terra do Meio, a
Resex Riozinho do Anrsio limita-se ao norte com o municpio de
Rurpolis, a oeste com a Floresta Nacional de Trairo, a sudoeste
com o Parque Nacional Jamanxim, a sul com a Flona de Altamira,
a nordeste com a Terra Indgena da Cachoeira Seca, a sudeste
com a TI Xipaya e a leste com a Resex do Rio Iriri (Mapa 2.1). De
acordo com o mais recente cadastramento, a Resex abrigava, em
2011, 57 amlias9.
No Captulo 5, ao tratarmos das origens da estrada cuja reaber-
tura hoje se demanda, o histrico de ocupao da Resex Riozinho
do Anrsio ser retomado. Por ora, note-se que, assim como mui-
tas comunidades amaznidas, a ocupao mais recente da Resex
Riozinho do Anrsio se remete extrao de borracha, na virada
do sculo xix para o xx, perodo durante o qual as populaes ind-genas que habitavam a regio se deparam mais intensamente com
os povoamentos de trabalhadores emigrados do Norte e Nordeste
brasileiro, que vinham abastecer de mo-de-obra os emergentes
seringais. Foram dcadas de violentos conrontos, que impuseram
pesadas baixas a ambos os lados.
Da desagregao dos seringais at os dias de hoje, os descen-
dentes daqueles seringueiros, em cujos grupos oram incorpo-
rados requentemente por meio da violncia membros das
9. ICMBio. Op. cit. p. 08.
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populaes indgenas, oram compondo um segmento campons
forestal, alicerado na pequena agricultura consorciada com ati-
vidades de caa, pesca, coleta, entre outras. O item a seguir se
destina a traar um quadro sinttico e atual de como vive a popu-
lao da Resex hoje a qual tipo de inra-estrutura tem acesso, aquais atividades produtivas se dedica, de que orma se organiza e
se associa internamente etc.
2.1.1 ASPECTOSInFRA-ESTRUTURAISESOCIOECOnMICOS
A Resex Riozinho do Anrsio se situa a cerca de 400 km da sede
municipal de Altamira, e tem em sua proximidade os eixos virios
das rodovias br-163, a oeste, e br-230 a norte Ainda assim, no h
acesso entre tais vias e as moradias da Resex, distribudas em 28
Mapa 2.1 A Resex Riozinho
do Anrsio em relao s UCs
do entorno. Elaborao: Juan
Doblas, 2011.
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localidades (Mapa 2.2) ao longo do rio, o que az com que o trans-
porte de pessoas e produtos seja eito, quase que em absoluto, por
meio de rabetas, voadeiras, em barcos prprios, da associao de
moradores ou nos barcos de regato. Aps o incremento da Resex,uma pista de pouso, aberta pelo seringalista Anrsio Nunes em
meados do sculo XX, e reativada por grileiros e madeireiros que
atacaram a regio at 2004, oi recuperada e permite atendimen-
tos de emergncia mdica por meio de avies monomotores. Ainda
que importante, esse servio ainda raro, incerto, no regulamen-
tado, caro, cando o transporte, ento, basicamente condicionado
aos rios. A eetividade desses meios, como melhor veremos adian-
te na concluso deste trabalho, se encontra diretamente aetada
pela dinmica de cheias e vazantes. No vero, quando o Riozinho
do Anrsio tem substantiva diminuio de vazo, diversos trechos
se tornam virtualmente intransitveis por embarcaes mdias
ou grandes durante o perodo de estiagem, principalmente entre
os meses de agosto e novembro.
At 2008, a Resex Riozinho do Anrsio no contava com ne-
nhum oerecimento de educao ormal dentro de seus perme-
tros. Hoje, h cinco escolas em uncionamento: nas comunidades
de Lajeado, Boa Sade, Novo Paraso, Morro e Praia do Anrsio. Oatendimento de sade aos ribeirinhos por parte do poder pblico
tambm tem um longo histrico de abandono e precarizao10.
Para o atendimento das mais de cinqenta amlias, a Resex conta
atualmente uma microscopista e h dois Agentes Comunitrios de
Sade que atuam pelo Programa de Sade da Famlia (PSF).
2.1.1.1 ira-rra, aaa ma a RESEx
Em diagnstico encomendado pelo ICMBio (2008), oram registra-dos alguns itens de inra-estrutura bsica e sua distribuio pelas
comunidades da Resex Riozinho do Anrsio. Temos, assim:
Rabetas as rabetas so encontradas nas seguintes localida-
des: uma em Buenos Aires, uma no Alto Alegre, duas no Paulo
Aonso, uma no Portinho de Cima, uma em Novo Paraso, uma
em Sorriso da Noite, uma em Barra do Vento, uma em Bom
Jardim e uma na Praia Grande.
10. Ver souza, Oswaldo Braga
de. Crianas morrem por alta
de atendimento na Resex
Riozinho do Anrsio (pa).
Notcias Socioambientais. isa.
26 jun. 2007.
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Mapa2.2
Comunidadesda
ResexRiozinh
o
doAnrsio.
Elaborao:Juan
Doblas,2011.
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Barco comunitrio o barco comunitrio se encontra em Bom
Jardim.
Rdio amador existe rdio amador nas seguintes localida-
des: Portinho de Cima (somente recebe chamadas), Novo Pa-
raso e Bom Jardim.
Televiso e Antena Parablica Somente as localidades
Novo Paraso e Bom Jardim possuem televiso e antena
parablica.
Gerador - Somente as localidades Novo Paraso e Bom Jardim
de utilizao da microscopista - possuem gerador.
Locais para reunio as localidades Bom Jardim, Morro e
Lajeado esto mais estruturadas, possuindo barraces para
realizao das reunies.
Local para pouso de helicptero possvel pousar helicp-
teros nas seguintes localidades: Portinho de Cima, Lajeado,
Boa Sade I e II, Novo Paraso, Bom Jardim, So Pedro, Praia
Grande, Barra do Vento, Praia do Frizan.
Pista de avio a localidade Praia do Frizan possui uma pista
de pouso, que oi utilizada em 2006. Atualmente a pista en-
contra-se em condies precrias, pois oi tomada pela planta
espinhosa rabo de camaleo necessitando assim de limpeza
para um eventual uso.
Poo Artesiano a localidade Bom Jardim possui poo arte-
siano, mas o mesmo est desativado por alta de um gerador
adequado ou bomba manual.11
Alm do apoio para obteno de alguns itens de inra-estrutura
bsicos, como os listados acima, entre 2008 e 2010, em termos de
gesto, a Resex contou com apoio para ormao de seu Conselho
Deliberativo, elaborao de seu Plano de Uso, reviso de seu Pla-
no de Manejo e legalizao da Associao de Moradores. Alm
disso, oram desenvolvidos estudos e implementados projetos re-
lacionados a gerao de renda, como para produo de leo de
copaba, extrao de borracha, castanha-do-Brasil, entre outros
11. ICMBio. Op. cit., p. 67-8.
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produtos forestais no madeireiros.
Na expedio realizada por esta equipe em dezembro de 2010,
em busca de atualizao desse quadro, solicitamos aos moradores
uma avaliao da situao de vida aps a implementao da Re-sex, particularmente no contexto dos projetos de inra-estrutura
implementados, como os citados acima.
No conjunto dos relatos, tomando o advento da Resex de modo
geral, observaram-se algumas dierenas das opinies dos mora-
dores do alto e do baixo Riozinho. Entre os primeiros, embora a
maioria das avaliaes tenham sido positivas, alguns se mostra-
ram mais desconados ou mesmo descontentes com aspectos res-
tritivos da unidade de conservao, como seu Antonio*, que cri-
ticou a proibio dos garimpos e a orma de gesto do territrio:
Cada qual com o que seu, no com a terra que do Governo.
J entre os moradores do baixo Riozinho, muitos caracterizaram a
Resex como a garantia de sua permanncia na terra. Alredo en-
tende que a criao da UC oi eliz ao interromper com a atuao
de grileiros na rea: Se no tivesse criado a Resex, a gente no
tava aqui, ou tava aqui trabalhando de empregado. Entendimen-
to anlogo tem Joaquim: Foi bom porque eu no sa de onde eu
vivo, de onde eu moro. Se no tivesse existido a Resex, hoje eu noexistia aqui.
Essas avaliaes podero ser melhor compreendidas luz da
recuperao histrica que se az adiante neste captulo, sobre os
confitos relativamente recentes na regio da Resex envolvendo
grileiros e madeireiros, bem como as ormas de atuao desses
grupos no contexto das dierenas socioeconmicas entre as por-
es do Riozinho do Anrsio.
Com relao s modicaes na inra-estrutura das localida-des, advindas da implementao da Resex e do apoio das institui-
es parceiras, podemos identicar alguns consensos e tambm
algumas divergncias. O oerecimento de ensino ormal com a
construo de cinco escolas na Resex , sem dvidas, objeto de
diversos elogios ao longo de toda a Resex. Eu no tive a oportu-
nidade que meus lhos esto tendo, disse Roberto. Em compen-
sao, a sade ainda ator de proundo descontentamento. Em-
bora um ou outro morador mencione o trabalho da microscopista,
* Todos os depoimentos de
moradores da Resex Riozinho
do Anrsio citados so
atribudos a nomes ctcios,
para resguardar a identidade
de seus autores.
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atuante desde 2007, a populao da Resex quase unnime em
armar que esse um campo extremamente undamental que
pouco avanou nos ltimos anos.
A comunicao, interna e externamente Resex, tambm oiapontada como um aspecto aprimorado nos ltimos anos, com a
distribuio de rdios-amadores em diversas localidades. No en-
tanto, por se tratar de um equipamento cuja instalao individu-
alizada nas casas dos moradores, houve crticas por parte de algu-
mas pessoas aos critrios de distribuio na Resex, bem como ao
regime de acesso aos equipamentos. Isso apareceu tambm quan-
do oi avaliada a distribuio dos motores-rabeta comunitrios.
Em ambos os casos, muitos moradores demonstraram entender
esses instrumentos como benecios direcionados a determinadas
amlias, e no como aparatos de inra-estrutura da Resex. Eu
no tenho nada custa da reserva, disse Mrio. Roberto arma
que tambm nunca ganhou nada, nem motor, nem rdio.
Muitos ribeirinhos declaram no conhecer as atividades de-
senvolvidas pela Associao de Moradores. Em alguns casos, sua
atuao oi alvo de crticas. Seu Janurio, por exemplo, acredita
que a entidade raca, pois acha que deveria haver mais encon-
tros entre os comunitrios. S tem reunio quando vem gentede ora, avalia. Alm disso, altaria empenho na circulao de
inormaes importantes, como os projetos de gerao de renda
e ans.
A propsito de inormaes sobre projetos, vale registrar que
por diversas vezes ouviu-se a caracterizao do isa como divul-
gador e realizador de muitos deles, como o rdio, que oi o isa
que deu. Hoje tem coisa que ningum nunca via motor, rdio,
arinheira, avalia Joo Pedro, e completa: o isa d uma oramuito grande aqui dentro. Essa meno explcita ao Instituto
expressa um reconhecimento do que j oi eito ao mesmo tempo
em que nos remete s condies de realizao da pesquisa para
este relatrio, j que muitos podem ter acabado nos identicando
como membros da organizao (ou mesmo com alguma esera do
poder pblico), e consequentemente superdimensionado nossa
capacidade de interveno na realidade da Resex. Elogiar expli-
citamente os projetos, associando-os ao instituto, seria uma orma
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de buscar rearmar o compromisso com a manuteno e amplia-
o desses projetos. Buscando eeito semelhante, mas de orma
simetricamente inversa, houve quem osse veemente em pintar
um cenrio extremamente negativo da vida na Resex. Jos, ummorador do alto Riozinho, por exemplo, oi extremamente categ-
rico em armar que com a Resex s houve piora. Questionado so-
bre a escola, que seus lhos hoje requentam, sua caracterizao
oi a de que tem uma porcaria a embaixo. Assim, esse tipo de
discurso acaba constituindo, muitas vezes, uma orma de reivin-
dicao mais do que uma avaliao objetiva e ranca da situao
em questo. Anal de contas, na Resex como em qualquer outro
lugar, ocorre como diz seu Claudemir: A vasilha do ter nunca
enche....
... M a gra ra
A produo dos meios de vida para a populao da Resex Riozi-
nho do Anrsio se az em torno de uma combinao de atividades
agrcolas e extrativistas, neste ltimo caso relativa tanto a recur-
sos vegetais quanto animais. O principal produto das lavouras da
Resex a mandioca, que divide espao com culturas variadas,
como o arroz, o eijo, a macaxeira, o milho, a banana, a melancia,
a batata, as avas, a abbora, o car etc. Dessa ampla gama que
abastece as mesas dos ribeirinhos, esto mais sujeitas a comercia-
lizao, sempre em uno das necessidades das amlias, a ari-
nha de mandioca, o milho em espigas e, eventualmente, o arroz.
Diante desse quadro, possvel compreender por que a agri-
cultura no constitui precisamente a principal onte de renda na
Resex, ainda que seja uma parte undamental da produo dos
meios de vida, ao lado da pesca e da caa. Isso porque, quando seala em onte de renda num segmento campons forestal, como
o caso, est-se pensando em meios pelos quais as amlias obtm a
monetarizao que lhes permita acessar bens industrializados.
Assim, segundo o ltimo diagnstico socioeconmico realiza-
do12, a atividade que ocupava o primeiro lugar como principal
onte de renda das amlias da Resex Riozinho do Anrsio era
o extrativismo, responsvel por 58,5% da renda geral. Dentre
os produtos extrativistas, a castanha-do-brasil gura no topo do
12. Ibidem, p. 71-3.
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ranking, seguida mais de longe pelo leo de copaba, o peixe, o
leo de andiroba, o mel, a seringa e o breu. A distribuio dessas
atividades ao longo do ano pode ser vista na reproduo do calen-
drio produtivo da Resex, no Quadro 2.1.
Neste ponto, cabe registrar algumas vises sobre o impacto de
projetos de gerao de renda, cujo desenvolvimento tem ocorrido
nos ltimos trs anos, tem tido na vida dos moradores da Resex,
a partir de depoimentos tomados em 2010. Dentre os programas
Qar . Calendrio
produtivo da Resex Riozinho
do Anrsio
Fonte: ICMBio, 2008.
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especcos de apoio ao extrativismo, como o ligado extrao de
castanha, andiroba, copaba e borracha, os ltimos dois oram os
mais mencionados pelos moradores da Resex, com destaque evi-
dente para o projeto da seringa. Isso no quer dizer que todas asmenes tenham se dado em contexto de aprovao incondicio-
nal. Na realidade, a maior parte dos moradores com conhecimen-
to ou experincia direta com o projeto apontou questes a serem
trabalhadas para que se obtenha sucesso. Embora se reconhea
o preo relativamente atraente pago pelo produto, muitos deles
apontaram inseguranas sobre a orma de operacionalizao do
transporte da produo at Altamira. Aonso conta, por exemplo,
que oi esse o motivo pelo qual entrou e saiu bem logo do pro-
jeto da seringa. Mrio avaliou o preo pago pelo produto muito
baixo em relao ao rete: No d para mim. Em contrapon-
to, e de orma esperada, para o regato de Hlio, o projeto oi
bem-vindo. Para outros, tambm, muitos dos quais j trabalhavam
com a extrao de seringa antes dos projetos, o apoio oi interes-
sante. Foi a avaliao, por exemplo, de Alredo, de Srgio, e dos
irmos Romeu e Ramiro. Este ltimo declarou, inclusive, que se
no estivesse envolvido no projeto de extrao da borracha, muito
provavelmente teria procurado emprego junto s madeireiras daregio, para quem j trabalhou em outros momentos: No estou
trabalhando nesse rumo a porque eu estou cortando seringa, mas
se eu no tivesse cortando seringa, eu tava presses bem a, .
Em 2008, um segmento de 14% da populao tambm mencio-
nou receber dividendos oriundos de salrios ou aposentadorias,
responsveis por 30,1% da renda geral da Resex. A porcentagem
restante advm da venda de produtos da agricultura (9,7%) e de
atividades de garimpo (1,7%).13 importante ressalvar que esses dados constituem uma mdia
geral da Resex Riozinho do Anrsio, mas que uma anlise mais
pormenorizada permitir observar uma clivagem no que se reere
situao socioeconmica e de inra-estrutura da populao da
unidade de conservao, particularmente plasmada na localiza-
o geogrca das amlias: aquelas que habitam a parte mais
baixa do Riozinho do Anrsio, as que ocupam a parte mdia e as
que se estabeleceram no alto do rio. Mais do que curiosidade es-
13. Ibidem, p. 71
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tatstica, essa desigualdade que tinha origens histricas e acen-
tuadas por ocasio da criao da UC vem desenhando ao longo
dos ltimos anos um cenrio de disputas, agravadas por atores
externos e que se inscreve no contexto confituoso da regio comoum todo. disso que trata o tema a seguir.
. os de ciMA e os de bAixo
Cinqenta e sete amlias ribeirinhas, uma nica unidade de con-
servao. Entre as localidades extremas da Resex Riozinho do An-
rsio Buenos Aires e Praia do Anrsio correm 144 quilmetros
de margens pontualmente ocupadas, ao longo dos quais a paisa-
gem pode pouco mudar, mas uma srie de circunstncias resultaem realidades socioeconmicas relativamente diversas.
Se o conhecimento tradicional acerca da foresta e de como dali
extrair sustentadamente os meios de vida algo que marca a po-
pulao da Resex como um todo, o rio se oerece mais acilmente
a uns que a outros no que se reere s possibilidades de transpor-
te e transporte fuvial numa comunidade ribeirinha tambm
comrcio, sade, educao. Nesse quadro, grande a importncia
dos regates, que possibilitam aos ribeirinhos a troca de seus pro-
dutos por bens industrializados. Alm disso, aos trabalhadores
assalariados da Resex, que se apresentam mais reqentemente
nas cidades, possvel acessar esses bens industrializados sem
a mediao do regato, o que proporciona vantagens econmi-
cas, j que o sistema de troca implica em preos mais altos pelos
produtos.
Ora, o que produziria, ento, a relativa desigualdade socioeco-
nmica entre as amlias de dadas regies da Resex Riozinho do
Anrsio e em qual proporo ela se d? Como vimos, a venda outroca de produtos extrativistas responde por parte signicativa da
renda auerida na Resex, bem como a parcela oriunda de salrios.
Assim, segundo diagnstico de 2008 (ICMBio), o baixo Riozinho
concentrava maior nmero de trabalhadores assalariados do que
as pores mdia e alta. Alm disso, devido pouca vazo do rio,
a regio do alto Riozinho, j relativamente mais dependente dos
regates, v esses instrumentos escassearem durante um longo
perodo do ano, dicultando o escoamento de sua produo e, con-
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sequentemente, seu acesso a bens industrializados. Em 2010, a
equipe observou que pouco mudou nessa situao. Seu Janurio,
morador de Alto Alegre, no alto Riozinho, relatou que no segun-
do semestre do ano os regates desaparecem. Naquele incio dedezembro de 2010, quando realizvamos o trabalho para este re-
latrio, o morador contava j no dispor mais de sal, uma vez que
no tinha tido a oportunidade de compr-lo nos barcos ou de arcar
com o peso de carreg-lo nas costas, pela varao da estrada do
So Paulo. Situao anloga encontramos na casa de dona Clarice,
da localidade vizinha do Postinho, em cuja mesa no se encontra-
va arroz havia algum tempo, dado que a encomenda de alimentos
que zera ao regato em julho daquele ano ainda no tinha sido
entregue. Nos Grfcos 2.1 e 2.2, temos a distribuio da renda na
Resex dividida entre os trs segmentos geogrcos, com e sem a
considerao dos salrios.
Grf . Distribuio
de renda por regio com
assalariados
Fonte: ICMBio, 2008
Grf . Distribuio
de renda por regio sem
assalariados
Fonte: ICMBio, 2008.
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Quando se ala em diviso do Riozinho do Anrsio entre parte
alta e baixa, porm, no a distribuio de renda o aspecto ime-
diatamente mencionado, mas uma oposio poltica suscitada por
confitos recentes em torno da utilizao dos recursos e da gestodo territrio, e que envolvem outros atores sociais que no exclu-
sivamente as amlias da Resex. Resgataremos a seguir o histrico
dessa disputa, na esteira da apresentao acima da distribuio
de renda, para explicitar a orma com que atores socioeconmi-
cos subjacentes emergiram, no discurso de variados grupos, como
atores morais, reduzindo um complexo confito poltico a uma
maniquesta batalha entre os do bem e os do mal.
Os moradores do Alto Riozinho contam que a explorao de
madeira na regio comeou ainda na dcada de 1990. Vivia-se a
ebre do mogno e, na busca por essa espcie, alguns moradores
oram contratados para prospectar a madeira e outros, ainda, o-
ram consultados e contratados para a construo da pista de pou-
so conhecida como do Formiga. O grande argumento utilizado
pelos madeireiros para conseguir pacicamente a permisso dos
ribeirinhos para essa invaso em seu territrio era o de que tanto
a atividade quanto a pista de pouso trariam inmeros benecios
aos moradores.Foram trs grandes vetores de entrada de madeireiras:
1) Projetos de Assentamentos Areia 1 e 2;
2) Porto da Maribel (antiga madeireira Bannach);
3) So Flix do Xingu, via Estrada da Canopus.
Na esteira da explorao madeireira que chegava ao pice na
primeira metade da dcada de 2000, vinha a grilagem com pre-tenses de propores inacreditveis. Assim como as madeirei-
ras, as rentes de grilagem eram basicamente as mesmas. Alm
disso, tanto em um caso como em outro, a populao da regio do
Alto Riozinho oi a mais exposta aos que chegavam, com mostra
o Mapa 2.3. Alm das rentes que guram no mapa, importante
mencionar a rente de ocupao que se delineia pelo municpio
de Rurpolis, pelos projetos de assentamento Paraso e Campo
Verde. Relatos e evidncias oriundas de imagens de satlite apon-
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tam indcios graves de grilagem e devastao. A investigao des-
sa rente esteve ora do escopo deste trabalho, mas premente a
necessidade de maiores estudos nessa regio.
Diversos estudos elaborados por ocasio da criao da UC re-
gistram uma situao de cooptao de ribeirinhos por madeireiros
e grileiros. Isso sempre oi viabilizado por meio de algum aten-
dimento social, suposta e aparentemente oertado pelos grupos
que chegavam. Entre esses servios, segundo estudo elaborado
em 2008, as estradas e outros meios de deslocamento tinham lu-
gar de destaque:
Maa . Frentes de
penetrao da grilagem.
Elaborao: Juan Doblas,2011.
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No Noroeste [da Resex] oram abertas duas estradas para o
transporte de equipamentos e suprimentos e tambm para o
transporte de madeira para a serraria Quatro de Paus, na pro-
ximidade dos assentamentos Areia i e ii, prximo de Trairo e
Itaituba. Uma estrada sai de aproximadamente 3 km do Rio-
zinho do Anrsio (prximo localidade Palhal), contornando
o igarap Palhal, passando pelos assentamentos Areia i e ii e
continuando para a br-163 (Cuiab-Santarm). Nessa estrada
encontra-se a sede da agronesp, que comprou terras de alguns
moradores da regio entre 2003 e 2004. Nas margens do Rio-
zinho ainda se encontram pequenas placas azuis em rvores,
que indicam a regio adquirida por essa empresa.
Outra estrada construda, conhecida como So Paulo, termina
a 1100m do Riozinho do Anrsio, prxima ao igarap Ferven-
tado, passando pela flona do Trairo e pela azenda Santa
Ceclia, se juntando estrada que vem do Palhal e seguindo
para a br- 163. Ambas as estradas esto atualmente tomadas
pela capoeira e pela mata. Porm, a estrada So Paulo est
sendo parcialmente mantida pelos moradores da regio, que
se reuniram no incio de 2007 para limp-la (servio que le-vou por volta de 40 dias), pois este o principal acesso deles
cidade mais prxima, Trairo. Estas estradas oram aber-
tas por Osmar Ferreira. Primeiramente oi eito o trecho que
chega at o Rio Branco e posteriormente, em agosto de 2004,
oi aberta a rea do Rio Branco at prximo beira do Riozi-
nho. Tanto a estrada So Paulo quanto a do Palhal eram anti-
gamente (por volta de 1940) utilizadas para transporte eito
com animais, ligando as localidades s cidades prximas para
satisazer s necessidades de comercializao e sade. Servi-
ram para o escoamento de madeiras como ip, jatob e cedro,
at novembro de 2004, quando a Reserva oi criada.
Na regio onde a estrada cruza o limite da Reserva, prximo
aos assentamentos Areia i e ii, h uma azenda chamada Pri-
mavera, que chega a ocupar uma rea dentro da Reserva e
que tambm oi um importante vetor de sada de madeira da
Reserva. A regio representa hoje em dia um dos principais
pontos vulnerveis da resex.14 14. Ibidem, p. 84.
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A tomar pelos relatos, a chegada das madeireiras populao
do Riozinho do Anrsio seguiu um protocolo bastante comum: o
do avor. Como sempre, prometiam s comunidades servios p-
blicos, o que mais lhes altava. Como a ausncia do Estado ogrande vazio a ser aproveitado, atacavam o calcanhar de Aquiles
das carncias do grupo: transporte e empregos. Um procedimento,
alis, muito parecido com o de mas do mundo inteiro. A nem to-
das as comunidades a presso e as oertas dos grileiros chegaram
da mesma orma e, naturalmente, nem todas se deixaram aliciar.
As do Baixo Riozinho, por exemplo, reagiram s oertas.
A entrada de grileiros e madeireiros com a conivncia de
moradores das beiras do Riozinho do Anrsio parece ter sido o
embrio de um dos maiores plos ormadores de tenses. preci-
so entender que, como contumaz grilagem, o conronto direto
com a populao ocupante da rea sempre evitado, deixando-se
o emprego da violncia explcita para quando os grupos j esto
demasiado divididos e enraquecidos. Isso oi notado em diagns-
tico elaborado em 2008:
Percebe-se a existncia de certo respeito e troca entre gri-
leiros e ribeirinhos. Os grileiros ganhavam dos ribeirinhos a
mo de obra barata, o direito terra, que era comprada ou
grilada, e o silncio com relao s invases. Essa conquista
do silncio se comprova em dierentes casos ocorridos, nos
quais os grileiros mudaram de plano/ rota ao se depararem
com algumas insatisaes dos moradores. No caso da locali-
dade Estapiri, ao receber a reclamao do morador local so-
bre a invaso de seus castanhais, o gerente da picada desviou
o percurso sem maiores discusses.15
Como dito, comum que, na tentativa de cooptao das comu-
nidades, alm de garantirem sua entrada, os madeireiros tambm
trabalhem para a desarticulao entre elas16. No Riozinho do An-
rsio, ao que registram os estudos, parece que lograram xito e
essa diviso tomou contraste por ocasio da criao da Resex:
Em relao criao da resex, os principais confitos exis-
tentes entre as amlias oram gerados pelo interesse na per-
manncia dos grileiros e, com isso, a possibilidade de bene-
15. Ibidem, p. 85.
16. C.:torres, Maurcio. A
Pedra Muiraquit: o caso do
rio Uruar no enrentamento
dos povos da foresta s
madeireiras na Amaznia.
Revista de Direito Agrrio,
Braslia: nead-mda; Incra; aBda,
ano 20, n. 20, 2007. p. 93-124.
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ciamento mais imediato dos que estavam vendendo terras e
trabalhando para esses grupos. Em alguns depoimentos ca
evidente que quando os grileiros estavam dominando o
Riozinho do Anrsio, muitas amlias pararam de trabalhar
nos seus sistemas de produo, isto , no colocavam roas e
nem coletavam os produtos da foresta, cando dependentes
dos recursos provenientes da grilagem (Rocha et al., 2005).
No entanto, essa relao era questionada por algumas am-
lias que perceberam o sistema de aliciamento e presso que
estava em torno da grilagem e comearam a denunciar. Essas
maniestaes acirraram o confito entre as amlias e, atual-
mente, existe uma ciso entre as amlias do Alto e do Baixo
Riozinho do Anrsio. Esse distanciamento aumentou aps a
criao da resex, principalmente devido ao pouco contato do
ibama com as amlias do alto riozinho, e oram constatadas
situaes de revanchismo entre localidades, amlias e li-
deranas.17
A cooptao de ribeirinhos por grileiros, entretanto, no algo
to linear e cil de ser compreendido e, muito menos, passvel de
ser posto numa linha maniquesta de bons e maus, dos bons
ribeirinhos do Baixo Riozinho do Anrsio, que resistiram aos
grileiros, versus os maus ribeirinhos do Alto, que trabalharam a
soldo dos grupos de grilagem.
Sim, parte da populao das comunidades do Riozinho ps-se a
deender a atividade de madeireiras e grileiros. De uma parcela,
essa inclinao se explicaria por serem ribeirinhos empregados
por estes grupos. Porm, apenas isso no explica a adeso de v-
rias amlias operao de madeireiros e grileiros que os expro-
priavam e que, claramente, lhes privam de seu direito terra. H,ento, que se entender contextualizadamente a posio vinda de
uma gente que sempre viveu em um mundo regido pelas relaes
de avor e de tutela (alis, o que est longe de ser uma peculia-
ridade da regio, ou da Amaznia); uma gente a quem qualquer
cidadania nunca oi apresentada como direito, mas como conces-
so e benevolncia que, mesmo eitas pelo Estado, provinham dos
prstimos pessoais do governante. Uma gente a quem as relaes
trilham a orma da dependncia e do avor, azendo da violncia
17. silVa, Paulo Amorim
da. Contextualizao
scio-ambiental da Reserva
Extrativista Riozinho do
Anfrsio: um estudo de
caso Altamira, PA / Paulo.Dissertao (Mestrado
em Cincias Florestais e
Ambientais). Manaus: ufam,
2007. p. 70.
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simblica a regra da vida social e cultural. Violncia tanto maior
porque invisvel sob o paternalismo e o clientelismo, considerados
naturais e, por vezes, exaltados como qualidades positivas do ca-
rter nacional.18
preciso, portanto, entender a opo dos ribeirinhos do Alto
Riozinho de se deixarem cooptar mais como uma estratgia pol-
tica de sobrevivncia do que como ato de carter moral. No seria
impossvel que, se a entrada de madeireiros e grileiros se tivesse
iniciado pela oz do Riozinho do Anrsio, a situao de adeso a
esses grupos osse inversa.
Gestes anteriores da Resex, ainda por administrao do Iba-
ma, parecem no ter compreendido a situao e agido de acordo.
Segundo relatos dos ribeirinhos (que coincidem com narrativas
da antiga gestora), episdios como o da obrigatoriedade imposta
da implantao de placas de sinalizao da unidade de conserva-
o na rente de certos moradores geraram uma resistncia ain-
da maior da populao do Alto Riozinho do Anrsio em relao
Resex. Pode-se entender que, de orma ineliz, tambm a ad-
ministrao da UC distinguia aquela populao em amigos e
opositores.
Isso, de orma muito marcante, ecoa ainda hoje. E, ainda hoje,ouvimos alar do tempo dos grileiros com certo saudosismo e re-
erncia de que aquele tenha sido o tempo em que de ato hou-
ve atendimento pblico. Pela ala de seu Antonio, por exemplo,
observamos como esse atendimento sempre esteve tambm in-
trinsecamente vinculado s possibilidades de melhoria no trans-
porte viabilizadas pelas estradas para retirada de madeira, como
dito acima:
Depois que esse outro pessoal entrou com esse negcio des-
sas estradas, a oi que melhorou. Quem primeiro entrou oi o
povo do Osmar. A oi que comeou a melhorar pro povo. []
Eles davam carona pra gente, era rapidinho. Ia e no outro dia
estava em casa, de volta. [] De graa, nunca cobraram um
centavo.
Durante os trabalhos de campo, muito se aventou sobre a pos-
sibilidade de alguns moradores do alto Riozinho do Anrsio con-
tinuarem a manter uma relao com madeireiros na qual os pri-
18.chaui
, Marilena.Conformismo e resistncia:
aspectos da cultura popular
no Brasil. 1. ed., 6. reimp., So
Paulo, Brasiliense, 1996. p. 54.
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meiros permitir-lhes-iam a entrada no permetro da Resex e os
segundos lhes proviessem de transporte e empregos. Porm, pode-
se inerir que, se tal explorao ocorre, conta com, ao menos, a
cincia dos ribeirinhos do Alto Riozinho.Nada coletado em campo oi conclusivo nesse sentido. Porm,
uma anlise aproundada das imagens de satlite recentes dispo-
nveis (satlites Landsat, cbers e alos) detectou alteraes recen-
tes (setembro de 2010) na cobertura forestal da rea estudada,
evidenciando eies possivelmente originadas em processos de
extrao seletiva de madeira, sem corte raso de vegetao (c.
guras no captulo Concluso)19.
Durante o trabalho de campo, vrias ontes distintas narraram
uma inormao unssona no sentido de armar que a explorao
de madeira na rea entre o Riozinho do Anrsio e o PA Areia
continua e com a cooperao de alguns dos moradores do Alto
Riozinho. Os possveis ramais e outras eies de degradao fo-
restal detectados com ajuda das imagens de satlite reorariam
a hiptese da existncia de explorao atual de madeira dentro
da Resex, sem aclarar, obviamente, se essa explorao est sendo
realizada com ou sem a ajuda dos moradores da reserva.
Para alm de dizer se esse ato ocorre ou no, algo ora do es-copo deste trabalho, importa registrar dois pontos ainda mais im-
portantes pelo seu carter sistmico:
1. A ace oeste da Resex Riozinho do Anrsio de acesso -
cil abundante atividade de extrao criminosa de madeira e
est completamente ora de controle da gesto.
No que este ato aponte qualquer inoperncia ou negligncia
da gesto, mas ato que, dentro dos recursos sicos e humanos
com que os servidores da Resex contam, o monitoramento do queocorre s costas dos moradores, a oeste do Riozinho do Anrsio,
completamente ausente.
O ato ainda mais grave, pois a atividade criminosa de madei-
reiras no PA Areia (porta de entrada para os ramais madeireiros
que avanam sobre a Resex) algo sedimentado e que, h quase
uma dcada, vence a queda de brao contra as aes de scaliza-
o. Diversas vezes a madeireira instalada no assentamento oi
echada e sempre reabriu com outra achada ormal. Segundo os
19. As imagens Landsat e cBers
no aportaram inormao
clara sobre degradaoforestal, por serem de
resoluo insuciente (caso
das imagens Landsat) ou
por excessiva cobertura de
nuvens na rea analizada
(imagens cBers). As alteraes
mencionadas oram
visualizadas em imagens
ornecidas pelo satlite
alos, sensor prism, de alta
resoluo (10 metros) aps
processamento especco
(substrao do 2 e 3
principal componente).
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moradores do PA Areia, quem administra hoje a madeireira l
instalada um morador de Trairo conhecido por Django.
A explorao da regio antiga, o que az supor que a madeira
mais prxima sede da madeireira esteja esgotada, justicandoque se avancem s matas mais bem preservadas da Resex Riozi-
nho do Anrsio.
Tanto sica, como administrativamente, a gesto da Resex, em
Altamira, distante do que se passa na ronteira oeste da Resex.
Para a gesto alcanar o Alto Riozinho, a atual via fuvial, o que
torna invivel nas atuais condies de inraestrutura que o
monitoramento dessa aixa (terrestre) acontea.
2. Os moradores do Alto Riozinho permanecem merc da co-
optao dos madeireiros para acessarem atendimento a algu-
mas necessidades bsicas.
Sem armar que a associao entre ribeirinhos e madeireiras
esteja ocorrendo, inegvel o ato de que, para a populao mais
a montante do Riozinho do Anrsio, essa seria uma opo para
terem condio, por exemplo, de salvar um lho picado por uma
cobra. Ou, mesmo, ter acesso a produtos de consumo bsico que
no chegam no perodo de seca.
Isso, somando-se ao ato de haver uma governana rgil da re-gio por parte do ICMBio, torna a situao bastante avorvel aos
interesses sempre muito grandes das madeireiras na regio.
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3. A vida sem esrada eas expecaivas do que se
resolveria havendo uma esrada
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A um empo desses aatrs, morreu dois flhos meus
por fala de recurso. No caso,
se ivesse uma esrada, euacharia que inha como erchegado a a cidade. Podiamorrer, porque da moreningum se livra, mas morriaendo recurso.Robero
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Mortalidade inantil, produtos da roa, laos de paren-
tesco. Educao, alimento, lazer. O que teriam em co-
mum essas e outras tantas preocupaes prementes na
Resex Riozinho do Anrsio? Conversando com seus moradores,aprendemos que a questo do transporte, de orma geral, consti-
tui reqentemente um gargalo a dicultar o encaminhamento de
uma srie de problemas cotidianamente enrentados na Resex.
Nesse sentido, somos levados a refetir conjuntamente: para
qu uma estrada? Para qu esta estrada? No captulo anterior, vi-
mos alguns dados sobre as condies em que vivem as amlias do
Riozinho, e vimos que essas condies podem mudar dependen-
do da regio do rio que se habita. Neste captulo, resta saber de
que orma essas narrativas sobre as condies de vida se cruzam
com os anseios ace reabertura de uma estrada como a do So
Paulo.
Os motivos so vrios, mas dois deles so presena garantida
em praticamente todas as alas: sade e comrcio melhorariam
com a estrada, com uma sada de doentes para a cidade e uma
possibilidade alternativa de escoamento de produo e compra
de mercadorias.
3.1 sAde: cRiAnAs soReM MAis
As crianas so lembrana constante tanto as que escaparam
por pouco de algum acidente ou doena atal, como as que no
tiveram essa sorte, perecendo e alimentando as taxas alarmantes
de mortalidade inantil. Entre os prprios beiradeiros que acom-
panharam a equipe deste trabalho, encontramos histrias de sua
luta para salvar os lhos. Lindomar, em 2005, quase perde o lho
aps uma picada de cobra. Gildo, em 2010, varou a estrada de SoPaulo para buscar atendimento mdico ao seu pequeno de oito
anos, que apresentava escaras proundas que, depois, conrma-
ram-se como sendo causadas por leishmaniose. Se, aps a longa
caminhada, o menino logrou ser atendido, outros trs irmos seus
no tiveram a mesma sorte. Dos seis lhos que a mulher de Gildo
teve, trs morreram nos primeiros anos por problemas de sade
agravados pela alta de condies de chegada cidade.
Histria semelhante tem dona Clarice, de cujos oito lhos nas-
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cidos vivos apenas quatro sobreviveram aos primeiros anos de
idade:
O J., ns tentamos tirar pra Altamira, mas s chegou num lu-
gar chamado So Francisco, tambm esse a deu oito dias deebre. Tambm se tivesse a estrada a, tinha recurso de ter
tirado ele. A outrazinha, a minha primeira, ela oi e morreu de
sarampo. No tinha recurso de levar pra Altamira, tambm.
Ela demorou uns 10 dias. A F. demorou uns oito dias, e mor-
reu. Agora a D. a gente pensa que oi doena do ar. Nenhum
deu recurso de tirar.
Ou o caso da lha de seu Romeu:
Nesse ponto, se ela [a estrada] tivesse aberta, ela tinha me
ajudado, por causa que eu passei seis dias com ela l em bai-
xo, e a no teve jeito de eu tirar ela, o negcio oi esse a, a
ela oi e morreu l, num lugar chamado Bom Jardim. Passei
seis dias l esperando oportunidade e no tive, esperando
motor e no tive. E no podia sair pra canto nenhum.
Ou ainda o de Roberto, que perdeu dois lhos no Riozinho:
At um tempo desses a atrs, morreu dois lhos meus por al-ta de recurso. No caso, se tivesse uma estrada, eu acharia que
tinha como ter chegado at a cidade. Podia morrer, porque da
morte ningum se livra, mas morria tendo recurso. Morreram
aqui. Quando eu tentei tirar, oi tarde. Acho que oi malria,
nem descobri a doena deles. Foi esse a o problema Tendo a
estrada pra andar, tudo cil de resolver, at o prprio peixe.
Ajuda todos.
Joaquim, da localidade Os Tapiri, e Agente Comunitrio deSade h cinco anos (e que j perdeu dois de seus lhos na Re-
sex), conta que, em sua avaliao, a estrada importante para
a sade dos moradores da Resex de um modo geral. Em junho
[2010], tive que sair s pressas com seu O., conta da assistncia
que proveio a um dos moradores mais velhos da reserva. Foram
trs dias de varao, sem comer e sem parar, na trilha at o PA
Areia. Para no ver o paciente morrer, explica.
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3.2 PRoduo e coMRcio
Para os ribeirinhos do alto Riozinho, como j dito anteriormente,
a dependncia dos regates para venda da produo e aquisio
de bens impe uma dura sina durante o longo perodo do ano emque a seca costuma aastar qualquer embarcao que no possa
ser soerguida ou arrastada nos pedrais do rio. Mesmo sem abertu-
ra suciente para passagem de veculos, uma alternativa utilizada
j a estrada So Paulo, como aponta diagnstico realizado em
2008:
J no alto Riozinho a comercializao ocorre em sua maioria
por uma antiga estrada de animais, a qual oi reaberta pelos
madeireiros e hoje mantida pelos moradores. A estrada So
Grf . Mortalidade
inantil na Resex Riozinho do
Anrsio*.
Fonte: expedio
dezembro/2010.
* O grco apresentado pode
apenas indicar uma tendncia,
j que a coleta dos dados se
deu de orma complementar
s entrevistas, no tendo
sido possvel aplicar uma
metodologia que permitisse
sua utilizao na comparao
com indicadores de outros
locais.
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Paulo utilizada como nica rota de comercializao pela
maioria dos moradores, sendo comercializado por esse cami-
nho principalmente mel e copaba.
Isso ocorre devido maior acilidade de acesso por essa rota
at a cidade - com dois dias de viajem p at o condomnio
Santa Ceclia, onde conseguem carona at Trairo ou Itaituba
e tambm devido ao ato de pouqussimos regates chega-
rem a subir o rio, mesmo no inverno, deixando a populao
isolada.
A cidade se torna uma opo atraente para os moradores, pois
l conseguem vender seus produtos a dinheiro, pelo mesmo
preo vendido a troco pelos regates, e aumentam seu poder
aquisitivo, comprando mercadorias industrializadas a preos
mais baixos.20
No entanto, segundo moradores entrevistados, pouco h de
acilidade na opo de usar a estrada, tal como se encontra
agora. A gente no pode trazer muita coisa, a gente compra
um pouquinho l e tem que trazer nas costas, relata dona
Clarice. Eu achei ruim da primeira vez que eu ui. Ainda hoje
no acho bom. A gente vai porque orado, desabaa seu
Janurio.
Da a ideia de que uma eetiva reabertura dessa estrada cons-
tituiria um grande avano para intensicar o comrcio e gerar
renda entre essas amlias da Resex, j que se trata de uma rota
por elas bem conhecida (o conhecimento dessa e de outras estra-
das desde os tempos antigos ser abordado no Captulo 5). Nas
palavras de Alredo:
Essa estrada, se ela sasse, era at bom pra gente. Porque de
vero seca muito, e pra gente chegar at a Maribel dicil
demais, pra gente. Eu j tenho andando por a, pra Itaituba,
j tenho ido de p, tenho vindo. S que de p ruim, se ti-
vesse transporte, se por acaso ela varasse aqui pra beira, eu
acharia que era melhor pra gente, levar uma produozinha
da gente. Eu j tenho plantado melancia, tem dado melancia
e tem estragado tudo, porque no tem como tirar, abbora
tambm. Muitas coisas estragam.
20. ICMBIO. Op. cit. p. 48-9.
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Roberto, que trabalha com roa, pesca e tem ideias de se lanar
no projeto da seringa, tambm gostaria de poder escoar sua pro-
duo nas cidades de Trairo, Itaituba, assim como Romeu: Eu
acho que ela podia ajudar a gente vender o produto da gente.
. outRAs RAzes
Alm de sade e comercializao da produo, algumas pessoas
sugeriram outras razes pelas quais seria conveniente ver a estra-
da de So Paulo reaberta.
Embora no guarde uma relao imediata, j que as escolas e
seus respectivos proessores se reportam cidade de Altamira, e
no Itaituba ou Trairo, a questo da educao tambm apareceu
na conversa. Csar, proessor do Lajeado, relatou muitas dicul-
dades de chegar escola, vindo de Altamira, em viagem na qual
empenhou quase um ms: Nessa minha subida, eu subi no vero,
oi bastante atrapalhado, eu passei quase um ms pra poder che-
gar aqui de Altamira. Eu sa no dia 5 de agosto e j ui chegar
aqui dia 26 praticamente. Alm disso, relata preocupao com as
crianas pelas quais se responsabiliza pessoalmente e a saga do
proessor anterior em busca de atendimento mdico de emergn-
cia aparece como uma ameaa, uma sombra sobre suas condies
de trabalho na Resex. Nesse sentido, ainda que conesse no ter
conhecimento especco sobre a estrada em questo, arma ver
no mnimo com bons olhos a perspectiva de uma alternativa de
transporte emergencial:
Se tivesse uma estrada aqui, seria bem vivel mesmo. At
porque o proessor que tava aqui, o outro que j saiu daqui,
ele no morreu, se ele no conseguiu chegar l [em Altamira]
morto, pelas graas de Deus, mas ele chegou complicado. Ele
teve, se no me engano, ele teve oi malria, ineco de rins,
e comeo de dengue. Ele oi pra cidade curar duma malria e
quando ele voltou pra c, ele j voltou com a dengue. A deu
uma raqueza nele, ele chegou a desmaiar. O pessoal pegou ele
nas pressas, pediram ajuda por Altamira, mas no conseguiu.
Quando vieram pra poder ajudar, ele j estava chegando l.
Graas a deus, ele oi pro hospital, mas t bem ele. Nem vir pra
c, no veio mais. Que at hoje no conseguiu se recuperar.
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Outro anseio registrado em algumas alas oi o de aproximar
parentes que vivem no beirado aos que vivem na cidade, e vice-
versa. Muitas amlias do alto Riozinho tm amiliares morando
em Trairo ou Itaituba. Filho mais velho de seu Cirino, um dos mo-radores mais idosos da Resex, seu Loureno, nascido no Riozinho,
mas morador atual de Trairo, maniesta descontentamento pela
distncia que tem guardado de sua terra, desde que deixou o rio
pela cidade, em 1982, em busca de escola para os lhos. Segundo
ele, o transporte via Altamira, lento e custoso, ainda mais com
tantos lhos a custear passagem, inviabiliza as visitas. Repetiu
vrias vezes que sente saudades do Riozinho, de cozinhar peixe
assado na beira do rio, como era o costume da gente.
Alredo, no Riozinho, relata caso anlogo, mas inverso:
Eu mesmo, tem uma sobrinha minha que tem vontade de co-
nhecer uma irm dela que mora a no Areia, mas a no tnm
estrada e ela no vai porque ela no garante andar. A gente
tambm tem muito parente em Itaituba, Trairo, at no Areia
mesmo tem. Um bocado de conhecido que j morou aqui tam-
bm e oi embora l. Eles no vm aqui...
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4. Sobre a viabilidade
da esrada
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De ser boa [a esrada], uma coisaboa, s que ela pode razer muiosproblemas. Da pra essa esrada
funcionar, o Ibama deve de omar muiocuidado, pra no er invasor. Pode er.Prprio grileiro, gene que v a esradaabera....Joo Pedro
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No Captulo 3, apresentamos um panorama construdo
especialmente a partir de relatos dos moradores do alto
Riozinho, quando questionados sobre os motivos que os
levam a requerer com tanto empenho a reabertura da estrada.Temos algumas respostas, portanto, questo para qu uma es-
trada?. Outras ainda se impem: por que uma estrada? Por que
esta estrada, em particular? Como se posiciona, numrica e espa-
cialmente, o conjunto de todos os moradores da Resex em relao
aceitao ou no dessa ideia? Como seria viabilizada a emprei-
tada? E sua manuteno?
Para dar conta dessas indagaes, em primeiro lugar, iniciamos
por explicar materialmente de que alamos quando nos reerimos
estrada de So Paulo seu trajeto, seu perl etc. Em seguida,
apresentamos de orma espacializada as opinies da Resex como
um todo acerca da reabertura e, ento, as restries mencionadas
ao projeto.
4.1 descRio MAteRiAl dA estRAdA
A estrada considerada neste relatrio acompanha o percurso re-
alizado tradicionalmente pelos moradores da regio do Riozinho
do Anrsio entre as suas localidades e as cidades da bacia do
Tapajs, atravessando os municpios de Trairo e Itaituba (Figura
4.1).
Com o intuito de denir quantitativamente a estrada de orma
precisa, decidiu-se xar o marco zero desta na ltima azenda ocu-
pada de orma permanente depois do Projeto de Assentamento
Areia, e antes da entrada na Floresta Nacional do Trairo (Mapa
4.1).
A seguir, so reproduzidos alguns dados de interesse relativos estrada:
Comprimento total: 83,1 quilmetros;
Comprimento atualmente trafegvel por carro 4x4: 49,7 km;
Comprimento atualmente no trafegvel (trilha): 33,4 km;
Ponto de menor altitude: 177 metros;
Ponto de maior altitude: 400 metros;
Declividade mdia: 4.3%;
Declividade mxima: 26%.
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figura
4.1
Situaoda
estradasolicitada
emrelaoaos
limitesmunicipais.
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Maa . Mapa topogrco
mostrando o percurso da
estrada solicitada, desde o seu
comeo na Fazenda do Seu
Ivo nas proximidades do PA
Areia at a localidade do Alto
Alegre, na beira do Riozinho
do Anrsio. So reproduzidas
as principais toponmias
recolhidas durante a travessia
a p (varao) dos 33,4
quilmetros atualmente no
traegveis da estrada.
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4.1.1 DECLIvIDADE
A partir do perl altimtrico da estrada oi calculada a declivida-
de associada, mediante derivao da curva do perl. Em seguida
oi aplicada uma mdia mvel de 100 metros de comprimento,com o intuito de controlar possveis pontos esprios no dado de
estrada.
A partir da anlise estatstica dos dados obtidos, pode-se apon-
tar que aproximadamente 10% da estrada esto situados em ter-
renos com declividades iguais ou maiores a 10%, declividade que,
segundo o manual do dnit de construo de estradas rurais, seria
a mxima admissvel numa estrada, mesmo sendo essa estrada
de tipo iv (mnima traegabilidade) (dner, 1999). Isso implicaria,
ormalmente, na mudana local do percurso da estrada em certos
trechos (notadamente na serra dos Abacaxis, na Flona Trairo, e
na regio do Igarap dos Mutuns, no Parna Jamanxim). Embora
achemos possvel a construo da estrada conservando o traado
atual e as declividades observadas, com a anuncia das munici-
palidades envolvidas, deve ser considerado o custo adicional em
manuteno representado pela maior susceptibilidade eroso
dos trechos com declividade orte ou muito orte.
4.1.2 REASALAGvEIS
A disponibilidade de um modelo altimtrico de boa preciso e
resoluo da regio, ornecido pelo ibge (projeto topodata) possi-
bilita o estudo das reas sujeitas a inundao na regio percor-
rida pela estrada solicitada. A metodologia de clculo oi imple-
mentada no programa ArcGIS, com a utilizao do mdulo spatial
analyste detalhada a seguir:
1) Clculo da rede de drenagem detalhada mediante estudo
das linhas de fuxo associadas topograa;
2) Clculo do gradiente associado topograa da regio;
3) Clculo do custo de deslocamento (distance cost), a partir
dos pontos de drenagem determinados em 1) e utilizando o
gradiente calculado em 2) como supercie de custo;
4) Calibrao para determinar o ponto de inundao mxi-
ma na estao de chuvas.
A Fgra . mostra o perl
planialtimtrico da estrada,
juntamente com o grco de
declividade (em vermelho)
e as principais eies
topogrcas reconhecidas
no terreno (planaltos, serras,
igaraps etc.).
gra . Perl
planialtimtrico da estrada, no
seu comprimento total (acima)
e na poro no traegvel
atualmente (embaixo). O
grco vermelho representa a
declividade mdia em 100m
da estrada.
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O Mapa 4.2 e a Figura 4.3 mostram o resultado desta
metodologia.
Destarte, oram identicados 20 trechos da estrada que preci-
sariam da construo e manuteno de pontes e terraplenagenspara assegurar a passagem permanente de veculos. Vale assina-
lar que o comprimento mdio dos trechos sujeitos a inundao
grande (maior de 150 metros), o que exigiria a construo de
pontes e estruturas de grande comprimento e provavelmente cus-
to elevado.
4.1.3 SITUAOATUALDAESTRADA
Atualmente a estrada possui um trecho traegvel por veculos
com trao 4x4 que totaliza 49,7 km dos 83 totais da estrada
(Mapa 4.1 acima).
Como oi mencionado anteriormente, esse trecho da estrada
mantido pelo grupo que gerencia a Fazenda Santa Ceclia, que
o seu maior utilizador. Cabe mencionar que, apesar da custo-
sa manuteno realizada periodicamente, na poca de chuvas a
estrada at a azenda Santa Ceclia ca praticamente intransit-
vel, precisando, em caso de necessidade, do uso de correntes ou
o apoio de tratores para assegurar a passagem pelos trechos mais
complicados.
4.2 A AvoR ou contRA? Apelo e solidARiedAde
Anteriormente, vimos como entre os moradores do alto Riozinho
a reabertura da estrada de So Paulo projetada, no mais das
vezes, como a salvao da lavoura. Conorme se desce o rio, po-
rm, a demanda parece perder sua intensidade de atrao. Os pa-
rentes aparecem cada vez mais como estando exclusivamente emAltamira; o porto da Maribel, como uma sada menos penosa; e as
condies de acesso a bens e produtos, menos complicadas que
entre as amlias do alto. Como aponta seu Claudemir, a gente
mais Altamira. Principalmente quem mora aqui, a parentagem,
tudo acompanhante Altamira. No que complementado por
seu Paulo Henrique, que relaciona a dierena na ligao com os
municpios capacidade de reivindicao junto s respectivas
preeituras e secretarias:
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Maa . reas alagveis no
entorno da estrada solicitada.
Os trechos inundveis da
estrada so mostrados em
laranja (evitveis mediante
mudana leve no percurso)
e em amarelo (dicilmenteevitveis).
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figura
4.3Perldaestrada
comospontossu
jeitos
ainundaodesta
cados
(crculosamarelos).
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Inclusive, porque l, Trairo, no nosso municpio, Itaituba
tambm no . Eu levei gente daqui pra Itaituba, pra trata-
mento, mas com apoio do Exrcito, e hoje ns no temos esse
apoio. E Altamira, se ns no tiver nem um centavo, ns j
vamos. Como esse velho que passou aqui agorinha [doente],
ele no t l porque melhorou, mas ele j tinha alado com
o secretrio l, e o carro j vinha por ele na Maribel. E l a
gente pode at achar algum que aa uma carona pra ns,
mas no temos esse poder de cobrar do pessoal do Trairo, de
Itaituba, porque no nosso municpio.
Deveramos presumir, ento, que as amlias que no habitam
o alto Riozinho se opem terminantemente reabertura da estra-da? De orma alguma. Na prtica, quando instados a se posicionar,
oram poucos os moradores que se disseram contrrios recupe-
rao da via. A distribuio das opinies nas regies da Resex
pode ser observada nos Grfcos 4.1 e 4.2.
Para compreender esse quadro, importante lembrar que, em-
bora tenhamos em itens anteriores algumas dierenas socioeco-
nmicas entre as amlias do alto e baixo Riozinho, no se trata
de uma desigualdade gritante. Em outras palavras, os moradores
de baixo tambm tm diculdades cotidianas para atendimentos
mdicos emergenciais, de escoamento de sua produo, de des-
vantagens no comrcio com os regates etc. So, portanto, muito
capazes de se solidarizar com a situao dos moradores do alto, e
reconhecer que sua vida poderia, talvez, melhorar com a estrada
reaberta. Como resume Dirceu: Sobre a preciso deles, tudo que
eles contam pouco. Gente morrendo mngua. Seu Paulo Hen-
rique tambm se mostra solidrio: No sou contra, no. Porque
a gente no pensa s na gente.Pra eles, l, ca timo. Ainda queno me benecie nada pra mim, eu no sou contra.
. RestRies
Se a solidariedade se traduz em apoio, importante dizer que
esse apoio no incondicional. At mesmo moradores da poro
mais alta do Riozinho reconheceram que uma estrada uncional
ligando a beira do rio a centros urbanos prximos traria bene-
cios, mas tambm poderia implicar problemas.
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Grf . Opinio sobre a
estrada por localidades da
Resex.
Grf . Opinio sobre
a estrada de acordo com a
regio da Resex.
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As preocupaes principais de quem no abraa incondicional-
mente a ideia da estrada se concentraram, em primeiro lugar, na
reerncia a um possvel retorno de grileiros e madeireiros que te-
riam se aastado aps a criao da Resex, o que signicaria novose maiores esbulhos e o reavivar de antigos confitos. Num segundo
momento, registrou-se uma apreenso mais diusa com a possibi-
lidade de ocupao de pores da Resex por pessoas quaisquer,
a disputar espao e recursos com os atuais moradores. Na ala de
Joo Pedro, vemos sintetizados ambos os medos: De ser boa [a
estrada], uma coisa boa, s que ela pode trazer muitos proble-
mas. Da pra essa estrada uncionar, o Ibama deve de tomar muito
cuidado, pra no ter invasor. Pode ter. Prprio grileiro, gente que
v a estrada aberta....
Ante essas perspectivas e projees, os moradores costumavam
apresentar possveis solues, ou seja, certos condicionantes sem
cujo cumprimento acreditam, a sim, que a estrada no deveria
ser construda.
Resta apresentar, assim, quais seriam as possveis solues, tan-
to aquelas aventadas pela prpria populao como as levantadas
neste trabalho, para mitigar os eventuais impactos negativos da
eetivao do projeto. Uma alternativa comumente citada pelosbeiradeiros seria a restrio do acesso estrada, com instalao
de algum tipo de equipamento, como porteira ou, principalmente,
uma guarita vigiada. Nesse caso, diz-se do vigia que poderia ser
tanto algum da Resex como, preerencialmente, do rgo gestor,
ainda bastante conundido com o Ibama. Segurana que eu digo
uma guarita, com o prprio Ibama, disse Joo Pedro; A gente
az uma porteira, e no entra [gente indesejada], no. A gente
caa a uma pessoa pra tomar de conta, prope dona Clarice.Sem mencionar diretamente uma restrio sica ao acesso
estrada, muitos mencionaram a necessidade de algum tipo de
scalizao ou monitoramento por parte do poder pblico. Eu
penso assim, que o ICMBio s vezes acho que ele pode de vez em
quando dar uma olhada, ver se tem algum querendo... ou ento
mesmo a gente, se tiver algum querendo entrar, a gente pode
[scalizar], arma Alredo. Seu Claudemir tem opinio seme-
lhante: [A estrada] atrapalha se a gente liberar pra encher de
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gente. Mas se tiver uma ordem, o Ibama scalizando, quem entrar
ora, sai.
Por m, h quem acredite que o prprio movimento de pessoas
da Resex na estrada uncionaria como monitoramento, coibindoaes criminosas na UC; e h tambm aqueles, como Leonor, para
quem a estrada no deveria ser construda em hiptese alguma:
Rapaz, pra mim mesmo eu acho que no vai ser bom, no. Pra
mim, bom do jeito que t. Se tem essa da Maribel, na minha
opinio, essa da t valendo. Por mim mesmo, ela no saa
nunca. Eu acho que vai ser ruim. Tenho pra mim que vai tra-
zer de runa, muito bandido que pode varar at de ps, que
o pessoal j tem o costume de varar de ps. Eles podem novir pela estrada, assim, do jeito que ns vem ou ns vamos,
mas eles vm de outra maneira. Se no tiver uma segurana
l, eu acho que no o certo, no. Pra mim, no. Eu sou con-
tra mesmo essa estrada. No sei se pelo meu costume... Por
mim no sairia nunca.
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5. A esrada de
So Paulo
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A primeira vez que eu andei nessa esradaeu inha nove anos. Quando meu painasceu, em 1913, essa esrada j exisia. Eu
sei porque meu pai me conava. Quandoele morreu, eu inha 18 anos. Ele conavaque quando ele nasceu j exisia ela, essavarao daqui pra Iaiuba.Seu Janurio
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Quando meu av veio do Cear, com a idade de 20 anos, meu
av chegou pra c, da ele entrou com a amlia dele, veio
com flho, a veio azendo essa varao pra c. Meu av cor-
tava, meu pai cortava seringa tambm. A estrada oi eita do Paranaqui para tirar seringa da borracha, que eles cortavam seringa. An-
tigamente o ramo era seringa, antigamente no existia outro ramo.
O ramo era seringa e azia o roado pra gente comer o plantio que a
gente azia. Cortava seringa e botava roa. Quando era fnal de ano,
o seringueiro descia ajustar conta com o patro l em Itaituba. Era
desse jeito. E de ms em ms vinha o comboio, trazer rancho, o que
precisava pro seringueiro. O comboio que ns chama, o pessoal hoje
chama tropa, n, negcio de burro. Era de burro de l do Paran Mi-
rim presse meio aqui tudinho de burro. At o Riozinho.
A descrio que seu Aguinaldo az hoje do que era o Riozinho
do Anrsio na virada do sculo xix aproxima essa realidade da de
muitas outras regies amaznicas em que imperava a coleta da
borracha para exportao, com seu sistema de aviamento, suas
relaes de trabalho, sua atividade extrativa crescentemente co